Marilia de Dirceu - Analise
Marilia de Dirceu - Analise
Marilia de Dirceu - Analise
HEIDI STRECKER-GOMES
Versão corrigida
São Paulo
2020
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HEIDI STRECKER-GOMES
Versão corrigida
São Paulo
2020
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Strecker-Gomes, Heidi
S914f Figura de Marília: aspectos da poética de Tomás
Antônio Gonzaga / Heidi Strecker-Gomes; orientador
Jean Pierre Chauvin - São Paulo, 2020.
170 f.
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Nos termos da legislação vigente, declaro ESTAR CIENTE do conteúdo deste EXEMPLAR
___________________________________________________
(Assinatura do (a) orientador (a)
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Banca Examinadora
Prof. Dr. Jean Pierre Chauvin (Presidente) Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento:_________________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto ________ Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento:__________________________Assinatura: _______________________
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais Lore Frida Strecker e Nilo Campos Gomes (in memorian).
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AGRADECIMENTOS
A João Adolfo Hansen e João Angelo Oliva Neto, pela generosidade e argutos comentários
em meu exame de qualificação e defesa. A Marcelo Lachat e Rodrigo Gomes de Oliveira
Pinto, pelas instigantes e decisivas observações em minha defesa da dissertação.
A Adma Fadul Muhana, Lineide do Lago Salvador Mosca, Maria do Socorro Fernandes de
Carvalho, Paulo Fernando Motta e Rejane Vecchia, pelas lições preciosas durante a
elaboração deste trabalho.
Aos colegas Caio Esteves de Souza, Gustavo Luiz Nunes Borghi e Leonardo Zuccaro, pela
acolhida no campo dos estudos retórico-poéticos e pelo estímulo e presença constante em
minha formação.
Ao meu querido amigo Roberto Amado, uma espécie de duplo em minha trajetória
acadêmica, pela carinho e pela troca.
Ao amigo Hélio de Seixas Guimarães, pelo interesse em Marília, pelas conversas e pela
ajuda desde sempre.
A Fabiana Carelli, Emerson Inácio, Mário César Lugarinho e Maurício Salles Vasconcelos,
pela acolhida na CCP como representante discente. A Tania Celestino de Macedo e
Antônio Vicente Seraphimi Pietroforte, pelo convívio produtivo durante os Encontros de
Literatura Comparada.
A minha irmã Márion, a meus irmãos Marcos e Érico e a meus cunhados Mário César
Carvalho, Miria Benincasa Gomes e Verônica Papoula Mendes, pelo estímulo à realização
deste trabalho.
Aos amigos parceiros de trabalho Sergio Rossoni, Elizangela Dias e Neila Brasil, pela
delicadeza e pelo convívio estimulante.
À Capes, que me auxiliou com uma bolsa de mestrado, de julho de 2019 a dezembro de
2020.
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RESUMO
O objetivo desta pesquisa é estudar a figura de Marília, central na obra Marília de Dirceu
do poeta luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). A partir de uma perspectiva
histórica, buscamos evidenciar aspectos da poética do autor conforme as convenções
retórico-poéticas de seu tempo. Analisamos tópicos formais e características discursivas
desse poema em duas partes, a primeira editada em 1792 e a segunda, em 1799. Para tal,
reexaminamos a longa tradição crítica brasileira que interpretou o idílio ficcionalizado no
poema ou como expressão de uma subjetividade empírica ou como reflexo de determinada
realidade social. Também desvinculamos a figura de Marília da personagem histórica
Maria Doroteia Joaquina de Seixas, que a teria inspirado. Nesse sentido, o “casal de
sonhos” Dirceu e Marília afasta-se da esfera biográfica e empírica, do mesmo modo que o
discurso de Tomás Antônio Gonzaga é compreendido além da esfera documental e
biográfica, deslocando-se para o terreno das convenções poéticas da segunda metade do
século XVIII. Compreendida como poesia regrada retoricamente, ressaltamos aspectos da
poética de Tomás Antônio Gonzaga que estruturam seu poema. Tendo esse ponto de
partida, apontamos a centralidade da figura de Marília de Dirceu na obra lírica atribuída a
Gonzaga, descrevendo algumas de suas “facetas”: um nome da tradição bucólica, a
interlocutora privilegiada da persona poética, a pastora que compõe o par com Dirceu, uma
personagem da ficção mitológica, um retrato feminino pintado pelo poeta, e, por fim, como
uma espécie de intermédio conciliatório entre a primeira e a segunda parte do poema.
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ABSTRACT
The purpose of this research is to study the figure of Marilia, central to the work Marília de
Dirceu by the Luso-Brazilian poet Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). From a historical
perspective, we seek to highlight aspects of the author's poetics according to the rhetorical
conventions of his time. We analyze formal topics and discursive characteristics of this
extensive poem in two parts, the first edited in 1792 and the second in 1799. To this end,
we examined the long Brazilian critical tradition that interpreted the fictionalized idyll in
the poem or as an expression of an empirical subjectivity or as a reflection of a certain
historical reality. We also dissociated Marília from the historical character Maria Doroteia
Joaquina de Seixas, who would have inspired her. In this sense, the poetic couple Dirceu
and Marilia moves away from the biographical and empirical sphere, in the same way that
Tomás Antonio Gonzaga's discourse is understood beyond the documentary and
biographical sphere, moving into the terrain of the poetic conventions of the second half of
the 18th century. Understood as rhetorically ruled poetry, we highlight aspects of Tomás
Antonio Gonzaga's poetics that structure his poem. Having this starting point, we point out
the centrality of the figure of Marília de Dirceu in the lyrical work attributed to Gonzaga,
describing some of her "facets": a name from the bucolic tradition, the privileged
interlocutor of the poetic persona, the shepherdess who composes the poetic partnership
with Dirceu, a character from mythological fiction, a female portrait painted by the poet,
and, finally, as a kind of conciliatory intermediate between the first and second part of the
poem.
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Lista de quadros
Quadro 1 – Cotejo de numeração das liras nas diferentes edições – Parte I.............. p. 34
Quadro 2 – Cotejo de numeração das liras nas diferentes edições – Parte I1............. p. 35
na lira I,1...................................................................................................................... p. 70
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Lista de figuras
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SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................... p. 25
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NOTA
Posso dizer que preparei esta dissertação duas vezes. Na primeira vez cursei o
mestrado em Teoria Literária na Unicamp e tive como orientador Alexandre Eulálio
Pimenta da Cunha, um intelectual afeito a meu objeto de estudo. Meu projeto já era então
estudar a figura de Marília na obra lírica de Tomás Antônio Gonzaga. Com o falecimento
de Alexandre, tive como orientador o professor Roberto Schwarz. Naquele período, na
década de 1980, os estudos retóricos e poéticos ainda não estavam ao alcance do estudante;
um poeta do século XVIII era entendido pela crítica apenas como um precursor do
Romantismo e importante elo para a formação da literatura nacional, embora ainda
estivesse preso às convenções arcádicas. Um pedido de bolsa à Fapesp foi denegado sob o
argumento de que a pesquisa que eu desejava realizar era de “amplas proporções, e
oscilava entre aspectos históricos e internos da obra”, o que seria impossível numa
dissertação de mestrado. Alexandre justificou que a pesquisa “muito poderia se enriquecer,
com essa alternância abrangente”. Contudo não consegui o auxílio. Após estudar a
historiografia do poema de Gonzaga e analisar estruturalmente as liras de Marília de
Dirceu, meus pressupostos teóricos se esgotaram, oriundos da tradição crítica brasileira
romântico-modernista. Não apenas isso. O falecimento de meu orientador e depois, em
curto espaço de tempo, o de meu pai também, assim como o começo de minha vida
profissional interromperam meus estudos de pós-graduação. Optei por concluir a
graduação em Filosofia, que já estava em curso, e recolhi todo meu material numa grande
caixa-arquivo.
Nunca esqueci Marília, no entanto; após um longo período fora da universidade,
retomei meus estudos, primeiro como aluna de extensão cultural, em seguida como ouvinte
em disciplinas da pós-graduação e finalmente como aluna especial do programa de pós-
graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa no DLCV. Tive a
oportunidade de cursar a disciplina de João Adolfo Hansen, Práticas de Representação
Luso-Brasileiras dos Séculos XVI, XVII e XVIII. Ao analisar os condicionantes
institucionais e os códigos linguísticos dessa produção e explanar sobre diversos textos
doutrinários da longa tradição retórica e poética que permite compreendê-los como práticas
discursivas, as aulas do professor Hansen abriram perspectivas novas para o estudo da
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24
poesia de Tomás Antônio Gonzaga. Também pude entrar em contato com uma ampla
bibliografia que incluía textos de historiadores, tratadistas, literatos e críticos, que ampliou
largamente meu horizonte teórico. Uma série de conceitos operatórios, que até então eram
desconhecidos para mim, foram introduzidos pelo professor para tratar de textos
“coloniais” luso-brasileiros como auctoritas, engenho, emulação, imitação, éthos e decoro.
As aulas da disciplina Cultura Luso-brasileira nos séculos XVIII e XIX, ministradas
por Jean Pierre Chauvin, me aproximaram ainda mais do tema de minha pesquisa.
Consultei o professor Chauvin sobre a possibilidade de me orientar e ele prontamente
aquiesceu, acrescentando que tinha interesse e gosto pela obra de Tomás Antônio Gonzaga.
Abri meu baú gonzaguiano. Recomecei as pesquisas e entrei em contato com um quadro
teórico totalmente renovado. O volume Marília de Dirceu de Tomás Antonio Gonzaga ou a
poesia como imitação e pintura, de Fernando Cristóvão, publicado em Portugal,
representou um grande alento para o estudo da figura de Marília de Dirceu. No Brasil, as
pesquisas pioneiras de Ivan Teixeira, Antônio Medina, Alcir Pécora, Marcello Moreira,
Adma Muhana e João Adolfo Hansen abriram um campo novo e amplo para os estudos de
obras do séculos XVI a XVIII nas ditas letras coloniais luso-brasileiras. Retomei a
pesquisa sobre Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, e encontrei autores que
tinham moldado uma nova visão sobre a poética do autor e seu período histórico. A
dissertação que apresento agora é tributária – felizmente – do tempo transcorrido entre a
primeira e a segunda versões deste trabalho. Tenho a meu favor a fidelidade ao tema de
Marília. No entanto, mesmo com o tempo dilatado entre a primeira versão e o trabalho que
ora apresento, recorro à benevolência do leitor para os limites e imprecisões deste estudo.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo estudar a figura de Marília na obra lírica Marília de
Dirceu, atribuída ao poeta luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Partindo
da hipótese de que ela é a força aglutinadora do poema, que consiste de duas partes,
publicadas em datas diferentes com o mesmo título, buscamos examinar como o discurso
do poeta modula a sua presença ou, dizendo de outro modo, como Marília se apresenta sob
múltiplas “facetas”.
No primeiro capítulo, efetuamos um estudo da trajetória crítica da obra, que se
consolidou no século XIX e se prolongou além da segunda metade do século XX, com seus
pressupostos biográficos, nacionalistas e psicológicos, abordando a obra como documento
histórico e expressão de sentimentos e emoções de seu autor. Ainda neste capítulo,
buscamos justificar a metodologia adotada, que entende o poema como um artefato
retórico, tributário das convenções poéticas e de gênero e do princípio da imitação Nesse
sentido, o poema de Gonzaga dialoga com a longa tradição da poesia bucólica e com as
demais formas poéticas vigentes na Europa do século XII ao XVIII.
No segundo capítulo, examinamos aspectos importantes da poética de Tomás
Antônio Gonzaga a partir da análise da lira I,1, que se pode considerar programático, ao
instituir os procedimentos retóricos do discurso do poeta em termos da invenção, da
elocução e da disposição. O estudo dessa lira permitiu investigar elementos recorrentes do
livro como um todo. Procuramos examinar elementos como a estrutura estrófica, a
extensão das liras, o metro, esquema rítmico, a escolha do léxico e a presença de lugares-
comuns que normatizam essa poesia e o papel da tópica pertinente ao gênero pastoral.
Na terceira parte, por fim, buscamos examinar as diversas figuras de Marília
conforme determinadas pela poética de Gonzaga. Em primeiro lugar, procuramos
contextualizar o nome da pastora em diversos poetas greco-latinos, quinhentistas,
seiscentistas e setecentistas, fazendo um estudo do nome que serviu à tradição do gênero
pastoral. A seguir, traçamos uma espécie de mapa da configuração de Marília na totalidade
do poema, demonstrando como as liras estão todas interligadas pela presença da pastora.
Em grande parte dos poemas, a persona poética dirige-se a ela explicitamente, atribuindo-
lhe o papel de interlocutora. Também serão examinadas outras representações da figura de
Marília: a personagem mitológica, a imagem de retrato e por fim uma espécie de
intermédio conciliatório a unir das duas partes de Marília de Dirceu. Investigando
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procedimentos poéticos, linguísticos e retóricos de que o poeta se vale, buscamos
compreender como essas diferentes facetas se articulam. Finalmente, procuramos
demonstrar como a presença de Marília unifica e dá coesão à obra, servindo como guia
para o poeta refazer seus temas e inserir a cena bucólica dentro do novo cenário da
masmorra.1
1
O termo figura será utilizado nesse trabalho em seu sentido corrente, significando “aspecto”, “feitio”,
“figuração”, “forma”, “imagem”, “faceta”. Os dicionários contemporâneos registram, entre outras, as
seguintes acepções para o termo figura: “forma exterior, o contorno externo de um corpo”; “configuração”;
“qualquer representação visual (esculpida, pintada, gravada etc.) de uma forma inspirada na realidade ou na
imaginação”; “imagem que ger. acompanha um texto; (mais us. no pl.) "ilustração, estampa, impressão
visual”; “imagem, figuração” fig. “imagem sem nitidez, forma apenas vislumbrada, entrevista”; “vulto”;
“representação simbólica de algo”; “imagem que remete a alguma coisa”; “símbolo, emblema, alegoria”;
fig “uma ideia, descrição etc. em destaque, em foco”; fig “personagem ou personalidade de importância”. Os
dicionários registram ainda acepções ligadas à Retórica (“todo recurso linguístico que, desviado de uma
norma linguística, cria efeitos de expressividade que revestem uma parte de um enunciado de realce,
contraste, sentimento”) e à Lógica (“cada uma das quatro formas possíveis de silogismo”). A sinonímia de
figura envolve os termos aspecto, aparência, apresentação, ar, compleição, configuração, conformação,
corpo, feitio, figuração, forma, presença, talhe. (In: Grande Dicionário Houaiss. Dicionário Houaiss de
Língua Portuguesa. Por Antônio Houaiss. Versão eletrônica.) O Dicionário Bluteau, editado em 1789,
registra acepções do termo figura bastante semelhantes aos dicionários contemporâneos. Vejamos:
"FIGURA, s. f. a fórma externa, a feição de qualquer coisa v. g. , hum vulto com figura humana. § Modo de
fallar diverso do usual, e regularmente sufficiente para declarar os conceitos, feito por motive de brevidade,
por energia, ou qualquer belleza, e adorno do discurso. § Pintura. § Symbolo, imagem significativa de coisa
futura v. g. , o maná era figura do pão celestial, que Christo nos deixou na Eucharistia. § Figuras, actores, e
actrizes. § Em figura, i. e. em acção, ou postura v. g. , pintão a Hercules em figura de receber sobre os
hombros o mundo. § Estar em boa, ou má figura, i. e. bom ou mao estado, e circunstancias. (In: Diccionario
da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de
Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. (Volume 1: A - K) Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira,
1789. P. 614/615.) Marcelo Lachat observa como o uso técnico do termo figura implica concepções retóricas
e teológicas bastante complexas, constituídas entre os antigos e no período medieval, que não serão tratados
neste trabalho. (Em comunicação oral, 18/12/2020.) A genealogia ou arqueologia do conceito de figura foi
bem explicitada por autores como Erich Auerbach e João Adolfo Hansen. “Originalmente, figura [...]
significava ‘forma plástica’ ”. Sua mais remota ocorrência está em Terêncio. [...] essa formação peculiar (da
palavra latina derivada diretamente da raiz, e não do supino) expressa algo vivo e dinâmico, incompleto e
lúdico, pois sem dúvida a palavra possui um som gracioso que fascinou muitos poetas.” (Auerbach, 1997, p.
13-14) O sentido de figura como conceito ligado à Retórica foi consolidados por Quintiliano. “Q. distingue
os tropos das figuras; o tropo é um conceito mais restrito, referindo-se ao uso de palavras e frases num
sentido que não é literal; a figura, por outro lado, é uma forma de discurso que se desvia do seu uso normal e
mais óbvio.” (Auerbach, 1997, p. 24.) Na teologia cristã, o termo figura pode ser compreendido como
“acontecimento profético”, como uma “prefiguração”. V. AUERBACH, E. Figura. Trad. Duda Machado.
Rev. da trad. José Marcos Macedo e Samuel Titan Jr. Pref. Modesto Carone. São Paulo: Ática, 1997 e
HANSEN, João Adolfo. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Atual, 1986.
O termo figura, no sentido lato, utilizado neste estudo, poderia ser substituído por “retrato” ou
“representação.” Neste sentido, a expressão figura de Marília poderia ser entendida como representação de
Marília ou imagem de Marília, ganhando assim em precisão. Evidentemente esse sentido relacionado à
visualidade é fundamental, mas se perdem as outras figurações de Marília que serão estudadas nessa
dissertação, como interlocutora, como um nome, como uma personagem e como intermédio conciliatório.
Optamos, portanto, por manter o sentido corrente, poético e abrangente de figura.
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A obra lírica de Tomás Antônio Gonzaga, bem como a figura de Marília de Dirceu
– central em sua poética –, conquistaram espaço importante na historiografia literária
brasileira. As liras atribuídas a Tomás Antônio Gonzaga foram publicadas em 1792
(Primeira Parte, pela Typografia Nunesiana, no Porto, assinada por T.A.G.2) e em 1799
(Primeira e Segunda Partes reunidas pela Oficina Nunesiana, em Lisboa, assinadas por
T.A.G.).3 As duas partes, juntas, constituem a obra que hoje se conhece como Marília de
Dirceu. Nas primeiras edições, observamos a seguinte disposição das liras:
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Gonzaga? Não há consenso entre os especialistas. Uma hipótese levantada pelo bibliófilo
Rubem Borba de Moraes sugere que os manuscritos teriam sido levados a Portugal pelo
primo do poeta, Tomé Joaquim Gonzaga.5 Por sua vez, o biógrafo Adelto Gonçalves
afirma que Gonzaga, antes de partir para o exílio, teria pedido ao intendente Pires Bandeira
que levasse para Lisboa a segunda parte de Marília de Dirceu. Bandeira estava no Rio de
Janeiro prestes a embarcar para Portugal, em 1789, nomeado desembargador da Relação do
Porto. 6
A atribuição da autoria de Marília de Dirceu foi um processo longo, pois novas
edições acrescentavam novas liras ou rearranjavam a ordem da composição.
Simultaneamente, surgiram edições falsas e anônimas da obra. Em 1800, foi publicada
versão apócrifa de uma pretensa terceira parte, pelo editor Bulhões, Lisboa (por T.A.G.),
escrita para aproveitar o sucesso de Gonzaga, contendo quinze liras e dois sonetos. O
prólogo desta obra comenta a necessidade de uma nova edição, tendo em vista a pronta
extração de quase dois mil exemplares da primeira e segunda partes das liras, em menos de
seis meses.
Em 1802, a Oficina Nunesiana, em Lisboa, publicou novamente a obra em duas
partes, obedecendo à ordem das edições princeps; porém, acrescentou cinco novas liras à
segunda parte, que completa assim 37 liras. Em 1810, foi publicada a primeira edição
brasileira, pela Imprensa Régia, no Rio de Janeiro, em três volumes, também com as
iniciais T.A.G. Considerada por alguns especialistas a primeira obra impressa no Brasil,7
esta edição de Marília de Dirceu incluía as duas primeiras partes, conforme as edições
princeps, e a terceira parte falsa publicada por Bulhões.
Em 1811, saiu a edição da Typografia Lacerdina, editada em Lisboa e também
assinada por T.A.G., considerada basilar pelo estudioso Rodrigues Lapa, e que serviu de
modelo para as numerosas edições subsequentes. A primeira parte contém 37 liras (as
quatro a mais seriam depois consideradas pertencentes a uma terceira parte verdadeira); a
segunda seção, 38 (isto é, acrescentou-se mais uma lira) e ainda um soneto. Esta edição
5
“Não me parece de todo foram de propósito aventar a hipótese desse primo de Tomás Antônio Gonzaga [o
poeta Tomé Joaquim Gonzaga] ser a pessoa que entregou ao livreiro Nunes os originais das duas primeiras
partes de Marília de Dirceu. Nem tão pouco o palpite que tenho de ser êle o verdadeiro autor da Terceira
Parte publicada em 1800 por Bulhões.” In MORAES, 1969, p. 180.
6
GONÇALVES, A. Gonzaga, um poeta do Iluminismo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 278.
7
As máquinas da oficina, que se tornaria a Imprensa Régia, foram trazidas ao Rio de Janeiro pelo príncipe
regente, depois D. João VI, em 1808. Em 1810, saem as edições de Marília de Dirceu, de Gonzaga e Ensaios
sobre a Crítica, de Pope; em 1811, é publicado Uraguai, de Basílio da Gama, e em 1818, Obras, de Virgílio,
e Obras poéticas, de Correa Garção. Cf. ARAÚJO, J. S. Livros e leituras no Brasil antes e depois de João VI.
UEFS, Revista Labirintos, n. 8, 2010.
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31
indica que a terceira parte publicada anteriormente era apócrifa (“escrita por pessoa de
nosso conhecimento”).
No ano seguinte, a Impressão Régia publicou uma terceira parte, esta considerada
verdadeira.8 Como teriam os editores conseguido os originais? Para Rodrigues Lapa, é
possível que “o espólio judicial, entregue em sacos cosidos e lacrados ao desembargador
Araújo Saldanha, em 1789, no ato do sequestro, fosse aproveitado nesta edição, como
pertença do Estado”.9 Apenas em 1845 a edição de Marília de Dirceu, pela Laemmert,
trouxe por extenso o nome do autor. É a primeira vez em que há um editor literário
explícito, J. M. Pereira da Silva, que preparou uma introdução de cunho histórico e
biográfico.
Em 1862, veio a público pela Livraria Garnier a edição de Joaquim Norberto, em
dois volumes. “Apesar dos equívocos e confusões, a edição mais importante realizada no
século XIX por um editor explícito”, segundo Alexandre Eulálio.10 Esta versão orientou as
edições posteriores até a publicação da edição de Rodrigues Lapa, em 1937, pela editora Sá
da Costa. Em 1910, o crítico José Veríssimo publicou a sua edição, também baseada em
Joaquim Norberto, porém mais bem cuidada do ponto de vista textual.
Na década de 1930 a bibliografia de Tomás Antônio Gonzaga mereceu ampla
revisão, com a publicação dos trabalhos de Oswaldo Mello Braga de Oliveira,11 Simões
dos Reis12 e outros estudiosos, tendo sido decisiva a contribuição de Emmanuel Gaudie
Ley, que produziu um catálogo para a Biblioteca Nacional, com as edições da biblioteca
em mãos. Ley restabeleceu os fatos, eliminou as edições imaginárias e produziu a primeira
bibliografia confiável de Marília de Dirceu, o que abriu caminho para que se estabelecesse
a edição crítica da obra.
Em 1937, Rodrigues Lapa publicou, pela Sá da Costa, em Lisboa, Marília de
Dirceu e mais poesias. O livro trazia as composições da primeira e da segunda partes,
conforme as edições princeps, com os cinco poemas adicionais na segunda parte, extraídos
8
Segundo Moraes, “esta primeira edição da 'verdadeira' Terceira Parte de Marília de Dirceu contém oito liras,
dezesseis sonetos e duas odes. As liras 1, 3, 7 e 8 já tinham sido publicadas na primeira parte da edição
Lacerdina em 1811. O soneto: ‘Obrei quanto o discurso me guiava’ também já tinha sido impresso nessa
edição. As demais poesias aparecem aqui pela primeira vez.” In MORAES, op. cit. p. 168.
9
LAPA, Rodrigues. Introdução. GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu e mais poesias. Pref. e
notas de M. Rodrigues Lapa. 2. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1944, In p. XXXIV-XXXV. GONZAGA.
10
EULÁLIO, Alexandre. Obra. In: GONZAGA, Tomás Antônio. Os melhores poemas de Tomás Antônio
Gonzaga. São Paulo: Global, 1983.
11
OLIVEIRA, Oswaldo Mello Braga de. As edições de “Marilia de Dirceu” – Bibliographia completa.
Rio de Janeiro: Benedicto de Souza, 1930. 58 p.
12
SIMÕES DOS REIS, Antonio. Notas Bibliograpbieas. 1. Gonzagucana . A Escragnolle. Doria). Jornal do
Commercio do Rio de Janeiro. 21 e 28 de outubro de 1934.
31
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da edição Lacerdina. Incluía, ainda, uma terceira parte, composta por 28 poemas,
reproduzindo a edição de 1812 da Impressão Régia, mais um inédito.13
Em 1957, o mesmo Rodrigues Lapa publicou a edição crítica das Obras completas
de Tomás Antônio Gonzaga I e II – Poesias – Cartas Chilenas – Tratado de Direito
Natural.14 A obra compreende, além de todos os versos que se podiam atribuir ao poeta e
que integram sua obra lírica, as Cartas chilenas, o Tratado sobre o Direito Natural, cartas
enviadas de seu exílio moçambicano, minutas autografadas por Gonzaga, além de
documentos como trechos do Auto da devassa. Observe-se que esses documentos
informam também sobre a trajetória do poeta e sua condição de homem letrado na América
portuguesa, contém ainda um estudo biográfico e inúmeras notas. Rodrigues Lapa publicou
as liras que compõem Marília de Dirceu em suposta ordem cronológica, juntamente com
outros poemas e renumerou-as sequencialmente de 1 a 94. Esse rearranjo desfez a ordem
tradicional das liras, presente nas edições anteriores – como se tirasse as estrelas de lugar e
as enfileirasse por ordem de tamanho.
Por ocasião do bicentenário de Marília de Dirceu, em 1972, a pesquisadora
Melânia Silva de Aguiar publicou uma versão com ilustrações de Guignard de Marília de
Dirceu e refez o arranjo tradicional das liras. A mesma disposição das liras figurou no
luxuoso volume lançado pela editora Nova Aguilar, A poesia dos inconfidentes, organizado
por Domício Proença Filho. Aguiar foi também responsável pela fixação do texto, que
eliminou da terceira parte dois sonetos que seriam de Cláudio Manuel da Costa, “Sombras
ilustres dos varões formosos” e “As moles asas a bater começa”. Esta edição da Nova
Aguilar, revista por Melânia Silva de Aguiar, restaurou parcialmente a ordem original das
liras para a Primeira e Segunda Partes. A Terceira Parte, nesta edição, compreende oito
liras, quatro sonetos, uma ode e ainda dois poemas apresentados apenas pelos títulos,
totalizando 25 poemas. As obras completas de Gonzaga compreendem, além de Marília de
Dirceu, Cartas Chilenas, dois poemas avulsos e o poema épico À Conceição.
13
Esse volume teve uma segunda edição em 1944 e uma terceira em 1961.
14
Em nota intitulada “Razões da presente edição”, o autor dá notícia de que a obra teve uma edição publicada
em 1942 com erros: “A edição que fizemos das ‘Obras Completas de Tomás Antônio Gonzaga’, em 1942,
em plena guerra, saiu com as imperfeições devidas a uma tão excepcional situação. Entre essas imperfeições
avultava sobretudo a caótica numeração das poesias, que, tendo submetido a um critério possivelmente
cronológico, apareciam agora na disposição antiga, mas numeradas à moderna. A incorporação de novos
materiais ao espólio tradicional de Gonzaga – referimo-nos sobretudo às composições da Parte III, de 1812, e
ao poema sôre a aclamação de D. Maria I – impôs naturalmente a necessidade de uma nova arrumação das
suas poesias e até de nova titulação. O melhor critério, quanto a nós, é o da seriação cronológica, que tem a
vantagem de conservar em geral a ordem antiga das Liras. A numeração seguida torna-se deste modo um
ponto de refêrencia mais cômodo e menos complicado.“. RODRIGUES LAPA, 1957, P. XXXVII.
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Quadro 1 – Cotejo de numeração das liras nas diferentes edições
A poesia dos inconfidentes (Ed. Nova Aguilar, 1996) – Parte 1
A
Primeiro poesia
verso dos Primeira edição Nº na1a ed.
inconfidentes (Ed.
I-1 Eu, Marília, não sou
Novaalgum vaqueiro,
Aguilar, 1996) Tipografia Nunesiana, 1792 1
I-2 Pintam, Marília, os Poetas Tipografia Nunesiana, 1792 2
I-3 De amar, minha Marília, a formosura Tipografia Nunesiana, 1792 3
I-4 Marília, teus olhos Tipografia Nunesiana, 1792 4
I-5 Acaso são estes Tipografia Nunesiana, 1792 5
I-6 Oh! quanto pode em nós a vária Estrela! Tipografia Nunesiana, 1792 6
I-7 Vou retratar a Marília, Tipografia Nunesiana, 1792 7
I-8 Marília, de que te queixas? Tipografia Nunesiana, 1792 8
I-9 Eu sou, gentil, Marília, eu sou cativo; Tipografia Nunesiana, 1792 9
I-10 Se existe um peito, Tipografia Nunesiana, 1792 10
I-11 Não toques, minha Musa, não, não toques Tipografia Nunesiana, 1792 11
I-12 Topei um dia Tipografia Nunesiana, 1792 12
I-13 Oh! quantos riscos, Tipografia Nunesiana, 1792 13
I-14 Minha bela Marília, tudo passa; Tipografia Nunesiana, 1792 14
I-15 A minha bela Marília Tipografia Nunesiana, 1792 15
I-16 Eu, Glauceste, não duvido Tipografia Nunesiana, 1792 16
I-17 Minha Marília, Tipografia Nunesiana, 1792 17
I-18 Não vês aquele velho respeitável, Tipografia Nunesiana, 1792 18
I-19 Enquanto pasta alegre o manso gado, Tipografia Nunesiana, 1792 19
I-20 Em uma frondosa Tipografia Nunesiana, 1792 20
I-21 Não sei, Marília, que tenho, Tipografia Nunesiana, 1792 21
I-22 Muito embora, Marília, muito embora Tipografia Nunesiana, 1792 22
I-23 Num sítio ameno, Tipografia Nunesiana, 1792 23
I-24 Encheu, minha Marília, o grande Jove Tipografia Nunesiana, 1792 24
I-25 O cego Cupido um dia Tipografia Nunesiana, 1792 25
I-26 O destro Cupido um dia Tipografia Nunesiana, 1792 26
I-27 Alexandre, Marília, qual o rio, Tipografia Nunesiana, 1792 27
I-28 Cupido, tirando Tipografia Nunesiana, 1792 28
I- 29 O tirano amor risonho Tipografia Nunesiana, 1792 29
I-30 Junto a uma clara fonte Tipografia Nunesiana, 1792 30
I-31 Minha Marília, Tipografia Nunesiana, 1792 31
I-32 Numa noite, sossegado, Tipografia Nunesiana, 1792 32
I-33 Pega na lira sonora, Tipografia Nunesiana, 1792 33
34
35
35
36
Além do chamado “problema das edições”, alguns outros fatores foram
responsáveis pela “tempestade perfeita” que se deu após a publicação da obra Marília de
Dirceu. A combinação de circunstâncias históricas, políticas, biográficas e literárias levou
a uma moldagem da recepção crítica da obra atribuída a Gonzaga e transportou seu suposto
autor a um lugar no imaginário popular que perdura ainda hoje. São imagens estereotipadas
dos “ternos versos de amor” do poeta apaixonado, afastado à força de sua amada, preso e
exilado por sua participação na Conjuração Mineira.
Uma imagem física do poeta consagrou-se: jovem, esguio, de longos cabelos
negros desgrenhados descendo pelas costas, com a camisa branca e uma pena na mão, que
conviria talvez ao poeta britânico Lord Byron (1788-1824). A representação que a história
conservou de Gonzaga foi publicada na edição de Joaquim Norberto, em 1862. A litografia
baseia-se num retrato a óleo de Maximiano Mafra (Tomás Gonzaga no cárcere), exposto
no salão de 1844 no Rio de Janeiro, que, segundo o pintor, tinha saído de sua imaginação
(Figura 2). Eduardo Frieiro contesta a veracidade desta imagem, afirmando que o poeta era
“loiro e cheio de corpo”15. Já no século XX, ilustrações a bico de pena, assinadas pelo
artista Seth, que compuseram a edição de O amor infeliz de Marília e Dirceu16, pretendiam
recontar a história do poeta e de sua infeliz Marília, que aparece em várias idades: jovem,
madura e idosa, como numa história em quadrinhos ambientada em Vila Rica.
A apropriação da figura do poeta passou do campo da imagem, da representação
física, para a materialidade do corpo de Gonzaga. Com o propósito de “reunir as cinzas dos
amantes que nem o tempo nem a morte poderiam separar”, o historiador e então ministro
Augusto de Lima Jr. encaminhou, em abril de 1936, carta ao presidente Getúlio Vargas
solicitando a repatriação dos despojos dos inconfidentes. O argumento final do autor para
tal pedido ao presidente é de conteúdo nacionalista e sentimental:
Vós, Sr. Dr. Getúlio Vargas, amigo dos escritores e dos artistas,
compreendereis a razão deste pedido que vos dirigimos e vossas próprias
mãos deverão depositar, na Sepultura n° 11 da Matriz de Antônio Dias, as
escassas cinzas que forem encontradas no chão da Sé de Moçambique. E
Deus Nosso Senhor há de permitir que, nesse dia, Dirceu e Marília
desçam aos céus de Ouro Preto, para abençoar o brasileiro ilustre que,
com sua autoridade, tornou possível o sonho do poeta: Depois que nos
ferir a mão da Morte/ Ou seja neste monte, ou noutra serra,´/Nossos
corpos terão, terão a sorte, / De consumir os dois a mesma terra’.17
15
FRIEIRO, Eduardo. 1981, p. 73.
16
LIMA JÚNIOR, Augusto de. O amor infeliz de Marília e Dirceu. Rio de Janeiro: A Noite, 1937.
13
LIMA JÚNIOR, op. cit, p. 15.
36
37
Mas o imbróglio não terminou aí. Os restos mortais ali depositados não seriam de
Gonzaga:
37
38
foi uma denúncia do trineto do poeta em 1955. A notícia chegou a
Portugal dois anos depois, quando foi publicada em um jornal do país.
(RESENDE, 1998)
E por tal forma temos esta convicção que ora mesmo não ousamos dar
um passo sem primeiro correr de novo os olhos pelas 38 lyras da 2ª parte.
Assim o acabámos de executar, e tal é a commoção de que nos sentimos
ainda possuidos que nos treme a mão ao escrever estas linhas. Estamos
profundamente convencidos de que Gonzaga foi martyr da prognosticada
sedição, e que até era a ella inteiramente alheio. Assim o protestou bem
solemnemente aos juizes, e com todo o vigor d 'alma o protesta nos seus
versos a si mesmo, á sua Marília, e ao mundo!21
Esse longo processo foi construído por historiadores, editores e críticos ao longo
do século XIX e foi paralelo à apropriação da obra, segundo critérios românticos
adaptados a um público leitor burguês. Conforme esclareceu o estudioso Joaci Furtado,
20
EULALIO, Alexandre. Biografia. In: GONZAGA, Tomás Antônio, op. cit.
21
VARNHAGEN, Francisco A. de. Florilégio da poesia brasileira. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1946, t. 2. p. 60.
22
FURTADO, Joaci F. Uma república de leitores: história e memória na recepção das Cartas chilenas
(1845-1989). São Paulo: Hucitec, 1997. p. 103.
38
39
23
“Gonzaga nos depoimentos de seus collegas de infortúnio foi mais ou menos poupado, e elle proprio negou
até a ultima que tivesse tomado parte na conjuração; assim o declarou aos juizes em suas poesias a Marilia.
Por taes motivos, Varnhagen é levado a crer que elle fosse estranho á Inconifidencia. Não é esta a verdade
que sahe dos factos; o insigne poeta não precisa dessa justificativa posthuma, falsa e insidiosa. Não ha razões
serias para arredar de sua fronte a aureola de patriota sanctificado pelo sofrimento”. In ROMERO, Sílvio.
História da literatura brasileira, 2ª edição melhorada pelo autor, t. 1. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902, p.
250.
24
Idem, ibidem.
39
40
acrescentando também ser “o seu bucolismo, postiço, importado, como ele o fora e sua
cultura”.25
Em 1935, o presidente Getúlio Vargas tomou posse na Academia Brasileira de
Letras, na cadeira que tinha como patrono Gonzaga. Seu discurso de posse enalteceu o
homem, partícipe da Inconfidência, e desmereceu o poeta:
25
Apud OLIVEIRA, Almir de. Gonzaga e a Inconfidência Mineira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985, p. 26-27.
26
OLIVEIRA, Almir de. Idem, ibidem, p. 32.
27
Sua filha Ana casou-se em segundas núpcias, em 1828, com Adolfo João Pinto de Magalhães, com quem
teve três filhos: Cândida Gonzaga Pinto de Magalhães, Tomás Antônio Gonzaga de Magalhães e Adolfo João
Pinto de Magalhães. Cândida e Adolfo João Adolfo Pinto deixaram descendência.
40
41
28
As nota publicadas na Gazeta de Lisboa, pelas edições de 1792 (1a parte) e 1799 (2a parte) foram
apontadas por LEY (1927, p. 425 e 429) : “Edição original das lyras de Thomaz Antonio Gonzaga, que por
muito tempo ficou inteiramente desconhecida dos bibliographos. embora seu aparecimento tivesse sido
noticiado na Gazeta de Lisboa, de 10 de Novembro de 1792, Segundo supplemento: ‘Sahio á luz : Marilia de
Dirceo, primeira parte das Poesias lyricas de T. A. G. — Vende-se por 240 reis na loja da Gazeta, e na do
Livreiro da Academia’ ”; “Da Gazeta de Lisboa, de 22 de Novembro de 1799, supplemento, extrahimos a
seguinte noticia referente a esta edição: ‘Sahio á luz: Marilia de Dirceo, obra Poética, que tem merecido
huma geral acceitação, 2 vol. de 8o, seu preço 480 reis. Achase na loja da Gazeta.’ “
29
Apud GONZAGUIANA, p. 422. Gaudie Ley se refere à afirmação de Francisco Adolfo Varnhagen, em
1850. Pode-se cogitar a hipótese de Varnhagen referir-se ao Camões de Almeida Garrett, obra publicada em
1825, que conseguiu também numerosas edições. De toda maneira, a formulação de Varnhagen foi depois
muitas vezes repetida, o que faz com que, por anacronismo crescente, torne-se cada vez mais imprecisa.
Joaquim Norberto repete em 1862 que “muitas edições conta o poema lírico de G.; é talvez depois de
Camões o poeta da língua portuguesa que se pode ufanar de tamanha honra” (op. cit. p. 7). Já no séc. XX,
Otto Maria Carpeaux reitera que “o grande número de edições permite afirmar que Gonzaga é, depois de
Camões, o poeta lírico mais lido da língua portuguesa” (CARPEAUX, Otto Maria. Pequena bibliografia
crítica da literatura brasileira, Rio de Janeiro, 1955, p. 55), no que foi secundado por Waltensir Dutra, para
quem “Gonzaga é o autor do livro de poemas mais lido na língua portuguesa, depois de Os lusíadas” (O
arcadismo na poesia lírica, épica e satírica. In COUTINHO, Afrânio (dir.), A literatura no Brasil, v. I, Rio de
Janeiro: Sul Americana, 1969, p. 324).
41
42
Eulálio.30 Uma nota assinada por Emílio Zaluar na Revista Popular, em 1862, atesta a
imensa penetração da obra, nos dois lados do Atlântico.
As queixas ingênuas e sentidas do poeta, que tantas vezes ouvi nos serões
de minha infância repetir na intimidade do lar, e aprendi de cor na idade
em que melhor começava a compreendê-las, vim escutá-las a duas mil
léguas de distância em todos os lábios brasileiros, como se a graciosa
religião da poesia fosse mais um laço de fraternidade para vincular os dois
povos (...).31
30
EULALIO, Alexandre. Verso e reverso de Gonzaga. Op. cit., p. 7. Algumas árias podem ser ouvidas em
gravação Marília de Dirceu. Ana Maria Keffer (voz), Gisela Nogueira (viola, guitarra) e Edelton Gloeden
(guitarra). Selo Tacape. Série Memória Música Minas Gerais. 1985.
31
ZALUAR, Emilio. Revista Popular. Rio de Janeiro, Garnier, abr.-jun. 1862. T. 14. Apud LEY, Emmanuel
Eduardo Gaudie. Gonzagueana da Biblioteca Nacional, op. cit. p. 446.
32
BLAKE, Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. p. 280.
28
Idem, ibidem.
42
43
34
JARDIM, Ana Cristina M. O mito de Marília de Dirceu – 1792 a 1889: aspectos da construção e da
apropriação de heróis românticos e o processo de formação da Nação Brasileira. Dissertação (Mestrado em
História), Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFOP, Mariana, 2014.
35
Os documentos consultados foram: a) seu registro de batismo; b) os Autos de Devassa da Inconfidência
Mineira; c) a entrada, profissão e expensa de Ministra da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro
Preto; d) o pedido de emancipação; e) as atas da Câmara Municipal de Ouro Preto com requerimento de
Maria Doroteia; f) o Testamento de Maria Doroteia e f) os jornais do Rio de Janeiro no século XIX. Segundo
JARDIM, 2014, p. 30.
36
“Maria Doroteia Joaquina de Seixas teve filhos? Bem, os que gostavam de zelar pela memória da musa de
Gonzaga não admitiam essa ideia e diziam que o filho atribuído a Marília, na realidade, era de sua irmã mais
nova, Emereciana, com o tenente-coronel Manoel Teixeira Queiroga. ‘Conta-se que, a fim de proteger o
nome da jovem – que dera à luz secretamente numa fazenda –, a família executou o plano de abandonar o
recém-nascido como enjeitado à porta de gente amiga, a fim de facilitar a adoção da criança por Marília.
Desse modo viveria Anacleto junto da tia e da mãe, ficando salvas as aparências. E assim foi feito” (Lúcia
M. de Almeida). Há os que não acreditavam em versões tão românticas e aceitavam o fato que Maria
Doroteia teve filhos. O viajante inglês Richard Burton registrou nos seus escritos sobre Ouro Preto as estórias
maledicentes que corriam na cidade sobre Marília: ‘três filhos louros, de olhos azuis, oriundos do
concubinato com um certo doutor Queiroga, ouvidor de Ouro Preto’”. O Jornal do Comércio, de 18/01/
1893, publicou o seguinte telegrama: ‘Ouro Preto, 17 de janeiro. Faleceu o major Pedro Queiroga, neto de
Marília de Dirceu, vítima de lesão cardíaca. Era oficial maior aposentado na Secretaria do Interior, dotado de
inteligência e por todos respeitado’. No diário de viagem de d. Pedro II, existe o seguinte relato: ‘19 de
abril... Segui até o chafariz da Ponte para ver a neta de Marília de Dirceu (sic), mulher de Carlos de Andrade,
que fica perto. Apareceu à janela. É elegante e graciosa, porém não é beleza, tem ares de inteligente’.” In:
Senac Minas Gerais. Descubra Minas. 2019. Acesso em: out. 2019.
43
44
A construção do mito Marília de Marília de Dirceu seguiu um roteiro próprio, em
que historiadores se basearam numa figura idealizada que extraíram dos poemas – a noiva
casta e belíssima que, separada brutalmente de seu amado, por ele suspirou até o fim de
seus dias. O papel atribuído a Doroteia de Seixas no processo de construção da imagem
dos heróis que viveram no século XVIII e na conformação da identidade e da
nacionalidade brasileira está ligado ao papel atribuído a Tomás Antônio Gonzaga. Não se
trata, porém, da personagem histórica, mas de uma figura literária, cunhada pela obra
lírica:
37
JARDIM, Ana Cristina M., op. cit. p.134.
38
SILVA, Joaquim Norberto de S. Brasileiras célebres. Reed. Brasília: Senado Federal, 2004. A primeira
edição foi publicada em 1945.
39
“Pôde dona Maria Joaquina Doroteia de Seixas sobreviver-lhe por tanto tempo, esquecida do mundo, e
tão-somente alimentada de saudades; mas a vida, que ao cabo tornou-se-lhe octogenária, assaz concorreu
para que se visse cercada de admiração; traíram-na a publicação daquelas tão lidas e delicadas liras, de que
foi tão condigno assunto. Proclamada bela e formosa, cantado por um poeta, que se tornara eminentemente
célebre pelo infortúnio do seu exílio, ela viu todos esses louvores, que quase sempre têm um não-sei-quê de
exagerados, derramados às mãos cheias pelo seu tão afamado livro, traduzido nas principais línguas deste
século”.
40
Rio de Janeiro, J. E. S. Cabral, 1845. A segunda edição foi publicada em 1862.
44
45
DIRCEU DE MARÍLIA
Sabe-se que Doroteia de Seixas jamais foi consultada por historiadores e nunca
houve registro de que tenha feito qualquer manifestação ou aparição pública, embora
estivesse viva durante boa parte do processo de construção do mito ‘Marília de Dirceu’. O
papel mítico da personagem histórica é assim compreendido por Ana Jardim:
41
JARDIM, Ana Cristina M., op. cit. p. 134.
42
As afirmações que o antropólogo inglês Richard Burton fez ao registrar sua passagem por Ouro Preto e que
motivaram o desagravo de Brandão reportam-se à suposta conduta moral de Doroteia de Seixas, após a prisão
de Gonzaga: “Infelizmente para o romance, Heloísa foi infidelíssima a Abelardo, como Abelardo foi infiel à
Heloísa. Os amantes que a ‘morte não poderia separar’ e cujos protestos de constância escritos foram
inúmeros, separaram-se depois da descoberta da rebelião; isso é facilmente explicável: entre os inconfidentes,
45
46
publica em 1932 um livro denominado Marília de Dirceu. Neste volume, o autor reafirma
a beleza e a castidade da parenta, mantidas até seu último dia, o que comprova a
longevidade do mito de Marília:
falara-se sobre a necessidade de remover-se a cabeça do enérgico ajudante de ordens. Os dois tiveram,
contudo, licença de se despedirem para sempre – e a cena foi dolorosa, segundo dizem. E ambos fizeram o
diabo, depois disso. Um certo Dr. Queiroga, ouvidor de Ouro Preto, teve a honra de suplantar o poeta
Gonzaga, mas não com ternura legalizada. Dele, D. Maria Dirceu, como era chamada, teve três filhos: Dr.
(M.A.) Anacleto Teixeira de Queiroga, D. Maria Joaquina e D. Doroteia, todos de olhos azuis e cabelos
louros. Em Ouro Preto, ela é hoje conhecida como a Mãe do Dr. Queiroga”. In: BURTON, Richard F.
Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Trad. David Jardim Jr. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976 (1ª ed. 1869).
38
Apud JARDIM, op. cit., p. 71.
46
47
44
FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego; Como era Gonzaga? e outros temas mineiros. São
Paulo: Edusp, 1981, p. 92
47
48
Camilo Castelo Branco chegou a chamar as liras de Gonzaga de “um ramalhete seco de
frivolidades”.45
A apreciação de Gonzaga feita pelo historiador francês Ferdinand Denis, em 1826,
é exemplar: “Les poésies de Gonzaga se distinguent surtout par la naïveté, par la grâce de
l’expression, par le charme attaché aux plaintes sincères d'un coeur aimant”46 [Distinguem-
se as poesias de Gonzaga, antes de tudo, pela ingenuidade, pela graça de expressão, pelo
encanto inerente aos queixumes sinceros do coração enamorado”]47. Depois de elogiar a
obra, Denis faz as restrições que se tornariam praticamente consensuais em nossa história
literária:
45
BRANCO. Camilo C. Curso de literatura portuguesa. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Cia.,
1876, p. 250.
46
DENIS, Ferdinand. Résumé de l'histoire littéraire du Brèsil. Paris, 1826, ch. V, p. 568. Apud NORBERTO,
Joaquim. Marília de Dirceu. Liras de Tomás Antônio Gonzaga, precedidas de uma notícia biográfica e do
juízo crítico de autores estrangeiros e nacionais, e das liras escritas em resposta às suas e acompanhadas de
documentos históricos. Rio de Janeiro, Garnier, 1862, v. I, p. 21.
47
Trad. Guilhermino César, in Ivan Teixeira, Revista USP, n. 57, 2003, p. 147.
48
DENIS, op. cit., p. 21
49
Trad. Guilhermino César, in Ivan Teixeira, Revista USP, n. 57, 2003, p. 147.
50
GARRET, Almeida. Bosquejo da história da poesia e língua portuguesa. Parnaso Lusitano. Paris, 1826. T.
I. p. 46. Apud SILVA, op. cit, p. 22.
48
49
49
50
com a Inconfidência Mineira, lançando nova luz sobre o papel dos poetas que nela
estiveram envolvidos.
O estabelecimento do texto do poema épico À Conceição, atribuído a Gonzaga em
seu período moçambicano, recebeu uma cuidada edição de Ronald Polito de Oliveira em
1995, o que abriu também novas possibilidades de compreensão para a obra do poeta.
Além disso, Polito sumarizou as minuciosas pesquisas comparativas sobre a linguagem e a
poética de Gonzaga empreendidas por Rodrigues Lapa, Manuel Bandeira e Afonso Pena
Júnior, o que resultou em fonte importante para o estudo do texto de Marília de Dirceu.
O abrangente estudo de Joaci Furtado, Uma república de leitores, publicado em
1997, em que o autor faz um retrospecto histórico sobre a recepção crítica das Cartas
chilenas, também representou uma valiosa contribuição para os estudos gonzaguianos. O
trabalho Um coração maior que o mundo: Tomás Antônio Gonzaga e o horizonte luso-
colonial, de 2004, também de Ronald Polito, empreendeu uma análise de conjunto dos
textos de Gonzaga, buscando precisar uma relação entre eles, e extrair ideias e formas
veiculadas nos textos. O autor discute concepções teológicas, políticas e sociais presentes
nas obras Tratado de direito natural, Cartas chilenas e Marília de Dirceu.
Aos poucos, estudos críticos começam a deslindar uma imagem mais completa e
complexa do poeta Tomás Antônio Gonzaga, como um poeta luso-brasileiro-moçambicano
que se expressou em gêneros diversos, nas poesias lírica, épica e satírica. Para muitos
estudiosos, entretanto, a viga mestra para a compreensão das liras de Gonzaga continua
sendo o pressuposto biográfico – noivado desfeito e prisão injusta –, que fez coincidir vida
e obra. A “emoção sincera e autêntica” parece ser ainda condição sine qua non para a
análise crítica e a interpretação de Marília de Dirceu.
50
51
55
HANSEN, João Adolfo. As liras de Gonzaga entre retórica e valor de troca. Revista Via Atlântica, n. 1,
mar. 1997, p. 42.
51
FURTADO, Joaci P. A sorte deste mundo: percursos de Marília de Dirceu no século XIX. Literatura:
teoria e prática, v. 36, n. 72., 2018.
51
52
52
53
53
54
54
55
2. 1. Figura e fundo
55
56
Vale mais que um rebanho, e mais que um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
A lira I, 1, que passamos a analisar, tem uma estrutura estrófica, assim como todas
as demais de Marília de Dirceu. A estrofe é desenhada com um determinado número de
59
Na edição Aguilar, sol, na edição princeps, Sol.
60
Na edição Aguilar, Glória, na edição princeps, glória.
61
Na edição Aguilar, amor, na edição princeps, Amor.
56
57
A mescla entre versos heroicos e sáficos, que se reproduz nas outras estrofes desta
mesma lira (apenas arranjada de modo diferenciado), não é suficiente para elucidar o
intenso colorido rítmico da poética de Gonzaga. Uma análise mais minuciosa desta
primeira estrofe mostra como o poeta não se vale de um padrão rítmico uniforme, mas cria
cadências variadas e inesperadas, utilizando-se dos acentos secundários em seus versos.
Embora possa ser lido como um decassílabo heroico, temos de reconhecer um rimo mais
lento no primeiro verso, causado por acentos secundários na primeira e terceira sílabas:
57
58
Que viva de guardar alheio gado;
O quinto verso, também um decassílabo heroico, tem, por sua vez, acentuação
secundária na terceira sílaba.
Podemos ressaltar nesse caso, entretanto, que os termos, por estarem isolados
entre vírgulas, fazem saltar todas as sílabas tônicas.
58
59
59
60
Segue-se a descrição da persona poética. A abertura sugere explicitude no uso da
ordem direta e na simplicidade dos vocábulos adotados; no entanto a argumentação utiliza
uma litotes: o pastor define-se pelo negativo.62 De que caracterização afasta-se o eu
poético? Do pastor de baixa extração social (guardador de gado alheio), não cultivado (de
tosco trato, grosseiro de expressões) e de aparência rústica, envelhecido (queimado dos
frios gelos e dos sóis). Posição social, refinamento no trato e boa aparência/jovialidade são,
nesta ordem e por contraste, sugeridos. Esta caracterização pelo negativo cria como pano
de fundo a figura do rústico pastor vivendo em seu próprio ambiente, o que ao mesmo
tempo introduz o universo da alegoria pastoril e valoriza os dotes com que o poeta se
apresenta. Os versos seguintes afirmam, em paralelismo, o que foi apenas sugerido nos
primeiros versos:
62
A descrição pelo negativo está presente nas Metamorfoses, do poeta latino Ovídio, como observou João
Angelo Oliva Neto (Informação verbal, 29/03/2019)). Após ter vencido a serpente Píton, Apolo, que
anteriormente se dedicava ao pastoreio, jacta-se perante Cupido e, com soberba, afirma sua superioridade.
Cupido, tomado de ira, lança duas flechas, a primeiro com um dardo dourado que atrai amor e a outra com
um dardo de chumbo, que o afugenta, fazendo com que Febo persiga a ninfa Dafne e que esta sempre lhe
fuja. No poema latino, Apolo se descreve deste modo para sua amada, primeiramente afirmando aquilo que
não é, um rústico guardador de gado, para depois valorizar ainda mais suas qualidades de semideus, mestre
nas artes divinatórias, músico e inventor da medicina.
Pergunte a quem te apraz; eu não habito em montes,
não sou pastor, não sou um rude guardador
de rebanhos e reses. Não sabes de quem
foges, por isso, insana, foges. Sou senhor 515
de Delfos e de Claros, de Tenedo e Pátara.
Júpiter é meu pai; o futuro, o passado
e o presente desvelo. Ajusto o verso às cordas.
Certeira é minha flecha, mas uma mais certa
encheu meu peito ainda vago de feridas. 520
Medicina inventei, chamam-me salutar
em todo o orbe e tenho poder sobre as ervas.
Ai de mim, o amor não se cura com as ervas,
e estas artes a todos úteis não me valem”.
OVÍDIO, Metamorfoses, Livro I, vv. 512-524. Trad. Raimundo Nonato de Carvalho. In: CARVALHO,
Raimundo N. de. Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e Vernáculas da
FFLC da USP. Supervisão: Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto. São Paulo, 2010. Metamorfoses em tradução.
p. 54.
60
61
O nome de Marília, agora já acrescido de seu epíteto (Marília bela), une-se à sorte e
ao destino da persona poética. Novamente aqui a intercalação do vocativo retarda e
valoriza a informação, que é ainda enfatizada pelo emprego da forma exclamativa. A
repetição do estribilho ao final de cada estrofe, bem como a recorrência ao nome de
Marília servem também para dar unidade aos muitos afetos figurados no poema. Apesar de
as estrofes serem formalmente homogêneas do ponto de vista rítmico, métrico e estrófico,
são muito variadas entre si na expressão, construindo o movimento da totalidade da lira.
A segunda estrofe parece estender a autodescrição da persona poética.
61
62
A presença dos outros pastores será suplantada, a seguir, pela presença de Alceste:
62
63
o futuro, para um terreno idílico, a harmonia total: o afeto de Marília cobrindo toda a
extensão das características do pastor, das suas cercanias.
As marcas da fatura árcade (a vida rural, a sanfoninha, a presença dos pastores)
são finalmente enfeixados em Marília. Apenas neste momento Marília passa a ter uma
relação de proximidade com o poeta, passa de interlocutora contemplativa à presença
invocada. Há um procedimento gradativo de aproximações em que o vocativo passa de
“Marília” à “Marília bela” até se transformar em “gentil pastora”. Marília passa a ser dona
do poeta e de seus bens. Destinatária e persona poética agora harmonizam-se, ambos
ocupando o espaço poético: pastor e pastora formam um par e o afeto da gentil pastora
corresponde ao perfil do pastor que se exibe e se declara. Os versos seguintes matizam o
que já foi enunciado:
63
João Adolfo Hansen observa como, nesse sentido, a persona poética aquilata Marília junto a seus
pertences, colocando-a em um dos pratos da balança. (Comunicação oral, 18/12/2020)
63
64
Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Nesta quarta estrofe, que ocupa um lugar central na lira, e pode ser considerada
uma transição entre a primeira e a segunda partes da lira, o poeta põe-se a pintar Marília, a
descrever sua aparência. Aparentemente, devido ao emprego da segunda pessoa do
discurso, a voz é emprestada à interlocutora. Marília, no entanto, não é o sujeito do
enunciado. No lugar de um possível tu, o sujeito das orações transforma-se em “teus
olhos”, “teus cabelos”, “teu lindo corpo”. Marília é descrita metonimicamente. De
personagem a habitar a cena pastoril em condições de igualdade com o poeta-pastor,
Marília aparece agora com o perfil estático da efígie. Marília será pintada como um retrato,
numa sensualidade contemplativa, composta de luzes, cores e aromas.
O pintor obedece a um ordenamento na pintura do retrato da amada: inicia com a
descrição dos olhos; a seguir, pinta as faces em termos de textura e cor, para depois
emoldurá-las com os cabelos. Só então fará surgir o retrato de corpo inteiro. O branco, o
rosa e o dourado serão sobrepostos à luminosidade absoluta de seu olhar. O conjunto é
completado com os bálsamos vaporosos.
Os termos da comparação são tomados, simultaneamente, da natureza e da
convenção poética. Sol, flores, neve e ouro são metáforas simples, que possuem poder de
concretude muito grande, mas ao mesmo tempo apontam para uma elevação. A descrição
deste retrato convencional contrasta vivamente com a descrição que o poeta fizera de si
mesmo nas estrofes anteriores. A figura do proprietário, que alimenta-se de fruta, legumes,
vinho e azeite e veste finas lãs, travestido de pastor que toca sanfoninha tão bem que causa
inveja a seus companheiros, contrasta com essa figura idealizada de Marília. 64
O prosaísmo com que o eu poético se descreve difere muito da elevação e da
distância com que a figura de Marília é pintada: como um retrato poético, um tesouro
criado por seu autor para a glória do amor. O cantor que “concerta a voz celeste” pinta
agora com sua pena a figura de Marília, muito distante aqui daquela gentil pastora que
poderia ser sua senhora.65
64
João Adolfo Hansen comenta como a condição de proprietário é explicitada por Gonzaga, o que seria um
traço novo de sua poesia, regrada nas convenções poéticas. Tratar de temas pecuniários cabia, em sua época,
a personagens da comédia, ou seja, personagens vulgares. Gonzaga ousa ainda, nesta lira, ao colocar em um
dos pratos da balança o valor de Marília e no outro seus bens. (Informação verbal em arguição, 18/12/2020)
65
Pereira da Silva compara essa descrição de Marília à descrição de Laura por Petrarca: “O fiamma, o rose
sparse in dolce falda/ Di viva neve, in ch'io mi specchio e tergo/ O piacer, onde l’ ali al bel viso ergo/ Che
luce sovra quanti il sol ne scalda”. In: SILVA, J. M. Pereira da, Introdução à Marília de Dirceu. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1845. p. XXIII.
64
65
65
66
O poeta desprende-se de seus afazeres e necessidades mundanas (“já destes bens,
Marília, não preciso“) e de sua humana condição (“nem me cega a paixão/que o mundo
66
arrasta”) para aproximar-se de Marília, cujo nome é duas vezes evocado. A figura
estática anima-se de vida: ri e move os olhos. Podemos considerar aqui a figuração de uma
Marília que se comporta como personagem: pela primeira vez no poema, embora ainda no
campo hipotético, ela é o sujeito de ações concretas.
Na estrofe seguinte, o eu poético, então projetado para o terreno idílico, é
novamente o pastor, agora totalmente desvinculado de suas singularidades. Marília cria
vida e aproxima-se do pastor, cúmplice, plenamente à vontade em suas roupas de pastora.
66
Conforme lembra João Angelo Oliva Neto, pode-se mencionar aqui um repto do poeta latino Tibulo, na
imagem da “cega paixão que o mundo arrasta” e das catástrofes que podem ocorrer enquanto o poeta se
encontra no regaço da amada. (Informação oral, exame de qualificação, 29.03.2019.)
66
67
Se na estrofe anterior o epigrama era apenas sugerido, agora suas palavras são
reproduzidas para o leitor. A leitura da inscrição na campa compõe novamente uma cena
pastoril, que enfeixa a anterior, descrita na sexta estrofe. Se na cena anterior se adivinhava
a posteridade dos louvores de Marília no tronco onde o pastor os gravara, aqui ela se
consuma na inscrição na lápide. As personagens, cuja concretude até há um minuto nos
encantara, dissolvem-se e adquirem exemplaridade, tornando-se paradigma da felicidade
no amor. Há uma recuperação do emparelhamento inicial do primeiro verso: eu e Marília,
unidos para sempre pela fantasia do poeta, convertem-se em “estes”. A resolução,
inesperada, cristaliza todo o discurso do poema em dois versos. O movimento e as tensões
vividas pelas relações entre o eu poético e Marília são convertidos em epigrama que os
imobiliza no tempo. Outros pastores lerão os amores de Marília e Dirceu, na posteridade,
sorrirão e seguirão caminho. Os dois últimos versos rematam as volutas vivenciadas pelo
leitor no transcorrer do poema. Este converte-se também num pastor-leitor. O poema
encerra-se placidamente.
67
68
67
João Adolfo Hansen comenta o uso dos símiles em artigo: “A recusa do conceito engenhoso ou da agudeza
conceptista, ou seja, a recusa da metáfora como base do conceito, é evidenciada na poesia árcade na
preferência estatística pela comparação (...) que é explicitamente lógica: Marília é como (e não Marília é...).
Esse procedimento poderia ser tomado como um índice geral dessa poesia, porque pode significar, como
também já se viu, que ela já aparece como que descolada do pensamento neoescolástico e corporativista que
fundamentava as agudezas no século XVII, em Portugal e no Brasil”. HANSEN, João Adolfo. As liras de
Gonzaga: entre retórica e valor de troca. Via Atlântica, n. 1, 1997, p. 48.
68
VERNEY, L. A. Verdadeiro método de estudar. Valença [Nápoles]: Oficina de Antônio Balle, Tipografia
Mutina, imp. 1746.
68
69
69
70
Quadro 3 – Relação entre a extensão dos períodos gramaticais e a quantidade de versos na lira I,1.
Estrofe 1 4 versos
4 versos
1 verso
1 verso
Estrofe 2 4 versos
4 versos
1 verso
1 verso
Estrofe 3 4 versos
4 versos
1 verso
1 verso
Estrofe 4 4 versos
2 versos
2 versos
1 verso
Estrofe 5 4 versos
4 versos
1 verso
1 verso
Estrofe 6 8 versos
1 verso
1 verso
Estrofe 7 4 versos
4 versos
1 verso
1 verso
70
71
Observamos que a disposição dos períodos nos versos obedece a um padrão, que é
seguido nas estrofes 1, 2, 3, 5 e 7. Nesses casos, o corpo do poema está dividido em dois
períodos que ocupam quatro versos cada, seguido pelo estribilho, formado por duas
orações distintas. Nas estrofes que não seguem este padrão, observamos uma clara
motivação temática, a saber: na estrofe 3, em que o poeta pinta o retrato de Marília, a
divisão sintática do corpo do poema se faz em função da distribuição dos assuntos (um
período ocupando quatro versos trata dos olhos e da cor da face de Marília; um segundo
período ocupando dois versos trata dos cabelos e dos bálsamos que emanam do corpo da
pastora e um último período ocupando dois versos enaltece os atributos de Marília como
tesouro celeste). Na estrofe 6, um único período compreendendo oito versos no corpo do
poema contém uma sequência de cenas pastoris.
Num estudo sobre Gonzaga, ao lembrar da poesia de Guarini, o estudioso João
Adolfo Hansen elenca as características próprias dessa “poesia que se dá como efeito de
falta de efeito, como simplicidade e naturalidade”.69
Em termos formais, a análise da lira I,1 põe em relevo um traço comum aos poemas
de Marília de Dirceu: a construção estrófica. Gonzaga não adotou formas fixas, como fez
Claudio Manuel da Costa com o soneto,70 mas plasmou uma forma poética que tem seu
núcleo na estrofe. Trata-se de uma escolha adequada tanto à variedade como à
69
HANSEN, João Adolfo. As liras de Gonzaga: entre retórica e valor de troca. Revista Via Atlântica, n. 1,
mar. 1997.
70
Hélio Lopes aponta a rigorosa obediência a uma mesma estrutura poética em Cláudio Manuel da Costa. Ao
seguir a clássica padronização petrarquiana na distribuição rítmica dos quartetos e dos tercetos
(abba/abba/cdc/cdc), “falta à poesia de Cláudio o ritmo leve das redondilhas maiores tão queridas à lírica
portuguesa” e abundantemente empregadas por Gonzaga. Os períodos longos de Cláudio, como orações
subordinadas e sintaxe que formula o raciocínio, contrastam com a simplicidade de expressão de Gonzaga,
ligeiro ao vazar seus versos em estrofes que apresentam grande variedade métrica e rítmica. LOPES, Hélio.
Cláudio, o lírico de Nise. São Paulo: Editora Fernando Pessoa, 1974. P. 189 e 191.
71
72
simplicidade do discurso gonzaguiano. A estrofe modelada pelo poeta pode ser analisada
pelo uso do metro, da rima, das pausas sintáticas e dos estribilhos.
O quadro a seguir apresenta uma visão geral das liras de Gonzaga da primeira parte
quanto à estrofe. A primeira coluna fornece o número da lira; a segunda, o número de
estrofes que a compõem; a terceira apresenta as medidas dos versos (número de sílabas
poéticas) que formam a estrofe; a quarta coluna mostra o esquema de rimas; e a última, o
número de versos na estrofe.71
71
Ver ALI, Manoel Said. Versificação portuguesa. Prefácio de Manuel Bandeira. São Paulo: Edusp, 1999.
BANDEIRA, Manuel. “Versificação em língua portuguesa”, in Enciclopédia Delta-Larousse, v. 6; Rio de
Janeiro: Delta, 1964. MATTOSO, Glauco. O sexo do verso: machismo e feminismo na regra da poesia. S/l:
s/ed., 2010.
72
73
I-20 5 5 abc/dbc 6
I-21 5 7 abcb/ddefeg//hg 12
I-22 7 10/6 abcb 4
I-23 10 4 abcb 4
I-24 6 10/6 abcdc/efe 8
I-25 14 7 abbc/dec 7
I-26 4 7 abcb 4
I-27 7 10/6 abcbc/ded 8
I-28 7 5 abcb 4
I-29 9 7 abccb 5
I-30 4 7 abcb 4
I-31 9 4 abbc/deec/fgc 11
I-32 12 7 abcb 4
I-33 9 7/4 abcd/bd//efgf 10
73
74
Levantamento semelhante foi realizado nas liras da segunda parte de Marília de Dirceu.
74
75
75
76
A lira mais breve é formada por quatro estrofes de quatro versos, num total de 16
versos (Lira I, 26); e a mais extensa, por 13 estrofes de nove versos, num total de 117
versos (Lira I,13). O molde prevalente são as quadras (têm a extensão de quatro versos) –
15 liras, seguidas por sextilhas (estrofes de seis versos) e septilhas (estrofes de sete versos),
com 11 ocorrências cada. Em menor número, temos as oitavas (estrofes de oito versos),
com oito ocorrências, nonas (estrofes de nove versos), com sete ocorrências e as décimas
(estrofes de 10 versos), com seis ocorrências. A seguir, pode-se mencionar uma estrofe
irregular de 12 versos, com cinco ocorrências e as quintilhas (versos de cinco sílabas), com
quatro ocorrências. Há ainda a presença de outras estrofes irregulares (duas liras de 11
versos e uma lira de 13 versos), além de um terceto (estrofe de três versos). As liras,
mesmo extensas, não perdem a unidade formal, pois cada uma é composta por um
determinado número de estrofes rigorosamente iguais quanto ao número de versos, à
metrificação e ao emprego de rimas.
A singularidade da forma poética de Marília de Dirceu vale a observação de que
“na literatura de língua portuguesa, o nome lira é usado praticamente só para os poemas
líricos de Tomás Antônio Gonzaga”,72 embora seja relevante mencionar a Lira dos vinte
anos, de Álvares de Azevedo (obra também estruturada em duas partes, vale lembrar).
A precisão, a elegância da pena gonzaguiana e seu domínio do fazer poético são
unanimidade entre todos quantos leram seus versos. Escritos a um tempo em que a poesia e
suas regras de composição eram patrimônio comum, depurados da leitura e releitura dos
clássicos, os versos de Gonzaga apresentam desenvoltura.
Fernando Cristóvão refere a
Há autores que aproximam a forma poética de Gonzaga com a ode. Num dos
trechos dos Autos da Devassa, em depoimento atribuído ao próprio poeta, lê-se que
Gonzaga teria dito que “tão tranquilo estava que ia fazer uma ode”.73 A formulação
estrófica seguindo variados padrões métricos e rítmicos, a contida elegância e o decoro da
linguagem sugerem uma aproximação com a ode. “Gonzaga deu admirável plasticidade à
72
RODRIGUES, Antônio Medina. Literatura Portuguesa. Ensino Médio. São Paulo: Anglo Sistema de
Ensino, 2010. p. 56-57.
73
Autos da Devassa. Apud CANDIDO, 1970, p. 114.
76
77
ode”, resume Antônio Candido.74 É conhecida a imitação que a lira I,20 faz de uma ode de
Anacreonte.75
Em uma frondosa
Roseira se abria
Um negro botão.
Marília adorada
O pé lhe torcia
Com a branca mão.
74
CANDIDO, 1970, p. 109.
75
Ao arrolar as obras de autores franceses que constavam da livraria do conjurado Cônego Luís Vieira da
Silva (a maior biblioteca da época em Minas Gerais, arrolada no Autos da Devassa), Eduardo Frieiro
menciona uma tradução francesa de Anacreonte, sem especificar quem seria o tradutor: In: FRIEIRO,
Eduardo. O diabo na livraria do cônego. 2. edição revista e aumentada. São Paulo: Editora Itatiaia/Edusp,
1981. p. 30. A biblioteca do cônego consistia de 270 obras com cerca de oitocentos volumes.
77
78
O amor e a abelha
Amor um dia
rosas colhia;
não atentava
que uma ocultava
o leve insecto
que suga o mel.
Trépida zune
a abelha, e pune
co'o vivo espinho
o alvo dedinho
d’esse indiscreto,
com dor cruel.
Amor, gritando,
parte chorando,
vôa ao materno
Regaço terno,
e alça, mesquinho,
querella tal:
“Ó mãi, socorro!
“Vale-me! eu morro!...
“Vê! Vê! que dôres!
“N’aquelas flores
“um dragãozinho
“me fez o mal;
“ – Se uma abelhinha
“tal dor te excita, –
diz Venus: – “pensa
“que dor intensa
“dão a quem ama
“farpões de amor.
(A lyrica de Anacreonte. Trad. Antônio Feliciano de Castilho)76
A emulação dos bons autores é patente. Correia Garção77 pontua que “o poeta que
não seguir os Antigos, perderá de todo o norte”. Francisco José Freire, o Cândido Lusitano,
explica, em sua Arte poética, o valor da emulação:
76
A lyrica de Anacreonte. Trad. Antônio Feliciano de Castilho. Paris: Typografia de Ad. Lainét et J. Havard,
1866. p. 31-32.
77
Obras completas, vol. II, p. 135.
78
79
A lira I, 22 traz a versão de Gonzaga para essa passagem de Horácio a que se refere
o preceptista.
Nas Cartas chilenas, anotamos uma referência a Virgílio, Camões e Tasso como
leituras do personagem Dirceu:
78
Op. cit., p. 22-29.
79
80
O crítico Alexandre Eulálio, ao comentar a relação de Gonzaga com os poetas que
o antecederam, afirma que
Uma outra característica que não passou despercebida aos estudiosos que se
debruçaram sobre a lírica de Gonzaga é o traço popular de seus versos. Esta é a opinião de
Luis de Sousa Rabelo:
Pela sua variedade estrófica, dos versos curtos, com rimas e estribilhos,
pela simplicidade genuína do sentimento, esta obra afunda as suas raízes
na tradição do lirismo popular e dos cancioneiros medievais.79
José Veríssimo lembra como Gonzaga deu às suas liras “as formas das canções
italianas e também da redondilha portuguesa”.80 Teófilo Braga recorre a um dado
biográfico para enfatizar o aspecto melodioso dos versos do poeta, ao afirmar que o fato de
Gonzaga ter passado a infância na Bahia “não deixou de influir na forma poética das liras
suscitada pelo tom das modinhas baianas”.81 De toda forma, “das nossas tradições poéticas
nacionais, da nossa poesia popular, da modinha, em suma, viria a Gonzaga o que de
inspiração popular há em sua poesia”, defende Veríssimo82
Quanto à métrica dos versos, observa-se que Gonzaga se vale de cinco medidas
diferentes, que contemplam as suas liras: versos de quatro sílabas, de cinco sílabas
(redondilha menor), de seis sílabas, de sete sílabas (redondilha maior) e decassílabos. O
engenho de Gonzaga manifesta-se tanto no manejo do verso curto, sincopado, quanto no
do verso mais longo. Das 71 liras de Gonzaga, um grande número de liras apresenta versos
de mesma medida (26 liras). As estrofes monométricas são compostas por versos de 10, 7,
79
Luis de Sousa Rebelo. Verbete “Marília de Dirceu”. In: Coelho, Jacinto do Prado (org.). Op. cit. p. 609.
80
VERÍSSIMO, José. Estudos de literatura brasileira. 4ª série. São Paulo: Edusp, 1977. p. 101.
81
BRAGA, Teófilo. Filinto Elíseo e os dissidentes da Arcádia. Porto: Lello Irmãos. Apud VERÍSSIMO,
José, op. cit. p. 101. A modinha é definida como “um gênero de romança de salão, em vernáculo, e inspirada,
quanto à forma, na ária da ópera italiana”, em vigor da segunda metade do século XVIII até
aproximadamente 1850. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
82
A hipótese de Veríssimo pode ser relativizada por uma leitura que enfatize o caráter de “simplicidade
afetada” própria do sistema retórico-poético a partir do qual Gonzaga inventa seus versos.
80
81
Pode-se indagar se Gonzaga não estaria, no poema como um todo, tentando metros
antigos, gregos e latinos? O estudioso Wolfgang Kayser contesta a possibilidade de
adaptação das métricas antigas para as línguas românicas:
A adaptação da métrica antiga das odes também foi tentada nas línguas
românicas, ocasionalmente até com a aceitação do sistema quantitativo,
i.é., reproduzindo as breves antigas por sílabas breves, e as longas por
sílabas longas. Porém, tal como nas literaturas germânicas, onde se tentou
a mesma coisa, não pode dar resultado essa tentativa. Nas românicas,
foram infrutíferas, no fundo, todas as diligências para utilizar as medidas
antigas por meio de uma imitação fiel dos acentos. A maneira românica
de sentir o verso repugna tal fixação de todas as ársis e térsis. Na Itália, a
discussão estendeu-se pelos séculos fora: Leon Batista Alberti, Ariosto,
Trissino, Chiabera e Carducci são os mais conhecidos entre os que na
discussão têm tomado parte ativa. (KAYSER, 1997)
83
Nossa hipótese é que os versos de seis sílabas – os decassílabos quebrados – são correlacionados aos
versos decassílabos, com os quais na maioria das vezes se combinam.
81
82
Nas estrofes mais curtas, o emprego da rima alternada em apenas um par de versos
(abcb) é recurso frequente: poemas mantêm esse esquema de rimas. A versatilidade da
técnica poética de Gonzaga, no entanto, manifesta-se nas estrofes mais longas, em que um
elaborado jogo de compensações combina as medidas dos versos, as rimas e as pausas
sintáticas.
Na lira I,17, a combinação de versos rimados e brancos permite que se mantenham
unidos sem se tornarem monótonos:
Minha Marília, a
Tu enfadada? b
Que mão ousada b
Perturbar pode c
A paz sagrada b
Do peito teu? d
Porém que muito e
Que irado esteja f
O teu semblante, g
Também troveja f
O claro céu. d
KAYSER, Wolfgang. Análise e interpretação da obra literária (Introdução à Ciência da Literatura). Trad.
84
82
83
Se existe um peito, a
Que isento viva b
Da chama ativa, b
Que acende Amor, c
Ah! Não habite d
Neste montado, e
Fuja apressado e
Do vil traidor. c
A versificação de Gonzaga foi um dos pontos que mais chamou a atenção de seus
críticos. Joaquim Norberto de Souza já observava as regras de harmonia implícitas na
maneira de versificar de Gonzaga:
85
A lista a seguir indica alguns conceitos que utilizamos presentes em MATTOSO, Tratado de versificação:
verso alexandrino, verso de doze sílabas. Verso assinarteto: verso composto de duas partes com métricas
distintas. Verso branco: verso sem rima. Verso de arte-maior: verso de oito ou mais sílabas com pausas na
terceira, sexta e nona sílabas; arte-maior. Verso de arte-menor: verso que possui menos de oito sílabas, sem
esquema rigoroso de acento; arte-menor. Verso de pé quebrado: verso em que a métrica e/ou o ritmo fogem a
qualquer regra ou convenção, sem se importar com número de sílabas ou com sua tonicidade. Verso livre:
verso sem rima, sem regularidade métrica. Verso métrico: cada uma das linhas que formam um poema
quando, como no grego e no latim, as palavras que o compõem são escolhidas segundo a quantidade longa ou
breve de suas sílabas. Verso solto: verso branco colocado entre versos rimados. Versos emparelhados: versos
que rimam dois a dois. Versos encadeados: versos em que a última palavra do primeiro deles rima com uma
palavra do meio do verso seguinte. Versos interpolados: versos que rimam entre si, mas permeados de um até
seis versos de rima diferente. Versos rimados: versos em que as palavras finais apresentam rima consoante.
86
SOUZA, Joaquim Norberto de. Introdução a Marília de Dirceu, 1862, p. 11.
83
84
Tal fato corrobora a presença de um traço acentuado da norma na poética de
Gonzaga. A simetria entre as duas partes da estrofe pode ser conseguida também pela
disposição das rimas, como em II, 28 (aba/cdc):
Todas as estrofes mais longas apresentam divisão interna, proporcionada ora pelo
metro, ora pela rima, ora por pausas sintáticas, ou ainda por uma combinação entre os três
elementos. A estrofe da lira II, 7 fornece um bom exemplo dessa combinação.
84
85
85
86
Mas quando alumeia,
Tu tremes de vê-lo.
Que importa se mostra cheia
De mil belezas a ingrata?
Não se julga formosura
A formosura, que mata.
Evita, Glauceste, evita
O teu estrago, e desdouro;
A tua Eulina não vale,
Não vale imenso tesouro.
A minha Marília quanto
À natureza não deve!
Tem divino rosto,
E tem mãos de neve.
Se mostro na face o gosto,
Ri-se Marília contente;
Se canto, canta comigo;
E apenas triste me sente,
Limpa os olhos com as tranças
Do fino cabelo louro.
A minha Marília vale,
Vale um imenso tesouro.
Há liras em que o estribilho apresenta autonomia sonora, isto é, tem seu próprio
esquema de rimas, independente da estrofe a que se liga. Ainda assim, a presença do
estribilho confere unidade aos poemas mais longos e mantém a função principal de matizar
o andamento dos versos.
O largo emprego do estribilho por Gonzaga também é marcado pela variedade. Há
liras que utilizam o estribilho e aquelas que o dispensam. Os estribilhos também variam em
extensão, podendo ocupar 2, 3, 4 ou 5 versos. Quanto à sua relação com os demais versos
da estrofe, o estribilho pode representar uma continuidade, aproximando-se dos outros
versos no plano semântico, ou mostrar certa autonomia, relacionando-se com os demais
versos da estrofe de diversas maneiras, seja por afastamento ou por contraste. Em todos os
casos, pode-se afirmar que o estribilho matiza a expressão, ocupando função importante
nas liras, como veremos adiante.
Há também outro critério pelo qual se pode analisar os estribilhos: eles podem ser
iguais em todas as estrofes ou podem apresentar pequenas alterações ao longo da lira..
Frequentes são os estribilhos de apenas dois versos, como na Lira I,16, que reproduzimos
acima. O estribilho pode, no entanto, dilatar-se por todo um quarteto, como em I, 33:
86
87
Como também depreendemos nos dois últimos exemplos, o estribilho pode ser
exclamativo e enfático, o que acarreta uma mudança no andamento do poema. Há
estribilhos em que a forma exclamativa é fortemente enfatizada. O recorte do estribilho dá-
se não apenas pela ênfase, mas também por meio da repetição de termos, trechos de versos
e mesmo versos inteiros. A repetição matiza o estribilho, modulando a expressão. No
exemplo seguinte, o apelo do eu poético adquire contornos dramáticos:
O estribilho pode sofrer uma torção e redundar no seu contrário, como em II, 16:
E logo a seguir:
Eu já não sofro
A viva dor.
Nesta lira, a alteração do estribilho corta a lira ao meio, em três estrofes afirmativas
e três negativas.
87
88
Na Lira II, 12, o estribilho mantém-se inalterado nas cinco primeiras estrofes:
88
89
Com este procedimento, a suposição do eu poético de que Marília suspira pela sua
triste condição é neste momento fundamentada e explicada.
Em determinadas liras, como em II,3, o estribilho modifica-se a cada estrofe,
referendando o tema de cada uma.
89
90
Soberbos Gigantes guerra;
No mais tempo o Céu e a Terra
Lhes tributa adoração.
Muda-se a sorte dos Deuses;
Só a minha sorte não?
90
91
ondulações das águas na fonte em “eu vi o meu semblante numa fonte/ dos anos inda não
está cortado”.
Se a intencional simplicidade vocabular faz-se acompanhar de um discreto uso de
figuras de linguagem, no plano da construção as figuras são fortemente empregadas:
emparelhamento de palavras da mesma classe gramatical (“papoula ou rosa”, “delicada e
fina”), duplicação de sintagmas em construções disjuntivas (“Ou seja neste monte ou
noutra serra”), enumeração (“dá-me vinho, legume, fruta, azeite”) e o abundante emprego
da repetição: “Nossos corpos terão, terão a sorte”, “acabe, acabe a peste matadora”.87
Os efeitos que Gonzaga obtém da modulação de seus versos são extraídos
sobretudo pela flexibilidade sintática, que permite uma infinidade de efeitos expressivos.
São frequentes as inversões, desde a simples anteposição do substantivo ao adjetivo
(“alheio gado”, “tosco trato”, “clara fonte”), passando pela inversão do consequente e do
antecedente (“para glória de amor igual tesouro” ou “lerão estas palavras os pastores”) até
a inversão total da ordem da oração: “que inveja até me tem o próprio Alceste”. Há
hipérbatos mais violentos, cobrindo dois versos: “acabe, acabe a peste matadora/ sem
deixar uma rês, o nédio gado”. Em certos casos, o hipérbato adquire a forma mais forte da
anástrofe: “dos frios gelos e dos sóis queimado“, “do que tenho ser senhora” ou “dos anos
inda não está cortado”.
Notamos ainda a presença de orações restritivas, intercaladas na formulação direta.
Ou ainda:
A antítese, nesse último caso, torna a formulação oblíqua.88 A lira I,1, inteiramente
vazada no decassílabo, deixa entrever o peculiar recorte rítmico de Gonzaga. Recursos
87
Trata-se da figura retórica da epizeuxe, que consiste em repetir seguidamente a mesma palavra para
simplificar, imprimir compaixão ou exortar.
88
O estudioso Marques Braga estabelece uma comparação entre Gonzaga e o poeta humanista Antônio
Ferreira: “Um dos poetas que mais se aproximam de Gonzaga em termos de elaboração sintática é o
português Antônio Ferreira. Recortes rítmicos muito semelhantes aos de Gonzaga estão presentes nos
Poemas lusitanos. Rica pontuação, presença de orações exclamativas e interrogativas, efeitos de interrupção
e pausa fazem parte de sua poética. Neste quarteto, por exemplo, podemos notar o emprego da ordem
invertida, a simetria no primeiro verso e o efeito de acréscimo no último: “Em vossos peitos sãos, limpos
ouvidos/Caiam meus versos, quais me Febo inspira!/Eu desta glória só fico contente,/que a minha terra amei,
91
92
como a repetição e a inversão agilizam o verso, permitindo ao poeta deslocar os acentos
secundários e mudar a ênfase dos enunciados. Ao intercalar o vocativo, no exemplo
abaixo, o poeta cria um efeito de suspense para o leitor, retardando a informação:
Neste outro caso, o mesmo recurso reforça o sentido de “suspensão” que o poeta
expressa:
Ou
O contraste é obtido não apenas pela oposição, negação ou comparação, como nos
casos acima, mas também pela comparação implícita. Aqui, a vivacidade do discurso é
reforçada pela comparação subentendida,
e a minha gente!”. In FERREIRA, Antônio. Poemas lusitanos. Pref. e notas do prof. Marques Braga, v. I.
Lisboa: Sá da Costa, 1939.
92
93
Se existe um peito, a
Que isento viva b
Da chama ativa, b
Que acende Amor, c
Ah! não habite d
Neste montado, e
Fuja apressado e
Do vil traidor. c
89
EULÁLIO, 1983, p. 12.
93
94
A semelhança entre as duas partes da estrofe pode ser conseguida também por
efeito de simetria, como em II, 28 (aba/cdc):
As estrofes mais longas revelam nítida divisão interna, proporcionada ora pela
rima, ora por pausas sintáticas ou ainda por uma combinação de ambos. A primeira estrofe
da lira II,7 é um bom exemplo de como esses elementos se combinam numa mesma
arquitetura poética:
94
95
fidelidade ao imaginário pastoril e a presença de Marília, por outro. O que vale para a lira
I,1 vale, podemos inferir, para a poética de Tomás Antônio Gonzaga em geral. A
interpretação literal da lira I,1 não oferece maiores dificuldades. Ao analisar outra lira de
Gonzaga, a II,15, Antônio Candido comenta como, em Gonzaga “a tonalidade geral do
discurso corresponde à simplicidade do assunto” (CANDIDO, 2005). O estudioso nota o
enunciado direto, a objetividade e a ausência de linguagem figurada. Acrescenta,
entretanto, que à força da alegoria pastoril, “no seu todo o poema é figurado”.
90
CANDIDO, Antônio. Na sala de aula, p. 23.
91
Idem, p. 24
92
Idem, ibidem.
95
96
A interlocução permite um contraponto, no qual o foco se concentra ora num ora
noutro interlocutor. É significativo que essa lira seja de Marília de Dirceu: o poeta se
apresenta ao leitor de maneira dissimulada, oblíqua, fingindo estar falando diretamente
com Marília. O leitor é introduzido a este universo fabulado – a alegoria pastoril – como se
sempre nele tivesse estado. Trata-se de um jogo cujas regras estão dadas de antemão: um
diálogo entre pastores, entre iguais.
Certos aspectos da poética de Tomás Antônio Gonzaga só se esclarecem com a
leitura integral da lira I,1, estrofe a estrofe. O assunto desta lira parece se constituir à
medida que o poema avança. A produção de sentido depende da leitura sequencial do
poema e da maneira como as estrofes se encadeiam umas com as outras.
Gonzaga faz coincidir o plano do enunciado com o plano da enunciação. Por isso, o poema
se constrói no presente, no momento da leitura, o que responde em parte pelo caráter
vívido e vigoroso da poética de Gonzaga. Nesta lira, há um enunciador que organiza o
discurso, dividindo os assuntos e organizando-os nas estrofes. que é ao mesmo tempo a
persona poética, que evoca, sonha, lembra, deseja, duvida ou imagina. Tudo isto é
encenado no momento da leitura diante do leitor e com sua participação. Cada estrofe
apresenta certa autonomia de sentido, mas sua sequência dentro da lira gera tensão e
movimento.
Um dos aspectos desta modulação do discurso (em diferentes “atitudes” poéticas)
se faz por meio da sintaxe, no uso dos tempos verbais. Os verbos criam recuos ou avanços,
e possibilitam representar as diferentes atitudes da persona poética – o desejo, a memória,
a racionalidade, que permite a formulação de hipóteses e suposições. Por trás da aparente
simplicidade do que é dito, há um jogo de tensões internas, em que versos e estrofes se
referem uns aos outros e se refazem, em que o que é afirmado é depois negado,
problematizado ou reelaborado. Esta dinâmica combina-se com a dinâmica da
interlocução, o que dá uma medida da complexidade estrutural do discurso de Gonzaga.
O estribilho também desempenha papel importante na composição das liras, pois,
em alguns casos, permite a transição de uma estrofe à outra. Ele também pode instaurar um
discurso paralelo, em outros casos, que amortiza as descontinuidades entre as estrofes e faz
ressoar as mesmas notas básicas em toda a lira. Num movimento dialético, no entanto, o
sentido de cada estrofe modifica o sentido do estribilho, nuançando seu significado.
Tomaremos a lira I,1 como programática pois ela define a poética de Marília de
Dirceu e a matéria, a invenção e a elocução de seu discurso. Na primeira estrofe, a persona
poética fala de si mesma e de sua condição material e social. O entorno é criado para que
96
97
este eu possa se projetar dentro dele: “não sou algum vaqueiro que viva de guardar alheio
gado”. O poeta cria a figura do pastor rústico apenas para dela se afastar. Ele não se limita
a introduzir o cenário pastoril e colocar-se dentro dele. Seu disfarce poético necessita ser
singularizado.
Em termos de ponto de vista, o eu poético se coloca numa esfera doméstica,
proprietário de seu casal – sua propriedade rústica. Num tom sereno e contido, o eu poético
vai explicitar quem é e como vive, ao leitor e a Marília, usando o tempo presente dos
verbos. A segunda estrofe reforça e amplifica aquilo que foi estabelecido na primeira. A
placidez do discurso, feito de longas orações, permanece. Partindo de sua própria
habitação, o poeta amplia seus domínios. Sai de casa para tratar dos “pastores que habitam
este monte”. Introduz a fonte e passa a povoar o espaço poético de figuras que participam
da cena pastoril. Ao mesmo tempo que compõe este cenário, elenca outras personagens
para criar situações de interlocução: outros pastores e Alceste. Esta estrofe, como a
precedente, se organiza em torno do presente. Vale lembrar que o presente é o
tempo/aspecto verbal que favorece o discurso em tom encomiástico. O tempo é
amplificado, pois sugere um cotidiano, uma continuidade: “com tal destreza toco”, isto é,
costumo tocar a sanfoninha. Há um presente contínuo, já embutido na primeira estrofe. O
movimento é de expansão temporal e espacial.
Na terceira estrofe, o poeta problematiza esta situação harmônica que havia
descrito anteriormente. O movimento de expansão é bruscamente interrompido. O pastor
que falava de si mesmo coloca-se em presença da interlocutora; o andamento do discurso
torna-se mais rápido e mais entrecortado. Os volteios manifestam-se num discurso
argumentativo que abruptamente irrompe:
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98
sumariado, o que foi afirmado nas duas estrofes anteriores transforma-se numa oração
subordinada. Há uma expectativa de resposta de Marília a essa oferta.
O que parecia uma descrição isenta, apesar de certa vaidade, transforma-se em
galanteio – uma estratégia de conquista do eu poético que, travestido de pastor, exibe-se
para sua amada. O pastor se oferece, junto com todos os seus bens, ou melhor, por
intermédio de seus bens, à amada. Ao chamá-la pelo nome (“gentil pastora”, “minha
Marília”) explicita a identidade da interlocutora. A terceira estrofe problematiza uma
situação de equilíbrio e harmonia, cria uma tensão entre eu poético e destinatária. O foco,
ao deslizar para a interlocutora, esclarece ao leitor seu verdadeiro papel: Marília é uma
pastora, amada do poeta. Ao mesmo tempo, o eu poético adensa o enunciado, ao trasladar-
se de aspectos exteriores e materiais para aspectos interiores e afetivos. Ele estabelece uma
hierarquia: “teu agrado vale mais que um rebanho”, e resvala para a hipérbole: “e mais que
um trono”.
Mantendo o discurso apoiado na interlocutora, o poeta passa então a pintar-lhe um
retrato na quarta estrofe. Vale mencionar que, das sete estrofes da lira, esta é a que ocupa a
posição central. A persona poética passa de pastor a pintor, seguindo o preceito de
Horácio.93 Com riqueza de imagens, voltado para a segunda pessoa (“teus olhos”, “te cobre
as faces”, “teus cabelos”, “teu lindo corpo”) e em tom descritivo, põe-se a louvar as
qualidades físicas de Marília. A descrição à primeira vista é objetiva, porém todos os traços
da amada são imaterializados, são abstratos, tomados à tradição poética. Marília aparece
como detentora de uma formosura abstrata. O poeta faz dela um retrato supostamente
físico, mas que não é senão sua glorificação espiritual, voltada para o olhar, a
luminosidade. A “Senhora de que tenho” torna-se agora “Tesouro para a Glória do amor“.
A pintura da amada traça um perfil fora do espaço e do tempo. O tom elevado cria um
momento de suspensão dentro do poema. A única ação é a ação verbal de descrever,
93
A expressão deriva de Horácio, que a utiliza em sua Arte Poética com o significado de “como a pintura, a
poesia”: “Ut pictura poesis: erit quae si propius stet./Te capiat magis: et quaedam si longius abstes./Haec
amat obscurum, volet haec sub luce videri.// Judicis argutum quae non formidat acumen:/ Haec placuit semel,
haec decies repetita placebit”. “A ideia parece ter nascido originariamente com Simónides de Ceus, segundo
conta Plutarco citando-o: ‘A pintura é uma poesia muda, e a poesia uma pintura falante.’ Aristóteles
pronunciou-se no mesmo sentido na sua Poética ao definir diversos processos de imitação, logo no primeiro
capítulo e, sobretudo, ao afirmar um pouco mais adiante: ‘o poeta imita como o pintor ou qualquer outro
criador de figuras.’ Cícero também não foi indiferente ao paralelismo das duas artes quando encarou a função
do “retrato” no uso oratório. E do mesmo modo Quintiliano, que recomendava ao futuro orador o estudo do
desenho e da geometria, não só pelo carácter utilitário do estudo das linhas, mas pela afinidade estreita que
mantinha com a arte oratória.” (CRISTÓVÂO, 1981, p. 53-54.) A popularidade da comparação expande-se
no Classicismo e no Neoclassicismo, e se transforma em preceito seguido por diversos poetas.
98
99
O conteúdo desses versos resulta do contraste entre a vida ideal pintada nas duas
primeiras estrofes (eu poético/entorno) e a presença espiritual da amada, pintada na quarta
estrofe, e aprofunda o argumento da primeira estrofe. Marília agora não apenas precisa
assenhorar-se dos bens dele, mas estar além deles, em novo plano. É importante notar que
Marília é descrita nesta quinta estrofe como personagem: ela é flagrada em movimento e
expressando-se por meio do riso e do mover dos olhos. Os bens materiais são deixados
para trás em razão de sua presença.
A sexta estrofe reelabora a alegoria pastoril, projetando uma nova realidade num
terreno distante, no futuro. O eu poético pinta-se a si mesmo como pastor, em convivência
com a interlocutora, também transformada em pastora. Os quadros de enleio amoroso são
itinerantes; as personas eu e tu deslocam-se pelo cenário idealizado.
Eu e tu são o eu poético e a interlocutora, ao mesmo tempo desdobrados em pastor
e pastora. Entrelaçando-os, o poema de certa forma resolve a tensão que o sustentava –
99
100
essa oscilação de foco ora num ora noutro dos interlocutores. O emparelhamento inicial se
refaz. Os dois últimos versos desta estrofe criam, requintadamente, uma equivalência,
também, entre o pastor que vive o idílio pastoril e o poeta que louva a amada:
100
101
101
102
O meu discurso,
Marília, é reto;
a pena iguala
ao meu afeto;
o amor que nutro
ao teu aspecto
e ao teu semblante,
é singular.
102
103
103
104
94
A expressão é de Antônio Candido: “esses movimentos do poema penetram no subconsciente do leitor
devido a uma espécie de sedimentação dos modos e tempos verbais, que primeiro nos puxam para o passado,
depois nos atiram para o futuro. O argumento se torna assim experiência incrustada em nossa sensibilidade
(...)” . (grifos nossos). In: CANDIDO, 1985, p. 26.
95
A questão do gênero é matéria bastante complexa, sobre a qual não vamos nos aprofundar. Segundo João
Angelo Oliva Neto, “a questão começa nos antigos, mas passa por autores posteriores, como os italianos.
Quanto aos antigos, o poema [de Gonzaga] se relaciona com vários gêneros confins. Em geral a confinidade
se dá por causa da matéria amorosa. Há um gênero que domina, do ponto de vista da elocução, da métrica,
que é o gênero lírico (“lira” está como se fosse “ode”, que é uma peça, uma unidade do gênero lírico). Assim,
a moldura maior é lírica, sobretudo por causa da polimetria (o gênero da lírica é polimétrico). Toda elegia,
por sua vez, tem apenas um metro, o dístico, e do ponto de vista da invenção pode corresponder a variados
temas. Ou seja, em Tomás Antônio Gonzaga, a matéria ou invenção é bucólica e também pastoril, mas a
maneira de dizer – a elocução e a disposição – é lírica. (Informação fornecida durante arguição oral, São
Paulo, em 18/12/2020.)
104
105
96
HASEGAWA, Alexandre Pinheiro. Os limites do gênero bucólico em Vergílio: um estudo das éclogas
dramáticas. São Paulo: Humanitas, 2011, p. 13.
97
É interessante notar, no entanto, que em Gonzaga é recorrente a presença de deuses próprios da poesia
épica, como Jove, Juno, Marte, Vênus, enquanto é escassa a presença dos deuses menores que caracterizam a
poesia bucólica (ninfas, faunos, sátiros, etc.).
105
106
Observamos como o modo próprio da poesia bucólica ou pastoral é a dicção
humilis.98 A Rota Virgilli,99 elaborada na Parisiana Poetria pelo gramático medieval João
de Garlândia, classifica as Bucólicas de Virgílio como pertencente ao estilo humilde. Os
poemas de matéria pastoral são aqueles de tênue elocução, tanto pela qualidade do assunto
quanto das personagens. Podem-se atribuir esses cantos rústicos ao pastor-poeta Dáfnis, e
mesmo ao deus Apolo (Febo) que se tornou pastor de gado após ser expulso do Olimpo.
Embora diversas passagens argumentativas também façam parte deste discurso, a apóstrofe
lírica pode ser tomada como procedimento linguístico e retórico que o sustenta.
98
Ao ressaltar a importância de estabelecer o genus dicendi para ler os poetas, Alexandre Hasegawa
demonstra como o gênero bucólico é considerado humilis, ou baixo, chão, por todos os gramáticos e retores
que se debruçaram sobre o tema, entre eles os gramáticos latinos Probo, Donato, Sérvio e Filargílio, que
fizeram a descrição do gênero bucólico. Cf: HAGESAWA, 2011, p. 34 e sgs.
99
In: GARLAND, John of. The Parisiana Poetria, Edited with introduction, translation and notes by
Traugott Lawler. New Haven and London: Yale University Press 1974, p. 40-41.
100
É possível que Marília seja um parônimo, um nome inventado por semelhança, e não derivado direto de
Amarílis, uma vez que não se tem segurança sobre a origem etimológica do nome Marília.
101
Utilizaremos para os Idílios de Teócrito a tradução de Érico Nogueira. In: Verdade, contenda e poesia nos
Idílios de Teócrito. São Paulo: Humanitas, 2012.
106
107
Na sequência, Bato invoca Amarílis, a quem não pode esquecer, e lamenta seu
destino com a morte da pastora.
107
108
Alguns elementos estilísticos da obra inaugural como a invocação à pastora e seu
nome acompanhado por epítetos referidos à sua formosura podem ser reconhecidos em
Marília de Dirceu. A persona poética do pastor-cantor dirige-se a ela. Também o cenário
pastoral está plenamente configurado: campos, fontes, regatos, árvores e flores, em meio
aos quais os pastores nas pausas de seus afazeres se divertem em porfias de canto cantando
suas amadas. Para tal, utilizam tópicas sobre como tecer uma coroa de flores ou oferecer
presentes a Amarílis.
No mundo latino, a referência mais conhecida a Marília é a personagem Amarílis
(Amaryllis, no original latino) que comparece à primeira estrofe da Bucólica I de Virgílio.
Trata-se de um poema dramático que encena o diálogo entre dois pastores, Títiro e
Melibeu. Melibeu dirige-se ao pastor Títiro, que canta sob a sombra de uma faia.
102
Utilizaremos para as Bucólicas de Virgílio a tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: VIRGÍLIO,
Bucólicas. Tradução e notas de Péricles E. S. Ramos. Introdução de Nogueira Moutinho. São Paulo:
Melhoramentos/Ed. Universidade de Brasília, 1982.
108
109
mencionado na lira de abertura (“Com tal destreza toco a sanfoninha,/ Que inveja até me
tem o próprio Alceste”, I,1, vv. 15 e 16). Qual a origem poética da sanfoninha que Dirceu
toca com destreza? Algumas hipóteses sobre o sentido dos vocábulos “sanfona” ou
“sanfoninha” em matéria poética pastoral podem ser feitas. O Vocabulário portuguez e
latino de Rafael Bluteau registra que “sanfonha” significa “frauta pastoril”.
103
A siringe é a flauta produzida com o colmo da cana; flauta de Pã. A lira é o símbolo. Hermes roubou uma
vaca de Apolo e Zeus ordenou que a devolvesse. Hermes então começou a tocar a lira, que acabara de
inventar. Em agradecimento, Apolo devolveu o animal a Hermes em troca da lira.
104
Fístula. Do latim fistula-, “fístula, canal”. 3. poético Flauta pastoril. In: Dicionário infopédia da língua
portuguesa. Porto: Porto Editora, 2003-2019. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/fístula. Acesso em: out. 2019.
105
In Dicionário infopédia da língua portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2019. Disponível
em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/sanfona. Acesso em: out. 2019.
109
110
A “sanfona” também foi utilizada pelo poeta napolitano Sannazzaro (1458-1530),
em sua obra-mestra Arcadia. Rita Marnoto observou essa ocorrência na cena final do
romance pastoril.
106
In: MARNOTO, Rita. A Arcadia de Sannazaro e o bucolismo. Pref. de Aníbal Pinto de Castro. Coimbra:
Gabinete de Publicações da FLUC, 1996, p.141. No prefácio ao estudo de Marnoto, o estudioso Aníbal P.
refere que o estudo propicia “o melhor conhecimento de um dos mais ricos filões de produção de toda a
Literatura Portuguesa, desde o primeiro quartel do século XVI, quando Sá de Miranda, lá nos lazeres da sua
dourada mediania horaciana fruida em Terras de Basto, lia com o amigo Antônio Pereira, de alcunha o
Marramaque, as páginas de peregrina beleza em que se narravam e cantavam as ditas e desditas dos ‘pastores
italianos/ do bom velho Sannazaro’, ao mesmo tempo que se deliciavam com os amores de Orlando,
ficcionados nas páginas das grandes epopeias ferraresas de Ariosto e de Boiardo, com a sublimação da
vivência amorosa pela via neoplatonista discutida nos diálogos travados pelas damas galantes e pelos gentis
homens reunidos por Bembo no Castelo de Asolo, ou com as penas de amor que, aqui mais perto, desferiam
das suas sanfonas os zagais de Juan Boscán e Garcilaso de La Vega”. Id., ib., p.7. (grifos nossos).
107
CIROT, Georges. Zanfoña et Zampoña. In: Bulletin Hispanique, t. 43, n. 2, 1941. p. 152-161.
110
111
O pastor-poeta, por sua vez, descreve a si mesmo nos versos 20 a 27, da Bucólica
II, de Virgílio, com a mesma tópica que utilizará o eu poético de Marília de Dirceu. A
propriedade, o rebanho, o leite, as proezas no canto e a bela aparência testemunhada pela
imagem espelhada na água são usados como argumentos para atrair o afeto de Aléxis, no
primeiro, e de Marília, no segundo. Em Virgílio:
111
112
Dos anos inda não está cortado;
Os Pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste
Nem canto letra que não seja minha.
Lira I, 1
Outro poeta latino, Ovídio, em sua A arte de amar,110 cita Amarílis em duas
passagens. Na primeira, ao revelar os presentes que se deve dar às amantes, lembra que
Amarílis apreciava uvas e castanhas, sugerindo o valor da humildade.
108
Op. cit., p. 51.
109
No original latino: Canto, quae solitus, si quando armenta uocabat,/ Amphion Dircaeus in Actaeo
Aracyntho. (Virgílio, op. cit., p. 46). Por analogia, “Dircaeus” teria se tornado “Dirceu”, como já apontara
Alberto Faia em nota à sua edição de Marília de Dirceu.
110
Tradução utilizada: SILVEIRA, Maria da Conceição. A comparação semântica como estratégia
discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio (Mestrado). Orientador: Carlos Antônio Kalil Tannus. Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras da UFRJ, 2003. 164 fls.
111
Ovídio, Arte de amar, vv. 261-268.
112
113
112
Id., ib., vv. 178 a 184.
113
114
Na Península Ibérica, Fernando Herrera (1534-1597) dedicou uma écloga a
Amarilis em que os pastores lamentam sua morte. Nas éclogas e sonetos portugueses
quinhentistas, a presença de pastoras cujo nome é Marília também é abundante.113 Na
écloga V de Diogo Bernardes, o enunciador dirige-se à pastora Marília, instando-a para
que não se esqueça de Silvio. Já aqui ocorre o apelo exortativo, em que o poeta se dirige
diretamente à amada:
113
A pesquisadora Ana Filipa Gomes Ferreira chama atenção para a voz feminina em algumas das éclogas
portuguesas, mostrando como várias éclogas seguem o modelo virgiliano da segunda Bucólica.
114
115
Estaba Amarilis,
pastora soberbia,
guardando ganados
al pie de una sierra.
Sentada a la sombra
de una parda peña,
hacienda grinaldas
para su cabeza.
115
116
que tiene dos caras,
o que el sol es ella.
Su ganado ufano
anda por las cuestas
con tan bello dueño,
sin temor a las fieras.
Outro exemplo em que o retrato de Marília está guarnecido por uma “chusma de
Amorinhos”, para usar uma expressão de Gonzaga:
Ou ainda,
Que a mim, para que viva satisfeito,
Me basta possuir teu doce agrado,
Ter lugar, Marília, no teu peito.
(BOCAGE, p. 32)
Como último exemplo, podemos ler o soneto em que o eu poético compartilha com
Marília a celebração do locus amoenus, com apelo aos sentidos e emprego da sinestesia:
114
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. São Paulo: FTD, 1994 (Grandes
Leituras).
116
117
Observe que, além de Marília, a persona poética dos sonetos de Bocage canta e
declara seu amor para uma profusão de pastoras: Marina, Nise, Acidália, Elmira, Anarda,
Ritália, para citar apenas algumas, como era comum na tradição bucólica. Os nomes
pastoris eram convencionais, e muitas vezes alternavam-se para formar novos casais.115
Como observa Ferreira, a estima entre pastores e pastoras não configura casais
consolidados, e os nomes pastoris podem ser intercambiáveis. Esse procedimento,
observado em Diogo Bernardes, pode bem ser estendido à poesia bucólica de modo geral;
mas em Marília de Dirceu ecoam os “casais de sonho” da tradição poética, a começar
pelas elegias eróticas latinas. Na elegia erótica romana, como ensina o estudioso Paul
Veyne:
115
A pesquisadora Ana Filipa Gomes Ferreira estuda sob essa perspectiva as éclogas IV e V de Diogo
Bernardes e a écloga II de Luís de Camões, citando alguns exemplos: “Na Écloga IV, Fílis ama Córidon, que
ama Galateia; na Écloga XI, Galateia é amada de Palemo. Marília relembra Sílvio (Écloga V); noutro poema,
é amada por Alcido (Écloga III). Outro ou o mesmo Alcido chama Sílvia (Écloga XIV), enquanto Meliso
chama Lília (Écloga XIII)”. In: FERREIRA, Ana Filipa Gomes. Voz feminina nas éclogas de Diogo
Bernardes e Luís de Camões, Centro de Estudos Clássicos, s/d.
117
118
ritmo elegíaco (…); estamos falando da elegia erótica romana.116 (Grifo
nosso)
118
119
119
120
preferencialmente, o locus amoeunus bucólico, mas pode comportar também outros
cenários (o Templo da Fortuna, por exemplo), e em especial a masmorra, cenário da
segunda parte da obra. O discurso do pastor está sempre no presente (tempo próprio do
discurso epidítico), pois o enunciador se dirige à Marília, investida do papel de
interlocutora, e com ela compartilha (no presente) os desejos projetados para os tempos
futuros, as esperanças da felicidade amorosa, a vida de sonhos que teriam juntos. Ou então
volta-se ao passado para compará-lo ao presente ou para evocar um bem perdido. Para
investigar com mais propriedade este mecanismo, recorremos à noção de “dêixis” de Sérsi
Bardara:122
122
BARDARA, Sérsi. A função dos dêiticos na estruturação do texto. Entremeios: revista de estudos do
discurso. v. 3, n. 1, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, jun. 2011.
123
UBI SUNT MOTIF (Latin, "Where are....?"): A literary motif dealing with the transience of life. The
name comes from a longer Latin phrase, "Ubi sunt qui ante nos fuerent?" [Where are those who were before
us?], a phrase that begins several medieval poems in Latin. The phrase evokes the transience of life, youth,
beauty, and human endeavor. It is a particularly common motif in the ballades. A particularly memorable
example comes from medieval French, where Francois Villon repeatedly asks in "The Ballade of Dead
Ladies," "Ou sont les neiges d'antan?" ["Where are the snows of yesteryear?"]. Many Anglo-Saxon poems
such as "The Ruin" and "The Wanderer" also deal with this theme. Although the motif is similar to the
Roman carpe diem motif in its emphasis on transitory existence, the medieval ubi sunt motif usually does not
call on the reader to embrace this world's pleasures before the end comes, but instead grimly or sorrowfully
urges the reader to prepare spiritually for the afterlife. Literary Terms and Definitions. Dr. Wheeler Website.
Ubi sunt motif. 24.04. 2018.
120
121
Na lira II, 9 o poeta se dedica a rememorar a vida feliz que tinha ao lado da
amada:
A estas horas
Eu procurava
Os meus Amores;
Tinham-me inveja
Os mais Pastores.
A porta abria,
Inda esfregando
Os olhos belos,
Sem flor, nem fita
Nos seus cabelos;
[…]
Desta maneira,
Nos castos peitos,
De dia em dia
A nossa chama
Mais se acendia.
121
122
presente. É a interlocutora Marília, mais uma vez, quem testemunha a ruína do poeta e o
recoloca no tempo presente.
Assim vivia;
Hoje em suspiros
O canto mudo:
Assim, Marília,
Se acaba tudo!
Nem todas as liras obedecem rigorosamente a essa estrutura discursiva. São vários
os modos de proximidade entre a persona poética e Marília, e estes variam também em
intensidade. Embora alguns críticos apontem a representação de Marília como estática e
contemplativa, “sem voz”, pode-se observar um grande esforço em trazê-la para perto de
si, para dotá-la de vida, para atribuir-lhe estados e humores variados. Podem ser
sentimentos de ciúme ou enfado, podem ser lamentos ou até mesmo sensações de horror.
Como afirma Barbara Johnson, a apóstrofe lírica consiste numa “form of ventriloquism
through which the speaker throws voice, life, and human form into the addressee, turning
its silence into mute responsiveness.” (JOHNSON, 1994, p. 216, apud Ceia, 2019).
O paradigma dessa aproximação entre a persona poética e Marília ocorre já na
primeira lira de Marília de Dirceu, em que se figura certa ação da interlocutora, no gesto
de olhar e sorrir:
Depois de pintar o retrato da pastora, narra uma sucessão de ações que teriam
sido executadas por Marília. Aqui o poeta representa um jogo de olhares, atualizando
uma tópica do desconcerto do sujeito recorrente em Camões, Botelho de Oliveira
e outros poetas:
122
123
O enunciador persiste,
Finalmente mostra-se ainda mais audaz, ao pegar a mão de Marília e tentar beijá-la;
no entanto Marília se afasta, encabulada:
Se estavas alegre,
Dirceu se alegrava;
Se estavas sentida,
Dirceu suspirava
À força da dor.
123
124
Minha Marília,
Tu enfadada?
Que mão ousada
Perturbar pode
A paz sagrada
Do peito teu?
Porém que muito
Que irado esteja
O teu semblante!
Também troveja
O claro Céu.
124
125
Eu sei, Marília,
Que outra Pastora
A toda hora,
Em toda a parte
Cega namora
Ao teu Pastor.
Há sempre fumo
Aonde há fogo:
Assim, Marília,
Há zelos, logo
Que existe amor.
Deixa o ciúme,
Que te desvela:
Marília bela,
Nesta mesma lira, para assegurar à pastora seu amor, Dirceu lhe faz um elogio
lapidar e fulgurante.
Quando apareces
Na madrugada,
Mal embrulhada
Na larga roupa,
E desgrenhada
Sem fita, ou flor;
Ah! que então brilha
A natureza!
Estão se mostra
Tua beleza
Inda maior.
125
126
Merece especial atenção a forma como o poeta emprega os modos e tempos verbais.
Há ocasiões em que encena, diante da interlocutora, com verbos no tempo futuro, situações
idílicas envolvendo o casal de sonhos124. Esse procedimento ocorre desde a primeira lira.
A mesma cena é apresentada à Marília na lira I, 14. O poeta inicia com um registro
argumentativo e sóbrio, aludindo a uma tópica antiga – a passagem do tempo e as
transformações que ele causa.
126
127
127
128
O lugar proeminente que Marília ocupa no discurso de Dirceu, especialmente como
destinatária das liras, é fartamente comprovável. Para quantificar a presença da pastora
Marília, assinalando as liras em que o nome é mencionado, elaboramos um quadro
demonstrativo. A primeira coluna indica a numeração da lira; a segunda, seu primeiro
verso; a terceira assinala a presença dela como destinatária; a última registra a menção a
Marília, porém destituída da função de interlocutora.
128
129
129
130
130
131
128
Trata-se de cinco liras da parte II. Na lira II, 7 o eu poético pede que Glauceste tome a lira dourada para
que a escute “a minha bela”: a lira II, 27 faz a pintura da “amada” (“A minha amada/ É mais formosa/Que
branco lírio, etc.”). Na lira II, 28, por sua vez, o poeta invoca sua presença (“ó bela”) para testemunhar sua
força e virtude. Em II, 31, por fim, o eu poético coloca a amada num vocativo: “ó minha Amada”. Note-se
que perífrases como “gentil pastora”, “pastora” e as já citadas são muito frequentes em Marília de Dirceu.
131
132
132
133
Aljava grande,
Dependurada,
Sempre atacada
De bons farpões.
Fere com estas
Agudas lanças
Pombinhas mansas,
Bravos leões.
Se a seta falta,
Tem outra pronta,
Que a dura ponta
Jamais torceu.
Ninguém resiste
Aos golpes dela:
Marília bela
Foi quem lha deu.
Cupido, tirando
133
134
Dos ombros a aljava,
Num canto de flores
Contente brincava.
E o corpo tenrinho
Depois enfadado,
Incauto reclina
Na relva do prado.
Marília formosa,
Que ao Deus conhecia,
Oculta espreitava
Quanto ele fazia.
Acorda Cupido,
E a causa sabendo,
A quantos o insultam,
Responde, dizendo:
Temíeis as setas
Nas minhas mãos cruas?
Vereis o que podem
Agora nas suas.
134
135
Topei um dia
Ao Deus vendado,
Que, descuidado,
Não tinha as setas
Na ímpia mão.
Ao vê-lo Dirceu dá vazão aos seus sentimentos de ira, por se sentir subjugado pelo
Deus:
Mal o conheço
Me sobe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva acende
No coração.
Morre, tirano,
Morre, inimigo!
Mal isto digo,
Raivoso o aperto
Nos braços meus.
Tanto que o moço
Sente apertar-se,
129
Trata-se do procedimento retórico da etopeia, que consiste em atribuir um ehos a um personagem, e fazê-
lo falar e agir de acordo com seu caráter.
135
136
Para salvar-se
Também me aperta
Nos braços seus.
O leve corpo
Ao ar levanto;
Ah! e com quanto
Impulso o trago
Do ar ao chão!
Pôde suster-se
A vez primeira;
Mas à terceira,
Nos pés, que alarga,
Se firma em vão.
Mal o derrubo,
Ferro aguçado
No já cansado
Peito, que arqueja,
Mil golpes deu.
Suou seu corpo;
Tremeu gemendo;
E a cor perdendo,
Bateu as asas;
Enfim morreu.
Tendo vencido a peleja com Deus, Dirceu – investido de seu éthos heroico –
recolhe suas armas do campo de batalha.
136
137
Ouviu Marília
Que Amor gritava,
E como estava
Vizinha ao sítio
Valer-lhe vem.
Mas quando chega
Espavorida,
Nem já de vida
O fero monstro
Indício tem.
Então, Marília,
Que o vê de perto,
De pó coberto,
E todo envolto
No sangue seu,
As mãos aperta
No peito brando,
E aflita dando
Um ai, os olhos
Levanta ao Céu.
Chega-se a ele
Compadecida;
Lava a ferida
C’o pranto amargo,
Que derramou.
Então o monstro
Dando um suspiro,
Fazendo um giro
Co’a baça vista,
Ressuscitou.
Respira a Deusa
E vem o gosto
Fazer no rosto
O mesmo efeito,
Que fez a dor.
137
138
imprime “meia incredulidade quase irônica”, como a definiu Eulálio (1983, p. 13).130 Outra
modalidade de convivência de Marília com seres mitológicos consiste em compará-la a
deusas. Colocada em competição com Vênus, Palas ou Juno, Marília vence todas em
formosura. Em I, 7, uma cena aristocrática é elaborada pelo poeta para exaltar os predicados
da pastora:
Na abertura da lira II, 27, o enunciador volta a afirmar que Marília excede a deusa
em beleza, depois de ser comparada aos mais belos elementos da natureza.
130
EULÁLIO, Verso e reverso de Gonzaga, p. 13.
138
139
A minha amada
É mais formosa,
Que branco lírio,
Dobrada rosa,
Que o cinamomo,
Quando matiza
Co’a folha a flor.
Vênus não chega
Ao meu Amor.
As cordas firo;
O brando vento
Teus dotes leva
Nas brancas asas
Ao firmamento.
O teu cabelo
Vale um tesouro;
Um só me adorna
A sábia fronte
Melhor que o louro.
Algumas vezes
Eu o diviso
Também oculto
Nas lindas covas
Que faz teu riso.
139
140
Vences a Vênus,
Quando com arte
As armas toma,
Por que mais prenda
Ao fero Marte.
Eu produzia
Estas ideias,
Quando, Marília,
O som escuto
De vis cadeias.
Dou um suspiro,
Corre o meu pranto;
E, inda bebendo
Lágrimas tristes,
De novo canto:
Sou da constância
Um vivo exemplo:
E vós, ó ferros,
Honrareis inda
De Amor o Templo.
140
141
Além de confortá-lo em sua dor, o poeta – por uma espécie de delegação poética de
segundo grau – atribui ao canto de Glauceste a incumbência de fazer Marília viver.
Na lira II, 8, Dirceu é convidado por Fortuna a adentrar o Templo para que o pastor
conheça o que o destino lhe reserva. A princípio o pastor-poeta-magistrado consegue ver
grandes acontecimentos do passado: a fundação de Roma, o incêndio de Cartago, as
conquistas de Alexandre. A Deusa então insta Dirceu a conhecer seu próprio futuro;
primeiro, promete-lhe devolver a riqueza que lhe subtraiu. Diante da recusa de Dirceu, a
Deusa fica aborrecida (“Aqui me enruga a Deusa, irada, a testa,/ E fica sem falar um breve
espaço”). Já refeita, oferece-lhe então de volta a glória e o prestígio de que desfrutava, mas
Dirceu responde “com ar de mofa”: “Conheço-te, Fortuna,/ Posso morrer pequeno”.
141
142
Finalmente a Deusa cede e lhe promete restituir o bem mais valioso – Marília:
142
143
Cupido zomba do poeta, que acredita numa pobre velha em vez de dar fé a suas
determinações. Nota-se aqui a mesma dicção popular, a mesma hibridez que coloca num
mesmo plano deuses, velhas crédulas, Cupido, o pastor e a pastora. O efeito é o de entreter
o leitor com essas histórias de final imprevisto. Se no primeiro caso Dirceu despreza a
Fortuna, ao abandonar seu templo, no segundo, o pastor se mostra humilde e temeroso
quanto ao futuro.
131
Filena é um nome clássico de prostituta, feiticeira agenciadora do amor venal, de que talvez Gonzaga
tivesse conhecimento. Cf. João Angelo Oliva Neto, em comunicação oral na defesa desta dissertação, em
18/12/2020.)
143
144
Em II, 11, a persona poética é um prisioneiro que se sente no fundo Averno e
compara suas aflições aos padecimentos “que aos Precitos/Arbitra Radamanto”.132 Daí,
passa a catalogar aflições e penas oriundas da mitologia, comparando-se àqueles que
sofreram castigos terríveis. Lembra-se daqueles que desceram ao Inferno, que fizeram a
catábase,133 e das Fúrias que enviam serpentes aos mortos. Cita o castigo de Sísifo,
condenado a subir indefinidamente uma rocha na montanha, que torna a rolar montanha
abaixo. Menciona também as penas de Prometeu, condenado a ter o fígado devorado por
abutres, amarrado às rochas. O poeta reflete que, no seu caso, não são os castigos infernais
que o afligem, mas um “tormento ainda mais cruel”.
132
Precito: que ou aquele que foi objeto de maldição; réprobo, condenado, maldito. In: Dicionário Houaiss
Oonline. Radamante, na mitologia grega, é um dos juízes dos mortos, filho de Zeus e Europa.
133
Possível referência ao canto VI da Eneida, de Virgílio, em que Eneas desce aos infernos para encontrar
seu pai Anquises, capaz de lhe revelar o futuro.
144
145
134
Composta entre os anos de 1208 e 1213, segundo o estudioso Edmond Faral. In: VINSAUF, Geoffroi de.
Poetria nova. Tradução, introdução e notas de Manuel dos Santos Rodrigues. Lisboa: Instituto Nacional de
Investigação Científica/ Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 1999. p. 26.
135
A indicação da obra de Vinsauf é de João Adolfo Hansen. (Informação verbal na aula da disciplina
Retórica e Poética, Unifesp, 2019.) Outra fonte importante para a prescritiva do retrato consiste nos Diálogos
em Roma, de fins do séc. XVI, de Francisco de Holanda, que serviu para pintores e também poetas.
145
146
Gonzaga segue o preceito retórico-poético ordenando a pintura dos olhos, das faces,
dos cabelos e do corpo, já na lira de abertura de sua obra, o que estabelece um padrão para
o retrato de Marília.
136
Cristóvão trabalha com um corpus composto pelas três partes de Marília de Dirceu, conforme edição de
Rodrigues Lapa, de 1937, da Livraria Sá da Costa.
146
147
147
148
Vou retratar a Marília,
A Marília, meus amores:
Porém como? se eu não vejo
Quem me empreste as finas cores
Dar-mas a terra não pode:
Não, que a sua cor mimosa
Vence o lírio, vence a rosa,
O jasmim e as outras flores
Uma vez que as flores, elementos encontrados na terra, não podem fornecer as
tintas para pintar a amada, no estribilho o poeta pede o socorro do deus Amor para trazer
tintas do céu, supostamente dignas da pintura de Marília.
148
149
Em termos de elocução, uma das mais interessantes características que salta aos
olhos do leitor/ouvinte nos versos de Marília de Dirceu é aquela que se refere à
visualidade. Não apenas o cenário pastoril; a caracterização das personagens e o retrato
esplêndido de Marília compõem a descrição ou écfrase gonzaguiana. Como explica o
estudioso Paulo Martins,
O gênero Idílio (εἰδύλλιον) está fundado no caráter visual: não é à toa que
o nome do gênero, seja ele antigo, seja tardio, tenha o mesmo étimo de
εἶδος, “imagem”, e εἴδωλον, “imagem mental”. Dos idílios, a matéria
bucólica é parte nos autores gregos (Teócrito, Mosco e Bíon), mas não
em Virgílio, em que comparece em todos os poemas desse gênero, agora
também chamado “bucólico”. Em suma, se nos autores gregos não se
podem rigorosamente identificar idílio e bucólica, em Virgílio eles
coincidem. Em Virgílio, pois, a poesia bucólica é gênero poético cujo
cerne é a visualidade ou visualização daquilo que é operado verbalmente;
pode, portanto, ser considerada como a “pintura que fala”, parafraseando
Simônides.138
138
MARTINS, Paulo. Memorial. Memorial Apresentado ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para Obtenção do
Título de Livre-Docente. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. São Paulo, 2013. p. 28. Acesso em: set. 2020.
139
MARTINS, Paulo. Idem, ibidem.
149
150
O poeta compara o governo de uma nau à condução da própria vida, uma tópica
recorrente na tradição clássica. Os mares que não se movem, o vento que assopra
brandamente e o céu azul, sem nuvens, compõem um quadro sugestivo e cinestésico da
calmaria. Esse quadro se aviva quando “a sorte muda”, como lemos na segunda estrofe:
Poucos elementos (vento, mar empolado, vela que se rasga, mastro que se parte)
colocados em sequência e em gradação operam um cenário de tormenta. O leitor consegue
“ver” a sequência dos acontecimentos e ao mesmo tempo ter uma ideia do quadro geral. A
vivacidade e intensidade são conseguidos pelo movimento obtido com os verbos que
indicam ação, que são empregados no presente do indicativo e na voz reflexiva. Numa
sugestão de autonomia dos elementos da natureza (vento Sul, mar) e, por metonímia, o
barco, como se dotado de vontade própria, escapa ao controle do piloto. A conclusão é
evidente:
Qualquer varão prudente aqui já teme: 10
Não tenho a necessária força e arte.
Corra o Sábio Piloto, corra e venha
Reger o duro leme.
Embora o argumento pareça intrincado ou complexo, a aparência de simplicidade
impera. A visualidade gera efeitos (éticos ou patéticos) no leitor. Trata-se de um
mecanismo retórico-poético em que as necessidades argumentativas (inventio), o
desenvolvimento lógico (dispositio) e a fruição do texto (elocutio) geram a visualidade e,
por consequência, o efeito (ético ou patético) sobre o leitor ou ouvinte.
150
151
É pertinente lembrar que a lira II, 15 refaz, quase termo a termo, a lira I, 1, num
elaborado procedimento intertextual.
151
152
Levando a sementeira, prejuízo,
Eu alegre ficava, apenas via
Na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
De ver-te ao menos compassivo o rosto.
152
153
Vamos proceder à análise dessa lira que dialoga com a lira 1 da parte I, tanto
em termos de matéria quanto de elocução. Ambas tratam dos bens, dos atributos e
das virtudes do poeta e do amor de Marília.
153
154
Já não cinjo de loiro a minha testa,
Nem sonoras Canções o Deus me inspira:
Ah! que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal Sonora Lira! 5
O mesmo Dirceu que na primeira parte era cantor que “concertava a voz celeste”,
vê-se agora em situação diametralmente oposta. A elocução também utiliza a litotes: o
enunciador não possui mais seu instrumento e lhe foge a inspiração divina que alentava
seus versos. O locus amoenus teria transformado-se, a princípio, num locus horrendus – o
cárcere escuro onde o poeta agora vive, privado de sua liberdade, de seus bens e sua honra.
No entanto, ao apresentar a Marília neste desalentado estado, anuncia que tem ainda a
incumbência dada por Cupido de continuar a cantá-la, mostrando-se disposto a atendê-lo
prontamente. Por certo, ainda lhe resta “paixão” e “arte”, ou seja, afeto e engenho.
154
155
prosseguirá. O argumento que serve tanto para o afeto quanto para a excelência do discurso
poético diz que aquele que “morre na desgraça” e ama vale ainda mais que aquele que
“vive no regaço da ventura”. Amar e compor versos são bastante semelhantes. O oxímoro
une as duas pontas da lira:
Esta estrofe figura o movimento que o poeta faz em contrastar o ambiente escuro da
masmorra com a imagem (ou o retrato) solar de Marília. A figura de Marília traz para a
masmorra o imaginário pastoril tão minuciosamente elaborado. Talvez por contaminação
do adjetivo “tenebrosa”, Marília aqui tem os cabelos negros. Resta adorná-la com requintes
preciosos. No retrato que lhe faz, o eu poético pinta ainda uma “chusma de Cupidos” que,
além de adornarem seu rosto, amplificam seus suspiros pelos ares:
155
156
A persona poética argumenta que se o retrato de Marília foi pintado por Amores
só a Morte pode apagá-lo. É uma maneira de colocar Marília neste novo cenário, tão
distante da cena bucólica das liras da primeira parte.
156
157
4. CONCLUSÃO
157
158
158
159
159
160
minha Marília) – que atravessa toda a tradição do gênero bucólico, numa tópica de longa
duração, de Teócrito a Bocage. O papel discursivo mais evidente de Marília é o de
interlocutora – aquela que assegura a situação discursiva. Em algumas liras, ela cede lugar
a Alceste, Glauceste ou Amor, entretanto, do total de 71 liras que integram Marília de
Dirceu (partes I e II), quase 70% têm Marília como interlocutora explicita e 93% citam seu
nome, de uma forma ou de outra. Se somarmos outras denominações como “bela”, “ó
bela”, “a minha bela” e “a minha amada”, que podem facilmente ser assimiladas à figura
de Marília, a proporção de liras que se referem a ela aumenta para 100%, o que torna essa
composição poética totalmente homogênea. Embora à primeira vista Marília se apresente
como uma figura estática, contemplativa e “sem voz”, o enunciador frequentemente faz um
esforço para trazer a destinatária para perto de si e dotá-la de vida, para atribuir-lhe estados
e humores variados. A destinatária é constantemente interpelada, seja pela verbalização de
seu nome, seja pela reiteração do chamado do enunciador, que a convida a compartilhar de
suas fantasias e invenções poéticas.
O discurso do poeta modula a presença de Marília ou, dizendo de outro modo,
Marília se apresenta sob múltiplas “facetas”, que se constituem poeticamente e se
articulam dentro das liras. Nesse sentido, Marília pode ser compreendida como a) uma
pastora do idílio pastoril b) um nome da tradição bucólica, c) uma interlocutora
privilegiada, d) uma personagem mitológica (que convive com deuses e se compara a
deusas) e e) uma imagem de retrato (ordenada retoricamente a partir das preceptivas
poéticas). Por fim, cabe notar o papel determinante que Marília tem ao unir as duas partes
de Marília de Dirceu. Ela opera uma espécie de intermédio conciliatório, Ressaltamos a
estratégia poética de Gonzaga de revalorizar seu discurso, agenciando temas e matéria,
além de formas elocutivas disseminadas na primeira parte, na constituição da segunda
parte de Marília de Dirceu. Seja pastora, personagem, interlocutora ou figura de retrato, é
esta mesma Marília que permite que Dirceu/Gonzaga consiga erguer seu “monumento
mais perene que o bronze”.141
141
Horácio, Ode 3,30. Tradução de Haroldo de Campos. “Mais perene que o bronze um monumento/ ergui,
mais alto e régio que as pirâmides,/ nem o roer da chuva nem a fúria/ de Áquilo o tocarão, tampouco o
tempo/ ou a série dos anos. Imortal/ em grande parte, a morte só de um pouco/ de mim se apossará. Que eu
sempre novo,/ acrescido em louvor, hei de crescer/ enquanto ao Capitólio suba o Sumo/ Sacerdote e a calada
vestal. Aonde/ violento o Áufido espadana, aonde/ depauperado de água o Dauno agrestes/ povos regeu, de
humilde a poderoso/ dirão que passei: príncipe, o primeiro/ em dar o eólio canto ao modo itálico./ Assume os
altos méritos, Melpómene:/ cinge-me a fronte do laurel de Apolo.
160
161
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