Lirismo Crônico (Paulo Barja)

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LIRISMO CRÔNICO

Poesia
& Prosa
no País
da Bola

Paulo Barja
FICHA CATALOGRÁFICA

2
APRESENTAÇÃO

Alguns poderão achar que este é um livro sobre


futebol. É, também. Mas a ideia, aqui, foi escrever sobre
o ser humano e seus desafios. A Copa do Mundo foi o
mote – o cenário, digamos assim. Mas o que entra em
campo, em última análise, é a humanidade. O homem,
um solitário por natureza, dentro de campo pertence a
uma equipe e, numa Copa do Mundo, representa uma
nação.
Segundo o eterno mestre Nelson Rodrigues
(quase um guru espiritual deste trabalho), o jogador
deve entrar em campo com a pátria na ponta das
chuteiras. Ah, talvez isso tenha mudado com o tempo
(até mesmo a noção de pátria anda incerta atualmente).
Mas os bons ainda são assim: carregam consigo o país e
às vezes a esperança de um povo. E, ainda assim, são
apenas homens.
Achei que escrever sobre (tudo) isso dava jogo.
Será que deu? A bola, agora, está com vocês.

AGRADECIMENTO & DEDICATÓRIA

Agradeço a todos aqueles que leram parte dos


textos em redes sociais e no blog torcendo a favor da
publicação. A torcida joga junto (e, aqui, fez a diferença).
Dedico este trabalho a Reginaldo Poeta, torcedor e
amigo: um craque se eterniza através da sua arte. Valeu!

Paulo Barja

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POR QUEM JOGAM NOSSOS CRAQUES

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem


é uma partícula do continente, uma parte da terra;
se um torrão é arrastado para o mar,
a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório,
como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria;
a morte de qualquer homem diminui-me,
porque sou parte do gênero humano.
E por isso não perguntes por quem os sinos dobram;
eles dobram por ti”
– John Donne (séc.XVI/XVII)

O genial John Donne nos ensinou por quem os


sinos dobram muito antes da invenção do futebol
como o conhecemos hoje, também lá na Inglaterra.
E o Brasil reinventou o futebol. O Brasil: este país em
que vivemos e que tombou no Maracanã em 1950, sob
a bomba uruguaia; foi crucificado, morto e sepultado;
desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro
dia, sob as bênçãos de Pelé e com as pernas tortas de
Garrincha.
Cá estamos nós, cinco vitórias e 64 anos depois.
Enfrentamos e vencemos a ditadura. Sobrevivemos à
morte de Tancredo e a crises econômicas diversas.
Tropeçamos e nos reerguemos. O povo mostrou que
tem vez e voz. Sempre estivemos à espera deste
momento. Desde já, há algo de sagrado no ar.
O momento chegou.

4
Ninguém, por certo, questionará o Carnaval,
nem aqui nem na China. Pois então: a Copa do Mundo
é um Carnaval universalizado e onde – eis a suprema
delícia – ainda se pode perceber os toques locais: a
dança e as gargalhadas dos jogadores africanos onde
quer que estejam, a euforia dos alemães dançando
com os índios, a alegria dos holandeses batendo bola
como crianças na praia, a paixão avassaladora dos
italianos metendo 5 a 3 nos bravos jogadores do
Fluminense (numa bela exibição de ambos os times,
bela até nas falhas plásticas que resultaram em parte
dos gols do jogo).
Vamos para o campo. Vivos e mortos, vamos
todos para a Arena Corinthians. Cada chute a gol é um
grito em bom português de “olha só, não somos mais
vira latas, aqui nós somos o Primeiro Mundo, vejam”.
E a minha canela é atingida a cada pontapé dado no
Neymar.
Já disse o filósofo: eu sou eu e minhas
circunstâncias. Assim sendo, eu sou eu e o meu
planeta, eu sou eu e o meu país. E por isso não
perguntes por quem jogam nossos craques: eles jogam
por nós.

10/junho/2014

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PREVISÃO OU PROFECIA

Não tenho bola de cristal. Além do mais, tenho


problemas oculares que certamente me impediriam de
interpretar corretamente eventuais imagens que se
formassem na improvável tela esférica. Mas quero me
lançar assim mesmo ao mais humano dos esportes:
a profecia.
Observem: digo profecia e não previsão.
A previsão possui claro fundamento científico, baseia-
se em evidências concretas, análise de trajetórias e
cálculo de probabilidades. A previsão, em outras
palavras, tem viés matemático – e por isso mesmo é
assunto dos acionistas, altos investidores e canais de
TV a cabo.
Falo de profecia, consciente do caráter místico
da palavra. E o que pode ser mais místico do que uma
plantação retangular cheia de inscrições perfeitamente
geométricas (seriam sinais do espaço ou runas?),
sobre a qual periodicamente combatem duas hordas
de guerreiros, ali decidindo a sorte de nações inteiras?
Sim, meus amigos: em futebol, o que vale é a profecia,
não a previsão. A previsão tende a valer no basquete,
jogado em quadra coberta, ou na fórmula 1, em que o
consumo de combustível e a resistência dos pneus
podem determinar a vitória ou a derrota.

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E agora, após todo esse preâmbulo, uno-me às
cartomantes e aos leitores de búzios, tarô e (pasmem)
borra de café. Faço aqui minha profecia: a Copa do
Mundo de 2014 será a Copa da Superação.

Explico: não me refiro aqui aos coletivos, aos


elencos das seleções. Penso nos diversos dramas
particulares vividos recentemente por craques de todo
o planeta. Cristiano Ronaldo, português, o melhor do
mundo, ainda há pouco contorcia-se de dor no
gramado. Veio para o Brasil no sacrifício. Neymar,
menos mal, recuperou-se da temporada de caneladas
europeias após um mês de tratamento. Klose, o
veterano alemão, tem menos fôlego que em outras
Copas, mas não fugiu à luta. Mesmo a França, meus
amigos: a França, se triunfasse (espero que não o
faça), seria sob a inspiração do ausente Ribery,
cortado de última hora por lesão nas costas. E há
outros, de vários países, em situação semelhante.

Por tudo isso, a bola de cristal que não tenho


aponta apenas uma certeza transparente: esta será a
Copa da Superação.

11/junho/2014

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SONETO DE ABERTURA DA COPA

Eu sinto uma euforia indescritível


ao ver chegar o instante inicial
do jogo e do espetáculo; afinal,
é arte o futebol. E é belo, incrível!

Reservo-me o direito mais sagrado


de amar esse estandarte à minha frente.
Sou brasileiro sim, eternamente;
aqui, lá e acolá - e apaixonado.

É lindo superar cada perigo


e ver o berro impresso das manchetes
falando das vitórias brasileiras;

agora, com licença, meu amigo,


que a minha alma vai lançar confetes
e o meu espírito, calçar chuteiras!

12/junho/2014

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NA ARENA CORINTHIANS,
UMA VITÓRIA CORINTIANA

Sou santista, deixo claro de saída. Mas não há


como negar que a Arena Corinthians e a própria aura
corintiana tiveram papel fundamental neste jogo de
abertura da Copa 2014. O placar final foi nosso, 3 a 1.
Mas que sufoco!
A Arena Corinthians, todos sabem, foi
inaugurada recentemente; no primeiro jogo oficial, o
primeiro gol foi marcado pelos visitantes
(Figueirense), contra os corintianos donos da casa.
Hoje começou a Copa, bem na Arena Corinthians.
Poucos minutos de bola rolando, e lá vem a zebra (ou
o “Sobrenatural de Almeida”, como diria Nelson):
um gol do lateral brasileiro Marcelo... para a Croácia!
Gol contra! A bola já havia passado por vários
jogadores, na risca da pequena área, quando Marcelo
empurrou contra as redes brasileiras, num exemplo
lapidar daquela categoria de jogada que se costuma
chamar de “falha clamorosa”.
Até ali, o jogo estava nitidamente com cara de
partida de várzea, apesar da imponência do estádio;
o gol contra foi ruim para o Brasil, mas bom para o
jogo, que imediatamente ganhou contornos épicos.
Nossa seleção parecia perdida em campo e, à medida

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que o tempo passava, era quase ensurdecedor o
pensamento silencioso da multidão em uníssono:
“vai lá, Neymar!”
E ele foi. Empatou com um daqueles chutes
milimetricamente precisos, encaixando a bola
caprichosamente entre o goleiro croata e a trave. Mas
aí o jogo seguiu novamente em ritmo de várzea até o
intervalo.
Veio então o segundo tempo e os dois times
seguiam com jogadores velozes mas, a essa altura,
muitos de nós já compartilhavam a sensação de que o
jogo teria que ser decidido num lance de centroavante
trombador. Nesse caso, na falta de Serginho Chulapa:
vai lá, Fred!
E ele foi. Na verdade, o avante honrou a
tradição da malandragem (ou da arte, conforme o
ponto de vista) protagonizando uma cena que ainda
não sei se foi teatral ou cinematográfica. Tocado de
leve no ombro por um jogador croata, Fred
simplesmente desabou na área e o juiz japonês
marcou: pênalti!
Confesso que lembrei na hora da clássica frase:
“Pênalti é uma coisa tão importante que quem deveria
bater é o presidente do clube.” Pois bem: neste jogo,
pênalti era assunto para o presidente Neymar, que
bateu com segurança e ainda viu o goleiro croata
espalmar de leve a bola – para o fundo das redes.

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Vida que segue, partida que prossegue: viva a
várzea! Mas a Croácia atacava e até marcou o segundo
gol, anulado por conta de falta sobre o goleiro Júlio
César. Hulk saiu de campo com dor na coxa e algo me
diz que, se voltar nos próximos jogos, será no
sacrifício – essa dor na coxa tem vasto histórico. Já no
crepúsculo do jogo, o menino Oscar enfiou-se pelo
meio e avançou até concluir com um bom chute: gol!
Placar final: 3 a 1.

Entrevistado na véspera da partida, um dos


jogadores croatas havia dito a seguinte frase:

“Temos o direito de ter esperança!”

Sublime verdade! E a frase ainda se sustenta,


talvez até mais forte, após essa derrota para o Brasil –
que, por sua vez, superou a Croácia e o nervosismo da
estreia em casa, numa autêntica vitória corintiana.

12/junho/2014

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REESCREVENDO A HISTÓRIA

Amigos: depois da abertura operística de


ontem, com o Brasil marcando primeiro contra e em
seguida suando para fazer 3 a 1, eis que o segundo dia
de competição reservou brilho ainda mais incrível,
por conta da reedição da final do torneio passado.
E eis que os holandeses vingaram-se da derrota de
2010 e atropelaram a Espanha, sem dó nem piedade,
mas com força inapelável. Poderíamos inclusive dizer:
com alegre furor. Que vingança!
Cabe mencionar que, no primeiro jogo do dia,
novamente a arbitragem foi destaque (negativo). O
México marcou três gols contra Camarões, mas dois
deles foram erradamente anulados. No terceiro jogo,
o resultado esperado: Chile, 3 a 1 sobre a Austrália (e a
América Latina tem 100% de aproveitamento até
agora).
Voltemos ao massacre perpetrado pelos
holandeses. Sabemos que nem sempre os números
retratam com fidelidade o calibre de uma partida. A
Holanda fez cinco, mas poderiam ter sido sete ou dez.
E pasmem: o primeiro gol do jogo foi da Espanha! E
em pênalti controverso (na minha opinião, mais falso
que nota de R$3). Seja como for, nada que abalasse a
Holanda. Ainda no primeiro tempo veio o empate,

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num daqueles lances para se guardar em álbum de
figurinhas: sim, porque van Persie mergulhou de
cabeça, na entrada da grande área, fez a bola encobrir
magistralmente o goleiro espanhol e descer, precisa,
para o fundo das redes. Sem usar controle remoto!
Logo em seguida, pausa para o intervalo e promessa
de mais emoções no segundo tempo.

Observo: às vezes, o pior que pode acontecer


para uma nação é uma vitória. Vocês podem
estranhar: como assim? A derrota é muito pior! E eu
direi que não, nem sempre. A derrota, meus amigos,
ensina. E a vitória? Quantas vezes a vitória encobre
falhas inalienáveis, falhas (às vezes) até de caráter?
Vale para a vida, para a guerra, para o futebol. Pois
então: foi a partir de uma derrota de anos atrás que a
Holanda, hoje, reescreveu a história.

Veio o segundo tempo – e a virada, no gol de


Robben, que driblou zagueiros e goleiro antes de
fuzilar. Foi essa pintura que derrubou de vez a
Espanha: se futebol é arte (e sabemos que é), estava
escrito que o futebol mais bonito venceria o melhor
jogo até agora. E vejam que o terceiro gol holandês
deveria ter sido anulado, por falta no goleiro espanhol.
Mas quem ergueria a voz contra a Holanda ali?
Casillas, o goleiro espanhol, só balançava a cabeça.
Pensava, talvez, no que ainda estaria para acontecer.

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Veio outra vez van Persie e de novo Robben:
mais dois gols e o final da uma partida que o
verdadeiro amante do futebol gostaria que estivesse
acontecendo até agora.

Por tudo isso, neste 13 de junho de 2014,


finalmente o mundo compreendeu algo que estava no
ar desde 2010: naquela ocasião, a verdadeira campeã
não foi a Espanha.

Foi a Holanda.

13/junho/2014

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TUDO VIRA, TUDO PODE VIRAR

Só três dias de Copa do Mundo, Messi e


Cristiano Ronaldo ainda nem estrearam e já pintou a
estrela da Copa: o gol. Temos uma média excelente,
um gol a cada 25 minutos! Pra gente que ama, pensa e
respira futebol, nada poderia ser melhor.
Hoje cedo, Colômbia e Grécia. Perdi. Queria ter
visto mas, principalmente, queria ter acompanhado a
narração, para conferir se os locutores conseguiriam
superar as dificuldades insondáveis de pronúncia dos
nomes gregos. Imaginem: “Papastatopoulos passa
para...” – até o cara acertar o nome, o gol já teria
acontecido. Mas não ouvi nada. Nem tinha como:
parece que os gregos não pegaram na bola. Levaram
logo três gols da Colômbia, para reforçar a estatística
dessa Copa 2014: as seleções latino-americanas
seguem com 100% de aproveitamento nas partidas.
Alguém pode objetar: mas como? Às 16h, o
Uruguai perdeu de 3 a 1! E eu pergunto: perdeu de
quem? Da nossa hermana Costa Rica, ou seja, os
pontos ficaram em casa. Viva la unidad latino-
americana – por hora, pelo menos. Aliás, o jogo entre
latinos manteve outra escrita desse torneio: sair na
frente no placar é um perigo. É uma enormidade o
número de jogos em que a seleção que começa na
frente leva a virada.

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Mas aí bateram as sete badaladas do relógio e
teve início a primeira batalha ferrenha deste Mundial:
Itália e Inglaterra enfrentando-se em Manaus. O local
do jogo, neste caso, não é mero detalhe: cada um dos
jogadores suava aos borbotões durante a partida.
Alguns devem ter saído de campo desidratados.
Cheguei a pensar, lá pelas tantas: será que tem
ambulância pra todo mundo?
O jogo começou melhor para a Inglaterra,
embora bastante truncado no meio de campo. A bola
era disputadíssima. E o calor, definitivamente, não
ajudava. Mas eis que acontece mais uma dessas
pinturas que estão (maravilha) marcando a Copa:
Pirlo fez um corta-luz sensacional para a bola chegar
em Marchisio, que fuzilou: um a zero. Menos de dois
minutos depois, o menino Sturridge (que joga muito)
empatou para a Inglaterra. Na comemoração, o
fisioterapeuta inglês se machucou (!) e teve que ser
retirado de maca. Vá fazendo as contas da enormidade
de contusões (o goleiro titular da Itália já havia sido
vetado por conta do tornozelo).
Veio o segundo tempo e dessa vez não houve a
virada. Ao contrário, vimos a confirmação de que
condição física vai ser fator determinante na Copa. A
Itália, mais resistente ao calor e à umidade, chegou ao
segundo gol com Balotelli, de cabeça, e depois

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aguentou a pressão da Inglaterra – o cansaço, afinal,
prejudicava a mira inglesa.
Mas o sábado foi cheio: às 22h, teve Japão e
Costa do Marfim...

(Lembrem-se, amigos: para os apaixonados pelo


esporte, não há jogo desprezível, assim como não há
obra de arte que não mereça o olhar atento do artista –
quem escreve deve ler, e por aí vai. Fazendo isso,
sempre se aprende algo, nem que seja simplesmente um
“assim não funciona, façamos de outro jeito”)

O Japão dominou o primeiro tempo e fez um a


zero. Mas, no segundo tempo, os deuses baixaram a
ordem: “Coloquem Drogba em campo!”
Ele entrou. E a Costa do Marfim, em questão de
minutos, fez dois gols, segurando o jogo até o final
favorável (2 a 1) para comprovar que “tudo vira, tudo
pode virar” – e que esta é mesmo a Copa das Viradas.
Um craque desses merece um poema.

14/junho/2014

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QUANDO ENTRA EM CAMPO O CRAQUE
(para Didier Drogba, Costa do Marfim)

quando entra em campo o craque


reunifica o mundo
- o estádio (num segundo)
é fervorosa claque

quando entra em campo o craque


renova-se a esperança
o time entra na dança
supera qualquer baque

se o craque é atingido
gritamos logo "acuda!"
(ar grave, dolorido)

mas ele logo volta


- se precisar de ajuda
o povo é sua escolta

15/junho/2014

18
PAIXÃO, AMIGOS, PAIXÃO

O melhor de uma Copa cheia de gols é que o


sujeito sabe que, se atrasar muito pra começar a ver
uma partida, fatalmente já terá perdido pelo menos
um gol. Era o que eu pensava aos 20 minutos do jogo
Suíça x Equador. Dito e feito: aos 21, saiu o primeiro
gol, em sonora cabeçada equatoriana. Dali pra frente,
desespero suíço até o final do primeiro tempo. Nem
precisava: todo mundo já sabe que essa é a Copa das
Viradas.
Aos 3 minutos do segundo tempo, o mesmo
lance, agora com sinal trocado: a Suíça empata com
gol de cabeça. Aí era só aguardar a virada, que veio
logo, mas foi negada pelo juiz: anulado o segundo gol
suíço, apesar de legalíssimo. A Suíça teve que fazer o
terceiro, para ganhar de 2 a 1.
Impressionante o que essas “autoridades do
campo” estão fazendo. Quantos gols anulados! Parece
que insistem em negar a felicidade das arquibancadas.
Inevitável fazer um paralelo com o que vemos em
certos tribunais brasileiros – mas deixo a critério de
cada um buscar exemplos, que existem aos montes.
Menos mal que, no futebol, temos deuses que nos
socorrem: nos primeiros dez jogos até agora, muito
gol e nenhum empate.

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Segue a tarde de domingo e começa o jogo
França x Honduras. Todo mundo, exceto talvez as
mães dos jogadores hondurenhos, esperava uma
goleada dessas de fazer placa comemorativa. Eis que o
jogo começa e... a França não joga. A bem dizer, nem
a França nem Honduras. Um primeiro tempo de dar
sono em criança hiperativa. Aí a autoridade da vez
(era um juiz brasileiro, senhores), depois de marcar
um pênalti pra França, inventa de expulsar o único
jogador razoável da seleção de Honduras. O jogo foi
pro intervalo com 1 x 0 no placar e a perspectiva de um
massacre napoleônico. Que nada!
No segundo tempo, continuamos com saudades
da várzea. O segundo gol da França, polêmico (afinal,
a bola entrou ou não entrou?) causou comoção por
motivo nada futebolístico: a estreia do “telão juiz”.
Sinceramente, sei lá se ajuda alguma coisa, e sabem
por quê? Paixão, amigos, paixão! Isso não se resolve
em tira-teima internético e similares.
Exemplifico. Outro dia um jogador brasileiro
fintou metade do time adversário e ao meu lado um
amigo gritava: tirem o cara de campo, ele não serve
para nada! Desnecessário dizer que o tal jogador
ganhou vários prêmios de melhor em campo.
Entendam: todos estavam certíssimos, cada um do seu
ponto de vista. Por quê? Paixão, amigos, paixão.

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Final de jogo: França 3, Honduras 0. Mas o jogo
foi morno... Meditando sobre o fato, encontro uma
explicação mais forte que o juiz ou o telão. O problema
francês pode ter sido a ausência do hino antes do jogo.
Falta grave! O sistema de som do estádio falhou, como
tudo que é automático nessa vida pode falhar, claro.
Mas os franceses podem ter sentido mais o problema.
Em todo caso, lembremos que o hino da França é um
convite à guerra (sangrenta, por sinal). Um convite ao
qual os franceses estão acostumados há séculos.
Nunca entenderei bem isso, mas franceses cantam
alegremente versos como “nossa terra vai se saciar
com sangue impuro” e outras coisinhas assim.
O pós-jogo da França é, na verdade, o pré-jogo
da Argentina de Messi. E todos esperamos o astro
como quem espera Gardel redivivo. A Argentina, por
sinal, marcou um golaço antes mesmo do jogo:
cinemas argentinos resolveram abrir as portas para
mostrar na tela grande a estreia da sua seleção... de
graça! São gestos eloquentes, desses que ajudam a
definir um país. Por aqui, vamos de tela comum.
Começa o jogo... gol! Epa, gol contra da Bósnia,
logo aos dois minutos. Surgem as piadas: “fizeram um
gol contra e agora vão virar pra 3 a 1, como o Brasil na
abertura da Copa” e outras não publicáveis. Fato
mesmo é que foi o pior primeiro tempo da Copa até
agora. Mas teve beleza sim: num Maracanã pacífico e
festivo, a torcida argentina cantando daquele jeito

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apaixonado - e a torcida brasileira brincando de torcer
para a Bósnia (ouvi falar de uma moçada que torceu
mais para a Bósnia do que para o Brasil, aliás).
Segundo tempo rolando e nada, nada de Messi.
Até os cronômetros estavam com preguiça de andar.
E eis que, de repente, o tempo parece parar de vez.
Messi pega a bola e dispara, passa, recebe mais à
frente, livra-se de um, de dois e faz o que dele se
esperava: desenha no ar a maravilha. Um desses
lances que lembra o filme Fantasia, do Walt Disney.
Sim, o gigante acordou – e dança tango!
Paixão, amigos, paixão.
Depois, foi a Argentina cadenciando o jogo e a
Bósnia partindo pra cima com a faca nos dentes e a
mira incerta. Contra-ataques de um lado a outro,
muita correria e erros de passe até que... gol da
Bósnia! Reacende-se o espetáculo das torcidas, mas
acaba assim: 2 a 1. E segue a Copa, cheia de gols - e de
pinturas - até agora.
Paixão, meus amigos, paixão: é aí que mora o
verdadeiro espetáculo.

15/junho/2014

22
O DIA EM QUE OS PASTÉIS DE BELÉM
VIRARAM APFELSTRUDEL

Pronto: fui vítima de minha própria maldição.


Ontem mesmo, escrevi sobre o perigo de se atrasar
para um espetáculo de gala como o que temos
acompanhado em terras e telas brasileiras. Pois bem:
hoje liguei a TV aos 17 minutos do primeiro tempo de
Portugal x Alemanha – e o que vi? Os alemães já
estavam na frente desde os 11 minutos.
Confesso que, na hora, amaldiçoei o trânsito e
os deuses da bola. Por que demorei tanto a sair do
serviço? Muitas respostas, nenhuma a contento. Por
que os semáforos estavam todos vermelhos no
caminho? Ok, verdade, furei os dois amarelos que vi.
Por que tantos carros furiosos? Pra não perder o
primeiro gol como eu perdi. Enfim: cheguei a tempo
de ver o fado português desmoronar diante dos
alemães.
Não foi por acaso, aí é que está: foi por puro
fado. Os alemães jogavam tranquilos, implacáveis,
precisos como lâmina de barbear novinha em folha.
Eram muitos, coordenados. Multiplicavam-se no ar e
na grama, em balé tão simples quanto eficaz.

23
E os portugueses? Ora, pois: esperavam o poeta
federal Cristiano Ronaldo tirar ouro do nariz. Só que
dessa vez não teve ouro. Nem prata. Nem bronze.
O que teve foi o descontrole gratuito de um tal de Pepe
sobre o qual já sei mais do que devia. Esse Pepe
simplesmente meteu o braço num alemão e, não
contente em deixar o sujeito estatelado na grama,
ainda foi até lá e lhe deu – acreditem - uma cabeçada.
Ora, não há sutileza possível para uma cena dessas:
cartão vermelho, inapelável. E o primeiro tempo
terminou com a Alemanha metendo três a zero no
placar.
No intervalo é que fui ligar os pontos: horas
antes do jogo, o piloto alemão Michael Schumacher
havia saído do coma que já durava seis meses, após
terrível acidente. E os jogadores alemães tinham
prometido dedicar a ele uma eventual vitória. O
problema é que Schumacher foi campeão de Fórmula
1 inúmeras vezes. Um placar de dois a zero, por
exemplo, jamais seria uma homenagem decente ao
alemão.
Segundo tempo. A Alemanha voltou em traje de
passeio, por assim dizer. Os jogadores tocavam a bola,
conversavam, iam dar uma volta na praia (o jogo foi
em Salvador), voltavam. Tudo continuava na mesma.
Portugal, ainda em estado de choque, teve tempo de
tomar o quarto gol. E ficou nisso.

24
Terminado o jogo, os portugueses mantinham o
olhar perdido no horizonte – aquele olhar que só os
portugueses têm. Saudade, melancolia. E quatro a
zero nas costas. Não é fácil pra ninguém.

(Fui folhear o jornal do dia só às nove da noite. Dei de


cara com a seguinte manchete: “Craque deixa alemães
em segundo plano”. O tal craque era o astro português
que, por fim, praticamente não jogou e foi atropelado
pelos alemães. Que mania essa da imprensa.
Jornalismo de previsões. Não acertam! E em futebol
não podem acertar mesmo: todos sabemos que é uma
questão de profecia, não de previsão)

Depois da goleada alemã, Irã e Nigéria era um


claro anticlímax. O resultado foi compatível com o
jogo = zero a zero, no primeiro empate da competição.
Após o jogo, uma amiga comenta, com requintes de
crueldade feminina: “olha, era jogo de Copa do
Mundo, mas bem que podia ter sido uma partida da
segunda divisão paulista.” Ao que eu respondo, por
aqui mesmo: engano seu, minha querida. Pergunte
aos bons torcedores de Corinthians e Palmeiras, por
exemplo, o que significa jogar na segunda divisão. É
coisa séria, grave, mais ou menos em patamar
equivalente ao que seria ver um filho partindo para a
guerra e ainda precisar de sangue frio para desejar
“boa sorte”.

25
Para concluir a rodada, faltava ainda Gana x
Estados Unidos. Um jogo de opostos, imagino (pena,
não vi). Um pobre país africano enfrentando a grande
(ainda que decadente) potência mundial. Mas o jogo
foi definido só nos minutos finais: vitória americana
por 2 a 1.
O resumo do dia vai no título do texto: hoje os
Pastéis de Belém foram trocados pelo Apfelstrudel.

(Parênteses final: não resisto a dar uma espiada no que


dizem da seleção brasileira no jornal, na véspera do
segundo jogo. A manchete principal é: “Contra-ataque
do México preocupa”. Tomara que os abutres da
redação errem de novo)

16/junho/2014

26
SALVADOR, CAPITAL DOS GOLS

Muita gente fala da Bahia, não só os baianos. E


todos falam bem. A Bahia tem um jeito...
Lamentavelmente, estou até hoje como Drummond,
nosso poeta maior:

“É preciso fazer uma poema sobre a Bahia.


Mas eu nunca fui lá.”

Não fui ainda; é questão de tempo. E a mística


da capital baiana fica patente quando se observa: os
dois jogos mais incríveis desta primeira semana de
Copa aconteceram em Salvador. Foram nada menos
que dez gols, nestes dois bailes de gala: o da Holanda
sobre a Espanha e o da Alemanha sobre Portugal.
De onde vem tudo isso? Será a torcida? O efeito
da aura baiana, desse povo que vive como quem dança
e dança como quem sonha?
Seja como for, consulto a tabela para descobrir
quando é o próximo jogo por lá. Daqui a quatro dias:
Suíça x França. Não perco!

16/junho/2014

27
COMPLETANDO O ÁLBUM

No último dia da primeira rodada da Copa do


Mundo, finalmente entra em campo a Bélgica. A
seleção em que habita a última figurinha do nosso
álbum da Copa. O álbum foi feito em família e
completado num domingo na avenida Ana Costa, em
Santos, numa daquelas (muitas!) mesas dispostas na
calçada com autênticos profissionais das figurinhas. A
verdade é que nunca antes na história do Brasil houve
tamanho envolvimento de pessoas de todas as idades
nessa febre: o álbum de figurinhas da Copa 2014.
Enquanto faço a negociação das figurinhas na
rua (em condições bem vantajosas para o vendedor,
ou seja, troca à base de três por uma), presencio uma
cena deliciosa. Valeu o passeio.
Chega um senhor para o vendedor e pergunta:
“Menino, quantos jogadores da Espanha eu consigo
comprar com... (conta o dinheiro) dez reais?”
“Senhor, com dez reais acho que consigo arrumar toda
a seleção espanhola. Espere um pouco... (vai
montando o time) Aqui, senhor: todos os jogadores e
mais o escudo da seleção.”
A transação é concluída. O comprador enfia o
time todo da Espanha no bolso e sai, feliz.

28
Na banca de rua, o craque Neymar valia mais
que todos: dez reais! E corriam boatos de que os mais
desesperados tinham gasto até mais do que isso numa
única figurinha. Em compensação, a certeza: o
retratado em questão é mesmo uma figura única. “Que
isso se confirme em campo!” é o pensamento de todos
nós, brasileiros, colecionadores de figurinhas, títulos,
Copas...
De volta ao álbum. A filha pedia: pai, compra
figurinha! Eu saía. Voltava. Aí ouvia: pai, cola as
figurinhas! A tarefa dela limitava-se à troca de
figurinhas com os colegas, mas mesmo isso foi coibido
na escola a partir de um certo ponto. Entendi bem.
As aulas tinham se transformado em mero intervalo
para a atividade principal. A nova atividade-fim das
idas à escola era a troca de figurinhas, claro.
Confesso: foi só por conta dessa febre de
figurinhas da Copa que descobri a existência de um
álbum comemorativo do centenário do Santos. Foi
numa banca, e com outra história interessante.
Procurando as figurinhas da Copa, deparei com um
álbum que já me apaixonou de cara: capa negra,
linda... Álbum do Centenário do Santos. Meu time!
Perguntei sobre o álbum e me disseram que havia sido
lançado há quase dois anos e que o dono da banca,
santista, havia colecionado e organizado todas as
figurinhas, sem colar nenhuma.

29
Não resisti e pedi para ver álbum e figurinhas.
Maravilha das maravilhas! Muitas figurinhas com
textura de pano para representar os uniformes desde
1912. E muita história contada ali, texto e imagens.
Perguntei:
- Mas está à venda?
A senhora então me respondeu:
- Sabe, ele faleceu há três meses, aí resolvemos
colocar o álbum à venda... 180 reais.
Fiquei doido. Caro...! Mas... Voltei pra casa com
aquele olhar de cachorro magro, obcecado pelo álbum.
Duas semanas depois, cheguei lá, o coração saltando
pela boca. Cadê o álbum?
Tinha sido vendido.
Passei mal por uns bons dias até que consegui
comprar o álbum de um colecionador em São Paulo.
Valeu a pena: saiu pela metade do preço.

16/junho/2014

30
CORNETA E HÁBITO

Cornetar, gíria talvez mais paulista que


propriamente brasileira, significa algo como reclamar,
pegar no pé, encher o saco. Expressão e atitude têm
uso corrente em debates futebolísticos. Um exemplo:
em 1982, até o Jô Soares cornetava o treinador da
seleção brasileira com o bordão: “Bota ponta, Telê!”
(Pausa respeitosa. Que saudade daquela seleção, com
ou sem ponta, e do Telê!)

Como torcedor e, principalmente, torcedor


brasileiro, venho aqui nessas linhas exercer o sagrado
direito de cornetar. Sim, porque cornetar é o que nos
cabe, após este jogo em que o Brasil cometeu o pecado
dos pecados nesta Copa das Copas: empatou... e, para
piorar, sem gols!
Entendam: sou santista. Um empate para nós é
sinal de vergonha. Queremos ganhar se possível
sempre, mas aceitamos perder. O mais difícil para nós
é digerir um empate, ainda mais em zero a zero.
Vergonha.
A verdade é que escrevo ainda com a cabeça
quente, mas com a clara certeza de que o resultado foi
justíssimo. Sim, dirão alguns que o goleiro do México
fez autênticos milagres, impedindo em particular três
gols feitos. O primeiro milagre foi quase uma afronta

31
ao futebol: bola cruzada, Neymar sobe literalmente
metros acima dos zagueiros para cabecear - forte e
para baixo - e o goleiro mexicano tem o desplante de
salvar em cima da linha o que seria nosso gol.
Mas o gol do Neymar seria uma cortina de
fumaça para nossos problemas. E são problemas
graves, compreendam. A economia? Vai muito bem.
O desemprego? Apenas 5%, contra 20% na Europa.
Inclusão social? Inegável. Mas a seleção brasileira de
futebol, símbolo maior do Brasil, não tem padrão de
jogo! E não teve sequer meio de campo, hoje: era tudo
na base do “chuta pra frente e reza”. Inadmissível!
Uma afronta à nação!
Pior de tudo foi ouvir o técnico Felipão dizer
que gostou do jogo. O repórter, entre atônito e
desesperado, tentou mudar de assunto e perguntou ao
técnico qual a razão de usar um agasalho no calor de
Fortaleza, sede do jogo. A resposta, desconcertante:
“Ah, é hábito, pra dar sorte”.
Ah, Felipão... nós não podemos nos dar ao luxo
de confiar na sorte. Temos que confiar no trabalho.
Treinar, treinar muito, ensaiar jogadas. Como diz
o mestre para o menino no filme Karate Kid,
incansáveis vezes: “Põe o casaco! Tira o casaco!”
Esse deve ser o hábito. Agora, se for pra dar
sorte, Felipão... tira o casaco!

17/junho/2014

32
INSUSPEITOS PERSONAGENS DO DRAMA

O que faz um goleiro, durante 95% do tempo de


uma partida? Aqueles incrivelmente céticos (e idiotas)
dirão: fica vendo o jogo. A verdade é outra, bem outra.
Os goleiros tentam salvar seus times durante 5% da
partida e, no resto do tempo, carregam o mundo sobre
seus ombros, tamanha sua responsabilidade. Que o
diga o goleiro russo, na partida contra a Coreia do Sul.
O jogo ia morno, já no segundo tempo, quando de
repente um coreano arrisca o chute de longe. O goleiro
espera a bola, segura e... não, não segura: espalma
para dentro do próprio gol.
Depois cai deitado e, simplesmente, chora.
Cobre o rosto de vergonha.
A Rússia empatou o jogo, poucos minutos
depois, e quase conseguiu a virada. Mas algo me diz
que o goleiro russo não voltará a dormir tão cedo.

- - - - - - - - - - - - - - - - -

Acompanhem-me, amigos. Vamos passar agora


a outro personagem do mesmo jogo.

33
Quase completamente calvo, entra em campo
com aquele típico (e patético) penteado de “careca que
acha que tem cabelo”: fios esparsos e espaçados,
esticados e literalmente grudados no couro cabeludo.
Ele entra...
... e é justamente deste jeito que ele é visto por
mais de 50.000 pessoas no estádio e – bem pior –
muitos milhões ao redor do mundo, via telões de alta
definição.
O que terá a esconder esse juiz? Quantos
problemas o afligem, sob tão poucos e esticados fios?
Qual a razão dessa insegurança que o faz querer
disfarçar ingenuamente a realidade, sem perceber a
inutilidade do gesto? Mistérios. Mistérios que não
cabe a nós decifrar.
No segundo tempo, ele volta a campo da
mesmíssima forma – talvez tenha até retocado o gel
no vestiário. Não o xinguem, senhores! Não ofendam
nosso personagem, alma simples, gente humilde.
Tenham piedade e sincero afeto por esse homem. Ele
precisa de nossa compreensão – e é dele o apito que
comanda o espetáculo.

17/junho/2014

34
CARNAVAL TEM TODO ANO

Tem gente que, de tão animada, chega a


reclamar do Carnaval, achando que uma vez por ano é
pouco. Prestem atenção no seguinte, senhores, ó
sortudos foliões: Copa do Mundo acontece uma vez a
cada quatro anos!
Nós, os apaixonados por futebol, vivemos na
Copa - e dessa vez no Brasil, glória aos céus - nosso
carnaval bissexto. É como ouvir um disco do Chico
Buarque de Holanda: intensa epifania, tão aguardada,
tão intensa quanto fugaz. E é assim: depois de quatro
anos de preparação, em menos de uma semana
começam a cair - e voltar para casa - as primeiras
seleções.
Neste primeiro expurgo, lamento pela seleção
de Camarões, eliminada com a derrota para a Croácia.
Lamento, mas não derramarei uma lágrima. Não faria
sentido, se eles são justamente o grupo mais animado,
os donos dos maiores sorrisos. Esse povo leva alto
astral para onde quer que vá. Admiro-os. E desejo que
aprendamos a ser assim.
A Austrália é outra eliminada simpática. E é por
um motivo nobre e simples que os australianos
merecem nossa simpatia: foram eliminados no mais
belo jogo da Copa 2014 até agora.

35
Houvesse justiça divina, ou ainda, fossem as
regras do campeonato feitas por poetas, e os
australianos seguiriam jogando. Que partida!
Começa o jogo contra a Holanda. Confesso meu
pecado, senhores: apostei numa goleada holandesa,
desejoso de ser enfeitiçado por mais lances incríveis.
Fui atendido, mas de modo totalmente inesperado.
A Austrália começa atacando: vivas ao futebol!
Jogo disputadíssimo. Claro que a abertura do placar
caberia ao Robben, o holandês sem idade. É bem isso:
o sujeito amadurece e refina sua arte a cada dia, mas
paradoxalmente corre cada vez mais. Qual será a
receita? Dessa vez, veio correndo desde o meio de
campo. Aliás, acho que não seria errado dizer:
Robben vem correndo desde a mais tenra infância.
Assim, em sequência kubrickeana digna de um 2001,
ele voa, transforma-se em menino e depois homem,
para enfim mandar a bola repousar lá no fundo das
redes, unindo física e poesia. Um a zero.
Em tempos de tanta burocracia, de tanta
tecnologia, precisamos de poesia, precisamos de mais
Holandas - e também (sempre!) de um tempo sagrado
para ouvir Chico Buarque de Holanda.
De volta ao jogo: empatou! Bastou um delírio,
um deslize, um instante de poesia e a Austrália chegou
lá, em belo gol também. E foi só voltar do intervalo
para acontecer mais uma vez: virada australiana!

36
Acontece que a Holanda tem van Persie, e ele
tem faro de gol: novo empate.
Mas não era jogo pra terminar empatado,
convenhamos. E veio a (re)virada holandesa – lirismo
e emoção, como tinha que ser. O zagueiro holandês
Martins Indi recebeu duro golpe de um australiano e
simplesmente foi a nocaute. Saiu de campo
desmaiado. E o que é que fez o técnico da Holanda?
Colocou, no lugar do zagueiro, um atacante: Depay.
Mais vivas ao futebol! Foi justamente dele o gol da
vitória holandesa.
Esses meninos de azul/laranja, definitivamente,
têm talento para a dança e para a literatura.
Entendem de poesia.

(Por isso amamos Neymar: ele é o menino, o poeta


da bola, o artista nesses tempos em que precisamos
tanto de gente assim. Chega de burocratas! Por isso,
e já que minha pátria é a poesia, tiro também para
Robben e van Persie o meu chapéu.)

18/junho/2014

37
YO TENGO TANTOS HERMANOS

Prezados, observem: tendo o primeiro voo do


14-Bis ocorrido no Campo de Bagatelle, em Paris (e
não entraremos aqui na ladainha dos irmãos Wright,
que voaram de catapulta), quem deveria ser
considerado pioneiro na aviação: a França ou o Brasil?
Lembrem-se: Santos Dumont nasceu e morreu aqui,
brasileiríssimo, e foi o autor dos projetos.
E Messi? Afinal de contas, brilha há anos na
Espanha, mas é ou não é argentino até os ossos? Pois
então. A Espanha, atual campeã mundial de futebol,
acaba de ser eliminada da Copa 2014 – e com total
justiça. Perdeu para o Chile num dois a zero que,
para os mais atentos, estava anunciado desde o início
dos tempos.
O fato de que muitos dos mais famosos
jogadores do mundo atuam na Espanha não significa
que os espanhóis têm o melhor futebol do mundo
(vale o mesmo raciocínio para Hollywood). Significa
simplesmente que as trupes de lá têm elenco
internacional de excelente qualidade. Mas o futebol da
Espanha e o futebol jogado na Espanha são coisas
muito diferentes uma da outra. Tirem do Barcelona e
do Real Madri os jogadores estrangeiros e teremos,
talvez, times bons, e não máquinas de futebol.

38
(Pausa para raciocínio análogo: se tirassem os
nordestinos de São Paulo, sabem o que aconteceria?
Exato: o Estado não teria a riqueza que tem. Seria
qualquer outra coisa, menor e culturalmente mais
pobre, podem ter certeza)

A Espanha, no jogo contra o Chile, foi


puramente Espanha, simplesmente Espanha, e só.
Perdeu sem nenhuma influência contrária dos astros,
búzios, bandeirinhas ou juiz. E não se pode ter a
desfaçatez de explicar o resultado como fracasso
espanhol. Foi mérito chileno, caramba! Eis a força da
América Latina.
Por isso, digamos: adiós, hermanos.
Por isso, digamos: avante, hermanos!

18/junho/2014

39
INTERLÚDIO

defesa intranquila

mesmo quando a bola é fácil

o beque vacila

Junho/2014

40
MELHOR A CADA JOGO

Na Copa das Copas, como tem sido chamada a


Copa 2014, não tem jogo normal, jogo mais ou menos.
É tudo jogão. Cada partida tem inevitavelmente lances
de pintura e dança. Vejam só: em pleno feriado e bem
no horário do almoço, Colômbia x Costa do Marfim.
Confesso: liguei a televisão sem esperar grande coisa
e abri a cerveja pensando no cochilo inevitável que
viria. Calúnia! Difamação! Foi um jogaço, em que
ambos os times tiveram futebol e chances para vencer.
O placar do primeiro tempo era ilusório: 0 x 0. Estava
evidente que os gols sairiam.
Dito e feito: segundo tempo, bola cruzada, gol
de cabeça, um a zero para a Colômbia. E não demorou
para sair o segundo gol colombiano, numa sequência
de passes rápidos e jogadores com asas nos pés.
Mas não acabaria por aí. A Costa do Marfim
também tinha uma tremenda velocidade e diminuiu,
com Gervinho, em gol belíssimo, com direito a corte
no zagueiro e bomba rente à trave.
Terminou 2 a 1, mas não por falta de correria.
Na verdade, a sensação dos dez minutos finais era de
duelo alado. Cada jogador tinha virado beija flor.
No final, viva: mais uma hermana classificada.

19/junho/2014

41
CORDEL DE JAPÃO x GRÉCIA

Japão e Grécia: isso é jogo


ou teste de locução?
Treine bem sua pronúncia
para ler a escalação
e tome cuidado: às vezes,
parece até palavrão...

O Japão tem um Kagawa,


também tem K H Lee
e, pra piorar, Okubo:
é, tá feia a coisa aí...
no futebol fazem pouco;
devem ser bons no sushi!

Tem um Sócrates na Grécia


que só joga na defesa
e tem bem pouco talento,
disso dá pra ter certeza.
Bom mesmo era o brasileiro:
tinha elegância e firmeza.

42
Vejo o técnico da Grécia.
Descubro, vejam vocês,
que ele vem de Portugal!
Aprendeu grego, talvez,
mas, quando ele está nervoso,
xinga mesmo em português.

Primeiro tempo: agitado,


mas o placar... zero a zero.
Tomara que saia gol,
mas tenho que ser sincero:
talvez fique apenas nisso
– mas não é isso que eu quero!

Segundo tempo de jogo;


a Grécia joga com dez.
Teve um jogador expulso,
pois deu muitos pontapés.
– Japão, mostre seu talento:
goleie esses barnabés!

Mas o jogo acaba mesmo


do jeito que começou.
O estádio estava lotado,
mas uma coisa faltou:
por mais que o povo quisesse,
não teve grito de gol!

43
SUÁREZ X INGLATERRA

Ele já fez muito pelo Uruguai. Mas ainda fará


mais. Assim, é bom prestar atenção em Suárez.
Sua família: seis irmãos e a mãe solteira.
Adolescente, começou carreira no Uruguai mas, aos 19
anos, foi trabalhar em campos holandeses. Cinco anos
depois, já era o Melhor do Ano na Holanda quando o
Uruguai precisou dos seus serviços. E lá foi ele para a
África do Sul, defender a Celeste uruguaia.
Foi lá na África, em 2010, que ele se atirou para
defender a bola chutada contra o gol uruguaio já sem
goleiro. Pênalti. Foi expulso. Mas Gana perdeu o
pênalti e o Uruguai se classificou.
Depois da Copa, veio a Inglaterra. Desde 2011,
Suárez joga em Liverpool. De lá para cá, coleciona
lances polêmicos, incluindo ofensas – e dizem que de
vez em quando chega a morder os adversários.
Nesse ano, problemas no joelho levaram Suárez
à mesa de cirurgia. Mas o Uruguai novamente
precisou dos seus serviços. E ele veio para o Brasil
assim mesmo.
Não jogou a primeira partida uruguaia. Derrota
da Celeste. Entrou em campo hoje, contra a Inglaterra.

44
Estreou “joelho novo” pressionado pela obrigação da
vitória numa partida difícil.
Suárez marcou os dois gols uruguaios na vitória
por dois a um sobre a Inglaterra.
Daqui a alguns dias, haverá nova partida
decisiva, desta vez contra a Itália. Mais uma vez, o
Uruguai precisará de Suárez. Que fará ele?

19/junho/2014

45
NELSON E A COSTA RICA

Ontem à noite, escutando os prognósticos dos


comentaristas na televisão (sim, eles insistem em
fazer previsões), percebi algo estranho no ar. Embora
todos se referissem ao duelo Itália x Costa Rica como
“disputa entre os líderes do grupo”, os tais entendidos
passaram o tempo todo discutindo se ia dar Itália ou
empate. Ué, não podia dar Costa Rica? Sobretudo,
depois de terem vencido o Uruguai até com relativa
facilidade, enquanto a Itália se espremia para passar
pela Inglaterra. Claro que me lembrei do mestre
Nelson Rodrigues: a unanimidade é o que mesmo?
Hoje, bola rolando e os linguarudos se
enrolando, vimos dois times em campo, mas apenas
um deles jogava a vida ali. Observando o futebol da
Costa Rica, tive a impressão de que o futuro do país
dependia daquela partida – a tal ponto que até agora
me pergunto se não era isso mesmo. Novamente é o
(eterno) mestre que aparece ao meu lado, fantasma
apaixonado por futebol, e sopra: “É a pátria na ponta
das chuteiras!” E era.
Vejam bem: o juiz ainda chegou a garfar sem dó
nem piedade a Costa Rica, surrupiando deles o pênalti
mais claro da História das Copas do Mundo, ao final
do primeiro tempo. Mandou seguir o jogo.

46
Acho que era isso que faltava: naquele instante,
os jogadores perceberam que era com eles – e só com
eles.
Ainda que houvesse telefonemas presidenciais,
reunião de embaixadores, encontros de cúpula,
coletivas à imprensa, comissões de inquérito: arrisco
dizer que nada, nem mesmo o papa, pararia a seleção
da Costa Rica. E essa consciência, que já pairava no
ar, de repente pousou sobre a equipe:

Estamos sós.
Somos nós, e só.
Seremos nós.

O lance seguinte ao do pênalti foi, agora sim,


o do gol: um a zero. E dessa vez, doce ironia, o
automatismo implantado pela corporação (FIFA)
salvou os oprimidos, com o telão confirmando o gol da
Costa Rica.
No segundo tempo, manteve-se a toada e o
placar. Desespero italiano, alma nas pontas das
chuteiras latinas – e a Inglaterra fora, pela
combinação de resultados.
Parceiro Nelson: amanhã quero ver o berro
impresso das manchetes inglesas e italianas.

20/junho/2014

47
COMENTÁRIOS

Que dizer de uma Copa onde cada jogo é o melhor?


#CopadasCopas

A turma do complexo de vira-lata diz que só brasileiro


se joga no chão pra cavar falta
#IssoTemNoMundoTodo

Suárez volta de cirurgia, entre em campo e marca os


dois gols da vitória do Uruguai sobre a Inglaterra
#CopadaSuperação

Eis que o autor dos gols que praticamente eliminaram


a Inglaterra é ídolo... do Liverpool, na Inglaterra
#FutebolCaixinhaDeSurpresas

Messi não jogou bem. Só fez o gol da vitória.


#CraqueÉCraque

É estatístico: 80% dos craques nesta Copa já teve, tem


ou terá problemas no joelho.
#JoelhodeAquiles

48
A IMPRENSA LEVA OLÉ

O repórter brasileiro era experiente, ou pelo


menos assim se achava. Descobriu o técnico da
seleção brasileira embarcando no avião e pediu
entrevista exclusiva. Conseguiu. Maravilha! Melhor
ainda: emplacou a entrevista em dois dos maiores
jornais do Brasil: Folha de São Paulo e O Globo.
Só que era tudo mentira.
O tal “Felipão” entrevistado não era o técnico, e
sim um sósia do técnico. Sim! O sujeito faz uns bicos
por aí imitando o técnico do Brasil. E o jornalista
acabou driblado.
No dia seguinte à publicação, o vexame: na
seção “Erramos” da Folha, uma nota simples
denunciava um erro nada simples. Não haviam errado
a grafia de um nome ou um trecho de frase, uma
pontuação talvez (isso tem acontecido tanto que já
nem sai na seção). Tinham errado simplesmente a
pessoa. Entrevistaram o sujeito errado.
Não são apenas os jogadores adversários. A
imprensa brasileira também leva olé.

20/junho/2014

49
SALVADOR E OS GOLS

É impressionante. O maior número de gols na


Copa não pertence à Holanda, nem à França, nem ao
Brasil, e sim... à cidade de Salvador. Temos seleções
que fazem três, quatro, até cinco gols a cada jogo,
enquanto Salvador está com média de quase seis gols
por partida (foram 17, em apenas três jogos).
No cardápio baiano de hoje, jogaram Suíça e
França, e dessa vez as previsões eram cautelosas, com
os comentaristas prevendo placar apertado (sim, eles
ainda insistem nas previsões).
Acontece que tivemos, mais uma vez, “o melhor
jogo da Copa até agora”, com o placar final de 5 a 2
para a França. E jogaram tão bonito que nem dá pra
dizer “fiquei preocupado”. Fiquei mesmo maravilhado
com o toque de bola e a esperteza dos franceses. Estão
parecendo latinos, esses danados.
Mas o placar não conta todo o jogo. Houve
passes e jogadas lindos que não deram em gol porque
os deuses do futebol, lá do alto, resolveram não gastar
toda a munição de uma vez só. Bom mesmo foi que
resolveram fazer revezamento entre os jogadores. E
foi por isso, por mais esse capricho dos deuses, que
tivemos uma partida de sete gols com sete jogadores
diferentes marcando.

50
Quanto ao nome da partida, pra quem viu o
jogo é até covardia perguntar. Não será abuso dizer
que o francês Benzema foi, ao mesmo tempo, o
melhor jogador da França (armou várias jogadas e fez
o quarto gol) e o melhor jogador da Suíça (perdeu um
pênalti e deixou passar a bola no segundo gol suíço).
Mas a beleza deste autêntico espetáculo de gala
pode ser resumida no último lance do jogo. Franceses
saem de seu campo com a bola (juro que quase escrevi
“bela”) e atravessam o gramado, pé em pé, até a bola
procurar Benzema, que faz o sexto gol. O locutor vai à
loucura, e com ele o estádio, e nós que assistíamos
pela televisão. Festa! Passado mais de um minuto, a
confusão é desfeita. Meio sem graça, o juiz sinaliza
que havia apitado o fim do jogo segundos antes do gol
– e o placar fica nos 5 a 2.
A alegria, a euforia coletiva em Salvador era
tamanha que ninguém tinha ouvido o apito do juiz.
Ninguém queria que a festa acabasse!
Mais tarde, acompanhamos mais uma (!) virada
nesta Copa das Viradas, com Honduras fazendo o
primeiro gol e Equador virando para dois a um. Mas
eu me surpreendia, de vez em quando, perguntando
para mim mesmo como estava o placar do jogo da
França, com a sensação de que, a qualquer instante,
chegaria a notícia de mais um, mais dois...

20/junho/2014

51
PARA A SELEÇÃO DA BÓSNIA
(um cordel e o meu abraço)

Nem tudo na vida é fácil,


nem tudo é sem cicatriz,
nem tudo sai com um pano,
nem tudo é só “por um triz”,
nem todo craque é sortudo,
nem toda volta é feliz.

Nem sempre a gente adivinha


o real rumo da estrada:
eis que a seleção da Bósnia
foi dormir eliminada,
após mais uma partida
disputada e bem jogada.

Nem tudo é justo na vida:


foi um gol mal anulado
(por um juiz mais confuso
do que mal intencionado)
que mandou a Bósnia embora.
Mas tudo é aprendizado.

52
Não se deve achar culpados;
não pensem “mas que miséria”
por perderem de um a zero
para a esforçada Nigéria:
“futebol tem 1000 surpresas”,
dizem os pais da matéria.

Virão muitas outras Copas,


muita História inda virá.
Quem escrever o que eu digo,
amanhã concordará:
perdeu hoje, mas um dia
muito comemorará.

21/junho/2014

53
CERTEZAS SÃO PARA OS FRACOS

Pode parecer estranho o título acima. Mas, se


pararem pra pensar, é a pura verdade. Força
verdadeira é aquela que nasce na adversidade, em
meio à insegurança – quando estamos mergulhados
na incerteza e seguimos lutando sem nenhuma
garantia, sem saber o que virá.
São assim as lutas épicas. É assim a jornada do
herói. Quem disse que tudo é tranquilo, que todo
homem justo está imune a picadas de cobra,
escorpiões, fatalidades? Ninguém. Não sabemos. Mas
a força, mesmo nessas horas – e principalmente
nessas horas – empresta-nos confiança e garra. E essa
mesma força, muitas vezes contrariando todas as
expectativas e até as estatísticas, mantém acesa nossa
vontade.
São assim as grandes batalhas. As lutas de
mulheres e homens verdadeiramente grandes. Medo?
Existe. Fé? Sempre. E esta não nos abandona.
Uma vez uma pessoa queridíssima caiu
desmaiada. Aneurisma. Passou por cirurgia de
emergência. Seu companheiro esteve ali, o tempo todo
a seu lado, e dizia: “vai ficar tudo bem”. Tempos
depois, soubemos o que ele havia ouvido na ocasião.
O médico dizia que era um caso muito grave, muito

54
difícil, muito arriscado. Nada o abatia. E, por causa
dele, nada nos abateu.
Isso é força.
Vejamos agora como o futebol reflete a vida.
Findo o primeiro tempo de Argentina e Irã, zero a zero
no placar, muitos começaram a estranhar o argentino
Messi. Por que não resolve o jogo? Por que não faz
gols? Por que não dizima todos os adversários? Por
que não abre as asas e sai voando? Isso e outras
“cositas más”.
Respondo aqui, do jeito que sei: porque não é
assim que funciona, meus amigos.
Foi aos 46 minutos do segundo tempo, nos
instantes finais da partida, que a bola insinuou-se a
Messi pedindo carinho, coragem, força, fé.
Saiu o último chute. Saiu o único gol da partida.
Vitória sofrida, vitória argentina, vitória apesar da
incerteza.
Não subestimem o herói, senhores!
Aliás: não subestimem o herói nem a nação que
se projeta na ponta das chuteiras. O jogo seguinte ao
da Argentina era outra dessas barbadas teóricas:
Alemanha x Gana. Eis que o drama se repete e a
Alemanha pena para fazer um golzinho, já no segundo
tempo. Mas aí os deuses se lembram: esta é a Copa
das Viradas. Em coisa de cinco minutos, duas jogadas
belíssimas de jogadores que mostram: somos gente de
Gana!

55
Querem saber? Foi lindo. E a virada relâmpago
foi boa para o mundo, essa bola. Eis que o técnico
alemão vê-se obrigado a sacar seu último trunfo:
que Klose entre em campo!
Klose, alemão de 36 anos, estreia em sua quarta
Copa do Mundo: a Copa da Superação. Autor de 14
gols em três edições do torneio, é o segundo maior
goleador da História das Copas. Mas entra em campo
convicto: ele ainda quer mudar a História.
A escalação de Klose (de novo, de novo) na
equipe alemã não havia sido unanimidade – não desta
vez, pelo menos. “Pesa contra ele a idade”, diziam
estes que sempre se acham no direito de cuspir
verdades. E completavam, posando condescendência:
“Já fez muito pelo seu país e pelo futebol”.
A incerteza, amigos, mais uma vez mordia os
calcanhares de um forte. Mas a seu lado havia a
torcida alemã, em massa. E os deuses...
Klose entrou em campo. Trinta segundos
depois, Klose fez o gol de empate, em mais uma
partida sensacional dessas em que o esporte grita que
é arte e a arte mostra que é Vida.
Senhores: não subestimem o maior goleador da
História das Copas. Ele ainda está redigindo sua
história.

21/junho/2014

56
VITÓRIA SEM BOLINHA

Preconceito é crime, não? E a Justiça é cega,


dizem. Por isso, não dá para entender nem aceitar o
que aconteceu após o jogo em que a seleção de Costa
Rica literalmente abateu a seleção italiana (além de
encaminhar a desclassificação dos ingleses).
Na hora do exame antidoping, em vez de
sortear dois jogadores de cada lado (como de
costume), misteriosamente foram convocados sete (!)
jogadores de Costa Rica contra apenas um da Itália.
Sinceramente, não sou dos que embarcam em
complôs e teorias da conspiração. Mais ainda: sou dos
poucos terráqueos a defender que juízes de futebol
podem errar (quem não pode errar, a meu ver, é
médico e engenheiro).
Mas sorteio de exame antidoping em que
escolhe-se sete contra um é, pra dizer o mínimo,
deselegante. Que feio, FIFA! Não acho que um
europeu valha tanto quanto sete latinos –
independentemente do resultado do jogo.
Seja como for, a vitória foi na bola e sem
bolinha alguma: o resultado confirma que ninguém
jogou dopado.

22/junho/2014

57
ARGÉLIA VIVA

Demorou 32 anos,
mas enfim aconteceu:
Argélia, em jogo de Copa,
de novo agora venceu:
fez 4 a 2 na Coreia
e seu esforço valeu.

Segue viva nessa Copa


a seleção argelina.
Contra o desespero, gols
são sempre a melhor vacina.
Esporte, superação:
é o futebol que fascina!

22/junho/2014

58
ATÉ O ÚLTIMO INSTANTE – E ALÉM

Amigos: falemos sobre EUA x Portugal, este


confronto épico e improvável que ocorreu em
gramado brasileiro agora à noite. Dramaticidade total!
Um placar decidido aos 49 minutos do segundo tempo
de jogo – aliás, faltavam 20 segundos para o apito
final – comprova de uma vez por todas que estamos
vivendo a Copa das Copas. Por isso, não queiram
objetividade nesta hora. Não é possível. Um jogo
definido deste modo é uma aula sobre Arte e
humanidade: aumenta a responsabilidade de atores
de teatro e cinema, de bailarinos, compositores,
poetas. Sim! Não é possível aceitar a mediocridade –
nem nos palcos, nem nos gramados – após
testemunhar uma apresentação assim.
Não estou falando de qualidade ou técnica,
compreendam. O que uma partida de futebol como a
de hoje nos ensina é que não podemos nos conformar
com manifestações artísticas definidas e/ou
controladas por bur(r)ocratas via editais. É necessário
garantir espaço para a invenção, o improviso, até
mesmo para o desespero criativo. Pois foi esse o
grande mérito de Portugal neste jogo: o desespero
criativo. Acreditar além do possível, ou, por outro
ponto de vista, recusar-se a aceitar o que se
convencionou chamar de “destino”.

59
Por sinal, há décadas, o próprio gênio mudo
proclamou: “que os nossos esforços desafiem as
impossibilidades”. Grande Chaplin.
Vejam que coisa: Portugal, hoje, ensinou-nos a
desconfiar do fado, da fatalidade!
Nunca houve craque tão vilipendiado antes da
hora quanto Cristiano Ronaldo. Eleito melhor do
mundo recentemente! Mas a humanidade é bárbara,
sádica, perversa. Mal começou o jogo e já se lia nas
redes sociais as mais terríveis acusações: Cristiano
isso, Cristiano aquilo, Cristiano não veio ao Brasil e
tal. Querem saber mais o que? Amigos meus, gente
boa que conheço, acusou Cristiano de ter virado astro
só porque é um jogador que tira a sobrancelha. Sim,
meus amigos, até isso foi dito. E o mais incrível é que,
por exatos 94 minutos, não houve resposta possível.
Todos os que viram o jogo perceberam que o
crucificado Cristiano enfrenta problemas físicos. É o
joelho! Sempre é o joelho. Mas também está
nitidamente em estado de exaustão, fraqueza física
até. Não sou médico, não sei dar diagnóstico preciso.
Pode mesmo ser tristeza, melancolia, dessas que às
vezes atingem os melhores do mundo – estaria
legitimamente dentro do espírito português algo
assim.
Pois bem: durou 94 minutos isso. Tudo seguia o
roteiro já tradicional da Copa 2014: um time faz o
primeiro gol e em seguida retrai-se até levar a virada.

60
Com um agravante: o segundo gol dos Estados Unidos
foi feito... de barriga! Golpe de sorte, talvez, mas
humilhante ao ponto de irritar os deuses. Não se
poderia admitir um final de drama assim, tão
antidramático – tão pequeno, se me permitem.
Então aconteceu: no último lance do jogo,
Cristiano recebe a bola na direita, corre com ela e faz o
cruzamento mais perfeito desta Copa, colhido
perfeitamente por Varela para decretar o placar final.
Dois a dois, e qualquer definição fica para a próxima
rodada.
As chances de classificação da seleção
portuguesa são ínfimas, após esse empate. Mas
existem. E, se a Península Ibérica resiste ainda até o
fim da semana, isso ocorre graças a Portugal. E a
Cristiano, que cristianamente superou a dor, o joelho,
a melancolia e nos reensina, mais uma vez, a desafiar
as impossibilidades.
Para mim, este único lance já valeu a vinda de
Portugal.

22/junho/2014

61
de sol a sol

Brasil aquece o inverno

com futebol

22/junho/2014

62
DEUS É BRASILEIRO – NEYMAR TAMBÉM

Foi por volta dos 15 minutos de jogo. O zagueiro


adversário simplesmente empurrou Neymar,
arremessando-o contra o alambrado e as câmeras da
imprensa. Em seguida, claro, o brutamontes resolveu
se fingir de bonzinho e estendeu a mão, mas o jogador
brasileiro nem viu. Estava olhando o futuro.
Um minuto depois, Neymar recebeu na área e
fez, num chute de primeira, o gol do Brasil. É assim
que ele responde às pernadas: com lirismo. E lirismo
de uma eficácia mortal.
Mas os Camarões ainda não estavam mortos e
enterrados. Muito pelo contrário: logo em seguida
foram para a frente, meteram uma bola na trave e,
segundos depois, empataram o jogo.
Empate útil: serviu para evidenciar os erros de
posicionamento da defesa do Brasil, as falhas de
marcação. Isso sem falar em Marcelo, o saltimbanco
trapalhão. Desde que fez aquele gol contra nos
minutos iniciais da Copa, continua perdido. Enfim...
Após o empate, todos viram Neymar se
aproximando para conversar com Felipão à beira do
campo. O técnico do Brasil fazia gestos e caretas.
Minha dublagem para a cena:

63
– Poxa, professor, quer dizer que agora vou ter
que fazer outro?
– E o que é que EU posso fazer? Vai você,
garoto!
Um minuto depois, Neymar chegou na entrada
da área com a bola dominada, cortou o zagueiro e fez
outro golaço. Daí em diante foi a torcida em festa até o
intervalo. E ali, antes do retorno a campo, houve a
cena-resumo da ópera: um jogador da seleção de
Camarões foi até Neymar e pediu a camisa do craque
– que atendeu na hora. Simples, tranquilo, feliz.
Que seja um exemplo para todos nós na vida.
Tomar empurrão é muitas vezes inevitável, reagir é
absolutamente natural – mas saber superar beira o
sublime.
Acontece assim: o gênio esbanja
desprendimento e generosidade. O craque joga para a
equipe e ajuda a equipe a jogar. No segundo tempo,
saiu enfim o primeiro gol de Fred (nosso
centroavante, ou seja, aquele que é pago para fazer
gols). Alívio e alegria geral da plateia e do time. Todos
festejam. São essas comemorações, aliás, que vão aos
poucos dando a aura de time, de conjunto e, ouso
dizer, de Brasil para a seleção.
Com o jogo decidido, e percebendo o tamanho
dos jogadores de Camarões, o técnico brasileiro tirou
Neymar do jogo. Tirou também Hulk e Paulinho, que

64
estavam mal e foram substituídos por Ramires e
Fernandinho. Quanto a este último, garanto que
muitos estranharam: “Quem? Mas nem no álbum de
figurinhas da Copa esse tal de Fernandinho aparece!”
O fato é que o autofalante do estádio transmitia
o resultado parcial do outro jogo do grupo e o México
vencia a Croácia por um a zero, dois a zero, três a
zero... epa! Empate no saldo de gols entre México e
Brasil. Era urgente fazer mais um gol.
Acontece assim: o craque, mesmo após a
substituição, continua em campo. Inspira os
companheiros e a torcida. E foi um inspirado
Fernandinho que fez o quarto gol brasileiro (agora, se
alguém perguntar quem é Fernandinho, já dá para
responder: “aquele do quarto gol”).
No meio da euforia, ainda tive a sensação de
que seria bom olhar o jogo do México. Mudei de canal
(sob protestos da plateia presente) bem na hora do gol
da Croácia, que reduzia o saldo mexicano e
sacramentava o Brasil como líder do grupo.

Um comentário pós-jogo: Quando o jogador é


craque mesmo, é um perigo fazer dois gols numa só
partida. Corre-se o risco de esquecer as dezenas de
jogadas geniais do sujeito e falar só dos gols. Não vou
cometer esse pecado aqui: o que o Neymar fez nesse
jogo é coisa de lenda, seja lá curupira ou saci pererê.

65
Só faltou dar nó em pingo d´água. Após o jogo, um
locutor comentava os gols do Neymar dizendo:
“coitados dos zagueiros”. Discordo. Na minha opinião,
feliz do zagueiro que teve a honra de ser driblado pelo
Neymar – pode até pedir a camisa dele para guardar
de lembrança.

P.S.: Nos outros jogos, deu bem aquilo que se esperava:


1) Holanda 2, Chile 0, placar definido apenas nos
últimos 15 minutos, quando a Holanda resolveu jogar de
verdade; 2) Espanha 3, Austrália 0, despedida algo
melancólica dos ex-campeões mundiais, valorizada pelo
belíssimo gol de Villa, de letra.

23/junho/2014

66
EU QUERO UMA SEXTA ESTRELA

Eu quero uma sexta estrela.


Venha ela de manhã,
de tarde ou até de noite,
não pense que a luta é vã.
Por acaso Eva é culpada
por desejar a maçã?

Eu quero uma sexta estrela.


É uma vontade sincera.
E não quero a sexta estrela
para amansar uma fera,
nem para ficar mais rico
ou posar para a galera.

Eu quero uma sexta estrela


traduzindo uma nação.
Sei que todos nós queremos:
não venha dizer que não.
Eu quero, acima de tudo,
ter um HEXACORAÇÃO!

24/junho/2014

67
A MORDIDA

A história é conhecida. Todo pai, todo professor


de educação infantil já teve que acudir criança
mordida por coleguinha na rua ou na escola. Às vezes
a criança chega em casa com aquela marca de dentes
no braço (a vítima) ou então com bilhete no
caderno/agenda (o agressor). Falo com algum
conhecimento de causa: como pai, já vivi as duas
situações.
“Mas o que tem isto a ver com a Copa do
Mundo?”, perguntam vocês. Ora, por favor – quem
viu Itália x Uruguai entendeu. O empate era italiano e
seguia até mais da metade do segundo tempo, mesmo
após a expulsão de Marchisio, da Itália, por um pisão
em pé uruguaio. E o jogo seguia empatado, em boa
parte, graças aos seguidos milagres de santo Buffon
(que vai acabar se aposentando do cargo de goleiro da
Itália por tempo de serviço; é o goleiro da seleção
azzurra há décadas, com status de patrimônio
público).
Mas aí veio uma bola na área, ataque uruguaio,
e Suárez, o goleador, mostrou mais uma vez que é
também Suárez, o moleque levado que vai para casa
com bilhete na agenda (chamando os pais para
reunião na escola).

68
Com um agravante: o uruguaio é reincidente.
Foi a terceira mordida de sua carreira – contando-se
aqui os jogos documentados, ou seja, importantes (a
carreira do sujeito na várzea uruguaia deve ser repleta
de cenas semelhantes, posso apostar).
E a reação do juiz? Um marciano que tenha
aprendido as regras do futebol há 15 minutos deve
estar pensando: no mínimo, o tal Suárez foi parar na
cadeia, está prestando serviço comunitário, foi
suspenso até a próxima Copa do Mundo ou coisa
parecida. Mas aí é que está, senhores: o juiz não
marcou nada! Conversou com os auxiliares e
aparentemente ninguém viu coisa alguma.
Calcula-se que o número de testemunhas (via
satélite) da mordida atinge a casa das centenas de
milhões de pessoas. Mas, aos olhos da Lei, nada disso
importa. Nenhum dos espectadores foi chamado a dar
seu testemunho. Segue o jogo!
Cabe aqui um comentário: no futebol, quando
uma equipe foi provocada ou perdeu algum jogo
anterior, é comum dizer que o time “entrou em campo
mordido”, isto é, com gana de buscar reação,
revanche. É o caso, então, se de perguntar: e a Itália,
que teve um jogador literalmente mordido, como
reagiu? Chiellini (a vítima) ficou um tempão puxando
a camisa para mostrar o ombro machucado. Não deu
em nada.

69
E aqui se fez sentir a falta de um capitão ou um
verdadeiro craque em campo. Se fosse no Brasil,
Neymar não deixaria barato; na Argentina, Messi não
levaria esse desaforo para casa. Inexplicavelmente,
faltou reação para a Itália. E a apatia italiana foi a mãe
do gol uruguaio, que veio em seguida.
Depois, o clássico desespero de um lado
querendo empatar e o outro querendo que o tempo
passasse logo. Nos relógios uruguaios, o jogo já havia
acabado muito antes do apito do juiz – que por fim
encerrou a partida assim: um a zero, vitória e
classificação uruguaias.
Que os próximos adversários do Uruguai se
cuidem: há um vampiro em campo. E um vampiro que
faz gols, diga-se de passagem.

24/junho/2014

70
GREGOS E HERMANOS

O outro jogo épico desta rodada de São João


(24 de junho) envolveu Grécia e Costa do Marfim. A
maioria dos locutores apostava suas fichas contra os
gregos que, na visão de muitos, só sabem se defender,
não buscam o gol.
Mas a história do jogo foi outra, antológica (ah:
tratando-se da Grécia, poderia muito bem ter sido
uma história mitológica, na verdade). O empate
classificaria a Costa do Marfim, mas a Grécia marcou
primeiro, invertendo a situação da partida, como
tantas vezes temos visto acontecer: quem estava tenso,
relaxa; quem estava tranquilo, tensiona. E assim rola
a bola.
Houve o empate da Costa do Marfim e ouvimos
os locutores desfilando seus roteiros bem decorados:
“resultado esperado, merecido” e por aí afora.
Mas (e o grande Plínio Marcos já dizia: sempre
tem um “mas”), já após o tempo regulamentar da
partida, houve um pênalti a favor da Grécia. E aí,
meus amigos, no tempo de um suspiro deu-se a
esférica magia: gregos classificados, marfinenses
arrasados.
A vida é assim mesmo. Alguns avançam para
novos campos, outros fazem as malas do regresso.

71
A Costa Rica, sensação da Copa, nem se
preocupou em fazer gol na Inglaterra: foi um zero a
zero com gosto amargo para os ingleses, que já devem
estar a caminho do aeroporto a essas alturas.
Um ponto a destacar: a Costa Rica treina em
Santos. Integrantes da comissão dos hermanos
garantem que a equipe sente os fluidos da mítica
equipe da Vila Belmiro. Sentem a presença e
conversam com o espírito de Pelé. Espírito este que,
em vez de assustar, sempre ilumina. Assim, o bom
futebol apresentado pela Costa Rica não seria mais
que uma retribuição. Simpáticos.
Por fim, outros hermanos carimbaram o
passaporte para a fase seguinte: falamos da alegre
seleção colombiana, que aplicou sonora goleada no
Japão: quatro a um. Resultado, aliás, bastante
natural: de onde nada se espera é que não vem nada
mesmo, como diz a sabedoria popular (e se aplica à
modesta seleção japonesa). Sobre a Colômbia,
frequentemente às voltas com problemas ligados ao
narcotráfico, o futebol já foi um importante ponto de
apoio da população. Torçamos para que mais uma vez
seja assim, e que aos poucos a tristeza da violência dê
lugar à alegria da arte esportiva.
Futebol para isso os caras têm.

24/junho/2014

72
VALORIZAR O QUE SE TEM

Amigos, aprendamos com os gregos. Afinal de


contas, são décadas, séculos, até milênios de
conhecimento acumulado. Não se cospe impunemente
num grego, entendam. Os deuses podem ficar bravos.
Mas parece que não adianta avisar...
A imprensa, ah, a imprensa! Imagino se
fizessem hoje a cobertura do martírio de Cristo.
Alguém acabaria colocando defeito nos pregos.
Diriam, quem sabe, que o comprimento está fora dos
padrões, ou que os pregos estavam mal posicionados.
Talvez houvesse até um infográfico ensinando aos
leitores “como crucificar corretamente” ou coisa
assim.
Explico: ontem a Grécia cometeu a ousadia de
contrariar as previsões e se classificou, para ira de
alguns. O técnico foi prontamente crucificado por
pregar (uso o verbo de propósito) o jogo defensivo.
Mas a sinceridade do comandante grego foi de uma
transparência exemplar. Ele simplesmente disse que
joga com o que tem. E completou; “se Messi ou
Neymar estivessem na nossa equipe, jogaríamos para
frente!”
Eis um argumento, a meu ver, irrepreensível.

25/junho/2014

73
TERÇA MORNA. SERÁ?

Aconteceu. Ficamos mal acostumados! Ontem


tivemos uma rodada com a mesma média geral de gols
nessa Copa: três por jogo. Mesmo assim, a sensação
foi de um dia mais morno. Provavelmente porque não
teve nem mordida, nem virada espetacular – ah, mas
teve jogo em Salvador! E, quando o lugar é mágico, até
o “boa tarde” tem um ar especial.
Pausa para retificar: todo “boa tarde” tem algo
de especial – a gentileza, principalmente.
O fato é que Bósnia e Irã jogaram em Salvador,
e eis o milagre: os iranianos fizeram gol. Não tinham
feito nenhum até agora. E a Bósnia, meus amigos, que
tinha tantos simpatizantes por aqui apesar de ter feito
apenas um gol na competição... ontem, em Salvador,
fez três! É o efeito vatapá.
No mesmo grupo (e no mesmo horário),
tivemos o jogo que deu capa para todos os jornais de
hoje: Nigéria x Argentina. Talvez seja uma aura latino-
americana, não sei, mas em jogo da Argentina ou do
Brasil até os defeitos contribuem para dar vitaminar a
emoção. Vejam: aos três minutos de jogo, gol! Messi.
Para um brasileiro apaixonado por futebol, craque
argentino é sempre paradoxal: ao mesmo tempo
imperdoável e irrepreensível.

74
Mas a defesa argentina era, por outro lado, bem
repreensível: no minuto seguinte, Musa correu pelo
campo como quem vai tirar a mãe da forca, chutou e...
gol da Nigéria! Para confirmar meu lema pessoal
(explicado pelo fato de que sou santista): como é bom
ver jogo de equipe que tem ataque forte e defesa fraca!
É a combinação ideal para o espectador.
O jogo seguia eletrizante, com ambas as equipes
igualando-se nas qualidades e defeitos: muito ataque,
defesa intranquila... A única e fundamental diferença
era, óbvio, Messi em campo (se ele jogasse um tempo
em cada time, o jogo terminaria empatado). No
apagar das luzes do primeiro tempo, mais um gol dele.
Desempatou o jogo - e empatou na artilharia da Copa
com o nosso Neymar.
No intervalo, o coro dos milhares de torcedores
argentinos (o jogo foi em Porto Alegre, o que facilitou
a vinda dos hermanos) era atemporal. Louvavam
Messi, mas a provocação era antiga, vinha de outras
eras: “Maradona é melhor que Pelé!”

(Não vou analisar a afirmação acima porque estamos


fazendo um texto sobre futebol, e não sobre religião.
Religião, aqui, não se discute)

Segundo tempo. Foi só o juiz dar a largada e...


gol da Nigéria! Musa, novamente. Placar atualizado:
Messi dois, Musa dois. Será que era Pelé mandando
suas vibrações?

75
Seja como for, durou pouco: a Argentina
novamente desempatou, desta vez com Rojo, e o jogo
terminou em três a dois. Mas ambas as seleções estão
classificadas, e com justiça.
Na próxima fase, a Nigéria enfrenta a França,
que dessa vez ficou num sonolento zero a zero diante
do Equador. Vários titulares da seleção francesa foram
poupados e o único jogador realmente com fome de
bola em campo era Benzema, que tem três gols no
torneio até agora e pensava, certamente, em Messi,
Neymar e na artilharia.
Enquanto isso, em Manaus, a Suíça se
classificava com uma vitória sólida sobre Honduras:
três a zero. Aliás, vitória pessoal do atacante Shaqiri,
que fez os três gols do jogo e assim lidera sua equipe
para o confronto com a Argentina na próxima fase.
Dois ataques de primeira contra duas defesas
abertas...
Vai ser um jogão.

25/junho/2014

76
AS DUAS PÁTRIAS

E eis que a Alemanha foi jogar contra o


Flamengo. Não, calma, vamos olhar mais de perto.
Ah, sim: este time com a camisa branca semelhante ao
tradicional uniforme alemão é na verdade a seleção...
dos Estados Unidos!? E o suposto Flamengo é
simplesmente a seleção... da Alemanha. Que adentra
os gramados brasileiros em uniforme reserva,
desenhado (dizem) para angariar simpatizantes entre
os cariocas.
“Isso não é assunto”, acusam alguns. Ah, mas a
confusão continua quando partimos para a escalação:
o técnico da seleção americana é alemão. E são
alemães (acreditem, amigos) nada menos do que
cinco ou seis jogadores que atuam sob a bandeira dos
Estados Unidos. É muito alemão representando os
americanos, não?
Os locutores explicam que é uma questão de
dupla nacionalidade. A verdade é que temos visto
muito disso por aqui e por ali, dentro e fora da Copa.
O que nos traz a seguinte questão: em que
circunstâncias faria sentido “vestir a camisa da pátria
alheia”? Ou, para citar mais uma vez mestre Nelson:
pode haver dúvida em relação à pátria que trazemos
na ponta de nossas chuteiras?

77
Darei aqui uma resposta absolutamente pessoal
a cada uma dessas questões – e será uma resposta
diferente para cada uma das perguntas, por mais que
pareçam faces da mesma questão.
Quanto à defesa até incondicional de outras
nações, creio que isto é plenamente possível,
justificável e mesmo (em certos casos) desejável.
Obviamente, não falo aqui de mercenários – essas
pessoas que trabalham para quem paga mais e pronto.
Refiro-me aqui a gente com espírito puro e abnegado,
disposta a sacrifício sincero para o bem dos outros,
venham de onde vierem. O exemplo perfeito do que
quero dizer: Che Guevara.
Che não nasceu em Cuba. Mas poucos foram
tão plenamente cubanos ao lutar e defender a
revolução. Sua carta de despedida a Fidel e ao povo de
Cuba é um exemplo de postura, além de uma das
páginas mais lindas da História da Humanidade.
Tenho uma réplica dessa carta e confesso de coração
aberto: diante de certas circunstâncias, recorro à
leitura dela, pois diz tudo.
Poderíamos ir até além, invocando novamente a
citação de Donne: “Nenhum homem é uma ilha”.
Aplica-se à defesa da justiça e da vida.
Circunstâncias bem diferentes regem a pátria
que vai na ponta das chuteiras. Esta, nós não
adotamos: trazemos gravada na alma. Morrerei com o
nome “Brasil” escrito em minhas chuteiras.

78
Vejam Mena, o atual lateral do Santos: nasceu
no Chile e amanhã enfrentará o Brasil em campo.
Justo, justíssimo! Assim como Neymar, astro do
Barcelona, vestirá a camisa do Brasil para enfrentar o
Chile de Mena.
Mas, enfim, alemães hoje vestem a camisa
americana. E o jogo entre essas duas Alemanhas foi
fraco, quase um treino.
No final, um a zero para a Alemanha oficial – e
as duas seleções classificadas. Não serei eu a dizer que
foi marmelada. Mas nem toda marmelada é planejada,
se é que me entendem. E espero que me desculpem o
espírito crítico, mas confesso que foi meio estranho
ouvir, logo após o jogo, aqueles alemães vestidos de
americanos dizendo que esta havia sido “a melhor
derrota de suas vidas”.

P.S.: Os demais jogos do dia: Argélia 1 x 1 Rússia (os


russos fizeram o primeiro mas depois só apanharam) e,
sem alarmes e sem surpresa, Bélgica 1 x 0 Coreia do Sul
(luta sonolenta em que o único murro-gol levou os
coeranos a nocaute). Classificadas: Bélgica e Argélia
(um “eba!” especial para os argelinos, que pela
primeira vez avançam numa Copa do Mundo).

26/junho/2014

79
QUESTÕES

Todo mundo sabe que mãe de juiz sofre. Seja no


campo de futebol ou mesmo em casa, pela televisão, o
melhor que a mãe do árbitro pode fazer é tapar os
ouvidos. Ou então (talvez uma possibilidade mais leve
e produtiva) desistir de acompanhar a carreira do
filho e marcar um cinema para o horário do jogo.
A questão – cultural, diga-se de passagem – é
que ninguém mais estranha os palavrões dirigidos à
mãe do juiz. Aparentemente, as pessoas continuam
falando, mas nem ouvem mais. Virou mantra, rito,
costume. E, dizendo isso, não estou querendo
desculpar o fato, muito pelo contrário. Destaco-o aqui
para que se pense a respeito.
Vale a pena?
Passemos às vias de fato e aos momentos de
pugilismo disfarçado ou explícito que ocorrem
durante certas disputas futebolísticas. Aqui, ao
contrário da questão “palavrão”, os torcedores têm
plena consciência do fato e prestam atenção à cena que
depois discutem – muitas vezes, apaixonadamente –
na mesa do bar. Porém, mais uma vez, canelas,
empurrões e cotoveladas são compreendidos pela
maioria como “lance de jogo”. Tanto que, ressaltam
alguns, é para isso que existem os cartões amarelo
(advertência) e vermelho (expulsão).

80
Será que basta?
Nem sempre.
Ignorada pelo árbitro, mas comprovada pela
sequência de imagens que rodaram mundo nas
últimas 48 horas, a mordida desferida pelo uruguaio
Suárez em seu oponente italiano não poderia passar
sem punição.
Suárez recebeu suspensão de nove jogos. Está,
automaticamente, fora da Copa 2014. Cumpre, assim,
sina a um só tempo semelhante e inversa à vivida por
ele mesmo na Copa do Mundo de 2010. Lá, foi expulso
por meter a mão na bola e passou de vilão a herói em
dois minutos, quando o jogador de Gana desperdiçou
a cobrança do pênalti. Agora, comandou a equipe
uruguaia rumo à classificação, mas pôs tudo a perder
com a inadmissível mordida.
Passou de herói a vilão em dois dias.
Será que aprendeu... ou melhor: será que
aprendemos algo com isso?
Por aqui, medito: também a vitória, às vezes,
pode ser amarga.

26/junho/2014

81
O CANTO DO CISNE LUSITANO

Diz a lenda (aliás, nem sei se é lenda; pode


muito bem ser verdade) que o último canto do cisne é
lindo, de encanto irrepreensível. Acredito. E vale para
muitos artistas. Quantas vezes já se louvou o último
livro, a última dança, a última ópera, como
insuperáveis na obra de um artista?
Vale também para o futebol – eis a lição que
nos deixa a passagem de Cristiano Ronaldo pelos
gramados brasileiros.
Ontem, Portugal despediu-se da Copa do
Mundo de 2014. Venceu bravamente a seleção de
Gana por dois a um, mas foi eliminada pela
combinação de resultados. No entanto, amigos, que
jogo! E, principalmente, que partida incrível de
Cristiano Ronaldo! Fez o segundo gol, mas isso diz
pouco. Na verdade, Cristiano flutuava em campo ao
mesmo tempo que salpicava o estádio de suor e
lágrimas. Passava, corria, chutava, cabeceava – estava
em todos os cantos, quase ao mesmo tempo,
desafiando as leis da Física.
Ah, sim: ainda antes do final do jogo, a televisão
colocou no ar uma enquete (prematura, se me
permitem) sobre “qual foi a maior decepção da Copa”.

82
Naturalmente, toda a coisa foi direcionada para que se
votasse em Cristiano Ronaldo. E foi este o resultado:
cerca de 70% dos participantes concordou com a
insinuação televisiva, mostrando que o ser humano
pode ser maldoso e implacável, sobretudo quando
instigado.
A maldade, aliás, manifesta-se com mais
desfaçatez no meio das maiorias. Parem e pensem:
com que frequência teremos apenas engrossado o
caldo de especulações absolutamente artificiais?

(Pior ainda é quando se cai na profecia autorrealizável,


em que mentiras reiteradas acabam virando realidade:
o sujeito que é chamado o tempo todo de “miserável”
pode acabar indo morar na rua)

De volta ao futebol, continuo no time


(temporariamente) minoritário: aplaudo a vinda do
craque português e tenho a impressão de que deu
mesmo o melhor de si.
E hoje, torcendo mais do que nunca pelo Brasil,
vou trabalhar com a camisa da seleção portuguesa,
em modestíssimo tributo ao cisne lusitano.

27/junho/2014

83
O RESERVA

O reserva tem que estar pronto para entrar em


campo, sob qualquer condição. Nem todos percebem
essa grande verdade, mas é justamente do reserva que
se espera mais. O reserva é chamado a campo, na
maioria das vezes, para resolver uma partida. E pode
sair consagrado.

(Substitua-se, quando necessário, “reserva” por


“substituto”. Percebem como vale para tudo na vida?
Inclusive – e principalmente – política)

Temos diversos casos de reservas atuantes na


Copa 2014. O mais interessante tem sido Chicharrito,
o centroavante mexicano que entra sempre no
segundo tempo e comanda o México decisivamente.
E a ausência de Suárez, do Uruguai, deixa um vazio
que pode custar a classificação, a menos que seu
reserva esteja pronto e no ponto.
Aguardemos, pois.
Nesta e noutras Copas, algo me diz que ainda
teremos manchetes destinadas a jogadores reservas.
Que sejam boas novas.

27/junho/2014

84
VINHO OU VATAPÁ?

Bem na hora do almoço, eis que o prato do dia é


Brasil x Chile. Mas o jogo foi tão tenso que ficar
sentado já era difícil. Comer, então, foi quase
impossível. E escrever organizando as palavras, uma
tortura da qual abdicamos. Segue o que foi possível,
ou seja: pouco mais que anotações de guardanapo.

28/06/14, 13h40:

... mas sem tesão,


não há solução!
Sem coração,
aí é que não!

28/06/14, 14h30:

APÓS O GOL MAL ANULADO


Nenhum país no mundo pode aceitar ser
garfado dentro do próprio território. É uma questão
de soberania nacional.

85
28/06/14, 15h45:

NA HORA DOS PÊNALTIS (após o 1 x 1)


– Até os goleiros estão roendo as unhas por baixo
das luvas.
– Calma. Lembre-se do Taffarel naquela outra
Copa, 20 anos atrás: a lembrança é uma arma.

28/06/14, 16h40:

A vitória, na verdade, não veio até nós: tivemos


que sair atrás dela e nos embrenhamos na mata escura.
Mas aqui estamos.

28/06/14, 17h30:

MICROCONTOS DE COPA
1
O apito foi tendencioso do primeiro ao último
minuto. Não adiantou.
Depois, o cara de pau pediu a bola pra guardar
de lembrança.
Dançou: ninguém deu bola pra ele.

86
2
Quando desligaram os aparelhos, eis que o
menino acordou, sorriu e saiu voando.
Eu fiquei - só pra mostrar a língua aos médicos!

28/06/2014, 18h:

RESPOSTA A UM BRASILEIRO QUE


TORCEU CONTRA A SELEÇÃO

1) Sobre “ser mais justo o adversário ganhar”,


pergunto: como?

Hulk fez o gol mais bonito do jogo, legal, e o gol


foi sonegado pelo juiz - injustiça terrena corrigida pela
mão divina.

2) Sobre o futebol ser “ópio do povo”

O Brasil patinou terrivelmente nos anos 20, 30,


40 (em todos os terrenos) e aí nasceu o complexo de
vira-lata que existe até hoje. O futebol e a bossa-nova
foram as formas de arte que nos fizeram renascer e
acreditar que podemos, sim, conquistar coisas grandes
- e até o mundo.

87
3) “Brasileiro vira palhaço quando torce”

Nunca, jamais utilize a palavra “palhaços” em


acepção tão equivocada e preconceituosa
- ser palhaço é sagrada vocação
e uma de nossas maiores qualidades

4) “Brasileiro esquece tudo que está errado quando


rola a bola”

Mentira das mais infelizes, essa. Entramos


outro dia no Ministério Público para questionar
ilegalidades que rolam por aqui, e há milhões de
outros brasileiros construindo o Brasil todo dia, com
ou sem Copa, mesmo contrariando gente como você.
Lamento a torcida contrária, inda mais quando
é gente jovem. Mas o tempo (sim, o tempo, meu amigo)
conspira a nosso favor.
Seguimos em frente.
Juntos, firmes e fortes, apesar de tudo.

28/06/14, 19h:

AINDA UMA RESPOSTA


– Chega! Nem futebol, nem poesia ou prosa mudam
o mundo!
– Vai me desculpar, amigo: isso é só prosa sua.

88
28/06/14, 19h15:

PRA MUDAR O MUNDO

Sabe aquela sensação de que podemos mudar o


país e o mundo? Pois então. Que me perdoem os
intelectuais de alta estirpe que se fecham às pequenas
grandes coisas (e que devem me achar ridículo),
mas agora há pouco foi o futebol que me trouxe isso,
do modo mais nítido.
E agora eu, que mal jogo bola e não sei pegar
pênalti, vou sacar a caneta, abrir o piano, sair
espalhando afeto e buscando quem queira vir junto -
porque junto será ainda melhor.

28/06/2014, 20h:

O MOMENTO DA VITÓRIA É TODA A VIDA

Amigos, percebam: durante todo o jogo, até


vimos o Brasil tentando avançar, mas parece que algo
tolhia os jogadores. Creio que era o técnico do time.
Para mim, crescemos e conquistamos inapelavelmente
a classificação somente na hora em que os jogadores
resolveram se libertar de ordens e esquemas
equivocados.

89
Ali, diante da bola, um de cada vez e ao mesmo
tempo todos juntos, recuperamos a memória do que é
"ser Brasil".
E, por isso mesmo, não poderia ter sido batido
de outra forma nosso último pênalti, nem por
qualquer outro jogador.
Tinha que ser Neymar.
O craque tinha sido caçado barbaramente
durante todo o jogo. Claramente estava machucado, o
rosto denunciando todas as dores do jogo e da vida.
Mas, exatamente naquele instante, no momento
em que milhões olhavam para ele, nosso aspirante a
cavaleiro reapareceu calmo, preciso, consciente.
Veio em câmara lenta. Correu em câmara lenta.
"Tranquilo e infalível como Bruce Lee", diria Caetano
(depois Neymar diria que não foi bem assim).
Seu andar pausado em direção à bola resumiu
décadas de preparação. Foi um pênalti convertido a
partir de antigas derrotas, assim como as defesas
milagrosas de Júlio César.
Se estivéssemos na Idade Média, eu diria:
hoje, nossos jogadores sagraram-se definitivamente
cavaleiros do reino.

28/junho/2014

90
ALEGRIA E ARTE

Confesso: queria muito ver o “jogo seguinte”,


mas quase não consegui. E como conseguir?
Sabem quando vivemos coisas tão grandes que exigem
espaço interior às vezes maior até que o disponível?
Não são apenas as dores, como pensava Drummond.
Também as conquistas épicas desafiam e dominam
nossos corpos. Pedem silêncio.
Após a saga, naturalmente havia festa
esperando. Sempre há uma festa esperando. E jogo.
Recolhi-me. Mas os melhores momentos do jogo entre
Colômbia x Uruguai deixam claro que foi uma partida
linda, e não apenas por conta desses jovens (e
talentosos) bailarinos colombianos. Mesmo sem sua
principal estrela, o Uruguai valorizou a vitória. A
Colômbia venceu por dois a zero, mas poderia muito
bem ter sido por quatro a dois ou até placar mais
elástico.
Quando um jogo é muito bonito, nem sempre
achamos palavras para contar a história. Mas sempre
é possível descrever as sensações. Hoje, no futebol,
a Colômbia é Alegria e Arte. E, por isso, é Brasil.
Coisa boa: sexta-feira, ganharemos de qualquer
jeito - seja com o Brasil, seja com a Colômbia.

29/junho/2014

91
A VITÓRIA É ESSA
(e vale bem mais que um hexa)

Acordo, nesse domingo de manhã, imerso num


sentimento de felicidade irrefreável, desses que sem
razão aparente tomam o ar e nos aquecem com
suavidade desde cedo.
A verdade é que hoje amanheci amando
melhor. Com os poros mais abertos ao amor (difícil
explicar melhor, mas quem já sentiu entende bem).
Seria tudo isso um reflexo do jogo de ontem? Não,
acho que não.
Uma amiga querida me escreve do Rio
emocionada. Fala sobre os milhares de hermanos que
temos visto nas rodoviárias e aeroportos durante a
Copa. De minha parte, penso também em tantos
outros hermanos com quem convivemos diariamente,
ainda que à distância. De algum modo, sinto que
estamos todos juntos, na cotidiana luta por um
mundo melhor.
Estes dias repletos de gols e prosa têm um
subtexto escrito em letras diáfanas – um subtexto que
vou cometer a ousadia de transcrever aqui mesmo. É
tão simples...

92
A Copa das Copas acontece aqui, no meio da
gente. Nas ruas, na padaria agora mesmo, as pessoas
discutem, conversam, falam sobre a Copa. Ilustres
desconhecidos um do outro debatem (debatemos)
num balcão. Como velhos conhecidos, comentamos o
dia de ontem e o que importa não é o jogo: são as
pessoas.
Onde você viu o jogo?
Nossa, naquela hora...
Ah, comigo também...
Juntos construímos caminhos para o gol e no
fundo sabemos: não é o gol que importa. E é
justamente essa a nossa vitória. Por isso, bom dia a
todos – inclusive aos eternos idiotas da objetividade.
Bom dia!

29/junho/2014

93
SÓ QUANDO TERMINA

Não é só a literatura. A vida, mesmo, está cheia


de exemplos de gente que olhou pro lado quando não
devia (ou não olhou quando devia) e acabou perdendo
o bonde da história ou até a própria vida.
O destino é uma coisa doida. Einstein, que
sabia muitas coisas, tinha uma frase inconformada:
Deus não joga dados. O cientista achava que um dia
seria possível prever tudo de um modo determinado,
sem espaço para o aleatório.
Mas como será que funciona isso no caso dos
deuses do futebol?
México e Holanda protagonizaram um duelo
memorável na tarde de hoje. Legítimo xadrez
futebolístico sob o forte sol cearense (e bota forte
nisso) do início da tarde.
O México tinha o jogo mais rápido, de toque, e
o melhor goleiro da Copa 2014 até agora. A Holanda
sofria com o calor e aguardava um erro mexicano,
uma única oportunidade para o contra-ataque mortal.
Mas, para os dois times, por mais que tentassem o gol,
o melhor momento do primeiro tempo acabou sendo
mesmo a parada técnica para água e um breve
descanso, aos 30 minutos de jogo.
Respira, meu povo!

94
O gol só foi sair no início do segundo tempo.
Com um a zero para o México, a Holanda não tinha
mais opção: precisaria correr, e correr risco. A
vantagem dos mexicanos era boa, considerando-se
que até aquele momento eram eles que dominavam o
jogo e tocavam mais a bola. Mas aí nossos hermanos
cometeram o pecado mortal: recuaram, recusando o
jogo.
Virou tudo uma questão de “quando” e não de
“o que”. Todos na plateia, sofá ou arquibancada,
sabiam que iria acontecer. O monstro do pesadelo
mexicano aos poucos tomava forma...
“Vai acabar, vai acabar”, diziam, dizíamos. Doce
ilusão. Não acabava! A alma mexicana saiu da arena
antes da hora. E, aos 43 minutos do segundo tempo,
veio o empate holandês.
Pânico anunciado nos nossos amigos latinos.
Dois ou três minutos depois, a virada holandesa e o
fim do jogo: dois a um. Nesta Copa das Viradas,
confesso que a eliminação do México doeu em mim.
Mas foi uma aula, em muitos aspectos! E comprovou
aquela história de que “o jogo só acaba quando
termina” (a frase é atribuída a Vicente Matheus,
folclórico presidente do Corinthians, e se aplica).
Após tanta dificuldade e sofrimento, guardamos
na alma a beleza do jogo. Horas depois, eu ainda
pensava em México e Holanda, Frida e Vincent.

29/junho/2014

95
COSTA RICA X GRÉCIA

Costa Rica venceu Grécia


num jogo surpreendente.
Marcou o primeiro gol,
mas ficou com menos gente:
foi expulso o jogador
que tinha a cabeça quente...!

No segundo tempo inteiro,


Costa Rica só com dez;
eu, que já estava nervoso,
tomei dois ou três cafés
- e a Grécia ia pra frente
com chutes e pontapés.

Quase no final do jogo


é que um dos gregos chutou
e a bola, bem lentamente,
foi rolando até o gol.
Festa grega na torcida:
a seleção empatou!

96
Nesses casos, já se sabe:
tem que haver prorrogação.
O público estava quieto
de tanta preocupação,
mas ninguém marcou mais gol,
ficando aberta a questão.

A decisão, meus amigos,


foi pros pênaltis, no fim.
Todos iam acertando.
Seguia o suspense... enfim,
o arqueiro da Costa Rica
pegou pênalti: aí sim!

Venceu quem era melhor;


a minha aposta ganhei.
Quanto à seleção da Grécia,
disse o treinador: "tentei
implantar filosofia,
mas só sei que nada sei..."

29/junho/2014

97
QUANDO O VENCIDO E O VENCEDOR
SÃO UM SÓ

Amigos, hoje aprendemos de uma vez por todas:


não existem grandes jogos de um time só.
O que faz desta a Copa das Copas, agora entendo,
é o fato de que todas as seleções, a esta altura, já
vivenciaram o sentimento de incerteza, de dúvida
atroz: “será que dá?”
Muitas, inclusive o Brasil e a Holanda, como
vimos, já viveram inclusive a iminência da derrota. E
isso toca fundo na alma do homem. Estar a um passo
de ver o sonho ruir – e depois voltar ao jogo – é uma
experiência fortíssima. Compara-se às pessoas que
passam um tempo em coma e, depois, às vezes até
contrariando expectativas médicas, recuperam a
consciência. Há em seu olhar algo de sofrimento que
pode ser intraduzível em palavras mas, tenho certeza,
fortalece a experiência de viver.
No caso dos jogos de hoje, observamos isso.
Que força, que aura de vencedor emanava de cada um
dos jogadores! Não havia vencidos ou vencedores. Ou,
para dizer melhor: todos ali eram vencidos e
vencedores. O rosto de cada jogador estampava as
marcas de ambas, vitória e derrota.

98
Vimos isso nos franceses, que sofreram para
derrotar a Nigéria. Venceram por dois a zero, mas a
vitória só se desenhou nos últimos oito minutos de
jogo. Até lá, jogo aberto, destino suspenso, indeciso. E
quiseram os deuses do futebol que o maior herói do
jogo até ali acabasse falhando nos gols: o goleiro
nigeriano, bom goleiro, ótimo goleiro, não defendeu
bolas defensáveis.
Mas lutou bravamente. Venceu, também.
Palmas aos dois times!
E o texto acima pode ser aplicado com mínimas
diferenças ao jogo seguinte, Alemanha e Argélia. Com
mais pitadas de drama, neste caso: o jogo, empatado
em zero a zero, foi para a prorrogação e só ali, quando
já se via em cada jogador o rosto sulcado pelo cansaço,
vieram os gols. Três! Alemanha, um a zero com dois
minutos de jogo, seguindo-se até o final uma luta
acirradíssima em que o primeiro desafio era continuar
em pé, correr, encontrar forças para carregar a bola.
O final foi realmente apoteótico. Aliás, o jogo
não terminava! Saiu o segundo gol alemão faltando
dois minutos para o apito final. Festa alemã,
desespero argelino, quase todos os jogadores
deixando-se cair no chão.
O juiz praticamente teve que chamar os
jogadores, quase implorando para que se levantassem.
Imagino o pensamento de todos, absolutamente todos
ali: está quase...

99
Mas quase também é mais um detalhe, ensina o
poeta. Um grande jogo não morreria assim. Todos de
pé, bola rolando, ataque, gol da Argélia! O estádio
quase veio abaixo. Fantástico!
O último minuto foi uma reviravolta de
sentimentos: quem estava entregue acordou, quem
festejava emudeceu.
Deu Alemanha. Porém (e sempre tem um
porém, já diz o Plínio) ficou provado que pode haver
ótimos filósofos, mas não há super homens na
Alemanha.
Também os alemães são simplesmente
humanos, demasiadamente humanos.

30/junho/2014

100
GOLEIROS

À medida que avança, a Copa das Copas deixa


de ser (apenas) uma Copa dos Gols e passa a ser
(também) uma Copa dos Goleiros. Quantas defesas,
quantos jogos levados até a prorrogação (e às vezes
aos pênaltis), quantas “quase vitórias” mantidas em
estado de suspensão por conta do trabalho incrível
dos goleiros?
E a sina dos goleiros é implacável. Diz o Livro
do Destino que todo goleiro, ao nascer, carrega a cruz
e o fardo de ser derrotado, mais cedo ou mais tarde.
Pode levar quase 90 minutos, horas às vezes – ou
semanas, no caso de uma improvável invencibilidade
de vários jogos. Mas haverá o gol. Cedo ou tarde,
haverá o gol, e a vida terá que ser reconstruída, o
cronômetro zerado, a confiança reconquistada.
Percebam como é mais leve a sina do atacante:
pode até passar por um jejum de gols, mas isso nunca
terá o mesmo peso de um gol sofrido em momento
decisivo. Até porque o atacante joga em conjunto, tem
vários companheiros que podem suprir sua eventual
falta de inspiração. Isso não vale para o goleiro.
O goleiro é um solitário por excelência.
Observem atentamente as feições do goleiro.

101
Não demora muito para que se perceba uma
tristeza profunda, muitas vezes nascida de angústias
passadas e cimentadas na alma. São, às vezes, como
traumas de guerra. O sujeito simplesmente tem que
aprender a viver com aquilo. Esquecer? Apagar?
Impossível.
Dias atrás, Júlio César, goleiro brasileiro, foi
incensado como herói no jogo contra o Chile. Além
das muitas defesas durante o jogo, ele defendeu dois
pênaltis. Compreendem o tamanho do feito? Dois
pênaltis seguidos! E ainda acho que foi responsável
também pelo erro do chileno que perdeu o último
pênalti. Na verdade, não foi um pênalti perdido, e sim
uma defesa de samurai: nosso goleiro cresceu tanto à
frente do chileno que o gol sumiu, restando apenas a
trave no caminho da bola.
Terminado o jogo, Júlio César foi chamado para
entrevista. E o que disse ele? Por acaso gabou-se das
defesas? Estava ao menos minimamente sorridente?
Transparecia orgulho ou satisfação? Não, senhores.
Naquele momento de vitória suprema, o goleiro
lembrou-se da derrota para a Holanda na última Copa
e de sua falha no gol holandês que desclassificou o
Brasil. Remexeu, assim, numa ferida ocorrida quatro
anos atrás e que ainda não havia sido curada.
Depois disso, ao menos por solidariedade, torço
para que Júlio César se firme como um dos líderes da
seleção brasileira em campo. Amor à camisa ele tem.

102
* * * * *

Voltando à Copa dos Goleiros, eis que


Argentina e Suíça enfrentaram-se em solo brasileiro.
Muitos argentinos ajudavam a lotar as arquibancadas.
Mesmo assim, o que mais se ouvia era – adivinhem –
a torcida brasileira pela Suíça. E, com os goleiros
trabalhando e os atacantes patinando (Messi estava
preso atrás das grades da marcação suíça), não saiu
gol nenhum no tempo normal.
Prorrogação. Em prorrogação, até jogo de
várzea toma proporções épicas. Minuto a minuto,
percebemos a atmosfera ficando cada vez mais densa
– partida difícil para ambos os lados, igualados pela
agonia da indefinição. “Cadê a Argentina?”,
começavam a provocar os mais apaixonados.

(Lembro de um amistoso – embora não creia que a


palavra seja muito adequada – entre Brasil e
Argentina, quase 15 anos atrás. Vi o jogo pela televisão,
em casa de argentinos. O Brasil fez um a zero logo no
início e segurou o resultado até o segundo tempo, se
bem me lembro. Incrível: os argentinos se mostraram
mais apaixonados até que os brasileiros. Como
xingavam o time! E como pularam na hora do gol de
empate. O jogo terminou dois a um para a Argentina,
vitória de virada. Sinceramente, achei que a casa fosse
desabar no meio da bagunça.)

103
Pois então: a sorte da Argentina repousava nos
pés de Messi. Faltando apenas dois minutos para o
final da prorrogação (e para a temida disputa por
pênaltis), ele recebe a bola, limpa a jogada e dá um
passe perfeito para Di Maria fazer o gol salvador da
Argentina.
Não chegou nem a ser festa, para eles.
Extenuados, manifestavam mais propriamente alívio.
Ainda mais porque os dois últimos lances do jogo
foram totalmente suíços: uma cobrança de falta na
trave (quase os pênaltis novamente) e um último
chute que passou perto do gol.
Messi, depois do jogo, confessou o mais
humano dos sentimentos: “sim, eu tive medo”.
Alguém o culpa? Eu é que não.

* * * * *

Partimos então para o último jogo desta fase:


Bélgica e Estados Unidos. E este foi, provavelmente, o
jogo mais emblemático da Copa dos Goleiros
Mais um zero a zero. Mas como, se a Bélgica
tem sido tão reverenciada pela sua nova geração de
jogadores talentosos? Por que pararam diante do
combinado alemão-americano?

104
A resposta chama-se Tim Howard e deverá
constar na próxima edição do Livro dos Recordes.
Howard é o goleiro dos Estados Unidos e fez,
segundo os jornais (a gente não fica contando), um
total de 16 defesas salvadoras durante a partida.
Impressionante.
Relembro aqui uma frase escrita no início deste
texto: “todo goleiro, ao nascer, carrega a cruz e o fardo
de ser derrotado, mais cedo ou mais tarde.” Para Tim
Howard, foi mais tarde. Somente na prorrogação a
Bélgica venceu o bloqueio americano e conseguiu
abrir dois a zero - mas ainda levou um gol no final.
Dois a um: Bélgica classificada e um goleiro,
quem diria, consagrado na derrota.
Coisa rara de se ver.

1-2/julho/2014

105
Manchetes de jornais brasileiros:

1) “Julio César e trave salvam Brasil...”


(após Brasil x Chile)

2) “La Trave de Dios”


(após Argentina x Suíça)

Brasileira ou argentina?

Parece que a trave

é latina!

2/julho/2014

106
CHORO BANDIDO?

Neste primeiro intervalo de mais de 48 horas


sem jogo na Copa, o principal assunto que toma as
rodas de conversa em todo o território nacional pode
ser prosaico, mas também não deixa de ser polêmico:
o choro dos jogadores brasileiros, antes e depois da
cobrança de pênaltis contra o Chile. Muitos criticam
abertamente esta manifestação inequívoca de emoção
à flor da pele, lida por vários como sinal de
descontrole emocional. Entendo o ponto de vista, mas
no fundo acho que todos sabemos o que ocorre na
verdade. E a verdade, amigos, pode ter um gosto
amargo.
A questão é simples. Provavelmente, nunca
antes na História das Copas uma seleção entrou em
campo tão pressionada, com tamanha obrigação de
vencer. E vencer, vejam bem, não apenas no placar.
A obrigação imposta aos jogadores brasileiros é a de
se impor perante o mundo futebolístico. Até Neymar,
tão incrivelmente experiente do alto de seus 22 anos
de idade, tem que provar - mesmo durante os treinos -
que é melhor que Messi (e o fato de Messi ser
argentino dá, claro, peso extra à lição de casa).
É um completo absurdo, se pararem para
pensar (coisa que, ok, para alguns pode custar muito).
E somos cúmplices disso.

107
De que adianta mostrar, com argumentos
estatísticos, que em menos de um terço dos casos a
seleção “de casa” é a que vence uma Copa do Mundo?
De que adianta dizer que a vida segue em caso de
derrota ou fatalidade?
Depositamos, nas costas de quem veste a
camisa da seleção brasileira, uma responsabilidade
que não se jogaria nem sobre o Super Homem. E os
caras jogam. Bem ou mal, mas jogam. Encaram a
barra, com orgulho até. E os que choram (por amor à
pátria e outros humanos sentimentos) são criticados
justamente porque são humanos e choram.
Tenho algo a dizer, senhores: sinto-me melhor
representado por estes que choram do que por aqueles
que, em outras Copas, saíram ilesos, secos, quase
sorridentes após uma derrota. Por sinal, uma antiga
derrota brasileira ficou marcada pelo gesto frívolo de
um jogador que, na hora crucial, preferiu agachar-se à
responsabilidade arrumando as meias em vez de
auxiliar a equipe. E houve quem fizesse suas malas e
fosse para casa sem mostrar uma única gota de
vergonha na cara, uma gota sequer que escorresse
pelo rosto.
Daqueles, eu senti vergonha – uma vergonha
que não sinto destes que choram.

3/julho/2014

108
À ESPERA DO JOGO

“Como inimigo diante do inimigo,


canso-me de esperar se nunca brigo”
– John Donne (trad. Augusto de Campos)

À espera do jogo, acordamos cedo. Talvez nem


tenhamos dormido: o sono foi, na verdade, mais um
período de treino, de olhos fechados para ver melhor
as jogadas que nos aguardam.
À espera do jogo, o tempo avança devagar e a
sensibilidade, à flor da pele, permite adivinhar o som
de beija-flores planando. Sentimos o lento e
irrefreável crescer da grama, o prenúncio do vento que
ainda não se anuncia a não ser dentro de nós.
À espera do jogo, já vivemos o jogo em sua
plenitude. Dizem que o aquecimento para o jogo é
importante. Estamos no aquecimento e percebemos:
aquecimento para o jogo é jogo.
Daqui a instantes, rolará a bola. Novos tapetes,
de grama e sonho, serão tecidos ao longo do jogo.
Somos o fio e as agulhas, à espera do jogo.
Ou à espera do amor.

3/julho/2014

109
AMARGA VITÓRIA. VITÓRIA?

França e Alemanha, o primeiro jogo do dia,


lembrou o Pneumotórax do Bandeira: “a vida inteira
que podia ter sido e que não foi”. A seleção alemã fazia
seu jogo burocrático de sempre, enquanto os franceses
seguiam entre perdidos e atormentados em campo.
No final, vitória da Alemanha por um a zero e a
expectativa de ver mais emoção e arte na partida
seguinte - a nossa.

(Os deuses da bola gargalham enquanto escrevo. Após


o jogo mais fraco da Copa, quis o destino que viesse
uma partida inesquecível - mas pelas razões erradas)

Amigos: o primeiro tempo de Brasil x Colômbia


me encheu de esperança. A seleção brasileira entrou
em campo e jogou como equipe. O gol nasceu de um
escanteio cobrado por Neymar, bola colhida como
fruto maduro pelo capitão da equipe, Thiago Silva. E
houve oportunidade para mais dois ou três gols
nossos. Do lado de lá, a seleção da Colômbia parecia
acuada, nervosa. E o jogo foi ganhando contornos
violentos, sob o olhar complacente do juiz espanhol.
Seria ele juiz de boxe? Árbitro de tourada? Parecia
acostumado à violência.

110
O jogo caiu no segundo tempo, cada vez mais
truncado por faltas. E foi justamente numa delas que
David Luiz fez o segundo gol do Brasil. Tranquilidade?
Não: o Brasil desistiu do ataque e a Colômbia partiu
para o tudo ou nada, até diminuir com o atacante
James (que jogou pouco, mas converteu em gol o
pênalti cobrado).
Podia ter acabado por aí. Ah, se podia...!
Quase no fim do jogo, houve a jogada que todos
temíamos há séculos e o juiz parecia estar esperando.
Neymar foi atingido barbaramente pelas costas. Uma
joelhada criminosa - na coluna. O brasileiro caiu de
bruços no chão e assim ficou até sair de maca.
Num certo sentido, a meu ver, a Copa acabou
ali, deixando um questionamento: por que, afinal,
vive-se o esporte como se fosse uma guerra?
O que explica o fato de um sujeito arremessar-
se com tamanha violência contra o outro, esquecendo
qualquer dignidade, e ainda existir gente que defenda
o gesto dizendo que “é do jogo”?
Não é do jogo. Não pode ser do jogo.
Final da partida: vitória. Um momento. Vitória?
“Mais valia uma derrota”, não consigo deixar de
pensar. Mais fundo ainda, na alma, nessa alma
coletiva que nos une e embala, brota o delírio:
“Suspendam a impressão do Jornal do Destino!
Vamos reescrever o roteiro.”

111
Mas a Vida não é filme, percebemos aos poucos.
Triste, amargo fim o da Colômbia, que foi
esperança de bom futebol durante alguns jogos,
entrou em campo com a cor do sangue nas roupas e
levou nosso Neymar ao hospital.
Chamem de tudo: crime, destempero, violência.
Só não chamem de fatalidade.
Toda a tristeza foi causada por humanos gestos.
O juiz parecia claramente ter esquecido os cartões no
primeiro tempo. Quando se lembrou de utilizá-los,
estávamos a um passo da barbárie. Um passo além do
limite, infelizmente, como vimos.
Vitória?
Cansados, tristes, queremos campo aberto.
Precisamos de espaço na justa medida da tristeza.

4/julho/2014

112
SUPERANDO BAIRRISMOS

Falar de jogo: que desafio, quando há tanta vida


dentro e fora de campo! Tanta coisa mais importante.
Uma vida que nasce vale mais que uma Copa. Uma
dor nas costas, aliás, pode custar mais que uma
vitória.
Futebol é arte e metáfora.
Hoje tivemos Argentina e Bélgica em campo.
Mais um jogo truncado como a vida. Latino pobre
contra europeu rico, e a prova de que o futebol pode
superar bairrismos. Digo isso porque, sabemos, todo
brasileiro nasce com um chip antiArgentina
implantado na cabeça – fruto de preconceitos que os
teóricos chamam de “cultura” (sim, há botinadas
também na academia).
Mas eu dizia que o futebol, sendo um antro de
bairrismos, pode transcender-se e superar bairrismos.
Aprendi hoje. Não era possível torcer para a Bélgica.
Isso porque o nível de encantamento do futebol belga
não atingia o mínimo necessário para enlaçar corações
e mentes em busca de arte.
A vitória foi argentina, um a zero. Mas uma
goleada não teria sido nada mal.

5/julho/2014

113
HOLANDÊS VOADOR

Holanda e Costa Rica: mais uma vez, primo rico


encontrando primo pobre. Houve quem apostasse,
claro, em goleada. Mas isso não nos surpreende:
existe quem aposte em briga de galos, quem pense que
a Vida é sonho... Há aqueles que dizem que o homem
nunca chegou à lua; outros, inclusive, acreditam que a
Terra é plana e seria um enorme perigo escorregar da
beirada.
Multiplicidade não pode ser pecado. E os
opostos... ah, como são parecidos os opostos, às vezes!
Eis que o jogo termina do mesmo jeito que
começou. Um zero a zero duríssimo - e justo. Vamos à
prorrogação e o placar se repete: novo zero a zero,
num caso raro de vitória dos goleiros sobre os demais
jogadores (com destaque para o goleiro da Costa
Rica). Quando falta apenas um suspiro para acabar o
jogo, a surpresa: substituição na Holanda! Seria mais
um coelho na cartola do polêmico técnico holandês?
Breve parênteses para comentar a relação entre
imprensa, torcida e técnico da Holanda:
aparentemente, a exemplo do que ocorre no Brasil,
tanto a torcida como (principalmente) a imprensa não
nutrem, digamos assim, simpatia alguma pelo técnico
da seleção.

114
De nada vale a Holanda ter vencido bem seus
jogos até agora e ter um dos melhores ataques da
Copa. As críticas vêm sempre, e sempre pesadas,
transformando as entrevistas coletivas em verdadeiros
embates abertos, o gladiador contra os leões.
Mas o sujeito é tinhoso: inventa uma
substituição polêmica no minuto final da prorrogação.
“E por que polêmica?”, perguntam vocês, já que
substituições podem perfeitamente ocorrer mesmo no
final de um jogo. A questão é que temos agravantes
aqui: estamos no minuto final da prorrogação, prestes
a iniciar a cobrança de pênaltis, e o técnico tem o
desplante de trocar justamente... o goleiro!
Ninguém nunca tinha visto aquilo antes. Era
coisa para consagrar o técnico ou leva-lo às portas do
inferno, sem subterfúgios, sem meio termo.
Vamos aos pênaltis. Uma delícia, convenhamos,
quando não é o time da gente. A disputa começa e
vejam o que acontece: o goleiro reserva simplesmente
defende não apenas uma, mas duas cobranças. E, do
alto de seus quase dois metros de altura, carrega no
colo o time da Holanda para a semifinal.
Algo me diz que o técnico holandês ainda é
capaz de ouvir poucas e boas de seus compatriotas.
Mas que foi um final de jogo genial, isso foi. E genial
justamente por envolver trabalho de equipe, não de
um homem só.

6/julho/2014

115
A VIDA SEMPRE SURPREENDE

Férias: tempo precioso para o descanso.


Viagem, por aqui, só na tela da televisão, ou então...
Estou em casa e toca o telefone. Atendo. Educado,
meu interlocutor pede desculpas pelo incômodo, diz
que é professor e trabalha com projetos diversos, para
desenvolvimento dentro e fora da sala de aula.
Esclarece que não gosta de futebol, mas achou a Copa
do Mundo ideal como mote para ensino e conta: está
aproveitando a ocasião para produzir material sobre
os diversos países participantes, incluindo letra e
música dos hinos. Diz que viu material meu na
internet e pede ajuda: “Está me faltando um hino... O
senhor poderia tocar e escrever a harmonia para o
hino nacional da Argentina?”
Num domingo... e logo o hino da Argentina?
Aceito imediatamente.
Em poucos minutos ele está em casa e
trabalhamos o hino (lindo hino, por sinal). Enquanto
ele não chegava, tive tempo de ouvir algumas
gravações, assim o trabalho flui rapidamente. Por fim,
trocamos informações de contato e ele sai, agradecido.
Eu também estou agradecido, pelas oportunidades
que a vida nos traz para aprendizado. Inclusive na
Copa.
7/julho/2014

116
JÁ PODEMOS PERDER

Amigos: a arrogância é o caminho mais curto


para a derrota. É uma verdade secular, milenar –
procurem e encontrarão exemplos disso em diferentes
épocas e locais. Pois bem: há pouco mais de um mês,
numa entrevista coletiva aqui mesmo no Brasil,
ouvimos a comissão técnica (Parreira e Felipão,
ladeados pelos puxa sacos de praxe) alardear:
“Estamos com a mão na taça!”
Creio que todos sabemos quais os efeitos deste
“já ganhou”. Lembro de um candidato, em São Paulo,
que chegou a se sentar na cadeira de prefeito antes de
uma eleição. Perdeu, e perder faz parte do jogo – mas
fracassar por tropeços na própria arrogância é
indesculpável.
Ao jogo, pois: Brasil e Alemanha.
Na entrada em campo, algumas surpresas no
time brasileiro, que atuaria sem Neymar (vitimado
por joelho criminoso dias atrás). Bernard, William...?
Ok, Felipão deve ter treinado o time de um jeito
específico, visando surpreender o adversário...

(Depois soubemos do absurdo: não houve simplesmente


nenhum treino em campo com essa escalação; assim,
entramos em campo para uma partida decisiva com
um time teórico, dá pra acreditar?)

117
O jogo foi... foi... ah, será que foi um jogo?
Tivemos exatos dez minutos de partida - foi o tempo
que a Alemanha demorou para fazer o primeiro gol.
Daí em diante, não haveria várzea no mundo que não
tivesse mais disputa e nobreza do que o que vimos no
gramado mineiro.
A seleção estava evidentemente descoordenada.
Falta de treino, meu Deus! Errava-se passes
primários. Cresciam os sinais de descontrole (até
emocional, mas não apenas emocional) na equipe.
Veio então o segundo gol alemão, por volta dos 20
minutos de jogo.
Aí o caldo entornou de vez. Foi digno de Kafka,
pesadelo no limite do nonsense: uma nação de baratas
tontas à La Gregor Samsa – jogadores perdidos em
campo e torcedores incrédulos. Comentei com meu
amigo: “hoje vai ser de sacolada”. Ele concordou com
a cabeça e anunciou que não ia mais assistir.
Levantou-se pra ir embora, mas não conseguiu
atravessar os cinco metros do sofá até a porta... gol!
Três a zero...!
Em silêncio, despedi-me dele e fechei a porta.
Antes de voltar ao sofá... gol! Quatro a zero.
Eu não olhava mais para o jogo. Precisava?
Não: o jogo acontecia dentro da gente, tabelinha entre
cabeça e coração. Na sala ecoavam gritos e lamentos
dignos de cena de guerra, a filha explodindo no choro
desconsolado e justíssimo dos inocentes.

118
(Já repararam nisso? Na guerra, são os inocentes que
pagam o pato)

Sim, aí eu odiei o técnico da seleção brasileira,


que recebia em dólar mas continuava sentado,
impassível, vendo o barco afundar. “É só um jogo”,
sim, eu sei, mas naquela hora tive raiva ao pensar nas
crianças que não mereciam ver o desastre.
(Em 1982, eu era uma criança vendo Brasil x Itália no
telão. Que seleção fantástica: Sócrates, Zico, Júnior,
Falcão... perdemos com o gol de Paolo Rossi. Chorei.
Mas a história ali era bem outra: tratava-se de um
time que nos enchia de orgulho, muito além de
qualquer derrota. Havia excelentes jogadores – e um
grupo coeso)

Corte no flashback (coisa de segundos). Um


grito me trazia de volta a 2014. Gol! Cinco a zero para
a Alemanha.
Há momentos em que a esperança abandona o
ser humano. Sai para passear; não sabemos se volta.
No trauma, surge o estado de choque. E isso tem algo
de religioso: é a vida além da razão.
Consulto e transcrevo aqui algumas anotações
desesperadas feitas durante a partida (escrever era
definitivamente melhor do que acompanhar a surra):
1) Pode terminar por nocaute? O juiz poderia
levantar a mão do capitão da Alemanha e dar
por encerrado o massacre?

119
2) Estou vivendo uma experiência intensamente
religiosa: rezando a Deus pra que o jogo não seja
"5 vira, 10 acaba"...

Houve outras, diversas, que não escrevo aqui


porque apenas ressaltam o sentido das frases acima.
Ao final da partida (sete a zero), veio enfim a
constatação matemática, inequívoca, inescapável:

“Na Copa das Copas, a Derrota das Derrotas.”

De repente, percebo uma latinha de cerveja


aberta no canto da mesa. Tinha sido aberta no início
do jogo. Noventa minutos depois, havia cerveja ainda
ali (mas a lata estava metade vazia, e não metade
cheia, se é que me entendem).
Amigos, observem: quando não conseguimos
terminar uma latinha de cerveja durante uma
semifinal de Copa do Mundo, é porque fomos
testemunhas de algo grave, importante... e
inacreditável. Um tsunami em Belo Horizonte, será?
Quando uma nação está atônita, começam a
brotar hipóteses atrás de cada arbusto de beira de
estrada. Teses, teorias conspiratórias. Calma, calma!
Os alemães não ganharam porque são “mais
sérios”; nada disso! São um povo tremendamente bem
humorado (apesar de todas as dificuldades vividas) e
que sabe beber como ninguém (ok, os belgas talvez
empatem nesse quesito). No caso da seleção alemã
atual, trata-se de um grupo de jogadores dedicados –

120
e divertidos, inclusive. Não são os robôs que o
viralatismo de alguns insistia em inventar.
A verdade é que os alemães jogaram
lindamente, poeticamente até. Mas só pude ter noção
disso no dia seguinte, ao (re)ver os melhores
momentos do jogo. Claro: na hora da partida
passamos a evitar olhar para a tela onde se desenhava
o pesadelo. Ficamos basicamente ouvindo os gritos de
gol da festa alheia.

(Pausa: longa pausa - de várias horas - para reflexão)

Aos poucos (bem aos poucos) a tempestade


perde a força, até que podemos colocar o nariz para
fora do casulo novamente.
Uma verdade tem que ser dita: se a vitória
acachapante gera euforia, a derrota acachapante
comove, humaniza. Mais ainda: lembra-nos de que
somos parte da natureza, como as folhas que
balançam com o vento e às vezes caem na grama. E a
ternura que me nasce ao escrever essas linhas é de
uma sinceridade e força capazes de comover estátua.
Quanta força e fé nesse país!
O que nos tranquiliza, o que nos reafirma como
protagonistas no cenário mundial é constatar o
tremendo avanço que tivemos no Brasil (desde o
pentacampeonato, por exemplo) no que se refere à
inclusão social.

121
Finalmente superamos a "futebol dependência".
Hoje podemos perder de 7 a 1 e muito mais brasileiros
têm (finalmente) o que comer. E, mais importante,
têm trabalho. Hoje nosso índice de desemprego é
muito menor que a média europeia.
Assim sendo, já podemos perder em campo. A
Copa das Copas - essa, da inclusão social - é do Brasil.
E faço votos de que outros países sigam nosso
exemplo.

9/julho/2014

122
SEXTILHAS SOBRE O BRASIL
(após a derrota em campo)

Amanhecemos lambendo as feridas,


pensando a vida assim, já diferente.
Se o futebol espelha a nossa alma,
orgulho mesmo eu tenho é dessa gente
que não tem medo das dificuldades
e vai levando esse país pra frente.

Nós já tivemos time que ganhava


de goleada e era uma loucura:
naquela época, o povo perdia
saúde e vida em sala de tortura.
Mas nós vencemos, de uma vez por todas,
a covardia de uma ditadura!

Perder faz parte de qualquer esporte.


Chorar, às vezes, pode fazer bem:
é consertando o que saiu errado
que no futuro uma vitória vem.
É necessário trabalho de equipe,
treino exaustivo - e coração, também!

Viralatismo é coisa do passado:


sabemos bem nosso valor correto.
Nós acolhemos toda a humanidade,
por mais que seja simples nosso teto
- a melodia da brasilidade
tempera o mundo com calor e afeto.

123
... QUE NO LOS PUEDO CONTAR

No dia seguinte à derrota, o país amanheceu


dividido. Uma trinca imensa nas paredes da alma,
para dizer o mínimo. Por mais que pipocassem aqui e
ali declarações do tipo “não quero mais saber disso!”,
a dúvida instalada nos corações mais devotados à arte
era a seguinte: Argentina ou Holanda no jogo de hoje?
Sou latino-americano e sei da importância do
futebol para los hermanos. Ontem mesmo, alemães
bebiam e consolavam brasileiros dizendo “é só um
jogo”. Eis uma cristalina verdade para quem
experimentou o terror de uma guerra mundial. Aos
poucos, aliás, começa a valer para o Brasil, que já
esteve mergulhado em profundos poços sociais e
políticos – e que agora finalmente conquistou o
direito de poder perder em campo.
A respeito disso, observem: por mais que os
arautos do apocalipse tivessem profetizado o Caos
Total em caso de derrota da seleção brasileira, nada
aconteceu além dos episódios isolados que
(infelizmente) ainda ocorrem em campeonatos
menores aqui e no mundo todo (inclusive na
Alemanha e na Holanda, para citar os europeus ainda
presentes no recinto).

124
Sim, é só um jogo. Mas este “it´s just a game”
(ou, como os Rolling Stones, “it´s only rock´n´roll”)
simplesmente não vale (ainda) para a Argentina –
calma que eu explico.
Percebam, amigos: a Argentina é o Corinthians
das seleções. Nada é só futebol ali. E mesmo que fosse:
de todos os semifinalistas, a Argentina é hoje a maior
representante do que se convencionou chamar de
Paixão. Além disso, a semifinal opõe irresistivelmente
Europa e América Latina (como o jogo de ontem). Se
vencer a Argentina, teremos empate temporário (1 x 1)
entre os continentes e, melhor ainda, a chance de ver
mais dois embates intercontinentais nestes jogos
finais.
E qual o interesse disso? - pergunta um ET ou
terráqueo não familiarizado com os assuntos da bola.
O interesse é justamente a oportunidade de contrapor
diferentes visões de mundo no campo simbólico do
gramado. Em paz (e o fato de ser um jogo sem “time
da casa” ajuda muito aqui). É, por exemplo, muito
melhor do que acompanhar um Inglaterra x Argentina
político como no caso das Ilhas Malvinas.

Na guerra, cada lado (sempre) tem suas razões,


mas nenhum dos lados tem Razão.

E agora (ufa) chega de divagações. Vamos ao


jogo.

125
Partida truncada, incerta, indecisa. Em alguns
momentos, a Paixão parece bem próxima da vitória.
Em outros, a Razão é implacável. O final se anuncia:
são forças de amplitude equivalente. Mais jogo, então!
Na prorrogação, o empate se repete. É difícil
vencer as defesas alheias. Mais difícil ainda quando se
está preocupado em não ser vencido. E assim
chegamos, novamente, aos pênaltis. Mas agora a
Holanda não tem mais sua arma secreta - o goleiro
reserva. Por conta de contusões e do cansaço, ao longo
do jogo o técnico foi obrigado a fazer as três
substituições a que tinha direito. Não teve como trocar
o goleiro ao final da partida.
Vejam só: a Holanda havia entrado em campo
como favorita. Nessas condições, é fundamental
confirmar a vitória o quanto antes, pois um vacilo
pode ser duramente castigado. A Holanda não fez o
gol. Não tem em campo seu especialista em pênaltis...
A Argentina, então, cresce. E o jogo termina
justamente 4 a 2 para os argentinos, nas cobranças.
Assim, no domingo teremos Alemanha e Argentina -
uma final classe A.
Convenhamos, foi justíssima a final desenhada
nessa Copa das Copas. Torço pela Argentina – mas se
o título ficar com a Alemanha, estará em ótimas mãos
(ou pés).
10/julho/2014

126
PRIMEIRO DIA DO RESTO DE NOSSAS VIDAS

Há clichês que vêm para o bem. Gosto da ideia


de encarar cada dia como “o primeiro do resto de
nossas vidas”. É uma ideia libertária: não queremos
apagar o passado, mas também não passaremos o
resto da vida acorrentados a ele.
O brasileiro, por estes dias, anda coçando a
cabeça, olhar perdido no horizonte enquanto reflete
sobre o futebol e a vida. Está mais quieto. De vez em
quando, nota-se um surto de viralatismo aqui, outro
ali, como focos isolados de incêndio.
(A grande mídia, que hoje mais do que nunca vive da
dissecação de catástrofes naturais e inventadas,
incentiva e adora o viralatismo. Nelson, orai por nós!)

É na desgraça que o caráter aparece.


Solidário no câncer, o brasileiro verdadeiro
(não o de papel jornal) resiste. Continua fazendo
piadas - sinal inequívoco de saúde. Ontem, fazendo
compras no centro da cidade, observei um cartaz
significativo, bem na entrada de um supermercado:
“Neste sábado, NÃO fecharemos no horário do jogo
Brasil x Holanda”. Também achei saudável.
Daqui a poucos minutos, começa em Brasília a
disputa do terceiro lugar na Copa: Brasil x Holanda.

127
Não espero vitória (com esse time, fica difícil) – mas,
puxa, espero dignidade. Ao jogo!

* * * * *

Neymar veio. Não precisava. Não pode jogar.


Do alto de seus 22 anos e com a coluna arrebentada,
partiu dele a atitude mais nobre em relação ao jogo.
Após acompanhar pela televisão o desastre de seus
colegas diante da Alemanha, pediu para ficar junto
dos companheiros. Não abandonou o barco.
É na tristeza que o caráter aparece.

* * * * *
Felipão, quem diria, tirou Fred da equipe. Não
se pode dizer que esteja ouvindo o povo, já que o
pedido é feito em cada balcão de bar há mais ou
menos duzentos anos. Parece mais uma lavagem de
mãos protocolar. Perdendo, vai poder dizer “olha só,
não foi culpa minha, eu até tirei o Fred atendendo a
pedidos”.
É na dificuldade que o caráter aparece.

* * * * *
Começa o jogo. Pênalti contra o Brasil? Peraí,
não foi! Ah, o juiz disse que foi. Ei, por que é que
nenhum jogador vai reclamar com o juiz? Cadê o
capitão desse time? O técnico? Todos em silêncio.

128
Gol: um a zero para a Holanda, aos dois
minutos de jogo.
Muito brasileiro deve estar tremendo na base.
Mas a menina de 10 anos que está ao meu lado já
entendeu o espírito da coisa. Chorou muito no jogo
passado; agora, só faz aquela cara de “putz” - e pede
pipoca. Aprendamos com as crianças...!
Por volta dos 15 minutos de jogo, cruzamento
na área brasileira. Epa, o jogador holandês estava
impedido. Não vai marcar, seu juiz? Não... E o herói
de ontem, David Luiz, em vez de tirar a bola da área,
joga no pé de mais um holandês voador: dois a zero.
Daí pra frente, vemos novamente aquele filme:
Time do Desespero Descoordenado x Time Jogando
com a Cabeça. E o juiz continuou “equvocando-se” ao
deixar de marcar dois pênaltis claros para o Brasil.
Mas... por que marcaria, se não temos um capitão, um
líder em campo - e nem fora de campo? Ninguém foi
cobrar postura e honestidade do juiz, que resolveu se
consagrar: “não fui intimidado, viram?”
O primeiro tempo termina com dois a zero para
a Holanda. Injusto? Não, não: justíssimo, apesar dos
erros de arbitragem.
Para ganhar, seja Copa do Mundo ou
campeonato de cuspe à distância, o primeiro requisito
é ter atitude. Jogar para ganhar.
Prato do segundo tempo: “idem com batatas”.

129
O juiz inverte faltas, marca ou deixa de marcar
o que quer, mas nada disso influencia no resultado.
Falta postura à seleção brasileira.
No final, três a zero. Festa holandesa e um
imenso ponto de interrogação na cabeça do torcedor
brasileiro: “e agora, José?”
José, meu amigo, meu compatriota: agora é
hora de voltar a dançar a música brasileira, meu caro.
Hora de voltar ao samba, à gafieira, ao forró em
campo. Nada de valsa vienense, José!
O futebol brasileiro precisa voltar a ser futebol
brasileiro: bola passando de pé em pé. Tabelinha,
cinco ou seis jogadores participando do mesmo lance,
como cansamos de ver (nós que temos mais de 30
anos de idade). Que saudade do jogo em conjunto!
Não queremos voltar a ganhar. Queremos voltar
a jogar futebol. Ganhar ou perder, mas jogando bola.
Do jeito que sabemos, do jeito que ensinamos ao
mundo. Por sinal, uma das seleções com maior troca
de passes e tabelas ao longo dessa Copa foi, creiam, a
seleção alemã! Que não tem um “grande craque”: tem,
ao contrário, seis ou sete bons jogadores trabalhando
juntos, coesos. E sete é bem mais que um...
(hmm, chega de sete a um por aqui)

Amanhã termina a Copa. Mas espero,


sinceramente, que algo novo tenha começado a partir
do fracasso de hoje.
12/julho/2014

130
Microconto:
EPITÁFIO A UM TEIMOSO

Firme, conservador, afirmou: Nosso time é


uma família, e terá solidez na defesa!

A família era postiça: desintegrou-se logo


após a confirmação estatística de que a defesa havia
sido a pior da história.

(obs.: baseado em fatos reais)

13/julho/2014

131
ENCONTRA-SE O QUE SE BUSCA

Numa enquete informal, pergunto aos amigos:


quando você vai ao teatro ou ao cinema, o que é que
você deseja? Qual o impulso que o move? Encontro as
seguintes respostas em meu círculo de amizades:
emoção, diversão, reflexão, buscar novidades, ir além
do cotidiano.
Concordo com tudo isso. Creio que, para todos,
é evidente a necessidade periódica de se voltar a
atividades artísticas, culturais, esportivas... no fundo,
todas essas são formas de se ampliar a visão de
mundo. No mínimo! Para os participantes, como diria
Boal, cada ensaio ou apresentação é um treino para a
vida fora do palco – ou fora do campo, ou ainda em
outros campos.
Nesse sentido, tenho a convicção de que toda
forma de arte pode ser transcendente. Inclusive o
futebol. Percebo que algumas pessoas (que olham de
longe essa paixão mundial) ainda confundem as coisas
e pensam no esporte apenas como disputa, como algo
que tem como resultado inevitável uma vitória ou
derrota (empates, em última análise, seriam apenas
adiamentos de um destino inexorável de sucesso ou
fracasso).

132
Acontece que futebol é arte. Façamos o teste, a
partir das respostas da enquete sobre o que se busca
na arte. Futebol traz emoção? Sem dúvida. Diversão?
Obviamente. Reflexão? É o que mais faço enquanto
acompanho uma partida (às vezes chego até a tomar
nota). Por fim: futebol permite ir além do cotidiano,
trazendo novidades para a vida de uma pessoa? Sim,
mil vezes sim. É, por vezes, um contato com a vocação
mitológica e o caráter heroico do ser humano. Com a
vantagem de que não costuma gerar mortos, ao
contrário de certos divertimentos milenares (leões no
coliseu romano, torneios medievais e outros).
Por outro lado, observem: nenhuma arte
substitui a vida – não deveria, ao menos.
Feita a preleção, podemos partir para o jogo
final. Alemanha e Argentina nos esperam.

* * * * *
Todos sabemos que a Alemanha é mais time.
Mas, com a bola rolando, dessa vez não vemos show:
os alemães jogam abaixo do esperado e chegam a fazer
várias faltas. Enquanto isso, a Argentina joga com a
garra de sempre. O jogo é nivelado – indefinido! Em
alguns momentos, percebemos inclusive jogadores
alemães dando legítimos chutões de várzea para o alto
– prova inequívoca de que a tensão de uma partida
dessas não é brincadeira.

133
A Argentina ataca mais durante o jogo. Tem,
por três vezes, a chance de abrir (e talvez definir) o
placar. Ainda no primeiro tempo, em falha rara e
grotesca, o alemão Kroos “passa” a bola para Higuain
mas, cara a cara com o goleiro, o argentino desperdiça
chance incrível. Minutos depois, jogada sob o
comando de Messi resulta no gol argentino. Festa
argentina – mas o gol é anulado corretamente, por
impedimento. A Argentina ainda perde outras boas
chances, com Messi e Palacio... cadê o gol?
Do lado alemão, tranquilidade: a Alemanha
teve um dia a mais para descansar, e não precisou
caminhar até os pênaltis como a Argentina no jogo
passado. Numa prorrogação, quem está mais
descansado tem vantagem...
Zero a zero. Vamos para a prorrogação. O jogo
fica mais duro ainda agora, com farta distribuição de
pernadas, faltas e cartões. Rabisco a ideia que vem:
“Desse jeito, o jogo vai acabar por falta de jogadores.”
Mas é exatamente nessa hora que se dá o paradoxo.
Por conta da “falta de pernas”, vem o gol da vitória
alemã. Nenhum argentino teve condições físicas de
impedir o avanço alemão. Resultado: Alemanha
campeã!
Um final justo para esta Copa da Superação.
Oito anos atrás, a Alemanha esperava ardentemente o
“título em casa”. Perdeu. Mas a vitória de hoje nasce
da derrota de ontem. Reestrutura-se casa e cabeça.

134
Trabalha-se as pernas. E os alemães, acima de tudo,
esbanjaram simpatia, conquistando a maior parte da
torcida brasileira (sem viralatismo, por favor).
O veterano Klose é hoje o maior goleador da
história das Copas do Mundo. Houve quem dissesse,
um mês atrás, que estaria por aqui a passeio. Na Copa
da Superação, todos tiveram seu papel, e Klose foi um
dos muitos protagonistas deste time sem grandes
protagonistas, em que a maior virtude é o conjunto.
Os alemães vieram e superaram também a
imagem que às vezes se faz deles por aqui. Não são
robôs: beberam, trouxeram suas mulheres, papearam
com todo mundo, sorriram – e jogaram.
Para os brasileiros, a conquista que nos cabe:
convicção de que podemos ser o centro do mundo.
Próxima etapa: Olimpíadas.
And in the end... no fim, como em quase tudo
na vida, encontra-se o que se busca. Emoção,
diversão, reflexão... é assim o país da bola.
Esteja ele onde estiver.

13/julho/2014

135
LIÇÕES QUE A SELEÇÃO DA ALEMANHA DEIXA

1) O grupo de jogadores alemães tem o maior tempo de


jogo em conjunto entre todas as seleções da Copa –
foi isso que fez com que formassem a noção de “time”;

2) Os alemães trabalharam muito: foram provavelmente


a seleção com maior tempo de treino - já no Brasil -
antes dos jogos. Detalhe: simularam condições de jogo,
com treinos no mesmo horário em que fariam os jogos;

3) A Alemanha tem técnico, e não “dono do mundo”;

4) A seleção alemã soube aprender com a dura derrota


em sua própria casa. Sim, ou já se esqueceram?
Acontece com equipes do mundo todo, amigos. Pode-se
até dizer que este foi um dos “legados da Copa perdida
por eles”: usaram as críticas para trabalhar a volta por
cima (salve, Vanzolini). Não caíram no viralatismo;

5) Só fiquei sabendo depois: a Alemanha impôs sérias


restrições ao controle acionário dos clubes. Mais de 90%
dos clubes alemães são hoje controlados por sócios-
torcedores, acionistas majoritários. Isso quer dizer que
a torcida gerencia/administra o time.

Concluindo: na final, torci pela Argentina, mas a


Alemanha merece nosso aplauso – inclusive por saber
plantar e esperar o tempo da colheita no campo.

11-13/julho/2014

136
ESTATÍSTICA ELOQUENTE

A seleção com maior número de cartões amarelos (14)


foi também a "campeã" em gols sofridos (14).

Eu não creio em coincidência:


não compensa, minha gente,
apelar pra violência!

14/julho/2014

137
A QUEDA DO CONCEITO DE POSSE

Claro que, em geral, é mais fácil falar que fazer.


Muita gente sai por aí fazendo discurso atrás de
discurso (ainda mais agora, em campanha eleitoral)
mas na prática não dá um chute a gol, sabe como é?
Mesmo assim, entendo a importância do discurso.
Mais até: sou como o Bispo do Rosário, que afirmava
“eu preciso destas palavras escritas” (vejam bem: um
sujeito ao mesmo tempo genial e tido por louco).
Vejamos os discursos que proliferam por aqui e
ali a respeito do conceito de “posse”. Proprietários de
grandes extensões de terra às vezes deixam de pagar
impostos, emitem cheque sem fundo e chegam até a
falsificar documentos, mas acham que têm o direito
de manter a “posse” do terreno pela eternidade (sim,
há aqueles que se acham eternos). Pouco importa se
não fazem nada com a terra: bastou entrar alguém ali
e pronto, querem a polícia em cima (dos outros).
Há aqueles que mantêm família há séculos e
dizem aos quatro ventos (e aos holofotes) “minha
mulher isso, minha filha aquilo, meus empregados
aquilo outro”, mas nunca deram um beijo decente na
filha, nem um beijo (in)decente na mulher, nem
condições justas aos empregados. Por que usar o
pronome possessivo? Não são (nunca serão) donos de
ninguém: gente não pode ser propriedade de gente.

138
Sobre a acepção política de “posse” (O sujeito X
vai tomar posse do cargo Y), nem seria necessário
comentar. Ninguém é deputado ou ministro: o cara
está deputado ou está ministro (por mais que alguns
esforcem-se para omitir este detalhe até mesmo das
próprias consciências).
No futebol, um dos quesitos mais alardeados
pela imprensa é a “posse de bola”. Time com maior
posse de bola é automaticamente apontado como
superior ao adversário – e essa tese foi reforçada em
2010, quando a Espanha foi campeã do mundo
usando e abusando da posse de bola
(Hmm, mas a Espanha já não era a melhor seleção do
mundo em 2010. Teve baixíssimo número de gols, por
exemplo - só para rebater uma estatística com outra.)

Na Copa 2014, as seleções mais elogiadas foram


a Alemanha e a Holanda, que não foram campeãs em
posse de bola. O caso da Holanda é exemplar: segundo
as estatísticas, foi uma das seleções que menos teve a
bola no pé! Sim: mas era tremendamente incisiva
quando tinha a posse de bola.
É isso que faz a diferença, no mundo atual
(dentro e fora de campo): saber o que fazer conta mais
do que só trabalhar, trabalhar...
Aliás, se ficar só essa lição da Copa, já terá sido
um legado e tanto.

14/julho/2014

139
DÉCIMA SOBRE MOTE
(para Futebol & Vida)

Futebol: essa paixão


mobiliza o nosso povo
e traz sempre algo de novo
para a nossa reflexão.
Eis que o time campeão
aprendeu lição cabal
que é, na vida, essencial
para um desempenho altivo:
vale mais o coletivo
do que o individual.

Passados, já, 8 anos


daquela derrota em casa,
alemães, orelha em brasa,
corrigiram seus enganos.
Começaram novos planos,
levantaram seu astral.
No Brasil é que, afinal,
conquistaram prêmio vivo:
vale mais o coletivo
do que o individual.

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Outros times têm seus craques
e devemos respeitar
Messi, Robben e Neymar
que, no entanto, com seus baques,
comprovaram que os ataques
da Alemanha (que legal)
tinham efeito mortal
com seu trunfo mais ativo:
vale mais o coletivo
do que o individual!

14/julho/2014

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BÔNUS: Haikais Pré-Copa
(aqui republicados por curiosidade)

Sem convocação?
Mas Robinho está no álbum.
Já o Felipão...

Um dia acontece:
Neymar, na próxima Copa,
será o novo Messi

Maio/2014

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SOBRE O AUTOR

Músico, físico, doutor em Ciências pela UNICAMP


(pós-doc pela USP) e professor da UNIVAP desde 2002.
Autor dos CORDÉIS JOSEENSES e criador do blog
ARTE, CIDADANIA, COMUNICAÇÃO. Membro da
Academia Joseense de Letras, em 2011 foi contemplado
com o Prêmio Mais de Literatura de Cordel (MinC).
Com cerca de 50 folhetos de cordel publicados até o
momento, também é o autor dos livros ANARCOPOESIA,
CORDÉIS PARA CRIANÇAS (DE TODAS AS IDADES) e
SONETOS. Sua produção inclui ainda artigos acadêmicos,
participações em antologias, fotopoemas e canções.
Tem dividido seu tempo entre docência, pesquisa e
atividades artísticas.

CONTATO
[email protected]
www.youtube.com/PRBarja
www.paulobarja.blogspot.com.br
cordeisjoseenses.blogspot.com.br
cartoesjoseenses.blogspot.com.br

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