Lirismo Crônico (Paulo Barja)
Lirismo Crônico (Paulo Barja)
Lirismo Crônico (Paulo Barja)
Poesia
& Prosa
no País
da Bola
Paulo Barja
FICHA CATALOGRÁFICA
2
APRESENTAÇÃO
Paulo Barja
3
POR QUEM JOGAM NOSSOS CRAQUES
4
Ninguém, por certo, questionará o Carnaval,
nem aqui nem na China. Pois então: a Copa do Mundo
é um Carnaval universalizado e onde – eis a suprema
delícia – ainda se pode perceber os toques locais: a
dança e as gargalhadas dos jogadores africanos onde
quer que estejam, a euforia dos alemães dançando
com os índios, a alegria dos holandeses batendo bola
como crianças na praia, a paixão avassaladora dos
italianos metendo 5 a 3 nos bravos jogadores do
Fluminense (numa bela exibição de ambos os times,
bela até nas falhas plásticas que resultaram em parte
dos gols do jogo).
Vamos para o campo. Vivos e mortos, vamos
todos para a Arena Corinthians. Cada chute a gol é um
grito em bom português de “olha só, não somos mais
vira latas, aqui nós somos o Primeiro Mundo, vejam”.
E a minha canela é atingida a cada pontapé dado no
Neymar.
Já disse o filósofo: eu sou eu e minhas
circunstâncias. Assim sendo, eu sou eu e o meu
planeta, eu sou eu e o meu país. E por isso não
perguntes por quem jogam nossos craques: eles jogam
por nós.
10/junho/2014
5
PREVISÃO OU PROFECIA
6
E agora, após todo esse preâmbulo, uno-me às
cartomantes e aos leitores de búzios, tarô e (pasmem)
borra de café. Faço aqui minha profecia: a Copa do
Mundo de 2014 será a Copa da Superação.
11/junho/2014
7
SONETO DE ABERTURA DA COPA
12/junho/2014
8
NA ARENA CORINTHIANS,
UMA VITÓRIA CORINTIANA
9
que o tempo passava, era quase ensurdecedor o
pensamento silencioso da multidão em uníssono:
“vai lá, Neymar!”
E ele foi. Empatou com um daqueles chutes
milimetricamente precisos, encaixando a bola
caprichosamente entre o goleiro croata e a trave. Mas
aí o jogo seguiu novamente em ritmo de várzea até o
intervalo.
Veio então o segundo tempo e os dois times
seguiam com jogadores velozes mas, a essa altura,
muitos de nós já compartilhavam a sensação de que o
jogo teria que ser decidido num lance de centroavante
trombador. Nesse caso, na falta de Serginho Chulapa:
vai lá, Fred!
E ele foi. Na verdade, o avante honrou a
tradição da malandragem (ou da arte, conforme o
ponto de vista) protagonizando uma cena que ainda
não sei se foi teatral ou cinematográfica. Tocado de
leve no ombro por um jogador croata, Fred
simplesmente desabou na área e o juiz japonês
marcou: pênalti!
Confesso que lembrei na hora da clássica frase:
“Pênalti é uma coisa tão importante que quem deveria
bater é o presidente do clube.” Pois bem: neste jogo,
pênalti era assunto para o presidente Neymar, que
bateu com segurança e ainda viu o goleiro croata
espalmar de leve a bola – para o fundo das redes.
10
Vida que segue, partida que prossegue: viva a
várzea! Mas a Croácia atacava e até marcou o segundo
gol, anulado por conta de falta sobre o goleiro Júlio
César. Hulk saiu de campo com dor na coxa e algo me
diz que, se voltar nos próximos jogos, será no
sacrifício – essa dor na coxa tem vasto histórico. Já no
crepúsculo do jogo, o menino Oscar enfiou-se pelo
meio e avançou até concluir com um bom chute: gol!
Placar final: 3 a 1.
12/junho/2014
11
REESCREVENDO A HISTÓRIA
12
num daqueles lances para se guardar em álbum de
figurinhas: sim, porque van Persie mergulhou de
cabeça, na entrada da grande área, fez a bola encobrir
magistralmente o goleiro espanhol e descer, precisa,
para o fundo das redes. Sem usar controle remoto!
Logo em seguida, pausa para o intervalo e promessa
de mais emoções no segundo tempo.
13
Veio outra vez van Persie e de novo Robben:
mais dois gols e o final da uma partida que o
verdadeiro amante do futebol gostaria que estivesse
acontecendo até agora.
Foi a Holanda.
13/junho/2014
14
TUDO VIRA, TUDO PODE VIRAR
15
Mas aí bateram as sete badaladas do relógio e
teve início a primeira batalha ferrenha deste Mundial:
Itália e Inglaterra enfrentando-se em Manaus. O local
do jogo, neste caso, não é mero detalhe: cada um dos
jogadores suava aos borbotões durante a partida.
Alguns devem ter saído de campo desidratados.
Cheguei a pensar, lá pelas tantas: será que tem
ambulância pra todo mundo?
O jogo começou melhor para a Inglaterra,
embora bastante truncado no meio de campo. A bola
era disputadíssima. E o calor, definitivamente, não
ajudava. Mas eis que acontece mais uma dessas
pinturas que estão (maravilha) marcando a Copa:
Pirlo fez um corta-luz sensacional para a bola chegar
em Marchisio, que fuzilou: um a zero. Menos de dois
minutos depois, o menino Sturridge (que joga muito)
empatou para a Inglaterra. Na comemoração, o
fisioterapeuta inglês se machucou (!) e teve que ser
retirado de maca. Vá fazendo as contas da enormidade
de contusões (o goleiro titular da Itália já havia sido
vetado por conta do tornozelo).
Veio o segundo tempo e dessa vez não houve a
virada. Ao contrário, vimos a confirmação de que
condição física vai ser fator determinante na Copa. A
Itália, mais resistente ao calor e à umidade, chegou ao
segundo gol com Balotelli, de cabeça, e depois
16
aguentou a pressão da Inglaterra – o cansaço, afinal,
prejudicava a mira inglesa.
Mas o sábado foi cheio: às 22h, teve Japão e
Costa do Marfim...
14/junho/2014
17
QUANDO ENTRA EM CAMPO O CRAQUE
(para Didier Drogba, Costa do Marfim)
se o craque é atingido
gritamos logo "acuda!"
(ar grave, dolorido)
15/junho/2014
18
PAIXÃO, AMIGOS, PAIXÃO
19
Segue a tarde de domingo e começa o jogo
França x Honduras. Todo mundo, exceto talvez as
mães dos jogadores hondurenhos, esperava uma
goleada dessas de fazer placa comemorativa. Eis que o
jogo começa e... a França não joga. A bem dizer, nem
a França nem Honduras. Um primeiro tempo de dar
sono em criança hiperativa. Aí a autoridade da vez
(era um juiz brasileiro, senhores), depois de marcar
um pênalti pra França, inventa de expulsar o único
jogador razoável da seleção de Honduras. O jogo foi
pro intervalo com 1 x 0 no placar e a perspectiva de um
massacre napoleônico. Que nada!
No segundo tempo, continuamos com saudades
da várzea. O segundo gol da França, polêmico (afinal,
a bola entrou ou não entrou?) causou comoção por
motivo nada futebolístico: a estreia do “telão juiz”.
Sinceramente, sei lá se ajuda alguma coisa, e sabem
por quê? Paixão, amigos, paixão! Isso não se resolve
em tira-teima internético e similares.
Exemplifico. Outro dia um jogador brasileiro
fintou metade do time adversário e ao meu lado um
amigo gritava: tirem o cara de campo, ele não serve
para nada! Desnecessário dizer que o tal jogador
ganhou vários prêmios de melhor em campo.
Entendam: todos estavam certíssimos, cada um do seu
ponto de vista. Por quê? Paixão, amigos, paixão.
20
Final de jogo: França 3, Honduras 0. Mas o jogo
foi morno... Meditando sobre o fato, encontro uma
explicação mais forte que o juiz ou o telão. O problema
francês pode ter sido a ausência do hino antes do jogo.
Falta grave! O sistema de som do estádio falhou, como
tudo que é automático nessa vida pode falhar, claro.
Mas os franceses podem ter sentido mais o problema.
Em todo caso, lembremos que o hino da França é um
convite à guerra (sangrenta, por sinal). Um convite ao
qual os franceses estão acostumados há séculos.
Nunca entenderei bem isso, mas franceses cantam
alegremente versos como “nossa terra vai se saciar
com sangue impuro” e outras coisinhas assim.
O pós-jogo da França é, na verdade, o pré-jogo
da Argentina de Messi. E todos esperamos o astro
como quem espera Gardel redivivo. A Argentina, por
sinal, marcou um golaço antes mesmo do jogo:
cinemas argentinos resolveram abrir as portas para
mostrar na tela grande a estreia da sua seleção... de
graça! São gestos eloquentes, desses que ajudam a
definir um país. Por aqui, vamos de tela comum.
Começa o jogo... gol! Epa, gol contra da Bósnia,
logo aos dois minutos. Surgem as piadas: “fizeram um
gol contra e agora vão virar pra 3 a 1, como o Brasil na
abertura da Copa” e outras não publicáveis. Fato
mesmo é que foi o pior primeiro tempo da Copa até
agora. Mas teve beleza sim: num Maracanã pacífico e
festivo, a torcida argentina cantando daquele jeito
21
apaixonado - e a torcida brasileira brincando de torcer
para a Bósnia (ouvi falar de uma moçada que torceu
mais para a Bósnia do que para o Brasil, aliás).
Segundo tempo rolando e nada, nada de Messi.
Até os cronômetros estavam com preguiça de andar.
E eis que, de repente, o tempo parece parar de vez.
Messi pega a bola e dispara, passa, recebe mais à
frente, livra-se de um, de dois e faz o que dele se
esperava: desenha no ar a maravilha. Um desses
lances que lembra o filme Fantasia, do Walt Disney.
Sim, o gigante acordou – e dança tango!
Paixão, amigos, paixão.
Depois, foi a Argentina cadenciando o jogo e a
Bósnia partindo pra cima com a faca nos dentes e a
mira incerta. Contra-ataques de um lado a outro,
muita correria e erros de passe até que... gol da
Bósnia! Reacende-se o espetáculo das torcidas, mas
acaba assim: 2 a 1. E segue a Copa, cheia de gols - e de
pinturas - até agora.
Paixão, meus amigos, paixão: é aí que mora o
verdadeiro espetáculo.
15/junho/2014
22
O DIA EM QUE OS PASTÉIS DE BELÉM
VIRARAM APFELSTRUDEL
23
E os portugueses? Ora, pois: esperavam o poeta
federal Cristiano Ronaldo tirar ouro do nariz. Só que
dessa vez não teve ouro. Nem prata. Nem bronze.
O que teve foi o descontrole gratuito de um tal de Pepe
sobre o qual já sei mais do que devia. Esse Pepe
simplesmente meteu o braço num alemão e, não
contente em deixar o sujeito estatelado na grama,
ainda foi até lá e lhe deu – acreditem - uma cabeçada.
Ora, não há sutileza possível para uma cena dessas:
cartão vermelho, inapelável. E o primeiro tempo
terminou com a Alemanha metendo três a zero no
placar.
No intervalo é que fui ligar os pontos: horas
antes do jogo, o piloto alemão Michael Schumacher
havia saído do coma que já durava seis meses, após
terrível acidente. E os jogadores alemães tinham
prometido dedicar a ele uma eventual vitória. O
problema é que Schumacher foi campeão de Fórmula
1 inúmeras vezes. Um placar de dois a zero, por
exemplo, jamais seria uma homenagem decente ao
alemão.
Segundo tempo. A Alemanha voltou em traje de
passeio, por assim dizer. Os jogadores tocavam a bola,
conversavam, iam dar uma volta na praia (o jogo foi
em Salvador), voltavam. Tudo continuava na mesma.
Portugal, ainda em estado de choque, teve tempo de
tomar o quarto gol. E ficou nisso.
24
Terminado o jogo, os portugueses mantinham o
olhar perdido no horizonte – aquele olhar que só os
portugueses têm. Saudade, melancolia. E quatro a
zero nas costas. Não é fácil pra ninguém.
25
Para concluir a rodada, faltava ainda Gana x
Estados Unidos. Um jogo de opostos, imagino (pena,
não vi). Um pobre país africano enfrentando a grande
(ainda que decadente) potência mundial. Mas o jogo
foi definido só nos minutos finais: vitória americana
por 2 a 1.
O resumo do dia vai no título do texto: hoje os
Pastéis de Belém foram trocados pelo Apfelstrudel.
16/junho/2014
26
SALVADOR, CAPITAL DOS GOLS
16/junho/2014
27
COMPLETANDO O ÁLBUM
28
Na banca de rua, o craque Neymar valia mais
que todos: dez reais! E corriam boatos de que os mais
desesperados tinham gasto até mais do que isso numa
única figurinha. Em compensação, a certeza: o
retratado em questão é mesmo uma figura única. “Que
isso se confirme em campo!” é o pensamento de todos
nós, brasileiros, colecionadores de figurinhas, títulos,
Copas...
De volta ao álbum. A filha pedia: pai, compra
figurinha! Eu saía. Voltava. Aí ouvia: pai, cola as
figurinhas! A tarefa dela limitava-se à troca de
figurinhas com os colegas, mas mesmo isso foi coibido
na escola a partir de um certo ponto. Entendi bem.
As aulas tinham se transformado em mero intervalo
para a atividade principal. A nova atividade-fim das
idas à escola era a troca de figurinhas, claro.
Confesso: foi só por conta dessa febre de
figurinhas da Copa que descobri a existência de um
álbum comemorativo do centenário do Santos. Foi
numa banca, e com outra história interessante.
Procurando as figurinhas da Copa, deparei com um
álbum que já me apaixonou de cara: capa negra,
linda... Álbum do Centenário do Santos. Meu time!
Perguntei sobre o álbum e me disseram que havia sido
lançado há quase dois anos e que o dono da banca,
santista, havia colecionado e organizado todas as
figurinhas, sem colar nenhuma.
29
Não resisti e pedi para ver álbum e figurinhas.
Maravilha das maravilhas! Muitas figurinhas com
textura de pano para representar os uniformes desde
1912. E muita história contada ali, texto e imagens.
Perguntei:
- Mas está à venda?
A senhora então me respondeu:
- Sabe, ele faleceu há três meses, aí resolvemos
colocar o álbum à venda... 180 reais.
Fiquei doido. Caro...! Mas... Voltei pra casa com
aquele olhar de cachorro magro, obcecado pelo álbum.
Duas semanas depois, cheguei lá, o coração saltando
pela boca. Cadê o álbum?
Tinha sido vendido.
Passei mal por uns bons dias até que consegui
comprar o álbum de um colecionador em São Paulo.
Valeu a pena: saiu pela metade do preço.
16/junho/2014
30
CORNETA E HÁBITO
31
ao futebol: bola cruzada, Neymar sobe literalmente
metros acima dos zagueiros para cabecear - forte e
para baixo - e o goleiro mexicano tem o desplante de
salvar em cima da linha o que seria nosso gol.
Mas o gol do Neymar seria uma cortina de
fumaça para nossos problemas. E são problemas
graves, compreendam. A economia? Vai muito bem.
O desemprego? Apenas 5%, contra 20% na Europa.
Inclusão social? Inegável. Mas a seleção brasileira de
futebol, símbolo maior do Brasil, não tem padrão de
jogo! E não teve sequer meio de campo, hoje: era tudo
na base do “chuta pra frente e reza”. Inadmissível!
Uma afronta à nação!
Pior de tudo foi ouvir o técnico Felipão dizer
que gostou do jogo. O repórter, entre atônito e
desesperado, tentou mudar de assunto e perguntou ao
técnico qual a razão de usar um agasalho no calor de
Fortaleza, sede do jogo. A resposta, desconcertante:
“Ah, é hábito, pra dar sorte”.
Ah, Felipão... nós não podemos nos dar ao luxo
de confiar na sorte. Temos que confiar no trabalho.
Treinar, treinar muito, ensaiar jogadas. Como diz
o mestre para o menino no filme Karate Kid,
incansáveis vezes: “Põe o casaco! Tira o casaco!”
Esse deve ser o hábito. Agora, se for pra dar
sorte, Felipão... tira o casaco!
17/junho/2014
32
INSUSPEITOS PERSONAGENS DO DRAMA
- - - - - - - - - - - - - - - - -
33
Quase completamente calvo, entra em campo
com aquele típico (e patético) penteado de “careca que
acha que tem cabelo”: fios esparsos e espaçados,
esticados e literalmente grudados no couro cabeludo.
Ele entra...
... e é justamente deste jeito que ele é visto por
mais de 50.000 pessoas no estádio e – bem pior –
muitos milhões ao redor do mundo, via telões de alta
definição.
O que terá a esconder esse juiz? Quantos
problemas o afligem, sob tão poucos e esticados fios?
Qual a razão dessa insegurança que o faz querer
disfarçar ingenuamente a realidade, sem perceber a
inutilidade do gesto? Mistérios. Mistérios que não
cabe a nós decifrar.
No segundo tempo, ele volta a campo da
mesmíssima forma – talvez tenha até retocado o gel
no vestiário. Não o xinguem, senhores! Não ofendam
nosso personagem, alma simples, gente humilde.
Tenham piedade e sincero afeto por esse homem. Ele
precisa de nossa compreensão – e é dele o apito que
comanda o espetáculo.
17/junho/2014
34
CARNAVAL TEM TODO ANO
35
Houvesse justiça divina, ou ainda, fossem as
regras do campeonato feitas por poetas, e os
australianos seguiriam jogando. Que partida!
Começa o jogo contra a Holanda. Confesso meu
pecado, senhores: apostei numa goleada holandesa,
desejoso de ser enfeitiçado por mais lances incríveis.
Fui atendido, mas de modo totalmente inesperado.
A Austrália começa atacando: vivas ao futebol!
Jogo disputadíssimo. Claro que a abertura do placar
caberia ao Robben, o holandês sem idade. É bem isso:
o sujeito amadurece e refina sua arte a cada dia, mas
paradoxalmente corre cada vez mais. Qual será a
receita? Dessa vez, veio correndo desde o meio de
campo. Aliás, acho que não seria errado dizer:
Robben vem correndo desde a mais tenra infância.
Assim, em sequência kubrickeana digna de um 2001,
ele voa, transforma-se em menino e depois homem,
para enfim mandar a bola repousar lá no fundo das
redes, unindo física e poesia. Um a zero.
Em tempos de tanta burocracia, de tanta
tecnologia, precisamos de poesia, precisamos de mais
Holandas - e também (sempre!) de um tempo sagrado
para ouvir Chico Buarque de Holanda.
De volta ao jogo: empatou! Bastou um delírio,
um deslize, um instante de poesia e a Austrália chegou
lá, em belo gol também. E foi só voltar do intervalo
para acontecer mais uma vez: virada australiana!
36
Acontece que a Holanda tem van Persie, e ele
tem faro de gol: novo empate.
Mas não era jogo pra terminar empatado,
convenhamos. E veio a (re)virada holandesa – lirismo
e emoção, como tinha que ser. O zagueiro holandês
Martins Indi recebeu duro golpe de um australiano e
simplesmente foi a nocaute. Saiu de campo
desmaiado. E o que é que fez o técnico da Holanda?
Colocou, no lugar do zagueiro, um atacante: Depay.
Mais vivas ao futebol! Foi justamente dele o gol da
vitória holandesa.
Esses meninos de azul/laranja, definitivamente,
têm talento para a dança e para a literatura.
Entendem de poesia.
18/junho/2014
37
YO TENGO TANTOS HERMANOS
38
(Pausa para raciocínio análogo: se tirassem os
nordestinos de São Paulo, sabem o que aconteceria?
Exato: o Estado não teria a riqueza que tem. Seria
qualquer outra coisa, menor e culturalmente mais
pobre, podem ter certeza)
18/junho/2014
39
INTERLÚDIO
defesa intranquila
o beque vacila
Junho/2014
40
MELHOR A CADA JOGO
19/junho/2014
41
CORDEL DE JAPÃO x GRÉCIA
42
Vejo o técnico da Grécia.
Descubro, vejam vocês,
que ele vem de Portugal!
Aprendeu grego, talvez,
mas, quando ele está nervoso,
xinga mesmo em português.
43
SUÁREZ X INGLATERRA
44
Estreou “joelho novo” pressionado pela obrigação da
vitória numa partida difícil.
Suárez marcou os dois gols uruguaios na vitória
por dois a um sobre a Inglaterra.
Daqui a alguns dias, haverá nova partida
decisiva, desta vez contra a Itália. Mais uma vez, o
Uruguai precisará de Suárez. Que fará ele?
19/junho/2014
45
NELSON E A COSTA RICA
46
Acho que era isso que faltava: naquele instante,
os jogadores perceberam que era com eles – e só com
eles.
Ainda que houvesse telefonemas presidenciais,
reunião de embaixadores, encontros de cúpula,
coletivas à imprensa, comissões de inquérito: arrisco
dizer que nada, nem mesmo o papa, pararia a seleção
da Costa Rica. E essa consciência, que já pairava no
ar, de repente pousou sobre a equipe:
Estamos sós.
Somos nós, e só.
Seremos nós.
20/junho/2014
47
COMENTÁRIOS
48
A IMPRENSA LEVA OLÉ
20/junho/2014
49
SALVADOR E OS GOLS
50
Quanto ao nome da partida, pra quem viu o
jogo é até covardia perguntar. Não será abuso dizer
que o francês Benzema foi, ao mesmo tempo, o
melhor jogador da França (armou várias jogadas e fez
o quarto gol) e o melhor jogador da Suíça (perdeu um
pênalti e deixou passar a bola no segundo gol suíço).
Mas a beleza deste autêntico espetáculo de gala
pode ser resumida no último lance do jogo. Franceses
saem de seu campo com a bola (juro que quase escrevi
“bela”) e atravessam o gramado, pé em pé, até a bola
procurar Benzema, que faz o sexto gol. O locutor vai à
loucura, e com ele o estádio, e nós que assistíamos
pela televisão. Festa! Passado mais de um minuto, a
confusão é desfeita. Meio sem graça, o juiz sinaliza
que havia apitado o fim do jogo segundos antes do gol
– e o placar fica nos 5 a 2.
A alegria, a euforia coletiva em Salvador era
tamanha que ninguém tinha ouvido o apito do juiz.
Ninguém queria que a festa acabasse!
Mais tarde, acompanhamos mais uma (!) virada
nesta Copa das Viradas, com Honduras fazendo o
primeiro gol e Equador virando para dois a um. Mas
eu me surpreendia, de vez em quando, perguntando
para mim mesmo como estava o placar do jogo da
França, com a sensação de que, a qualquer instante,
chegaria a notícia de mais um, mais dois...
20/junho/2014
51
PARA A SELEÇÃO DA BÓSNIA
(um cordel e o meu abraço)
52
Não se deve achar culpados;
não pensem “mas que miséria”
por perderem de um a zero
para a esforçada Nigéria:
“futebol tem 1000 surpresas”,
dizem os pais da matéria.
21/junho/2014
53
CERTEZAS SÃO PARA OS FRACOS
54
difícil, muito arriscado. Nada o abatia. E, por causa
dele, nada nos abateu.
Isso é força.
Vejamos agora como o futebol reflete a vida.
Findo o primeiro tempo de Argentina e Irã, zero a zero
no placar, muitos começaram a estranhar o argentino
Messi. Por que não resolve o jogo? Por que não faz
gols? Por que não dizima todos os adversários? Por
que não abre as asas e sai voando? Isso e outras
“cositas más”.
Respondo aqui, do jeito que sei: porque não é
assim que funciona, meus amigos.
Foi aos 46 minutos do segundo tempo, nos
instantes finais da partida, que a bola insinuou-se a
Messi pedindo carinho, coragem, força, fé.
Saiu o último chute. Saiu o único gol da partida.
Vitória sofrida, vitória argentina, vitória apesar da
incerteza.
Não subestimem o herói, senhores!
Aliás: não subestimem o herói nem a nação que
se projeta na ponta das chuteiras. O jogo seguinte ao
da Argentina era outra dessas barbadas teóricas:
Alemanha x Gana. Eis que o drama se repete e a
Alemanha pena para fazer um golzinho, já no segundo
tempo. Mas aí os deuses se lembram: esta é a Copa
das Viradas. Em coisa de cinco minutos, duas jogadas
belíssimas de jogadores que mostram: somos gente de
Gana!
55
Querem saber? Foi lindo. E a virada relâmpago
foi boa para o mundo, essa bola. Eis que o técnico
alemão vê-se obrigado a sacar seu último trunfo:
que Klose entre em campo!
Klose, alemão de 36 anos, estreia em sua quarta
Copa do Mundo: a Copa da Superação. Autor de 14
gols em três edições do torneio, é o segundo maior
goleador da História das Copas. Mas entra em campo
convicto: ele ainda quer mudar a História.
A escalação de Klose (de novo, de novo) na
equipe alemã não havia sido unanimidade – não desta
vez, pelo menos. “Pesa contra ele a idade”, diziam
estes que sempre se acham no direito de cuspir
verdades. E completavam, posando condescendência:
“Já fez muito pelo seu país e pelo futebol”.
A incerteza, amigos, mais uma vez mordia os
calcanhares de um forte. Mas a seu lado havia a
torcida alemã, em massa. E os deuses...
Klose entrou em campo. Trinta segundos
depois, Klose fez o gol de empate, em mais uma
partida sensacional dessas em que o esporte grita que
é arte e a arte mostra que é Vida.
Senhores: não subestimem o maior goleador da
História das Copas. Ele ainda está redigindo sua
história.
21/junho/2014
56
VITÓRIA SEM BOLINHA
22/junho/2014
57
ARGÉLIA VIVA
Demorou 32 anos,
mas enfim aconteceu:
Argélia, em jogo de Copa,
de novo agora venceu:
fez 4 a 2 na Coreia
e seu esforço valeu.
22/junho/2014
58
ATÉ O ÚLTIMO INSTANTE – E ALÉM
59
Por sinal, há décadas, o próprio gênio mudo
proclamou: “que os nossos esforços desafiem as
impossibilidades”. Grande Chaplin.
Vejam que coisa: Portugal, hoje, ensinou-nos a
desconfiar do fado, da fatalidade!
Nunca houve craque tão vilipendiado antes da
hora quanto Cristiano Ronaldo. Eleito melhor do
mundo recentemente! Mas a humanidade é bárbara,
sádica, perversa. Mal começou o jogo e já se lia nas
redes sociais as mais terríveis acusações: Cristiano
isso, Cristiano aquilo, Cristiano não veio ao Brasil e
tal. Querem saber mais o que? Amigos meus, gente
boa que conheço, acusou Cristiano de ter virado astro
só porque é um jogador que tira a sobrancelha. Sim,
meus amigos, até isso foi dito. E o mais incrível é que,
por exatos 94 minutos, não houve resposta possível.
Todos os que viram o jogo perceberam que o
crucificado Cristiano enfrenta problemas físicos. É o
joelho! Sempre é o joelho. Mas também está
nitidamente em estado de exaustão, fraqueza física
até. Não sou médico, não sei dar diagnóstico preciso.
Pode mesmo ser tristeza, melancolia, dessas que às
vezes atingem os melhores do mundo – estaria
legitimamente dentro do espírito português algo
assim.
Pois bem: durou 94 minutos isso. Tudo seguia o
roteiro já tradicional da Copa 2014: um time faz o
primeiro gol e em seguida retrai-se até levar a virada.
60
Com um agravante: o segundo gol dos Estados Unidos
foi feito... de barriga! Golpe de sorte, talvez, mas
humilhante ao ponto de irritar os deuses. Não se
poderia admitir um final de drama assim, tão
antidramático – tão pequeno, se me permitem.
Então aconteceu: no último lance do jogo,
Cristiano recebe a bola na direita, corre com ela e faz o
cruzamento mais perfeito desta Copa, colhido
perfeitamente por Varela para decretar o placar final.
Dois a dois, e qualquer definição fica para a próxima
rodada.
As chances de classificação da seleção
portuguesa são ínfimas, após esse empate. Mas
existem. E, se a Península Ibérica resiste ainda até o
fim da semana, isso ocorre graças a Portugal. E a
Cristiano, que cristianamente superou a dor, o joelho,
a melancolia e nos reensina, mais uma vez, a desafiar
as impossibilidades.
Para mim, este único lance já valeu a vinda de
Portugal.
22/junho/2014
61
de sol a sol
com futebol
22/junho/2014
62
DEUS É BRASILEIRO – NEYMAR TAMBÉM
63
– Poxa, professor, quer dizer que agora vou ter
que fazer outro?
– E o que é que EU posso fazer? Vai você,
garoto!
Um minuto depois, Neymar chegou na entrada
da área com a bola dominada, cortou o zagueiro e fez
outro golaço. Daí em diante foi a torcida em festa até o
intervalo. E ali, antes do retorno a campo, houve a
cena-resumo da ópera: um jogador da seleção de
Camarões foi até Neymar e pediu a camisa do craque
– que atendeu na hora. Simples, tranquilo, feliz.
Que seja um exemplo para todos nós na vida.
Tomar empurrão é muitas vezes inevitável, reagir é
absolutamente natural – mas saber superar beira o
sublime.
Acontece assim: o gênio esbanja
desprendimento e generosidade. O craque joga para a
equipe e ajuda a equipe a jogar. No segundo tempo,
saiu enfim o primeiro gol de Fred (nosso
centroavante, ou seja, aquele que é pago para fazer
gols). Alívio e alegria geral da plateia e do time. Todos
festejam. São essas comemorações, aliás, que vão aos
poucos dando a aura de time, de conjunto e, ouso
dizer, de Brasil para a seleção.
Com o jogo decidido, e percebendo o tamanho
dos jogadores de Camarões, o técnico brasileiro tirou
Neymar do jogo. Tirou também Hulk e Paulinho, que
64
estavam mal e foram substituídos por Ramires e
Fernandinho. Quanto a este último, garanto que
muitos estranharam: “Quem? Mas nem no álbum de
figurinhas da Copa esse tal de Fernandinho aparece!”
O fato é que o autofalante do estádio transmitia
o resultado parcial do outro jogo do grupo e o México
vencia a Croácia por um a zero, dois a zero, três a
zero... epa! Empate no saldo de gols entre México e
Brasil. Era urgente fazer mais um gol.
Acontece assim: o craque, mesmo após a
substituição, continua em campo. Inspira os
companheiros e a torcida. E foi um inspirado
Fernandinho que fez o quarto gol brasileiro (agora, se
alguém perguntar quem é Fernandinho, já dá para
responder: “aquele do quarto gol”).
No meio da euforia, ainda tive a sensação de
que seria bom olhar o jogo do México. Mudei de canal
(sob protestos da plateia presente) bem na hora do gol
da Croácia, que reduzia o saldo mexicano e
sacramentava o Brasil como líder do grupo.
65
Só faltou dar nó em pingo d´água. Após o jogo, um
locutor comentava os gols do Neymar dizendo:
“coitados dos zagueiros”. Discordo. Na minha opinião,
feliz do zagueiro que teve a honra de ser driblado pelo
Neymar – pode até pedir a camisa dele para guardar
de lembrança.
23/junho/2014
66
EU QUERO UMA SEXTA ESTRELA
24/junho/2014
67
A MORDIDA
68
Com um agravante: o uruguaio é reincidente.
Foi a terceira mordida de sua carreira – contando-se
aqui os jogos documentados, ou seja, importantes (a
carreira do sujeito na várzea uruguaia deve ser repleta
de cenas semelhantes, posso apostar).
E a reação do juiz? Um marciano que tenha
aprendido as regras do futebol há 15 minutos deve
estar pensando: no mínimo, o tal Suárez foi parar na
cadeia, está prestando serviço comunitário, foi
suspenso até a próxima Copa do Mundo ou coisa
parecida. Mas aí é que está, senhores: o juiz não
marcou nada! Conversou com os auxiliares e
aparentemente ninguém viu coisa alguma.
Calcula-se que o número de testemunhas (via
satélite) da mordida atinge a casa das centenas de
milhões de pessoas. Mas, aos olhos da Lei, nada disso
importa. Nenhum dos espectadores foi chamado a dar
seu testemunho. Segue o jogo!
Cabe aqui um comentário: no futebol, quando
uma equipe foi provocada ou perdeu algum jogo
anterior, é comum dizer que o time “entrou em campo
mordido”, isto é, com gana de buscar reação,
revanche. É o caso, então, se de perguntar: e a Itália,
que teve um jogador literalmente mordido, como
reagiu? Chiellini (a vítima) ficou um tempão puxando
a camisa para mostrar o ombro machucado. Não deu
em nada.
69
E aqui se fez sentir a falta de um capitão ou um
verdadeiro craque em campo. Se fosse no Brasil,
Neymar não deixaria barato; na Argentina, Messi não
levaria esse desaforo para casa. Inexplicavelmente,
faltou reação para a Itália. E a apatia italiana foi a mãe
do gol uruguaio, que veio em seguida.
Depois, o clássico desespero de um lado
querendo empatar e o outro querendo que o tempo
passasse logo. Nos relógios uruguaios, o jogo já havia
acabado muito antes do apito do juiz – que por fim
encerrou a partida assim: um a zero, vitória e
classificação uruguaias.
Que os próximos adversários do Uruguai se
cuidem: há um vampiro em campo. E um vampiro que
faz gols, diga-se de passagem.
24/junho/2014
70
GREGOS E HERMANOS
71
A Costa Rica, sensação da Copa, nem se
preocupou em fazer gol na Inglaterra: foi um zero a
zero com gosto amargo para os ingleses, que já devem
estar a caminho do aeroporto a essas alturas.
Um ponto a destacar: a Costa Rica treina em
Santos. Integrantes da comissão dos hermanos
garantem que a equipe sente os fluidos da mítica
equipe da Vila Belmiro. Sentem a presença e
conversam com o espírito de Pelé. Espírito este que,
em vez de assustar, sempre ilumina. Assim, o bom
futebol apresentado pela Costa Rica não seria mais
que uma retribuição. Simpáticos.
Por fim, outros hermanos carimbaram o
passaporte para a fase seguinte: falamos da alegre
seleção colombiana, que aplicou sonora goleada no
Japão: quatro a um. Resultado, aliás, bastante
natural: de onde nada se espera é que não vem nada
mesmo, como diz a sabedoria popular (e se aplica à
modesta seleção japonesa). Sobre a Colômbia,
frequentemente às voltas com problemas ligados ao
narcotráfico, o futebol já foi um importante ponto de
apoio da população. Torçamos para que mais uma vez
seja assim, e que aos poucos a tristeza da violência dê
lugar à alegria da arte esportiva.
Futebol para isso os caras têm.
24/junho/2014
72
VALORIZAR O QUE SE TEM
25/junho/2014
73
TERÇA MORNA. SERÁ?
74
Mas a defesa argentina era, por outro lado, bem
repreensível: no minuto seguinte, Musa correu pelo
campo como quem vai tirar a mãe da forca, chutou e...
gol da Nigéria! Para confirmar meu lema pessoal
(explicado pelo fato de que sou santista): como é bom
ver jogo de equipe que tem ataque forte e defesa fraca!
É a combinação ideal para o espectador.
O jogo seguia eletrizante, com ambas as equipes
igualando-se nas qualidades e defeitos: muito ataque,
defesa intranquila... A única e fundamental diferença
era, óbvio, Messi em campo (se ele jogasse um tempo
em cada time, o jogo terminaria empatado). No
apagar das luzes do primeiro tempo, mais um gol dele.
Desempatou o jogo - e empatou na artilharia da Copa
com o nosso Neymar.
No intervalo, o coro dos milhares de torcedores
argentinos (o jogo foi em Porto Alegre, o que facilitou
a vinda dos hermanos) era atemporal. Louvavam
Messi, mas a provocação era antiga, vinha de outras
eras: “Maradona é melhor que Pelé!”
75
Seja como for, durou pouco: a Argentina
novamente desempatou, desta vez com Rojo, e o jogo
terminou em três a dois. Mas ambas as seleções estão
classificadas, e com justiça.
Na próxima fase, a Nigéria enfrenta a França,
que dessa vez ficou num sonolento zero a zero diante
do Equador. Vários titulares da seleção francesa foram
poupados e o único jogador realmente com fome de
bola em campo era Benzema, que tem três gols no
torneio até agora e pensava, certamente, em Messi,
Neymar e na artilharia.
Enquanto isso, em Manaus, a Suíça se
classificava com uma vitória sólida sobre Honduras:
três a zero. Aliás, vitória pessoal do atacante Shaqiri,
que fez os três gols do jogo e assim lidera sua equipe
para o confronto com a Argentina na próxima fase.
Dois ataques de primeira contra duas defesas
abertas...
Vai ser um jogão.
25/junho/2014
76
AS DUAS PÁTRIAS
77
Darei aqui uma resposta absolutamente pessoal
a cada uma dessas questões – e será uma resposta
diferente para cada uma das perguntas, por mais que
pareçam faces da mesma questão.
Quanto à defesa até incondicional de outras
nações, creio que isto é plenamente possível,
justificável e mesmo (em certos casos) desejável.
Obviamente, não falo aqui de mercenários – essas
pessoas que trabalham para quem paga mais e pronto.
Refiro-me aqui a gente com espírito puro e abnegado,
disposta a sacrifício sincero para o bem dos outros,
venham de onde vierem. O exemplo perfeito do que
quero dizer: Che Guevara.
Che não nasceu em Cuba. Mas poucos foram
tão plenamente cubanos ao lutar e defender a
revolução. Sua carta de despedida a Fidel e ao povo de
Cuba é um exemplo de postura, além de uma das
páginas mais lindas da História da Humanidade.
Tenho uma réplica dessa carta e confesso de coração
aberto: diante de certas circunstâncias, recorro à
leitura dela, pois diz tudo.
Poderíamos ir até além, invocando novamente a
citação de Donne: “Nenhum homem é uma ilha”.
Aplica-se à defesa da justiça e da vida.
Circunstâncias bem diferentes regem a pátria
que vai na ponta das chuteiras. Esta, nós não
adotamos: trazemos gravada na alma. Morrerei com o
nome “Brasil” escrito em minhas chuteiras.
78
Vejam Mena, o atual lateral do Santos: nasceu
no Chile e amanhã enfrentará o Brasil em campo.
Justo, justíssimo! Assim como Neymar, astro do
Barcelona, vestirá a camisa do Brasil para enfrentar o
Chile de Mena.
Mas, enfim, alemães hoje vestem a camisa
americana. E o jogo entre essas duas Alemanhas foi
fraco, quase um treino.
No final, um a zero para a Alemanha oficial – e
as duas seleções classificadas. Não serei eu a dizer que
foi marmelada. Mas nem toda marmelada é planejada,
se é que me entendem. E espero que me desculpem o
espírito crítico, mas confesso que foi meio estranho
ouvir, logo após o jogo, aqueles alemães vestidos de
americanos dizendo que esta havia sido “a melhor
derrota de suas vidas”.
26/junho/2014
79
QUESTÕES
80
Será que basta?
Nem sempre.
Ignorada pelo árbitro, mas comprovada pela
sequência de imagens que rodaram mundo nas
últimas 48 horas, a mordida desferida pelo uruguaio
Suárez em seu oponente italiano não poderia passar
sem punição.
Suárez recebeu suspensão de nove jogos. Está,
automaticamente, fora da Copa 2014. Cumpre, assim,
sina a um só tempo semelhante e inversa à vivida por
ele mesmo na Copa do Mundo de 2010. Lá, foi expulso
por meter a mão na bola e passou de vilão a herói em
dois minutos, quando o jogador de Gana desperdiçou
a cobrança do pênalti. Agora, comandou a equipe
uruguaia rumo à classificação, mas pôs tudo a perder
com a inadmissível mordida.
Passou de herói a vilão em dois dias.
Será que aprendeu... ou melhor: será que
aprendemos algo com isso?
Por aqui, medito: também a vitória, às vezes,
pode ser amarga.
26/junho/2014
81
O CANTO DO CISNE LUSITANO
82
Naturalmente, toda a coisa foi direcionada para que se
votasse em Cristiano Ronaldo. E foi este o resultado:
cerca de 70% dos participantes concordou com a
insinuação televisiva, mostrando que o ser humano
pode ser maldoso e implacável, sobretudo quando
instigado.
A maldade, aliás, manifesta-se com mais
desfaçatez no meio das maiorias. Parem e pensem:
com que frequência teremos apenas engrossado o
caldo de especulações absolutamente artificiais?
27/junho/2014
83
O RESERVA
27/junho/2014
84
VINHO OU VATAPÁ?
28/06/14, 13h40:
28/06/14, 14h30:
85
28/06/14, 15h45:
28/06/14, 16h40:
28/06/14, 17h30:
MICROCONTOS DE COPA
1
O apito foi tendencioso do primeiro ao último
minuto. Não adiantou.
Depois, o cara de pau pediu a bola pra guardar
de lembrança.
Dançou: ninguém deu bola pra ele.
86
2
Quando desligaram os aparelhos, eis que o
menino acordou, sorriu e saiu voando.
Eu fiquei - só pra mostrar a língua aos médicos!
28/06/2014, 18h:
87
3) “Brasileiro vira palhaço quando torce”
28/06/14, 19h:
88
28/06/14, 19h15:
28/06/2014, 20h:
89
Ali, diante da bola, um de cada vez e ao mesmo
tempo todos juntos, recuperamos a memória do que é
"ser Brasil".
E, por isso mesmo, não poderia ter sido batido
de outra forma nosso último pênalti, nem por
qualquer outro jogador.
Tinha que ser Neymar.
O craque tinha sido caçado barbaramente
durante todo o jogo. Claramente estava machucado, o
rosto denunciando todas as dores do jogo e da vida.
Mas, exatamente naquele instante, no momento
em que milhões olhavam para ele, nosso aspirante a
cavaleiro reapareceu calmo, preciso, consciente.
Veio em câmara lenta. Correu em câmara lenta.
"Tranquilo e infalível como Bruce Lee", diria Caetano
(depois Neymar diria que não foi bem assim).
Seu andar pausado em direção à bola resumiu
décadas de preparação. Foi um pênalti convertido a
partir de antigas derrotas, assim como as defesas
milagrosas de Júlio César.
Se estivéssemos na Idade Média, eu diria:
hoje, nossos jogadores sagraram-se definitivamente
cavaleiros do reino.
28/junho/2014
90
ALEGRIA E ARTE
29/junho/2014
91
A VITÓRIA É ESSA
(e vale bem mais que um hexa)
92
A Copa das Copas acontece aqui, no meio da
gente. Nas ruas, na padaria agora mesmo, as pessoas
discutem, conversam, falam sobre a Copa. Ilustres
desconhecidos um do outro debatem (debatemos)
num balcão. Como velhos conhecidos, comentamos o
dia de ontem e o que importa não é o jogo: são as
pessoas.
Onde você viu o jogo?
Nossa, naquela hora...
Ah, comigo também...
Juntos construímos caminhos para o gol e no
fundo sabemos: não é o gol que importa. E é
justamente essa a nossa vitória. Por isso, bom dia a
todos – inclusive aos eternos idiotas da objetividade.
Bom dia!
29/junho/2014
93
SÓ QUANDO TERMINA
94
O gol só foi sair no início do segundo tempo.
Com um a zero para o México, a Holanda não tinha
mais opção: precisaria correr, e correr risco. A
vantagem dos mexicanos era boa, considerando-se
que até aquele momento eram eles que dominavam o
jogo e tocavam mais a bola. Mas aí nossos hermanos
cometeram o pecado mortal: recuaram, recusando o
jogo.
Virou tudo uma questão de “quando” e não de
“o que”. Todos na plateia, sofá ou arquibancada,
sabiam que iria acontecer. O monstro do pesadelo
mexicano aos poucos tomava forma...
“Vai acabar, vai acabar”, diziam, dizíamos. Doce
ilusão. Não acabava! A alma mexicana saiu da arena
antes da hora. E, aos 43 minutos do segundo tempo,
veio o empate holandês.
Pânico anunciado nos nossos amigos latinos.
Dois ou três minutos depois, a virada holandesa e o
fim do jogo: dois a um. Nesta Copa das Viradas,
confesso que a eliminação do México doeu em mim.
Mas foi uma aula, em muitos aspectos! E comprovou
aquela história de que “o jogo só acaba quando
termina” (a frase é atribuída a Vicente Matheus,
folclórico presidente do Corinthians, e se aplica).
Após tanta dificuldade e sofrimento, guardamos
na alma a beleza do jogo. Horas depois, eu ainda
pensava em México e Holanda, Frida e Vincent.
29/junho/2014
95
COSTA RICA X GRÉCIA
96
Nesses casos, já se sabe:
tem que haver prorrogação.
O público estava quieto
de tanta preocupação,
mas ninguém marcou mais gol,
ficando aberta a questão.
29/junho/2014
97
QUANDO O VENCIDO E O VENCEDOR
SÃO UM SÓ
98
Vimos isso nos franceses, que sofreram para
derrotar a Nigéria. Venceram por dois a zero, mas a
vitória só se desenhou nos últimos oito minutos de
jogo. Até lá, jogo aberto, destino suspenso, indeciso. E
quiseram os deuses do futebol que o maior herói do
jogo até ali acabasse falhando nos gols: o goleiro
nigeriano, bom goleiro, ótimo goleiro, não defendeu
bolas defensáveis.
Mas lutou bravamente. Venceu, também.
Palmas aos dois times!
E o texto acima pode ser aplicado com mínimas
diferenças ao jogo seguinte, Alemanha e Argélia. Com
mais pitadas de drama, neste caso: o jogo, empatado
em zero a zero, foi para a prorrogação e só ali, quando
já se via em cada jogador o rosto sulcado pelo cansaço,
vieram os gols. Três! Alemanha, um a zero com dois
minutos de jogo, seguindo-se até o final uma luta
acirradíssima em que o primeiro desafio era continuar
em pé, correr, encontrar forças para carregar a bola.
O final foi realmente apoteótico. Aliás, o jogo
não terminava! Saiu o segundo gol alemão faltando
dois minutos para o apito final. Festa alemã,
desespero argelino, quase todos os jogadores
deixando-se cair no chão.
O juiz praticamente teve que chamar os
jogadores, quase implorando para que se levantassem.
Imagino o pensamento de todos, absolutamente todos
ali: está quase...
99
Mas quase também é mais um detalhe, ensina o
poeta. Um grande jogo não morreria assim. Todos de
pé, bola rolando, ataque, gol da Argélia! O estádio
quase veio abaixo. Fantástico!
O último minuto foi uma reviravolta de
sentimentos: quem estava entregue acordou, quem
festejava emudeceu.
Deu Alemanha. Porém (e sempre tem um
porém, já diz o Plínio) ficou provado que pode haver
ótimos filósofos, mas não há super homens na
Alemanha.
Também os alemães são simplesmente
humanos, demasiadamente humanos.
30/junho/2014
100
GOLEIROS
101
Não demora muito para que se perceba uma
tristeza profunda, muitas vezes nascida de angústias
passadas e cimentadas na alma. São, às vezes, como
traumas de guerra. O sujeito simplesmente tem que
aprender a viver com aquilo. Esquecer? Apagar?
Impossível.
Dias atrás, Júlio César, goleiro brasileiro, foi
incensado como herói no jogo contra o Chile. Além
das muitas defesas durante o jogo, ele defendeu dois
pênaltis. Compreendem o tamanho do feito? Dois
pênaltis seguidos! E ainda acho que foi responsável
também pelo erro do chileno que perdeu o último
pênalti. Na verdade, não foi um pênalti perdido, e sim
uma defesa de samurai: nosso goleiro cresceu tanto à
frente do chileno que o gol sumiu, restando apenas a
trave no caminho da bola.
Terminado o jogo, Júlio César foi chamado para
entrevista. E o que disse ele? Por acaso gabou-se das
defesas? Estava ao menos minimamente sorridente?
Transparecia orgulho ou satisfação? Não, senhores.
Naquele momento de vitória suprema, o goleiro
lembrou-se da derrota para a Holanda na última Copa
e de sua falha no gol holandês que desclassificou o
Brasil. Remexeu, assim, numa ferida ocorrida quatro
anos atrás e que ainda não havia sido curada.
Depois disso, ao menos por solidariedade, torço
para que Júlio César se firme como um dos líderes da
seleção brasileira em campo. Amor à camisa ele tem.
102
* * * * *
103
Pois então: a sorte da Argentina repousava nos
pés de Messi. Faltando apenas dois minutos para o
final da prorrogação (e para a temida disputa por
pênaltis), ele recebe a bola, limpa a jogada e dá um
passe perfeito para Di Maria fazer o gol salvador da
Argentina.
Não chegou nem a ser festa, para eles.
Extenuados, manifestavam mais propriamente alívio.
Ainda mais porque os dois últimos lances do jogo
foram totalmente suíços: uma cobrança de falta na
trave (quase os pênaltis novamente) e um último
chute que passou perto do gol.
Messi, depois do jogo, confessou o mais
humano dos sentimentos: “sim, eu tive medo”.
Alguém o culpa? Eu é que não.
* * * * *
104
A resposta chama-se Tim Howard e deverá
constar na próxima edição do Livro dos Recordes.
Howard é o goleiro dos Estados Unidos e fez,
segundo os jornais (a gente não fica contando), um
total de 16 defesas salvadoras durante a partida.
Impressionante.
Relembro aqui uma frase escrita no início deste
texto: “todo goleiro, ao nascer, carrega a cruz e o fardo
de ser derrotado, mais cedo ou mais tarde.” Para Tim
Howard, foi mais tarde. Somente na prorrogação a
Bélgica venceu o bloqueio americano e conseguiu
abrir dois a zero - mas ainda levou um gol no final.
Dois a um: Bélgica classificada e um goleiro,
quem diria, consagrado na derrota.
Coisa rara de se ver.
1-2/julho/2014
105
Manchetes de jornais brasileiros:
Brasileira ou argentina?
é latina!
2/julho/2014
106
CHORO BANDIDO?
107
De que adianta mostrar, com argumentos
estatísticos, que em menos de um terço dos casos a
seleção “de casa” é a que vence uma Copa do Mundo?
De que adianta dizer que a vida segue em caso de
derrota ou fatalidade?
Depositamos, nas costas de quem veste a
camisa da seleção brasileira, uma responsabilidade
que não se jogaria nem sobre o Super Homem. E os
caras jogam. Bem ou mal, mas jogam. Encaram a
barra, com orgulho até. E os que choram (por amor à
pátria e outros humanos sentimentos) são criticados
justamente porque são humanos e choram.
Tenho algo a dizer, senhores: sinto-me melhor
representado por estes que choram do que por aqueles
que, em outras Copas, saíram ilesos, secos, quase
sorridentes após uma derrota. Por sinal, uma antiga
derrota brasileira ficou marcada pelo gesto frívolo de
um jogador que, na hora crucial, preferiu agachar-se à
responsabilidade arrumando as meias em vez de
auxiliar a equipe. E houve quem fizesse suas malas e
fosse para casa sem mostrar uma única gota de
vergonha na cara, uma gota sequer que escorresse
pelo rosto.
Daqueles, eu senti vergonha – uma vergonha
que não sinto destes que choram.
3/julho/2014
108
À ESPERA DO JOGO
3/julho/2014
109
AMARGA VITÓRIA. VITÓRIA?
110
O jogo caiu no segundo tempo, cada vez mais
truncado por faltas. E foi justamente numa delas que
David Luiz fez o segundo gol do Brasil. Tranquilidade?
Não: o Brasil desistiu do ataque e a Colômbia partiu
para o tudo ou nada, até diminuir com o atacante
James (que jogou pouco, mas converteu em gol o
pênalti cobrado).
Podia ter acabado por aí. Ah, se podia...!
Quase no fim do jogo, houve a jogada que todos
temíamos há séculos e o juiz parecia estar esperando.
Neymar foi atingido barbaramente pelas costas. Uma
joelhada criminosa - na coluna. O brasileiro caiu de
bruços no chão e assim ficou até sair de maca.
Num certo sentido, a meu ver, a Copa acabou
ali, deixando um questionamento: por que, afinal,
vive-se o esporte como se fosse uma guerra?
O que explica o fato de um sujeito arremessar-
se com tamanha violência contra o outro, esquecendo
qualquer dignidade, e ainda existir gente que defenda
o gesto dizendo que “é do jogo”?
Não é do jogo. Não pode ser do jogo.
Final da partida: vitória. Um momento. Vitória?
“Mais valia uma derrota”, não consigo deixar de
pensar. Mais fundo ainda, na alma, nessa alma
coletiva que nos une e embala, brota o delírio:
“Suspendam a impressão do Jornal do Destino!
Vamos reescrever o roteiro.”
111
Mas a Vida não é filme, percebemos aos poucos.
Triste, amargo fim o da Colômbia, que foi
esperança de bom futebol durante alguns jogos,
entrou em campo com a cor do sangue nas roupas e
levou nosso Neymar ao hospital.
Chamem de tudo: crime, destempero, violência.
Só não chamem de fatalidade.
Toda a tristeza foi causada por humanos gestos.
O juiz parecia claramente ter esquecido os cartões no
primeiro tempo. Quando se lembrou de utilizá-los,
estávamos a um passo da barbárie. Um passo além do
limite, infelizmente, como vimos.
Vitória?
Cansados, tristes, queremos campo aberto.
Precisamos de espaço na justa medida da tristeza.
4/julho/2014
112
SUPERANDO BAIRRISMOS
5/julho/2014
113
HOLANDÊS VOADOR
114
De nada vale a Holanda ter vencido bem seus
jogos até agora e ter um dos melhores ataques da
Copa. As críticas vêm sempre, e sempre pesadas,
transformando as entrevistas coletivas em verdadeiros
embates abertos, o gladiador contra os leões.
Mas o sujeito é tinhoso: inventa uma
substituição polêmica no minuto final da prorrogação.
“E por que polêmica?”, perguntam vocês, já que
substituições podem perfeitamente ocorrer mesmo no
final de um jogo. A questão é que temos agravantes
aqui: estamos no minuto final da prorrogação, prestes
a iniciar a cobrança de pênaltis, e o técnico tem o
desplante de trocar justamente... o goleiro!
Ninguém nunca tinha visto aquilo antes. Era
coisa para consagrar o técnico ou leva-lo às portas do
inferno, sem subterfúgios, sem meio termo.
Vamos aos pênaltis. Uma delícia, convenhamos,
quando não é o time da gente. A disputa começa e
vejam o que acontece: o goleiro reserva simplesmente
defende não apenas uma, mas duas cobranças. E, do
alto de seus quase dois metros de altura, carrega no
colo o time da Holanda para a semifinal.
Algo me diz que o técnico holandês ainda é
capaz de ouvir poucas e boas de seus compatriotas.
Mas que foi um final de jogo genial, isso foi. E genial
justamente por envolver trabalho de equipe, não de
um homem só.
6/julho/2014
115
A VIDA SEMPRE SURPREENDE
116
JÁ PODEMOS PERDER
117
O jogo foi... foi... ah, será que foi um jogo?
Tivemos exatos dez minutos de partida - foi o tempo
que a Alemanha demorou para fazer o primeiro gol.
Daí em diante, não haveria várzea no mundo que não
tivesse mais disputa e nobreza do que o que vimos no
gramado mineiro.
A seleção estava evidentemente descoordenada.
Falta de treino, meu Deus! Errava-se passes
primários. Cresciam os sinais de descontrole (até
emocional, mas não apenas emocional) na equipe.
Veio então o segundo gol alemão, por volta dos 20
minutos de jogo.
Aí o caldo entornou de vez. Foi digno de Kafka,
pesadelo no limite do nonsense: uma nação de baratas
tontas à La Gregor Samsa – jogadores perdidos em
campo e torcedores incrédulos. Comentei com meu
amigo: “hoje vai ser de sacolada”. Ele concordou com
a cabeça e anunciou que não ia mais assistir.
Levantou-se pra ir embora, mas não conseguiu
atravessar os cinco metros do sofá até a porta... gol!
Três a zero...!
Em silêncio, despedi-me dele e fechei a porta.
Antes de voltar ao sofá... gol! Quatro a zero.
Eu não olhava mais para o jogo. Precisava?
Não: o jogo acontecia dentro da gente, tabelinha entre
cabeça e coração. Na sala ecoavam gritos e lamentos
dignos de cena de guerra, a filha explodindo no choro
desconsolado e justíssimo dos inocentes.
118
(Já repararam nisso? Na guerra, são os inocentes que
pagam o pato)
119
2) Estou vivendo uma experiência intensamente
religiosa: rezando a Deus pra que o jogo não seja
"5 vira, 10 acaba"...
120
e divertidos, inclusive. Não são os robôs que o
viralatismo de alguns insistia em inventar.
A verdade é que os alemães jogaram
lindamente, poeticamente até. Mas só pude ter noção
disso no dia seguinte, ao (re)ver os melhores
momentos do jogo. Claro: na hora da partida
passamos a evitar olhar para a tela onde se desenhava
o pesadelo. Ficamos basicamente ouvindo os gritos de
gol da festa alheia.
121
Finalmente superamos a "futebol dependência".
Hoje podemos perder de 7 a 1 e muito mais brasileiros
têm (finalmente) o que comer. E, mais importante,
têm trabalho. Hoje nosso índice de desemprego é
muito menor que a média europeia.
Assim sendo, já podemos perder em campo. A
Copa das Copas - essa, da inclusão social - é do Brasil.
E faço votos de que outros países sigam nosso
exemplo.
9/julho/2014
122
SEXTILHAS SOBRE O BRASIL
(após a derrota em campo)
123
... QUE NO LOS PUEDO CONTAR
124
Sim, é só um jogo. Mas este “it´s just a game”
(ou, como os Rolling Stones, “it´s only rock´n´roll”)
simplesmente não vale (ainda) para a Argentina –
calma que eu explico.
Percebam, amigos: a Argentina é o Corinthians
das seleções. Nada é só futebol ali. E mesmo que fosse:
de todos os semifinalistas, a Argentina é hoje a maior
representante do que se convencionou chamar de
Paixão. Além disso, a semifinal opõe irresistivelmente
Europa e América Latina (como o jogo de ontem). Se
vencer a Argentina, teremos empate temporário (1 x 1)
entre os continentes e, melhor ainda, a chance de ver
mais dois embates intercontinentais nestes jogos
finais.
E qual o interesse disso? - pergunta um ET ou
terráqueo não familiarizado com os assuntos da bola.
O interesse é justamente a oportunidade de contrapor
diferentes visões de mundo no campo simbólico do
gramado. Em paz (e o fato de ser um jogo sem “time
da casa” ajuda muito aqui). É, por exemplo, muito
melhor do que acompanhar um Inglaterra x Argentina
político como no caso das Ilhas Malvinas.
125
Partida truncada, incerta, indecisa. Em alguns
momentos, a Paixão parece bem próxima da vitória.
Em outros, a Razão é implacável. O final se anuncia:
são forças de amplitude equivalente. Mais jogo, então!
Na prorrogação, o empate se repete. É difícil
vencer as defesas alheias. Mais difícil ainda quando se
está preocupado em não ser vencido. E assim
chegamos, novamente, aos pênaltis. Mas agora a
Holanda não tem mais sua arma secreta - o goleiro
reserva. Por conta de contusões e do cansaço, ao longo
do jogo o técnico foi obrigado a fazer as três
substituições a que tinha direito. Não teve como trocar
o goleiro ao final da partida.
Vejam só: a Holanda havia entrado em campo
como favorita. Nessas condições, é fundamental
confirmar a vitória o quanto antes, pois um vacilo
pode ser duramente castigado. A Holanda não fez o
gol. Não tem em campo seu especialista em pênaltis...
A Argentina, então, cresce. E o jogo termina
justamente 4 a 2 para os argentinos, nas cobranças.
Assim, no domingo teremos Alemanha e Argentina -
uma final classe A.
Convenhamos, foi justíssima a final desenhada
nessa Copa das Copas. Torço pela Argentina – mas se
o título ficar com a Alemanha, estará em ótimas mãos
(ou pés).
10/julho/2014
126
PRIMEIRO DIA DO RESTO DE NOSSAS VIDAS
127
Não espero vitória (com esse time, fica difícil) – mas,
puxa, espero dignidade. Ao jogo!
* * * * *
* * * * *
Felipão, quem diria, tirou Fred da equipe. Não
se pode dizer que esteja ouvindo o povo, já que o
pedido é feito em cada balcão de bar há mais ou
menos duzentos anos. Parece mais uma lavagem de
mãos protocolar. Perdendo, vai poder dizer “olha só,
não foi culpa minha, eu até tirei o Fred atendendo a
pedidos”.
É na dificuldade que o caráter aparece.
* * * * *
Começa o jogo. Pênalti contra o Brasil? Peraí,
não foi! Ah, o juiz disse que foi. Ei, por que é que
nenhum jogador vai reclamar com o juiz? Cadê o
capitão desse time? O técnico? Todos em silêncio.
128
Gol: um a zero para a Holanda, aos dois
minutos de jogo.
Muito brasileiro deve estar tremendo na base.
Mas a menina de 10 anos que está ao meu lado já
entendeu o espírito da coisa. Chorou muito no jogo
passado; agora, só faz aquela cara de “putz” - e pede
pipoca. Aprendamos com as crianças...!
Por volta dos 15 minutos de jogo, cruzamento
na área brasileira. Epa, o jogador holandês estava
impedido. Não vai marcar, seu juiz? Não... E o herói
de ontem, David Luiz, em vez de tirar a bola da área,
joga no pé de mais um holandês voador: dois a zero.
Daí pra frente, vemos novamente aquele filme:
Time do Desespero Descoordenado x Time Jogando
com a Cabeça. E o juiz continuou “equvocando-se” ao
deixar de marcar dois pênaltis claros para o Brasil.
Mas... por que marcaria, se não temos um capitão, um
líder em campo - e nem fora de campo? Ninguém foi
cobrar postura e honestidade do juiz, que resolveu se
consagrar: “não fui intimidado, viram?”
O primeiro tempo termina com dois a zero para
a Holanda. Injusto? Não, não: justíssimo, apesar dos
erros de arbitragem.
Para ganhar, seja Copa do Mundo ou
campeonato de cuspe à distância, o primeiro requisito
é ter atitude. Jogar para ganhar.
Prato do segundo tempo: “idem com batatas”.
129
O juiz inverte faltas, marca ou deixa de marcar
o que quer, mas nada disso influencia no resultado.
Falta postura à seleção brasileira.
No final, três a zero. Festa holandesa e um
imenso ponto de interrogação na cabeça do torcedor
brasileiro: “e agora, José?”
José, meu amigo, meu compatriota: agora é
hora de voltar a dançar a música brasileira, meu caro.
Hora de voltar ao samba, à gafieira, ao forró em
campo. Nada de valsa vienense, José!
O futebol brasileiro precisa voltar a ser futebol
brasileiro: bola passando de pé em pé. Tabelinha,
cinco ou seis jogadores participando do mesmo lance,
como cansamos de ver (nós que temos mais de 30
anos de idade). Que saudade do jogo em conjunto!
Não queremos voltar a ganhar. Queremos voltar
a jogar futebol. Ganhar ou perder, mas jogando bola.
Do jeito que sabemos, do jeito que ensinamos ao
mundo. Por sinal, uma das seleções com maior troca
de passes e tabelas ao longo dessa Copa foi, creiam, a
seleção alemã! Que não tem um “grande craque”: tem,
ao contrário, seis ou sete bons jogadores trabalhando
juntos, coesos. E sete é bem mais que um...
(hmm, chega de sete a um por aqui)
130
Microconto:
EPITÁFIO A UM TEIMOSO
13/julho/2014
131
ENCONTRA-SE O QUE SE BUSCA
132
Acontece que futebol é arte. Façamos o teste, a
partir das respostas da enquete sobre o que se busca
na arte. Futebol traz emoção? Sem dúvida. Diversão?
Obviamente. Reflexão? É o que mais faço enquanto
acompanho uma partida (às vezes chego até a tomar
nota). Por fim: futebol permite ir além do cotidiano,
trazendo novidades para a vida de uma pessoa? Sim,
mil vezes sim. É, por vezes, um contato com a vocação
mitológica e o caráter heroico do ser humano. Com a
vantagem de que não costuma gerar mortos, ao
contrário de certos divertimentos milenares (leões no
coliseu romano, torneios medievais e outros).
Por outro lado, observem: nenhuma arte
substitui a vida – não deveria, ao menos.
Feita a preleção, podemos partir para o jogo
final. Alemanha e Argentina nos esperam.
* * * * *
Todos sabemos que a Alemanha é mais time.
Mas, com a bola rolando, dessa vez não vemos show:
os alemães jogam abaixo do esperado e chegam a fazer
várias faltas. Enquanto isso, a Argentina joga com a
garra de sempre. O jogo é nivelado – indefinido! Em
alguns momentos, percebemos inclusive jogadores
alemães dando legítimos chutões de várzea para o alto
– prova inequívoca de que a tensão de uma partida
dessas não é brincadeira.
133
A Argentina ataca mais durante o jogo. Tem,
por três vezes, a chance de abrir (e talvez definir) o
placar. Ainda no primeiro tempo, em falha rara e
grotesca, o alemão Kroos “passa” a bola para Higuain
mas, cara a cara com o goleiro, o argentino desperdiça
chance incrível. Minutos depois, jogada sob o
comando de Messi resulta no gol argentino. Festa
argentina – mas o gol é anulado corretamente, por
impedimento. A Argentina ainda perde outras boas
chances, com Messi e Palacio... cadê o gol?
Do lado alemão, tranquilidade: a Alemanha
teve um dia a mais para descansar, e não precisou
caminhar até os pênaltis como a Argentina no jogo
passado. Numa prorrogação, quem está mais
descansado tem vantagem...
Zero a zero. Vamos para a prorrogação. O jogo
fica mais duro ainda agora, com farta distribuição de
pernadas, faltas e cartões. Rabisco a ideia que vem:
“Desse jeito, o jogo vai acabar por falta de jogadores.”
Mas é exatamente nessa hora que se dá o paradoxo.
Por conta da “falta de pernas”, vem o gol da vitória
alemã. Nenhum argentino teve condições físicas de
impedir o avanço alemão. Resultado: Alemanha
campeã!
Um final justo para esta Copa da Superação.
Oito anos atrás, a Alemanha esperava ardentemente o
“título em casa”. Perdeu. Mas a vitória de hoje nasce
da derrota de ontem. Reestrutura-se casa e cabeça.
134
Trabalha-se as pernas. E os alemães, acima de tudo,
esbanjaram simpatia, conquistando a maior parte da
torcida brasileira (sem viralatismo, por favor).
O veterano Klose é hoje o maior goleador da
história das Copas do Mundo. Houve quem dissesse,
um mês atrás, que estaria por aqui a passeio. Na Copa
da Superação, todos tiveram seu papel, e Klose foi um
dos muitos protagonistas deste time sem grandes
protagonistas, em que a maior virtude é o conjunto.
Os alemães vieram e superaram também a
imagem que às vezes se faz deles por aqui. Não são
robôs: beberam, trouxeram suas mulheres, papearam
com todo mundo, sorriram – e jogaram.
Para os brasileiros, a conquista que nos cabe:
convicção de que podemos ser o centro do mundo.
Próxima etapa: Olimpíadas.
And in the end... no fim, como em quase tudo
na vida, encontra-se o que se busca. Emoção,
diversão, reflexão... é assim o país da bola.
Esteja ele onde estiver.
13/julho/2014
135
LIÇÕES QUE A SELEÇÃO DA ALEMANHA DEIXA
11-13/julho/2014
136
ESTATÍSTICA ELOQUENTE
14/julho/2014
137
A QUEDA DO CONCEITO DE POSSE
138
Sobre a acepção política de “posse” (O sujeito X
vai tomar posse do cargo Y), nem seria necessário
comentar. Ninguém é deputado ou ministro: o cara
está deputado ou está ministro (por mais que alguns
esforcem-se para omitir este detalhe até mesmo das
próprias consciências).
No futebol, um dos quesitos mais alardeados
pela imprensa é a “posse de bola”. Time com maior
posse de bola é automaticamente apontado como
superior ao adversário – e essa tese foi reforçada em
2010, quando a Espanha foi campeã do mundo
usando e abusando da posse de bola
(Hmm, mas a Espanha já não era a melhor seleção do
mundo em 2010. Teve baixíssimo número de gols, por
exemplo - só para rebater uma estatística com outra.)
14/julho/2014
139
DÉCIMA SOBRE MOTE
(para Futebol & Vida)
140
Outros times têm seus craques
e devemos respeitar
Messi, Robben e Neymar
que, no entanto, com seus baques,
comprovaram que os ataques
da Alemanha (que legal)
tinham efeito mortal
com seu trunfo mais ativo:
vale mais o coletivo
do que o individual!
14/julho/2014
141
BÔNUS: Haikais Pré-Copa
(aqui republicados por curiosidade)
Sem convocação?
Mas Robinho está no álbum.
Já o Felipão...
Um dia acontece:
Neymar, na próxima Copa,
será o novo Messi
Maio/2014
142
SOBRE O AUTOR
CONTATO
[email protected]
www.youtube.com/PRBarja
www.paulobarja.blogspot.com.br
cordeisjoseenses.blogspot.com.br
cartoesjoseenses.blogspot.com.br
143