PALOMBELLA Gianluigi Filosofia Do Direito

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FILOSOFIA DO DIREITO Gianluigi Palombella IVONE C. BENEDETTI Revisao técnica ARISOLON Martins Fontes Sdo Paulo 2005 IIL Direitos e tradigoes. Idéias em evolucao (e re-volugdao) historica SUMARIO: 1, © constitucionalismo: tradigio © inovagiq — 2. Percursos constitucionais ¢ garantia dos direitos 1. O constitucionalismo: tradigao e inovacao Mesmo quem investiga com especial Preferéncia 9 mundo medieval reconhece que 0 conjunto das limitacdes ao poder nele existente adere a uma sociedade fortemente comunitaria, “coletiva” em seus segmentos e organizada hierarquicamente. Direitos e liberdade dizem Tespeito nado tanto aos individuos quanto aos grupos (feudos, cidades, cor- PoracGes, estratos sociais etc.). E assim que a reivindica. ¢ao individual permanece como instancia decididamente moderna e classicamente introduzida pelos periodos revo- lucionarios, sobretudo americano e francés. Se a ordem do mundo medieval é j dada, a moderna é desejada, como de- monstra a histéria do “constitucionalismo moderno”, Mas a esse propésito existem relacées diferentes entre Os novos direitos e 0 tecido normativo proprio das hetero- géneas tradigdes locais (ou, como hoje dirfamos, nacionais). Assim, conforme se sabe, a reivindicagao dos direitos em sentido individualistico na Inglaterra nao foi descontinua em relagdo a tradicdo de common law (direito comum da terra), ou seja, nao é caracterizada, como na Franga, pela atitude iluminista anti-historicista, de ruptura com a tradigao (in- clusive a medieval). : Na Inglaterra, por outro lado, a centralidade das leis ci- vis, do poder legislativo, 6 um trago caracteristico da tradigao constitucional, ratificado com a Revolugdo Gloriosa e na teo- tia juridico-politica de Locke. FILOSOFIA DO DIREITO a A razao historica é clara: da Magna Charta de 1215! a petition of Rights do 1628, do Habeas Corpus Act de 1679 ao Bill of Rights de 1689, a Inglaterra por um lado reine numa unidade diferentes fases histéricas, em constante afirmagao dos direitos e das liberdades e por outro atravessa por ante- cipagao, resolvendo em equilibrios mais estaveis e tempe- rados fases de oposicao entre instituigdes (Parlamento e Monarquia), fases revoluciondrias depois de fechamentos absolutistas (Cromwell e a Glorious Revolution, a revolugao incruenta) e consolida princfpios cruciais do liberalismo moderno (politico e juridico, dos dois process of Law ao Ha- beas Corpus), mantendo-se fiel A common law e a elaboragao jurisprudencial da matéria das liberdades. ‘A common law na Inglaterra representara a limitagao 4 prerrogativa soberana do Rei, o nexo de reciprocidade e 0 terreno comum que ligava soberano e feudatarios, 0 tecido tradicional contra o qual se chocava qualquer pretensao ab- solutista?. A tal ponto que mesmo as revolugées inglesas continuaram a institucionalizar e a aperfeigoar essa relagao. Com o Act of Settlement de 1701 0 poder judicidrio “foi de- clarado independente do rei”’, ao mesmo tempo que se 1a afirmando o poder de controle do parlamento sobre os atos do rei e dos seus ministros (o crescimento politico do Par- lamento inglés ocorreu sob os Tudor, e 0 conflito entre mo- narquia e parlamento foi uma conseqiiéncia do advento dos Stuart). 1. Veja-se por exemplo 0 att. nosso reino a ndo ser por consense & homem livre sera preso ou aprisionaylo ou expropriads eu ease ne madi atingine [--] and Ser eon Ease NUNN TE ANETS seus pares e segundo a lei do pais.” 2. Mirma Mcliwain, Costituzionalisne 1990, p. 11¥: mesmo sendo designates Ps Seyundo a “lei, anna que na epoca anedtioy ale € tos a tutela do principioe Hus mecants i segurteey mente, 96 AS formariam em sangoes internas ao direite publee 3.ld., p. 195. 12: “Nenhum tribute sera impost Ne art JV *Nenhum num do nosse reine” banal ou ewido nticy ¢ mesterne (IN47), Bolontha os juzes atevtan 18Iga GIANLUIGI PAL OMBELLA 40 Depois da revolt mas isso. jo, o rei teria ficado “legibus solutus ignificava apenas que sua pessoa -oercitiva da lei; nao significayg ficiais estivessem fora da com. es ao controle politico dos re- como antes, 1 btraida estava su sous atos 0 J] que 0s 56 us mais eee é cortes OU HIT stencia das cor Mes nO a ee tantes do povo NO parlamento”'. sentantes disse, esté no ponto de mediacio, pre como se ento (King in Parliament). A doutrina da s eparagado dos Leto Montesquieu (Qdespirito das Ieis, livro XI)° como artifice. lontesquieu aten- tou principalmente para 2 Oe sha ingles — rea que de fato seu modelo constitucional tenha ficado de algum modo diferente dela. Ao poder judiciario Montesquieu concedeu nao sé decidida independéncia como também atribuiu pa- pel de contrapeso em relagdo ao legislativo, traduzindo ° constitucionalismo Jockiano em sentido institucionalmente mais forte na vertente da garantia dos direitos naturais. O poder judiciario funciona como oposigado e freio 4 onipo- téncia ubfqua da lei soberana, custodiando as naturais rela- (Ges entre as coisas. Diferentemente da Inglaterra, cuja historia se caracteri- za como progressiva consolidagao e potenciagao das tradi- ¢Ges constitucionais, a Franca defrontara o absolutismo, por sua vez fortemente arraigado nas tradigdes, com uma revi- ravolta histérica e com o recurso ao poder constituinte do povo, afirmando “o direito moderno de base individualis- ta, o poder civil dos cédigos e o poder publico-constitucio- nal das declaragées dos direitos”*. A Franga revolucionaria, nesse aspecto, ndo tem e nao pode ter como tinico inspira- dor Montesquieu. Ela declara a soberania da nagao, arran- Asoberania, no conjunto rele parlam 4.Id., p. 146. 5. CH. L. DE bee (1748), trad. ital. de S. Cotta, Mi ie Pe 2° ed., 1996], Sobre o assunto, Git. V. em especial, id., - ntesquen, i Lo state demecnatio le stato autorita 6. CLM. FO} rr i libert:presaproch RAVANTL Appunti di storia delle costituzioni moderne. I Le Supposti culturali e modclli storici, Tarim, 1991 p. 24. CONDAT (bario de) MONTESQUIEU, Lo spirito delle ), 1952 [trad. bras, O espirite das lets, Jo espléndidas as pagi- DO DIRLITO pLosoHia I cando 0 poder das maos da velha estratific ‘agdo das ordes its e nobilidtias (Declaraio dos dirvitos, 1789). A declara ne dos direitos imprescritiveis reragag } dos individuos sera acompa- nhada do crescimento do a : vento stado como fruto da soberania Estado que sintetizard em si os poderes de defesa das liber. dades ¢ a expresso da vontade politica dos cidadaos. Cabe- 1a Alei, como manifestagao do Estado, entendido este como instituigdo constitufda pela soberania da nagao, representar ‘0 ponto de encontro entre a defesa dos direitos dos indivi- duos e o exercicio do poder democratico, conter em um sé ambito os direitos de derivagao natural-racional e a tutela do principio democratico, que entre tais direitos exige tam- bém a liberdade politica, a liberdade de governar o pais através da vontade geral (Rousseau). Com a Revolucao Francesa a lei afirma-se num papel que poe em segundo plano a obra do juiz, de quem se espera apenas a aplicacdo das normas de lei. Por outro lado, a superioridade da lei, com o percurso revolucionario, esta, na origem, efetivamente ligada a afir- macio dos direitos, no sentido de que, na experiéncia dou- trinaria e historica francesa, é exatamente a forte constitui- co do poder ou soberania da nagao que impede o retorno 4s tradicdes absolutistas pregressas. O que de fato permitia formular a questao dos direitos de modo nao abstrato, re- solvendo-a concretamente através de uma nova ordem ins- titucional que fosse sua definitiva garantia. A licdo rousseauniana, que por meio da lei unitica a vontade geral acima dos particularismos, torna-se a jus fi- cacao da coeréncia (e 0 elo) entre soberania-democracia & tutela dos direitos individuais. A generalidade da lei, ja am- plamente defendida por Montesquieu, indica para Rous seau “que a lei considera os stiditos como corpo coletivo e& as acées como abstratas, nunca um homem como individuo ou uma ago particular. Assim, a lei pode decretar que haja privilégios, mas nao pode atribui-los nominalmente a nin- guém; pode instituir mais classes de cidadaos & estabelecer até os requisitos para se ter o direito de pertencer a cada uma 42 GIANT UIGEPALOM HE LA delas, mas nao pode especificar que a elas deve ser admiti- do este ou aquele [...J; em suma, qualquer fungao que se Te. fia a um objeto particular nao compete ao poder legislatj. vo", Por essa razdo ¢ pelo fato de ser expressao da vontade geral, a lei une “a universalidade da nossa vontade e ado objeto”. A luz da evolugao historica e filosdfica subseqiiente, a equagao lei-direitos tenderad a ser desenvolvida eM sentido unilateral, ou seja, com uma perda do carater origindrio da questao dos direitos, bem como com sua Passagem a posicdo secundaria em relagdo a tutela da instituigdo Estado e da lei como fonte globalizante do direito. Em todo o continente europeu permanecera substancialmente axiomatica a sub- missao do juiz a lei, sendo indireta a referéncia aos direitos, e haverd uma tendéncia progressiva a atenuacdo do aspec- to de garantia em favor do estatalismo*. Assim 0 problema da ordem institucional, como Pressuposto da prdpria afir- magao dos direitos, prevalecera sobre a exigéncia apresen- tada pelo jusnaturalismo, ou seja, a prioridade dos direitos, Também é possivel expressar de modo diferente Os ter- mos da questao, observando que em Ambito anglo-saxao 0 direito mantém maior autonomia em relacdo ao poder e 4 dimensao politica, autonomia que o pde como derivagdo direta das tradicdes histéricas mencionadas e numa linha coerente de continuidade com as doutrinas jusnaturalistas de Locke. O direito 6 assim limitagao ao poder, sem levat em conta a natureza e a forma que este assume. A ordem organizativa do poder, a forma de Estado nao sao entendi- das como de per si suficientes para propor e resolver (por- tanto nao sao capazes de absorver) 0 tema da garantia dos direitos. Diferentemente, a inspiragdo continental soma a afirmagao dos direitos com a ordem do poder constituido e 7. J. J. ROUSSEAU, Il contratto soviale (1762) (livre UL cap. VD, in Sentti politict, vol. M, org. M. Garin e introdugso de E. Garin, Bari, W971, pp. U2-3. [Trad. bras. O contrado social, Sao Paulo, Martins Fontes, 34 ed., 1996.] 8. Esse € 0 tema da obra de D. CORRADINI, Garantismo e statualismo, Mildo, 1971, posOFiA DO DIREITO 6 o Estado, esperando-se deste, de forma mediata e conse- qiiente, também a tutela dos direitos individuais, Essa evolugado permite também articular o nexo entre moral, direito e politica: no continente, sera assim Progres- sivamente perdido o elo originario entre a reivindicagao dos direitos, baseada nas teorias jusnaturalistas (na qualidade de teorias da moralidade necessaria do direito), e o seu fun- do moral. Isto porque o fundamento moral dos direitos (das liber- dades) foi sendo amplamente substituido pelo fundamento (apenas) politico do direito: direito como expressao da vonta- de popular, como suprema afirmagado da capacidade dos homens de impor-se uma regra comum de vida. E oportu- no notar que também o fundamento politico-democratico do direito provém de uma teoria natural e racional dos di- reitos do homem (a liberdade positiva de autodeterminagao, de construgdo de um mundo dependente da vontade dos individuos)’. Mas, lentamente, o fundamento politico-de- mocratico do direito ganha autonomia em relagdo a sua raiz, Tal ganho de autonomia consiste na separacao entre liberdade como autogoverno e autodeterminagao e liberda- de como independéncia dos individuos em relagao a lagos e vinculos externos (a chamada liberdade negativa). Pode-se afirmar que os paises anglo-saxdes permane- cerao fiéis a uma concep¢do liberal dos direitos, enquanto nos continentais sera mais determinante, na evolugao insti- tucional que levard ao Estado de direito, a influéncia do pen- samento democratico. Isso sem falar da progressiva absorgio tipicamente continental da propria questao da liberdade de- mocratica, ou positiva, na soberania da lei, antes, e do Esta- do, depoi Trata-se, por outro lado, de uma tese intencionalmente esquematica, passivel de notavel abrandamento, até em ra- cit, p. 113: “O povo submeti- 9. CE J. J. ROUSSEAU, II contratto sociale, do as leis deve ser seu autor: somente aos que se associam compete estabele- cer as condigdes da sociedade.” GIANLUIGT PALOMBELLA 44 x0 de elementos que § ) vistos a seguir, entre os quais ea Ceca -¢ importantes a conhecida diferenga entre 9 nao Sa) eel jo norte-americano € 0 cunho parlamentar in- cunho juuticie aa apenas mencionada (que Neumann aty- an 7 ao liberalismo em geral) a conceber “a le- ao do Estado, e nao como algo pro. yeniente do direito consuetudinario eu eae a Essas observagdes poem em primeiro p' ae tema do constitucionalismo moderno, aoe oe ae no direrto‘con— suetudinario inglés, no conceito de leis ean jamentais do An- cien Régime, assim como no direito natural. i ; O binémio tradigao-inovagao parece ser a mais perspi- cua chave interpretativa do constitucionalismo, levando-se em conta também os problemas propostos pelo relativo de- bate historiografico. _ . No entanto, nao se pode negar que a hipotese tedrica do contratualismo jusnaturalista esta decididamente no fun- do do constitucionalismo, que representa em certo sentido uma das suas express6es histéricas preeminentes. Mas, além dos elementos comuns, a histéria imp6e que se distinga o constitucionalismo inglés, baseado na sedimentagao de ele- mentos constitucionais consuetudinarios, no qual se enxerta a propria doutrina lockiana (e que nao se baseia numa cons- tituigao escrita, mas na common law, nos principios da sobe- rania parlamentar e do rule of law) do constitucionalismo americano e francés, determinado o primeiro por uma seces sao em relacdo 4 metrépole e o segundo, pela revolugdo de 1789. Um marcado pela énfase dos direitos e pela oposigio ao Parlamento briténico; 0 outro, por uma ruptura jusnatura- listica e contratualistica com o passado historico-institucio- nal da Franga absolutista. As instancias norte vamente como assimilagao e ut i ae Pensamento “tradicionalista” (vera seguir) ingles, Posto, em especial, na recente defesa do direito con- gléseate bui com agudeza a gislagdo como legislag mericanas delineiam-se progressi- Agdo com feigdes retorma- 10.6, q 5 ci FNEUMANN, Lo Stuto democratico ¢ lo stato autoritario, cit, p. 256. OFA DO DIREITO HiLOs! 45 guetudinario por W. Blackstone (1723- . mentarics on the Laws of pee (cuja nee ae So em 1705 ¢ terminou em 1769) podiam ser densa ee mentos de uma conveniente teoria da limitacao eee legislative através da fungao judiciaria, fiadora da | ‘ ie dos individuos, mesmo perante a lei. el Hamilton, Madison, Jay", 0 proprio Thomas Pain ( glés, que também participou da Revolugdo Francesa) che- gam, no contexto ultramarino, a delinear os contornos ae uma reivindicagdo de autonomia que, segundo alguneintér: pretes, se apdia na forca do “poder constituinte”. E exata- mente esse conceito que, como veremos, separa, mais do que outros, a constituigao tradicional da Inglaterra da cons- tituigdéo que ganha forma na América do Norte. Mas expressao de um poder constituinte é sobretudo a ideologia revolucionaria francesa. E isso o que distingue, em Ultima instancia, constituigéo como tradigdo e constituigdo como vontade (constituinte). Na Franca, a Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 28 de agosto de 1789, no artigo 16, instituiu que 11. Hamilton, Madison e Jay divulgaram o projeto da constituigao ame- ricana numa série de intervencdes coligidas depois, em 1788, no Federalist. O Federalist representa 0 mais vivido manifesto do constitucionalismo amenca- “Pais Fundadores” (CE. Il Federalista, org. M. D’Addiv e G. Negri erman, We the People (1991), Cam- no dos Bolonha 1980). Como ressaltou B. Ack bridge-Londres, 1993: “procuraremos em vo nos Federalist Papers uma des- crigio desenvolvida do ‘estado de natureza’ ou uma analise penetrate dos nossos ‘direitos naturais’, lockianos ou outro”: tais temas no eram a verdar deira preocupagao dos Pais Fundadores, empenhadios que estavaih om con- vencer o8 americanos da boa qualidade da constituiy3o que propunham: ¢ de realmente se encontra, ‘segundo Ackerman, no Federalist, “€ um protundo diagnéstico das perspectivas e das patologtas da cidadania ne mundo moder- no” (p. 30). Ackerman defende, em suma, a tese, que representa uma ull Chave de acesso a filusofia juridico-politica revoluctonana, de que Pas Forcdores nao eram acima de tudo libertitice, mas sim republicans Eta. ago usassem tanto uma teoria absttata, Mas 3 SPE im na isfeia de uma eters Cu}aS VIER alas. O pensamento de portanto, essencial que riéncia do tempo presente, ¢ se des fossem constitucionalmente Paine, nesse aspecto, parece (ver apoiass dletendidlas © protest aa seguut) ke inspuragao diteremte. GIANLUIGI PALOMB a6 ELLA nao se podia afirmar a existéncia de nenhuma constituigag puma sociedade “em que a garantia ¢ os irei ns nao este. ja assegurada, nem fixada a See Me po | Essa concepgao “substancial de consti uIGAO 7 exclui qual. quer outra puramente formal , como carta que contenha uma ordem qualquer, configurada seja 14 como for) marca o constitucionalismo moderno. Tal afirmagao dava-se no sen- tido de negar que a Franca revolucionaria pudesse ter uma constituigdo “transmitida” da época absolutista; por conse- guinte, a Franca deveria munir-se de uma constituic¢do, en_ tendida como ato constitutivo, ex novo, de uma ordem dos poderes determinada pela vontade e pela razao". Essa escolha induz, segundo Mcllwain”™, a afirmar que s6 existe constituigaéo desejada conscientemente e conce- bida como algo anterior a qualquer ato de governo ou de exercicio dos poderes nela definidos, atribufdos e harmonj- \ zados. Donde que a concepgao voluntarista (e nao tradicio- nalista) da constituigdo pretende colocar-se num plano nor- mativo (ao contrario da outra) e nado no plano descritivo de um sistema de elementos politicos essenciais preexistentes, Ja se ressaltou que a Franca revolucionaria conjuga o voluntarismo de modo mais organico e ao mesmo tempo mais restrito que a América do Norte, pois Pressup6e a uni- dade de um povo-nag4o como dado precedente ao qual im- putar o ato constitucional e remeter o poder constituinte. Assim, a Franga revolucionaria atribui & constituicdo tarefas de organizagao dos poderes ptiblicos mais que de definigao de principios primeiros do vinculo social", ao Passo que a 12. Sobre esse assunto, ver, entre outros, M. DOGLIANL Iutroduzione al diritto costituzionale, Bolonha, 1994, pp. 176-7, e M. FIORAVANTIL, Potere cos~ fluente, in Stato e costituzione, Turim, 1993, esp. pp. 219 ss. 13. C. H. McILWAIN, Costituzionalismo antico ¢ moderno cit., p. 38. 14. Entre Constituigao e declaragio dos direitos haveria, na verdade © complexa (na qual insiste G. Floridia, “Costituzione’: il nome ¢ le cose, in “Analisi e diritto”, 1994, pp. 138-9), que é interpretada de mods dife- rentes por quem considerava a Declaragio dos Direitos, na Franga, como pre- liminar e anterior a Constituigao, que deveria ser sua realizagao e seu instru- 1A DO DIREITO 47 constituigao americana expressa tanto um contrat quant um contrato constitucional. E isso em virtud 9 sncial uma preliminar ou antecedente teoria do ae Sl: pagao como poder”. Povo ou da : Mas posias = premise is ¢ voltando ao tema tradi- gao-inovagdo, a Tete éncia mai sica 6 a reconstrucao d Melhwain", que, mesmo evidenciando os fatores car. act i. zadores das “modernas” constituigdes, deslinda Ree continuidade entre antigo e moderno com base no on de comportar-se de duas instancias politico-juridicas pre- sentes NO mundo medieval, 0 gubernaculum e a jurisdictio (a distingao remonta a Bracton — 1216-1268 —, que com 0 pri- meiro indicava a discricionariedade do soberano, mesmo o que age para O bem do pais mas sem limitagdes e exercen- do suas prerrogativas; com a segunda, indicava a esfera da adjudicagao dos direitos dos stiditos, na qual ele esta sub- metido a lei). A modernidade acentua o fator politico do pro- jeto constitutivo da sociedade civil, mas nao pode ignorar e nao ignora os aspectos de garantia dos direitos e a especifi- p11 O56 ta de ao contrario, pretendia, por meio da Constituigao, “cir- io dos Direitos e depois coordend-la com a estruturaya0 Declaracdo assume valor ideolégico-politico: ‘A experiéncia americana, prossegue mento, e por quem, cunscrever” a Declaragai dos poderes. Num dos casos a no outro, um significado juridico direto. Floridia, teria sido inicialmente mais orientada para a legitimagio da oniem politica até mesmo com base em direitos como “self evident truths”, na De- claraco de Independéncia de 1776. Em termos de Constituigio Federal, a prevaléncia da disciplina organizativa é porém. derrubada com a introdugio das dez emendas por ocasiao da ratificagio dos Estados (¢ chamado Bull of Rights american). Do mesmo autor, izione dei moterni. Profilt tec~ nici di storia costituzionale, Turim, 1991, 15. Assim se expressa DOGLIANI, Introduzione cit. P- tese de FORAVANTI, in Potere costituente cit Dogliani atirma que © gonsht fe um povo entendido cionalismo “francés d4 por pressuposta a existencia ¢ como sujeito politico unitario (portanto a constituigio nip forma 2 une S nenhuma subjetividade pobtica coletiva, social); © americano nao pressupoe mas atribui a constiluigdo a tarcta de dar vida, em termes apenas juridicos, 2 uma ‘tunidade entre snjeitos portadores de direitos individuais (portanto 2 constituigo forma a uniao social)” (id., PP 201-2). 16. Costituzionalismo antico e modemo, cit. cf. La costitu fem esp. caps. lle IV. 201, retomande a nte dantenomia da purtedictio. Em outros termos, a separagae dos poderes € a funcao de Larantig a hitado. correlacionados no artigo 16 da Decl. Su dos Direitos, representa dois aspectos separados no mundo medieval: um coincidente com o ambito de exercicig do peder politico (gubernaculium) potencialmente absolute, icidente com a protecdo dos direitos e das liber_ oc rey Cf dades individuais. - Em parte, filosoficamente, essa dis aNSao reforca a outra na qual antes insistimos, ou seja, a que existe entre poder instrumental e esfera de indisponibilidade. A divisao dos po- deres e a resolucdo de seu cardter autocratico, por meio da submissao do poder a fungao de representagao politica e 3 lei, nao comportam a superveniéncia de uma indistinc3o das duas esferas, que, ao contrario, mantém sua autono- mia. Assim, as declaragGes dos direitos, mesmo que acolhi- das nos contextos constitucionais, tendem a desenhar uma drea de indisponibilidade em relacao ao poder, seja qual for a forma que este assuma. Por outro lado, a continuidade no tempo dos elemen- tos do gubernaculum e da jurisdictio permite compreender melhor o aspecto “tradicional” do constitucionalismo an- glo-saxao, a partir da afinidade entre common law e jurisdictio: dai emerge sua caracterizagao como evolusdo linear do modelo de garantia elaborado jurisprudencialmente no bojo da common law e como afirmagao de uma instancia separa- da da do dircito politico. 2. Percursos constitucionais e garantia dos direitos O aspecto tradicionalista é enfatizado pelo pensamen- to historicista de Edmund Burke (1729-1797), cuja famosa critica da Revolugdo Francesa (Reflexdes sobre a revolugao na Franca, 1790), ao invés de indicar simples repidio de uma Perspectiva conservadora as afirmagoes de principio da re- volugao, 6, acima de tudo, uma defesa do modelo inglés de ppasortA DO DIREITO 49 constiltigdo, capaz de compor as diferentes instanci individuos, do povo e do monarca Numa ordem andes, dos. da ao longo do tempo, desde a Magna Charta 1 Sonatuista. Revolution até o momento presente. De resto, Brees deria reafirmar as TazGes de equilibrio do Cue . so ge nico, equilibrio adquirido em nivel in: stitucional ¢ ent brita- pondéncia com o equilibrio entre os es ™ corres- tado na estabilidade e na medietas da £ Cane quela aristocracia o ‘ ic E 7 a jue, mesmo segundo Montesquieu, é 0 Principal pilar de me monarquia constitucional. Mas compreender Burke significa também levar em conta que o fundamento dos “direitos” é para ele representado nao por um abstrato pressuposto na- tural, mas sim pelo fato de ser um patrimGnio secular: “E impossivel nao observar que, da Magna Carta até a Declara- ao dos Direitos, tenha constituido politica uniforme da nossa constituigdo exigir e afirmar as nossas liberdades como ina- liendvel heranga a nds transmitida por nossos antepassa- dos e transmissivel 4 nossa posteridade, como propriedade pertencente de modo especial ao povo deste reino, sem ne- nhuma referéncia a qualquer outro direito mais geral ou antecedente””, portanto um sistema de desigualdades his- toricamente justificadas, pois em “todas as sociedades, con- sistentes em varias espécies de cidadaos, sempre haverd al- gumas categorias destinadas a prevalecer. Os niveladores s6 obtém com a mudanga a perversio da ordem social na- tural”. Burke insere-se, pois, entre os defensores do “siste- ma” inglés; conquanto seu constitucionalismo seja justamen- te definivel como “sem igualdade””, também ele pertence a um quadro conceitual definido: o que remonta d antiga tra- dico da common law, defendida por Coke (1552- 1034) numa célebre peroragado de um sistema dotado de raza historica ‘BU . Serutte pole 17. E. BURKE, Riflessioni sulla rivoluzione francese, in id, Seruttr yw org. A. Martelloni, Turim, 1963, p. 192 peed ijabaren 18. Id., p. 210. BE. Burke acre “A se a dade, mas nao indiferentemente a qualquer omen” pay 19. G. REBUFFA, Costituzioni e costituztonalisim), Tunis 1 venta: GIANLUIGT PALOMBELLA 50 5 também flexivel e modifica- empo. Coke defendera a Costecoeee law con- a . -ontra o absolutismo dos Stuart, contra trao fildsoto Bac ‘on, €4 jstrada por uma corte do rei, Carlo }) a equity (justiga a ee Peace sobre 0s dircitos em us ae ‘i oe da lei e do ilimitado poder do rei de fe a “Em substancia, Coke reservava a jurisdictio aos es io com base nos precedentes, administram e for- pa ae laww, conferindo assim ao direito uma ordem estavel e segura, nao alteravel pelo arbitrio do ee Oo proprio Hobbes, atacando o sistema de common ne ae qual prefere os Statutes, deveria contrapor-se as teses de oke”, ‘A arma da common law, como limite ao arbitrio sobera- no, permaneceu como arma do parlamento contra 0 rei, per- mitiu a tutela das liberdades da Magna Charta contra os Stuart, implicou a submissao do rei a lei: s6 podia identifi- car-se com a lei comum da terra. E esta nada mais era que 0 direito historicamente afinado com a evolugao dos tempos, de acordo com o que era ditado por uma razao concreta, empirica: uma sabedoria que bem se distingue da raciona- lidade abstrata e puramente anti-histdrica da lei natural de cunho continental, depois iluminista. Nessa continuidade que conduz idealmente de Coke a Hume, encontra-se, pois, historicamente incluido o pensamento de Burke. A atitude de Burke, de dbvio espirito historicista, nao é portanto, de per si, reacionaria, mas funda-se na suprema- cia da common law. E de resto, foi Burke que defendeu as raz6es dos colonos da América (razGes que, nao ouvidas, le- varam a declaragdo de independéncia, quando os colonos reivindicaram seus direitos politicos perante a metrdpole)”". Apesar disso, foi inevitavel a polémica de Thomas Paine com sélida, ndo descontinua, ma vel ao longo do t nome d _ 2 ‘Areferéncia é 3. abra de TH. HOBBES, Dialogo tra un filosofo e un stu- dioso del diritto comune d'Inghilterra (1665-1666) I, Opere politiche, org. N. ite de er ), in ied, Opere politiche, org i 21. Ct. E. BURKE, Discorso de E. Burke nel presentare la sua mozione di con- ciliazione con le colonie (1775), in id., Scriti politici, cit., pp. 69-147. sep fA NO DIREITO 51 gurke. Paine grande inspirador do constitucionalismo ame- ee surpreso coma atitude diferente assumida nas Re- a sobre a Revolugao Francesa, atacou Burke e quis incluf- i nas fileiras dos “cortesaos -No seu The Rights of Man, gprade 1791-1792, defende 0s princfpios da Revolugio Fran- cosa, evocando os direitos de razao, como direitos naturais a que se deve submeter qualquer poder “civil”. As razdes dos colonos americanos parecem a Paine simples fruto do senso comum, do bom senso, evidentes por si sés”. O pon- to talvez mais relevante de choque entre as duas perspecti- vas esté na contraposigao de uma versao contratualista da constituicdo e uma historicista: a primeira tendente a aderir 4 instancia de soberania dos cidadaos (povo, na Franca); a segunda, a extrair da vontade contingente (disponibilidade) de algumas partes hist6ricas uma estrutura fundamental sobre a qual se apdiam culturalmente, mais que juridica e politicamente, relagdes de continuidade entre geragées. Em hipotese, a experiéncia americana pode ser enten- dida por inteiro através do ponto de vista de Burke, ou seja, como continuidade com a tradic&o inglesa (portanto afas- tamento em relacao aos poderes — sobretudo o parlamentar — da metrépole que a violavam). Mas, ao mesmo tempo, conforme mostra a obra de Paine, reportando-se & revolu- cao francesa, as colénias da América do Norte tinham de fato forjado uma cultura do pacto constitucional do povo (que atribui o poder aos seus governantes, nos limites do respeito aos direitos de liberdade), cultura que, do ponto de vista politico, percorre a experiéncia do contratualismo e a 2D. TH. PAINE, [diritti del womo, iil, iit del woe @ alr politic, org, T. Magri, Roma, 1978, p. 212: “para um cortesio 120 PNY TN nada mais terrivel que a revolugao francesa. O que & uma BEA Pee agies constitui para eles uma desgraca [,.| eles tremem diante wo ON novos principios e temem esse precedente que Para es eosin ¢a de derrubada” j dell’ tri SON ey a aeons scritti politici,cit,, pp. 65-107. ; GIANLUIGI pay ¢ : TPALOME, ELL, ratifica na idéia de tundagao de um Estado, Portanto, quer interpretagao puramente independentista (logo, tinuista em relagdo 4 tradigdo inglesa) seria redutiva, ag : so que uma simples associagdo com a Revolucao Prone descentraria erroneamente a linha de Pensamento qie monta a Coke, a Bolingbroke e a Burke (e ao Préprio ie Inversamente, sabe-se que a Revolugdo em Franca, me a projegdo absoluta da nagdo e do povo, desfaz a continur dade com os equilibrios entre os antigos “estados” (ordens de estrato social e de classe). Reafirmar e reequilibrar é 9 oh jetivo da Revolugao Gloriosa; subverter e reformar median- te um ato supremo de vontade do povo (nacao), que Zera Papéis e fungdes no interior da propria estratificagao Social, 6, ao contrario, 0 postulado revolucionario francés: e também o sentido do ato constituinte, produto de um poder consti- tuinte (impensdvel na versio historicista burkiana). A modernidade da Revolucao Francesa estaria assim em fazer tabula rasa dos aspectos convencionais e histori- cistas, em projetar racionalmente e no pensamento um modelo de direito natural que se traduz em programa poli- tico. A prioridade politica, portanto, que permite afirmar os valores e os fins de uma nova ordem oposta a antiga, carac- teriza a Revolucao Francesa, expressao de um “direito natu- ral racional”. Nisso, evidentemente, sé a Revolucao France- sa (e nao, claro, a inglesa de 1688) encarna profundamente as duas grandes diretrizes do jusnaturalismo, dos direitos e do contrato, conjugando a artificialidade (contratualistica) da ordem politica com a fé na absoluta definigdo racional dos Pprincipios juridicos. A Revolugado Americana teria, Portanto, um alcance me- nos “significativo” (ou inovador), pelo simples fato de poder ser vista como 0 exereicio de uma faculdade reconhecida até pelo direito natural medieval, faculdade celebrada na pro- Pria teoria lockiana, que 6 a de resisténcia a atitude tiranica do soberano na metrépole. Resisténcia que & respeito ao choque entre duas vis6es de mundo, respeito a afirmagao de um anseio reformulador da ordem do mundo, resisténcia qual. » CON. 4 DO DIRETO. 53 gue & na raiz, defesa da ordem tradicional perturb: gititrio do rer. ; “4 bem da verdade, esta efetivamente evidente em Paj ne também um outro argumento da teoria redutora da es yolugdo Americana. O argumento é 0 da substancial coin- cdéncia entre rights of man, laws of nature e Principles of so- cictv; o poder politico nao é o meio de constituicao de ‘uma sociedade racionalmente organizada, 0 Estado nao € 0 ins- taurador de uma sociedade civil segundo Principios natu- ral-racionais, mas sao s6 as leis de natureza, que também sao as leis da propriedade e da troca, das harmonias inter- nas e igualmente naturais da esfera econdmica (como ensi- nava Adam Smith), que devem poder operar “ livremente” (numa sociedade civil nao conculcada pelo poder politico). O tema e a exigéncia de independéncia politica das colé- nias sao proeminentes, portanto, também desse ponto de vista filosdfico geral; no mesmo sentido, o jogo parlamen- tar inglés deve ser eliminado simplesmente por ser obsta- culo a uma sociedade nova que se apdia em leis descritiveis tanto quanto as leis econdmicas. E, de fato, tais leis, naturais, sao por um lado as da economia cléssica de Adam Smith e do liberalismo econémico e, por outro, constituem 0 catalo- go dos direitos proprios do cidadao inglés. Nesse catadlogo nao se encontra vestigio da sociedade como sociedade politica, da forga fundadora do Estado como organizagao artificial segundo leis racionais. Nao se conta com a necessidade de transformagao do direito natural em direito positivo, direito posto pela vontade politica de um Estado, no sentido que fora da tradigao fisioeritica, depois sintetizado na inspiracdo revolucionatia francesa de Sieves. A Revolugao Americana reivindica 0 minimal State que pos- sibilite expressio nao obstada ao livre jogo dos equilibrios da sociedade: nao se espera realmente que nenhuma vonta- ada pelo ysaio memoravel de JURGEN ca ¢ tvoria criti- 24. Hissa interpretagdo esta contida num ensaie r HABERMAS, Diritto naturale e rieoluctone, agora in Prassi ps ca della societi, cit. GIANUIGI PALOMEF LL, 54 a uma organizagao statal capaz de plas. ss equilibrios sociais. Nisso, a Revo~ se principalmente no modelo con- a, endo NO “moderno” (do direito natural-racional abstrato, ou seja, Pee nas “idéias”), Essa “leitura” é considerada limitada por alguns. A yolucao Americana seria captada assim aestrutura social e institucional das co- Iénias com a da Inglaterra, assim que se percebesse a tele= réncia ao poder constituinte que subjaz a definigao de uma Constituicdo, assim que se comparasse a Organizacao do poder e a natureza republicana da ordem estatal-federalis- ta americana com o governo britanico misto que modera e unifica a soberania do povo com o principio aristocratico. Nao nos deve escapar que no pensamento de Paine esta resente a idéia do carter origindrio do poder constituinte e do primado dos direitos naturais do homem, como pro- duto racional, segundo a licdo jusnaturalistica de Locke. Para além das interpretagGes, é fato que a doutrina de Locke influencia profundamente o pensamento de Paine e até certo ponto também a cultura revolucionaria americana. A sociedade civil lockiana é a consolidagao de equili- brios ja possiveis dentro do estado de natureza, alids nele ja substancialmente presentes (ressalvada sua instabilidade). Sua visio do homem natural esta estreitamente ligada aos principios portadores do individualismo, inerente a consti- tuicdo de estratos sociais e 4 ordem dos poderes sociais da Inglaterra do seu tempo: o que explica tanto a sua “tutela” ideologica da desigualdade das propriedades* quanto a ga- de politica institu ar, definir nove mar, regul ysere lugdo Americana iv r tinuista-independentist modernidade da Re que se confrontasse a aa vi ae rE JERSON, Liberta e preprieta alle origini del pensiere bor- Se ne, a Ses Barut, Milo, 1973, p. 27: “O individuo ¢ livre na medi- cose ds ea es tatio de sua propria pessoa e das priprias capacilades; a de # fongderds on mao consiale: em depender da vontade alheia, ¢ a liberda- indivi ae ime ° a S¢ Possuil A sociedade torna-se assim uma massa de proprias eapaida os ae em ose entre sina qualidade de proprietarios das dade consiste em. re © Caquilo que adquiriram tazendo-as produzir. A socie- em relagoes de toca entre Proprietarios. A sociedade politica PILOSOHA DO DIREITO a 35 rantia da estrutura britanica “ ” mitados, como na tradigio conaiuche ies aa nu Por outro lado, em Locke a tondénck — Se - equilibrio (no sentido da Revoluga ‘Glorin er Slide de 7 iaaliicaa Gao Gloriosa, do restabele- cimento da old constitution, do equilibrio entre rei, lordes e ci- dadaos comuns, portanto entre poderes) delineia-se e afir- ma-se com base numa instancia teorica peculiar, que é a da fungao estabilizadora da sociedade civil e em particular da prevencao (legislativa) e do tratamento dos conflitos como ratio essendi do poder civil. A ela deve-se somar a énfase tradicionalistica: a diretriz de pensamento que, como vimos, liga Coke a Blackstone e conduz a valorizar, no sistema in- glés, a instalagao da common law e a garantia judicidria dos direitos. O que depée a favor da interpretagdo da Revolugado Americana dentro da linha evolutiva de um sistema pree- xistente, da old constitution britanica. Por esse motivo, se quisermos reconhecer na Revolugao Americana uma homogeneidade em termos reformulado- res, voluntaristas e anti-historicistas, com a Revolugao Fran- cesa é necessario ressaltar os aspectos mais tipicamente con- tratualistas e politicos. A tinica grande familia de motivagGes, nesse aspecto, esté nas pretensoes avancadas no plano politico e consti- tuinte (portanto coincide com 0 fato de referir-se ao poder cons- tituinte): elas nao sao redutiveis ao equilforio lockiano do governo misto, nem a Optica tradicional do “direito de resis~ essa propricdade © manter torna-se um mecanismo projetado para defender ude “peeyul- uma relagdo organizada de troca”; mas tambem. com MeN wy gamento” & no entanto lapidarmente, No MacCORMICK, Dunito, “Rule of Law’ ¢ democrazia, in “Analisi e dinitto”, LL, p. 202 “Sabese qqusi mnugualt téria é a teoria dos dircitos naturats de Locke.” 26. A esse respeito, Melhvain: “A nego tradicional de antes do fim do século XVIL compreendia uma serie de PHneples incorperd- dos nas proprias instituigoes de uma Nagae, nao exteriores ae Fes no tempo: era consutucional um Estado que BYES conservade uma heranga de livres instituigGes” (op. cit, p. 2 mas v tambem p. 24) Constituigae, Jas nem antento- 56 GIANLUIGI PALOMB ELL tenia”: para o proprio Paine existe um “momento” em qu uma Nagao constitu’ seu governo, € nao ¢ o ato “de um go- verno, mas do Povo que constitui um 8Overno; eo 80verno sem Constituigao é poder sem direito. Todo poder exercidg sobre uma nagao deve ter tido um inicio, Deve ter sido de- legado ou usurpado: nao existem outras fontes”””, Matteucci, sabiamente, resolve a questao afirmando que os “americanos realizaram a pratica do poder consti- tuinte, mas nao tiveram sua teoria, enquanto os franceses elaboraram a teoria, mas nao a realizaram na pratica”™, Isso efetivamente se deduz do fato de que as constitui- s0es dos estados americanos tiveram a aprovacao de con- vengGes populares e de que a tais convengoes, extra ordinem em relagao as assembléias legislativas, eles deliberaram con- fiar o poder de modificd-las (por meio do Procedimento das emendas), 0 que é reconhecer a existénciaea Precedéncia do poder constituinte em telacao ao legislativo e ao Parla- mento (bem como ao governo). Na Franga, a forte teoriza cdo do poder constituinte do Povo nao conseguiu, porém, traduzir-se em Constituigdes que entrassem depois em vigor ou fossem redigidas por as- sembléias reconheciveis con No O conjunto do povo ou in- vestidas de uma delegacio constituinte, do todo diferente da legislativa. Como escreve C. Schmitt : “A Convencao Nacio- nal, reunida em 20 de setembro de 1792, tinha a missdo de elaborar um Projeto de Constituicdo e era Orgdo extraordina- rio de um pouvoir constituant, Uma vez elaborado o projeto (24 de junho de 1793) e obtida a Aprovagao do povo com su- fragio universal, cessou o seu mandato e, com i der. Mas, por causa do estado de guerra e dos movimentos contra-revolucionarios internos que aMmeagavam a prépria existéncia da nova constituigdo, a Convengao Nacional de- cidiu, em 10 de outubro de 1793, que o goverMo provisdrio da Franga fosse “re que se alcangasse a paz. D, O SeU Po- voluciondrio” ate 27.1 PAINE, Ldiritti ck Wuomo, et, p. 256. 28. N. MALTEUCCL Cost Htuzionahismo, cit, p. 139, HLOSOFIA DO DIRLITO 57 De tal modo foi suspensa a Constituigdo de 1 mais entrou em vigor M Contudo, estava totalmente maduro o Pensamento de uma Constituigao politica, como mudanga de uma sistem tica historica sem razao de ser, ou seja, cuja coes. mantida pelo “poder”. Condorcet (1743-1794) mostra continuamente nas suas obras € nas suas intervengdes em defesa de uma constitui- cdo a separagao entre sociedade e poder constituido: os ci- dadios, reservando-se 0 direito de rever ou de aceitar a Constituigao, nela depositam todas as razGes dos seus direi- tos e em substancia delegam seus poderes, salvo 0 de poder exprimir-se de novo como poder constituinte. Mas, obvia- mente, 0 fio principal do pensamento revolucionario é se- guido, nesse aspecto, por Siéyés. O fio condutor do pen- samento de Siéyés é a reivindicagdo dos direitos do terceiro estado na Assembléia dos Estados Gerais de Franca. Tais di- reitos tendem a coincidir com os da nacio, contra os privi gios dos primeiros dois “estados” (nobreza e clero), forte- mente minoritarios. “Ninguém é livre — escreve ele — a forca de privilégios, mas a forga dos direitos do cidadao, que per- tencem a todos.”* Nagao e direitos substituem os concei- tos de hierarquia, privilégio e prerrogativa. O terceiro estado, na qualidade de nagao, deve reunir-se a parte, e nao nos es- tados gerais, para exprimir a vontade da nagao e Para exer- cer poderes extraordinarios, que sdo “constituintes”. Nasce a Assembléia Nacional, assembléia constituinte na qual se expressa a soberania da nacido, que substitui o rei. O caminho interrompido com a ditadura revolucionaria na Franca, em outubro de 1793, nao elimina o sentido da la- buta revolucionaria, inteiramente voltada para a detinigao de uma nova ordem constitucional com base numa teoria cons- ciente que teve em Sieyés e em Condorcet seus mais sérios defensores, 793, que nao A- 0 $6 era 29.C. SCHMITT, La dittatura, trad. ital. B.Liverani, Bari, 1975, pp. 158-9 30. E. SIEYES, Che cos’é if terzo stato, in Opere € testimontanze politiche, vol. org. G. Troisi Spagnoli, Milo, 1993, p. 213. 58 GIANIUIGI PALO, TELL, O constitucionalismo anglo-saxao, ao contra se numa teoria juridico- politica liberal totalmente no senso de moderagao e equilibrio. Nao se tr: da mesma inspiragdo do jusnaturalismo hobbe: dor de uma visdo extrema tanto do individual quanto do seu remédio politico (a absoluta so a sociedade civil). A Revolugao Francesa é movida Por um projeto Politi- co racional e radical e voltada para a subversao da ordem do mundo: esté ao mesmo tempo, porém, préxima do attificio potente de Hobbes e do carater extremo da taza politica, Exatamente a Revolugdo Francesa poe em primeiro plano a absolutez (no fundo, hobbesiana) do poder (ainda que de- Mocratico, ou seja, do povo), que colide com as imagens classicas do liberalismo moderado, de Montesquieu e Locke, Ambas expressam uma visdo de recomposicao entre ordens ou partes da sociedade civil, logo também entre poderes; ambas interpenetram instancias e articulam 0 equilibrio in. terpondo corpos intermedidrios entre a autoridade e os cida- dios, e, em monarquias constitucionais, ressaltam a neces- sidade de equilibrio entre Povo, rei e aristocracia. A linha doutrindria mantida na América do Norte, nas folhas do Federalist, exprime respeito pelo individuo como artifice de uma civitas marcada pela virtude republicana e apdia-se num individualismo nao tesolvido ad unum através do poder; dirfamos hoje um pluralismo Ppensado como fun- cional para a liberdade de cidadao. Isto se entrelaga coma “ideologia” de Paine, que € ba- seada na harmonia natural e na prioridade da sociedade ci- vil, no Estado nao como criador de uma ordem, mas como depositario de um poder conseqiiente, secundario, minimo e exterior, limitado a Manutengao dos equilibrios naturais en- tre individuos: “A sociedade é produzida pelas nossas neces- sidades; o governo, pela nossa malvadez; a primeira promo- ve a nossa felicidade, unindo Positivamente os 0 atetos; 0 segundo, freando negutioamente nossos vicios, Uma enco- Taja as relagdes; 0 outro cria as distingdes. A primeira prote- Be; 0 segundo pune. A sociedade 6 em qualquer condigao, NO, apdia. ata por Certo ‘slano, Porta. ismo Natura] berania Sobre FILOSOMA DO DIREITO 59 uma béngao; 0 governo, mesmo na sua melhor forma, nao passa de um mal necessario.”" Por fim, na Franga, Sityés anula na unidade do povo a teoria aristocratico-moderada da articulagao social: poe em oposigao com uma vontade geral, que tem carater organi- co, a existéncia de facgdes ou partidos; nao aspira a nenhu- ma “equilibracao” entre estratos sociais € interesses, mas, numa Optica que foi a de Rousseau, incita 0 povo, na quali- dade de na¢o, a expressao da vontade geral e a lei como emissao (projecdo) formal soberana do interesse geral. Pre- valece, no tema dos limites do poder, o tema da sua onipo- téncia e da sua inalienabilidade: “uma nacao nao pode alie- nar a faculdade de querer nem dela se abster; e, qualquer que seja a sua vontade, nao pode perder o direito de muda-la sempre que o seu interesse 0 exigir””. ‘A idéia do constitucionalismo, para a qual todo governo constitucional é por definicao um “governo limitado”®, ndo é espontaneamente francesa. E assim a idéia de constituigao- garantia, que contém limites rigidos ao exercicio do poder, com funcao de tutela dos direitos (idéia que descende sobre- tudo da experiéncia americana), deve ser considerada com- plementar (ou, talvez melhor, contraposta) ao pensamento constitucional francés que, de modo diferente, esta ligado a uma idéia de constituigao-diretriz, que visa a determinar va- lores e principios nos quais devem apoiar-se as instituicoes politicas; principios que aparecem nao tanto como “limites” ao seu arbitrio, porém mais como fundamento de sua reco- nhecibilidade, de seu valor intrinseco e, por conseguinte, pressuposto pelo qual elas “devem ser mormente respeita- das” (Declaracao dos direitos do homem e do cidaddo, 1789)". 31. TH. PAINE, Il senso comune, cit. p. 69 32. E. Sif Che cos’e il terzo stato, cit. p. 257. E tambem no $6 nao esta submetida a uma Constituigae come tambem nao pede nem deve estar [...)” (ibid.). 33. McILWAIN, Costituzionalismo, cit., p. 30. 34. Que pode ser vista em G. FLORIDIA, La costituzione dei moderni, cit, p. 207. GIANLUIGI PALOMBELLA 60 : éncia da representagao politi. ica européia, propria do Esta- cac dal so de uma matrlZ, sintetizada no continente e lent srania, que O pensamento liberal modifj- “64 » sabe a na no conceito de sol nite deslocara do povo para a nagao e da card progressivame “A y Estado. ; — ; A hago pa dn verdade, o Estado liberal se encaminhara A bem di jade, “metabolizagao” € eM parte para a ee o enfra- scimento da unidade e da centralidade da “politica” em as “soa unidade do Estado, mas as confirmara substancial- mente na forma de unidade e autoridade do “centro " estatal em relacdo as articulagdes da sociedade civil e como dominio da lei em relacao as razées dos direitos, inclusive razGes in- dividuais. As raizes do crescimento de uma autoridade cen- tral estarao exatamente nessa unificagdo e centralizacgao da soberania, por meio do aparato administrativo e da lei, tor- nando-se, por outro lado, coerente com esse processo tam- bém a correlativa transformagao da doutrina juridica em sentido juspositivista, ou seja, no sentido que privilegia a formalidade do direito e a sua validade como direito posto e vigente (em relagao as teorias do direito natural e dos direi- tos individuais A “soberania” foi efetivamente o instrumento mais efi- caz para fundar ~ para além da multidao e da pluralidade, para além dos individuos e do individualismo — um poder que parte diretamente “de baixo”: como na Revolugao Fran- cesa, a soberania desenvolve-se para 0 povo e pelo povo como meio de eliminag: direitos. No entanto, semin Por outro lado, 2 preem! lei sera UM a caracte! paraa“ a0 dos privilégios e afirmagdo dos numa espécie de ee eae dat sé segue consi oe &e projecdo sobre o Estado: este se separa da sociedade, assim como tende a prevalecer sobre ela. Corre- lativamente, e a i ativa 7 CM NAO Muito tempo, pi Lo juss : » prevalecerd o jussum so- bre 0 jus e sobre os jun. Po F etd O Jussi O artigo 6 da Declaragdio dos Divei Cidadao, consaygrands G0 dos Direitos do Homem e do ; a lei como expressa / Bere (la loi est Veapression de la volonté v6 : cle), i venta a vorade popular da produgao do di it ; ‘lin cin innate a Ctreito, eliminando assim itri , a oO arbitrio FILOSOFIA DO DIREITO 61 e resolvendo o poder diretamente na sua expressao legisla- tiva. Mas, ao mesmo tempo, erradicando privilégios e prer- rogativas anteriores a lei, a vontade legal, impediu que haja (também) direitos de fundamento aut6nomo e indepen- dente em relagdo as expressées democraticas de vontade por parte do povo: tornou improvavel que direitos simple: mente depositados na “tradicgdo” ou fundados no reconhe- cimento da “razdo” adquiram por isso mesmo um valor pro- prio juridicamente relevante, além da lei, ou pelo menos como limite interno e constitutivo da lei. Em virtude desse processo de afirmagao do principio de soberania da naga, de fortalecimento do Estado e da lei, o crescimento do “poder” que chamamos de “instrumental” ser de fato desequilibrado em relagao a exigéncia de pro- tegao dos direitos: o contrdario fortalecimento da jurisdictio e, portanto, da vertente de “indisponibilidade” encontrara, porém, seu lugar histdrico na experiéncia anglo-americana.

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