Teoria Do Estado e Ciência Política

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CaM Laem Chess CURSO DE TEORIA DO By Uren: afar POLITICA 6° Edicao eeeeeeeeoeceoseoseoeceeneeeeseee: | peeee Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro) Bastos, Celso Ribeiro, Curso de Teoria do Estado e Ciéncia Political Celso Ribeiro Bastos, — 6 edigio — Sao Paulo: Celso Bastos Euitora, 2004 Bibliogratia 1. OFstado 2. Estado ~ Teoria 3. Politica I. Titulo indice para Catalogo Sistematico: 1 Estado : Teoria : Ciéncia Politica 2. Teoria do Estado : Ciénei Politics CELSO RIBEIRO BASTOS Jurista. Professor de Pés-G Pontificia Uni juagdio em Direito Constitucional da rsidade Catélica de Sao Paulo, CURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA 6" edigao 2004 Lf e e e > e GURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA @OLITICA $ edicao e150 RIBEIRO BASTOS e GCePvriewe 2004 Qa: Viadimir Thimoteo (Hundred) odusto Gritea: Hundred oducHo Ealtorial: Maringela Passrel Q"celsobastoseditorcom br e (@1S0 BASTOS EDITORA Lida ua Conde Prates, 506 "EP 0312-000 — Sao Paulo, SP, Brasil feliFax: (11) 6606-8875 itos Reservados. Nos termos da Lei que resguarda todos os direitos autorais € robe a reprduglo tll ou paral Ge quauer frina ou por guaguet meio, Grice oumecince incsive ves de processor teroprains, foci ¢ povacto, em permis por esto do autor eo er a e e e e e e Impresso no Brasil Indice Dedicatéria Xu Capitulo I - INTRODUGAO A TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA, A complexidade do fendmeno estatal 1 2. Origem da disciplina 5 3. A questio terminolégica 10 4, Objeto... sn cone Td 5. Método . 13 5.1. Ocexclusivismo juridico de Kelsen em relagio ao Estado. 14 5.2. 0 exclusivismo sociol6gico de Lassale em relagao ao Estado ..... sonnei . 1s 5.3. O nosso entendimento sobre a questi ... 18 Capitulo I - SOCIEDADE 1. Sociabilidade do homem....... . 23 2. Origem ~ . 28 ev e @ 2.1. Sociewtadle natural 25 e 2.2. Sociedade contratual . 26 @ 3. Elementos caracteristicos . soe 31 @ 4 Tipos de sociedades setae 3h @ _ & Sociedades politicas 36 @ © Ordem social... 38 © capitulo I -ESTADO @ | Natureza e esséncia on 41 © 2 origem . . . foe 49) @ 3. hustificagao.. . oss 60) @ 4.Fins . 60 @ 5. Fungées....... cece . 65 @ 6. Nascimentoe extingao 66 Sena IV~TERRITORIO @ |. Conceito . 69 @ 2: Principio da territorialidade 7 @ 3 Limites territorais. 3.1. Espago aéreo. © 32 Martertitorial ; 3.3. Plataforma continental 75 capitulo V- 0 Povo © 1. conceito.., 7 ©@ 2. Nogao juridica 78 @ 3. Cidadania oo 80 @ 4. Nacionais, binacionais ¢ apatridas . vee 82 @ 5. Nacao . ene cone 8S e.. @C*Pitulo VI- PODER SOBERANO @ | Origem 89 2. Poder social 90 vn 3. Poder jurfdico e politico teen ne 92 4, Soberania ... . oe ssn 94 4A OFF gEM ccc seen sects 9M 4.2. O pensamento de Jean Bodin..... ao 96 4.3. A soberania nos dias de hoje - soe OF 5. Legalidade e legitimidade wo... soe 99 6, Poder constituinte . . oe 102 6.1, O pensamento de Sieyés . . 104 6.2, Natureza juridiea . - soe 106 6.3. Titularidade € ex€rCfCI0 oo csesnee - 108 7. Poder reformador ..... 1s 8. Poder decorrente... 17 9. Constituigéo oven so 119 10, Mutacao constitucional: reforma e revolugio - 121 Capitulo VII - PRINCIPAIS REGIMES DE GOVERNO 1. Classificagio . ee 2, Monoeracia .... enemies ID 3. Oligarquia .... severe seosvees 129 4, Democracia “ - 129 4.1. Demoeracia direta .... sonnets 137 4.2. Democracia semi-direta ... Socnnnnnnnnne 138 4.3, Democracia indireta..... 139 5. Tirania seen otis M4 6. Ditadura an enntnmstennenese VAD Capitulo VIII - © ESTADO A PARTIR DAS FORCAS SOCIAIS. [Forgas sciatic oe 145 2. Sociedade de classes .... 146 3. Sociedade pluralista ..... fees 150 4. Sindicalismo e corporativismo . . 152 un e Capitulo IX —O ESTADO DIANTE DA HISTORIA 1. Classificagao 2. Estado estamental 3. Estado de policia 4, Estado de direito 4.1. Revolugao francesa 5. Estado social de direito 6, Estado totalitério 6.1. Estado fascista 6.2. Estado nazista.. 7. Estado democritico de direito ®apitulo X — 0 ESTADO DE PODERES DIVIDIDOS © 1. Astrés fungoes basicas do Estado a @ 2 Aecesséncia da teoria da separagio de poderes .. @ 3. Evolugao da teoria.. @ 4. Fungio de controle. @ 5.A Corte Constitucional: fungao politica e juridica ltulo XI~ PRINCIPAIS SISTEMAS DE GOVERNO 1. Classifieagao © 22 Caracteristicn © 3, Presidencialismo 3.1, Origem ns @ 3.2. Caracteristicas. © 33. impeachment @ 3. Anarquismo. . 193 157 158 158, 161 165 166 170 173 175 176 179 . 181 184 188 190 193 194 196 198 . 199 200 .. 203 . 207 Bovine XI - 0 ESTADO SEGUNDO SUA ORGANIZACAO ECO- NOMICA, © |. Estado liberal © 2 Estado marxista 2 214 3. Estado neoliberal... . 4. Estado da social-democracia ipitulo XIII ~ PRINCIPAIS FORMAS DE ESTADO 1. Estado unitario.... 2, Estado composto 3. Federagao: origem.. 4. A Federagao nos dias atuais . 5. Desconcentracao e descentralizagio ... 6, Repartigdo de competéncias entre os entes federativos 7. Soberania da Unido .. 8. Autonomia dos Estados-Membros .. 9. Autonomia dos municipios Capitulo XIV - SISTEMAS ELEITORAIS 1. Eleigdo, voto e mandato 2. Voto majoritério 3. Voto proporcional 4, Voto distrital.... 5. Sistema eleitoral misto . Capitulo XV ~ BUROCRACIA 1. Nogées gerais ...,.... 2. Burocracia e politica 3. Avaliagao do papel da burocracia Capitulo XVI ~ GRUPOS DE PRESSAO |. Origem ..... 2. Grupos de interesse e grupos de pressiio 3. Vantagens ¢ desvantagens dos grupos de pressio 4. Grupos de pressao e partidos politicos 5. A regulagdo juridica dos grupos de pressao. «228 247 .. 251 . 257 218 221 223 223 224 233 235 237 237 +. 238 241 245 246 249 253 .. 255 256 259 262 @ e Qapiulo XVII PARTIDOS POLITICOS 1. Nogdes gerais 2. Classificagio 3. Partidos de quad 4, Partidos de massas 5. Sistemas de partidos. 5.1. Bipartidarismo, 5.2, Multipartidarismo ws . 6. Sistemas de partidos e sistemas eleitorais 7. Os partidos politicos e 0 seu progressive enquadramento pelo direito apitulo XVIII - LIBERDADES PUBLICAS 1. Conceito a 1.1. Direitos e garantias 2. Hist6rico. 3. Declaragio francesa 4, Declaracdo americana .. 5, Evolugio dos direitos individuais.. . 7. Declaragao universal dos direitos do homem 1. A dupla personalidade do Estado: a interna e a externa 2. O primado da ordem juridica estadual 3. O primado da ordem juridica internacional 4. A teoria dualista oe 5, Organizagdes internacionais ... Peewee socccoocepocccoccoee @Capitulo XX - GLOBALIZACAO 1, Breve anilise histérica do surgimento da globalizagao .. 2. Da globalizagao 3. Da superacio do conceito tradicional de soberania 4, A globalizagao € a internet 265 266 267 268 . 269 270 271 272 273 275 276 277 278 281 282 . 285 ‘apftulo XIX -O ESTADO NA ORDEM JURIDICA INTERNACIONAL 289 .. 292 2. 293 293 294 299 301 304 307 5. A globalizagio ¢ 0 regionalismo 6. Conclusdes. 7. Uniio Européia 8. NAPTA 9. Mercosul 10. ALCA.... Capitulo XXI - ESTADO DO FUTURO 1. Consideragdes gerais... 2. Constituigdo do “por vir” 2.1. Constituigao da verdade....... 2.2. Constituigao da solidariedade ... 2.3. Constituigao da continuagio 2.4. Constituigao participativa ..... 2.5. Constituigao integraciorista 2.6. Constituigao universal... Bibliografia .. xI 309 ail 313 a4 ais 316 319 323 324 325 325 325 326 326 Capitulo I Introdugao a Teoria do Estado e a Ciéncia Politica Sunério: |. A complexidade do fendmeno estatal. 2. Origem da dsciplina. 3. A uestio terminolégica. 4. Objeto. 5. Método: 5.1, O exclusivisma juridico de Kelsen em relagio ao estado; 5.2. O exclusivismo sociol6gica de Lassale em «elago ao Estado; 5.3. O nosso entendimento sobre @ questo, 1. A COMPLEXIDADE DO FENOMENO ESTATAL A Teoria ou Doutrina! do Estado tem como finalidade precfpua 0 seu estudo, englobando todos os seus elementos, quais sejam, povo, territ6rio e poder soberano?. Também estuda a atividade politica’ para assim atingir 0 seu desiderato, * O vociialo“teoria” advém do grego esigitica “visio de wim espetsculo”.jé“outrina™ significa o conjunto de idéias sujoitas ts regras da lok * Trataremos do teritéo, do povo ede porte sober W.VeV * Nelson de Sousa Sampaio, no seu Prilogo & Teor de Esendo. exemplifies: “Sabemos ue vs homens ve encontram entrelajados, em diferentes grupos € desenvolvenda variaan atvidades, Somos simultaneamente membos de wns Familia, dew sindvat le un ele respocti mente, nos eapitulos e CURSO DE TEORIA DOESTADO ECIENCIA POLITICA e 1 e © _ Onosso intuito, contudo, nestas primeiras linhas, nio é o de oferecer conceito de Estado mas sim de introduzir a problematica em torno & embora fique registrado aqui que se tratard do ente estatal mais, iante no Capitulo III. Esta disciplina vé 0 Estado como um fendmeno mplexo que envolve realidades de toda a sorte. Portanto, para ser @m compreendido, faz-se necessério analisé-lo sob os prismas das @éncias juridicas e das sociais, dentre as quais destacamos a historia, a fence politica a sociologia. Assim, o Estado 6 uma realidade socio- ygica a partir do momento em que o analisamos como uma evolugdio do jomem para se chegar a uma sociedade politica capaz de resolver as jas necessidades. E também realidade juridica posto que toda a @eanizacao estatal esté pautada em normas juridicas. De fato, boa parte @ realidade estatal esta definida pelo Direito. Paulo Bonavides distingue tas duas realidades: “O objeto da Ciéncia do Direito comeca com 0 junciado da lei, ao passo que a Sociologia Juridica, precisamente por fers vinculagdo essencial entre 0 fato juridico ¢ os demais fatos iais, procede antes a uma indagagdo genética da norma, para desco- @ir, na matéria viva da experiéncia social, os elementos geradores do @reito. O jurista se contenta com a aplicagdo da lei, depois de uma @eTACAO légica em que reduz 0 caso concreto a uma norma extraida e ativo, de uma igreja, de uina sociedade comercial etc, e desenvolvemos diferentes Qin eco gion, ansica, recretva et Eneessas formas de asecaghoe de idade hi algumas que nés adjtivamos de ‘politcas...) Por outro lado, 0 exerefcio das es de mando bem como a lta elas posigdes que, dentro desses grupos, permitem conse lira obediéneia dos outros homens ou influenciare dingir suas condutasconstituem 2 atividade @isica™. (SAMPAIO. Nelson de Sousa. Prélogo a Teoria do Estado. Ideologia e Ciéncia itica. 2 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 13 € 14). + No mesmo sentido, Themnfstocles Brando Cavalcanti escreve: “Nada mais dificil do @ ciscriminar.na anise dos problemas do Estodo,o conte de cada um dos seus aapectos @e We € jusiico, 0 que é politica, o que 6 econdmico ete Por outro lado, dificil se torna usar um tinico método na anise dos fendmenos, pre imente em relagio is teorias do Estado que, geralmente, consideram o Estado em sua evoh- @ istsrica 288 Tent to Estado compreendem o proba global, so € o Fst, como 0 histtico, polticn, social, ético em su pusiga absoluta e na std posigdo relativa come (@a2de ou ns ordem internacional”. (CAVALVANTI. Temistocles Brandlao. Teoria do Estado ed. So Paulo: RT, 1977. p. 151 e INTRODUGKO A TEORIA DO ESTADO E A CIENCIA POLITICA 3 dos cédigos ou da jurisprudéncia. O sociélogo-jurista levanta o problema da maior ou menor eficécia da lei, medindo o grau de sua adequago & realidade, pela aceitazfo ou recusa que encontrana consciéncia social”.* Trata-se de uma ciéncia sintese que procura reunir todas estas facetas em torno do seu objeto, o Estado. Nao é que esses critérios estejam sobrepairando uns aos outros. Na verdade, todos eles poem-se no mesmo nivel de importancia, afinal, séo manifestagdes do fendme- no estatal que permitem serem captadas pela Teoria do Estado. Portan- to, todas estas matizes do fendmeno estatal acabam por constituir em uma fonte de consulta para o te6rico do Estado, Note-se que a Teoria do Estado € uma disciplina auténoma, apesar de manter estreitos lagos coma sociologia e odireito, pois delas se vale para obter maiores infor- mages sobre a evolucao do Estado ¢ as suas caus’ Poderiamos, entao, dizer, utilizando-se de uma linguagem metaforica, que o Esiado é um poliedro multifacetitio, isto €, conforme © Angulo que se olha, descobre-se uma nova faceta. Vale dizer, para qualquer posigao que 0 observador se deslocasse, facetas diferentes dessa figura geométrica seriam vistas nao lhe sendo possivel examind- la toda de uma vez, Note-se que € preciso contorné-lo, analisando-o sob os mais diferentes aspectos, para que se tenha uma nogio do todo. Isto se aplica inteiramente ao fendmeno estatal. Assim, conforme nos impressionemos mais por esta ou aquela faceta do Estado, chegaremos a conclusdes as mais diversas possiveis. Dito de outro modo, conforme seja a postura em que se coloque o estudioso, o Estado ganha outras dimensées tais como a juridica e a sociolégica. sta multiplicidade que se apresenta em tomo do fendmeno estatal nao prejudicao seu estudo. Ao contrario, é por forga desta multiplicidade que se pode ter uma compreensao cabal do que seja o Estado. Nao se trata, pois, de um imperfeito ou insatisfatério desenvolvimento cientifico, mas sim de uma dificuldade que reside no préprio amago do objeto estudado, * BONAVIDES, Pauio, Rejlewes poiticas e Divito, Fortaleza: Imprensa Universitaria «da Universidade Federal do Ceara, 1973, p. 332. e ‘CURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA e @ que acontece é que a Teoria do Estado no se limita somente a @escrever a realidade juridica do Estado. B necessério também adentrar seara das ciéncias sociais a fim de descobrir outros aspectos do Fae A Teoria do Estado € uma ciéncia do “ser” que descreve funda- jentalmente como € o fendmeno estatal, ou se se preferir, descreve @omo efetivamente ocorrem tais fendmenos, procurando, no mais das @ézes, express4-los ou desvendé-los. Nao pode ser confundida com 0 @rcito Constitucional que € uma ciéncia do “dever ser”*, cuja norma (ois projegdo futura a fim de regular a conduta na sociédade. ode-se dizer que o Direito é um conglomerado de normas que estipulam fomo devem ser as coisas, € ndo como efetivamente elas so. Nao se fata de uma mera descricio, vale dizer, como de fato ele & Nao. Aqui @é uma criagdo racional do homem. Por exemplo, uma norma que @brigue o devedor a saldar o seu débito para com o credor. Note-se que 4 aqui um vinculo obrigacional resultante de uma criago humana (0 islador). E © préprio homem que enlaga o antecedente (receber inheiro emprestado) ao conseqtiente (pagamento). Este nexo de usalidade no é descritivo de uma relagao preexistente a intervenco @umana. Pelo contrario, dela resulta, e 86 se mantém enquanto esse for © propésito de seu criador. A liberdade na escolha dos antecedentes e jos conseqiientes, a serem relacionados pela cépula do “dever ser”, € @@ler2: desde que nfo contrariem evidentemente a eis fisicas (por exern- lo, proibir a queda de um corpo langado ao ar —a lei da queda livre). Jé a Teoria do Estado procura emitir jufzos de ser ou juizos de xisténcia sobre o Estado, vale dizer, procurar explicar como os fatos Ifticos sZo na realidade”. E neste particular se afasta do Direito ‘onstitucional que é uma ciéncia do dever ser. Nao se pode, pois, e e @ +e forma diversa, passam-se as coisas no universo do “ever ser" E 0 que ensina Geist Teles uno. “Anema jure no eserta dum componamento efvament antido, ou de um estado de coisas efetivamente existent, Ela é, isto sim, a (rmula do @orportamento que deve ser mantido, em determinada circunstancia, ou o modelo de um @rinesio deci, Ea umaintcato de camino, noo elto do camino pero, la nfo desereve o que €, mas o que deve ser. Ela nfo é norma do see, mas do dever-ser (@riciagtio na Citncia do Dieto. S30 Paulo: Saraiva, 2001, p. 59). @ _"2R"eria obra de Nelson de Sousa Sampaio, rélogod Teoria do Estado e INTRODUGAO A TEORIA DOESTADOEA CIENCIA POLITICA, 5 compaginar 0 “mundo do ser” com © do “dever ser”. S40 mundos, portanto, ontologicamente diferentes. No primeiro, tem-se uma atitude explicativa, enquanto no segundo, as consideragdes so de ordem valo- rativa ‘Tem que se ter em mente que a Teoria do Estado preocupa-se com a pesquisa de grandes princfpios que orientam sua organizagao estrutura, além de estudar a natureza do poder e precipuamente seu exercicio. A Teoria do Estado busca sobretudo conhecer a realidade do Estado. Alessandro Groppali conceitua a Teoria do Estado como sendo iéncia geral que, enquanto resume ¢ integra, em uma sintese superior 65 princfpios fundamentais de varias ciéncias sociais, jurfdicas e poli- ticas, as quais t&m por objeto o Estado considerado em relagao a determi- nados momentos histéricos, estuda o Estado de um ponto de vista unita- rio na sua evolugdo, na sua organizacao, nas suas fungdes € nas suas formas mais tipicas, com o escopo de determinar-Ihe as leis de formaczo, os fundamentos e os fins”. Poderiamos dizer que a teoria do Estado é uma ciéncia que procura descrever ¢ explicar o fendmeno estatal, abstraindo estas facetas que todo Estado tem para o efeito de extrair um modelo comum. A Teoria do Estado surgiu, portanto, com uma doutrina que paira acima das patti cularidades de cada Estado, ficando com 0 seu campo de atuagdo deli- neado no que ha em comum entre os Estados, analisados fundamental- mente sob 0 enfoque sociol6gico e juridico. 2. ORIGEM DA DISCIPLINA Cumpre ainda dizer que foi a partir do periodo entre-guerras que surgiu a necessidade vital de se estudar 0 fendmeno estatal, que a todos envolve, cis que cad ser humano est sempre vinculadoa um determi- nado Estado. Passatemos a tratar agora do enfoque que recebeu a'Teoria SROPPALI, Alessandro. Doutring do Estado. Revista Brasileiva de Estudos Politicos. 1. Sto Paulo: Saraiva, p. 71 G (CURSO DE TEORIA DOESTADOE CIENCIA POLITICA @io Estado em fungao dos pressupostos filoséficos predominantes em @ada época. @ Na Antigiidade, o Estado foi estudado por Aristételes, que anali- @ando de maneira empitica as cidades-estados gregas sob 0 ponto de sta politico elaborou uma classificagdo de todas as formas de governo eG pore. © filésofo rego € considerado por muitos como sendo 0 riador da Ciéncia do Estado, pois ele se utilizava tanto da colheita dos @atos como da comparagao de dados histéricos para lidar com o seu @bjeto de estudo. Utilizava-se em seu estudo da observagio direta ou @ia, da pesquisa de campo, através do emprego de técnicas tiradas da ociologia, como a investigacdo por sondagem. Jé Plato, mestre de Orrstotcles, em sua obra “A Republica”, ao contrério do método utilizado Gor seu discipulo que estudou o estado sob seus aspectos concretos e Geais, buscou a criagdo de um Estado ideal, superior, € dizer, como 0 Estado deveria ser € no realmente como ele era no mundo real. Foi yuscar no mundo das esséncias (idéias) 0 conceito ideal de Estado. f= sentido cumpre acrescentar que para Plato a politica era a primei- das ciéncias, ¢ isso se dessume de suas obras de carter eminentemente @speculativo. © Na ldade Média, o Estado se encontrava extremamente ligado com @igreja, chegando mesmo as vezes a se confundir com ela. Vale lembrar @te foi nesse periodo que o cristianismo® se firmou como religido. Por- into teremos como expoentes da Teoria do Estado nessa época, So gene de Aquino e sua obra “Suma Teol6gica” e Santo Agostinho ¢ sua obra “A cidade de Deus” que trataram da delicada relagao entre 0 joder espiritual (Igreja) e o poder social (Estado). A principal preocu- @acio de ambos residia na funcdo ética e teleol6gica do Estado, e qual @ modelo de Estado que mais se adaptaria a essas fungdes. Na realidade, @zecuraram justificar a existéncia do Estado a partir de consideragdes € * Sobre o crstanisin, BalladorePallier comeata:(..) 0 certo € que, com aéveno do Giaianisn,asisimossumarevravoto E dese eye ae Seeniorgaceespccenn @ problemas qu anda hoje debatemos: €a pane dessa altra que se mostam completamente Petter detpovios de qualquer significado os anios problemas quam angutada 2 pagh. Niohé divide, mesmo no que diz espeito politica, que estiaismo foo maior (@ortecimentorevlucionrio de todas hstéria da humanidae — ee INTRODUCAO A TEORIA DO ESTADO E ACIENCIA POLITICA 7 teleol6gicas. Na Idade Média, assim como na Idade Antiga, 0 poder se encontrava descentralizado, é dizer, disperso em cidades-estados ¢ nos feudos. Maquidvel (1464-1527), com o seu livro “O Principe”, cumpriu tum papel importante no desenvolvimento da idéia de Estado. Foi a partir dele que passou-se a estudé-to sob um ponto de vista mais politico, analisando-se precipuamente sua organizagio ¢ sua atuagio. Ele alterou essa relagao entre poder espiritual e poder social, desvinculando um do outro, pois ele colocou o Estado como senhpr supremo do individuo. A idéia central da obra de Maquiavel reside na busca das condigées neces- sérias para a conquista do poder e principalmente para sua permanéncia nele. Portanto, a principal preocupag’io de Maquidvel foi o estudo do poder. Acredita-se que esse interesse nasceu por influéncia do contexto hist6rico da época, pois era um momento de transigdo entre o fim da Idade Média e inicio da Idade Moderna, onde as cidades-estados eram lideradas pelos seus principes. Maquidvel, de certa forma, dedicou especial atengio em sua obra ao fornecimento dos principais elementos que levam & obtengio ¢ desempenho do poder, tendo ficado famoso pela liberdade de métodos que admitia, pois deixou de lado qualquer reocupacio ética ou moral. Tanto isso é verdade que no diciondrio 0 termo maquiavélico e maquiavelismo significam, respectivamente: “que tem, ou em que hé perfidia, dolo, mé-f6, astuto, velhaco, ardiloso” e “sistema politico exposto por Niccold Machiavelli, dito Maquiavel (1469-1527), escritor e estadista florentino, em sua obra O Principe, € caracterizado pelo principio amoralista de que os fins justificam os meios; politica desprovida de boa-f6; procedimento astucioso, velhaco, traigoeiro (...)”.!° No Renascimento, Bodin (1566), em seus estudos, afirma que a diferenga existente entre os diversos Estados siio determinadas por diversos fatores como: 0 clima, 0 relevo, a economia, a alimentagao e 0s costumes. Bodin, em suas obras, também construiu para os monarcas uma espécie de justificagao juridica do poder absoluto. Nese sentido, " FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Diciondrio Aurélio da Lingua Portuguesa. 2 €6. Si0 Paulo: Nova Fronteia, . 1086, e (CURSO DE-TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA e @possivel dizer que ele sistematizou a doutrina da soberania do rei, je, segundo a sua concepgdo, detém o poder absoluto ¢ perpétuo S14 sujeito apenas a Lei Natural. Explica Jean Bodin: “O Principe Goerano 86 presta juramento a Deus. Entretanto, a soberania nao tinha @hites, nem em poder, nem em encargos, e nem por certo tempo. @via restrigdes quanto a matéria sobre a qual incidia 0 ato real”."" No Gerson Augusto Comte (1798-1857), procurou analisar os sndmenos sociais e descobrir as leis que the deram origem, encontrando sim as telagdes de sucesso e de semelhanga, © Cutros autores como Locke, Hobbes, Montesquieu ¢ Rousseau, @b a égide do Direito natural, estudaram o Estado sob o ponte de vista @ natureza humana e da vida social, Faz-se necessdrio acrescentar aqui @e Es deles eram contratualistas (Hobbes, Rousseau e Locke). Os gontratualistas (séc. XVI e XVIII) acreditam que a sociedade e 0 Estado Grsicam atraves da celebragdo de um pacto “o contrato social”, ou @ja, foi criada a partir de um ato de vontade humana. E dizer, o homem @c vivia sem a regéncia de um poder central e de uma organizagao ‘de passar parte de suas liberdades individuais para um poder comum ijetivando a realizagdo do bem comum, a protegao de seus direitos e ns € 0 estabelecimento de regras de convivio social’, Para Hobbes © texto apresetado por Jacques Marian, Man and State, p45. @ __**Conforme o modelo jusnaturalistco da oigem do Estado, que se repete com sensiveis ages, mas sem alteragbes substancisis da dicotomia fundamental "Estado de natureza— es Gi detoben gu ees rn, Kane sts tepid, oBsadoey Scie (@iitnasce or conrastecom um estado primitivo da humsanidade em que ohomem vivia sem tras les Sendo as natuais. Nase, portanto, coma insitvgSo de um poder comm que s6€ de gaantiraosindividuos associados alguns bens fundamentais como a paz, liberdade, opriedade, a seguranga, que, no Estado natural, sb ameagads seguidament pela explosio Wests slute conta excasvamene avout, Dame com as pees Locke: “Aqueles que se reinem nom s6 corpo e adotam wna lei comm estabelecidae uma stature 8 qual apela,investida da autondade de decid a8 conrovérsts que nascem iris sc encntam uns como ones em Seas cvs; rs en tse (G2 coma. esto sempre no Estado de natureza"( Segundo tralado sobre o govern, § $7) Agora as palavras de Kant: "O homem deve sai Go Estado de natreza no qual cata © se30e 0 caprichos d propria fantasia, pars uni-e como todos os outos.esubmete se (@™ Nessto exemapubticament legal. quer dizer que can deve anes de qualquer tra coisa, entrar num Estado civil”. (Metafisica dos costumes. I Doutrina do diveito,§ 4." @ObBIO, Nosbero, MATTEUCCI, Nicole, PASQUINO, Ginfranco, Diciondrio de Politica ed, Brasilia: B4. Universidade de Brasilia v. 2, p. 1206 ¢ 1207 e j INTRODUGAO ATEORIA DO ESTADO A CIENCIA POLITICA 9 (séc. XVID, na sua obra“O Leviata'”, este ente politico era soberano, essa soberania advinha de um ato de transferéncia de direitos ¢ de sub. missao de siiditos ao soberano. Essa concepeao do Estado provinha da * influéneia dos antagonismos existentes na época, entre a Coroa (a dinastia dos Stuarts que cefendiam o absolutismo) e o Parlamento inglés (a burguesia que representava o liberalism). Nesse periodo, a Inglaterra se encontrava em plena guerra civil, de carter tanto politico como reli- gi0so, de revolugdes e, conseqiientemente, abalada por uma grave insta- bilidade politica. Para Hobbes, o Estado absoluto era a tnica solugao para se vencer o caos politico que existia na Inglaterra do inicio do sé XVI ‘44 para Rousseau, (1712-1778), totalmente avesso ao absolutismo, 4 solugdo dos problemas estatais residia na conferéncia de toda legitimi dade da ago politica 4 vontade geral (povo). Daf se extrai que para Rousseau a soberania se encontrava no povo e nao no Estado, portanto © povo poderia se rebelarcontra ele. Tal pensamento se encontra presente em sua obra “O contrato social”, na qual cada cidadio tornou-se absolutamente independente dos outros ¢ exageradamente dependente do Estado, que ao mesmo tempo que garante, também reprime a liber- dade de todos os componentes da sociedade. Em suma, para Rousseau 0 Estado € a personificagdo da democracia totalitdria, J4 Montesquieu, em sua obra “O Espirito das leis”, se ateve ao estudo das formas de governo € nao do Estado em si mesmo. Ele compa- rou entre si o maior nimero possivel de regimes de governo em todas as partes do mundo, para deste modo chegar a concep¢ao do Estado ideal e sua respectiva forma de governo, Montesquieu também concebeu a triplice divisio dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciério Para Wilhem Friederich Hegel (1770-1831), 0 Estado estava incluido na evolugao dialética, como personificagao da raz4o. O homem estava a servico do Estado, que além de totalitario era também divini- zado. Nesse sentido, verifica-se que 0 Estado foi hipostasiado, englo- bando 0 todo social, Mas foi na Alemanha do séc. XIX que apareceu @ ‘Teoria do Estado como cigncia auténoma, que tem por objeto o Estado. O marco desse periodo foi a obra de Georg Jellinck “Teoria Geral do Estado”. A partir disso se intensificaram de maneira surpreendente estudos sobre o Estado, principalmente em paises como a Itélia, eo. Portugal e Espanha. No Brasil, a Teotia do Estado s6 passou a Qer parte do curriculo universitario a partir de 1941, pois antes ela @:zia parte da cadeira de Direito Pablico Constitucional, Essa mudanga €: diretamente relacionada com o Estado Novo e com o surgimento -governos fortes que desejando a obtencao de um maior poder politico, abaram por intensificar os estudos do Estado. Oestudo da Teoria do Estado faz-se cada vez mais necessitio e Priamos até imprescindivel, na medida em que o Estado temn sido objeto timeras transformagies. Sé no século XX tivemos o Estado totali- @rio (nazismo e fascismo), o estado comunista, o socialista ¢ o estado @eral. E, agora, neste inicio de século o Estado vem sofrendo o esvazia- @ento de sua soberania, ao passo que o fendmeno da globalizacao vai lhando corpo, e dando origem aos blocos econémicos. Exemplo deste fermeno siocs diversos mercados comuns, como a Alca, 0 Mercosul, @nafta. A Unio Européia jé é uma etapa mais avancada deste proceso @ qual se busca, nao s6 uma integragdo de mercados entre os paises @opcus, mas também uma unificagdo monetiria que j4 se efetivou G2 instituigao do “euro”, a mais nova moeda em circulagéo no mundo. e . @4 QUESTAO TERMINOLOGICA E de bom alvitre ressaltar que a Teoria do Estado recebe outras Geominasees como ade “Ciéncia do Estado” ou “Ciéncia Politica”. A jominago Ciéncia Politica é empregada em vérios paises como os @ados Unidos (Political Science), a Espanha (Scienza Politica) ea @anca (Science Politique). J4 a Alemanha utiliza-se da denominagao fe Geral do Estado” ¢ a Itélia emprega a denominago “Doutrina Estado”. Alguns autores, dentre eles, destaca-se Alessandro Groppali, entanto, so contrérios ao emprego do adjetivo geral por acreditarem le uma doutrina pelo simples fato de ser doutrina s6 pode ser gral @n contrapartida Jellinek fundamenta que a Teoria do Estado biparte- @&£™ principio, em Teoria Geral do Estado (Allgemeine Staatslehre) e Gf eorie Particular do Estado (Besondere Staatslehre), uma mplementando a outra. Nesse sentido, afirma Jellinek que a primeira ‘© propse ao estudo de varios ‘ados, suas formas de governo, seus =e i i INTRODUGAO A TEORIA DOESTADO# ACIENCIA POLITICA un fendmenos gerais e suas determinagoes basicas. J4 a segunda tem como finalidade precipua comparar as instituigdes particulares do Estado, em uma determinada época, para que desta maneira possa se alcangar as formas dessas instituigdes. Todavia, faz-se necessério advertir que hé uma diferenga entre Teoria do Estado e Ciéncia Politica, pois esta ultima além de ter um ‘campo de atuagao mais abrangente, ela trata o Estado de uma maneira mais concreta, Jé a Teoria do Estado trata o Estado de uma forma mais abstrata, objetivando buscar uma visio mais geral desse ente politico para melhor poder estudé-lo. Cumpre dfzer também que a Ciéncia politica serve de suporte para a Teoria do Estado, pois ela estuda de maneira empirica alguns aspectos que sio extremamente titeis para a Teoria do Estado, quais sejam, os fendmenos politicos. 4. OBJETO A Teoria do Estado € uma ciéncia, e toda disciplina que pretenda ser cientifica tem que ter em mira um determinado objeto. Assim, um Ponto importante a ser enfrentado no inicio do nosso estudo € saber qual é 0 seu objeto. E para isto € necessério dar-se uma nogiio do que seja 0 proprio Estado, vale dizer, o que vem a ser o ente estatal. O Estado nada mais é do que 0 resultado de uma longa evolugao no modo de organizago do poder. Ele € uma decorréncia das transformagdes pela qual passou a sociedade politica no inicio dos tempos modemnos. E a denominagao que se deu as organizagées politicas que surgiram a partir do século XVII. Em 1648, houve o Tratado de Westfalia que foi um acerto de contas entre a Franga ¢ a Inglaterra na qual se pés fim a Guerra dos Cem anos. A partir dai o poder centralizou- seem um tinico érgao, ¢ éeste o trago caracterizador do Estado Moderno, elemento este ainda encontravel nos dias de hoje. Este € « mais complexa das organizagdes criadas pelo homem, simultaneamente é um fato social e um fendmeno normativo. O Estado tém mais de uma dimensao. E uma realidade que € construfda a partir de normas j' idicas e dos fatos sociais. Assim, o Estado é uma entidade Que nao ape as elabora o direito, vale dizer, que por ser dotado de um aS @2 CURSO DE TEORIA DOESTADOECIENCIA POLITICA e @poder soberano tem o privilégio de editar leis aplicdveis no seu territério. ta fungao € uma dentre as miltiplas possfveis a que o Estado pode ‘exercer. Dai porque chegat-se a sua definigdo constitui em tarefa das ais drduas. Em outros dizeres, € dificil reunir as matérias que sejam proprias ‘Gesia sociedade politica. Esta dificuldade torna-se mais evidente 2 partir @o momento em que se compreende o fendmeno estatal como um @ocesso em constante mutagao. O Estado ora avanga, ofa recua, depen- @Gendo das circunstancias de cada época. Poderiamos até enfatizar, por sta dtica, que o Estado é um conjunto de atividades politicas, que, no ysis dae vores umas do se relacionam necessariamente com as outtas. Ge justamente isto que torna a sua definigdo um tanto dificil ‘Vejamos @m cas0 pratico. Hé Estados em que pautam a sua atuagdo pela compe- ncia do seu processo legislativo, como também em matéria risdicional. Ha outros que intervém no dominio econdmico, exercendo lusive 0 poder de policia administrativa. E possivel encontrar, ainda, Ustados fortemente influenciados pela implementacao de atividades @=iais, tais como educagao, satide, previdéncia. Portanto, o Estado é plexo de atividades politicas, podendo interferir em maior ou menor Geese nas mesmas @ _ Epreciso, pois, reconhecer, de pronto, esta complexidade do fend- eno estatal para que seja possivel atingir o objeto da teoria do Estado. (ets, o Estado ern une fungo, que € aquela a qual jé nos referimos, @ claborar as leis, Portanto, é uma atividade abarcada pelo Direito. @a parte da sua atividade é cingida pelo Direito. Isto nos levaria a Greens neste particular, que 0 seu estudo seria, em principio, ecionado pela Ciéncia normativa, afinal, o Estado tem uma atividade gislativa consistente na elaboracdo de normas juridicas. Acontece, rretanto, que o Estado tem em mira outras atividades, que se distan- @am do carter normativo, tais como ade construir estédios, escolas, a @ Proporcionar o seguro-satide, a de assegurar um bem-estar social, exemplo, mantendo as universidades. Enfim, o Estado desempenha R. série de outras atividades que nao so normativas, Sao atividades Meiais que demandam uma insergdo na sociedade, mediante acaptagio ‘@recursos para a realizagio de obras ou servigos. Estas atividades jé jp podem ser analisadas como dentro do espectro normativista. Elas fipoaem ser examinadas a partir de um estudo sociolégico. Em outras e INTRODUCAO A TEORIA DO ESTADO E A CIENCIA POLITICA B palavras, 0 que vai ocorrer é que depois de editadas as leis, estas ao Passarem a ter vigéncia na sociedade, elas geram um fenémeno politico, fendmeno este estudavel e absorvivel pela sociologia. Por qual motivo? Porque s6 a sociologia é capaz de oferecer um exame efetivo do compor- tamento dos grupos sociais A par da atividade jurfdica, o restante das atividades estatais tem de ser examinado num espectro amplo que s6 € reconhecido pela socio- Jogia do Estado. Ela vai estudar 0 que se passa na sociedade, considerada enquanto um fato social. Ela penetra, pois, no amago da sociedade. Assim, uma parte importante do Estado délimitada também pelo estudo dos socidlogos do Estado. Portanto, fica claro que o Estado é examinado por diversas teorias, vale dizer, por diversas éreas do conhecimento humano tais como Sociologia, 0 Direito etc. O que se busca na Teoria do Estado é esta confluéncia de aspectos juridicos e sociolégicos. A propria nogdo de Estado 6 uma nogao juridica. Nem o socidlogo pode dizer o que € a sociedade politica. Quem define é o Direito. Portanto, a Teoria do Estado tem esta conformagao bastante ampla, Ela retine todas as posigdes destas diversas areas para entio constituir 0 seu objeto. Na verdade, a Teoria do Estado acaba por “teorizar” sobre os aspectos comuns que todos os Estados oferecem. Este é um ponto, importante, a ser salientado. EntZo, embora sejam miltiplos os Estados, eles tém no fundo uma érea a que a todos € comum. Todos esto submetidos a algum regime de governo, as prerrogativas individuais. Este estuda individualmente um determinado Estado e expe qual o dieito vigente neste pais, Nao pode haver a Teoria do Estado de um estado determinado. A Teoria do Esta- do lida, portanto, com aqueles elementos presentes em todo o Estado, 0 poder, os partidos politicos, os direitos individuais etc. Tudo isto so temas que 0 te6rico do teressa ¢ que serao enfrentados no curso dessa obra. METODO A Teotia do Estado, apesar de ser uma ciéncia especulativa, é dizer, de evidente investigacao tedrica, € dotada de um lado prético significativo. a a4 CURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA, OF icios a0 longo deste capitulo, que ela trata o Estado sob os mais Giterentes aspectos: o da citncia jurdica, gue estuda a organizagio e tsonificagdo do Estado eo das ciéncias sociais que estudam a génese @ evolucdo do Estado (sociologia). Ha doutrinadores, contudo, que varam a0 extremo tais posigdes, vale dizer, ha discrepiincias muito (vc em torno do Ambito do estudo do Estado. Assim, hé aqueles jue entendem ser a Teoria do Estado como uma Teoria Social do Estado, "em contraposi¢ao, hé outros que véem a Teoria do Estado como uma @oria Juridica do Estado. © _ Examinaremos, num primeiro momento, cada uma delas, para ao Gal, darmos o nosso entendimento sobre qual é 0 melhor método a ser @PPregado nesta disciplina, e @- O exclusivismo juridico de Kelsen em relagao ao Estado Os doutrinadores alemies adotam o estudo do Estado pelo aspecto idico, desprezando quase por completo o aspecto sociolégico. A tese fendida ¢ a de que o fendmeno estatal seria todo ele produzido pelo Greito ndo pela realidade social. Esta corrente € preconizada por @ 0s Kelsen, um dos maiores jus-fil6sofos austrfacos. © OBstado ¢ o Direito fazem parte de uma tinica realidade. Os fatos isis seriam completamente desprezados. Nao se tinha em linha de i que no fendmeno estatal entrasse algum ingrediente extra. fativo ou meta-jurfdico. A conformagao do Estado nao provinha Aalidade dos fatos, mas de disposigdes normativas. O Estado teria o @ Ambito restrito pela ordem juridica, Eram, portanto, as notmas de G@ito que gerariam o fenémeno estatal, Esta ordem estatal seria inexora- gene buscada na realidade normativa. Seria, portanto, o Estado dado na ordem juridica. O que nao estivesse nesta ordem, no seria fleensivel pelo estudioso do fendmeno estatal, Para o mestre de Viena, o que fundamenta o Estado é a propria @ya juridica. Ougamé-io, pois: “E usual caracterizar-se o Estado como. (@inizagao politica. Com isto, porém, apenas se exprime que o Estado 8 ordem de coaceao. Com efeito, o elemento ‘politico’ especifico ror ‘consiste na coacgao exercida de individuo a individuo lado por essa ordem, nos actos de coacgao que essa ordem juridica € e oe INTRODUGAO A TEORIA DO ESTADOE ACIENCIA POLITICA, 1s liga aos pressupostos por ela definidos. Como organizagio politica, 0 Estado é uma ordem juridica. Mas nem toda a ordem Juridica € um Estado. Nem a ordem jurfdica pré-estadual da sociedade primitiva, nem a ordem juridica internacional supra-estadual (ou interestadual) representam um Estado. Para ser um Estado, a ordem juridica necesita de ter o carter de uma organizago no sentido estrito da palavra, quer dizer, tem de instituir 6rgdos funcionando segundo o princfpio da diviséo do trabalho para criagéio e aplicagZo das normas que a formam; tem de apresentar um certo grau de centralizago, O Estado é uma ordem juridica, relativamente centralizada” E mais adiante conclui o seu pensamento: “Como comunidade social, 0 Estado — de acordo com a teoria tradicional do Estado — compée-se de trés elementos: a populacao, 0 territério e o poder, que € exercido por um governo estadual independente, Todos estes trés elementos s6 podem ser definidos juridicamente, isto é, eles apenas podem ser apreendidos como vigéncia e dominio de vigéncia (validade) de uma ordem juridica”.™ Portanto, € o Direito 0 centro irradiador do fendmeno estatal. O Estado vé-se cingido ou envolvido por um sé tipo de realidade, qual seja, a normativa. O estudioso do Estado s6 vai considerar interessante e relevante 0 exame sob 0 ponto de vista exclusivamente do sistema normativo. Nao hd, portanto, qualquer campo possivel para a sociologia dentro da norma juridica, O Direito tem que ser puro do ponto de vista que Kelsen pretender considerar 0 Estado, vale dizer, somente a partir das suas repercussOes normativas. 5.2. O exclusivismo sociolégico de Lassale em relagio ao Estado Na verdade, esta corrente seguiu caminho diametralmente oposto ao de Kelsen. Para o jurista austriaco, as realidades empiricas eram totalmente desprezadas na consideragdo do Estado, porquanto s6 as nnormas juridicas seriam capazes de defini-lo. Lassale defende justamente KELSEN, Hans. Teoria Pura do Dirt. 4 ed, Coimbra: Arménio Amado, 1976, p. 385. ™ Op. cit, p. 386 ¢ 387, —_ 6 CURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA © ©, tose contréria, asseverando que o Estado 6, por exceléncia, uma @realidade social e nao jurfdica, Nao se entra aqui no aspecto normativo, @mas tio somente em situacdes féticas que podem ser estudadas pelas éncias, como € 0 caso da Sociologia, Procura-se aqui a fundamentago {2 Estado nos fatos sociis » _Parte-se do postulado da existéncia de uma telagao de causalidade entre os fatos e o Estado, vale dizer, que os fatos seriam a causa, 0 Glundamento do ente estatal, Seriam, pois, os fatos que constituiriam 6 @ordcnamento juridico do Estado, de tal sorte que uma Constituigao nada @nais seria do que um reflexo, uma imagem fotografica das estruturas }6cio-econdmicas dominantes, num dado momento. Segundo Ferdinando ge 8le,0 Estado forma a partidos ators reais do poder. Oucamo- 0, pois: “Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade io essa forga ativa e eficaz que informa todas as leis ¢ instituigoes @uridicas da sociedade em aprego, determinando que nao possam ser, @m substincia, a ndo ser tal como elas sdo. Vou esclarecer isto com um @"MPlo. (...) Vamos supor, por um momento, que um grande incéndio mpeu € que nele se queimaram todos os arquivos do Estado, todas Ge ibtioweces Plblicas, que o sinistro destruisse também a tipografia ‘@oncessionéria onde se imprimia a Colegao legislativa que ainda, por @ma triste coincidéncia — estamos no terreno das suposigées — igual Sastre se desse em todas as cidades do pais, desaparecendo inclusive €- bibliotecas particulares onde existissem colegbes, de tal maneira jue em toda a Prussia no fosse possivel achar um tinico exemplar das is do Pais. (..) Julgai que neste caso o legislador, completamente livre, poderia er leis a capticho ou de acordo com o seu modo de pensar?” © E respondendo a indagagao formulada, concluiu “Visto que as leis desapareceram e que vamos redigir outras com- Pletamente novas, desde os alicerces até o telhado, nelas nao reconhece- ‘@mos a monarquia as prerrogativas de que até agora gozou 20 amparo e e @ PLASSALE, Ferdinando, que é una Constituigdo, Rio de Janeiro: Lace 1969, p. 28 ® INTRODUGAO A TEORIA DO ESTADO E ACIENCIA POLITICA ” das leis destrufdas; mais ainda, nao respeitaremos prerrogativas nem atribuigées de espécie alguma. Enfim, ndo queremos a monarquia. monarca responderia assim: podem estar destruidas as leis, porém, a realidade € que 0 Exército subsiste e me obedece, acatando minhas ordens; a realidade € que os comandantes dos arsenais e quartéis poem na rua os canh@es e as baionetas quando eu 0 ordenar, e apoiado neste poder real, cfetivo, das baionetas e dos canhdes, nao tolero que venham me impor posig6es e prerrogativas em desacordo comigo. Como podeis ver, um rei a quem obedecem o Exército e as canhdes... é uma parte da Constituigao”.'6 ‘Vé-se, por este exemplo, que Lassale dilui o fendmeno juridico (normativo) na realidade sociolégica subjacente. O que interessa, 20 fim e a0 cabo, so 0s fatores reais de poder que regem a sociedade, vale dizer, as forgas reais que mandam no pais. Sao forgas de cunho politico, econémico, religioso, ativas e eficazes o bastante para informar todas as leis e instituigdes juridicas de dada sociedade. A sua esséncia nzo repousa na “folha de papel” (Constituigdo escrita), que & mera descritora da realidade subjacente, mas sim nas relagdes faticas reinantes de poder num Estado. A Constituigdo pode ser rasgada a partir do momento em que as forcas reais de poder niio se virem mais refletidas no Texto Consti- tucional. Note-se que o mundo normativo carece de autonomia, dependente que é das relagées estruturais da sociedade, as quais meramente reflete. Nesse sentido, em termos cronol6gicos, o fato precederia & norma. Para Lassale, 0 texto de uma Constituigo ndo € senio um reflexo de forcas politicas, econémicas e religiosas. Ha, portanto, tudo isto na Constitui- do. A realidade juridica é formada fundamentalmente por estes fatores reais de poder. Portanto, 0 “juridico” aqui esté reduzido ao papel de mero descritor destas camadas sociais que convergem em um dado momento histérico, O aspecto sociolégico € mais importante do que 0 Juridico. Portanto, o Direito fica renegado a um segundo plano, mais isto nao significa dizer que ele esteja completamente superado, porque ha sempre necessidade de alguma formulagao disso em lei. "Op. cit, p29, e Do exposto, fica certo que, segundo a concepgio de Lassale, que 0 @estudo da Teoria do Estado s6 poderia ser apreendido a partir de uma @realidade sociol6gica e nao juridica, como Kelsen propés e 5.3. 0 nosso entendimento sobre a questo e @ _Vé-se que a discussdo sempre pendeu para um dos dois lados no @studo da realidade estatal, ora apostando num exclusive caréter sociol6- ico do Estado, enquanto expresso da atividade social do homem, ora f° 822 Catdter normativo, enquanto manifestagao do Direito. @ _ Uma pergunta que se coloca, a essa altura, € saber como fica no jundo atual esta divisdo dicot6mica do estudo do Estado? Como defi- jimos, no fundo, esta Teoria do Estado? Qual € 0 Estado que deve revalecer: o Estado kelseniano ou o Estado nos termos de Lassale e de G@utros grandes socidlogos? © Todavia, entendemos que nenhum deles est4 com a razio, pois G@omo ¢ sabido o Estado deve ser estudado tanto pelo aspecto juridico @omo pelo sociolégico, sendo praticamente impossivel dissociar um jo outro, Tomar o Estado pelo estudo exclusivo de um em detrimento & outro nao é um método aceitével na busca da compreensao do fend- eno estatal em toda a sua inteireza, Esta é a posigao adotada pela ioria da doutrina"”. © 6 fato € que @ maioria da doutrina vem refutando no seu todo josigoes extremadas porque na verdade manter-se 0 estudo do Estado sob o prisma das suas normas juridicas ou do fato social nao € possfvel @ "Nico é ouira a opinito de Balladore Pallier. Este assim se manifestou a respeito: “Mas esate te esomenteum conjno de norma ude aes, Bum conto de aevidade ede ago humana, influi sobre os individuos que o compdem, pratica acgdes no mundo (GleeriosA propria positividade das suas normas, de que j6falémos, leva-nos para o mundo da Gide gos eretos que acontecem ond aontecen, dos resultados qu eam ou ‘obtém, Ecabe doutrina moderna o mérit deter posto a claro este outro aspecto do Estado, @bora muitas vezes nos pareyam pouco aprecisveis os resultados a que geralmente chegou, ¢ Giese hitsimene, ni ja sido devidamente meitadn a coordenago deste aspect do ado” (op. cit, p. 160) e @ INTRODUGAO A TEORIA DOESTADOE A CIENCIA POLITICA, 9 de ser implementado no momento atual. Nao se nega, nos dias atuais, que o Estado atue em diversos campos. Entdo, a Teoria do Estado tem de dar conta, portanto, do Estado enquanto ente polifacético, € dizer, examinado a partir de diversos enfoques: sob um determinado prisma, 0 Estado gana uma definigao jurfdica, mas se observ4-lo por outro Angulo, 0 veremos enquanto uma realidade sociol6gica. Nao & mais aceitavel, pois a tese do Direito ser a tinica fonte de existéncia do Estado. Em que pese a contribuigao kelseniana no sentido de expor o Estado enquanto realidade normativa, € forgoso reconhecer- se, contudo, que o Estado vai muito alénr do fenémeno normativo, devendo ser também considerado sob o prisma das realidades dos fatos sociais, Nao podemos imaginar ordem juridica estatal que esteja desli- gada das realidades sociais, uma vez que a finalidade consiste exatamen- te na tentativa de moldar os comportamentos humanos, no sentido dos valores predominantes na sociedade. O legislador precisa reconhecer 0 ambiente parao qual vai legislar, a fim de que possa estabelecer normas adequadas, suscetiveis de serem postas em prética. Para isso, ele levard em conta os.dados das ciéncias pré-juridicas, capazes de Ihe fornecer explicagdes de ordem histérica, sociolégica, antropolégica ou econémi- ca. Quanto mais adequada for a solugdo legislativa, tanto mais teré 0 legislador atingido o seu objetivo de canalizar o relacionamento humano dentro de determinados padrées. H4, portanto, um embasamento fatico que ninguém pode questionar. O Estado nao pode constar téo-somente por regras juridicas. Imaginar-se 0 Estado desta forma, ele jamais subsis- tiria. ‘Também néo é menos aceitével a tese de ver o Estado enquanto realidade meramente social, desprovida, na sua esséncia, do elemento juridico. Quem examinar o Estado exclusivamente pelo viés fético acabaré por ignorar, o que é certamente uma contribuigao indispensével, © que a ordem juridica oferece ao Estado. A prépria definigao do que seja Estado jé esta af mesmo a demandar uma ordem soberana ditada pelo direito. 0 poder que se alca num dado momento, por exemplo, pode ser, na realidade, suficiente para romper com outro ja existente. Mas isto deverd ser feito sempre antincio de certas regras juridicas, quando entaoele proclamara qual o direito que se pretende impor neste novo Estado. Ha necessidade de impor normas a esta realidade social. Isto ndo estaria presente na visio exclusivamente fética do Estado. @0 CURSO DE TEORIA DO ESTADO ECIBNCIA FOLITICA @ _ Portanto, a realidade mais plausivel é aquela que responde a questo @{e 0 Estado ser reconhecido como a combinagao basicamente de duas dens diferentes: a normativa e a sociolégica. Quem quer que se apro- funde no estudo do Estado, vale dizer, que queira saber 0 que é, de fato, 'o Estado, logo defrontar-se-4 com os dois. problemas: no Estudo do ‘@Estado ha de estarem presentes elementos da Ciéncia Juridica e da So- ial, dos quais a Teoria do Estado se vale com vistas a melhor compreen- @i° do fendmeno estatal @ _ Assim, tem-se formado 0 diiplice aspecto estatal a que uma andlise ais profunda do Estado nao pode descurar, eis que o seu estudo sempre stard constantemente acometido pelas forcas de um ou pelas do outro. por esta razo que o estudo da Teoria do Estado é complexo pois tem @hve se utilizar de varios métodos, dentre os quais destacamos: a) método @uridico que se caracteriza por se mostrar ligado ao aspecto légico formal do Estado, é dizer, preocupado com as leis e com a Constituigao; © método sociolégico que se utiliza de elementos hist6rico-sociais € jo seu desenvolvimento das instituigdes estatais; c) Método dedutivo: @ intérprete parte de um fendmeno geral para o particular; d) método @ustificativo que estuda os fundamentos ¢ os fins do Estado"*; Método @litico que salienta 0 poder estatal e a soberania, @ _ Esta perspectiva dupla pela qual se observa o Estado € hoje a xpressio da maioria dos autores. Faremos ento 0 uso desta metodo- Goa para encarar o Estado, conforme a situag&o, em sendo mais um ‘Estado compreendido a partir de elementos juridicos do que sociolé- Gicos. Em outros momentos, na busca de certos dados, ver-se-4 que @es s6 podem ser fornecidos por um estudo social do Estado. E neces- @tio também para que haja uma melhor compreensio do Estado que jam utilizados fatos historicos, dados fornecidos pela paleontologia, ome nto poderia deixar de ser das instituigées politicas atuais ¢ @ambem passadas, © Este capitulo 6 importante para por-se de acordo desta falta de GBntonia existente entre os estudiosos do assunto, atitude esta plenamente @ompreensivel pela profunda disparidade entre o que seja um estudo " Confer a obra de Alessa io Groppalli, Poutrina do Estado, eee INTRODUGAO A TEORIA DO ESTADOE A CIENCIA POLITICA an juridico do Estado ¢ um estudo sociol6gico do Estado. Para evitar, contudo, estas posigées extremadas, viu-se que a solugo moderna consiste em adotar uma teoria fundada nestas duas éticas, em que se estuda o Estado a partir da realidade social e naquela em que oexamina como realidade juridica, Repelimos, portanto, qualquer unilateralismo para adotar uma teoria moderada do Estado, ee00000e0 e e e e e e e e e@ e e e@ e e € € e e e € e e e e e Capitulo II Sociedade Swunério: 1. Sociabilidade do homem. 2, Origem: 2.1. Sociedade natural; 2.2. Sociedade contratual. 3. Flementos caracteristicos. 4. Tipos de sociedades, 5 Sociedades politica. 6. Ordem social 1. SOCIABILIDADE DO HOMEM O homem é um animal social, pois desde a época mais primitiva sempre viveu em sociedade. Ele precisa relacionar-e com outros homens para sobreviver, e é na sociedade onde encontra a seguranga e a prote¢do necessarias para se desenvolver. Sao muitos os fatores que levaram o homem a viver em sociedade, dentre eles, podemos destacar, a atragdo entre os sexos, a divisio de tarefas, a protegao de seus direitos e bens eaté mesmo o instinto de sobrevivéncia. A sociedade se confunde com o proprio evoluir do homem, perdendo-se, portanto, nas origens da propria espécie humana. Em outros dizeres, 0 homem apresenta uma caracterfstica fundamental consistente em depender de outros homens para a realiza- ¢40 plena de sua natureza. E certo, nao ha dtivida, que outros animais também vivem em bandos ou grupos (abelhas, formigas, castores) numa forma de manifestagao gregaria na qual no esté ausente, inclusive, uma repartigdo de fungdes que acaba por dar lugar a uma certa organi- zagao. Contudo, é bem de ver, nao se falar af da existéncia de uma auténtica sociedade. Na verdade, é esta resultante da atuagao propria e exclusiva do homem. S6 ha, pois, sociedades humanas. 4 ‘CURSO DE TEORIA DO ESTADO ECIENCIA POLITICA 0.9 « © ssoladamente © homem nko se basta a si préprio. Na procura da Grticidade envida um esforgo permanente no sentido de satisfazet aos us interesses e, muitas vezes, 0 atingimento destes depende de uma @ividade coordenada entre diversos homens. Sociedade vem a ser toda orma de coordenagio das atividades humanas objetivando ui] Giemminado fim ¢ regulada por um conjunto de normas.!* ‘ @ _ A normatividade é um elemento importante para caracterizar a ociedade e distingui-la de determinados grupos que, embora consagrem ma forma de convivéncia humana, nao sao tidos em geral por G@ociedades. Estas necessitam de normas explicitas e conscientes.° As @ezes, as normas existem mas s6 no inconsciente das pessoas. Isto se @ode ilustrar com 0 exemplo de um individuo que se envolve numa wtiddo e, em consequiéncia, passa a receber a sua influéncia, através € um processo psicolégico de poder social. A psicologia social estuda Gste poder e demonstra que o individuo imerso na multidio sofre a @iterferéncia destes fendmenos multitudinérios ¢ chega até a perder (@ 8 individualidade. © _Hé outros agrupamentos que se podem prestar a confusdes. Um pii- @lico de uma conferéncia, ou de um espeticulo teatral ou cinematografico, uta, uma vez que o homem ni é um ser angélico e os divergentes interessesindividuais se harmonizam espontaneamente. (..) Todas as manifestagées da vida social e da cultura 80s individuos, pelo menos indiretamente, certa maneira de proceder, sob pena de frerem determinadas consequéncias da sua discordancia, inconformismo ou tebeldia, Esta Jo, exercida de vérias formas pela sociedade sobre seus membros, foi cessllada por yrkheim como a caracteristica maxima dos fatos sociais.” (Op. ci, p. 240-244), Ataliba Nogueira, Lipdes de Teoria Geral do Estado, Sto Paulo: RT, 1969, p.19: (@eociedase 6a coordenagio estvel da atvidade de dois ou mais homens para stingrem um -0p0 unitério commu’ e Wg, No82R & Sout Sampaio escreve: "Nap i societade que no possa nrmas de @. Jacques Ledere, citado por Machado Paupério, Teoria Gera do Estado. £8. Rio de cio: Frease, . 35: "Sociedade € uma uibo dure em vst de an fits comue @ Pedro Salvetti Netto. Curso de Teoria do Estado, 3ed, Si0 Paulo: Saraiva, p.24:"Os sre peta soins se mostra orem, base ss, nomes ues, #. (u) Normasjurdicas — $40 0s meios pelos quais as sociedades se organizam & Girlinam o comportamento dos seus assocads. Peles normas estabelocem:se os dritor € GEE 8 ssocintos para qu, deta sorte vnculados, componhar a forma necessra 3 vivncia social superando os confitos originados da vida comum, e SOCIEDADE 25 por exemplo. Embora irmanados por um interesse comum e por uma circunstancia de fato precisa, a de estarem presentes no mesmo momento ¢ local, nao constituem sociedade porque ainda nao adotaram objetivos comuns a serem perseguidos de forma mais ou menos permanente” Giorgio Del Vecchio a define como um “complexo de relagdes pelo qual varios individuos vivem e operam conjuntamente, de modo a formarem uma nova ¢ superior unidade” 2 2. ORIGEM No que diz respeito & origem da sociedade a doutrina nao é pacifica. Alguns pensadores defendem a posigao de que a sociedade é fruto da propria natureza humana, e outros sustentam que a sociedade nada mais € do que um ato de vontade humana. No entanto, cumpre dizer que a corrente prevalecente é a da sociedade natural, sem eliminar no entanto a participagao da vontade humana. 2.1. Sociedade natural Dentre os que defendem a idéia da sociedade natural, encontramos Aristételes que afirmava veementemente que o homem é um ser eminentemente social, que necessita relacionar-se constantemente com 0s outros homens para poder se desenvolver. Para Arist6teles apenas Pedro Salveti Netto, indagando a respeito do conceito de sociedade, ensina: “Como Conecituarmos, no entanto,sociedade? Intu/mos oque ela seja, para confundila, por exemplo, ‘com uma reunigo, ou com mero agrupamento de homens. O eonceito, assim simplista, perde- ‘© todavia, por nfo traduzr seu elemento idemtficador. E que reunigo de homens, percebe-se {emu comicio, em uma passeata, eninguém veriaem tas fatos a existéncia de uma Sociedade, (© homem ¢ elemento consttutvo da sociedade,condigto de sua existtncia, mas no basta, por Si 86, para traduziro elemento especitico que a carateriza” (Curso de Teoria do Bstado, Sto Paulo: Saraiva, 1979 p. 15). * Ligdes de Filosofia do Direito. 2 ed. trad, Antonio José Brandao, Coimbra, 1951, p. 329, bad e% (CURSO DE TEORIA DO ESTADO CIENCIA POLITICA e @um ser dotado de natureza superior buscaria viver isoladamente dos outros seres ¢ isto se constituiria em uma excegao. Jd no que diz respeito 208 animais irracionais, estes no chegam a formar uma sociedade, mas sim uma mera associagdo, é dizer, agrupamento formado apenas em @ virtude do extinto de sobrevivéncia. Na Idade Média, S40 Tomés de @ Aquino compartithando das mesmas idéias de Arist6teles, afirmava que ‘ohomem é um animal eminentemente social e politico, e que a sociedade representa para o homem um elemento vital para sua sobreyivéncia, e pois é nela que cle encontra a satisfagao de suas necessidades ¢ a protecio de seus direitos ¢ bens. Todavia o isolamento social pode ocorrer, mas ‘@este constitui-se em uma excegdo pois s6 ocorre em casos extremamente @excepcionais, por exemplo: em pessoas que sofrem de algum tipo de q@Seenga mental, em virtude de acidentes ¢ naufrégios, ou no caso de pessoas extremamente inteligentes e bem dotadas que vivem em uma ©@ jcofunda unio com a propria divindade, como ocorrem com os eremitas @ gue se isolam em montanhas para praticarem a meditacao. Na Itélia, ‘@Ranelletti também defende a tese de que o homem se observado em @ Walquer época, mesmo que remota, sempre se encontra em convivéncia com outros homens, formando pequenos grupos, Para Ranelleti a asso- ciagdo entre os homens € uma condigao essencial de vida, pois s @ inediante a associagio, e a conseqliente cooperago entre os individuos @é que o homem consegue suprir todas as suas necessidades para deste @ modo atingir os fins de sua existéncia. e © 2.2. Sociedade contratual € € Em posigo contréria a corrente que defende a “sociedade natural”, @encontramos os contratualistas, que defendem a tese de que somente a @Vontade humana justifica a existéncia da sociedade @ —_Naldade Antiga, Platioem sua obra “A Repiiblica” faz referéncia A organizagao social criada racionalmente pelo homem, e no em razao de um simples impulso natural. Portanto verifica-se em sua formagao "a presenga do elemento vontade. JéThomas Hobbes em sua obra “O Leviata” explica que o homem ~primeiramente vive em “estado de natureza”, que significa o estado eee SOCIEDADE, me primitivo, a desordem, e a preponderancia do instinto sobre a raziio®. Portanto o homem em seu “estado de natureza” representa uma verda- deira ameaga para os outros homens, pois ele se encontra dominado pelo instinto ¢ pela paixio, se tornando um ser extremamente egofsta e agressivo. Hobbes chega até mesmo a afirmar que nesse estado de natu- reza“o homem é lobo do proprio homem”. Segundo ele tal comporta~ mento humano deseneadeia uma verdadeira “guerra de todos contra todos”, que tem como sua principal causa a igualdade existente entre os homens em seu “estado de natureza”, pois cada um vive com medo que 0 outro the tome os bens e a familia, Na concepgao de Hobbes 0 homem € um indiv{duo que almeja mais a honra do que os bens. Nesse sentido a honra nada mais € do que o valor atribuido a alguém em fungao das aparéncias externas. O homem hobbesiano vive da imagi- nag, é dizer, ele imagina ter poder, ser respeitado, temido pelos outros homens. Portanto o estado de natureza é um estado de guerra uma vez que cada individuo se sente dono da razdo, poderoso, temido ou ao contrério traido, desrespeitado. Tal atmosfera de temoridade acaba por > Bscreve Hobbes em sua obra “O Leviata" sobre o homem em seu estado de natureze: “De modo que na natureza do homem encontramos ts causasprincipais de discdrdia, Primeiro, « competigdo, segundo, a desconfianca;e terceiro, a glia A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista © luero: a segunda, a Seguranga; ea terceira, a reputagdo. Os primeiros usam a violéncia para se tomarem senhores das pessoas, mulheres, flhos e rebanhos dos outros homens: os segundos , para defendé-los; e 0s terceitos por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferenga de opinifo,e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente seus parentes, seus amigos, sua nag, sua profss40 ou sev nome, ‘Com isto se torna manifesto que, durante © tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeit, eles se encontram naquela condigdo a {que se chama de guerra: e uma guerra que € de todos os homens contr todos os homens. Pois ‘a guerra no consiste apenas nabatalha ou no ato de lutaz, mas naquele lapso de tempo durante ‘© qual 2 vontade de travar batalha € suficientemente conhecida, Portanto a nogto de tempo deve ser levada em conta quanto & natureza da guerra, do mesmo modo que quarto & natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo nfo consiste em dois ou és chuvisces, ‘mas numa tendéncia para chover que dura véris dias seguidos, asim também a natureza da ‘guerra nfo consiste na lua real, mas na coahecida disposicto para tl, durante todo 0 tempo ‘em que nfo hé garantia do contrério. Todo o tempo € restante de paz.” (HOBBES. O Leviatd tad. de JoBo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, Sto Paulo: Nova Cultural, 988 (Colegio Os Pensadores, 1) cap. XIll,p. 24-26 ) S ee (CURSO DE TEORIA DO ESTADO CIENCIA POLITICA e @azer com que os homens se associem em busca de proteco. Dé-se, @™anto o que vem a ser o contrato social (pacto de submissio), que é sultante unicamente da vontade do homem, e que consiste na Gansferencia de direitos. Pasa-seen do “estado de-natureza” para o @estado social”, onde a razio supera a paindo. No entanto para que seja @ossivel a vida em sociedade ¢ imprescindivel que o homem estabelega is. Essas terlio como escopo fazer com que o convivio seja sempre ‘ménico, que a paz possa ser celebrada e que a seguranga prevaleca. ‘ara Hobbes uma vez estabelecida uma sociedade deve esta ser preser- @ada a todo e qualquer custo devido a seguranga que ela fornece aos mens. © _ Umaspecto importante a ser ressaltado na obra de Hobbes 6 que ra cle a sociedade nasce com o Estado, ¢ dizer, nao existe primeiro a Qricdadee depois o poder. Para ele o governo deve existir para manter a pois sem ele © homem retoma ao “estado de natureza”. Em virtude @ss0 0 poder governante nao pode softer qualquer tipo de limitagio. Na @reepeio de Hobbes um mau governo ainda é melhor do que o estado de Getvreza. Encontra-se ai uma tendéncia absclutista na obra de Hobbes, © homem precede a sociedade e esta surge em virtude de um to celebrado entre os homens, encon:ra-se Locke. Este opde-se ‘@ementemente a idéia de que o homem em seu “estado de natureza” (eontra-se no que Hobbes denominava de “guerra de todos contra Igoe”. Para Locke assim como para Montesquieu, 0 homem em seu stado de natureza” encontra-se temeroso, enfraquecido e portanto ‘0 se sente em posigao de agredir o seu semelhante. Nesse caso o ‘@aque c agressividade estariam fora do contexto, O estado de natureza caracterizaria por ser um estado pré-social e pré-politico e regido # liberdade e pela igualdade**. Na concepgiio de Locke no “estado natureza” os homens ja eram dotados de razio e jé usufrufam da riedade, que significava a vida, a liberdade ¢ os bens como sendo &. Em oposig&o as idéias de Hobbes, mas ainda favordvel a idéia de Ie @ ™ Bxcreve Locke sobre o homem em seu “estado de naureza: “Contudo,embora soja pgm stad de hidecdade, nao 0 € de licenciosidade: ainda que naquele estado © homer =. uma liberdade incontrolavel para dispor de sua pessoa ou posses, nB0 possi, no ehtanto, para destrur a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse, sendy EP? 82 848 exisido por algum uso mais nobre do quea simples conservagio, O estado de SOCIEDADE | 29 os ditetos naturais do ser humano. E dizer, paca Locke a propriedade significa a aquisi¢ao de bens méveis e iméveis. Aqui encontramos outro Ponto de disc6rdia entre Hobbes ¢ Locke, pois para Hobbes a propriedade 6 passa a existir a partir da formagio da sociedade e conseqtientemente do Estado. A sociedade surge, portanto, da necessidade do homem em proteger-se, em defender-se, ou seja, em garantir seus direitos e seus bens (propriedade), ¢ também pelo desejo de paz e pela atragio natural existente entre sexos opostos. A sociedade é formada por um corpo Politica tnico, dotado de legislagao, de judi¢atura e da forga concentrada da comunidade. Para Locke o principal objetive da sociedade reside na preservacio da propriedade e na protegao da comunidade contra Possiveis invasdes. O contrato social na visGo de Locke é um pacto de Consentimento undnime, ou seja, todos os homens concordam livremente em formar uma sociedade com o intuito de proteger e preservar seus direitos. A sociedade transmite ao homem uma sensacdo de forga e precipuamente de igualdade natural. B, éexatamente a partir dessa igual- dade social que comega a existir 0 “estado de guerra’ entre as sociedades ou até mesmo entre os individuos de uma mesma sociedade. Rousseau em sua obra “O Contrato Social” também defende a idéia de que o homem em seu estado primitivo encontra-se sobre o dominio da bondade humana, é dizer, a convivéncia individualista do homem sob um primeiro prisma pacffica e cordial, no existindo qualquer espécie de atrito. A sociedade surge portanto da vontade humana, e fem como intuito defender a pessoa e os bens de cada integrante, de ‘atureza tem uma fei de natureza a governé-o e que a todos submete;erazSo, que & essa lei, ensina a todos os homens que apenas a consultam que, sendo todos iguaise independentes, ‘nenhum deve preudicar a outrem na vida na sae, na liberdade ou na posse (..)e para evitar {ue todos os homens invadam os direitos dos outros e que mutsamente se molestem, e para ‘Que lei da natueza seja observad, a qual implica paz ena peservasio detodaahumanidade, coloca-se, naquele estado, a execugio da lei de natureza nas mios de todos os homens, por meio da qual qualquer um tem o direito de castigar os tansgressores dessa lei numa medida tal {que posse imped asus violago, Isso porque ali da natureza, mo quaisqueroutras leis que Gigam respeto aos homens neste mundo, seria Vi se ndo houvesse ninguém nesse estadovde natureza que tivesse o poder pata por essa Jeiem execugo e deste modo preservar o inocente « restrngir os infratores (.". (LOCKE, John. Two Treatises of Civil Governement London. Everyman's Library, 1966, p. 117-241, Tradugdo de Cid Knipell Morel) (CURSO DE TEORIA DOESTADOE CIENCIA POLITICA @yalquer forga comum, sem contudo fazer com que cada um perca a q@liderdade natural. © que deve prevalecer na sociedade é portanto vontade geral que nao se reduz a uma simples soma de vontades Gaividuais mas sim a sintese de todas elas, Dat se dessume que o homem ‘@eve ser considerado como um ser social e politico e no analisado e e @ —_*Escreve Rousseau acerca do “pacto social” :* suponhamos os fiomens chepando a0 nto once os abstéculos que impedem sua conservagso no estado de natureza sobrepujam, la sua resistencia, as forgas que cada individuo dispée para se manternesse estado. Ent @se estado primitivo nfo pode mais subsstr eo gnero humano pereceria se nfo mudasse de q@mere ra, como os homens nio podem engendrar novas forgas, mas somente unire orientar @ gue existem, nao tém ele outro meio para se preservar sendo formando, por agregacao, win penne 2s qe pose obey cexstnca,imelind-as params move evan 2. agir em concert. @ _ Esta soma de forgas ndo pode nascer senfo do concurso de muitos; mas sendo a forga (Ge este cad omen os prinepisinsruments de sua preserva, como podria cle penhi-la sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mestno deve? Esta @ficuldade, econcuzida ao meu assunto, pode ser enunciada nestestermos: “encontrar uma 1a de associagio que defenda e proteja, com toda a forga comum, a pessoa e 0 bens de associado, ¢ pela qual cada um, unindo-se a todos, $6 obedece contudo a si mesmo, mnocendo assitn tao livre quanto antes”. E esse o problema fundamental 20 qual @ Contato Social da slug, (..) Enfim, cada um, ao se dar a todos, nfo se dé a ninguém e, nfo existindo um iado sobre o qual ndo se adquira o mesmo direto que se Ihe cede sobre si mesmo, ganha & sistem we tad que se pete eas forga para conservaro qu set Se separarmas eno, do paco socal, o que no & de sua esénca ercebemos qu ele (@ red 0s seguines eros: “Cada um de nds pbe em comm sua pesto etodoo seu poder a suprema depo da vontadegeral, e recebemos, enguanto corpo cada membro como Wee iste datos” © imeciatamente, ese ato de astocngfo produz, em lugar da pessoa particular de cada (leans corp al ecole, comps gor anes ebro uate cscs bia © que, por esse mesmo ao, ganha sta unidade, seu eu comum, sua vida e sua (ride. Essa pessoa pics, que se forma, desse modo, pela unio de todas as otras fomava inane oon ideo, 0 pas de corpo lin, otal cama seus membros de Estado quando passive, soberano quando av, © poténcs quando Parad com seus semethantes. Quanto aos sssociados,recebem ces, coletivamente, nome ovo ese chara, em particular, cidados, enquanto parcipes da autridade soberana, € @ios, enquanio submetdos As leis do Estado. Eses teas, no entanto,confundemse GeSrnienentce so wads ndstintamente, basta sabe disngi tos quando so empregaton inti preist.” (ROUSSEAU, Jean Jaques. Du Contra Social ou Principe du Drot Jiique. Pats: Editions Garnier. 1954, Cp, VI Do pacto social, p. 97-240. Tradugio de Cid pel! Moreira). e SOCIEDADE 31 isoladamente. Na concep¢ao rousseniana o povo € soberano, pois ele 6 ‘20 mesmo tempo parte ativa e passiva dentro da sociedade, em outras palavras € ele agente do processo de elaboragio das leis e também é aquele que obedece a essas mesmas leis, portanto povo se constitu como um ser avténomo. Portanto ha uma conciliagao harmOnica entre liberdade ¢ obediéncia dentro da sociedade. Em suma, resta dizer que a sociedade é fruto da natureza do homem_ aliada a participagao da vontade ¢ da inteligéncia humana, Ela necessita para existit da convivéncia pacifica de seus membros que s6 se faz possivel mediante a implementagao de nornfas sociais, que garantam os direitos de cada um. E necessario também que elas estabelegam os deveres € 08 limites de atuagao de cada cidadao. A sociedade evoluiu da célula-mater (familia) para os grupos familiares (clas), destes para as cidades, das cidades para os Estados, destes para a Nago, e desta para as grandes comunidades internacionais, que nada mais so do que © reflexo do processo de globalizagao pelo qual est passando o mundo neste final de século. E também interessante ressaltar no que diz respeito ao estudo da sociedade dentro da Teoria do Estado, este se justifica na exata medida em que o Estado nao deixa de ser também uma espécie de sociedade. Nao é por outrarazao que se estuda, primeiramente, a sociedade, enquan- to género, paraa seguir tratar da sociedade politica, que é o Estado. No entanto para configuragdo plena da sociedade trés elementos bsicos haverdo de estar sempre presentes: os membros, os objetivos ¢ as regras®. Isto seré melhor examinado a seguir. 3. ELEMENTOS CARACTERISTICOS Toda sociedade é composta de elementos materiais (homens e base fisica), elementos formais (normas juridicas, organizacaoe poder) e elementos finalisticos (que so varios, como o bem comum, o progresso e a cultura). ® NOGUEIRA, Alaliba. ides, op. cit, p. 20: "A necessidade de atingir determinado ‘objetivo, fim, & que dé origem a uma sociedade. Importa dseiplinar @ comportamento dos ‘membros da sociedad para que ela atinjaa sua finalidade. So precisa regras de compartamento” 32. (CURSO DE TEORIA DO ESTADO E CIENCIA POLITICA e Nao € preciso dizer que o homem um elemento fundamental © ,ara.a composigdo da sociedade, pois a concepgio de sociedade estd ligada ao de relagGes humanas, uma vez.que ela nao é uma mera soma @de individuos isoladamente. A sociedade surge em virtude da unido de @ diversas relagdes entre os individuos visando a um bem comum. Portanto ‘© homem é um elemento imprescindivel para a eriagao de qualquer © sociedade, pois como jé foi dito, 36 existem sociedades humanas. O que ocorre entre os animais irracionais nada mais € do que uma mera @associagao. @ Por base fisica entende-se o local onde se desenvolvem as relagdes @sociais. E sabido que as relagdes entre os homens necessitam de uma @ base fisica que lhes possa conferir uma maior estabilidade. Ela é também @_im fator determinante para limitar o ambito de atuagzo das normas vigentes em uma determinada sociedade. @ As normas juridicas, por sua vez, nada mais so do que 0 meio utilizado pela sociedade para disciplinar e organizar 0 comportamento @ae seus integrantes. Portanto dai se depreende que toda sociedade é @também uma fonte normativa uma vez. que ela no pode prescindir da @ordem. As normas so 0s veiculos que estabelecem os direitos e deveres @ 028 integrantes da sociedade, para que deste modo todos possam conviver de uma maneira harmOnica € pacifica, So elas também @ providas de atributividade, bilateralidade e autorizagao. As normas si0 ‘@também dotadas de poder de coercibilidade, que nada mais é do que a ‘@forca capaz de colocé-las em execugao. @ 0 poder € fruto de todas as formas de organizagdo. Ele é um @fendmeno social e bilateral, uma vez que decorre da unio de duas ou gqmais vontades sendo que uma sempre prevalece sobre as demais. O der € indispensével para a vida em sociedade. Ele esteve sempre © presente, nio existindo em nenhum momento da histéria sociedade sem der. Diante dessa afirmagio, cumpre fazer aqui uma ressalva, pois @para alguns doutrinadores o homem em seu “estado de natureza”, gqcncontrava-se sob a protegiio de uma sociedade.”” Todavia, ela era o # Nesse sentido esereve Darei Azambuja: “Nao houve, nem podia haver, uniformidade (@rsctutanosprocessos de formas do poder edo Estado, nem no tempo nem no expago Sera e SOCTEDADE 33 que poderfamos denominar de uma sociedade caética, pois apesar de haver convivéncia entre os homens e troca de idéias, nao existia ainda © poder. Era uma sociedade pré-politica, no sentido em que havia o respeito a regras intuitivas, implicitas, é dizer, ao direito natural, formado pelo agir esponténeo do grupo. No entanto esse inicio de vida em comum no constitufa uma sociedade como a concebemos atualinente, pois faltavaiu-the alguns elementos importantes, como por exemplo o poder. A convivéncia existente era tdo ténue, que nao havia condigées para o surgimento do poder, que s6 vai ocorrer num momento posterior. Este poder ird estabelecer normas que irdo se sobrepor as regtas de direito natural até entao existentes. O poder se faz imprescindivel na medida em que quando surge um conflito entre individuos ou grupos sociais, é necessério a intervengdo de uma vontade dominante capaz de preservar a ordem da propria sociedade e sua finalidade social, qual seja, a realizago do bem comum. Nas sociedades primitivas 0 poder se confundia com a forgaifisica, 6 dizer, os homens mais fortes fisicamente, mais valentes para defender © grupo eram dotados de maior poder. Com o passar do tempo o poder passou a se confundir com a capacidade econdmica, ou seja os indivi- duos dotados de maiores reservas materiais (propriedades) eram mais poderosos. Pois nos perfodos de escassez de alimentos eram aqueles gue iriam sobreviver. Posteriormente houve uma desvinculagéo do poder com a forca material ea sua consegtiente unio com a forga espiri- tual. A partir daf 0 detentor do poder é aquele que se apresenta como intermediador entre a divindade eo homem, quais sejam, os sacerdotes, os faraés, os reis. ini reptir no Diteto Pablicoo ero generalizado com que o evolucionisie entravou duran- te largos decEnios as ouras ciéncias sociais” (..) $6 um fato € permanente e dele promanam outros fos permanentes: o homem Sempre viveu em sociedade. A sociedade s6 sobrevive pela organizaglo, ue supe aautoridade, a liberdade como elementos essencias; toda a sociedade que atinge determinado grau de ‘eYolugao passa a constitur um Estado. Para viver fora da sociedade, o homem precisava estar abaixo dos homens ou acima dos deuses, como disse Aristétles, e vivendo em sociedade ele natural enecessariamentecvia a autoridade ¢ o Estado". ( AZAMBUJA, Datci. Teoria Geral do Estado, Posto Alegre: Ed. Globo, 1955, p. 110s) (CURSO DE TEORIA DO ESTADO ECIENCIA POLITICA Com a evolugao da sociedade 0 poder ficou associado ao conceito @ de legitimidade, € dizer passou a andar concomitantemente com esta. Isso significa que o poder deve ser legitimo, e que as aspiracdes da © sociedade e os objetivos do poder devem ser coincidentes. Postanto o © poder para ser legitimo necessita do consentimento (aval) da maioria @dos membros que compsem a sociedade. Vale dizer que o poder ¢ 0 direito sZo simultaneos, pois o poder sem normas, néo passa de uma mera manifestagdo de violencia que no chega & realizagio do bem ‘comum. Para que 0 poder possa ser exercido & também necessario que @aja ordem, que também €um elemento fundamental para aconstituigio Ae uma sociedade pois, sociedade e anarquia sto incompativeis. @ Outro elemento caracteristico da sociedade humana € ser ela @clevadamente cultural, e progressiva. O homem € dotado de uma criati- vidade nata, ¢ se utiliza dela para criar instituigdes, que nada mais so ‘do que o resultado de um processo cultural. A cultura se manifesta em ‘odos os elementos da sociedade, sendo portanto, o elemento impulsio- @nador da dinamica social. @ Vale dizer também que toda a sociedade visa a um determinado @im que no caso deve ser sempre o bem comum, ¢ nao o interesse de @m™a pequena classe dominante como ocorre em determinadas socie- dades. O homem ao viver em sociedade procura nela uma finalidade Gconsoante com as suas nevessidades e seus anseios, ssa finalidade Gocial, como foi afirmado anteriormente, é0 bem comum que de acordo @om o Papa Joao XXIII tem a seguinte definigo: “O bem comum con- iste no conjunto de todas as condigdes de vida social que consintam e eevorsam O desenvolvimento integral da personalidade humana”. A ‘ociedade portanto exerce a diffcil tarefa de criar condigdes para que @odos os individuos consigam realizar os seus objetivos. ©. T1pOs DE SOCIEDADES e © _Cumpre dizer que existem varios tipos de sociedade, tais como, a @Pciedade familiar, a religiosa, a politica etc. A sociedade mais antiga * Papa JoB0 XXIII. Pacem in Teris (Encfclica, I, 8). ec5e3e SOCIEDADE, gue conhecemos é a propria familia, pois todo homem nasce dentro de um nticleo familiar. Ela € a mais difundida de todas. © homem nela nasce e, em regra, dela s6 se retira para fundar um novo niicleo dessa natureza. E tida por natural porque o nascer nesta ou naquela familia nio € um ato de vontade. A sua finalidade precfpua é a reprodugio da espécie embora nao deixe de ter fins de ordem afetiva, assistencial, educativa e, até mesmo, econ6mica. E ela considerada a celula mater da sociedade numa equiparacdo com as células dos organismos vivos, que sdo as menores partes em que pode ser decomposto o ser vivo sem perder a sua natureza, A familia, nada mais’ do que a sociedade natural. Ela € necesséria para o desenvolvimento do homem que nela encontra © seu esteio. No entanto a despeito de vir historicamente perdendo importancia, sobretudo pela redugao das suas dimensoes, a familia ainda €, no mundo moderno, a entidade em que se dé, por exceléncia, a socializagao do homem pelo aprendizado dos seus valores e das suas regras fundamentais. O fenmeno associativo ultrapassa de longe a existéncia da familia para corporificar-se num sem-niimero de entidades com fins e formas dos mais variados. Na verdade, o homem agrupa-se pata realizar toda sorte de tarefas econémicas, culturais, recreativas, religiosas, esportivas, filantr6picas, politicas etc. Algumas tém dimensées territoriais muito pequenas (uma sociedade de amigos de bairros), outras transcendem 9 limites do préprio Estado. E 0 caso das empresas multinacionais, da Cruz, Vermelha Internacional, por exemplo. Essas sociedades que se situam intermediariamente entre 0 individuo ¢ a organizagio estatal foram, por ocasiao da Revolucao Francesa, 0 mais das vezes, proibidas. Sobretudo as de cunho sindical, partidério ou profissional. Hoje elas nfo fazem sendo crescer € néo sofrem qualquer restrigao & sua existéncia. O certo € que o individuo, nada obstante 0 fato de continuar sendo a razio de ser de todas as sociedades, € cada vez mais impotente para realizar as tarefas de uma seciedade tecnol6gica e altamente complexa. Mas hé mais ainda. B que a uniao multiplica as forgas que a integram. Uma sociedade atinge objetivos que nao seriam alcangéveis pela mera soma dos seus membros. As vantagens da associagao so, pois, manifestas. Até mesmo para delingjilir o homem moderno prefere

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