Os Grandes Princípios Batistas

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Os Grandes Princpios Batistas.

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para um congresso doutrinrio em Altamira, Par, novembro de 2009 Vimos um pouco da histria dos batistas. Vimos tambm que, a rigor, no temos um fundador da igreja batista, porque vrias comunidades batistas comearam a pipocar na poca do surgimento da primeira igreja batista no mundo. Nossa origem histrica pode remontar ao pastor John Smith e ao advogado Thomas Helwys, mas eles no criaram nossos princpios e nossas doutrinas. Vimos, tambm, certa confuso dos primeiros batistas exatamente por causa de no termos uma origem numa pessoa, mas ao redor de princpios. Os princpios j estavam l e foram entendidos por vrias pessoas, em vrios grupos. O que tornou difcil remontar a uma origem proclamada num lugar, dia e ms, embora consideremos a igreja fundada na Holanda, em 1609, como a primeira igreja batista. Mas sabemos que h diferenas de interpretaes, o que mostra no haver unanimidade, embora a maioria opte como optei. Perguntemo-nos: o que direcionou os primeiros batistas? Por que eles surgiram? Vamos examinar os pontos principais balizadores dos batistas. Eles so a linha por onde andaremos. Examinado nosso passado histrico e nossa teologia, ouso apontar oito pontos principais, dentre vrios. So eles: a suficincia das Escrituras, a liberdade de opinio, o batismo consciente de crentes, a segurana eterna dos salvos, as ordenanas (batismo e ceia), o sacerdcio universal de todos os crentes, a igreja local com governo congregacional autnomo, a separao entre os poderes civil e religioso. Temos estas caractersticas desde o incio de nossa histria, no sculo XVII. Algum dir que estes pontos so genricos e me cobrar mais especificidade. Respondo que o ensino de Jesus e a Bblia so genricos, a tal ponto que grupos como Testemunhas de Jeov e Mrmons se dizem cristos, embora, a rigor, no sejam. Pelo menos, o primeiro, definitivamente, no , por no crer na divindade de Jesus. Ns que particularizamos e criamos mincias. Algumas destas mincias so necessrias, mas outras so culturais e no podem ser vistas como princpios teolgicos universais dos batistas. Temos doutrinas que partilhamos com outros grupos, at mesmo com a Igreja Catlica, como o nascimento virginal de Jesus, sua perfeita humanidade e sua perfeita divindade, sua morte e ressurreio, Mas estes princpios so nossas caractersticas maiores e deles derivam algumas posturas doutrinrias. A observncia ou no destes pontos responsvel por erros que aparecem com roupagem diferente em nosso tempo. Eles se ampliam em outros aspectos. Vamos consider-los, portanto. A SUFICINCIA DAS ESCRITURAS A Declarao Doutrinria diz: A Bblia a palavra de Deus em linguagem humana. o registro que Deus fez de si mesmo aos homens. Paremos aqui, que basta. Isto mostra porque a consideramos suficiente para nos nortear religiosamente. No basta dizer que a Bblia a Palavra de Deus. Todo grupo hertico diz isso, mas estabelece suas normas com base na sua tradio ou mandamentos de fundadores ou lderes que tenham o poder. A Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira um documento que me soa bem e no qual me situo sem problemas. Mas um indicativo e no normativo. Ele indica o que cremos e no uma norma para ns. Nossa normativa so as Escrituras e nenhum outro documento. Ningum deixar de ser batista por no aceitar a Declarao Doutrinria da CBB. H grupos batistas que

no a aceitam. Mas qualquer batista que negue a Bblia como Palavra de Deus colocou em xeque seu carter batista. Seguimos o Sola Scriptura de Lutero. Ele rejeitou que a Tradio e o Magistrio da Igreja regessem a teologia da Igreja. Isto nos serve. Temos muito de tradio e de magistrio como formadores de nossa teologia. Por mais santo que seja um pastor, ele no pode ser a autoridade final para a igreja, e se discordar da Bblia, ele est errado. A Bblia rege nossa doutrina e nossa prtica. Os batistas sempre nutriram profundo zelo pelas Escrituras. Quando ela fala, ns falamos. Quando ela cala, ns calamos. Todo material que produzimos e toda postura eclesiolgica devem ser avaliados por ela. No se deu certo em algum lugar ou se est enchendo alguma igreja em algum lugar, ou se foi proferida por algum telogo ou pastor consagrado ou famoso, mas se bblico. Todas as heresias nasceram de pessoas espirituais e zelosas, e no de pessoas depravadas. Delas se pode dizer o que Paulo disse dos judeus: tm zelo por Deus, mas no com entendimento. O entendimento correto das Escrituras fundamental para uma denominao sadia. E o fato de ela ser suficiente bsico. A LIBERDADE DE OPINIO Na Declarao Doutrinria, Liberdade de opinio tornou-se um tpico dentro de O indivduo. Entendo o que foi feito, mas quero abordar o aspecto de liberdade de opinio ou liberdade de expresso. um legado nosso aos demais grupos evanglicos. Ns o estabelecemos com nosso testemunho e nosso ensino. A monarquia catlica ou a teocracia protestante nunca predominariam em meio conscincia batista. A tentativa de se formar uma Genebra calvinista nunca vingaria entre ns. Ainda bem, porque a Genebra de Calvino foi sanguinria. Mas a liberdade de opinio no se restringe ao falar, mas ao decidir sua vida. Cito trecho do livro Quatro frgeis liberdades, de Walter Shurden: A liberdade individual a afirmao histrica do direito e da responsabilidade inalienveis de cada pessoa em se relacionar com Deus, sem imposio de credos, interferncia do clero ou interveno do governo civil (p. 20). Um jovem pastor de 24 anos, Roger Williams encarnou isso em sua vida. Ele comeou seu pastorado em Boston, em 1631. Logo desagradou as autoridades locais. Ele recusava o direito dos magistrados em decretarem penalidades jurdicas por infraes religiosas. Williams achava que igreja e Estado deviam ser absolutamente distintos, o que, alis, os separatistas ingleses defendiam. Ele no criou o princpio, mas levou-o s ltimas conseqncias. Roger Williams defendia bem mais que separao entre igreja e Estado. Defendia a absoluta liberdade religiosa. O Estado no tem direito de impor sua f a ningum. As pessoas tm o direito de escolher a sua f e at mesmo no professar f alguma. Cada pessoa responsvel por sua vida e por suas decises. O homem no pode ser tutelado nem pela igreja pelo Estado. Por isso tambm que nunca podemos apoiar ditadura alguma. E toda e qualquer intolerncia, seja racial, social, religiosa, ideolgica ou poltica deve ser rejeitada por ns. Expulso de Boston, num inverno rigoroso, e tendo sido salvo pelos ndios, Roger Williams fundou uma pequena colnia, na Baa de Narragansett, com algumas de suas ex-ovelhas da Igreja Episcopal, que o acompanharam. No documento de fundao da colnia se definiram como postulados a tolerncia religiosa e a liberdade de opinio. Isto motivo de satisfao para ns, ao mesmo que se torna um lembrete sobre como devemos proceder. A primeira comunidade que estabeleceu como princpio a liberdade religiosa absoluta foi fundada por um homem que veio a se tornar batista e que, em 1639, fundou a primeira igreja batista em solo

americano. A liberdade de expresso um fundamento muito caro aos batistas. A riqueza da Igreja de Cristo est na sua diversidade. Isto se verifica at mesmo na chamada dos doze, feita por Jesus. Eles eram pessoas diferentes. Pescadores, cobradores de impostos, um guerrilheiro (aceitando a tese de Oscar Cullman de que Judas Iscariotes quer dizer Judas, o homem do punhal). Um colaboracionista com Roma, o poder dominante, e um revolucionrio, contra o poder dominante, portanto. Ambos chamados por Jesus. Esta liberdade de opinio permite que a CBB abrigue diferentes correntes escatolgicas. Ela guardou o princpio batista. Outros grupos batistas exigem uma postura especfica. No o nosso caso. Abrigamos diversas tendncias porque este ponto no fundamental, mas secundrio. Liberdade de expresso uma conseqncia inevitvel de no termos um papa ou algum infalvel, que todos temos o Esprito Santo, que somos todos falveis, tambm. a aplicao do sacerdcio universal de todos os salvos. Todos temos acesso a Deus, todos temos o Esprito Santo, nenhum de ns mais conectado a Deus que os demais, para ter o monoplio de Deus. O autoritarismo teolgico uma agresso em si, e tambm uma agresso nossa histria. obvio que temos divergncias. Alis, o captulo X do livro de Faircloth e Torbert, Esboo da Histria dos Baptistas, se intitula Livres Para Divergir. E mostra algumas das divergncias histricas entre os vrios grupos batistas. Mas como algum j disse, um bom princpio a se observar aqui : Nas pequenas coisas, diversidade; nas questes capitais, unidade; em todas as coisas, caridade. Divergncias no cristianismo aparecem cedo, como vemos em Atos 15, e nas cartas de Paulo, todas elas escritas para resolver problemas na vida das igrejas (talvez as excees sejam Efsios e Filipenses). Mas atitude crist saber viver com divergncias. E tambm uma marca do esprito batista. O BATISMO CONSCIENTE DE CRENTES Prefiro este termo batismo de adultos, porque batizamos crianas e adolescentes. No batizamos bebs. A idia de que o batismo tinha poder salvador se arraigou lentamente na igreja. Pelo quarto sculo, o sacramentalismo imps a ceia e o batismo como sacramentos que deviam ser ministrados para trazerem graa espiritual. O batismo passou a ser algo praticado para se alcanar a salvao. Mas desde o segundo sculo que a prtica de batizar crianas se institucionalizara na igreja. Segundo O Didaqu, obra ainda do primeiro sculo, a igreja primitiva usava a imerso e a afuso como mtodos de batismo. Parece que as crianas (no no Novo Testamento, pois no temos notcia de batismo infantil neste perodo) eram submetidas afuso e, mais tarde, asperso. A idia do batismo como sacramento deve nos alertar. Com muita facilidade as pessoas transferem para objetos, gestos e ritos, alguns poderes especiais (no seu entendimento). Muitas vezes sacramentamos formas e ritos. J ouvi gente dizer que o Cantor Cristo inspirado e que nunca deveramos ter um novo hinrio, que no inspirado. Inspirado, para ns, s a Bblia. Nenhum material pode ser visto como sagrado. Isto traz problemas, pelos desdobramentos posteriores. O Cantor Cristo bom, e mais seguro que uma multido de corinhos aguados, bobinhos, e sem contedo que nos empurram em nossos cultos, mas no inspirado. Os separatistas se esforaram para haver uma igreja composta apenas de crentes regenerados. S se pode ser membro da igreja pelo batismo e este s pode ser aplicado a pessoas conscientes do que fazem. Ningum pode impor o batismo a outro. E a nica motivao a converso a Jesus. Batizei uma pessoa que fora batizada na Universal. Antes de faz-lo,

quando questionei o porqu de seu batismo, a resposta veio mais ou menos nestes termos: Eu recebi uma bno l na igreja. A me disseram que se eu quisesse continuar sendo abenoada eu deveria ser da igreja e para isso teria que me batizar. Ento fui batizada para continuar sendo abenoada. No esta a motivao para o batismo. A motivao a f em Jesus. Os textos bblicos so claros: quem crer e for batizado (Mc 16.16) e Que impede que eu seja batizado? lcito se crs (At 8.36-37). A adoo do cristianismo pelo poder civil levou muita gente a se batizar, mas sem nenhuma convico religiosa. A igreja recebeu membros incrdulos, no regenerados. Mas submetidos a um ritual chamado batismo. Este um problema quando as linhas entre o poder civil e a igreja so tnues ou so apagadas. A igreja deixa de ser igreja. A concepo mgica do batismo tambm produziu muitos membros da igreja incrdulos. H informes da crise teolgica de jesutas que vieram para o Brasil. Acreditavam que batizando o ndio, este se converteria, pois o batismo tinha um poder sacramental, mgico-mtico. Mas batizava-se o ndio e este continuava antropfago e idlatra. O batismo no regenera. Deve testemunhar a regenerao. O batismo consciente de adultos faz com que a igreja se componha de convertidos. Se hoje, batizando apenas adultos, temos uma quantidade enorme de gente encostada em nosso meio, imagine-se batizando-se bebs recm-nascidos e considerando-os membros da igreja! Esta insistncia no batismo somente de crentes fez com que o rtulo de anabatistas fosse aplicado a muita gente que nada em comum tinha com os anabatistas. E algumas pessoas o aplicam aos primeiros batistas. Mas este era um termo genrico, como hoje o termo evanglico que para nossa bem informada mdia engloba todo mundo que no seja catlico. Mas os anabatistas remontam a 1490, sendo Conrado Grebel, um ex-cooperador de Zunglio, seu fundador. Discordou de Zunglio por no aceitar o batismo infantil. Com os anabatistas, os batistas tinham em comum o batismo apenas de regenerados, uma Igreja composta apenas de regenerados, a supremacia das Escrituras e a liberdade civil e religiosa. Mas discordavam deles no seu pacifismo radical, sua omisso como cidados (alguns anabatistas viam o Estado como demonaco) e sua proibio de juramentos, inclusive em tribunais, alm de pontos de vista teolgicos sobre encarnao e hipnose da alma e a necessidade da sucesso apostlica para o batismo. Mas voltemos viso sobre o batismo consciente de crentes. Neste aspecto do batismo, os batistas devem aos menonitas. De 1609 at 1638, os batistas praticavam apenas a afuso. No contato com os menonitas aprenderam o batismo por imerso. Em 1638, a Igreja de Spilsbury declarou que s aceitaria o batismo por imerso. Em 1644, sete igrejas batistas assumiram uma declarao doutrinria, chamada de Confisso de Londres, em que a forma de batismo era por imerso, aceitando a declarao da Igreja de Spilsbury. Desde ento, esta vem sendo a prtica dominante em nosso meio. A SEGURANA ETERNA DOS SALVOS Esta outra herana teolgica preciosa dos batistas. A Declarao Doutrinria afirma: O preo da redeno eterna do crente foi pago de uma vez por Jesus Cristo, pelo derramamento do seu sangue na cruz. Chamo a sua ateno para as expresses redeno eterna, pago de uma vez e pelo derramamento de seu sangue na cruz. A salvao eterna. No temporria nem parcial. O assunto foi resolvido de uma vez por todas na cruz. Cristo no deu uma entrada e deixou as prestaes para pagarmos. Pagou tudo, de uma vez. Seu sacrifcio foi suficiente, nico, irrepetvel e perfeito. E o preo pago por ele foi seu prprio sangue. No processo da

salvao, no somos o agente, mas Jesus Cristo o . E sua obra perfeita. A salvao no depende de ns, mas dele. Ele no rejeita o pecador que vem a ele, nem se arrepende de nos ter salvado. Mas conheci muita gente que esteve na igreja e hoje est excluda!, dir algum. A antiga Confisso de F, substituda pela Declarao Doutrinria, trazia o item XI, Da Perseverana dos Santos. Nele se diz: Cremos que s so crentes verdadeiros aqueles que perseveram at o fim; que a sua ligao perseverante com Cristo o grande sinal que os distingue dos que professam superficialmente. Um verdadeiro salvo persevera na f: Saram dentre ns, mas no eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saram para que se manifestasse que no so dos nossos (1Jo 2.19). A salvao obra exclusiva de Jesus Cristo. Ns no a produzimos. Ns a aceitamos. A salvao est relacionada com o carter do nosso Salvador. Ela no depende de nossos esforos. Quando se pensa na possibilidade da perda da salvao, assume-se que h esforos humanos que podem derrubar o que Cristo fez. E coloca-se a salvao como algo que podemos ter ou deixar de ter com base no que fizemos ou deixamos de fazer. Ela deixa de ser obra da graa. Esta concepo batista torna a igreja uma instituio que, espiritualmente, est segura para sempre, pela sua f em Cristo. Ela no clube onde a pessoa entra e sai. Ela face visvel do reino invisvel, a ponta do iceberg. Envolver-se com a igreja local, sendo-se regenerado, estar na Igreja Militante, a Universal. H coerncia batista quando se analisa esta doutrina junto com a do batismo apenas para regenerados. No h como algum realmente batizado vir a se desviar. Se a pessoa foi regenerada pelo poder do Esprito Santo e foi batizada, ento est segura. Isto nos recorda que o batismo no para simpatizantes do evangelho, mas para regenerados pelo evangelho. Temos batizado muitos simpatizantes do evangelho, que, um dia, no sendo convertidos, iro embora. Quando o batizado um regenerado, permanecer na f. Se a pessoa morreu para vida anterior, como voltar a viver nela? E tambm, para ns, a garantia de que a verdadeira igreja estar preservada, pois ser sempre de regenerados. Ao mesmo tempo, uma advertncia para quem se chega a uma igreja batista: est assumindo um compromisso para sempre. Ser membro de uma igreja batista um sinal, uma declarao, de converso a Jesus Cristo e a expresso do desejo de se unir ao seu povo. Ao mesmo tempo uma declarao de que se est assumindo um compromisso com Cristo e o seu evangelho para sempre. A identidade de um batista forte, aqui: ele um salvo para sempre e por completo. BATISMO E CEIA COMO ORDENANAS E NO COMO SACRAMENTOS Sacramento o ato religioso que santifica ou confere graa a quem o recebe. Ordenana o reconhecimento de quem uma determinada ordem foi atribuda a algum. H uma diferena muito grande entre os dois. A idia do batismo e da ceia do Senhor como sacramentos data do quarto sculo. E veio um desdobramento: por serem ritos mgicos, eles necessitam de uma classe especial de pessoas. Por isso, com o sacramento veio logo o surgimento de um clero. Para a Igreja Catlica, os sacramentos so sete: batismo, confirmao, eucaristia, penitncia, extrema-uno, ordem e matrimnio. So elementos que conferem graas. Os batistas entendem que Jesus deixou duas celebraes que as igrejas devem observar: o batismo e a ceia. No transmitem graa, mas so atos de celebrao da f. O batismo celebra e testemunha nossa converso a Cristo e proclama a disposio de uma vida com ele. A ceia

celebra a morte vicria de Cristo e anuncia sua volta. Alguns outros pequenos grupos batistas adotam, ainda o lava-ps. Mas so poucos. J falei um pouco sobre batismo. Abordamo-lo aqui apenas pelo ngulo de no ser um sacramento. Falo, ento, da ceia. A postura catlica a da transubstanciao: o po e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Isso se d quando do ofertrio, na missa, quando o padre oferece os elementos a Deus. Eles so transformados. Por isso, no chame o momento de dzimos e ofertas de ofertrio. A menos que haja l algum padre que esteja transformando os elementos no corpo e sangue de Cristo. Os batistas no tm ofertrio. Tm devoluo dos dzimos. Devoluo porque dzimo no se paga nem se d. Devolve-se. No nosso, de Deus e veio nossa mo por algum momento. Lutero adotou a consubstanciao: o po e o vinho no se transformam no corpo e sangue de Cristo, mas Cristo est com a substncia. Zunglio defendia a presena espiritual de Cristo quando da celebrao da ceia. Os batistas no aceitam nenhuma destas posies. Entendem ser um memorial. Baseam-se nas palavras de Jesus: fazei isto em memria de mim. Batismo e ceia no conferem graas, mas testemunham de nossa f. Por isso que no chamamos a ceia de santa ceia. No chamamos o batismo de santo batismo. O valor da cerimnia no est na sua possvel santidade, mas no seu sentido. preciso reafirmar nossa posio anti-sacramentalista, porque vemos hoje o regresso desta prtica, metamorfoseada pelo neopentecostalismo, no meio das igrejas evanglicas. O cenrio evanglico atual apresenta um cenrio com elementos mgicos e sagrados presentes. H igrejas distribuindo sal do mar Morto para abrir caminho, azeite que teria vindo do monte das Oliveiras sendo usado para ungir as pessoas (h alguma usina de beneficiamento de azeitonas l?) e at crucifixos feitos da cruz de Jesus (pastores evanglicos, sim!). Generaliza-se a prtica de beber gua de um copo devidamente benzido pela orao do pastor, to supersticiosa como a gua benta do padre. Uma pessoa alegou que se sentiu bem depois de beber daquela gua. a figura sacramental: o sentimentalismo e a sensao ocupam o lugar da Bblia. H um fetichismo em nosso meio: terra santa, areia santa, gua santa, sal santo, folha de oliveira santa, etc. No cristianismo as pessoas so santas, e no as coisas. No cristianismo no h lugares e objetos santos. Considerar objetos como sagrados leva a santific-los. A surgem duas irms gmeas: a idolatria e a superstio. Por isso reafirmemos: no temos sacramentos e repudiamos a espiritualizao de smbolos e de gestos. O transmissor de graa o Esprito Santo. Ele habita em ns, se somos convertidos. Se algum no , pode se afogar nas guas do Jordo, ficar com barriga dgua de tanto beber gua ungida pela orao do pastor, que isso no adiantar nada. A f deve ser posta em Deus e no em coisas nem em gestos nem em ritos. Um batista que preze sua identidade no se envolver com o fetichismo neo-sacramentalismo pentecostal. O SACERDCIO UNIVERSAL DE TODOS OS SALVOS Desde o incio, os batistas partilharam com os vrios grupos insatisfeitos com o protestantismo e com os separatistas, os insatisfeitos da Igreja da Inglaterra, a rejeio de um clero. Isto o que se chama a doutrina do sacerdcio universal de todos os salvos. Num certo sentido, no temos sacerdotes entre ns. Isto no sentido de algum com mais acesso a Deus do que os demais. Noutro sentido, todos somos sacerdotes porque todos temos acesso a Deus, sem necessidade um mediador humano.

O pastor no um sacerdote. Sua orao vale tanto, aos olhos de Deus, como a orao do zelador da igreja, desde que este seja crente. A orao do crente ouvida por causa da graa de Deus, da mediao de Jesus e da intercesso que o Esprito faz por ns, junto Trindade. A identidade batista fortemente marcada por esta concepo teolgica: o sacerdcio universal de todos os salvos, em conseqncia do livre acesso que todos ns temos presena divina. No entanto, esta doutrina to valiosa est sendo diluda em nosso meio. Isto sucede por causa do entendimento de que temos um clero e um laicato. Todos ns somos ministros, pois todos somos servos. E todos somos leigos, porque todos somos povo ( este o sentido da palavra leigo, algum do povo). No temos clero nem laicato, como batistas. Somos todos ministros e somos, todos, povo. Mas isto tem sido esquecido, porque, cada vez mais, a igreja mergulha no Antigo Testamento e no no Novo. Usamos os termos do Novo com a conotao do Antigo. Muita gente prega o Antigo Testamento sem analis-lo pelo Novo Testamento. Assim, o pastor do Novo Testamento passa a ter a conotao do sacerdote do Antigo Testamento. o ungido, o detentor de relao especial com Deus que os outros no tm. S ele pode realizar certos atos litrgicos, como se fosse o sacerdote do Antigo Testamento. Por exemplo, batismo e ceia s podem ser celebrados por ele. Assumimos isto, mas no uma exigncia bblica. Convencionamos isto. No meio carismtico isto mais forte. Os pastores tornam a igreja dependente deles. S eles tm a orao poderosa, a corrente de libertao s pode ser feita por eles e na igreja, s eles quebram as maldies, etc. O sentido teolgico do sacerdote hebreu permeia o sentido teolgico do pastor neotestamentrio. Isto convm ao pastor neopentecostal. Ele se torna um homem acima dos outros, incontestvel, lder que deve ser acatado. Tem uma autoridade espiritual que os outros no tm. Ele tem uma linha vermelha com Deus. Ora, se h algo que aprendemos sobre a liderana nos dois Testamentos, que o Antigo elitiza a liderana e o Novo a democratiza. Para o neopentecostal, o Novo Testamento, a mensagem da graa e a eclesiologia simples, despida de objetos, palavras e gestual sagrados no so interessantes. Assim, ele se refugia no Antigo Testamento. Por isso h igrejas evanglicas com castiais de sete braos e estrelas de Davi no lugar da cruz. Outras desfraldam a bandeira de Israel (e omitem a brasileira), guardam festas judaicas, e tm incensrios em seus sales de cultos. H evanglicos que parecem frustrados por no serem judeus. A liturgia pomposa do judasmo mais atraente e permite mais manobra ao lder que se pe acima dos outros. E com isso, os membros da igreja so os ajudantes do obreiro. Em Portugal, um dicono, conversando comigo, queixou-se da mentalidade catlica infiltrada nas igrejas batistas. O pastor era um sacerdote e os diconos, seus coroinhas. No meio neopentecstal, parece que o pastor um executivo espiritual e os membros, os pagadores de contas. Lutero tentou apagar o conceito catlico de que a Igreja era a liderana, o clero. Para ele, igreja era o povo e no a instituio, representado por seu clero. Ele no gostava da palavra kirche para igreja, porque enfatizava a instituio. Preferia gemeinde, que d a idia de comunidade. Ele queria a nfase no povo. O povo a igreja e o povo sacerdote. No h pessoas credenciadas para terem mais acesso a Deus, em detrimento de outras. No h sangue azul espiritual nem uma plebe espiritual. Deus trata seus filhos por igual, por causa da pessoa de Jesus Cristo Tudo isto pode ser resumido no expediente de um boletim de uma igreja batista dos Estados Unidos. L constava: Ministros da Igreja: todos os crentes. Auxiliar dos ministros: o Pastor da Igreja. Deus no deu a tarefa de fazer a obra aos pastores, a no ser a tarefa de serem

pastores. A tarefa de fazer a obra foi dada Igreja como um todo. E o Esprito foi dado a todos e no apenas aos pastores. A AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL Este outro princpio batista inegocivel. E onde devo contextulizar um pouco mais porque temos problemas srios nesta rea. Entendo que vivemos um tempo bem diferente do vivido h 20 anos. As estruturas denominacionais passam por um processo de desgaste junto s igrejas. Sua imagem est afetada. Isto conseqncia at mesmo de um dado cultural, a psmodernidade, momento social em que vivemos e em que as estruturas so questionadas e deixadas de lado, e o individualismo cada vez mais acentuado. Para piorar, em algumas de nossas instituies denominacionais houve m gerncia, e isto atingiu as demais. Em outras, houve aodamento de pessoas que confundiram as coisas e conseguiram, com suas atitudes, criar uma postura refratria por parte das igrejas. Zelosas pelo seu trabalho, algumas pessoas comearam a pressionar as igrejas e a reclamar das no colaboradoras, muitas vezes insinuando no serem batistas ou serem desengajadas da doutrina batista por no contriburem financeiramente para a instituio. Em outras vezes, a luta por poder, nos bastidores, em nada difere da luta que se v no mundo. Esta confuso, para mim, se deu porque se ignorou o fato de que a estrutura serva das igrejas e existe em funo delas e no o oposto. Nem mesmo chamo nossas instituies de denominao porque denominao, no meu entendimento, so as igrejas e as doutrinas que elas sustentam. Chamo de estrutura e as vejo como praeclesisticas, ou seja, elas existem para caminharem ao lado das igrejas. Por isso, entendo que as estruturas precisam rever seus mtodos e seu discurso. No devem cobrar das igrejas, mas mostrar sua competncia, sua administrao com lisura, e como esto levando a obra das igrejas frente. Parece-me surrealista que alguns vejam as igrejas como adversrias da denominao. Elas so a denominao! As igrejas tm diminudo sua colaborao para a estrutura, tanto em finanas como em envolvimento. Por isso, vez por outra se lem artigos em que algum reclama da autonomia da igreja local e critica as que no esto cerrando fileiras com a estrutura. Seria bom fazer com que as igrejas todas assumissem o programa da estrutura e bem como os nus decorrentes da funcionalizao do programa. A autonomia leva pulverizao, mas a centralizao leva uniformidade nos erros. Cito um trecho de um batista insuspeito, Jos dos Reis Pereira. Poucos batistas foram to engajados na obra como ele. Certa vez, em uma carta, ele me disse que estava com 24 atribuies denominacionais. Reis Pereira foi uma vela que se gastou dos dois lados. Eis o texto: Os Batistas Gerais decaram proporo em que uma forte tendncia centralizadora triunfava entre eles. Vitoriosa essa tendncia a autonomia das igrejas locais foi sacrificada. E um outro princpio batista, esse da autonomia da igreja local (Breve Histria dos Batistas, p. 81). Centralizar o poder e fortalecer o centro no melhorar a situao. Reis diz que a histria j provou isso. Deve-se fortalecer e melhorar a base, que so as igrejas. Se estas forem fortes e sadias, a denominao ser forte e sadia. No se pode negar a autonomia da igreja local, at mesmo porque o Novo Testamento s mostra uma instituio, que ela, e desconhece as que criamos. O que criamos no antibblico, mas abblico. No errado, mas existe para funcionalizar e vitalizar a igreja local. O que devemos fazer mostrar que as igrejas do Novo Testamento viviam em cooperao, que se ajudavam, como Paulo mostra em suas cartas. Autonomia e cooperao no so antnimos. As igrejas se engajavam em projetos comuns, mas tudo partia delas. At mesmo o envio de

missionrios. Os missionrios eram enviados pelas igrejas e eram missionrios das igrejas e nunca enviados por uma instituio. Sei que os tempos so outros, as circunstncias culturais so outras, mas me parece que muitas vezes olhamos pelo lado errado do binculo. A pedra de toque do processo batista a igreja local. Somos congregacionais desde nossa origem: o governo pertence congregao local e ela no est sujeita a nenhuma outra instncia. E cooperao, sim. Mas sacrifcio ou abandono da autonomia da igreja local, nunca! Esta doutrina nos permite declarar que a maior e mais rica igreja batista vale tanto quanto a menor e mais pobre. E o que se faz em nome dos batistas precisa do aval moral das igrejas para ter credibilidade entre elas. No se trata apenas de autonomia da igreja local, mas de sua soberania. As estruturas precisam se compatibilizar com as igrejas. At mesmo por um fator muito simples: precisam delas para sobreviver. A SEPARAO ENTRE IGREJA E ESTADO Este item amplia a liberdade da igreja. Ela no est subordinada ao Estado e ela e o Estado tm esferas diferentes. A igreja cidad deste mundo e sujeita-se a leis de justia e de bom senso. Mas deve dizer: Mas Pedro e Joo, respondendo, lhes disseram: Julgai vs se justo diante de Deus ouvir-nos antes a vs do que a Deus (At 4.19). A lealdade ltima da igreja para com Deus e sua Palavra. Sua ptria mais amada a celestial. O Estado tambm est sob a lei da justia divina. No Antigo Testamento, Iahweh escolheu Israel, mas Senhor de todas as naes e toda a terra. Devemos nos lembrar disto. Na Escandinvia, os pastores luteranos so pagos pelo Estado. No Brasil, constantemente, verbas pblicas so usadas para recuperar igrejas catlicas, sob desculpa de patrimnio arquitetnico ou cultural. Mas so lugares de cultos. Isto contra nosso princpio de um Estado leigo, que no deve investir em nenhuma religio nem beneficiar nenhum culto. Diferentemente de grupos anabatistas e outros radicais do sculo 16, os batistas no questionam o Estado por ser Estado. Mas no o sacralizam. O Apocalipse mostra o Cordeiro contra um Estado que deseja ser Deus. Nosso compromisso com a justia, com a honestidade e com a dignidade humana. Podemos nos rejubilar de termos em nossa histria um Prmio Nobel da Paz, o Pr. Martin Luther King Jr, assim agraciado pela sua luta pelos direitos dos negros norte-americanos. Mas, quando a turma de formandos do Seminrio do Sul, em 1968, o tomou como seu paraninfo, alguns dos missionrios americanos que lecionavam no Seminrio, bem como parte da cpula batista brasileira, ficaram indignados com os alunos. Sintonizados com o regime militar, achavam que King era um comunista, um agitador. Que miopia! E perda de senso de histria! Uma igreja batista no da direita nem da esquerda nem mesmo do centro. de cima. Seus valores so espirituais e celestiais. Uma igreja batista faz parte da igreja de Cristo, que multirracial, multi-tnica, multigeogrfica. Sou brasileiro e no me envergonho disto. Digo como Fernando Pessoa: minha ptria a lngua portuguesa, ou seja, tenho uma identidade lingstica. Amo meu idioma, dizendo como Olavo Bilac: em que da voz materna ouvi: meu filho. Foi na lngua portuguesa, no Brasil, que ouvi minha me, Nelya Werdan, uma filha de suos, me chamar de filho. Foi neste pas, o Brasil, que duas famlias estrangeiras, os portugueses Gomes Coelho e os suos Werdan Suhett me deram origem. Mas, mais que brasileiro e descendente de portugueses e suos, sou cidado do reino do cu. Os princpios do reino celestial devem reger minha vida.

Deus no brasileiro nem tem nacionalidade alguma. Devemos ser patriotas, mas devemos discordar do Estado quando este invade rea que no sua. No lhe compete nos ditar f ou perspectivas religiosas. Pagamos impostos, servimos ao exrcito, damos nossa parcela para este pas. Mas no o sacralizamos nem o deificamos. O culto ao Estado produziu a aberrao chamada Cristos Alemes, que queria uma igreja germnica, de raa pura. Mas no admitimos a ingerncia do Estado em nossa vida. Nem transigimos nossos padres por causa do Estado. As casas de prostituio pagam taxas e so estabelecidas legalmente, mas a prostituio pecado. O que legal nem sempre moral. O casamento de homossexuais pode ser tolerado civilmente, mas pecado. Uma batista deve dizer como Lutero: sua conscincia cativa da Palavra de Deus. Somos cidados como todos os demais e no devemos esperar tratamento especial. errado igrejas batistas pedirem nibus s prefeituras e rgos pblicos para fazerem piqueniques. Se no tm dinheiro para alugar um nibus, no andem de nibus! Vo a p ou no faam piquenique! Se nos incomoda ver dinheiro pblico sendo usado para levantar esttuas a Iemanj em cidades da orla martima, deveria nos incomodar tambm o uso de dinheiro pblico para monumentos Bblia. O poder civil no pode patrocinar nenhuma religio! Nem a nossa! Nunca fomos subversivos. Mas no podemos ser coniventes com um Estado desumano, corrupto, desvalorizador do homem. Nosso norte so os valores da Palavra de Deus. Olhamos para eles e seguimos nossa jornada. O que se desvia deles, isso recriminamos. No se nos beneficia, mas se um princpio bblico. CONCLUSO Terminei a listagem e comentrios dos princpios batistas que me parecem os pilares de nossa postura. Podem ser bvios, mas assumi-los ou neg-los trazem desdobramentos, que tambm procurei aqui mostrar. A questo mais importante me parece ser esta: temos um passado nobre. No surgimos de um racha por causa de liderana, de voracidade por dinheiro ou por esquisitice. Surgimos ao redor de princpios. Que nossos ancestrais sustentaram por sculos. Muitos deram suas vidas por eles. Hoje, observ-los parece fcil. Mas nem sempre o fazemos. Por convenincia, porque nos atrapalham, porque impedem alguns planos nossos. Mas so princpios batistas que formam nossa identidade. Que nunca os abandonemos e que nunca percamos essa identidade.

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