Geologia Geral

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 65

Fageo

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

FACULDADE DE GEOLOGIA

GEOLOGIA GERAL

Módulo 1: unidades 1, 2, 3 e 4

Prof. Marcio D. Santos

Belém/PA
2022
SUMÁRIO
MÓDULO 1
........................................................................................................ 03

Geociências e Geologia ............................................................... 04

........................................................................ 09
2.1- ORIGEM DO UNIVERSO E DO SISTEMA SOLAR ............................................... 09
2.2- TERRA PRIMITIVA: Origem e diferenciação da Terra ....................................... 16
2.3- BOMBARDEAMENTO VINDO DO ESPAÇO: Meteoroides e asteroides .......... 17
2.4- FORMAÇÃO DOS CONTINENTES, OCEANOS E ATMOSFERA DA TERRA .... 20
2.5- OS SISTEMAS INTERATIVOS DA TERRA .......................................................... 21
2.6- A TERRA AO LONGO DO TEMPO GEOLÓGICO ................................................ 24

.............................................................................................. 28
3.1- INTRODUÇÃO: métodos de investigação do interior terrestre ........................ 28
3.2- TERREMOTOS ...................................................................................................... 28
3.3- ESTRUTURA INTERNA DA TERRA ..................................................................... 31
3.4- CAMPOS GRAVITACIONAL E MAGNÉTICO DA TERRA .................................... 34
3.4.1- Campo Gravitacional ......................................................................................... 34
3.4.2- Campo Magnético .............................................................................................. 36

........................................................................................ 43
4.1- INTRODUÇÃO: Teoria da deriva continental ..................................................... 43
4.2- TEORIA DA TECTÔNICA DE PLACAS ................................................................. 45
4.2.1- Regime divergente de placas litosféricas ........................................................ 52
4.2.2- Regime convergente de placas litosféricas ..................................................... 54
4.2.3- Regime transformante ou conservativo de placas litosféricas ..................... 58
4.3- CICLO DE WILSON E DANÇA DOS CONTINENTES ........................................... 59
4.4- TECTÔNICA DE PLACAS E OS DEPÓSITOS MINERAIS ................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 64
ATIVIDADES DESTE MÓDULO PARA OS ESTUDANTES ........................................ 65

MÓDULO 2
Os materiais terrestres
5- MINERAIS
6- ROCHAS

MÓDULO 3
7- ESTRUTURAS GEOLÓGICAS
8- TEMPO GEOLÓGICO
9- RECURSOS MINERAIS, HÍDRICOS E ENERGÉTICOS
2
O presente documento é o texto de referência da disciplina “ ”
ofertada pela Faculdade de Geologia (Fageo) do Instituto de Geociências (IG) da
Universidade Federal do Pará (UFPA), tanto na modalidade presencial como à distância
(EAD). Geologia Geral é uma disciplina básica do curso de geologia, como também de
outros cursos de graduação na área de Geociências, como Geofísica, Oceanografia,
Meteorologia e Geografia. Em alguns cursos, essa disciplina denomina-se Fundamentos
de Geociências ou Geologia Introdutória, mas são variações de nomenclatura para
disciplinas semelhantes. A disciplina Geologia Geral, ofertada para os cursos de
Geologia e Geofísica do IG/UFPA, é uma disciplina de alta carga horária (90h) que
aborda de forma integrada os principais processos geológicos, como a origem dos
oceanos e continentes e da própria Terra, interior da Terra, tectônica de placas, materiais
terrestres (minerais e rochas), estruturas geológicas, o tempo geológico e os recursos
minerais, hídricos e energéticos, bem como os impactos ambientais das atividades
humanas nos ambientes geológicos. O conteúdo aqui apresentado pode ser aplicado
para qualquer curso de Geologia Introdutória, de graduação ou pós-graduação,
presencial ou à distância, podendo ser necessário alguns ajustes dependendo da
natureza e do contexto do curso.

Prof. Dr. Marcio D. Santos


Geólogo econômico
Fageo/IG/UFPA

3
Geociências e Geologia

Geociências, ou Ciências da Terra, é o campo das ciências naturais que estuda


o planeta Terra (Fig. 1.1), sua origem, evolução, dinâmica e seus habitats que sustentam
a vida. Compõem a Geociência (Fig. 1.2): a , que estuda os materiais terrestres
(minerais e rochas) e os processos que os originaram (processos geológicos), a
, que estuda a fisiografia da superfície terrestre e os fenômenos físicos,
biológicos e humanos que nela ocorrem, a , que estuda os fenômenos físicos
que afetam a Terra (gravidade, magnetismo, sismicidade e fenômenos elétricos), a
, que estuda os fenômenos químicos que ocorrem na litosfera, biosfera,
hidrosfera e na atmosfera, a , que estuda os oceanos, mares e zonas
costeiras, sob todos os aspectos (físico, químico e biológico), e a , que
estuda a atmosfera e sua interação com a superfície terrestre e seus aspectos climáticos.
O foco principal desse documento são os processos geológicos que atuam na Terra
desde a sua origem e que a moldaram até a situação atual, estudados pela Geologia.

Figura 1.1- Fotomontagem, com o planeta Figura 1.2- Geociências e seus principais
Terra, mostrando o continente americano, e a domínios: Geologia, geografia, geofísica,
Lua (NASA). geoquímica, oceanografia e meteorologia.

Assim como os outros campos das ciências, a geociências usa o método científico
com o objetivo de obter as evidências para desvendar os processos geológicos. O
método científico é um plano geral de pesquisa baseada em observações metodológicas
e experimentos para compreender e explicar os processos naturais que ocorrem na Terra
e em todo o Universo. Inicialmente, uma hipótese é formulada com base em
interpretações indutivas e dedutivas, a partir de observações e experimentos. A hipótese,
ao ser testada com novos dados, por outros cientistas, pode ser confirmada, modificada
ou descartada se, após as modificações, os resultados positivos não forem repetidos
satisfatoriamente. Uma hipótese que sobrevive a repetidas mudanças e consegue
replicar resultados positivos em diversas situações, pode ser elevada à condição de
teoria. Uma teoria também pode ser modificada, revisada, confirmada ou descartada.
Mesmo que uma teoria explique satisfatoriamente os fenômenos observados, ela
permanece em teste contínuo ao longo do tempo. Quanto mais tempo uma teoria resiste
às mudanças científicas mais confiável ela se torna, se aproximando cada vez mais da
verdade absoluta que nunca é alcançada definitivamente. Um modelo científico é a
representação de algum aspecto ou fenômeno da natureza com base em um conjunto
de hipóteses e teorias científicas (Fig. 1.3).

4
A comparação entre as previsões
de um modelo científico e as observações
feitas é uma maneira eficaz de testar se as
hipóteses e teorias utilizadas no modelo
são mutuamente consistentes com ele. Os
resultados científicos são frutos de um
trabalho conjunto de equipe de cientistas
que interagem entre si, continuando e
aperfeiçoando o trabalho cumulativo de
cientistas anteriores. Atualmente os
modelos são formulados com suporte
computacional, especialmente para
sistemas de longa duração, como os
geológicos, que nem as observações de
campos nem os experimentos
laboratoriais sozinhos podem elucidar. O
progresso dos trabalhos científicos
depende da formação contínua de
cientistas, passando o conhecimento para
as gerações seguintes.

Figura 1.3- Fluxograma do método científico.

A obra do médico e mineralogista alemão Georg Bauer,


mais conhecido como Georgius Agricola (Fig. 1.4), registrada
principalmente nos livros “De Natura Fossilium”, dedicado ao
estudo dos minerais, de 1546, e “De Re Metallica”, sobre a
natureza dos metais, de 1556, é considerada o principal marco
inicial da Geologia como ciência, ou seja, baseada no método
científico. A obra de Agrícola, sobre os minerais, o levou a ser
considerado como o pai da Mineralogia.

Figura 1.4- Georgius Agricola (1494-1555)

Como nos demais campos das ciências, a geologia depende de observações


científicas e experimentos em laboratório. Além disso, a geologia é uma ciência histórica
particular que procura desvendar processos geológicos do passado e, para tal, os
geólogos procuram, no campo, por seus vestígios que ficam registrados nas rochas. Foi
estudando as rochas sedimentares do oeste da Itália, com olhar científico, na segunda
metade do século 17, que o cientista e bispo católico dinamarquês Niels Stensen, mais
5
conhecido como Nicolaus Steno (Fig. 1.5), definiu os três princípios básicos da sucessão
estratigráfica das camadas sedimentares: Princípio da
horizontalidade original das camadas, pelo qual as camadas
sedimentares são depositadas em posição horizontal.
Princípio da sobreposição das camadas, pelo qual um estrato
é mais antigo que aquele que o cobre e mais novo que aquele
que lhe serve de base. Princípio da continuidade lateral,
pelo qual as camadas sedimentares são contínuas,
estendendo-se até a margem da bacia de deposição.

Figura 1.5- Nicolaus Steno (1638-1686)

Como um cientista da Igreja, Steno foi um dos precursores de uma corrente


científico-geológica pela qual quase todas as rochas,
inclusive as rochas ígneas e metamórficas, teriam sido
precipitadas das águas do mar primordial que cobria toda a
Terra, antes da separação das terras e das águas, conforme
o relato bíblico da criação. Essa corrente geológica,
denominada Netunismo, em referência ao Deus do mar,
Netuno, da mitologia greco-romana, se consolidou na
segunda metade do século 18, sob a liderada do geólogo
alemão Abraham G. Werner (Fig. 1.6), e refletia ainda a
grande influência da Igreja católica no pensamento científico
daquela época.

Figura 1.6- Abraham Gottlob Werner (1749-1817)

No final do século 18 começou a surgir uma outra corrente científica-geológica,


liderada pelo geólogo escocês James Hutton, que considerava as rochas ígneas, como
os granitos, intrusivas (mais nova) em rochas sedimentares (mais antigas), se
contrapondo ao pensamento netunista, pelo qual as rochas sedimentares eram mais
novas. Por considerar as rochas ígneas formadas a partir de material fluido e quente do
interior da Terra, outra diferença importante em relação ao Netunismo, essa nova
corrente geológica foi denominada de Plutonismo, em referência ao Deus das
profundezas, Plutão, da mitologia greco-romana. Essa bipolaridade Netunismo-
Plutonismo dominou o pensamento geológico até a metade do século 19, quando a
insustentabilidade científica do Netunismo começou a ser reconhecida. Coube também
a Hutton estabelecer mais claramente, como critério científico de observação, a
comparação dos processos geológicos atuais com os processos antigos inferidos a partir
dos registros geológicos preservados nas rochas, fazendo a conexão entre o presente e
o passado geológico. Segundo esse princípio, as leis da natureza são constantes, o que
leva a interpretar os processos geológicos antigos como os mesmos que ocorrem
atualmente. Por causa dessa uniformidade dos processos geológicos ao longo do tempo,
considerada nesse princípio, o mesmo passou a ser denominado
, o qual foi formalizado mais profundamente por outro geólogo escocês,
Charles Lyell, no começo do século 19 (Fig. 1.7). O Uniformitarismo é considerado um
dos princípios basilares da Geologia moderna, o qual, em sua versão mais simples,
costuma ser dito: o presente é a chave para o passado.
Em sua formulação original, o princípio do Uniformitarismo estabelece que os
processos são lentos e graduais. Certamente isso é correto para muitos processos, como
o soerguimento de cadeias de montanhas, deposição de espessas sequências
sedimentares e a migração dos continentes, cuja duração é medida em milhões de anos.
6
Entretanto, outros processos são muito mais rápidos, como uma erupção vulcânica e o
rompimento de um terreno por uma falha geológica, e até súbito, como o impacto de um
meteoroide ou asteroide que pode formar uma grande cratera em questões de segundos.
Outra restrição ao princípio do Uniformitarismo, imposta pelo avanço do conhecimento
geológico, é que embora os grandes processos geológicos (sedimentação, magmatismo,
movimento de placas tectônicas, erosão, etc.) que ocorreram no passado, continuem
acontecendo, nem sempre ocorrem da mesma forma e com a mesma intensidade do
passado. Os humanos nunca presenciaram o impacto de um grande asteroide na Terra,
embora sabemos que eventos como esse ocorreram muitas vezes no passado e
provavelmente ocorrerão novamente. Da mesma forma, grandes derrames vulcânicos
que cobriram vastas áreas e envenenaram a atmosfera global com gases ocorreram
diversas vezes no passado, com intensidades variáveis, chegando a cobrir mais de um
milhão de Km2, como os basaltos da bacia do Paraná. Eventos desse tipo não ocorrem
na Terra há mais de 6 Ma. Com o esfriamento progressivo do planeta, os violentos
processos que moldaram a Terra primitiva foram substancialmente diferentes dos
processos mais brandos atuais.

Figura 1.7- James Hutton e o famoso afloramento de uma


b
discordância rochosa, em Siccar Point, na costa sudeste da
Escócia, onde Hutton teria se inspirado, em 1788, para formular
suas ideias do Uniformitarismo (a). Charles Lyell, quem
formalizou com mais profundidade o princípio do
Uniformitarismo (b), em sua clássica obra Principles of Geology,
de 1830, em três volumes.

O primeiro marco sobre o aspecto prático da geologia


foi estabelecido pelo agrimensor britânico William Smith (Fig.
1.8), no início do século 19. Trabalhando na construção de
canais para escoamento de carvão em várias regiões da
Inglaterra, Smith observou as diversas camadas geológicas
e seus fósseis e deduziu que “cada estrato contém fosseis
organizados que lhe são peculiares”, permitindo fazer
correlações a grandes distâncias. Em 1815 ele publicou seu
mapa geológico da Grã-Bretanha, abrangendo a Inglaterra,
País de Geles e Escócia, reconhecido como o primeiro mapa
geológico de grande escala feito pelo homem, que ficou
conhecido como o , atualmente
Figura 1.8- exibido na Burlington House, sede da Geological Society of
London, no centro de Londres. As conclusões de Smith,
7
sobre a evolução das rochas sedimentares e a vida marinha, com base na sucessão das
camadas estratigráficas e seus fósseis, contribuíram para a teoria da evolução das
espécies anunciada por Charles Darwin quase seis décadas depois.
Um marco mais recente na história da Geologia foi estabelecido apenas no início
do século passado, embora tenha sido especulado desde longa data: a
. A ideia da união entre a África e a América do Sul no passado vem desde a
época dos primeiros ensaios cartográficos, no século 17, representando as margens
desses dois continentes. Entretanto, uma teoria da deriva dos continentes apoiada em
conhecimento científico, só foi proposta no início do século 20, independentemente pelo
geólogo americano Frank B. Taylor (Fig. 1.9 a), em 1908, e pelo meteorologista alemão
Alfred L. Wegener (Fig. 1.9 b), em 1912. De acordo com essa teoria, os continentes atuais
teriam se originado da fragmentação de um continente primitivo denominado Pangeia.
Os fragmentos resultantes teriam se afastado uns dos outros desde o Jurássico ou
Cretáceo (cerca de 200-150 Ma atrás), derivando sobre o manto oceânico até as
posições atuais. A Deriva Continental foi a teoria precursora de outra mais bem
fundamentada, a , que emergiu na década de 1960, com a
obra de Harry H. Hess (1962) “The history of ocean basins”. A tectônica de placas,
juntamente com os métodos de datação radiométrica que determinam as idades
absolutas das rochas, surgidos no final da década de 1950 do século 20, moldaram a
evolução da geologia moderna, um marco histórico que dividiu a geologia em duas eras,
antes e depois da tectônica de placas.

a b c

Harry Hess
Figura 1.9- Autores da teoria da deriva continental: Frank B. Taylor (1860-1938), geólogo
americano (a) e Alfred L. Wegner (1880-19300), meteorologista alemão (b). Autor do trabalho
inicial da teoria da tectônica de placas: Harry H. Hess (1906-1969), geólogo americano (c).

Evolução da geologia em 4 séculos:


De Georgius Agricola (De Re Metallica, 1556) à teoria da tectônica de placas (The
history of ocean basins, Harry Hess, 1962)

8
Antes de abordar os processos geológicos e seus produtos, com os quais
convivemos no nosso planeta Terra, será apresentada uma breve síntese sobre a origem
do Sistema Solar, que hospeda o planeta Terra, e do Universo que hospeda tudo.
2.1- ORIGEM DO UNIVERSO E DO SISTEMA SOLAR
A questão da origem do Universo e de nossa própria e pequena parte nele contida
(o Sistema Solar), vem intrigando os pensadores e cientistas desde quando o homem
compreendeu que habita um dos planetas que orbita uma estrela (Sol) em um minúsculo
canto da imensidão do Cosmos. As estrelas se distribuem no Universo de maneira
ordenada, segundo hierarquias. Agrupam-se em galáxias com dimensões da ordem de
100.000 anos-luz, podendo conter mais de 100 bilhões de estrelas. Os dois tipos mais
comuns de galáxia são o tipo elíptico (Fig. 2.1) e o tipo espiral (Fig. 2.2 a). A galáxia de
Andrômeda (tipo elíptico), é a mais próxima do nosso Sistema Solar, situada há 2,4
milhões de anos-luz. O Sistema Solar está situado em um dos braços periféricos da Via
Láctea, uma galáxia do tipo espiral (Fig. 2.2 b, c). As galáxias podem conter enormes
espaços interestelares de baixa densidade, mas também regiões de densidade extrema,
com grande energia gravitacional. O núcleo das galáxias é uma dessas regiões que pode
configurar-se como buracos negros, ou que pode evoluir para tal situação, com extrema
força gravitacional que pode sugar tudo em sua volta, inclusive a luz. As galáxias também
podem formar aglomerados de algumas dezenas a milhares de galáxias, ou até
superaglomerados de dezenas de milhares de galáxias, o maior nível hierárquico do
Universo, com extensões de até centenas de milhões de anos-luz.

Figura 2.1- Galáxia tipo elíptico de Andrômeda, há 2,4 milhões de anos-luz do Sistema Solar.
Ano-luz (a.l.) = distância percorrida pela luz, com velocidade de 300.000 Km/s, durante um ano.

Atualmente a explicação mais aceita para a origem do Universo é baseada na


teoria do Big Bang, segundo a qual o nosso Universo surgiu entre 13 e 14 bilhões de
anos (13-14 Ga) atrás, a partir de uma grande explosão cósmica. Antes deste instante,
denominado pelos astrofísicos de singularidade, toda a matéria e energia estavam
concentradas em um ponto inicial de densidade inconcebível. Embora pouco se saiba
sobre as primeiras frações de segundo após a grande explosão, denominado de período
planckiano(1), quando não havia espaço e matéria, somente energia (radiação), os
astrofísicos obtiveram um entendimento geral sobre os bilhões de anos que se seguiram.
Desde o instante do Big Bang, o Universo vem se expandindo, formando estrelas
e galáxias, conforme a lei de Hubble (v = H0 D), pela qual a velocidade de expansão (v)
aumenta linearmente com a distância (D), sendo H0 a constante de Hubble (H0 = v/D).
Entretanto, não é a distância entre as estrelas de uma galáxia que está aumentando, as
quais estão ligadas entre si pela atração da gravidade, cuja distância entre elas pode até

1
Curto período de tempo (5,4×10‾ 44 s) que a luz percorre o comprimento de planck (1,6162× 10‾ 35 m), a
menor dimensão de comprimento da física, que é 10‾ 20 vezes o diâmetro de um próton.
9
estar diminuindo, e sim a distância entre as galáxias e os aglomerados galácticos que
não estão suficientemente ligados pela atração gravitacional. Por outro lado, a constante
de Hubble (H0), a taxa de expansão do Universo, não está bem determinada e seu valor
atual é de 74 Km/s/Mpc. Isso significa que o Universo expande 74 Km/s por
megaparsec(2) de distância (3,26 milhões de anos-luz), em relação a uma determinada
galáxia. Uma das maiores evidências da expansão do Universo é o “desvio para o
vermelho” da luz proveniente da grande maioria das galáxias, devido ao efeito Doppler,
demonstrado por E. Hubble em 1929 (Fig. 2.3). Um observador de uma fonte de radiação
eletromagnética se movimentando em relação ao referencial (observador), sentirá o
efeito Doppler da seguinte maneira: se a fonte estiver se aproximando do observador, a
frequência da radiação (f) aumenta e o comprimento de onda ( ) diminui e se a fonte
estiver se afastando, diminui a (f) e aumenta o ( ), mantendo a mesma velocidade.
Portanto, uma fonte luminosa se afastando da Terra mostrará um desvio para o vermelho
(maior da luz), tal como mostrado pela luz emitida pelas galáxias que observamos.
a b Vista Frontal

100.000 a.l.

c Vista Lateral

Figura 2.2- Galáxia NGC 1232 do tipo espiral, localizada


a 72 milhões de anos-luz (a.l.) do Sistema Solar (a). Via
Láctea idealizada, com localização do Sistema Solar: vista
frontal com largura de 100 mil a.l. (b) e vista lateral (c)

V= f
Menor f Maior f
V = velocidade
= comprimento de onda
f = frequência

μ = 10 3 mm Figura 2.3-
afastamento de uma fonte luminosa:
Maior λ Menor λ desvio para o vermelho.
Aproximação: desvio para o azul

2
Megaparsec (Mpc) = 1 milhão de parsec (Pc). 1Pc = 3,26 anos-luz. 1Mpc = 3,26 × 106 anos-luz
10
Se o Universo for “aberto”, ele continuará se expandindo para sempre, podendo
inclusive aumentar a sua taxa de expansão. Mas se o Universo for “fechado”, a taxa de
expansão diminuirá com o tempo, até anular-se, para em seguida começar a contrair-se.
A natureza aberta ou fechada do Universo depende de sua densidade média, cujo valor
não se encontra estabelecido adequadamente, por causa da dificuldade de medir a
matéria escura, presente em todo o espaço interestelar. O valor limite da densidade para
2
anular a expansão do Universo é denominado densidade crítica (ρC = 3H0 /8πG), onde
G é a constante gravitacional (6,74×10 ‾ 11m3/Kg/s2). O valor de ρC para H0 de
74 Km/s/Mpc situa-se em torno de 10 ‾ 29 g/cm3. Estimativas recentes sugerem que a
densidade média do Universo é em torno de 100 vezes menor que a densidade crítica
(ρC) de 10 ‾ 29 g/cm3, indicando um Universo aberto.
Os cientistas acreditam que a expansão do Universo foi impulsionada pela grande
explosão original e a radiação de micro-ondas de fundo, que se propaga em todas as
direções no Universo, é remanescente da radiação emitida pela grande explosão e
constitui-se em uma das maiores evidências da teoria do Big Bang. Logo após o fim do
período planckiano, o Universo expandiu-se rapidamente, com velocidade maior que a
velocidade da luz, durante um brevíssimo intervalo de tempo, entre 10 ‾ 33 e
10 ‾ 32 segundos (fase inflacionária). A expansão e a criação contínua de espaço
favoreceram o surgimento das quatro forças fundamentais da natureza (gravidade,
nucleares forte e fraca e eletromagnética). Após a fase inflacionária, a expansão do
Universo foi governada pela constante de Hubble (H0) e sua evolução, com velocidade
de expansão igual à velocidade da luz, o levaria até o estágio atual, com raio em torno
de 13 a 14 bilhões de anos-luz. A matéria só começou a surgir com o decréscimo da
temperatura, após 10 ‾ 9 segundos, pelo processo da nucleogênese. Primeiro formaram-
se os quarks(3) e depois os prótons, nêutrons e elétrons. Os núcleos de Hidrogênio (H)
formaram-se após 10‾ 3 segundos e os de Hélio (He) após 100 segundos. A captura de
elétrons pelos núcleos, com formação dos átomos dos elementos mais leves,
principalmente H e He, só ocorreu após 800.000 anos, quando o Universo embrionário
tornou-se transparente à luz, com temperatura em torno de 3.000 K (2.726,85°C).
As estrelas e as galáxias formaram-se mais tarde, em torno de 550 milhões de
anos (Ma) após o Big Bang, quando o resfriamento generalizado permitiu o confinamento
da matéria em imensas nuvens (nebulosas), as quais, por causa da atração gravitacional,
se dividiram em nuvens menores. O progresso da contração gravitacional resultou na
hierarquia hoje reconhecida, com as galáxias formando aglomerados e
superaglomerados. A Via Láctea formou-se logo após o Big Bang, em torno de 13 Ga
atrás e o Sistema Solar há, aproximadamente, 4,7 Ga. Por causa das grandes distâncias
entre o Sistema Solar e as outras estrelas e galáxias, o céu que observamos é uma
imagem do passado, de milhares ou dezenas de milhafres de anos para as estrelas da
nossa Via Láctea e milhões ou até bilhões de anos atrás, para as estrelas fora da Via
Láctea e outras galáxias, o tempo que a luz dessas estrelas e galáxias levou para nos
atingir. Pode ser que o que estamos observando seja completamente diferente da
situação atual ou até nem exista mais, e pode haver estrelas e galáxias jovens e distantes
cuja luz ainda não nos alcançou e, portanto, não conseguimos ainda observar (Fig. 2.4).
As estrelas têm uma vida longa, de bilhões de anos. Inicialmente aumentam sua
temperatura (T) e seu tamanho, até a fase de gigante vermelha, com a superfície mais
resfriada e avermelhada. Após essa fase, as estrelas médias e pequenas começam a
resfriar e contrair até a fase de anã branca e finalmente anã negra, até sua morte. As
estrelas maiores continuam aquecendo e dilatando até a fase de supergigante vermelha
e gigante azul e depois explodem, processo denominado supernova (Fig. 2.4 b, c).

(3)
Quarks são subpartículas carregadas, componentes dos prótons e neutros. Juntamente com os
elétrons (carregados) e neutrinos (sem carga), são as menores partículas (indivisíveis) da matéria.
11
a b c

Figura 2.4-

Em (a): três estrelas (com raios) e galáxias (sem raios),


situadas a diferentes distâncias de nós, as mais
distantes (menores) há 11 bilhões de a.l. Em (b):
nebulosa da ampulheta, uma supernova, há 8000 a.l. Em
(c): nebulosa do Caranguejo, formada pela explosão de
uma supernova no ano de 1054 DC. Fonte: NASA.

O Sol é uma estrela de média grandeza que ocupa a posição central de um


sistema constituído por 8 (ou 9) planetas, 4 (ou 5) planetas anões, 194 satélites naturais
conhecidos e milhares de outros corpos menores (como asteroides e cometas),
denominado Sistema Solar. (Fig. 2.5).

Figura 2.5- Sistema Solar, mostrando os planetas interiores rochosos e exteriores gasosos,
separados por um cinturão de asteroides.
Qualquer teoria para explicar a origem do Sistema Solar deverá considerar as
seguintes características desse sistema:
1- Todos os planetas giram em torno do Sol no mesmo sentido, em órbitas elípticas de
pequena excentricidade, praticamente coplanares, em cujo plano (eclíptica), também
orbitam a maioria dos outros corpos menores, como cometas e asteroides.
2- Os planetas rotacionam no mesmo sentido de suas translações em torno do Sol, ou
seja, no sentido anti-horário, observando-se a Terra do polo norte para o polo sul,
exceto Vênus, Urano e Plutão que rotacionam no sentido horário (rotação retrógrada).
3- Embora a massa do sistema solar esteja quase toda concentrada no Sol (99,8%), o
momento angular do sistema está concentrado nos movimentos dos planetas,
sobretudo dos planetas maiores. Momento angular (L) é a quantidade de movimento
(m×v) de corpos em rotação, multiplicado pelo raio (r) da rotação (L = m.v.r), sendo
a massa e a velocidade do corpo em rotação.
12
4- Os planetas podem ser classificados em interiores (ou terrestres ou rochosos) e
exteriores (ou jovianos ou gasosos). Os 4 planetas interiores (Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte) possuem massa pequena e densidade média próxima à da Terra (5,5),
enquanto que os 4 planetas exteriores (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno) exibem
maior massa e densidade média próxima à do Sol (1,4). Plutão, antes considerado
como o menor e mais distante planeta do Sistema Solar, destoando dos 4 planetas
gigantes exteriores, foi recentemente reclassificado como planeta anão
transnetuniano (após a órbita de Netuno).
5- Os planetas internos possuem poucos satélites e atmosferas pouco espessas e
rarefeitas, enquanto que os planetas externos possuem normalmente mais satélites,
com atmosferas muito espessas dominadas por hidrogênio e hélio, tal como o Sol.
6- Entre os planetas internos e externos (entre Marte e Júpiter) ocorre um cinturão de
asteroides, com características semelhantes aos planetas internos (rochosos). O
maior asteroide conhecido (Ceres) deste cinturão, com diâmetro em torno de 970 km,
foi reclassificado como planeta anão, único que não é transnetuniano.
A teoria mais aceita atualmente,
entre os cientistas, para explicar a origem
do Sistema Solar, é a teoria da nebulosa,
sugerida inicialmente pelo filósofo alemão
Immanuel Kant, em 1755. De acordo com
essa teoria, a nebulosa solar inicial era
uma nuvem de gás e poeira cósmica em
lenta rotação constituída principalmente
por hidrogênio (H) e hélio (He), com
pequenas quantidades de lítio (Li) e berílio
(Be), (Fig.2.6). A nebulosa começou a
contrair-se devido a força da gravidade de
sua massa, acelerando sua rotação e
achatando-a em forma de um disco, com o
núcleo mais denso que sua periferia. A
progressão da contração gravitacional
resultou na concentração de quase toda a
matéria no centro da nebulosa, formando
uma protoestrela, envolvida por uma
periferia mais rarefeita, com alguns anéis
concêntricos de matéria. Comprimido pelo
seu próprio peso, o proto-Sol tornou-se
mais denso e quente, atingindo milhões de
graus celsius e iniciando a reação de fusão
nuclear, pela qual átomos de H, sob alta
pressão e temperatura, combinam-se para
formar He. Nessa reação, parte da massa
é convertida em energia (conforme a
equação de Einstein, E = mc2), emitida pelo
Sol principalmente na forma de luz. Após a
formação do proto-Sol, o disco nebuloso
começou seu resfriamento, iniciando a
condensação do material gasoso
Figura 2.6- Evolução do Sistema Solar.
incandescente em material líquido e sólido.
A atração gravitacional deu início ao processo de acreção planetária, por meio de
colisão e agregação de poeira e material condensado, em pequenos blocos ou
planatesimais, com diâmetro de até 1 Km (Fig. 2.7). A acreção continuou entre os
13
planatesimais, formando protoplanetas
(corpos maiores com tamanho da Lua).
Finalmente, uma pequena quantidade
desses protoplanetas maiores atraiu os
outros corpos para formar os 8 (ou 9)
planetas em suas órbitas atuais em torno
do Sol, distribuídos em dois conjuntos,
separados por um cinturão de asteroides:
os planetas interiores, de menor tamanho,
e os planetas gigantes exteriores (Fig. 2.5
e 2.7). Após a formação dos planetas, a
acreção planetária continuou, embora
menos intensa, como evidenciada pelas
crateras de impacto em praticamente todos
os planetas e satélites do Sistema Solar,
inclusive a Terra. Os movimentos
harmônicos dos planetas em suas órbitas,
Figura 2.7- Mecanismo de acreção de principalmente translação em torno do Sol
planatesimais que resultou na formação dos e rotação em torno de seus eixos, foram
planetas interiores, e acreção de material herdados do movimento de rotação,
gasoso que resultou na formação dos planetas provavelmente anti-horário, da nebulosa
exteriores. original.
Também conhecidos como planetas rochosos ou terrestres
(parecidos com a Terra), situados na parte interna do Sistema Solar. Em ordem de
proximidade com o Sol, os 4 planetas interiores são: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte (Fig.
2.5). Em contraste com os planetas exteriores, os planetas rochosos são pequenos e
constituídos por rochas. A temperatura mais alta próximo do Sol favoreceu a perda
parcial dos componentes voláteis para a periferia do Sistema Solar, retendo os metais,
como o ferro, e outros elementos pesados que formam as rochas que compõem os 4
planetas interiores. As idades dos meteoritos que ocasionalmente ainda golpeiam a
Terra e são considerados como remanescentes do período pré-planetário, indicam que
os planetas interiores começaram a acrescer há cerca de 4,56 Ga e teriam crescidos até
o tamanho de planeta em um curto período de menos de 100 Ma. Os dois planetas mais
próximos do Sol (Mercúrio e Vênus) possuem períodos orbitais inferiores a um ano e
rotação lenta. A rotação de Vênus é retrógrada (horária) e muito lenta (243 dias), mais
demorada que sua translação de 224,7 dias em torno do Sol (tabela 2.1). A inversão da
rotação, denominada retrógrada (horária), ocorre quando a inclinação do eixo do planeta
é maior que 90°. Como a inclinação do eixo de Vênus é quase 180° (177,36°), o ângulo
que o eixo faz com a normal ao seu plano orbital é pequeno (suplemento de 177,36),
referido, nesse caso, como ângulo negativo (−2,64°).
Também conhecidos como planetas gasosos ou jovianos (parecidos
com Júpiter), situados na parte externa do Sistema Solar, após o cinturão de asteroides.
Maior parte do material volátil da nebulosa solar original ficou concentrada no Sol, retida
pela forte gravidade solar. Entretanto, devido à alta temperatura próximo do Sol, o
material volátil da região dos planetas interiores não condensou durante o período da
acreção planetária, e a maior parte desse material escapou para a periferia mais fria do
sistema solar, o que permitiu a formação dos 4 planetas gigantes exteriores, constituídos
principalmente de componentes voláteis (gelo e gases de H e He), embora com núcleos
rochosos. São eles, em ordem de proximidade com o Sol: Júpiter, Saturno, Urano e
Netuno. (Fig. 2.5). A forte atração gravitacional dos planetas gigantes exteriores atraiu
os componentes mais leves do sistema solar, mais afastados do Sol e não
suficientemente contidos pela atração gravitacional solar.
14
Mercúrio Vênus Terra Marte Júpiter Saturno Urano Netuno Plutão

Raio (RE) 2.439,7 6.051,8 6.378 3.396,2 71.492 60.268 25.559 24.764 1.187
3,3011 4,8685 5,9736 6,4174 1,8986 5,6846 8,6810 1,0243 1,3050
Massa (t)
× 1020 × 1021 × 1021 × 1020 × 1024 × 1023 × 1022 × 1023 × 1019
Densidade1 5,43 5,24 5,51 3,93 1,33 0,69 1,27 1,64 2,03
N (78) CO2 (95) H (89,7) H (96,3) H (83) H (80)
Atmosfera CO2 (96) −
(%) − O (21) N (3) He (10) He (3,25) He (15) He (18,5)
N (3,5) Ar (0,9)
Ar (1,6) CH4 (0,3) CH4 (0,45) CH4 (2) CH4 (1,5)
Satélites − − 1 2 79 62 27 14 5
Distância
0,39 0,72 1 1,52 5,2 9,58 19,23 30,10 39,48
ao Sol (UA)
Período 87,97 224,70 365,25 686,97 4.332 10.760 30.681 60.190 90.613
orbital (d/a) 0,24 ano 0,615 1a+6h 1 + 322d 11+317 29+175 84+21 164+330 248+93
Período de
58,65 -243,02
0,997 1,026 0,41 0,44 -0,72 0,67
-6,39
rotação (d) 23:56h 24:37h 9:48 h 10:34 h 17:14h 16:06 h
Excen-
0,21 0,007 0,02 0,09 0,05 0,06 0,04 0,01 0,25
tricidade
Inclinação 177,36 97,77 119,59
0,01 23,44 25,19 3,13 26,73 28,32
do eixo2 (°) (-2,64) -82,64 -60,41
Gravidade3
3,7 8,87 9,78 3,7 24,79 10,44 8,69 11,15 0,658
(m/s2)
Tabela 2.1- Parâmetros físicos dos planetas do Sistema Solar: Planetas interiores (faixa azul) e
planetas exteriores (faixa vermelha) e o maior planeta anão (Plutão, na faixa cinza direita).
RE : Raio equatorial. (1) Densidade em g/cm3, (2) Ângulo que o eixo de rotação faz com a
perpendicular ao plano orbital do planeta, (3) Gravidade equatorial. UA: Unidade astronômica
(distância média entre a Terra e o Sol, igual à 149.597.870,7Km. Órbitas: dia (d) e ano (a) abaixo.

Os quatro planetas gigantes exteriores têm órbitas longas e demoradas, a menor


(Júpiter) leva quase 12 anos para completar e a mais longa (Netuno) leva quase 165
anos (tabela 2.1). Além disso, a rotação desses gigantes é rápida, o mais lento (Netuno)
leva pouco mais de 16 h para completar sua rotação, e o mais rápido (Júpiter) leva menos
de 10 h (tabela 2.1). Urano também é retrógrado, com rotação horária de pouco mais de
16 h e com seu eixo quase paralelo ao plano orbital, inclinação de 97,77° ou −82,64°
(tabela 2.1). O planeta mais externo (Plutão) é um pequeno corpo gelado de metano,
água e rocha, com 5 satélites naturais, que foi recentemente reclassificado pela União
Astronômica Internacional (UAI), em 2006, como planeta anão, logo após a descoberta
de mais três corpos, em 2005, também classificados como planetas anões: Haumea
(com dois satélites), Makemake e Éris, cada um com um satélite. Os 4 planetas anões
estão situados após a órbita de Netuno e, por isso, são denominados de transnetunianos.
Nessa região periférica do Sistema Solar, denominada de cinturão Kuiper, já foram
identificados diversos outros corpos menores, asteroides e meteoroides. Entretanto, a
classificação de Plutão como planeta anão não é consensual entre os cientistas, dos
quais muitos ainda consideram Plutão como planeta, com um longo período orbital de
mais de 248 anos e uma rotação retrógrada (horária) de 6,39 dias, com eixo muito
inclinado (119,59° ou −60,41°).
O modelo evolutivo da nebulosa, para explicar a origem do Sistema Solar, deve
ser considerado apenas como uma hipótese que muitos cientistas pensam estar bem
ajustada aos fatos conhecidos sobre o Sistema Solar e suas características principais
apresentadas na tabela 2.1. O modelo nos oferece uma maneira de explicar a origem do

15
Sistema Solar que pode ser testada pela observação do nosso sistema e pelo estudo de
outros sistemas estelares. Uma impressionante descoberta revelada pelos dados obtidos
pelas sondas espaciais americanas e russas é que em nosso Sistema Solar não existe
sequer dois corpos que podem ser considerados iguais.
Há décadas, cientistas e filósofos têm especulado sobre a existência de planetas
em outros sistemas estelares, os denominados exoplanetas, os quais só foram
finalmente descobertos em 1999, usando potentes telescópios. Até agora mais de 4 mil
exoplanetas já foram identificados em mais de 3 mil sistemas estelares. Entretanto,
devido às limitações técnicas de observação, a grande maioria dos exoplanetas já
detectados, são planetas gigantes do tamanho, ou maior, que Júpiter, em condições
inóspitas para abrigar vida tal como a conhecemos na Terra. Desse total de exoplanetas
descobertos, apenas seis são considerados possivelmente habitáveis, dos quais dois
são muito parecidos com a Terra (Teegarden b e Teegarden c), que orbitam a estrela
Teegarden, uma anã vermelha da constelação Áries, situada há 12,5 anos-luz da Terra.
Essas descobertas reacenderam a questão que intriga a humanidade: será que não
estamos sós no Universo? A perspectiva dos cientistas é que, com o aperfeiçoamento
das técnicas de observação, mais exoplanetas habitáveis possam ser descobertos,
aumentando as possibilidades de existência de vida extraterrestre.
Após posicionar o Sistema Solar no espaço e no tempo, nos deteremos, a partir
daqui, ao nosso planeta Terra, à sua origem, logo após a formação do Sistema Solar, e
aos processos geológicos e seus produtos, estudados pela Geologia, que se sucederam
e nos conduziram até um planeta vivo, com continentes, oceanos e atmosfera.

2.2- TERRA PRIMITIVA: origem e diferenciação do planeta Terra


A formação dos planetas rochosos da parte interna do Sistema Solar, entre eles
a Terra, ocorreu principalmente pelo processo da acreção planetária de fragmentos
(planatesimais) que, atraídos pela gravidade, se agregaram até formar um protoplaneta
e finalmente um planeta. O movimento dos planatésimos envolve energia cinética que é
convertida em calor durante os violentos impactos que atingiram a Terra primitiva. Muitos
cientistas acreditam que durante essa fase primitiva de intenso bombardeamento de
planatesimais, a Terra deve ter sido atingida por um corpo maior, aproximadamente
metade do tamanho da Terra (equivalente ao tamanho de Marte), suficiente para gerar
uma grande quantidade de detritos e fundir maior parte do que teria restado da Terra.
Segundo essa hipótese, a Lua teria se formado a partir da agregação dos detritos desse
grande impacto, ocorrido em torno de 4,5 Ga, entre o início do período de agregação da
Terra (4,56 Ga) e a idade das rochas mais antigas da Lua (4,47 Ga) trazidas pelos
astronautas da missão Apollo, no final da década de 1960. Esse cataclisma teria
acelerado a velocidade de rotação da Terra, inclinado seu eixo de rotação para em torno
de 23° e fundido grande parte da massa da Terra (Fig. 2.8).
Além do calor do grande impacto, havia o calor gerado pelo decaimento de
elementos radioativos, como urânio e tório, mais abundantes no passado. Essas duas
fontes teriam gerado calor suficiente para fundir 30 a 65 % da Terra, formando uma
camada externa de rocha derretida (oceano de lava), de centenas de quilômetros de
espessura, sobre o interior terrestre, também aquecido e parcialmente fundido. Tal
situação permitiu a mobilização do material terrestre, com a migração do material mais
denso em direção ao interior, para formar o núcleo terrestre, e do material mais leve para
a superfície, formando a crosta terrestre. Essa mobilização transportou calor interno da
Terra para a superfície, de onde ele irradiou-se para o espaço, provocando resfriamento
e posterior solidificação de grande parte da Terra, resultando em um planeta
diferenciado, ou zonado, em três camadas principais: núcleo central denso, constituído
principalmente por ferro, e uma crosta externa leve, separados por um manto de rochas
de densidade intermediária (Fig. 2.9).

16
Figura 2.8- Simulação computadorizada da origem da Lua por meio de um grande impacto de
um corpo do tamanho de Marte que teria colidido com a Terra há 4,5 Ga.

Figura 2.9- Diferenciação da Terra primitiva resultou em um planeta zonado, com três camadas
principais: núcleo central de ferro e níquel, uma crosta de rochas leves e um manto de rochas
de densidade intermediária entre o núcleo e a crosta.

Maior parte do ferro (Fe) da Terra, seu principal componente pesado que
representa mais de um terço da sua composição global, mergulhou para o interior do
planeta durante o processo de diferenciação, acompanhado por outros elementos
pesados menores, como o níquel (Ni). Elementos mais leves, como o oxigênio (O), silício
(Si), alumínio (Al), sódio (Na) e potássio (K) se separaram da massa fundida e migraram
em direção à superfície, acompanhados por um pouco de cálcio (Ca), magnésio (Mg) e
ferro também, para formar a crosta terrestre, uma delgada camada superficial. Entre o
núcleo e a crosta se acomodou a maior parte sólida da Terra, o manto, constituído por
rochas de densidade intermediária compostas por Si, O, Ca, Mg e Fe.

2.3- BOMBARDEAMENTO VINDO DO ESPAÇO: Meteoroides e asteroides


As superfícies marcadas por crateras, da Lua, Mercúrio, Marte e outros corpos,
são evidências de um importante período da história primordial do Sistema Solar, o
período de bombardeamento pesado que durou em torno de 600 Ma, desde a formação
17
dos planetas. Durante esse período, os planetas varreram e colidiram com os fragmentos
deixados para trás na época da acreção planatesimal. A atividade geológica da Terra
obliterou os efeitos desse intenso bombardeamento. Após esse período, o
bombardeamento continuou, porém de maneira muito mais branda, evidenciado por
incontáveis pequenos fragmentos que continuam penetrando a atmosfera terrestre. A
maioria deles, denominados meteoros, são muito pequenos (˂ 10 m) e normalmente são
destruídos e volatilizados pelo atrito com a atmosfera, antes de atingir a superfície da
Terra. As estrelas cadentes que, em noites de bom tempo, podem ser vistas como estrias
luminosas que riscam o céu, são meteoros penetrando na atmosfera terrestre. Por outro
lado, fragmentos maiores que 10 m,
denominados meteoritos, podem atingir a
superfície da Terra. Atualmente, cerca de
40 mil toneladas de material extraterrestre
caem na Terra a cada ano. A cratera de
Barringer, também conhecida como cratera
do Meteoro, com 1,2 Km de diâmetro, no
Arizona, EUA, foi formada há cerca de 50
mil anos pelo impacto de um meteorito com
em torno de 50 metros de diâmetro e
pesando cerca de 300 mil toneladas (Fig.
2.10).
Figura 2.10- Cratera de Barringer (do
Meteoro), Arizona, EUA: 1,2 Km de diâmetro.

O estudo de milhares de amostras de meteoritos permitiu elaborar uma


classificação destes corpos, de acordo com suas estruturas internas e suas composições
químicas e mineralógicas, em três classes: , classe dominante,
com 95% das amostras estudadas; , com 4% das
amostras; e , com 1% das amostras estudadas.

Características: Primitivos não


diferenciados. Idade entre 4,5 e 4,6 Ga.
Ordinários
Condritos Composição: Minerais silicáticos (olivina,
(81 %)
(86 %) piroxênio, plagioclásio) e fases refratárias
Com metálicas intersticiais (Fe-Ni) + matéria
côndrulos orgânica (em condritos carbonáceos).
Carbonáceos
Proveniência: Corpos não diferenciados
(5 %)
do cinturão de asteroides.
(95 %)
Características: Diferenciados. Idade: 4,4 a 4,6 Ga
Acondritos Composição: Heterogênea, em muitos casos similar à
(9 %) dos basaltos terrestres. Minerais principais: Olivina,
Sem piroxênios e plagioclásio.
côndrulos Proveniência: Corpos diferenciados (manto silicático) do
cinturão de asteroides, da lua e de Marte.
Composição: Minerais metálicos (Fe-Ni).
Proveniência: Núcleo de corpos diferenciados do cinturão
4%
de asteroides. São meteoritos acondríticos.
Composição: Mistura de minerais silicáticos e metálicos
(Fe-Ni).
1% Proveniência: Interior de corpos diferenciados do cinturão
de asteroides. São meteoritos acondríticos.
Tabela 2.2- Características e classificação e dos meteoritos: rochosos, siderólitos e sideritos.
18
Os meteoritos rochosos são subdivididos em condritos (86 % das amostras
estudadas) e acondritos (9 % das amostras). Os meteoritos condríticos são
principalmente do tipo ordinários (81 %) e mais raramente do tipo carbonáceo (5 %). Os
condritos ordinários (Fig. 2.11 a) são constituídos por pequenos glóbulos (côndrulos)
milimétricos de minerais silicáticos (principalmente olivina, piroxênio e plagioclásio), além
de minerais metálicos intersticiais restritos (sulfetos ou ligas de Fe e Ni). Os condritos
carbonáceos distinguem-se dos ordinários por possuir compostos orgânicos e alguns
podem não apresentar côndrulos. Os condritos são interpretados como fragmentos de
corpos primitivos da parte interna do sistema solar que não chegaram a sofrer
diferenciação química, preservando, portanto, suas estruturas internas (côndrulos) e
também sua composição original (silicatos + minerais metálicos), com exceção dos
elementos voláteis (H e He) que escaparam no estágio precoce da evolução do sistema
solar, ainda muito quente (1.700 a 2.000ºC). A estrutura condrítica é a melhor evidência
do processo de acreção gravitacional de partículas que teria gerado os planatésimos e
protoplanetas, precursores dos atuais planetas rochosos do sistema solar.

a b

Figura 2.11- Amostras de meteorito rochoso condrítico, Gujba, Nigéria (a) e de meteorito
acondrítico rochoso, Marília-SP (b).

Os meteoritos não condríticos (ou acondritos) podem ser de três tipos seguintes:
acondritos rochosos, metálicos (ou sideritos) e ferro-pétreos (ou siderólitos). São
derivados de corpos maiores diferenciados, nos quais a estrutura condrítica foi destruída.
Os meteoritos acondritos rochosos (Fig. 2.11 b) são constituídos por minerais silicáticos
(principalmente olivina, piroxênio e plagioclásio), sem fases metálicas significativas e, em
muitos casos, similares a composição dos basaltos terrestres. Os meteoritos sideritos
são constituídos basicamente por ligas metálicas de Fe e Ni (Fig. 2.12 a, b), enquanto
que os siderólitos são constituídos por misturas de silicatos e ligas metálicas de Fe e Ni.
Um tipo especial de siderólito são os palasitos, formados por cristais translúcidos de
olivina em matriz metálica de Fe-Ni (Fig. 2.12 c).
a b c

Figura 2.12- Amostras de meteoritos sideríticos: Sikhote-Alin, Russia (a) e siderito com
estrutura widmanstatten (b). Meteorito siderólito palasito, Fukang, China (c)

Meteoritos rochosos condríticos são interpretados como fragmentos de corpos


não diferenciados, enquanto que meteoritos rochosos acondríticos são considerados
fragmentos do manto ou crosta de corpos diferenciados (Fig. 2.13). A composição
19
metálica pura dos meteoritos sideríticos conduz à interpretação de serem eles
fragmentos do núcleo metálico de corpos diferenciados (Fig. 2.13). Os meteoritos
siderólitos correspondem a situações mais raras nas quais os fragmentos de corpos
diferenciados conteriam porções tanto do núcleo metálico como do manto silicático.
Acreção Fragmentação

Condritos

Crosta
Manto Sideritos

Figura 2.13- Origem dos meteoritos


a partir de corpos planetários não
diferenciados (condritos rochosos) e
Núcleo
Acondritos diferenciados (acondritos rochosos
Acreção Diferenciação Fragmentação e sideritos).

Os impactos de corpos rochosos maiores (˃ 1 Km), como os asteroides e cometas,


os maiores asteroides podendo atingir centenas de quilômetros, deixam vestígios na
forma de crateras que ocorrem praticamente em todos os corpos do Sistema Solar.
Embora colisões de asteroides tenham se tornado raras, corpos de 1 a 2 Km de diâmetro
ainda podem colidir com a Terra com intervalos em torno de poucos milhões de anos.
Em torno de 65 Ma atrás (final do período Cretáceo), um asteroide com pouco mais de
10 Km de diâmetro colidiu com a Terra, na península de Lucatã, sudeste do México, e
formou uma cratera com mais de 180 Km de diâmetro, denominada cratera Chicxulub,
atualmente soterrada. Os cientistas acreditam que esse impacto causou a extinção dos
dinossauros. Possivelmente, esse evento tenha possibilitado a ascensão dos mamíferos
como espécie dominante na Terra, preparando o caminho para o homem. As órbitas dos
grandes asteroides estão sendo estudas pelos astrônomos com o objetivo de antecipar
a possibilidade de algum deles se chocar com a Terra. Astrônomos da Nasa previram,
com probabilidade de uma chance em 300, que um asteroide com 1 Km de diâmetro
colidirá com a Terra em março de 2880.

2.4- FORMAÇÃO DOS CONTINENTES, OCEANOS E ATMOSFERA DA TERRA


Pelo exposto acima, a fusão e a diferenciação primitiva da Terra resultaram na
formação da crosta terrestre e, portanto, dos continentes, a feição mais visível da crosta
terrestre. A diferenciação também provocou o escape dos gases mais leves para a
superfície, o que resultou na formação de grande parte dos oceanos e da atmosfera.
Esses gases, que continuam exalando em erupções vulcânicas, são remanescentes
primitivos da nebulosa solar original que ficaram retidos no interior do planeta.
O crescimento dos continentes começou logo após a diferenciação da Terra e
continuou ao longo do tempo geológico. Imagina-se que durante a diferenciação rocha
fundida (magma) do interior do planeta ascendeu à superfície, onde esfriou e solidificou-
se para formar a crosta rochosa. Essa crosta primitiva fundiu-se e solidificou-se
repetidamente, provocando a separação contínua dos matérias mais leves e pesados,
com ascensão dos mais leves para formar os núcleos primitivos dos continentes. A água
da chuva, vento e gelo erodiram as rochas continentais que sofreram desintegração e
decomposição, formando detritos físicos e químicos que moveram-se para regiões de
deposição mais baixas, acumulando-se em camadas sedimentares, formando praias,
deltas e assoalhos sedimentares de mares adjacentes. A repetição desses processos
durante muitos ciclos estruturou os continentes.
20
A maioria dos geocientistas acredita
que a água e outros componentes voláteis
dos oceanos e atmosfera terrestre eram
componentes originais dos planatesimais
que se agregaram para formar a Terra, na
forma de minerais hidratados (com
oxigênio e hidrogênio). Da mesma forma,
nitrogênio e carbono também faziam parte
de certos minerais dos planatesimais.
Quando a Terra se aqueceu, com fusão
parcial de seus materiais, e se diferenciou,
o vapor d’água e outros gases foram
liberados e levados para a superfície pelos
magmas e lançados na atmosfera pela
atividade vulcânica (Fig. 2.14).

Figura 2.14- Formação dos oceanos e da


atmosfera por emanação de vapor d’água,
CO2, N e H para a superfície, por atividade
vulcânica primitiva.

Os gases emitidos pelos vulcões primitivos (há 4 bilhões de anos) eram


constituídos principalmente por vapor d’água, além de hidrogênio (H), nitrogênio (N),
dióxido de carbono (CO2) e outros gases traços, os mesmos gases emitidos pelos
vulcões atuais, embora não necessariamente nas mesmas quantidades relativas. Quase
todo o hidrogênio escapou para o espaço exterior, enquanto que os gases mais pesados
formaram a atmosfera que envolve o planeta. A atmosfera primitiva era destituída de
oxigênio, elemento que constitui 21% da atmosfera atual, mas que só foi incorporado à
atmosfera com o surgimento de organismos fotossintéticos.
Outra hipótese, defendida por alguns geocientistas, advoga que maior parte do ar
e da água da Terra atual é proveniente de fora do sistema solar, por meio de materiais
ricos em voláteis, como cometas, compostos predominantemente de gelo, dióxido de
carbono e outros gases congelados. Segundo essa hipótese, incontáveis cometas
podem ter impactado a Terra nos primórdios de sua história, fornecendo água e outros
gases que deram origem à atmosfera e aos oceanos primitivos.

2.5- OS SITEMAS INTERATIVOS DA TERRA


Os processos geológicos atuantes na Terra, tais como terremotos, vulcões,
glaciações e sedimentação, são governados por dois mecanismos térmicos, um interno
e outro externo. O mecanismo interno da Terra é governado pela energia térmica
aprisionada durante a origem do planeta a partir da nebulosa solar, além do calor gerado
pelo decaimento de elementos radioativos no interior da Terra. O calor interno controla
os movimentos no núcleo, manto e litosfera que provocam magmatismo (fusão de
rochas), movimentos de placas tectônicas e soerguimento de montanhas, denominados
. O mecanismo externo terrestre é controlado pela energia solar que
atinge a Terra. O calor solar energiza a atmosfera, a hidrosfera e a biosfera, provocando
chuvas, vento e degelo que erodem montanhas, modelam a paisagem e controlam o
clima do planeta, denominados (Fig. 2.15).

21
Figura 2.15- Dinâmica externa da Terra, controlada pela energia solar, e dinâmica interna
governada pela energia térmica original e calor radioativo do interior da Terra.

Embora a dinâmica externa e interna da Terra sejam dois sistemas


independentes, alimentados por fontes de energia diferentes, os processos e os produtos
da dinâmica interna afetam aqueles da dinâmica externa e são modelados por ela,
compondo um sistema global, denominado , que é aberto e troca massa e
energia com o cosmos. A dinâmica externa e interna são os dois grandes subsistemas
do sistema Terra que podem ser ainda subdivididos em outros subsistemas menores e
específicos, denominados (Fig. 2.16) que são interconectados e
interativos. Os principais subsistemas da dinâmica externa são a atmosfera, hidrosfera,
biosfera e a superfície sólida da crosta terrestre que compõem o geossistema do clima.
Os processos da dinâmica interna envolvem dois geossistemas importantes:
, relacionados com os subsistemas litosfera,
astenosfera e manto inferior; e , relacionado com o núcleo
externo e interno da Terra.

Figura 2.16- Principais geossistemas globais do sistema Terra: geossistema do clima,


geossistema das placas tectônicas e geossistema do geodínamo.

22
Somente nas últimas décadas do século 20, a ciência reuniu conhecimento e
condições tecnológicas para investigar como o sistema Terra e seus geossistemas
realmente funcionam, com uma rede de satélites para coleta de dados em uma escala
global e computadores capazes de calcular a massa e energia transferidas dentro do
sistema Terra. Estudar os geossistemas terrestres e suas interconectividades é o que se
propõem as geociências.
O geossistema do clima inclui todas as propriedades e interações dos
subsistemas da dinâmica externa da Terra necessários para determinar o clima em uma
escala global e como ele muda com o tempo. O clima compreende a temperatura,
precipitação pluviométrica, nebulosidade e os ventos em um ponto ou área da superfície
terrestre. O clima depende principalmente das condições da atmosfera, mas também de
suas interações com a hidrosfera, biosfera e com a superfície sólida da Terra. A vida,
inclusive dos seres humanos, é extremamente dependente do clima, podendo favorece-
la ou dificultá-la e até inviabilizá-la. Embora os ciclos climáticos da Terra sejam bem
definidos pelas estações do ano, controladas pelo influxo da energia solar nos ciclos
sazonais, as variações mais curtas e mais longas são muito difíceis de prever com
precisão devido à complexidade da atmosfera e suas interações com outros
subsistemas. Para compreender essas interações os cientistas elaboraram modelos
numéricos (sistemas climáticos virtuais) em supercomputadores e comparam os
resultados de suas simulações com os dados observados. O objetivo desses ensaios é
poder fazer previsões climáticas de curto prazo e também as tendências de mudanças
climáticas futuras de longo prazo, com menor erro possível.
Os geossistemas das placas tectônicas e do geodínamo fazem parte da dinâmica
interna do planeta. Alguns dos mais dramáticos eventos geológicos terrestres, como as
erupções vulcânicas e terremotos, estão relacionados com o
. Esses fenômenos são controlados pelo calor interno do planeta que escapa
para a superfície por meio de circulação de material sólido dúctil (não rígido) do manto,
através de um mecanismo denominado convecção. A convecção é um mecanismo de
transferência de energia e massa causada pela diferença de temperatura em um material
que pode fluir (líquido, gás ou solido dúctil), no qual o material aquecido abaixo ascende
e o resfriado acima afunda, formando uma corrente de convecção. A convecção
mantélica é semelhante à convecção de água fervente em um recipiente (Fig. 2.17 a), no
qual material sólido dúctil aquecido do manto inferior, de menor densidade, se move para
cima pela força do empuxo, enquanto que o material mais frio e mais denso do manto
superior se move para baixo, pela força da gravidade, criando o movimento convectivo
que movimenta as placas tectônicas rígidas da litosfera (Fig. 2.17 b). As placas são
criadas nas zonas de ascensão da convecção e, após se resfriarem, mergulham de volta
para o manto nas zonas descendentes da convecção.

a b

Figura 2.17- Convecção em água fervente (a) e convecção mantélica que controla os
movimentos das placas tectônicas (b).
23
O campo magnético terrestre está relacionado com o ,
controlado pelo núcleo da Terra, constituído basicamente de ferro e subdividido em
núcleo externo (líquido) e núcleo interno (sólido). Correntes de convecção no núcleo
externo (líquido) convertem energia mecânica em energia elétrica que, por sua vez, gera
um campo magnético bipolar, semelhante a um dínamo. Além de sua importância na
orientação geográfica, o campo magnético terrestre protege a Terra, como um escudo,
dos ventos e erupções solares. Desse modo, os dois geossistemas mais importantes da
dinâmica interna da Terra estão relacionados, cada um, a um sistema convectivo: o das
placas tectônicas, relacionado a uma convecção no manto, e o do geodínamo a uma
convecção no núcleo externo da Terra.

2.6- A TERRA AO LONGO DO TEMPO GEOLÓGICO


A história geológica da Terra, desde a sua origem até o tempo atual, tem em torno
de 4.500 Ma, uma escala de tempo inimaginável pelas pessoas leigas, quando
comparamos com a própria história humana, medida em séculos ou, no máximo, alguns
milhares de anos. Mas o que aconteceu com o nosso planeta durante essa imensidão
de tempo? Responder a essa pergunta é o que se propõe a geologia.
A Terra começou a se formar há 4.560 Ma, por meio de acreção planatesimal.
Após aproximadamente 100 Ma, a Terra primitiva já estava formada e diferenciada em
três camadas (crosta, manto e núcleo). Entretanto, após a sua formação, o processo de
acreção, com bombardeamento pesado de planatesimais, continuou até em torno de
4.000 Ma atrás. Esses primeiros 500 Ma da história terrestre pode ser denominado de
“idade geológica das trevas”, porque muito pouco do registro geológico sobreviveu ao
período de bombardeamento pesado até 4.000 Ma, idade das rochas mais antigas
encontradas na superfície terrestre (Fig. 2.18).
Há pouco mais de 4.000 Ma, a atmosfera e a hidrosfera primitivas da Terra já
estavam formadas. Gases leves, como o hidrogênio, escaparam para o espaço, ficando
os gases mais pesados, como o vapor d’água, dióxido de carbono (CO2), nitrogênio e
dióxido de enxofre (SO2), que formaram a atmosfera primitiva da Terra. Todos os
componentes da luz solar conseguiam atravessar essa atmosfera primordial, inclusive
os raios ultravioletas (UV) que são danosos para a vida. Por outro lado, havia CO2 e
vapor d’água suficiente para aprisionar o calor solar que chegava à superfície da Terra,
por meio do efeito estufa, mantendo a superfície terrestre aquecida.
De alguma forma, a vida iniciou nessa atmosfera primitiva hostil, pobre em
oxigênio e com radiação UV, porém favorecida pelo aquecimento do efeito estufa. Os
primeiros degraus da vida foram a formação de grandes moléculas orgânicas gasosas
(metano e amônia) que devem ter ocorrido em torno de 4.000 Ma atrás. A energia para
a síntese dessas moléculas foi suprida pela radiação UV, disponível na atmosfera
primitiva. De alguma maneira essas moléculas orgânicas agregaram-se e formaram
sistemas capazes de crescer e metabolizar. Esses sistemas não eram propriamente vida
ainda, pois não se reproduziam, e sim uma espécie de protovida. A vida propriamente
dita surgiu com o desenvolvimento das proteínas e dos ácidos nucleicos, estes últimos
são macromoléculas com capacidade de se autorreplicarem. Primeiramente surgiu o
ácido ribonucleico (RNA) que foi transitório e logo evoluiu para o ácido
desoxirribonucleico (DNA), mais complexo, que foi a base do desenvolvimento da
biosfera pelo resto da história geológica terrestre. Os fósseis mais antigos conhecidos
são os estromatólitos, encontrados em rochas com idades entre 3.800 a 3.500 Ma, da
era pré-cambriana ( 542 Ma). Os estromatólitos são estruturas estratificadas formadas
por cianobactérias unicelulares fotossintetizantes (produtores de oxigênio por
fotossíntese) que representam as primeiras evidências diretas de vida primitiva, do tipo
procarionte (células sem núcleo). Os primeiros indícios da ação erosiva da água foram
encontrados em rochas com idade de 3.800 Ma (Fig. 2.18).
24
Figura 2.18- Fita do tempo geológico, em milhões de anos, desde a formação do sistema solar
até o presente, mostrando os principais eventos da história geológica da Terra.

Em torno de 2.500 Ma atrás foi completada a principal fase de formação das


grandes massas continentais, começando a movimentação das grandes placas
tectônicas. A partir de 2.500 Ma o registro fóssil da vida na Terra tornou-se
progressivamente mais rico, revelando uma espetacular evolução adaptativa dos seres
pioneiros da vida terrestre (Fig. 2.18). Alguns geocientistas defendem uma outra hipótese
para a origem da vida, da atmosfera e dos oceanos, pela qual a água e outros
componentes da atmosfera e a própria vida teriam uma origem extraterrestre, trazidos
por cometas que se chocaram com a Terra no período do bombardeamento pesado.
Alguns cientistas adeptos dessa hipótese alegam que o bombardeamento pesado pode
até ter destruído a vida inicial, implicando que a vida poderia ter reiniciado várias vezes
até se estabelecer definitivamente.
Uma importante mudança biológica ocorreu, a partir de 2.450 Ma, quando os
organismos fotossintetizantes, principalmente cianobactérias, se proliferaram passando
a produzir muito oxigênio para a atmosfera. Esses organismos captam a luz solar por
meio da clorofila (pigmento que os colore de azul esverdeado) e produzem seu próprio
alimento (carboidrato) através da fotossíntese, conforme a reação entre CO2 e água, na
presença da luz:
Luz Glicose
3CO2 + 6H2O C3H6O3 + 3H2O + 3O2 , com consumo de CO2 e liberação de O2.
A continuidade da fotossíntese teve importantes consequências para o planeta, pois à
medida que o CO2 era consumido, o oxigênio se acumulava na atmosfera. Foi assim que
em pouco mais de 200 Ma a atmosfera se oxigenou (Fig. 2.18) e o processo continuou
por pelo menos 2 bilhões de anos até a porcentagem de oxigênio na atmosfera se
estabilizar em torno de 21 %. Quando as moléculas de oxigênio (O2) atingiram a
atmosfera superior (estratosfera) foram transformadas pela radiação solar em ozônio
(O3), formando uma camada protetora que absorve maior parte da radiação UV que
chega à Terra. Sem a camada de ozônio, a vida na Terra não teria evoluído para formas
25
mais complexas. Há 2.100 Ma ocorreu a primeira glaciação de grande escala (Huroniana)
que deixou registros. A partir de 2.000 Ma surgiram os primeiros organismos unicelulares
eucariontes (células com núcleo), como os fungos. Entre de 2.000 e 1.000 Ma a vida
tornou-se multicelular, quando surgiram as algas e algas marinhas.
Durante a era pré-cambriana ocorreram mais quatro glaciações, dentre elas as
glaciações Criogenianas (800 e 635 Ma) que sustentam a hipótese da Terra Bola de
Neve, quando grande parte da superfície da Terra teria ficado coberta de neve. Após as
glaciações Criogenianas, surgiram os primeiros seres do reino animal, há 600 Ma,
evoluindo em uma sequência de picos biológicos no período Cambriano (543 a 510 Ma),
iniciando com formas simples, a maioria sem partes duras. O segundo pulso foi um breve
período entre 545 e 530 Ma em que houve uma explosão biológica, referido como Big
Bang biológico (Fig. 2,18), no qual surgiram os ancestrais de quase todos os animais
que conhecemos hoje: vermes terrestres e marinhos, estrelas do mar, bolachas de praia,
moluscos, insetos, crustáceos, cordados e os trilobitas (ancestral do camarão), além de
criaturas esquisitas, como o hallucigenia, (Fig. 2.19 a, b) que deixaram, pela primeira vez,
carcaças fósseis bem preservadas no registro geológico.

a b

Figura 2.19- Fósseis do Cambriano:


trilobita (a) e hallucigenia (b).

A evolução biológica normalmente é um processo muito lento, embora os registros


mostram breves períodos de mudanças bruscas, como foi a explosão biológica
cambriana. Igualmente bruscas e impressionantes foram as extinções em massa que
fizeram desaparecer subitamente do registro geológico muitos tipos de plantas e
animais. Após o Big Bang biológico, cinco episódios bem registrados de extinções estão
indicados na figura 2.17, separados por intervalos em torno de 50 a 150 Ma. Três
principais causas dessas extinções são consideradas pelos geocientistas: ) impactos
de asteroides; ) mudanças climáticas bruscas provocadas por glaciações; ) erupções
vulcânicas de grande intensidade e extensão. O primeiro evento de extinção em massa
ocorreu em torno de 100 Ma após a explosão biológica cambriana, provavelmente
relacionado com a glaciação Andina-Saariana, entre 450 e 420 Ma atrás (Fig. 2.18). Há
420 Ma surgiram os primeiros animais terrestres, após o que ocorreram mais duas
glaciações antes do último período geológico, o Quaternário (˂ 2,6 Ma). O maior evento
de extinção conhecido, que varreu 95 % de todas as espécies de vida da época, ocorreu
em torno de 250 Ma atrás (extinção permiana) e não se sabe ao certo a(s) causa(s) desta
grande extinção. O último evento de extinção, ocorrido há 65 Ma, foi causado pelo
impacto de um asteroide com em torno de 10 Km de diâmetro, na península de Lucatã,
sudeste do México. Esse evento extinguiu metade das espécies de vida na Terra,
inclusive os dinossauros (Fig. 2.18).
Os primeiros hominídeos surgiram há 5 Ma, no início do período Plioceno (entre 5
e 2,6 Ma). No último período geológico, o Quaternário, ocorreram seis períodos glaciais,
o último (glaciação Wurm ou Wisconsin) entre 110 e 12 mil anos atrás, já com a presença
do homo sapiens que surgiu há 300 mil anos (Fig. 2.18). Essa última glaciação é também
conhecida como glaciação antropológica, pelo fato de ter auxiliado os seres humanos na
travessia dos estreitos congelados: África para o Oriente Médio (mar vermelho), Ásia
para a América do Norte (estreito de Bering), China para o Japão (estreito da Coreia) e
Ásia para a Oceania (estreito de Torres, entre Papua Nova Guiné e Austrália).

26
Nessa unidade, tratamos de posicionar o nosso planeta Terra no espaço cósmico
(no Sistema Solar e na imensidão do Universo) e também no tempo. Mostramos como
os geocientistas pensam e trabalham para desvendar a história geológica do nosso
planeta e de seus sistemas interativos. Por fim, procuramos mostrar os principais eventos
dessa longa e bela história geológica na escala do tempo geológico, desde a origem
ardente da Terra e suas mudanças ao longo desse tempo até a origem da vida que
culminou, após um longo período evolutivo, com o aparecimento dos seres humanos. Na
terceira unidade será mostrado como os geocientistas conseguiram caracterizar o
interior terrestre e suas camadas, através de métodos indiretos de pesquisa. Nas
unidades seguintes serão detalhados os processos geológicos e seus produtos que
ocorreram ao logo do tempo geológico, iniciando com os processos da dinâmica interna
do planeta e os mecanismos da tectônica de placas que resultaram na configuração atual
dos continentes e oceanos (unidade 4). O módulo 2 desse documento é dedicado aos
materiais terrestres, incluindo a caracterização dos minerais (unidade 5) e das rochas
(unidade 6), abrangendo tanto os processos endógenos (dinâmica interna), de formação
das rochas ígneas e metamórficas, como os processos exógenos (dinâmica externa), de
formação das rochas sedimentares. O terceiro e último módulo aborda as estruturas
geológicas (unidade 7), o tempo geológico e os métodos de datação geocronológicos
(unidade 8) e, finalmente, os recursos minerais, hidrológicos e energéticos, além da
questão ambiental nos meios geológicos e suas implicações globais para a civilização
humana (unidade 9).

27
3.1- INTRODUÇÃO: métodos de investigação indireta do interior terrestre
O furo de sondagem mais profundo até hoje realizado (em Kola, Rússia) atingiu
apenas 12 km, dimensão insignificante diante do raio da Terra de 6.370 km. Não é
possível, portanto, ter acesso direto às partes mais profundas da Terra devido as
limitações tecnológicas para enfrentar as altas temperaturas e pressões do interior
terrestre. Desse modo, a estrutura interna do nosso planeta só pode ser estudada de
maneira indireta, com base principalmente em dois tipos de fontes indiretas de
informações: os meteoritos e os terremotos. Os meteoritos são fragmentos do interior de
corpos espaciais da parte interna do sistema solar que podem fornecer informações
importantes sobre o interior da Terra, considerando que se os corpos do sistema solar
tiveram uma origem comum, não deve haver diferenças significativas entre os corpos de
tamanhos equivalentes da parte interna desse sistema, onde fica o planeta Terra. Por
outro lado, os terremotos são abalos sísmicos, estudados pelo ramo da geofísica
denominado sismologia, que embora causem catástrofes em diversas regiões do
planeta, fornecem informações sobre o comportamento das rochas do interior terrestre
submetidas a esforços mecânicos, como o estado físico e a composição das rochas. A
associação das informações provenientes dos terremotos e meteoritos, juntamente com
os dados do campo gravitacional e campo magnético do nosso planeta, permitiram definir
um modelo consistente da estrutura interna da Terra que é o tema central desta unidade.
3.2- TERREMOTOS
O calor interno da Terra provoca fusão de porções rochosas do interior terrestre
gerando magma que adquire mobilidade, podendo extravasar na superfície através dos
vulcões. Essa mobilidade magmática gera movimentos tectônicos que afetam não só os
continentes, mas toda a litosfera terrestre, gerando tensões que se acumulam em vários
pontos, principalmente ao longo das bordas das placas tectônicas. Quando essas
tensões atingem o limite de resistência das rochas ocorre uma ruptura repentina,
denominada falha geológica, gerando vibrações que se propagam em todas as direções,
fazendo a terra tremer. Os terremotos ocorrem mais frequentemente no limite entre as
placas litosféricas (Fig. 3.1), mas podem ocorrer também no interior das placas, sem que
a falha atinja a superfície.

Figura 3.1- Sismicidade mundial mostrada em mapa de epicentros de sismos com magnitude ≥
5,0 no período 1964 a 1995. Fonte: Serviço Geológico americano.

28
O ponto onde se inicia a ruptura do terremoto é denominado de hipocentro ou
foco, e sua projeção na superfície é o epicentro, sendo a profundidade focal a distância
hipocentro-epicentro (Fig. 3.2). O tamanho da área de ruptura é proporcional à
intensidade das vibrações e à magnitude dos terremotos que pode variar desde
pequenos abalos ou tremores de terra até os grandes eventos sísmicos destrutivos.
Quando ocorre uma ruptura na crosta terrestre, as vibrações sísmicas geradas se
propagam em todas as direções na forma de ondas. São essas ondas sísmicas que
causam danos nas proximidades do epicentro e que podem ser registradas por
sismógrafos em todo o mundo (Fig. 3.3).
a
a

b
b

Figura 3.2- Geração de um sismo por Figura 3.3- Registro na estação sismológica
acúmulo e liberação de esforços em uma de Valinhos-SP de um sismo ocorrido em
ruptura. As tensões compressivas (a) 23/11/97 na fronteira entre Argentina e
deformam as rochas (b), causando ruptura Bolívia, com magnitude 6,4 (a), mostrando o
nas mesmas que geram vibrações que se movimento do chão nas três dimensões
propagam em todas as direções (c) espaciais (b).

As vibrações são causadas por dois tipos principais de ondas sísmicas seguintes:
Ondas longitudinais ou primárias (ondas P) que vibram na mesma direção de
propagação das ondas, tal como as ondas sonoras;
Ondas transversais ou secundárias (ondas S) que vibram perpendicularmente à
direção de propagação das ondas, tal como as ondas luminosas (Fig. 3.4).
As velocidades das ondas P e S dependem essencialmente do meio por onde elas
passam. Normalmente quanto maior a densidade de uma rocha maior será a velocidade
de propagação das ondas sísmicas (Fig. 3.5), sendo que as ondas P são mais rápidas
que as ondas S, razão pela qual as ondas P são as primeiras (primárias) e as ondas S
são as segundas (secundárias) a chegar (P de primária e S de secundária). Além disso,
as ondas S não se propagam em meio líquido, somente em meio sólido, enquanto que
as ondas P se propagam tanto em meio líquido quanto sólido.
Tal como qualquer outro fenômeno ondulatório, as ondas sísmicas sofrem
reflexão e refração quando passam para um meio de densidade diferente, obedecendo
a lei de Snell, segundo a qual quando um raio passa pela interface entre dois meios com
densidades diferentes, as razões entre os senos dos ângulos que os raios (refletidos e
refratados) fazem com a normal à interface e as velocidades dos raios, se mantém
constante (Fig. 3.6 a). Como consequência da lei de Snell, quando as ondas sísmicas
29
passam para um meio de maior densidade (e maior velocidade), o raio refratado se
afasta da normal à interface entre os dois meios (Fig. 3.6 b) e, ao contrário, quando as
ondas passam para um meio de menor densidade (e menor velocidade), o raio refratado
se aproxima da normal à interface (Fig. 3.6 c).

Figura 3.4- Propagação das ondas


sísmicas: Onda longitudinal (P) com
vibração paralela à direção de propagação Figura 3.5- Velocidade de propagação das
(a). Onda transversal (S) com vibração ondas P para alguns materiais e rochas mais
perpendicular à direção de propagação (b). comuns.

b c

Figura 3.6- Lei de Snell: quando um raio passa por uma interface entre dois meios de
densidades diferentes, as razões dos senos dos ângulos que os raios (refletido e refratado)
fazem com a normal à interface e as velocidades dos raios, se mantém constante (a). Raio
sísmico refratado passando para um meio de maior densidade, afastando-se da normal à
interface (b), e passando para um meio de menor densidade, aproximando-se da normal (c).

Em um meio litologicamente homogêneo (mesmo tipo de rocha), a velocidade das


ondas sísmicas aumenta progressivamente com a profundidade, por causa do aumento
da densidade provocado pelo aumento da pressão com a profundidade. Essa situação
equivale a uma sucessão infinita de camadas extremamente finas e de densidades
progressivamente maior com a profundidade, pelas quais as ondas sísmicas percorrem
uma trajetória curva, obedecendo a lei de Snell. Como os ângulos (θ) com a vertical são
progressivamente maiores, os raios sísmicos penetram até uma profundidade máxima
(quando θ atingir 90º) e depois voltam à superfície. No trajeto de volta os ângulos (θ)
diminuem progressivamente, já que os raios estão seguindo o trajeto inverso, com a
densidade progressivamente mais baixa (Fig. 3.7 a, b). No caso de haver uma
descontinuidade litológica no interior da Terra separando dois meios rochosos diferentes,
de modo que o meio inferior apresente menor velocidade das ondas sísmicas, o ângulo
(θ) com a vertical diminuirá e os raios sísmicos se aproximarão da normal à interface. Se
apenas o raio sísmico que mais se aprofundar atingir esta descontinuidade, ele se
afastará muito em relação aos outros raios, provocando uma interrupção na curva tempo-
distância, por causa do seu atraso, denominada “zona de sombra” na superfície (Fig.
3.7 c).

30
b c

Figura 3.7- Lei de Snell em uma sucessão de camadas, com aumento progressivo da densidade
com a profundidade, implicando em aumento progressivo da velocidade e do ângulo (com a
normal à interface (a). Curva tempo-distância com a volta dos raios à superfície (b).
Descontinuidade litológica produzindo uma interrupção na curva tempo-distância denominada
“zona de sombra” entre os raios B e C (c).
3.3- ESTRUTURA INTERNA DA TERRA
Análises de milhares de terremotos durante muitas décadas permitiram construir
as curvas tempo-distância das ondas sísmicas refratadas e refletidas e deduzir as
principais propriedades físicas das rochas do interior da Terra, o que sustentou a
formulação de um modelo consistente da estrutura interna da Terra em três camadas
concêntricas (crosta, manto e núcleo), conforme as figuras 3.8 a, b. A crosta terrestre é a
camada mais externa e mais fina da Terra, havendo dois tipos de crosta: a continental e
a oceânica (Fig. 3.8 c).

b
c

Figura 3.8- Modelo da estrutura interna da Terra em três camadas (a, b), mostrando as três
descontinuidades sísmicas (Moho, Gutenberg e Lehmann), os seus descobridores e o ano da
descoberta (b). Detalhe das relações entre crosta, litosfera e astenosfera (c).
31
A espessura da crosta terrestre varia entre 5 km na crosta oceânica até 50 km nos
continentes e a velocidade das ondas P varia de 5,5 km/s na crosta superior a 7 km/s na
crosta inferior (Fig. 3.9a). A crosta continental é formada principalmente por rochas
graníticas, de densidade mais baixa (em torno de 2,7), com espessura variando de 30 a
50 Km, podendo atingir até 70 Km sob as grandes cadeias de montanhas. É constituída
principalmente pelos elementos Si e Al e, por isso, é referida, como (Fig. 3.9 b). A
crosta oceânica é formada por rochas basálticas, de maior densidade (em torno de 3,0),
que formam o fundo dos oceanos, com espessura de 5 a 7 Km. É constituída
principalmente pelos elementos Si e Mg e, por isso, é referida como (Fig. 3.9 b).
a
b

Figura 3.9- Variação da velocidade das ondas P na crosta e no manto superior, mostrando a
descontinuidade de Moho, entre a crosta e o manto litosférico, e a astenosfera no manto superior
(a). Litosfera (crosta + manto litosférico) flutuando na astenosfera pouco rígida (b).

O limite entre a crosta e o manto é marcado pela descontinuidade Moho (em


referência a Mohorovicic que a descobriu em 1910), caracterizada pelas mudanças
bruscas nas velocidades das ondas sísmicas (Fig. 3.9a). Abaixo da crosta, as
velocidades das ondas P e S e a densidade das rochas do manto aumentam
progressivamente até a descontinuidade de Gutenberg, na profundidade de 2.900 km
(limite entre manto e núcleo). A velocidade das ondas P no manto aumentam de 8,0 km/s
a 13,8 km/s, e das ondas S de 4,4 a 7,3 km/s, enquanto que a densidade no manto
aumenta de 3,4 a 5,6 (Fig. 3.10 a). O manto terrestre é subdividido em manto superior e
inferior, estando o manto superior situado abaixo da crosta terrestre, a partir da Moho,
até a profundidade de 670 Km (Fig. 3.8 b e 3.10a). Estudos detalhados no manto superior
mostraram que tanto a densidade como as velocidades das ondas sísmicas aumentam
com a profundidade, embora não de maneira contínua (Fig. 3.10a), indicando
heterogeneidade litológica, com alternância de camadas rígidas e dúcteis (Fig. 3.8 b).
Entre, aproximadamente, 100 e 250 km de profundidade, há uma ligeira diminuição nas
velocidades sísmicas nessa parte do manto superior, especialmente sob os oceanos
(Fig. 3.9a), indicando uma diminuição na rigidez do material que deve estar parcialmente
fundido e, portanto, comportar-se plasticamente nesta parte do manto denominada
astenosfera ou “zona de baixa velocidade”. O limite inferior da astenosfera não é bem
definido, mas admite-se que pode chegar até 350Km de profundidade.
A crosta terrestre, juntamente com a parte do manto rígido acima da astenosfera
(manto litosférico), forma a camada externa mais dura e rígida da Terra, chamada
litosfera, a verdadeira casca de nosso planeta, com espessura em torno de 100 Km e
que, pode-se dizer, flutua na astenosfera pouco rígida (Fig. 3.9 b). Essa situação
possibilita que a litosfera se ajuste na astenosfera, por soerguimento ou subsidência, em
decorrência, respectivamente, de perda de massa (por exemplo erosão, degelo) ou
ganho de massa (por exemplo derrames basálticos, coberturas de gelo). Esse
mecanismo, denominado de isostasia, é baseado no princípio do equilíbrio hidrostático
de Arquimedes, pelo qual um corpo flutuante desloca uma quantidade de água
32
equivalente ao volume do corpo submerso. Existem dois tipos de litosfera (Fig. 3.9 b):
litosfera continental (crosta continental + manto litosférico) e litosfera oceânica (crosta
oceânica + manto litosférico). Admite-se que o manto superior seja constituído por rochas
ultramáficas (peridotitos) compostas por silicatos de Mg e Fe (olivinas e piroxênios),
formados em temperatura de até 3.400°C, semelhantes aos meteoritos rochosos
acondríticos, considerados como porções mantélicas de corpos diferenciados da parte
interna do sistema solar.
O limite entre o manto superior e inferior, em torno de 670 Km (Fig. 3.8 b e 3.10 a),
é marcado por uma mudança no comportamento da densidade e da velocidade das
ondas sísmicas. Até 670 Km (manto superior), tanto a densidade como a velocidade das
ondas sísmicas aumentam com a profundidade, mas de modo oscilante entre altos e
baixos (Fig. 3.10 a). A partir de 670 Km, no entanto, o aumento tanto da densidade como
das velocidades das ondas sísmicas é contínuo e linear. A velocidade das ondas P
aumentam de 10,8 para 13,8 Km/s e das ondas S de 6 para 7,3 Km/s, enquanto que a
densidade aumenta de 4,4 para 5,6 até a descontinuidade de Gutenberg, na
profundidade de 2.900 Km, limite entre o manto e o núcleo (Fig. 3.8 b e 3.10 a). Esse
comportamento é compatível com certa homogeneidade na composição litológica do
manto inferior, formado provavelmente também por rochas ultramáficas de alta pressão,
com temperaturas de até 4.000°C.
a b

Figura 3.10- Variações das velocidades das ondas P (VP) e S (VS) e densidade (ρ) no interior
da Terra, mostrando as descontinuidades entre manto superior e inferior, núcleo externo e
interno (a). Zona de sombra entre 103° e 142° de latitude, definida pela refração das ondas P
ao passar pela descontinuidade de Gutenberg, entre o manto e o núcleo externo (b).

A descontinuidade de Gutenberg é caracterizada pela interrupção das ondas S,


brusco aumento de densidade e diminuição na velocidade das ondas P que causa uma
interrupção na curva tempo-distância, definindo uma zona de sombra (Fig. 3.10a e b).
Abaixo da descontinuidade de Gutenberg, as velocidades das ondas P aumentam
progressivamente de 8,1 (em 2.900 km) até 10,4 km/s na profundidade de 5.150 km,
intervalo denominado de núcleo externo, onde as ondas S não se propagam, o que indica
o estado líquido (ou quase líquido) do material e justifica a menor velocidade das ondas
P em relação ao manto (Fig. 3.10a), apesar da maior densidade do núcleo externo (10
a 12,2), e temperatura em torno de 4.000°C. Dentro do núcleo existe um caroço central
denominado núcleo interno, caracterizado por um pequeno, porém brusco, aumento nas
velocidades das ondas P (de 10,4 para 11,0 Km/s) e na densidade (de 12,2 para 12,9),
a partir de 5.150 km, que marca a descontinuidade descoberta por I. Lehmann em 1936
(Fig. 3.8 b e 3.10 a). No núcleo interno as ondas S voltam a se propagar com velocidade
muito baixa (3,6 km/s), o que caracteriza seu estado sólido (Fig. 3.10 a). Estas

33
características de velocidades sísmicas baixas e densidades altas indicam que o núcleo
da Terra é constituído predominantemente por ferro e níquel (Nife), com densidade em
torno de 12 e temperatura acima de 4.000°C, semelhante às composições de meteoritos
sideríticos, considerados como porções de núcleos de corpos diferenciados da parte
interna do sistema solar.
3.4- CAMPOS GRAVITACIONAL DA TERRA
A gravitação é uma propriedade fundamental da matéria que se manifesta em
qualquer escala de grandeza, desde a atômica até a cósmica. No final do século 17,
Isaac Newton a definiu como uma força de atração, cuja intensidade é proporcional ao
produto das massas dos corpos e inversamente proporcional ao quadrado da distância
que os separa, de acordo com a seguinte equação:
m1 × m 2 Sendo m1 e m2 = massa dos corpos 1 e 2 respectivamente
F =G 2
Dd G = constante de gravitação universal, e d = distância entre 1 e 2
A gravidade é uma força fraca que só é perceptível em corpos de dimensão
planetária, como a Terra, que criam um campo gravitacional ao seu redor com
intensidade significativa (proporcional à sua massa) e igual em todas as direções
(isotrópico). Qualquer objeto na Terra está sujeito, portanto, à ação da força da gravidade
cuja aceleração (a g) aponta para o centro da Terra e sua intensidade depende apenas
da distância do objeto ao centro da Terra (igual ao raio da Terra, se o objeto estiver na
superfície) e da massa da Terra, conforme demonstrado a seguir:
m ×m F m × mOb mT
F = G T 2 Ob F = ag × mOb ag = m ag = G 2T ag = G 2
d Ob d ×m Ob d
Sendo mT = massa da Terra, e mOb = massa do objeto
A intensidade da força de atração gravitacional que afeta os objetos na Terra seria
igual ao valor acima se a Terra não tivesse movimento de rotação. Entretanto, como a
Terra está em rotação em torno de seu eixo, qualquer ponto de seu interior ou de sua
superfície sofre o efeito da aceleração centrífuga (ac), com direção perpendicular ao eixo
de rotação e intensidade diretamente proporcional à distância até este eixo. Desse modo,
os únicos locais onde não há aceleração centrífuga (a c = 0) são os polos geográficos da
Terra, pois estão situados sobre o eixo de rotação (distância para o eixo igual a zero).
Todos os outros pontos da Terra sofrem uma aceleração centrífuga, atingindo valores
máximos na linha do equador, onde a distância para o eixo de rotação é máxima, igual
ao raio equatorial da Terra (Fig. 3.11). Ou seja, enquanto a aceleração do campo
gravitacional (ag) possui intensidade aproximadamente constante e direção variável
(radial), a aceleração centrífuga (a c), ao contrário, possui direção constante
(perpendicular ao eixo de rotação) e intensidade variável, dependendo da latitude. A
soma vetorial da aceleração gravitacional (ag) e da aceleração centrífuga (a c) é
denominada gravidade (g), cujo intensidade é: g = ag + a c .
Tanto a direção como a intensidade de (g) variam conforme a posição sobre a
superfície terrestre. Como a intensidade da aceleração gravitacional (a g) é maior que da
aceleração centrífuga (ac) e os dois vetores componentes possuem sentidos opostos, a
somatória deles será igual à diferença entre os módulos de (a g) e (a c), cuja resultante
(g) é normalmente menor que (a g). Os polos geográficos são os únicos pontos da
superfície terrestre onde a gravidade ( ) aponta para o centro da Terra, com intensidade
igual a aceleração gravitacional ( = a g), já que nestes pontos a componente centrífuga
é nula (a c = 0) e possui valor máximo. A intensidade de ( ) diminui dos polos em direção
ao Equador, onde atinge o valor mínimo, acompanhando o aumento gradual da

34
intensidade de ac em direção ao Equador. Fora dos polos a gravidade (g) não aponta
para o centro da Terra (Fig. 3.11). Se a velocidade de rotação da Terra fosse aumentada
a ponto de ac ficar maior que ag ( negativa), poderíamos ser atirados para fora da Terra.
Raio equatorial
6.378 Km (RE)

g
ac
g
ag Raio polar g
g
6.357 Km
(RP)

Figura 3.11- Gravidade terrestre (g)


igual à soma da aceleração da
gravidade (ag) com a aceleração
centrífuga (ac) g = ag + ac

O valor médio da gravidade ( ) na superfície terrestre é aproximadamente


9,80 m/s2 ou 980 Gal (Galileu = 1cm/s2), com uma diferença de 5,3 Gal entre o valor
mínimo (no equador) e o valor máximo (nos polos), o que representa uma variação
pequena, em torno de 0,5 %. Esta situação (gravidade máxima nos polos e mínima no
equador) explica porque um objeto é levemente mais pesado nas maiores latitudes que
nas latitudes baixas, tendo peso máximo nos polos e mínimo no equador. Explica
também a razão do achatamento da Terra nos polos, pois o efeito maior da gravidade
polar ao longo da história geológica da Terra, resultou em um raio polar menor (RP =
6.357 km) que o raio equatorial (RE = 6.378 km), com uma diferença de 21 km. O grau de
achatamento da Terra (f) é pequeno e pode ser medido pela seguinte relação:
RE 1 RE – RP , 6378 – 6357
f= onde f = = 0,0033 f = 0,003 (0,3%)
(R E – R P) f DR E 6378
O campo gravitacional da Terra associa, portanto, a cada ponto da sua superfície
um vetor de aceleração da gravidade (g), caracterizado por sua intensidade (módulo de
) e sua direção denominada vertical. O campo da geofísica que estuda a gravidade é
denominado gravimetria e gravímetros são equipamentos que medem a gravidade.
Denomina-se anomalia gravimétrica um valor da gravidade diferente (maior ou menor)
do valor esperado de um determinado ponto ou área da superfície terrestre, denominado
background. Anomalias gravimétricas negativas são causadas por rochas com
densidade relativamente baixa em contato com rochas de maior densidade existentes no
substrato. Por exemplo, cadeias de montanhas, com raízes profundas, constituídas por
rochas com densidade relativamente baixa, ou corpos rochosos intrusivos de baixa
densidade, como domos de sal (Fig. 3.12 a). As anomalias gravimétricas positivas são
causadas pela presença de materiais com densidade relativamente alta, na superfície ou
em profundidade como, por exemplo, rochas máficas (mais densas) em contato com
rochas sedimentares (Fig. 3.12 b). Depósitos de minerais metálicos de alta densidade,
em subsuperfície, também produzem anomalias gravimétricas positivas e podem ser
localizados através de levantamentos gravimétricos de detalhe.
35
a b

Anomalia negativa
de gravidade

Figura 3.12- Anomalias gravimétricas: negativa, causada pelo granito Tourão, no Rio Grande
do Norte (a) e positiva, causada pelas rochas basálticas da bacia do Paraná (b).

3.5- CAMPO MAGNÉTICO DA TERRA


A bússola, como instrumento de orientação, já era utilizada pelos chineses por
volta de 1.100 DC, a quem é atribuída a descoberta do magnetismo terrestre. Mas foi
somente no século seguinte, em 1.269, que o francês Pierre Pelerin de Maricourt realizou
as primeiras investigações científicas sobre o magnetismo. Maricourt observou que
aproximando pequenos ímãs a uma amostra esférica de magnetita (óxido de ferro
magnético), eles orientavam-se segundo linhas que circundavam a esfera e
interceptavam-se em dois pontos opostos, da mesma forma que as linhas de longitude
interceptam-se nos polos geográficos do Terra. Por analogia, Maricourt denominou os
dois pontos de polos magnéticos. O inglês William Gilbert reconheceu que o campo
magnético terrestre é semelhante à de uma esfera de magnetita com campo dipolar,
como o de um ímã de barra denominado de dipolo, e reuniu todo o conhecimento da
época sobre o magnetismo na obra De Magnete, publicada em 1.600. Entretanto,
medidas sistemáticas da intensidade do campo geomagnético começaram a ser obtidas
somente a partir de 1838, pelo físico alemão Carl Friedrich Gauss que concluiu que 95 %
do campo magnético terrestre origina-se no interior do planeta e somente uma pequena
parte restante provém de fontes externas.
A partir dos trabalhos de Gilbert, pode-se
imaginar a Terra como uma esfera uniformemente
magnetizada, no centro da qual existe um dipolo
com linhas de força que emergem do polo sul para
o polo norte (Fig. 3.13). Os polos magnéticos da
Terra estão localizados aproximadamente a 78°N
104° W (polo norte) e 65°S 139°E (polo sul) e,
portanto, não são diametralmente simétricos. Por
esta razão o eixo do dipolo magnético terrestre está
deslocado 490 km do centro da Terra e faz um
ângulo de 11,5° com o eixo de rotação da Terra,
sendo denominado de dipolo excêntrico.
Figura 3.13- Campo magnético dipolar da Terra, com linhas de força do polo sul para o polo
norte, cujo eixo faz um ângulo de 11,5º com o eixo de rotação do planeta.
36
Como o eixo magnético e o eixo de rotação da Terra não são coincidentes e nem
paralelos, a agulha de uma bússola não aponta diretamente para o norte geográfico,
fazendo normalmente um ângulo com a direção norte-sul, denominado declinação
magnética, fato que já era conhecido dos grandes navegadores desde o século 16. O
valor da declinação magnética (D) depende do local do observador em relação aos polos
geográfico e magnético e varia também com o tempo. A única situação na qual a agulha
da bússola aponta diretamente para o norte geográfico é quando não há declinação
magnética (D = 0), o que somente ocorre quando o ponto de observação está alinhado
no mesmo meridiano com os polos geográfico e magnético (Fig. 3.14). Se a agulha da
bússola desvia para leste (à direita) do norte geográfico, a declinação é considerada
positiva e se desvia para oeste (à esquerda), a declinação é negativa (Fig. 3.14).
Como a agulha da bússola acompanha as linhas de força do campo magnético
terrestre, ela normalmente não se mantém em posição horizontal, de tal forma que a
extremidade norte da agulha inclina-se para baixo no hemisfério norte e para cima no
hemisfério sul. O ângulo que a agulha faz com o plano horizontal é chamado de
inclinação magnética (Fig. 3.15). A inclinação magnética (I) varia de zero no equador
magnético, onde as linhas de força são paralelas à superfície, a 90° nos polos
magnéticos, onde as linhas de força são verticais.

cuja agulha sempre


aponta para o NM
Figura 3.14- Posição do polo norte geográfico (N) e do polo norte magnético (NM), mostrando
uma situação sem declinação magnética (D = 0, ponto 1), no centro da faixa de latitudes
destacada (cinza), duas situações de declinação positiva (direção do NM a leste de N, pontos 2
e 3) e duas situações de declinação negativa (direção do NM a oeste de N, pontos 4 e 5).

Figura 3.15- Representação vetorial do campo


geomagnético (vetor F), mostrando as componentes
horizontal (FH) e vertical (FV), a declinação (D) e
inclinação (I) magnéticas.
F = FH + FV
F = (FH + FV )½ FH = (x 2 + y 2)½
2 2

F = (x 2 + y 2 + FV )½
2

tgD = y/x D = arctg(y/x)


tgI = FV /FH I = arctg(FV /FH)

37
O campo magnético terrestre pode ser representado como um vetor, cuja direção
e intensidade variam no espaço e no tempo (Fig. 3.15). A direção do campo magnético
é definida pela declinação (D) e inclinação (I) magnéticas e sua intensidade corresponde
ao módulo do vetor F, cujas componentes horizontal e vertical são respectivamente FH e
FV. A tangente da declinação magnética (D) pode ser determinada pela relação das
projeções da componente horizontal (FH) nas direções N-S ( ) e E-W ( ), ou seja,
tgD = y/x (Fig. 3.15). Por outro lado, a tangente da Inclinação magnética (I) pode ser
determinada pela relação das componentes vertical (FV) e horizontal (FH), ou seja,
tgI = FV /FH (Fig. 3.15). No equador magnético, onde I = 0, a componente vertical do
campo magnético é zero (FV = 0) e, portanto, F = FH, ao passo que nos polos magnéticos,
onde I = 90°, a componente horizontal é zero (FH = 0) e, portanto, F = FV.
A intensidade do campo geomagnético é baixa e varia com a localização
geográfica, sendo mínima próxima do equador magnético e aumenta em direção aos
polos magnéticos, atingindo 60.000 nT no polo magnético norte e 70.000 nT no polo
magnético sul, sendo Tesla (T) uma unidade de campo magnético e 1 nano Tesla
(nT) = 10‾ 9 T. Além disso, a intensidade do campo magnético também varia lentamente
com o tempo (variações seculares), cuja origem está relacionada aos processos
geradores do campo geomagnético no núcleo da Terra. Os polos magnéticos se
deslocam a uma velocidade média de 0,2° por ano ao redor dos polos geográficos,
percorrendo uma trajetória irregular, porém normalmente sem se afastar mais do que 30°
do polo geográfico e levam milhares de anos para dar uma volta completa de 360° ao
redor dos polos geográficos. Desse modo, tanto a declinação como a inclinação
magnética de um local varia continuamente com o tempo, aumentando ou diminuindo.
Como a declinação define a direção do campo magnético na superfície terrestre há
necessidade de correção deste valor a cada 5 anos aproximadamente.
Apesar de fraco, o campo geomagnético, denominado magnetosfera, ocupa um
volume muito grande, com suas linhas de força estendendo-se a distâncias 10 a 13 vezes
o raio da Terra. A magnetosfera exibe uma forma assimétrica em relação à Terra,
assemelhando-se a uma gota com cauda comprida (Fig. 3.16), como consequência
principalmente do movimento de partículas emitidas pelo Sol (núcleo de átomos,
sobretudo H e elétrons), denominado vento solar que flui a uma velocidade de 300 a
500 km/s. Próximo à Terra, o vento solar comprime o campo geomagnético no lado
iluminado pelo Sol, de tal modo que no lado não iluminado (noite) as linhas de força não
sofrem pressão do vento solar e estendem-se a distâncias maiores que 2.000 vezes o
raio da Terra, alcançando a lua.
O campo geomagnético exerce um papel importante de blindagem ao vento e
erupções solares, impedindo que as partículas mais energéticas atinjam a superfície
terrestre, causando danos à biosfera. Entretanto, nas regiões polares as partículas e
radiações solares penetram facilmente até a atmosfera superior (ionosfera inferior),
conduzidas pelas próprias linhas de força posicionadas verticalmente à superfície da
Terra. A ionosfera, por ser eletricamente condutora, é utilizada na radiocomunicação.
Quando esta parte da atmosfera é invadida por um fluxo de radiação solar mais intenso
(tempestades magnéticas) pode provocar interrupções ou interferências na comunicação
de rádio. Uma tempestade magnética ocorre em geral um dia após o aparecimento das
chamas solares (grandes emissões luminosas na região mais externa do Sol). Um dos
fenômenos luminosos mais intensos e fascinantes no céu, denominado de aurora boreal
e austral, observado nas regiões polares norte e sul respectivamente, pode ocorrer
durante uma tempestade magnética. A aurora aparece como uma cortina luminosa de
cor esverdeada ou rósea, com a borda inferior a cerca de 100 km de altura e a superior
em torno de 1.000 km (Fig. 3.17).

38
Figura 3.16- Representação esquemática da
magnetosfera e a ação do vento solar sobre Figura 3.17- Fotografia de uma aurora boreal.
as linhas de força do campo geomagnético.

A distribuição do campo geomagnético sobre a superfície da Terra pode ser


observada em cartas isomagnéticas, ou seja, mapas com linhas que unem pontos com
o mesmo valor de um determinado parâmetro magnético, como a intensidade do campo
geomagnético (Fig. 3.18) ou a declinação magnética. Em escala global, essas cartas
geomagnéticas não mostram relação alguma com as principais feições geológicas e
geográficas do planeta, como continentes, oceanos, cadeias de montanhas, indicando
que a origem do campo geomagnético deve necessariamente ser profunda. Se o campo
magnético terrestre fosse um simples dipolo geocêntrico, as linhas de mesmo valor de
intensidade total seriam paralelas ao equador magnético do dipolo que se tornariam
progressivamente mais curvas ao aproximar-se dos polos. Entretanto, no mapa da
intensidade do campo geomagnético (Fig. 3.18) observa-se linhas com curvatura
variável, indicando que o campo magnético terrestre é mais complexo que o campo de
um dipolo geocêntrico perfeito. Essas variações na curvatura das linhas geomagnéticas
são devidas a valores anormais do campo geomagnético, denominados de anomalias
geomagnéticas.

Figura 3.18- Mapa de intensidade total do campo geomagnético em milhares de nT.

39
As anomalias magnéticas são evidenciadas normalmente em cartas
geomagnéticas mais detalhadas que podem mostrar valores diferentes da média da
região (background), podendo ser acima (anomalia positiva) ou abaixo (anomalia
negativa) do background (Fig. 3.19). Anomalias positivas podem estar relacionadas a
concentrações de minerais magnéticos em rochas, como jazidas de ferro, ou correntes
elétricas fracas na crosta ou nos oceanos. A busca e interpretação de anomalias
magnéticas são a base do método magnético em prospecção geofísica.

Figura 3.19- Anomalia magnética positiva


de intensidade total do campo
geomagnético, gerada por concentração de
minerais magnéticos em corpo ígneo na
região de Juquiá-SP.

As características do campo geomagnético descritas acima indicam que sua


origem é profunda, mas o que poderia causar esse magnetismo? Os dados sísmicos do
interior da Terra combinados com as hipóteses da origem do sistema solar indicam a
existência de um núcleo metálico, composto de ferro e níquel, com raio de 3.470 km
(tamanho aproximado do planeta Marte), constituído de um núcleo interno sólido, com
raio de 1.220 km, e um núcleo externo fluido. Embora não haja divergência quanto ao
estado dinâmico do núcleo externo e que esse movimento gera corrente elétrica que, por
sua vez, induz um campo magnético, sua fonte de energia e como esse movimento pode
gerar um campo magnético, estão ainda em discussão. Entretanto, a maioria dos autores
converge para uma hipótese pela qual o núcleo atua como uma espécie de dínamo
autossustentável, capaz de converter energia mecânica em energia elétrica, sustentada
pela combinação de dados teóricos e experimentais e sugerida inicialmente por Bullard
e Elsasser no início da década de 1950 do século passado. O dínamo magnético da
Terra pode ter sido induzido por um campo magnético externo, como o próprio campo
do sistema solar, após o que continuou produzindo o seu próprio campo magnético sem
suprimento de energia externa.
As diferenças de temperatura do núcleo fluido, entre o seu interior, próximo do
núcleo interno (maiores temperaturas), e a sua periferia, próximo do manto (menores
temperaturas), provoca movimento de convecção de fases menos densas profundas
para a periferia mais fria do núcleo. Além disso, o movimento de rotação da Terra provoca
uma força no fluido do núcleo (força de Coriolis) com direção perpendicular ao seu
movimento convectivo. A combinação entre o movimento convectivo e a força de coriolis
resulta em um movimento espiral autossustentável do material fluido e condutor do
núcleo, em direção a sua periferia (Fig. 3.20), que gera um campo magnético dipolar cujo
eixo é aproximadamente paralelo ao eixo de rotação da Terra.
Os dados obtidos do campo geomagnético atual da Terra remontam apenas há
alguns séculos atrás que é um intervalo de tempo muito curto em relação à história
geológica da Terra. Como obter, então, dados sobre o campo geomagnético passado da
Terra? Terá ele tido sempre o mesmo padrão do atual? Terá ele sempre existido?
Questões como essas só puderam ser respondidas a partir da metade do século passado
quando se verificou que a história magnética da Terra não se perde completamente, pois
fica registrada como um magnetismo fóssil nas rochas. Alguns minerais magnéticos de
40
ferro se alinham ao campo magnético terrestre no momento de sua cristalização
juntamente com a rocha que os contém. A magnetita (Fe3O4) e a pirrotita (Fe1˗ xS) são
minerais magnéticos naturais, enquanto que a hematita (Fe2O3) e ilmenita (FeTiO3) são
minerais originalmente não magnéticos que são magnetizados permanentemente pelo
campo geomagnético, sendo que todos eles se alinham ao campo magnético terrestre.
A intensidade da magnetização das rochas é normalmente fraca, mas fica preservada
ao longo do tempo como uma magnetização remanescente, mesmo que a rocha sofra
transformações e deformações após a sua formação. Além disso, eventuais mudanças
futuras no campo geomagnético não mais afetarão o alinhamento dos minerais
magnéticos que foram cristalizados na época de formação da rocha.

Figura 3.20- Movimento do fluido


condutor do núcleo externo e geração do
campo magnético dipolar, indicado pelas
linhas de força, com o eixo quase
paralelo ao eixo de rotação da Terra.

A intensidade e a direção da
magnetização remanescente das rochas são
determinadas por instrumentos sensíveis
(magnetômetros) para tentar reconstruir o
passado magnético da Terra, campo de
estudo da geofísica denominado
paleomagnetismo. Com a determinação da
declinação e inclinação magnéticas
remanescentes de uma rocha pode-se
determinar a posição do polo magnético
correspondente (Fig. 3.21)

Figura 3.21- Vetor do campo magnético de uma


rocha (seta), definido pelos ângulos de
declinação (D) e inclinação (I) e a posição do
polo paleomagnético (P) correspondente.

As pesquisas paleomagnéticas indicam que a Terra tem mantido um campo


magnético significativo há pelos menos 2,7 bilhões de anos. Entretanto, os dados
paleomagnéticos associados com datações radiométricas das rochas indicam
claramente que houve no passado vários períodos com polaridade magnética inversa à
do campo geomagnético atual, ou seja, com linhas de força que emergem do polo norte
e convergem para o polo sul. Para se interpretar que as inversões da polaridade
magnética em algumas rochas estejam refletindo a inversão da polaridade geomagnética
do planeta e não alguma especificidade daquelas rochas, as inversões teriam que ser
confirmadas nas rochas de todos os continentes. Dados paleomagnéticos sistemáticos
41
de várias regiões da Terra, obtidos na década de 1960, permitiram elaborar uma escala
com os dados normais e inversos destas regiões, confirmando as inversões de
polaridade geomagnética do planeta (Fig. 3.22). Estes dados mostram que o campo
geomagnético permanece com uma determinada polaridade durante intervalos variáveis,
em torno de 100 mil a 10 milhões de anos, e para completar uma transição de polaridade
são necessários 1.000 a 10.000 anos.

a b

Figura 3.22- Escala de inversões da polaridade do campo geomagnético


nos últimos 80 milhões de anos (a). À direita, detalhe da coluna,
mostrando épocas de polaridade normal ou inversa ocorridas nos
últimos 4,5 milhões de anos que receberam nomes especiais (b). Faixas
escuras representam polaridade normal e faixas claras polaridade
inversa. Notar que a polaridade normal atual já dura 700 mil anos.

O paleomagnetismo contribuiu não só para a reconstituição da história do campo


magnético da Terra, como também para a retomada das ideias sobre a deriva
continental, formuladas pelo geólogo americano Frank B. Taylor e pelo meteorologista
alemão Alfred L. Wegner, no início do século 20, e só reconsiderada 40 anos depois
apoiada pelas evidências geofísicas, tais como dados sísmicos do interior da terra, dados
paleomagnéticos e datações geocronológicas das rochas basálticas do fundo dos
oceanos.

42
4.1- INTRODUÇÃO: A teoria da deriva continental
Apesar da aparente quietude que normalmente sentimos, a Terra é um planeta
dinâmico. Se fosse fotografada do espaço a cada século, desde a sua formação, para
formar um filme, o que veríamos seria um planeta azul com seus continentes se
movimentando, ora colidindo, ora se afastando entre si, em uma espécie de dança dos
continentes. As ideias de que os continentes nem sempre estiveram onde estão
nasceram quando surgiram os primeiros mapas das linhas das costas atlânticas da
América do Sul e África. Em 1.620, o filósofo inglês Francis Bacon foi o pioneiro em
considerar a hipótese de que a América do Sul e África estiveram unidas no passado,
com base no quase perfeito encaixe entre suas linhas de costa.
No início do século 20, o mundo científico foi surpreendido pelas ideias sobre a
movimentação dos continentes, apresentadas independentemente pelo geólogo
americano Frank. B. Taylor, em 1908, e pelo meteorologista alemão Alfred L. Wegner,
em 1912. Ideias semelhantes já tinham sido defendidas anteriormente por outros
cientistas, como Franklin Coxworthy (entre 1848 e 1890), Roberto Mantovani (entre 1889
e 1909) e William Henry Pickering (1907). Entretanto, foi Alfred Wegner quem
estabeleceu, com bases mais científicas, a teoria da deriva continental, segundo a qual
todos os continentes estiveram unidos no passado, formando um único supercontinente,
denominado de Pangeia (Pan significa todo e Geia Terra, em grego). Poucas ideias no
meio científico foram tão fantásticas e impactantes como essa. De acordo com a teoria
de Wegner, a fragmentação da Pangeia começou por volta de 220 milhões de anos (Ma)
atrás, no período Triássico, quando a Terra era habitada por dinossauros, e teria
prosseguido até o presente tempo. A Pangeia teria iniciado sua fragmentação dividindo-
se em dois continentes, a Laurásia, no hemisfério norte, e a Gondwana, no hemisfério
sul, que ficaram separados pelo mar de Tethys (Fig. 4.1).

Figura 4.1- Pangeia e sua divisão em dois


continentes, Laurásia (à norte) e Gondwana
(à sul), separados pelo mar de Tethys,
segundo a teoria da deriva continental,
apresentada por Alfred Wegner, em 1912.

Para fundamentar sua teoria, Wegner procurou evidências que a comprovassem,


além da coincidência entre as linhas de costa atuais dos continentes. Ele identificou
algumas feições geomorfológicas, como a cadeia de montanha da Serra do Cabo, na
África do Sul, de direção E-W, que seria a continuação da Sierra de La Ventana, na
Argentina, com mesma direção, e um planalto na Costa do Marfim, na África, que teria
continuidade no Brasil. Nessas rochas havia também semelhanças litológicas e
paleontológicas (Fig. 4.2). Identificou fósseis da flora glossopteris (um tipo de arbusto) e
do réptil mesosaurus em regiões da África e Brasil que se correlacionam perfeitamente
quando se unem os dois continentes. Evidências de glaciação (rochas sedimentares
glaciais com estrias que indicam o movimento das geleiras), de idade em torno de
300 Ma, na região sudeste do Brasil, sul da África, Índia, oeste da Austrália e Antártica,
estariam indicando uma glaciação extensa, afetando grande parte do hemisfério sul, sem
evidências semelhantes no hemisfério norte, um aparente paradoxo climático. A ideia da
existência de um supercontinente, há cerca de 300 Ma, oferece uma melhor explicação
para os registros de glaciação, pois neste caso as regiões glaciais estariam localizadas
em uma calota polar no sul do planeta, tal como ocorre atualmente (Fig. 4.3).

43
Figura 4.2 - Correlações geológicas de
unidades litológicas e morfológicas antigas
(pré-separação da Pangeia) entre América do
Norte e Europa e entre América do Sul e
África, reconhecidas por Wegner.

a b
Figura 4.3- Distribuição atual das evidências geológicas de existência de geleiras há 300 Ma,
mostrando a direção de movimento das geleiras (setas), com base nas estrias (a). Ensaio de
como seria a distribuição das geleiras se os continentes estivessem unidos, mostrando que elas
estariam reunidas em uma calota polar no hemisfério sul (b).

Em 1915, Wegner reuniu todas as evidências que encontrou para justificar a teoria
da deriva continental em um livro denominado “A origem dos continentes e oceanos”.
Wegner influenciou muitos cientistas com a sua teoria, mas não conseguiu responder
questões fundamentais formuladas principalmente pelos geofísicos, como, por exemplo:
Que forças seriam capazes de mover os imensos blocos continentais? Como uma crosta
continental rígida deslizaria sobre outra crosta rígida, como a oceânica, sem que fossem
fragmentadas pelo atrito? Naquela época a astenosfera plástica, sob a crosta
continental, ainda não era conhecida, o que impediu Wegner de explicar e justificar
fisicamente sua teoria que não obteve respaldo de grande parte do meio científico. Após
a morte de Wegner, em 1930, a teoria da deriva continental caiu no esquecimento, só
sendo retomada na década de 1950, com novos dados sobre o fundo dos oceanos.

44
4.2- TEORIA DA TECTÔNICA DE PLACAS
Ao contrário do que muitos cientistas imaginavam, a chave para explicar a
dinâmica da Terra não se encontrava nas rochas continentais, mas sim no fundo dos
oceanos. Na década de 1940, devido as necessidades militares de localizar submarinos
durante a segunda guerra mundial, foram desenvolvidos equipamentos, como os
sonares, para mapear detalhadamente o relevo do fundo oceânico. Os mapas revelaram
um relevo muito acidentado, com cadeias de montanhas, fossas e fendas muito
profundas, bem diferente da planície monótona com alguns picos e planaltos isolados
que se imaginava para o fundo dos mares.
No final da década de 1940, pesquisadores das universidades de Columbia e
Princeton (EUA) iniciaram o trabalho de mapeamento do fundo do oceano Atlântico com
sonares mais sofisticados e coletas de amostras. A conclusão do trabalho, já na década
de 1950, revelou uma enorme cadeia de montanha submarina, denominada dorsal ou
cadeia meso-oceânica, que estende-se continuamente, ao longo da parte central do
oceano Atlântico, por 84.000 Km, com largura média de 1.000 Km (Fig. 4.4). Foi
constatado que a cadeia meso-oceânica é uma zona de forte atividade sísmica e
vulcânica, com fluxo térmico mais elevado que nas rochas adjacentes da crosta
oceânica. No eixo central desta cadeia de montanha foram identificados vales, com 1 a
3 Km de profundidade, associados a sistemas de riftes, indicando um regime de forças
distensivas. A dorsal meso-oceânica divide a crosta submarina em duas partes (à leste
e à oeste da dorsal), praticamente acompanhando a direção das linhas de costas da
América (à oeste) e da África e Europa (à leste). Desse modo, o eixo central da dorsal
meso-oceânica poderia representar a ruptura ou a cicatriz produzida durante a
separação dos continentes (Fig. 4.4).

Figura 4.4- Dorsal


Mesoatlântica que divide
o oceano Atlântico em
duas partes (leste e
oeste). Pontos pretos
são focos de terremotos.

45
O advento dos métodos geocronológicos de datação absoluta, no final da década
de 1950, mostrou que, novamente, ao contrário do se imaginava, a crosta oceânica não
era constituída pelas rochas mais antigas do planeta, mas, ao contrário, é formada por
rochas muito jovens (até 200 Ma). A distribuição das idades revelou um padrão no qual
faixas de rochas de mesma idade situam-se simetricamente nos dois lados da dorsal
meso-oceânica, com as idades mais jovens mais próximas à dorsal (Fig. 4.5).

Figura 4.5- Distribuição das idades geocronológicas das rochas do fundo do oceano Atlântico
norte, mostrando as idades mais jovens próximas à dorsal meso-oceânica (linha vermelha).

Estudos de paleomagnetismo das rochas também contribuíram para uma melhor


compreensão da dinâmica da crosta continental. Se os continentes não se movem,
rochas da mesma idade de qualquer parte do planeta, teoricamente, devem indicar a
mesma localização para os polos magnéticos. Entretanto, a magnetização remanescente
de rochas antigas de mesma idade, provenientes de continentes distintos, indicam
frequentemente polos magnéticos diferentes. Como só existem dois polos (norte e sul),
a melhor intepretação para estes dados paleomagnéticos é que os continentes devem
ter se movido em relação aos outros e em relação aos polos magnéticos, ou seja, os
polos foram obtidos em rochas que modificaram de posição e, portanto, não
correspondem à verdadeira posição dos polos paleomagnéticos na época de formação
das respectivas rochas. As mudanças de posição dos polos magnéticos terrestre ao
longo do tempo são obtidas por meio de dados paleomagnéticos em diferentes
continentes e em períodos geológicos consecutivos. As posições dos polos em cada
período são interligadas para obter a curva de deriva polar (Fig. 4.6). Por exemplo, as
curvas de deriva polar para a América do Sul e África indicam que até 200 Ma atrás os
dois continentes estavam unidos e começaram a divergir entre 200 e 130 Ma. Ou seja, a
deriva polar, na verdade, estaria indicando movimentos relativos e divergentes entre os
dois continentes e não a movimentação do eixo polar magnético.
As pesquisas paleomagnéticas nas rochas da crosta oceânica feitas por navios
oceanográficos revelaram um padrão de anomalias magnéticas lineares, diferente de
qualquer padrão conhecido nos continentes, formado por faixas alternadas de polaridade
normal e inversa, dispostas simetricamente em relação à cadeia meso-oceânica que
ficou conhecido como padrão zebrado (Fig. 4.7). Vine & Mathews propuseram, em 1963,
que o padrão zebrado era consequência da expansão do assoalho oceânico e das
reversões de polaridade do campo geomagnético que teriam ocorrido durante o processo
de expansão. O material basáltico fundido que forma a crosta oceânica ascende do
manto através da cadeia meso-oceânica e quando cristaliza no fundo do oceano registra
a polaridade geomagnética nos minerais magnéticos na época da cristalização da rocha.
Com a continuidade da erupção vulcânica submarina, a rocha já cristalizada é empurrada
pela ascensão de nova erupção basáltico, afastando-a da cadeia meso-oceânica e,
desse modo, as inversões de polaridade magnética que ocorrem durante a expansão do
assoalho oceânico ficam registradas na rocha basáltica, formando o padrão zebrado.

46
a

b
Figura 4.6- Curvas de deriva polar para a América do Sul e África (a). Justaposição das duas
curvas indicando a divergência entre elas a partir de 200 milhões de anos atrás (b).

a b

Figura 4.7- Padrão zebrado de anomalias magnéticas dos


basaltos oceânicos, formado por faixas alternadas de
polaridade normal e inversa (a) e sua relação com a
expansão do assoalho oceânico (b).
Essas novas informações sobre a crosta oceânica, sobretudo os dados
geocronológicos e paleomagnéticos das rochas basálticos do fundo dos oceanos
(padrão zebrado), foram consideradas, por grande parte dos geofísicos, como evidências
suficientes em favor de um processo de expansão do assoalho oceânico que favorecia
a teoria da deriva continental defendida por Wegner no começo do século 20.
No começo da década de 1960, Harry Hass da universidade de Princeton (EUA)
fundamentou a hipótese da expansão do assoalho oceânico, com base nos dados
geológicos e geofísicos disponíveis sobre a crosta oceânica, publicado em 1962, no livro
History of Ocean basins. Hess propôs que a expansão do assoalho oceânico estaria
relacionada a correntes de convecção no manto superior da Terra, mais precisamente
na astenosfera (Fig. 4.8), uma camada pouco rígida abaixo da litosfera, com até 250 Km
de espessura (entre 100 e 350 Km de profundidade). Esse mecanismo de convecção é
evidenciado pelo alto fluxo de calor emanado das fendas centrais da dorsal que
provocaria ascensão de material magmático mais quente e, portanto, menos denso, da
parte inferior da astenosfera. Ao atingir a superfície, parte desse material magmático
extravasa pelas fendas centrais da dorsal, resfria em contato com a água do mar e
consolida-se como rocha basáltica. A parte desse magma resfriado que não se consolida
retorna para a parte inferior da astenosfera, por ser mais densa, alimentando a corrente
de convecção que se torna autossustentável (Fig. 4.8). De acordo com o modelo de
Hess, a rocha basáltica que se forma na dorsal se movimenta lateralmente, se afastando
do eixo da dorsal. As fendas existentes na crista da dorsal não crescem porque o espaço
deixado pelo material que saiu para formar a nova crosta oceânica é preenchido

47
continuamente pela chegada de novas erupções de lavas basálticas, formando um novo
assoalho oceânico que se expande com a continuidade do processo. Desse modo, a
força motriz da expansão do fundo oceânico e da deriva continental seriam as correntes
de convecção mantélicas.

Astenosfera

Figura 4.8- Correntes de convecção, de acordo com o modelo de Hess (1963), que atuam sob
as dorsais meso-oceânicas.

O modelo de Hess, portanto, oferecia uma explicação física aceitável tanto para a
expansão do assoalho oceânico como para a deriva continental. Nesse processo, os
continentes viajariam como passageiros, como parte de uma placa litosférica, como se
estivesse sendo levado por uma esteira rolante (a astenosfera). A geração contínua de
crosta oceânica deveria implicar na existência de outros locais onde deveria haver
consumo e destruição de crosta oceânica, caso contrário a Terra se expandiria
continuamente, o que sabemos não ser possível. Esses locais onde ocorre destruição
de crosta oceânica são denominados de zonas de subducção. Nessas zonas, a crosta
oceânica mais antiga mergulha de volta para o interior da Terra, por ser mais densa, até
atingir condições de temperatura e pressão suficientes para sofrer fusão e ser
incorporada novamente ao manto superior.
Os mecanismos de expansão do assoalho oceânico e da deriva continental fazem
parte do mesmo processo, cuja fundamentação passou a denominar-se teoria da
tectônica global ou tectônica de placas, pois o que se movimenta nesse mecanismo
são placas litosféricas ou tectônicas que são fragmentos ou pedaços da litosfera que se
movem sobre a astenosfera. A espessura da litosfera é muito variada, sendo, porém,
mais espessa sob os continentes (litosfera continental), variando entre 130 e 150 Km (30
a 50 Km de crosta + 100 Km de manto). A espessura da litosfera oceânica varia de 50 a
100 Km, maior parte pertencente ao manto (apenas 5 a 7 Km de crosta). Entretanto, a
espessura da parte mantélica da litosfera oceânica diminui progressivamente em direção
à dorsal, até praticamente desaparecer sob o eixo da dorsal, onde a espessura da
litosfera iguala-se à da crosta oceânica. A litosfera é compartimentada, por falhas e
fraturas profundas, em 13 placas tectônicas maiores e mais algumas placas menores,
cuja distribuição geográfica é mostrada na figura 4.9.
O limite inferior da litosfera é marcado pela astenosfera, uma parte do manto
superior, com espessura em torno de 150Km, que é plástica ou pouco rígida, onde as
temperaturas alcançam valores próximos do ponto de fusão das rochas. O limite superior
da astenosfera (com a litosfera) situa-se em torno de 100Km de profundidade, mas seu
limite inferior não é bem definido, admitindo-se situar-se em torno de 250Km, podendo
chegar até 350Km de profundidade. O estado plástico da astenosfera permite que a
litosfera, mais rígida, deslize sobre ela, tornando possível o deslocamento lateral das
placas tectônicas e a deriva continental. As placas tectônicas são principalmente de dois
tipos: oceânica, como a placa de Naska, e as placas constituídas por crosta continental
e oceânica, como as placas Sul-Americana, Africana e Norte Americana. A placa Pacífica

48
é quase totalmente oceânica, mas inclui uma pequena parte da Califórnia, onde fica a
cidade de Los Angeles (Fig. 4.9 e 4.10).

Figura 4.9- Distribuição geográfica das principais placas tectônicas da Terra. Os números
representam as velocidades de movimento entre as placas em cm/ano e as setas as direções
dos movimentos.

Figura 4.10- Placa


Pacífica, limitada pelo
círculo de fogo, formado
por focos de terremotos
(pontos pretos) e
vulcões (círculos
vermelhos) na borda da
placa.

Os limites das placas tectônicas podem ser de três tipos, correspondendo a três
regimes tectônicos seguintes:
1) : caracterizados pelas dorsais meso-oceânicas, onde
predominam esforços distensivos que provocam afastamento entre as placas
tectônicas com limites divergentes e formação de nova crosta oceânica, como as
dorsais do Atlântico, Sudoeste Indiano e do Pacífico Leste (Fig. 4.9).

49
2) : onde predominam esforços compressivos que provocam a
colisão entre as placas convergentes, com a mais densa mergulhando sob a outra,
gerando uma zona de intenso magmatismo, denominada zona de subducção, com
fusão parcial da crosta subductada que passa a ser consumida. Por exemplo, as
zonas de subducção da placa Nazca sob a Sul-Americana e das placa Pacífica sob a
Norte-Americana, na costa oeste da América do Sul e do Norte (Fig. 4.9).
3) : onde as placas tectônicas se movimentam
lateralmente, uma em reação à outra, ao longo de falhas denominadas
transformantes, sem destruição ou geração de crosta. Por exemplo, a falha Santo
André na costa SW dos EUA, onda a placa Pacífica se desloca para norte em relação
à placa Norte-Americana (Fig. 4.9).
São nesses limites de placas onde se concentram as atividades geológicas mais
intensas do planeta, como terremotos, magmatismo e orogênese. Processos
magmáticos também ocorrem no interior das placas, mas em menor intensidade e
natureza diferente.
Existe considerável consenso no meio científico de que o motor que move as
placas tectônicas são as correntes de convecção da astenosfera, onde as temperaturas
estão próximas do ponto de fusão das rochas. Mas como essas correntes começam o
movimento? Elas têm força suficiente para movimentar placas litosféricas gigantescas?
Essas são questões mais complexas para responder. Entretanto, imagina-se que as
dorsais meso-oceânicas estão sobre anomalias térmicas da astenosfera, onde as rochas
atingem seus pontos de fusão, gerando magma que, por ser menos denso, ascende até
a superfície, enquanto o material mais afastado e mais frio (mais denso) tende a descer
para ocupar o lugar do magma que subiu, iniciando as correntes de convecção proposta
por Hess. Desse modo, as forças tectônicas que movimentam as placas litosféricas e
provocam a expansão do assoalho oceânico teriam sua origem nas correntes de
convecção da astenosfera. A litosfera e a astenosfera estão intrinsicamente ligadas, ou
seja, quando a astenosfera se move a litosfera também se move.
As correntes de convecção teriam força suficiente para movimentar as placas
tectônicas? A maioria dos cientistas acredita que as correntes de convecção são apenas
um dos mecanismos (a força motriz) que, em conjunto com outros, movimentam as
placas. As placas oceânicas tornam-se mais frias e mais espessas à medida que se
afastam da dorsal meso-oceânica onde foram criadas, modelando os limites entre a
litosfera e astenosfera como superfícies inclinadas. Mesmo com uma baixa inclinação
dessa superfície, o próprio peso da placa tectônica mais espessa ajuda a movimentar a
placa que acaba inclinando-se abruptamente e mergulhando sob uma crosta continental
ou mesmo sob outra crosta oceânica menos densa, puxando o resto da placa que retorna
ao manto, nas zonas de subducção (Fig. 4.11).
a
b

Figura 4.11- Correntes de convecção na astenosfera (a). Criação de crosta oceânica na dorsal
meso-oceânica que torna-se mais espessa a medida que se afasta da dorsal até mergulhar
para o interior do manto, puxando o resto da placa tectônica (b).

50
Como o material da astenosfera é muito viscoso (1018 vezes mais viscoso que a
água), o movimento é muito lento, 2 a 3 centímetros, em média, por ano, embora haja
diferenças consideráveis entre placas diferentes. Normalmente quanto maior a
porcentagem de crosta continental nas placas menor será suas velocidades. Por
exemplo, as placas Sul-Americana e Africana, com muita crosta continental, são mais
lentas que a placa Pacífica, quase que totalmente oceânica. Além disso, como as placas
não são planas e sim curvas (convexas), elas se movem sobre uma superfície esférica
em torno de um eixo de rotação e de um polo de rotação (interseção entre o eixo e a
superfície terrestre). Desse modo, para uma determinada velocidade angular da placa,
as velocidades de diferentes pontos sobre a placa aumentam à medida que se
distanciam do polo onde a velocidade é zero, pois o polo gira, mas não percorre nenhuma
distância (Fig. 4.12). Nem todas as placas necessariamente se movem em um
determinado tempo. A placa Africana parece estar estacionária atualmente por estar
delimitada quase inteiramente por limites divergentes de placas que se afastam a
velocidades similares.

Figura 4.12- Movimento de uma placa curva sobre


uma superfície esférica, em torno de um eixo e de um
polo de rotação (P), mostrando dois pontos da placa B
com velocidades diferentes, pois percorrem diferentes
distâncias no mesmo intervalo de tempo. O ponto 2
possui velocidade maior que o ponto 1.

As velocidades medidas das placas litosféricas geralmente são relativas (uma


placa em relação a outra), mas as velocidades absoltas podem ser determinadas através
da utilização de alguma referência, como os pontos quentes (hot spots) que são
estacionários, em relação às placas. Esses pontos quentes são processos magmáticas
anorogênicos (sem relação com a movimentação das placas litosféricas), relacionados
à ascensão de material magmático mantélico denominado de plumas mantélicas. As
atividades magmáticas dessas plumas ficam registradas nas placas em movimento, na
forma de ilhas vulcânicas (como o arquipélago do Havaí) e até cordilheiras ou platôs
submarinos. Frequentemente, a passagem de uma placa litosférica sobre um hot spot
resulta em um rastro de feições lineares (ilhas ou cadeia de montanha vulcânicas) na
superfície da placa. A datação das rochas vulcânicas dessas ilhas indica a direção do
movimento da placa, da ilha mais jovem para a mais antiga (Fig. 4.13). Conhecendo-se
as distâncias entre as ilhas e as idades de suas rochas pode-se calcular a velocidade de
movimentação da placa.

51
a b

c d
Figura 4.13- Formação do arquipélago de ilhas vulcânicas do Havaí, por ação de um mesmo
hot spot, a partir de 5,6 Ma. A primeira ilha (mais antiga) se forma, com o hot spot fixo e a placa
em movimento (a). Depois de 2-3 Ma, a segunda ilha se forma em outro lugar (b), assim como
a terceira ilha, depois de mais 1 Ma (c). O mapa do arquipélago mostra o alinhamento das ilhas
e as idades, indicando o movimento da placa, da ilha mais jovem para a mais antiga.

4.2.1- Regime divergente de placas litosféricas


Um regime divergente de placas litosféricas inicia com um processo de
fragmentação da crosta continental, a partir de uma anomalia térmica pontual no manto
superior astenosférico (possivelmente um hot spot) que provoca soerguimento e
abaulamento na crosta continental, seguido de fraturamento e extrusão de rochas
basálticas (Fig. 4.14 a). Este processo é denominado de rifteamento, palavra derivada
do termo geológico em inglês que significa grande vale formado por esforços
distensivos (tangenciais e divergentes) na crosta. A crosta continental normalmente se
rompe ao longo de um sistema de três fraturas regionais, fazendo um ângulo em torno
de 120° entre elas, com invasão da água do mar. O ponto de interseção das três fraturas
é denominado ponto tríplice que marca o ponto da anomalia térmica do manto onde
iniciou a fragmentação da crosta. Normalmente o processo de rifteamento evolui em
apenas duas fraturas, ficando a terceira apenas como um vale no continente,
denominado rift abortado (Fig. 4.15). O processo evolui com a instalação de um sistema
de corrente de convecção na astenosfera, com esforços distensivos e falhamentos
normais e o desenvolvimento de um sistema do tipo rift valley envolvendo apenas duas
fraturas do sistema tríplice inicial (Fig. 4.14 b). Com a progressão do movimento
distensivo, ocorre o adelgaçamento da crosta continental até o seu rompimento,
iniciando a formação de uma crosta basáltica oceânica incipiente e um proto-oceano
(Fig. 4.14 c). À medida que o processo distensivo continua e a crosta oceânica expande,
o proto-oceano aumenta e forma-se uma cadeia meso-oceânica ao logo do eixo do rift
valey (Fig. 4.14 d, 4.16). Ao longo das margens adelgaçadas dos continentes, de um lado
e outro do oceano em formação, forma-se uma plataforma continental com abatimento
de blocos por falhamentos normais subverticais (Fig. 4.14 d). Margens continentais
nessas condições, separadas por um sistema divergente de placas tectônicas, são
denominadas de , como as costas leste da América e
oeste da África e Europa que limitam o oceano Atlântico.

52
a

c Figura 4.15- Ponto tríplice inicial


de um sistema rift valey, mostrando
o rift abortado e os dois riftes que
evoluem.

Figura 4.14- Esquema evolutivo de um sistema de placas tectônicas divergentes, mostrando a


ruptura e fragmentação de uma massa continental (a), com vulcanismo basáltico (b) formação
de um oceano (c), uma dorsal meso-oceânica e margens continentais passivas (d).

Figura 4.16- Dorsal Mesoatlântica, separando as placas Norte-


Americana e Eurasiana (a). Ilha da Islândia na dorsal Mesoatlântica e
os rift valeys da dorsal (b).

Um dos melhores exemplos atuais de junção tríplice ocorre entre a Arábia Saudita
e o noroeste da África, onde o golfo de Aden e o mar Vermelho correspondem aos dois
riftes ativos e o rift do Leste Africano que se estende para o interior do continente africano
é o rift abortado (Fig. 4.17 a). A reconstituição da Pangeia antes de sua fragmentação
também mostra um grande sistema de junções tríplices entre América do Norte, África e
América do Sul, onde as bordas leste da América do Sul e oeste da África seriam os rifts
ativos que evoluíram para formar o oceano Atlântico, e o rio Niger e o rio Amazonas
seriam riftes abortados que se estendem para o interior dos continentes africano e sul-
americano respectivamente (Fig. 4.17 b).

53
a b
Figura 4.17- Junção tríplice
do golfo de Aden, mar
Vermelho e rift do Leste
Africano (a). Junção tríplice
entre América do Norte,
África e América do Sul no
início da fragmentação da
Pangeia (b).

Graben no Falha transformante


continente
Rift com sedimentos Cadeia meso-oceânica
coberto pelo mar e graben central.

4.2.2- Regime convergente de placas litosféricas


Um regime convergente de placas litosféricas ocorre quando duas placas com
movimentos convergentes colidem, gerando rochas e feições morfológicas
características. Este processo é denominado de , pois no processo de colisão
uma das duas placas normalmente mergulha sob a outra placa. Zona de subducção é a
região onde ocorreu ou está ocorrendo subducção. Existem três tipos de colisão entre
duas placas litosféricas, seguintes:
1) Colisão entre duas placas oceânicas, com subducção de uma sob a outra.
2) Colisão entre uma placa oceânica e outra continental, com subducção da placa
oceânica sob a continental.
3) Colisão entre duas placas continentais, com subducção de uma sob a outra.
Na colisão entre duas placas oceânicas, a placa mais densa (mais antiga, mais
fria e mais espessa) mergulha sob a outra placa (mais jovem, mais quente e menos
espessa), em direção ao manto, carregando parte dos sedimentos marinhos acumulados
sobre ela que irão fundir juntamente com a crosta oceânica subductada. Esse tipo de
subducção produz intensa atividade vulcânica de composição andesítica, originada pela
fusão parcial da crosta basáltica subductada, que normalmente se manifesta na forma
de arquipélagos de ilhas vulcânicas denominados de arcos de ilhas (Fig. 4.18 a, b), por
causa de sua morfologia arqueada. O arco de ilha situa-se na placa não subductada,
limitado à frente pela fossa, em direção à placa subductada, e atrás pela bacia trás-arco
(ou retro-arco), em direção ao continente (Fig. 4.18 b).

a Fossa
Arco
Bacia trás-arco
b

Figura 4.18- Colisão entre duas placas oceânicas, mostrando a zona de subducção, com a
fossa, o arco de ilhas vulcânicas formadas pela fusão da placa oceânica subductada e a bacia
trás-arco (a). Zona de subducção, com a fossa, o arco de ilhas e a bacia trás-arco entre o arco
e o continente (b).

54
As ilhas japonesas são exemplos de um sistema de arco de ilhas em um regime
de subducção entre duas placas oceânicas, a placa Pacífica (subductada) e a placa
Eurasiática (Fig. 4.19 a). O conjunto de ilhas exibe forma arqueada, com a concavidade
voltada para a bacia trás-arco, situada entre o arco de ilhas e o continente. O mar do
Japão é a bacia trás-arco do sistema de arco de ilhas do Japão, (Fig. 4.19 b).

a b

Mar do
Japão

Figura 4.19- Arco de ilhas do Japão, formado pela subducção da placa Pacífica sob a placa
Eurasiana (a). Mapa das ilhas Japonesas em forma de arco e o mar do Japão (b).
Em uma colisão entre uma placa continental e outra oceânica ocorrerá a
subducção desta última sob a placa continental, pelo fato de a placa oceânica ser mais
densa que a continental (Fig. 4.20a, b). Este tipo de subducção produz intensa atividade
magmática, tanto vulcânica como plutônica, formando um arco magmático na borda do
continente, constituído por rochas vulcânicas andesíticas e dacíticas, além de rochas
plutônicas, principalmente de composição diorítica e granodiorítica. Esse processo de
subducção também provoca deformação e metamorfismo tanto nas rochas continentais
preexistentes como nas rochas do arco magmático. As feições fisiográficas mais
importantes geradas nesse processo são as grandes cordilheiras de montanhas
dobradas, como os Andes e as Montanhas Rochosas na costa ocidental da América do
Sul e América do Norte, respectivamente, formadas pelo espessamento crustal
provocado pelo magmatismo do arco magmático e pelo enrugamento da borda da placa
continental causado pela deformação (Fig. 4.20 b). Margens continentais nessas
condições, com arco magmático formado por uma subducção oceânica, são
denominadas .
Margem continental ativa Cordilheira dos Andes
a b

Figura 4.20- Colisão entre uma placa oceânica e outra continental, mostrando a subducção da
primeira e sua fusão para formar os arcos magmáticos na margem continental ativa (a). Arco
magmático e cordilheira dos Andes na margem continental oeste ativa da América do Sul,
formada pela subducção da placa Nazca sob a placa Sul-Americana (b).

As principais feições geológicas deste tipo de colisão (entre placa oceânica e


placa continental), são: bacias pós-arco (ou antearco), bacias trás-arco (ou retroarco),
fossa, prisma de acreção e associações litológicas típicas de subducção como mélanges
e ofiolitos (Fig. 4.21). As são paralelas ao arco e se formam
na placa continental, a primeira entre o arco e a fossa (na frente do arco), enquanto que
55
a segunda entre o arco e o continente (atrás do arco) e recebem sedimentos
provenientes da erosão das rochas magmáticas do próprio arco adjacente a elas. As
bacias pós-arco se formam em consequência do choque entre as duas placas litosféricas
que produz um soerguimento na borda da placa continental, formando uma bacia entre
esta elevação e o arco magmático (Fig. 4.21). Por outro lado, as bacias trás-arco nem
sempre ocorrem e se formam por ação de esforços distensivos que podem ocorrer
durante a subducção e que provocam adelgaçamento da crosta continental atrás do arco.
Esses esforços distensivos normalmente ocorrem em placas oceânicas mais antigas e
mais espessas que mergulham com grande ângulo de subducção por causa de sua
maior densidade. Se o ângulo de subducção for maior que 45°, a zona de subducção
migrará para frente e a placa continental que contém o arco sofrerá distensão, gerando
a bacia trás-arco. As bacias trás-arco são preenchidas por sedimentos marinhos típicos
de mar raso, podendo ocorrer vulcanismo basáltico associado aos movimentos
distensivos (como se fosse uma pequena cadeia meso-oceânica).

Crosta oceânica
Crosta continental

Litosfera

Litosfera

Astenosfera

Figura 4.21- Principais feições geológicas de uma colisão entre uma crosta oceânica e outra
continental, mostrando a fossa, prisma de acreção, arco magmático, bacia antearco (ou pós-
arco) e bacia retroarco (ou trás-arco), situados na placa continental.

As fossas ou trincheiras normalmente contêm sedimentos marinhos e sedimentos


provenientes da extremidade da placa continental (Fig. 4.21). Parte dos sedimentos é
levada para baixo pela placa oceânica que mergulha na zona de subducção e outra parte
mais expressiva dos sedimentos é deformada pelos esforços compressivos que ocorrem
nas margens convergentes. Essa mistura caótica de sedimentos deformados denomina-
se mélange (palavra francesa que significa mistura). As mélanges são rochas
sedimentares metamorfisadas em condições de alta pressão e baixa temperatura (já que
são próximas à superfície) que tipicamente resultam na formação dos xistos azuis, cuja
cor azulada deve-se a um anfibólio alcalino denominado glaucofana, um mineral da
classe dos silicatos.
No processo de subducção entre uma placa oceânica e outra continental, a crosta
oceânica normalmente é subductada, por ser mais densa. Entretanto, dependendo da
magnitude e direção dos esforços compressivos, a crosta oceânica, em vez de
subductada, pode ser colocada tectonicamente no arco magmático ou sobre a crosta
continental. Ocorrências de porções de crosta oceânica nessa situação são
denominadas , e é processo tectônico pelo qual os ofiolitos são
gerados. Existem três tipos de obducção: ruptura de crosta oceânica em zona de
subducção e cavalgamento de uma porção dessa crosta (ofiolito) sobre o arco
magmático (Fig. 4.22 a). adição tectônica de fatias da crosta oceânica (ofiolito) nas
rochas que compõem a extremidade da placa continental soerguida, adjacente à fossa,
56
denominadas , constituídos por mélanges e ofiolitos (Fig. 4.22 b).
A obducção pode ocorrer também em regime divergente inicial, com cadeia meso-
oceânica, onde a crosta oceânica cavalga sobre uma margem continental passiva (Fig.
4.22 c). Além das rochas basálticas e sedimentos marinhos, os ofiolitos podem conter
também porções do manto superior rígido (rochas ultramáficas) na base da sequência.
a b

c
d

Figura 4.22- Processo de obducção de crosta


oceânica: Cavalgamento sobre o arco magmático
(a). Fragmentos adicionada ao prisma de acreção
(b). Cavalgamento sobre uma margem
continental passiva (c). Ofiolito com pilow lavas
(lavas almofadadas), cortadas por dique, do
complexo de Troodos, Chipre (d). Fotografia de B. B. Brito Neves

Em uma colisão entre duas placas continentais, com margens continentais ativas,
uma das duas (normalmente a menos densa) cavalga sobre a outra em subducção,
provocando um espessamento crustal e enrugamento da placa cavalgante, formando
uma cordilheira de montanha. O melhor exemplo desse tipo de colisão é a colisão das
placas Indiana (subductada) e Eurasiana que cavalgou sobre a Indiana, formando a
cordilheira do Himalaia (a mais alta do mundo) e o planalto do Tibete (Fig. 4.23). Essa
colisão iniciou-se há 70 Ma atrás e continua até hoje.

Figura 4.23- Colisão entre a placa indiana (subductada) e a placa Eurasiana que cavalgou sobre
a indiana, formando a cordilheira do Himalaia e o planalto do Tibete.

A colisão continente-continente normalmente evolui a partir de um sistema com


duas margens continentais opostas, uma ativa com colisão oceano-continente,
subducção da crosta oceânica e arco magmático sobre a placa continental, e outra
margem continental passiva. Nesse sistema, a colisão entre os dois continentes ocorre

57
após a placa oceânica ser totalmente consumida pela subducção na margem continental
ativa (Fig. 4.24 a, b).

a
Os dois continentes colidem ao longo de um
Uma placa continental de margem passiva
converge para outra de margem ativa. b complexo sistema de falhas de empurrão.

co nti nental
m

a l
Pa n enta

Margem
con arge

Ativa
ssiv
M
ti

Figura 4.24- Convergência de duas margens continentais opostas, uma ativa com subducção
oceano-continente, e outra passiva (a), que colidem no estágio final, com subducção da crosta
continental passiva e formação de uma cadeia de montanha na crosta continental ativa (b).

A colisão continente-continente provoca terremotos violentos na crosta continental


que está sofrendo enrugamento. Esse tipo de colisão não gera vulcanismo expressivo,
como nos outros dois tipos de colisão (oceano-oceano e oceano-continente), mas produz
intenso metamorfismo de rochas continentais pré-existentes e fusão parcial de porções
da crosta continental subductada, gerando magmatismo granítico.
4.2.3- Regime conservativo ou transformante de placas litosféricas
No regime transformante, as placas litosféricas se deslocam lateralmente e
tangencialmente, uma em relação à outra, sem haver geração ou destruição de crosta,
e, por isso, seus limites são denominados conservativos. Esse movimento relativo das
placas ocorre ao longo de falhas com deslocamento horizontal, denominadas falhas
transformantes que podem ocorrer entre blocos rochosos diferentes. As falhas
transformantes ocorrem tipicamente ao longo de dorsais meso-oceânicas, onde o
movimento divergente tem sua continuidade interrompida com deslocamentos
tangenciais na mesma direção do movimento divergente e transversais à direção da
dorsal. As falhas transformantes também podem conectar limites de placas divergentes
com limites convergentes e limites convergentes com outros limites convergentes. A
falha de Santo André na Califórnia é um dos melhores exemplos de falha transformante
continental, na qual a placa Pacífica, contendo a cidade de Los Angelis e a zona da baixa
Califórnia, se desloca para norte em relação à placa Norte-Americana que contém a
cidade de São Francisco (Fig. 4.25). Grandes terremotos podem ocorrer nos limites de
placas transformantes, como o que destruiu a cidade de São Francisco em 1906.

Figura 4.25- Vista para o norte da falha transformante de Santo André na planície de Carrizo,
na Califórnia central, com movimento para norte da placa Pacífica, à esquerda, em relação à
placa Norte-Americana, à direita. Notar o deslocamento dos canais dos riachos.

58
Cada placa litosférica é limitada por uma combinação de limites convergentes,
divergentes e transformantes. Por exemplo, a placa Nazca, no oceano Pacífico, tem três
lados com regimes divergentes e dorsais meso-oceânicas deslocadas por falhas
transformantes, e um limite convergente com a zona de subducção Peru-Chile (Fig.
4.26). A placa Norte-Americana é limitada à leste pela dorsal meso-atlântica (zona de
divergência), à oeste pela falha de Santo André e outros limites transformantes e, à
noroeste, por zonas de subducção (limites convergentes) e limites transformantes que
se estendem desde o estado de Oregon (EUA) até a cadeia dos Aleutas (Fig. 4.26).

Figura 4.26- Mosaico atual das placas litosféricas relacionadas com o continente americano,
mostrando os tipos de limites em cada placa: convergente (azul), divergente (vermelho) e
transformante (amarelo). As setas mostram as direções de movimento das placas e os números
as velocidades relativas em mm/ano.

4.3- CICLO DE WILSON E A DANÇA DOS CONTINENTES


O ciclo completo da movimentação das placas tectônicas, desde a abertura de
uma bacia oceânica até seu fechamento, é denominado ciclo de Wilson (Fig. 4.27), em
homenagem J. T. Wilson, um dos idealizadores da teoria da expansão do assoalho
oceânico. Esse ciclo inicia-se com a ruptura de uma massa continental, através de um
sistema de rifteamento, seguido pela abertura de uma pequena bacia oceânica, como o
mar Vermelho atualmente. Esse proto-oceano expande-se até uma extensão
indeterminada como, por exemplo, a do atual oceano Atlântico, limitado por duas
59
margens continentais passivas. Em seguida, os movimentos se invertem, iniciando uma
convergência com subducção de crosta oceânica em uma ou ambas as margens
continentais, que passam a ser ativas, até a colisão das duas margens continentais, com
fechamento total ou parcial do oceano por meio de um processo orogenético com
subducção do continente com margem passiva e geração de uma cadeia de montanha,
formando um supercontinente. Os registros geológicos existentes indicam que o ciclo de
Wilson ocorreu várias vezes na história geológica da Terra, com uma movimentação
contínua dos continentes em diversas direções, ora se aglutinando ora se fragmentando,
como se fosse uma verdadeira dança dos continentes.

Figura 4.27- Ciclo de Wilson: Inicia com o rifteamento de um continente . À medida que os
esforços distensivos progridem e o oceano se abre, as margens passivas resfriam-se com
acumulação de sedimentos . Inversão dos esforços e início de uma convergência, tornando
uma das margens continentais (ou ambas) ativas com subducção e arco magmático .
Acreção de sedimentos da placa subductada ao continente e fim da expansão da crosta
oceânica . Colisão continental, com subducção do continente com margem passiva, orogenia
e formação de cadeia de montanha que espessa a crosta, formando um novo supercontinente
. Erosão do novo continente, adelgaçando e enfraquecendo a crosta continental que pode
ser rompida novamente, começando um novo ciclo .

60
Os dados geológicos disponíveis, sobretudo geocronológicos, paleomagnéticos e
geotectônicos, indicam que a fragmentação da Pangeia, há 200 milhões de anos atrás,
um processo da grande importância na história geológica de nosso planeta, corresponde
apenas a fragmentação do último supercontinente importante que se formou na Terra e
que resultou na configuração atual dos continentes. Antes da Pangeia, as massas
continentais formavam blocos de dimensões e formatos diferentes dos atuais. Os
primeiros blocos continentais formaram-se em torno de 3,96 bilhões de anos (Ga) atrás
e foram crescendo, por meio de orogêneses, com formação de nova crosta continental,
até as dimensões atuais. Há 550 milhões de anos, cerca de 95% das áreas continentais
atuais já estavam formadas.
Há 2,0 Ga (Paleoproterozoico), as massas continentais estavam reunidas em três
microcontinentes, Ártica, Antártica e Ur, com partes do que seria a futura América do Sul
fazendo parte da Antártica. Entre 2,0 e 1,3 Ga, estes três microcontinentes se
fragmentaram, por meio de rifteamento, com os fragmentos colidindo entre si para gerar
blocos continentais maiores. Entre 1,3 e 1,1 Ga atrás (Mesoproterozoico), os principais
blocos continentais se juntaram para formar o primeiro supercontinente, denominado
Rodínia, envolvido pelo oceano Miróvia, palavras de origem russa que significam,
respectivamente, mãe-pátria e paz (Fig. 3.28 a). A América do Sul fazia parte dos blocos
Amazônia, Rio da Prata e São Francisco do supercontinente Rodínia. A partir de 750 Ma
atrás, o continente Rodínia começou a se fragmentar (Fig. 4.28 b), formando a
Gondwana (que inclui a América do Sul e África) e outros três continentes menores,
Laurêntia, Báltica e Sibéria, em torno de 458 Ma, no Ordoviciano Médio (Fig. 4.28 c). A
partir de 390 Ma (Devoniano Inferior), começa um processo de aglutinação das massas
continentais (Fig. 4.28 d) que se completa com a formação do supercontinente Pangeia
há 237 Ma (Triássico Inferior).
A fragmentação da Pangeia começou há 200 Ma, no Jurássico Inferior (Fig.
4.29 a). Em torno de 150 Ma atrás (Jurássico Superior), o oceano Atlântico começou a se
formar, o oceano Tethys contraiu-se e os continentes do norte (Laurásia) já estavam
separados e, no sul, a Gondwana começava a se dividir entre Índia + Austrália +
Antártida e África + América do Sul (Fig. 4.29 b). Há cerca de 66 Ma (Cretáceo
Superior/Paleoceno Inferior), o Atlântico sul abriu-se, a contração do oceano Tethys
progrediu de modo a transformá-lo em um mar intracontinental (Mediterrâneo), a Índia
começou a derivar para norte em direção a Ásia e, após 135 Ma de deriva, os continentes
começam a adquirir a configuração atual (Fig. 4.29 c). O ponto vermelho marca o local
do impacto do asteroide que teria causado a extinção dos dinossauros e muitas formas
de vida na Terra. A configuração atual dos continentes ocorreu nos últimos 65 Ma: a Índia
colidiu com a Ásia para formar a cordilheira do Himalaia e a Austrália separou-se da
Antártida (Fig. 4.29 d). Nos próximos 50 Ma, o oceano Atlântico deve ampliar-se e o mar
Mediterrâneo deve fechar-se, por ação de uma convergência com subducção da placa
Eurasiática sob a placa Africana, formando uma cadeia de montanha (Fig. 4.29 e).

61
a

Figura 4.28- Formação da Pangeia: resultado da fragmentação de um supercontinente


denominado Rodínia, formado há 1,1 Ga (a) que começou a se fragmentar há 750 Ma, no
Proterozoico Superior (b), formando a Gondwana, Laurêntia, Báltica e Sibéria, há 458 Ma, no
Ordoviciano Médio (c). A partir de 390 Ma (Devoniano Inferior) começa um processo de
aglutinação das massas continentais (d) que se completa com a formação do supercontinente
Pangeia há 237 Ma, no Triássico Inferior (e).

62
a

e
d

Figura 4.29- Fragmentação da Pangeia: Iniciou-se com rifteamento do supercontinente e


vulcanismo basáltico, no Jurássico Inferior, cerca de 200 Ma atrás (a). O oceano Atlântico
começou a se formar em torno de 150 Ma atrás, no Jurássico Superior, o oceano Tethys
contraiu-se, os continentes do norte (Laurásia) se separaram e, no sul, a Gondwana começou
a se dividir, com Índia, Antártida e Austrália se separando da África (b). Há 66 Ma (Cretáceo
Superior/Paleoceno Inferior), o Atlântico Sul abriu-se, a contração do Tethys progride, formando
um mar intracontinental (Mediterrâneo) e a Índia começou a derivar para norte, em direção à
Ásia (c). A configuração atual dos continentes ocorreu nos últimos 65 Ma: a Índia colidiu com a
Ásia para forma os Himalaias, e a Austrália se separou da Antártida (d). Nos próximos 50 Ma, o
oceano Atlântico deve ampliar-se e o mar Mediterrâneo deve fechar-se, por ação da subducção
da placa Eurasiática sob a placa Africana (e).

63
4.4- TECTÔNICA DE PLACAS E OS DEPÓSITOS MINERAIS
Os depósitos minerais são concentrações anômalas de metais ou minerais de
minério nas rochas da crosta terrestre que ocorrem em regiões onde os processos
geológicos atuantes viabilizaram tal concentração dos metais. A tectônica de placas
representa o controle regional de maior amplitude na distribuição dos depósitos minerais
na crosta terrestre (Fig. 4.30). Os depósitos minerais se concentram preferentemente
nas regiões tectonicamente ativas, onde normalmente há incidência de processos
geológicos (magmáticos, metamórficos e sedimentares) que disponibilizam metais e
favorecem a sua concentração, tais como bordas das placas convergentes (zonas de
subducção), com depósitos porfiríticos de Cu-Mo, epitermais de Au-Ag e sulfeto maciço
vulcanogênico (SMV) de Cu-Pb-Zn, ou bordas de placas divergentes (cadeias meso-
oceânicas), com depósitos de Fe-Mn e SMV de Cu-Pb-Zn. Nas regiões cratônicas e no
interior das placas tectônicas também pode haver geração de depósitos minerais em
áreas onde houve atividade magmática anorogênica (plumas), com depósitos de Sn-W
em granitos, Cr-Pt e Ni-Cu em complexos máfico-ultramáficos acamadados, ou em áreas
onde houve atividade tectônica antes da estabilização do craton, tais como em rifts com
depósitos de Nb-Ta-TR-Zr-Ti em carbonatitos, diamantes em kimberlitos, em bordas de
cratons, e greenstone belts com depósitos auríferos, Ni-Cu em rochas ultramáficas e
SMV de Cu-Zn.

Figura 4.30- Depósitos minerais relacionados com os ambientes tectônicos em regimes de


divergência (dorsal meso-oceânica) e convergência (zonas de subducção) de placas litosféricas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Branco P.M. 2016. Breve História da Terra. CPRM, Serviço Geológico do Brasil.
Acesso em 25 outubro 2018, disponível em: http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-
Institucionais/Rede-de-Bibliotecas---Rede-Ametista/Canal-Escola/Breve-Historia-
da-Terra-1094.html
Carneiro, C.D.R; Hasui, Y; Gonçalves, P. W. 2012. Geologia do Brasil. Organizado por
Hasui Y, Carneiro C. D. R, Almeida F. F. M, Bartorelli A. São Paulo, Beca, 900p.
Press F, Siever R, Grotzinger J, Jordan T. H. 2006. Para Entender a Terra, 4a edição.
Tradução coordenada por Rualdo Menegat. Porto Alegre-RS, Bookman, 656p.
Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Recursos Humanos,
DRM-JR. 2013. Teoria da Tectônica de Placas. Acesso em 25 outubro de 2018,
disponível em: http://www.drm.rj.gov.br/index.php/areas-de-atuacao/44-
pedagogico/100-pedagogicoteoria

64
Takeuchi H, Uyeda S, Kanamori H. 1974. A Terra um planeta em debate. São Paulo,
Edart, Editora da Universidade de São Paulo, 188p.
Teixeira W, Fairchild T. R, Toledo M. C. M, Taioli F. 2009. Decifrando a Terra, 2a Edição.
São Paulo, companhia Editora Nacional. 624p.
Wyllie, P. J. 1971. The Dynamic of Earth: Textbook in Geosciences. New York, John
Wiley & Sons, Inc. University of Chicago, 416p.

ATIVIDADES DESTE MÓDULO PARA OS ESTUDANTES


1) Explique a origem dos oceanos e da atmosfera, com base na hipótese mais aceita
pelos cientistas, e como a atmosfera se tornou oxigenada?
2) O que causa a zona de sombra na propagação das ondas P ao passar pela
descontinuidade Gutenberg, entre o manto inferior e núcleo externo? E o que este
fenômeno pode indicar a respeito das características do núcleo externo?
3) Existe muita confusão na literatura entre os termos crosta terrestre e litosfera,
sobretudo na literatura não especializada, inclusive em alguns casos considerando os
dois termos como sinônimos. Diferencie precisamente os dois termos e faça um
desenho esquemático, mostrando a diferença entre eles. Explique o termo placa
litosférica.
4) O que aconteceria se a velocidade de rotação da Terra fosse aumentada? O que
aconteceria com o nosso peso? Poderíamos ser atirados para fora da Terra? Qual a
causa do achatamento polar da Terra que apresenta raio equatorial maior que o raio
polar?
5) Sabe-se que os polos magnéticos da Terra não são fixos, pois eles mudam de posição
com o tempo (deriva polar). Sabe-se também que os continentes também estão em
movimento (deriva continental). Em determinações paleomagnéticas, como
diferenciar deriva polar e deriva continental ? uma vez que a movimentação dos
continentes poder indicar uma deriva polar irreal.
6) Como o padrão zebrado, mostrado pelas medidas paleomagnéticas das rochas
basálticas do fundo dos oceanos, e as idades absolutas dessas rochas, podem
evidenciar o espalhamento do assoalho oceânico e a deriva continental ?
7) Sabe-se que a velocidade absoluta das placas litosféricas pode ser determinada por
meio da datação de ilhas vulcânicas formadas por hot spots (não relacionadas com a
tectônica de placas), cujas distâncias entre elas são conhecidas. Utilize as ilhas
havaianas, cujas idades são mostradas na figura 3.13 do texto da disciplina, para
determinar a velocidade absoluta e a direção do movimento da placa pacífica.
Pesquise em algum programa georreferenciado, como Google Maps, para determinar
as distâncias entre as ilhas havaianas datadas.
8) No texto da disciplina foi mostrado as ilhas japonesas como exemplo de arco de ilhas
relacionado com subducção oceano-oceano. Procure nas bordas de placas no mapa
tectônico global e em mapas geográficos globais, como o Google Maps, mais dois
exemplos de arcos de ilhas (ilhas com forma arqueada em borda de placas).
9) Considerando o ciclo de Wilson, explique qual seria o futuro do oceano Atlântico?
10) Porque as bordas das placas tectônicas são muito favoráveis para formação de
depósitos minerais? Comente sobre as possibilidades de formação de depósitos
minerais em regiões estáveis, longe dos limites das placas tectônicas.

65

Você também pode gostar