70 - A Razão Imparcialmente Considerada
70 - A Razão Imparcialmente Considerada
70 - A Razão Imparcialmente Considerada
John Wesley
'Irmãos, vós não sejais meninos no entendimento: mas sede meninos na malícia, e
adultos no entendimento'. (I Cor. 14:20)
2. Entre esses que desprezam e vilipendiam a razão, você sempre pode esperar
encontrar aqueles entusiastas que supõem que os sonhos criados pela sua própria
imaginação são revelações de Deus. Nós não podemos esperar que homens desse tipo
irão prestar mais atenção à razão. Tendo um guia infalível, eles são pouco
sensibilizados, através dos raciocínios dos homens falíveis. No primeiro desses nós
comumente encontramos todos aqueles que, embora possam diferir, em outros
aspectos, concordam em 'tornar, sem efeito, a lei, através da fé'. Se você contrapõe
razão para esses, quando eles afirmam proposições, sempre tão cheias de absurdos e
blasfêmias, eles provavelmente pensarão que esta é uma resposta suficiente para dar:
'Ó, este é o seu raciocínio; a sua razão carnal'. De modo que todos os argumentos
estarão perdidos: eles cuidam deles não mais do que de restolhos ou madeira podre.
3. Quão natural é para aqueles que observam esse extremo, que correm para o
lado contrário! Enquanto eles estão fortemente impressionados com os absurdos da
razão depreciada, quão apto estão eles de superestimarem-na! Concordantemente, nós
estamos cercados (nós os encontramos de todos os lados) daqueles que colocam isto
como um princípio incontestável: que a razão é o maior dom de Deus. Eles a pintam
das cores formosas; eles exaltam-na aos céus. Eles a discorrem, em detalhes, em seus
louvores; eles a tornam nada menos do que divina. Eles estão acostumados a
descreve-la como muito perto; se não, completamente infalível. Eles olham para ela,
como a um diretor auto-suficiente de todos os filhos dos homens; capaz de, pela sua
luz natural, guiá-los dentro de toda verdade, e conduzi-los em todas as virtudes.
4. Estes que são preconceituosos contra a revelação cristã, que não recebem as
Escrituras como a Palavra de Deus, quase universalmente correm para este extremo:
eu dificilmente conheço exceção: de maneira que todos, quaisquer que sejam os
nomes pelos quais são chamados, negam a Divindade de Cristo. (De fato, alguns
desses dizem que eles não negam sua Divindade; apenas sua suprema Divindade. Mas
isto é a mesma coisa; já que negando que Ele seja o supremo Deus, eles negam que
Ele seja algum Deus afinal: A menos que eles afirmem que existem dois Deuses, um
grande, todo poderoso, e outro pequeno!) Todos esses são veementes aclamadores da
razão, como o grande guia infalível. Para esses que supervalorizam a razão, nós
podemos geralmente acrescentar homens de eminentemente grande entendimento;
aqueles que, porque conhecem mais do que a maioria dos homens, eles supõem
conhecer todas as coisas. Mas nós podemos igualmente acrescentar muitos que estão
do extremo oposto; homens de eminentemente fraqueza de entendimento; em quem o
orgulho (um caso muito comum) supre o vazio da razão; que não suspeitam que estão
cegos, porque eles sempre foram assim.
5. Existe, então, nenhum meio termo entre esses extremos — entre subestimar
e superestimar a razão? Certamente que existe. Mas quem poderá indicá-lo, com o
objetivo de marcar o caminho do equilíbrio? O grande mestre da razão, Sr. Locke, tem
feito alguma coisa desse tipo; alguma coisa aplicável para ela, em um capítulo de seu
Ensaio Concernente ao Entendimento Humano. Mas ele é apenas remotamente
aplicável a isto: Ele não chega ao ponto. O bom e grande Dr. Watts escreveu,
admiravelmente bem, tanto com respeito à razão, quanto à fé. Mas, nem qualquer
coisa que ele tem escrito indica o meio termo entre validá-la muito pouco, e valorizá-
la demasiadamente.
I
(1) Primeiro, então, a razão é, algumas vezes, tomada por argumento. Então,
'Dê-me uma razão para sua afirmação'. Como em Isaías: 'Leve adiante as suas fortes
razões', ou seja, seus fortes argumentos. Nós usamos a palavra, aproximadamente, no
mesmo sentido, quando nós dizemos: 'Ele tem boas razões para fazer o que faz'. Aqui
parece significar que ele tem os motivos suficientes; tais que devem influenciar um
homem sábio. Mas como a palavra pode ser entendida, na questão apontada,
concernente 'as razões das coisas?'; particularmente quando é perguntado: 'Se as
razões das coisas são eternas?'. 'As razões das coisas', aqui, não significam a relação
das coisas, umas com as outras? Mas o que são as relações eternas das coisas
temporais? Das coisas que não existiram até ontem? A relação dessas coisas pode
existir, antes que as próprias coisas tivessem alguma existência? Falar sobre tais
relações, então, não é uma clara contradição? Sim. E tão palpável, que pode ser
traduzida em palavras.
(4) Para uma compreensão mais elaborada ainda: é certo que a razão pode nos
assistir, quanto a irmos através de todo o círculo de Artes e Ciências; da Gramática,
Retórica, Lógica, Filosofia natural e moral, Matemática, Álgebra, Metafísica. Ela
pôde ensinar, o que quer que a habilidade ou a diligência do homem tenha inventado,
nesses milhares de anos. É absolutamente necessária para o cumprimento devido da
maioria das tarefas mais importantes, tal como aquela dos Magistrados, se de um nível
inferior ou superior; e aquela dos Governadores subordinados ou supremos, se de
Estados, Províncias ou Reinos.
(5) De todos esses, poucos homens, em seus sentidos, irão negar. Nenhum
homem pensante pode duvidar que a razão presta um serviço considerável a todas as
coisas relativas ao mundo presente. Mas suponha que falemos de coisas mais altas; de
coisas de um outro mundo; o que a razão pode fazer aqui? Ela é uma ajuda ou um
estorvo à religião? Ela pode fazer muito nos assuntos dos homens; mas o que ela pode
fazer nas coisas de Deus?
(7) Muitos casos particulares ocorreriam, com respeito aos diversos artigos
precedentes, na qual temos oportunidade, para todo o nosso entendimento, se nós
mantivéssemos nossa consciência livre de ofensa. Muitos casos de consciência não
seriam resolvidos, sem o exercício mais extremo de nossa razão. O mesmo é requisito,
com o objetivo de entender e cumprir nossas obrigações ordinariamente relativas: as
obrigações de pais e filhos; de maridos e esposas; e (para nomear não mais), dos
empregados e empregadores. Em todos esses aspectos, e em todas as obrigações da
vida comum, Deus tem nos dado nossa razão como um guia. E é apenas agindo de
acordo aos ditames dela, usando todo o entendimento que Deus nos tem dado que
podemos ter a consciência isenta da ofensa em direção a Deus e ao homem.
(8) Aqui, então, existe um campo largo, de fato, em que a razão pode discorrer
em detalhes e exercitar todos os seus poderes. E se a razão pode fazer tudo isso, tanto
nas coisas comuns, quanto nas coisas religiosas, o que, então, ela não pode fazer?
II
(1) Em primeiro lugar, a razão não pode produzir fé. Embora ela sempre seja
consistente com a razão, ainda assim, a razão não pode produzir fé, no sentido bíblico
da palavra. Fé, de acordo com as Escrituras, é uma 'evidência' ou 'convicção' das
coisas que não são vistas. É uma evidência divina, trazendo a convicção total de um
mundo eterno invisível. É verdade que houve uma espécie de persuasão irreal disso;
mesmo entre os mais sábios pagãos; provavelmente, da tradição, ou de alguns
vislumbres de luz refletidos dos israelitas. Muitas centenas de anos antes de nosso
Senhor nascer, o poeta grego proferiu aquela grande verdade: 'Milhões de criaturas
espirituais caminham na terra; e não são vistas, quer estejamos acordados, quer
estejamos dormindo'.
Mas isto foi um pouco mais do que vaga conjectura: isto foi mais do que uma
firme convicção: o que a razão, em seu mais alto estado de progresso, nunca poderia
produzir em algum filho do homem.
"Será que todas essas coisas que eu vejo ao meu redor, essa terra e céu; essa
moldura universal, têm existido desde a eternidade? Será que aquela suposição
melancólica do poeta antigo é um caso real? Será que a geração de homens é
exatamente paralela com a geração de folhas? Será que as palavras de um grande
homem são realmente verdadeiras: A morte é nada, e nada existe depois da morte?".
"Como eu posso estar certo de que não é este o caso; de que eu não tenho
seguido astuciosamente fábulas inventadas?" — E eu tenho perseguido o pensamento,
até de que não houve espírito algum em mim, e eu estive pronto a escolher a
supressão, preferivelmente, à vida.
(7) Mas quem é capaz de fazer isso, pela força de sua razão, sendo ela tão
altamente aperfeiçoada? Um dos mais sensíveis e mais amáveis pagãos que viveram,
desde que nosso Senhor morreu, foi o governador do maior império do mundo, o
Imperador Adriano. São bem conhecidas suas palavras: 'Um príncipe deve
assemelhar-se ao sol: Ele deve brilhar em cada parte desses domínios, e difundir seus
raios salutares em todos as partes onde ele for'. E sua vida foi um testemunho de sua
palavra: Onde quer que ele fosse, ele executava justiça e mostrava misericórdia. Mas,
e no fim de sua longa vida; ele esteve cheio da esperança imortal? Nós podemos
responder isto, através de uma autoridade inquestionável: suas próprias palavras
agonizantes. Quão inimitavelmente patéticas: 'Pobre, pequena, bonita, e adejante,
coisa; nós não deveríamos viver mais tempo, juntos? E tu não aparas tuas asas
trêmulas, para voares, tu não sabes onde? Teu talento agradável, tua loucura bem
humorada. Está toda descuidada, toda esquecida! E a melancolia pesarosa,
oscilante. Tu esperas e temes, mas tu não sabes o quê!'.
(8) Em terceiro lugar, por mais que cultivada e melhorada, a razão não pode
produzir o amor de Deus; e o que é óbvio disso: ela não pode produzir a fé, ou a
esperança; por meio das quais, somente, Seu amor flui. É quando 'vemos', pela fé 'de
que maneira o Pai nos tem amado', ao nos dar seu único Filho, para que não
perecêssemos, mas tivéssemos a vida eterna; para que 'o amor de Deus fosse
derramado por todo nosso coração, através do Espírito Santos que ele nos tem dado'.
É quando 'nos regozijamos na esperança da glória de Deus'; quando 'o amamos,
porque ele primeiro nos amou'. Mas o que pode a fria razão fazer quanto a esse
assunto? Ela pode nos presentear com idéias consideráveis; ela pode esboçar um belo
quadro de amor: mas isto é apenas fogo artificial. E, mais além, a razão não pode ir.
Eu tentei, durante muitos anos. Eu coletei os mais finos hinos, orações e meditações,
que eu pude encontrar em qualquer língua; e falei, cantei, e as li, várias vezes, com
toda seriedade e atenção possível. Mas ainda assim, eu fui como os ossos, na visão de
Ezequiel: 'A pele os cobriu todos em volta; mas não existia fôlego de vida neles'.
(9) E como a razão não pode produzir o amor de Deus, então, ela também não
pode produzir o amor ao nosso próximo; a calma, a generosidade, a benevolência
desinteressada pelo filho do homem. Essa boa-vontade, sincera e firme, para com o
nosso próximo, não flui de fonte alguma, a não ser da gratidão para com nosso
Criador. E se esta é (como um homem engenhoso supõe) a mesma essência da virtude,
segue-se que essa virtude não pode ser criada, a menos que jorre do amor de Deus.
Por conseguinte, a razão não pode produzir esse amor, assim como não pode produzir
virtude.
(10) E como ela não pode produzir fé, esperança, amor ou virtude, então ela
não pode dar felicidade; desde que separada desses, não pode haver felicidade para
alguma criatura inteligente. É verdade que aqueles que estão vazios de toda virtude
podem ter prazeres, tais como eles são; mas felicidade eles não têm. Eles não podem
ter. Não: 'Sua alegria é toda tristeza; sua força não tem valor;seu sorriso é loucura; e
seu prazer é dor!'
Editado por Sarah DeBoard Marion, com correções de Ryan Danker e George Lyons da
Northwest Nazarene University (Nampa, Idaho) para o Wesley Center for Applied Theology.