Leitura e Literatura

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Leitura e Literatura

Brasília-DF.
Elaboração

João Olinto Trindade Junior

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 6

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8

UNIDADE I
LEITURA.................................................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
INCLUSÃO SOCIAL.................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
O ENSINO DE LITERATURA........................................................................................................ 16

CAPÍTULO 3
A LEITURA PRODUTIVA.............................................................................................................. 20

UNIDADE II
O INCENTIVO À LEITURA........................................................................................................................ 24

CAPÍTULO 1
PROCESSOS LÚDICOS............................................................................................................. 24

CAPÍTULO 2
OS TEXTOS TRABALHADOS NA ESCOLA.................................................................................... 32

UNIDADE III
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA............................................................................... 48

CAPÍTULO 1
A OCORRÊNCIA LITERÁRIA...................................................................................................... 48

CAPÍTULO 2
A INTENÇÃO LITERÁRIA............................................................................................................ 52

CAPÍTULO 3
A PROEMINÊNCIA DO SIGNO LITERÁRIO.................................................................................. 56

CAPÍTULO 4
A PLURISSIGNIFICAÇÃO LITERÁRIA........................................................................................... 62
UNIDADE IV
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL................................................................................................. 66

CAPÍTULO 1
A APROPRIANDO-SE DO TEXTO................................................................................................ 66

CAPÍTULO 2
ANALISANDO O TEXTO............................................................................................................ 72

CAPÍTULO 3
GÊNEROS DA ANÁLISE TEXTUAL............................................................................................... 75

CAPÍTULO 4
LEITORES................................................................................................................................. 81

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 85

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Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da


pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar
conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa,
como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os
desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de


modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal
quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização


dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e
reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a


aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

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Introdução

Esta disciplina, Leitura e literatura, faz um aporte sobre o texto tendo como base
outro viés, o do receptor, ou seja, o leitor. Nesta você poderá ter uma visão ampla e
estruturada do processo da leitura, seus percalços, desenvolvimentos, impedimentos
e consequências, bem como o caráter pedagógico e ideológico dessa atividade.
Adentramos em conceitos pedagógicos da prática de leitura, resgatamos as noções de
gêneros textuais em prol da facilitação de práticas de leitura e apresentamos questões
essenciais do universo sociocultural do leitor enquanto figura física e abstrata.

Nesta disciplina, debruçaremo-nos em um elemento fundamental a todo tipo de texto:


a prática de leitura. Que atividade é essa que muitos recomendam com afinco,
mas tantos não a praticam com a mesma intensidade? Um sem número a enxerga
como fundamental, mas tem seus ressalvos sobre como exercê-la? Com o propósito
de responder a essa e outros questionamentos, deparamo-nos com a necessidade
de abordar vários aspectos da atividade, desde a noção de atividade ledora até a de
espaços propícios para tal.

Vamos à aula!

Objetivos
»» Compreender a função social da leitura.

»» Entender os mecanismos de (des)incentivo à leitura.

»» Abordar o valor inerentemente polissêmico do signo linguístico literário.

»» Apresentar algumas estratégias de interpretação textual.

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LEITURA UNIDADE I

CAPÍTULO 1
Inclusão social

O que é essa palavra, “leitura”? A primeira coisa que vem à mente é ler um livro. O
termo é polissêmico, mas podemos caracterizá-lo de maneira mais específica. Como
aponta Zilberman (1984, p. 18), no espaço entre a fala e a escrita surge um código
escrito que tem como uma de suas marcas a capacidade de se extrair deste vários
sentidos, de acordo com sua organização. Em suma, o texto por excelência tem a
particularidade de promover saberes quase que infinitos, e alguns, infinitos.

Ler não envolve apenas... ler. Abrange uma compreensão mais ampla, já que está
associada à interação entre o ser e a sociedade. É por meio da leitura que damos
sentido ao mundo, organizando todo caos que nos cerca. Até as inconstâncias da vida
se transformam numa forma de texto.

Você já ouviu falar em semiologia? É uma ciência associada a cursos da área de letras e
das ciências do corpo. Se em letras aborda a questão dos signos, na área de ciências do
corpo fala sobre a leitura do corpo, daí a expressão “o corpo fala”. Esse é um exemplo
de como temos a capacidade de ler o mundo.

Em primeiro lugar, tudo o que fazemos é realizado por meio de uma forma de
comunicação, uma linguagem. Toda linguagem envolve o uso de uma língua. Se
pensarmos por esse lado, alguns cursos universitários como medicina e enfermagem,
mas também marketing e letras, possuem uma disciplina para aprender a interpretar
tanto os sinais do corpo, como dos códigos, a semiologia. Já ouviu a expressão “o
corpo fala”? Bem, acontece que, em geral, dizemos mais do que realmente dizemos.

A leitura pode ser compreendida como um ato de criação de sentidos, e por isso
sua importância vai além da noção de alfabetização, ato de leitura mecânica, mas de
interação social.

9
UNIDADE I │ LEITURA

Desde sempre há o fetiche da leitura como mecanismo de ascensão cultural, a ideia de


que se lermos determinados livros “difíceis”, ficaremos mais inteligentes. O problema
nesse sofisma é que substituímos uma possibilidade por certa, e desconsideramos o
tipo de leitura e como o leitor se insere socialmente no cotidiano de quem adquire
essas leituras. É por isso que há a necessidade da apreensão, por parte dos alunos
e dos professores, das práticas cotidianas de leitura. Ler não é ler. Entretenimento,
obrigação, descoberta, pesquisa, revisão... há várias práticas de leitura.

A prática de leitura, nos dias de hoje, é voltada para uma noção tecnicista: o indivíduo
aprende a ler para desenvolver proficiências. Todavia, em muito se distancia a noção
de leitura como fator de emancipação social. Observe a prática cotidiana dos seus
alunos: eles aprendem a ler mais para traduzir códigos do dia a dia, ler receitas de
bolo, legendas em filmes e gravar letras de música. Dessa maneira, o ato de ler
mecanizado não promove uma ruptura com sua própria situação social, tampouco
promove acesso a outras formas de cultura e conhecimento. A simples ideia de que o
ato de ler em si se basta – como visto em chavões do tipo “leia um livro” –, desapegado
das suas funções sociais fomenta atitudes que em muito se desassociam da sua função
social (BRITTO, 2003, p. 114). Esse é um dos motivos que biografias de youtubers
vendem tanto nos dias de hoje! Abordamos em disciplinas anteriores essa questão por
meio do letramento e a função social do ato de leitura.

Regina Zilberman, em seu artigo “A leitura no Brasil – sua história e suas


instituições” faz um aporte dos mecanismos nacionais criados para o
crescimento do público leitor – bem como suas inconsistências. É um texto
essencial para entender as propostas do ensino de literatura em sala de aula.
Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/
ensaio32.html>.

Perspectivas fundamentais da leitura


Ler? Para que, por que, como e o quê? São pontos que direcionam a complementação
da atividade ledora. A literatura é uma das possibilidades textuais existentes dentre
várias. A competência (habilidade de leitura) nestas outras modalidades pode ser
anterior e requisito para o desenvolvimento das demais habilidades ao longo dos
tempos.

Há textos e textos: alguns podem ser lidos em trechos para sua compreensão, outros,
com muito aprofundamento. Alguns podem ser lidos de um fôlego, outros, durante
horas. Alguns textos são simplórios, enquanto outros promovem um verdadeiro

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LEITURA │ UNIDADE I

jogo linguístico com o leitor. Alguns são como histórias de aventuras, enquanto
outros, verdadeiros romances policiais. E há aqueles que possibilitam múltiplas
interpretações, e todas fazem sentido, ao longo dos tempos: são os textos literários,
diferentes de outros que cumprem uma função bem específica, como roteiros, livros
didáticos e manuais.

Nesse processo de produção de saberes a partir do texto, deve-se considerar que


a leitura informativa exige estratégias próprias, que são muito importantes para
realimentar nosso processo de aprendizagem. Selecionar as informações que
realmente interessam, relacioná-las com outras, usá-las de modo adequado, percebê-
las e ironizá-las em sua parcialidade, contextualizá-las social e historicamente são
algumas estratégias de produção de conhecimento por meio da leitura.

Porém, a atividade ledora nunca é igual, visto que os textos dos quais se apropria
abordam diferentes faculdades psíquicas do indivíduo. Muitas dessas são
movimentadas por influência do texto literário, fugindo do padrão de outros textos
que circulam cotidianamente. Mas estar fora do padrão não significa questionar
todos os padrões, de modo que os perfis literários também são fonte profícua de
aprendizagem a ser conhecidas pelos leitores.

A relação do texto literário com o universo verbal como um todo, com os outros textos
escritos, já é, pois, objeto da necessária recriação por parte do leitor. Mas a relação do
texto literário com o universo extraverbal também passa por todas as transformações,
seleções, repetições, rupturas, apropriações que sejam possíveis.

Porém, determinadas leituras exigem uma gama de conhecimentos para serem mais
bem aproveitadas, e os próprios vão se transformando e retransformando a cada texto,
o qual amplia o repertório sociocultural dos leitores. Ler é, essencialmente, produzir
conhecimento, como se cada um ampliasse uma biblioteca particular a cada livro que
lê. É o que aponta Darnton (1992, p. 18), ao abordar que o indivíduo não desenvolve
a habilidade da leitura, mas sim a capacidade de estabelecer relações de significado,
socialmente e culturalmente. Ele o faz identificando, reconhecendo, comparando,
analisando e interpretando os códigos que lhe chegam, ou seja, o processo de
intertextualidade.

Não há texto isolado do seu universo formativo. Todo texto referencia


seu espaço, mesmo que por analogia. Narrativas como Os Lusíadas foram
produzidas durante a época das grandes navegações, bem como Dom Quixote
reflete um período da modernidade e da ascensão da burguesia.

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UNIDADE I │ LEITURA

Essa noção de intertextualidade é cunhada por Julia Kristeva, para a qual há no


texto o que considera como qualquer tipo de referência ao outro, tomado como
posição discursiva: “paródias, alusões, estilizações, citações, ressonâncias, repetições,
reproduções de modelos, de situações narrativas, de personagens, variantes
linguísticas, lugares comuns etc.” (apud FIORIN, 2006, p. 165). Kristeva (1974, p. 71),
compreende o termo como “escritura simultaneamente como subjetividade e como
comunicabilidade”.

Trata-se de um conceito que remonta à antiguidade. Em Poética, Aristóteles já


salientava o caráter intertextual das tragédias (2005, p. 32). As histórias, assim, se
complementariam. Heitor morre na Ilíada (HOMERO, 2009) pelas mãos de Aquiles;
o príncipe troiano anteriormente participara da viagem dos argonautas – grande
jornada cantada em um poema épico não-homérico, As Argonáuticas, por Apolônio
de Rodes (2014) –, tendo sido companheiro de viagem de Peleu, pai de Aquiles,
e Autólico, avô de Ulisses – idealizador do Cavalo de Troia, e herói dA Odisseia
(HOMERO, 2002) – ; nessa viagem liderada por Jasão, o mesmo, ao roubar o velocino
de ouro da Cólquida, toma Medeia como esposa, e o drama da vida de ambos é
representado na peça Medeia, de Eurípedes (2001), recebendo diversas adaptações/
releituras, como A Gota D’água (2002), de Chico Buarque e Paulo Pontes – numa
mistura de mito grego e atualidade, Jasão é um malandro, Medeia, vulgo Joana, é a
mulher desprezada, e “Seu Creonte”, é o dono do microcortiço onde as pessoas moram
–; e, também, Além do Rio (Medéa) (1961), peça de Agostinho Olavo, no qual conta
a história de uma rainha africana escravizada e trazida para o Brasil do século XVII.
Feita amante do senhor branco, ela trai sua gente, é desprezada pelos ex-súditos
escravizados. Chega o dia de o amante querer um lar, um casamento normal com uma
esposa branca, de posição social. Rompe sua ligação com Medéa, mas quer levar os
filhos. A rainha mata seus próprios filhos, no rio, e retorna a seu povo, convocando: “–
Vozes, ó vozes da raça, ó minhas vozes, onde estão? Por que se calam agora? A negra
largou o branco. Medéa cospe este nome e Jinga volta à sua raça, para de novo reinar!”
(NASCIMENTO, 2004, p. 218).

Resgatando a resenha de Eco, livros falam de livros, escritores falam de leitores, tal
como o Ulisses (1983), de Joyce, Os Lusíadas (1979), de Camões e, constantemente,
nas tragédias Shakespearianas, por sua vez, muitas delas releituras de textos
anteriores, a exemplo de Romeu e Julieta (2010). Compreender um texto trata-se
de um processo dialógico, já que a “comprensión se opone a lo enunciado, como una
réplica se opone a otra en el sentido de um diálogo. Lá comprensión va a la búsqueda
de un contradiscurso para el discurso del locutor” (BAJTIN, apud TODOROV, 2013,
p. 11), de maneira que todo ato de compreensão está indissociável de uma resposta,

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LEITURA │ UNIDADE I

pois introduz um objeto de compreensão num novo contexto, “o contexto potencial da


resposta” (BAKHTIN, 2006, p. 95).

É a partir disso que se constata como o texto literário exige um leitor que perceba essa
relação textual de um texto com seus anteriores ou contemporâneos. O texto não é
apenas uma série de enunciados, mas, sim, a percepção dos diferentes significados no
interior da língua (KRISTEVA, 1974, p. 20)

Nos dias de hoje é cada vez maior a presença de filmes – textos mistos –
abarrotados daquilo que se chama “easter egg”, surpresas e referências dentro
da obra que se conectam a outras, ou seja, uma forma de intertextualidade.
Da mesma maneira que os acontecimentos da obra “Ilíada” fazem referência a
eventos e personagens de “Jasão e os Argonautas”, nos dias de hoje os filmes –
como os do universo cinematográfico Marvel – se conectam e se completam.

Cria-se um espaço discursivo onde se conflitam quem escreve, a quem se destina e


os textos com quem trava diálogo, uma vez que esse próprio destinatário atua como
um discurso presumido e, por vezes, silenciado, de maneira que todo texto permite
a criação de um espaço onde se lê, pelo menos, dois textos. Temos, dessa maneira, a
palavra, signo linguístico por excelência, atuando/interagindo translinguisticamente
e ininterruptamente entre sistemas semiológicos. Dentre os vários tipos de textos, é o
literário o espaço por excelência para ativar a propriedade intertextual da linguagem
verbal (REIS, 2008, p. 183).

É por isso que o leitor contemporâneo com muita dificuldade compreende – quando
o faz – esses entrecruzamentos discursivos, entre o texto e seus elementos históricos.

Como desenvolver no aluno essas competências de percepção? Por meio do texto


literário, o qual possui uma dinâmica de atuação em um vasto universo textual –
o qual envolve, inclusive, textos literários e não literários – que possibilita essa
interpretação constante de textos em e por meio de outros textos. E à medida que esse
leitor se torna mais competente, realiza metaforicamente a “bricolagem” de Antoine
Compagnon (2007, p. 12), ou seja, via construindo sua competência ledora por meio
de recortes das suas próprias leituras, adaptando-se continuamente a novos contextos
semióticos.

Leitura e leitores
Numa sociedade do consumo em que ler passa a ser uma um viés mercadológico –
com best-sellers voltados para várias faixas etárias –, é por meio da leitura literária

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UNIDADE I │ LEITURA

que se desenvolvem capacidades imaginativas, imaginação, sentimentos, valores e


as diferentes negociações por meio da qual o meio social coloca em discussão suas
questões.

Muitos se perguntam a importância literatura no currículo escolar. Deveríamos


perguntar outra coisa: o que foi feito da literatura nesses currículos? Reduzida
à historiografia literária, gravação de períodos, estilos e marcas, sem um
aprofundamento. O aluno vulgar, ao concluir a educação básica, pouca chance
e incentivo teve para ler, por completo, os clássicos brasileiros. Entretanto, a
importância da literatura no currículo escolar dá-se justamente da capacidade
imaginativa transmitida e desenvolvida pela literatura para ter em mão os
instrumentos que lhe propiciem atingir a plenitude de sua cidadania. É no texto
literário que o indivíduo atinge as várias possibilidades da língua que transcendem os
signos cotidianos, ato possível pela acumulação de significados possibilitada por esse
tipo de texto (LAJOLO, 1993, p. 106).

Essa acumulação transcende o imediatismo da cultura de massa, de maneia que a


relação entre leitor e texto deve instigar uma pluralidade de representações, motivo
pelo qual aqueles textos que promovem a indeterminação são os mais adequados por
apresentarem um mundo ficcional a ser decifrado.

Pode-se ir além, pois o texto tem a capacidade de instigar no leitor, por exemplo, o
princípio da comunidade: nos dias de hoje há redes sociais voltadas para esse intuito,
no qual as pessoas compartilham suas ideias, sugestões, conhecimentos e teorias
sobre o que vivenciaram. São levados a construírem sentidos individuais e coletivos,
de modo que as conversas entre leitores ampliam cada vez mais essa percepção, de
modo que o ato de trabalhar com o texto passa a ser algo lúdico e prazeroso.

Trata-se de algo além de um prazer estético, mas intelectual. Umberto aborda essa
questão em Seis Passeios pelos bosques da ficção (2004), ao abordar o jogo ficcional
construído pelo escritor, o qual convida o leitor a adentrar e aceitar as regras desse
jogo, gerando um verdadeiro prazer intelectual. A obra ficcional, por sinal, é a
experiência de leitura por excelência, uma vez que é simbolicamente uma imagem do
mundo, ou seja, nunca está totalmente encerada (ZILBERMAN, 1984, p. 19). É o texto
que fala mais pelas suas ausências, pelos “talvez” e “se”, e cabe ao leitor completar
esses espaços, decifrar seus enigmas por meio de sua capacidade imaginativa e
vivência.

Desse modo não se pode considerar o livro como mero instrumento de preparação
das séries iniciais, degrau para leituras nas séries posteriores. É por meio de uma
interação duradoura entre leitor e texto que se ampliam as possibilidades de um

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LEITURA │ UNIDADE I

conhecimento real do mundo, transcendendo as limitações que o próprio ensino


escolar estabelece para poder generalizar o processo de ensino-aprendizagem.

A escola, ao instruir os alunos, padroniza os saberes, independente do grau ou


capacidade de cada um. É por isso que esses limites são transcendidos pelo texto
literário, o qual não “respeita” essas barreiras – necessárias –, possibilitando a
descoberta de uma vivência singularizada em cada obra. Se quem lê sabe mais, então
é por meio da obra de ficção que o indivíduo melhor desenvolve sua capacidade de
problematização para enfrentar os grandes problemas da sociedade.

Tendo em mente que você deu início aos seus estudos sobre a formação do
leitor, chegou o momento de fazer uma apreensão dos seus saberes. Vá até
o fórum da unidade I e responda a seguinte pergunta: qual a necessidade de
políticas direcionadas para a formação de leitores?

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CAPÍTULO 2
O ensino de literatura

O que de fato ensinamos quando ensinamos literatura? Talvez essa não seja sua
experiência pessoal, mas há inúmeros professores que, na divisão de turmas e classes,
optam por não lecionar essa disciplina. Os motivos podem ser vastos, da falta de
didática, desinteresse dos alunos e, até mesmo, menor carga horária direcionada para
a disciplina.

Devemos, pelo menos, buscar respostas para essas questões, tendo como referência o
ensino de literatura no ensino médio.

O ensino da literatura
Em primeiro lugar, “ensina-se” literatura? Ensinamos sobre períodos literários,
estéticas, épocas culturais, estilos de época. Pode-se discutir se essa proposição se
aplica a todas as faixas de ensino, mas devemos nos ater a esse ponto. Em segundo,
qual o arcabouço utilizado? O texto literário, ou resumos, histórias dos períodos,
biografias dos autores, grandes eventos etc.?

Por influência de uma gama de linhas teóricas, o próprio estudo e abordagem em


sala de aula acaba por ser um reflexo do ensino superior: abordamos o texto literário
por um viés linguístico, antropológico, sociológico, filosófico, mas na maioria das
vezes não analisamos o texto pelo texto, ou seja, sua estrutura linguística, seu sentido
implícito. Pior: com o advento dos saberes transdisciplinares, o texto literário é
sempre o complemento de outra coisa. Passamos a ensinar José de Alencar como
complemento da chegada da família Real ao Brasil, e Tomás António Gonzaga como
fruto da Inconfidência Mineira. Qualquer livro de literatura possui minimamente mais
referências aos movimentos culturais, do que à análise do texto.

Há relação muito íntima entre ensino de literatura e literatura infantil. Esta


nasce, ou melhor, passa a ser classificada, catalogada e produzida a partir do
momento em que a literatura passa a possuir um viés doutrinário direcionado
para a formação da criança, algo que até hoje é motivo de discussão. Nem
sempre o que chamamos de “literatura infantil” ou contos de fadas, em sua
vertente escrita, era direcionada para crianças, mas lida por e para adultos.
Saber um pouco desse processo pode auxiliá-lo a compreender um pouco da
evolução dessa ideia de um texto feito com fins exclusivamente pedagógicos.

16
LEITURA │ UNIDADE I

Leia o artigo “O contexto histórico da literatura infantil”, de Lhais Leite.


Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/o-contexto-historico-da-
literatura-infantil/154769>.

Um dos principais reflexos é a historiografia literária que se reflete na educação básica:


filha do nacionalismo literário, sua presença é marcante uma vez que se centra numa
progressão cronológica de obras do cânone brasileiro e português. O livro didático
pouco faz para superar essa perspectiva, com marcas do positivismo do século XIX,
o qual agregava uma visão das ciências exatas – no sentido de “evolução” – aos livros
em geral, acrescido de uma visão materialista (CANDIDO, 1974).

Fica uma dúvida: no que difere esse material do livro de história, uma vez que em
muito se aproximam suas particularidades? A aula resume-se, salvo exceções à leitura
oral de fragmentos, por parte de professores e/ou alunos, acrescido e perguntas ao
fim de cada sequência de textos. O próprio livro do professor já carrega um padrão
de respostas, cabendo-lhe apenas “ajustar” às dos alunos. Não há uma tentativa
de depreciação, mas considerando o rumo de muitos cursos de letras que se focam
em produzir professores de português e revisores, há relativa probabilidade de
o professor não ter certeza de suas próprias respostas, guiando-se sempre pelo
gabarito. O professor copia no quadro trechos do livro, responde as questões e, para
muitos alunos, isso é considerado um exemplo de excelência de aula. Em alguns
casos é passada uma pesquisa a qual os alunos copiam os textos da internet, sem um
aprofundamento e reflexão do saber atingido, isso quando ocorre.

Com base nessa breve exposição, faça-se a pergunta: o que se ensina na aula de
literatura, além de história da literatura? É possível apontar uma contextualização
grosseira, que se limita a aglutinar pontos heterogêneos – como as diferentes gerações
românticas e os pré-românticos –, usando um texto ficcional como arcabouço para
outros acompanhamentos? A aula de literatura torna-se um verdadeiro mimetismo no
qual se repete o que já está dado. Não se analisam os textos para atingir conclusões,
mas de explicar a história dos movimentos literários, apresentar dados, momentos,
influências e, com base em proposições já realizadas, realizar atividades para atingir o
conhecimento previamente determinado.

Há uma frase de Umberto Eco que aponta: “O texto é aberto, mas não é escancarado”.
O problema dos estudos literários na educação básica atinge um caminho inverso: as
interpretações não são abertas, mas reduzidas. Passamos a ser limitados – e limitar
os demais – pelas interpretações e leituras de grandes críticos, produtores de material
didático e teóricos da literatura.

17
UNIDADE I │ LEITURA

Não há leitura não ideológica, visto que a ideologia presume uma visão
de mundo. Quando se afirmar que uma resposta de exercício apresenta
interpretações possíveis, faz-se, também, uma leitura de viés ideológico. E uma
resposta reduzida presente em um manual não está isenta disso.

Políticas e práticas educacionais


Observe como, nos últimos anos, as secretarias de educação por todo o país, ao
fornecerem o material didático – ou darem as devidas indicações – fornecem/indicam
uma série de materiais complementares. O texto não se basta: deve-se complementar
sua leitura com fotos, filmes, atividades paradidáticas. As propostas curriculares
apontam um excedente de mídias que trazem prontas suas próprias interpretações dos
acontecimentos. Isso gera um ciclo vicioso que incentiva os alunos a procurarem as
interpretações de terceiros: pergunte aos seus alunos quem já leu o livro “Senhora”, de
José de Alencar, ou quem procurou uma versão em vídeo, resenha na internet, versão
em quadrinhos, podcast que comentava a obra. Situação clássica é da professora que
cobrou a leitura de “Ensaio sobre a Cegueira”, de Saramago, e ficou claro que, pelo
teor de suas respostas, não leram o livro, apenas assistiram a versão fílmica.

Mesmo nesse tipo de situação, há as velhas inconstâncias, como o não uso de


material, fazendo com que a aula se torne meramente expositiva, precedendo
o modelo “tradicional”. Mesmo o professor mais empolgado já se viu preso a
uma cultura escolar que apenas adapta a novidade aos contextos existentes,
transformando a aula de literatura numa versão da gramática normativa, a
“literatura normativa”. E de fato a fuga dessa historicidade literária é, por vezes,
considerada uma fuga do comum.

O problema dessa prática, existente desde o século XIX, é que temos uma gama de
alunos que, como em ciclo, aprendem a teorizar normativamente sobre livros que
nunca leram, criticar autores que desconhecem e decorar escolas literárias que
conheciam (VERRIER, 2007, p. 8). Futuramente, estudos como teoria literária e
literatura comparada enfrentam a existência de uma geração de alunos que se doutam
em Aristóteles sem nunca terem lido a Ilíada.

Se você tivesse que substituir os livros literários a serem lidos por seus alunos,
quais escolheria?

Não há, nessa situação, aula. Comum a expressão “odeio literatura”. O aluno não
odeia literatura, ele odeia o seu estudo, tomado por aula monofonia progressivamente

18
LEITURA │ UNIDADE I

entediante. Como mudar esse quadro? Não se trata de um problema das práticas
ensino da disciplina em si, mas das práticas escolares, na qual a literatura não
estivesse relegada à complementação de aulas de Português e Redação. Deve-se,
assim, reconfigurar a noção de leitura literária, de maneira ser uma atividade livre
e constante, possibilitando uma autonomia por parte do aluno, de modo que este se
aproprie da obra, formando, assim, leitores reais.

Nas práticas educacionais contemporâneas, mesmo que as ações resistam às


novas perspectivas, uma reconfiguração tem atingido os manuais acadêmicos e
determinações do Ministério da Educação, paulatinamente, a ponto se já se encontrar,
em não poucos documentos, o termo “leitura literária” para abordar a leitura de textos
literários tendo em vista sua potencialização.

Essa potencialização possibilita a inserção de mudanças em prol do ensino


dessa disciplina, mas quais seriam suas implicações? Nos dias de hoje, seria um
deslocamento significativo na sua didática, visto que move o foco para o texto literário
e a capacidade de promover uma interação significativa com o aluno. É uma visão
freireana que possibilita ao aluno não se limitar aos sentidos indicados pelo professor
– e pelo próprio livro didático –, mas aos sentidos que vão construindo por meio
das leituras. Dessa maneira, a prática da leitura literária necessita de transcender a
visão muito comum de ser mero arcabouço complementar para a aplicação de teorias
pedagógicas – como, por exemplo, a leitura dos romances de Jorge Amado em prol da
“Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire –, tendo o texto e a formação do indivíduo
como fim, não como espaço de transição. (Pode-se apontar um ponto ainda mais
grave: a imposição dos discursos dominantes – discursos monofônicos – que abafam
as possibilidades existentes, fruto de representações comunicativas dominantes que
abafam as novas que surgem MOSCOVICI, 2009, p. 41).

19
CAPÍTULO 3
A leitura produtiva

Voltemos ao que fora apontado sobre o gosto de ler. Alguém não gosta de ler? A
frase é ilógica. O ato de leitura presume uma aproximação: da mesma maneira que
nos lançamos ao deleite estético de outras obras, ou que vamos ao cinema de acordo
com nossos gostos, somos lançados à leitura de livros que nos atraem. Isso ocorre
pela propaganda, pela indicação de alguém, pela busca por informação – e, mesmo
assim, podemos pesquisar determinado assunto a partir de um livro específico, mais
condizente como nossos hábitos de leitura – e por capacitação: profissionais das mais
variadas áreas leem porque precisam se capacitar, principalmente os profissionais
de letras. A questão é que lançarmo-nos à leitura sem uma obrigatoriedade gera uma
identificação maior entre leitor e texto. Da próxima vez que seu aluno alegar que não
leu o livro que teria que apresentar em sala, pergunte qual ele estava lendo naquele
momento, ou que acabara de ler.

Fazemos o recurso a uma metáfora para chamar o leitor de “categoria narrativa”.


Na verdade, as categorias são “tempo”, “espaço”, “narrador”, “personagens” e
“foco narrativo”. Interessou-se? Conhecê-las pode te auxiliar a selecionar textos
que tenham maior produtividade com os alunos. Leia o texto “categorias da
narrativa”, disponível em: <https://paginaapagina.files.wordpress.com/2010/02/
categorias-da-narrativa.pdf>.

O Leitor – uma categoria narrativa?


Todo texto presume, então, uma espécie de leitor empírico (ECO, 2004, p. 17),
presumível para todo e qualquer texto literário. Leitor, porque é para ele que é
direcionado, presumível na medida em que o autor trava um diálogo com o indivíduo
que será seu “alvo”, uma imagem não física, mas prevista.

Você já ficou surpreso como aquele seu aluno que não lê “Senhora”, de José
de Alencar, lê em menos de duas semanas um livro com mais de 900 páginas,
provavelmente sobre dragões? Isso está intimamente associado ao gosto, formas de
pensar, campo de atuação, experiência e interesse do leitor. A ideia de um indivíduo
que “foge da realidade”, que prefere passar seu tempo com a leitura envolve, antes
de mais nada, a proximidade com esse hábito e o texto em si. O leitor, habituado à
sua prática, desenvolve suas próprias estratégias de leitura, de acordo com sua
individualidade.

20
LEITURA │ UNIDADE I

A ironia é que a escola, espaço de descoberta e saberes por excelência – em teoria –


torna-se o lugar de padronização das descobertas: todo ato realizado está inserido em
um conteúdo programático, ou num currículo oculto. O texto literário ali estudado dá
conta das premissas da escola, não do amadurecimento do aluno. Isso não impede,
por exemplo, que modificações e transformações possam ocorrer, uma vez que,
tradicionalmente, a escola é também um espaço de mudança. É por isso que devemos
observar os caminhos atuais – e a serem seguidos – para a proposição da mudança do
ensino da literatura na escola dos dias de hoje.

Vamos retomar aqui o que apontamos no capítulo 1: se a escola é o espaço de


formação de leitores, de capacitação da elite intelectual, que espécie de leitores
estamos formando? Considerando os 12 anos de educação básica, qual a base que um
aluno tem dos textos mais fundamentais da nossa literatura? Por vezes, ele se forma
sem ter contato até com autores mais populares, quando muito tendo acesso a contos
e trechos de poemas em suas provas.

Se tradicionalmente o ensino fundamental tem a responsabilidade de despertar esse


gosto, então ele já deveria ser um leitor competente ao adentrar no ensino médio.
Nada mais longe da verdade: na atual conjuntura educacional do país, na qual o
ENEM delimita os caminhos a serem perseguidos e os rumos perseguidos por quem
deseja aprovação nos melhores vestibulares, o ensino de literatura adentra na sua fase
mais tecnicista: o aluno é um executor de tarefas, limitado aos chavões e decorebas.

Essa é uma questão antiga no Brasil: os inconfidentes mineiros, além de questionarem


o aumento de impostos, também questionavam a necessidade de uma educação de
base: desde sempre a formação intelectual do país era direcionada para atingir as mais
proeminentes universidades. Significativo é o livro “O Ateneu”, de Raul Pompeia, o
qual apresenta um colégio que recebia matrículas com muita antecedência, e colocava
os alunos em situação de internato e tantas outras provações visando ser o primeiro
degrau para ensinar nas universidades, à época. O colégio – que dá nome para a obra
– seguia uma premissa intensa de gravação de normas, regras e padrões, em todas as
disciplinas.

O texto literário tem a capacidade de mimetizar o meio que o cerca. Obras


como “O Ateneu”, de Raul Pompeia, refletem uma sociedade voltada para o
funcionalismo público, no qual se procura os melhores colégios não para
o desenvolvimento cidadão do indivíduo, mas uma capacitação para os
melhores cargos.

Parece-lhe familiar essa situação? Não é muito diferente – similar até demais – da
mentalidade dos preparatórios dos dias de hoje, que levam o aluno a um acúmulo
violento de conhecimentos, por vezes instruindo-os em um regime intensivo e

21
UNIDADE I │ LEITURA

extensivo durante três anos, não para atingirem os pilares da cidadania, mas para
serem aprovados em dada avaliação. Tendo em mente essa mentalidade que domina
nosso país, o que de fato poderia ser ensinado em uma situação de reavaliação do
ensino de literatura, partindo do princípio de que a base dessa revitalização, o objeto
de estudo, seria próprio texto literário?

Jouve (2002, p. 18), delimita alguns passos a serem seguidos para que se estruture
minimamente um processo de reação ao status atual. Para ele, reverter o atual
quadro envolveria antecipar o problema, reestruturá-lo e interpretar os resultados
obtidos. A leitura deve ser interpretada como ação cognitiva por necessidade de dada
competência, ou seja, capacidades mínimas que o leitor deve ter em mãos para seguir
com a leitura. Uma vez que temos o fenômeno dos analfabetos funcionais, é preciso,
pelo menos, uma progressão dos textos a serem lidos bem como os códigos aos quais o
aluno será apresentado, visando o desenvolvimento dessas capacidades.

Jouve (2002, pp. 19-22), prossegue apontando as particularidades e características


que devem ser desenvolvidas em prol desse processo de revitalização da leitura
literária em sala de aula: a noção de afetividade, argumentação e simbolismo. O
texto deve ser abordado como parte de um processo afetivo, ou seja, a relação do “eu-
pessoal” para o auxílio da aproximação. Na medida em que foi apontado que deve
haver uma aproximação entre leitor e texto, é importante a relação entre o objeto e
o que este lhe diz. Obviamente um livro sobre superação ou autoajuda sempre pode
dizer algo ao leitor, mas coloca-se em questão o princípio da universalidade de um
texto, de uma obra que séculos depois ainda tem a capacidade de dizer algo e desperta
a empatia do ledor.

Há, também, o processo da argumentação, no qual todo texto levanta questões a


serem respondidas e, com isso, suscita o indivíduo a buscá-la. Tantas leituras façamos
de “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, tantas questões seremos suscitados
a buscar, como abuso, patriarcalismo, emancipação feminina etc. E por fim, a noção
do simbolismo processual: cada texto propõe diversas leituras e confrontos de pontos
de vista na medida em que atinge leitores diferentes, com os mais variados processos
formativos. E cada leitor, dotado de seu devido capital simbólico, confronta-o com o
texto que lhe chega. Há uma negociação a todo instante entre seus símbolos e aqueles
que o atinge, de modo que, ao se mesclarem e se transformarem, também influenciam
os outros símbolos de suas futuras leituras.

Essas práticas são estruturáveis, ou seja, não contradizem a leitura de outros tipos de
texto. Voltamos à expressão: “quem lê, sabe mais”. O aluno só pode desenvolver essas
habilidades na medida em que tem contato com toda a obra, e não apenas trechos. Ao
se limitar ao livro paradidático e às respostas do quadro, não desenvolve plenamente
suas competências que poderiam ser colocadas em práticas durante todo o processo

22
LEITURA │ UNIDADE I

de leitura. Seria como ensinar alguém a nadar utilizando apenas um manual didático,
sem uma aula prática na piscina. Sempre faltará algo para completar seus objetivos.

Apontamos, então, para o grande problema para o desenvolvimento dessa prática de


leitura particularizada na escola, a qual não se centra no interesse do corpo discente,
mas a falta de tempo e espaço nas escolas para o desenvolvimento de dadas atividades,
muitas vezes impedidos devido a um currículo escolar enrijecido, um currículo oculto
desestruturado que se foca em objetivos extremamente engessados, sem se atualizar,
e a cultura escolar que não oferece possibilidades para a inserção de saberes que
propiciariam novas práticas por parte do aluno, de maneira que o mesmo possa fruir
refletir e elaborar novos conhecimentos, estes, desatrelados da estrutura didática
tradicional.

Vamos aprofundar mais essa acepção nos próximos capítulos, mas é extremamente
fundamental essa noção de que há um confronto – e conflito – constante entre o
projeto político pedagógico de vários sistemas educacionais, e a aplicação dessas
políticas, de maneira que o aluno se encontra limitado não pelos seus gostos, mas
pelas oportunidades que lhe oferecem

Demos nossos primeiros passos nos aportes da prática de leitura abordando


sua aplicação em sala de aula, e a importância de realizá-la. Embora tenhamos
feito uma observação inicial aprofundada, o tema não se esgota facilmente,
principalmente quando observamos que tanto o ensino da literatura quanto
a meta por uma leitura produtiva estão intimamente associadas à prática de
inclusão social.

A leitura é uma forma de estar na sociedade e, também, conhecer o mundo. É


por meio dela que o indivíduo tem acesso a saberes que completam o espaço
social, já que a leitura é fruto da sociedade em que é produzida.

A noção de ensino de literatura, numa época contemporânea, traz a ideia


de se conhecer uma determinada cultura, no caso, a nossa. Entretanto, esta
precisa inovar-se para não cair na mesmice das mesmas práticas pedagógicas,
justamente porque a literatura não se adapta plenamente às didáticas
utilizadas em outros campos de saber.

É nessa perspectiva que caminhamos para a noção de leitura produtiva, não


estagnada, não limitada às mesmas mecânicas que tratam o texto literário nas
suas características mais superficiais. Compreender a importância de se atingir
esse grau de leitura é fundamental para se desenvolver novas propostas de
leitura em sala de aula.

23
O INCENTIVO À UNIDADE II
LEITURA

CAPÍTULO 1
Processos lúdicos

Leitura e escrita
Na unidade anterior, com o propósito de estabelecer as bases que nos guiariam ao
longo desta disciplina, apresentamos as questões e problematizações do ensino
da leitura e da prática de leitura literária em sala de aula. Pudemos, dessa maneira,
abordar o princípio da leitura significativa, a qual se atrela à formação sociocultural do
leitor. Apontamos também como pode ser desenvolvida uma estrutura que possibilite
o desenvolvimento de práticas em prol do desenvolvimento das competências
necessárias à leitura.

Vestimo-nos desses alicerces para tratar de uma questão fundamental: o leitor se


forma, ou ele é formado por alguém?

Essa pergunta extremamente capciosa nos é cara na mesma medida que conveniente.
Use-se como exemplo para o seguinte exercício: quando adquiriu o hábito da leitura,
no sentido popular a ela atribuído, ou seja, “gostar de ler livros”? Foi por curiosidade?
Na biblioteca escolar? Ou foi um presente que recebeu?

Uma famosa escritora, Ligia Bojunga, relata em várias entrevistas que cresceu cercada
por livros, na casa da avó. Já Mia Couto gosta de relembrar como na sua casa seu pai
era um ávido colecionador dos clássicos portugueses – Camões, Fernando Pessoa,
Camilo etc –.

Variado é o perfil do professor que realiza esta pós-graduação, ou de diferentes perfis


das mais diferentes áreas que atuam como a comunicação. Mas, contemporaneamente,
em muito se distancia da imagem mais recorrente vista no aluno, afastado, em sua
maioria, do devido material literário.

24
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Não é de hoje a correção entre aluno e sala de aula. Rosa Maria Aparecida
Nechi Verceze e Eliziane França Moreira Silvino, professoras da UNIR
desenvolvem longo estudo sobre como, paradoxalmente, a leitura em sala de
aula tem potencial para castrar o aluno de seu processo de formação como
leitor. A leitura é incômoda, mas denuncia muitas das práticas do cotidiano
escolar. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/article/
viewFile/328/361>.

Só depois de acessarmos esse resquício residual que assola a maioria dos alunos
do país – muitos, inclusive, de alta renda mas com carência de prática de leitura –
que podemos começar a conceber ações que abordem as relações entre literatura
e formação de leitores, principalmente na concepção de que o texto ficcional é uma
forma de se compreender o mundo, ao passo em que aborda as possibilidades e
potencialidades do da língua em prol da formação de leitores.

Ainda não respondemos à pergunta: qual o professo formativo de um leitor? Podemos


recorrer às considerações de alguns escritores e educadores que são, também, leitores,
para responder a essas dúvidas, como Fanny Abramovich (1995, p. 11), para a qual a
leitura era uma espécie de volúpia, uma prática deliciosa realizada com as obras dos
clássicos brasileiros. Para ela, gerava-se uma sensação totalizante que preenche o ser
e permite a fruição de muitos saberes. Por sua vez, Ana Maria Machado revela sua
predileção por contos de fadas desde pequena, por influência da mãe (LAJOLO, 1995,
p. 26). Apontamento parecido faz Joel dos Santos, que desenvolveu cedo o gosto por
influência da avó (SANTOS, 2000, p. 91).

Os relatos denunciam um ponto crucial que nos servirá de primeiro passo: em


muitos casos não foi à escola a responsável pelo desenvolvimento do hábito de
leitura nos indivíduos. Podemos, inclusive, apontar como muitos desses escritores
eram oriundos de espaços mais alfabetizados. Porém, qual fora a influência de
Machado de Assis, nosso maior escritor? Que escolhas frequentou? Quais liceus
visitou? Para além das histórias/lendas de que fora trabalhar numa padaria de um
francês para aprender o idioma, é fato que o escritor não era detentor do “perfil”
usufruído pela elite carioca, à época.

25
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Figura 1. A burguesia, elite econômica da sociedade pós-Revolução Francesa.

Fonte: Cortés (2013).

Leitura e formação
É importantíssimo compreender o processo formativo do leitor como um ritual
iniciativo, por meio do qual ele passa a ter contato com um novo mundo. Dividido
em etapas, possui a capacidade de possibilitar o crescimento e amadurecimento
deste indivíduo em formação. É possível, com base nas primeiras experiências,
observar o desenvolvimento de um gosto pela prática, não sem poréns: o apoio de
facilitadores, indivíduos que o auxiliam e incentivam à prática, bem como o meio,
ou seja, um contexto sociocultural que agregue as possibilidades e oportunidades
de enriquecimento, de modo a aproximá-lo cada vez mais para essas atitudes. É
nessa constatação que se observa o acesso ao texto literário e a presença de outros
leitores, os quais auxiliam na capacitação, influência e reforço positivo dos futuros
leitores. Esses elementos possibilitam um despertar precoce e estimulam uma série de
atividades que tão cedo agregam resultados prazerosos, afetivos e que influenciam em
todo o processo formativo do estudante.

O meio – espaço facilitador da prática leitora


Observando os relatos anteriores, podemos apontar como o meio em que cada escritor
conviveu facilitou o desenvolvimento de sua atividade como leitor, bem como o
desenvolvimento de um perfil de leitura.

Tendo isso em vista, deve abordar esse processo como prática significativa, ou seja,
associado ao cotidiano de cada um, de modo a despertar o seu prazer pela atividade.
Ao abordarmos anteriormente acerca da afetividade, focamos no ponto do vínculo
entre leitor e texto, não de obrigação, mas de afinidade. Essas atividades, motivadas

26
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

por vários fatores, como vínculos – sociais e culturais – que vão sendo estabelecidos
ao longo da vida, promovem uma mescla, ou melhor, aglutinação e associação entre
esses pontos, de modo que o ato da leitura se torna desassociado de outras práticas
cotidianas. Não é por acaso que um contexto familiar é sempre um dos melhores
espaços para esse desenvolvimento, e porque muitos dos leitores deram início à sua
prática por meio de histórias que lhes eram contadas.

A leitura separa o ambiente para o leitor conceber sua identidade e constatar sua
fragilidade, atos possibilitados pelo “fazer ficcional” inerente ao texto, seu jogo de
devaneio de experimentação. Essa experiência tanto abre novos horizontes quando
amplia as percepções de cada um. Porém, contemporaneamente o desenvolvimento
desse gosto passou a ser um verdadeiro desafio, e um de seus principais motivos
é a inconstância dos facilitadores educacionais, ou seja, o acesso ao texto. O acesso
ao universo literário é limitado por vários fatores, a saber, o acesso ao material, a
infraestrutura, os meios democráticos de acesso aos livros e os projetos de promoção
de leitura por parte do governo. Que propostas estão sendo implementadas, e qual sua
aplicabilidade?

A entrada de outros gêneros em sala de aula é recente. Durante décadas foi-se


utilizado apenas o livro didático, com posterior uso dos paradidáticos e, mais
recentemente, revistas, jornais e outros formatos (SOARES, 2010, p. 4).

Perguntas simples que exigem respostas complexas, iniciando a problemática da


criação de novos leitores, principalmente num ambiente onde o próprio acesso à
cultura é deficiente. Como aponta Ezequiel Silva, a formação de leitores demanda
o contexto nacional e a percepção da falta de condições sociais e econômicas
para promover a capacitação dos cidadãos brasileiros (2012, p. 10). Dessa forma,
considerando a carência de bibliotecas em todo o Brasil, próximas das grandes
concentrações urbanas, mas longe das regiões mais carentes, resta à escola, para além
do seu papel de espaço de promoção da educação, a responsabilidade do processo
formativo desses leitores. Instituição educadora por excelência, responsável por inter-
relacionar os mais diferentes campos do saber, cabe a ela essa função.

Devemos, porém, resgatar os problemas da mercadorização do saber:


diferente do desenvolvimento da leitura literária, o protagonismo escolar
pode ser suplantado pelo uso da velha didática que absorve livros didáticos
e paradidáticos, afastando o aluno do uso do texto literário integral. Ocorre o
erro da cristalização da leitura, prendendo o aluno a receitas e fórmulas prontas,
muitas vezes disfarçadas de prazer estético, o qual é também conhecido como
“prazer superficial”. Em suma, um texto estruturado e organizado que evoca o

27
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

lado lúdico da leitura, mas não atinge a função social da escola de promover o
prazer essencial que flui do ato da leitura.

E o que difere o prazer essencial, do superficial? O prazer superficial está relacionado à


leitura superficial do texto, no qual a atividade estrutura-se em torno da dinamização
do texto literário, limitando-se a abordar as questões óbvias nele presente. Essas
características estão muito presentes em textos que apresentam as características
mais óbvias de dada obra, dividindo as avaliações em formato objetivo. Não é uma
prática incomum, uma vez que busca direcionar o aluno mais para uma formação
específica. Já o prazer essencial envolve as experiências de leitura focadas no
aperfeiçoamento e emancipação do indivíduo, possibilitando a problematizarão
dos temas apresentados. Deixa de haver uma resposta essencialmente correta, mas
possivelmente contextualizada.

É muito comum o uso desse prazer superficial para a realização de atividades que
visam mais o uso da língua, do que o sentido do texto, de modo que o texto literário é
meramente fenômeno linguístico. Já atividades que valorizam o prazer essencial são
voltadas para a contextualização e desenvolvimento das habilidades lúdicas durante
o processo de aprendizagem. Um exemplo dessa atividade seria uma atividade
de contextualização entre “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, e “Auto da
Compadecida”, de Ariano Suassuna.

Figura 2. A obra de Gil Vicente e seus reflexos no teatro em língua portuguesa

Fonte: Couto (2009).

Eis a questão apresentada e não percebida pelos educadores, a incompreensão da


diferença entre gosto e prática de leitura. Há toda uma sequência de produções, bem

28
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

como um mercado, voltados para uma prática constante, quase robotizada. Mas pode-
se falar, de fato, em leitor? Se o hábito da leitura envolve, antes de qualquer coisa,
uma afinidade, um gosto com a prática, em que medida a obrigatoriedade do exercício
contribui com o seu desenvolvimento?

Quantas vezes você já viu grupos de alunos que, em sua maioria, liam pela
obrigação, mas não demonstravam o interesse pela leitura? É possível que ler
de desassocie do gostar? Deixamos essa pergunta que será abordada mais
adiante, mas pergunte-se se o seu desempenho não está sendo afetado por
esse fator.

A função formadora
É nesse princípio que o educador/professor deve ter em mente sua função de agente
formador de leitores, contribuindo para sanar essas carências mais essenciais que
surgem ao longo do seu processo formativo. Tornar-se ciente desses questionamentos
aponta a função de cada um – na função de professor – como participante desse
processo iniciativo voltado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, bem como
das instituições envolvidas nas respectivas atividades educativas.

De maneira que possamos apontar para os vários caminhos, problematizações


e possibilidades dessa prática educativa em particular, trazemos novamente as
observações de Fanny Abramovich, escritora e pedagoga, sobre este processo de
formação de leitores e como o mesmo pode ser implementado em instituições que
visam fomentar suas práticas:

Consta-me que a prioridade inicial deveria ser capacitar leitores


inconsistentes, determinados, cheios de dúvidas, atentos para o
potencial que uma história pode abordar, competentes para entender
o motivo de não terem aproveitado ao máximo determinada história.
Texto literário é arte, é prazer, e cabe a escola abraçar essa marca
educativa, o que envolve, também, ensinar a gostar e a criticar.
(ABRAMOVICH, 1995, p. 148).

Essas práticas, quando relegadas, atrapalham todo o processo de formação do


leitor, em vários níveis. Daí que Abramovich defende que ambos, literatura e escola,
comungam de um espaço, o de formação, de maneira que se a escola busca educar
com os fatos e registros, o texto ficcional o faz com as possibilidades, instigando o
aluno/leitor por meio dos questionamentos que nele desperta. São atividades que, por
sua atuação contestadora, nunca deixam o indivíduo indiferente ao que o atinge.

29
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Assim como a escola cria um ambiente onde transmite o saber acumulado, a


literatura parasita o meio social, relação que o aluno tem como o meio. Assim, por
mais diferenciada uma obra possa estar do meio que parasita, ainda assim possuir
a capacidade de se integrar com seu leitor, uma vez que ainda busca salientar às
grandes questões a serem resolvidas, como a relação entre a Terra Média de Tolkien e
a Segunda Guerra Mundial, de maneira que ao atingir essa reflexão, o leitor também
realiza uma atividade de autorreflexibilidade pessoal.

Figura 3. A leitura e seu espaço.

Fonte: Barriogs (2018).

Essa mesma função não escapa à escola, a qual auxilia o aluno a ler o mundo por
meio dos conteúdos programáticos. A inconstância é como o mesmo percebe que a
aprendizagem em sala lhe permite uma nova percepção do seu dia a dia, e especial
a descoberta da existência de leis com as quais não exerce nenhum poder. É nessa
medida que escola e literatura se distanciam, devido às possibilidades de interagir com
um mundo, ainda que ficcional, de maneira mais ativa. É por meio da obra ficcional
que muito se conjecturou sobre os limites do nosso mundo, como vários livros de Júlio
Verne, ou os limites da percepção nas obras de Arthur Conan Doyle. É o texto literário,
germinador da imaginação, que possibilita ao indivíduo desenvolver a capacidade de
subverter as amarras da realidade e repensá-la em prol de seus objetivos.

Se analisarmos o valor da obra literária para a formação do leitor, o que a classificaria


como boa ou ruim não diverge tanto dos critérios que analisam qualquer obra de arte.
Em suma, sua valoração está no princípio de favorecer um porto de saída para uma
percepção inovadora da realidade, permitindo que o leitor possa compreender melhor
o mundo em que convive, mas por outro viés.

Emerge dessa interação a relação entre o leitor e a obra que lê. Na medida em que a
obra exige uma participação mais ativa e do domínio do leitor de um código cultural,
mas o livro tem a lhe agregar, devido a sua capacidade de abranger o meio social,

30
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

possibilitando o alargamento do horizonte sociocultural de quem lê a obra. Sendo este


um processo cognitivo de intercâmbio, instaura-se o fenômeno da leitura. É comum
a acepção “o que você absorveu de bom do texto”, quando, na verdade, trata-se de
uma compreensão do mundo real via imaginário. Assim, a obra literária não se limita
ao conteúdo escrito, mas da capacidade do leitor em assimilar a realidade criada.
Dessa maneira, a leitura só se dá quando esse processo, a interpretação entre mundo
ficcional x mundo ficcional, realiza-se em sua totalidade.

No início deste capítulo trouxemos o questionamento acerca do processo de


instrumentalização pedagógica da leitura. Agora, entre no fórum da Unidade
II – considerando que você já pode ter uma apreensão inicial dos pressupostos
desse processo – e responda a seguinte pergunta: Em que medida um projeto
de leitura realizado de maneira independente dos parâmetros curriculares
nacionais pode atingir resultados mais propícios e proveitosos.

31
CAPÍTULO 2
Os textos trabalhados na escola

O perfil dos textos escolares


Para se conhecer o perfil dos textos utilizados no âmbito escolar, basta olharmos seus
livros didáticos para observarmos suas características mais comuns:

»» recortes de livros, muitos dos quais de obras infanto-juvenis;

»» em geral, nacionais, com exceção de contos de fadas;

»» havia um número maior de textos no livro de Língua Portuguesa e


Redação, voltados para exercícios textuais, do que no próprio livro de
literatura.

»» não se atrapalhava a capacidade escrita, duplicadora.

Os livros sempre estiveram/estão divididos em capítulos, voltados para temas


que abordassem, por exemplo, questões gramaticais. Cada capítulo era iniciado
por um trecho de uma grande obra, ou de um texto adaptado para se adequar ao
direcionamento do capítulo.

Exemplo disso está no livro didático “Estudar é Viver”, no qual, na página 7, há um


trecho do livro “Onde tem bruxa, tem fada”, de Bartolomeu Queiroz, de modo que o
trecho é um fragmento utilizado para fins didáticos. Não há explanação sobre o autor
– vivência, carreira, origens, estilo – ou um breve resumo do livro citado, de maneira
que os leitores, jovens, pudessem se contextualizar. Desse modo, o texto literário teve
uma função utilitarista, contribuindo como base de exercícios linguísticos, mas pouco
auxiliando na sua formação de leitor.

Não são poucos os artistas, escritores e pesquisadores que definem sua


existência pelo contato com livros. Para muitos, se o mundo acabasse bastava
que salvássemos as grandes literaturas para que reconstruíssemos nossa
civilização. A afirmação não é tão absurda quanto muitos pensam: os clássicos
da literatura recebem esse nome por, dentre outros motivos, atingirem a
essência cultural de suas respectivas sociedades e, com isso, transcenderem
seus espaços formativos.

32
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Essa apropriação do texto literário sem sua contextualização é uma constante nos
livros didáticos, a exemplo do poema de Cecília Meireles, “Ou isto ou aquilo”, o qual
consta no livro do 2o ano do fundamental da coleção “Quero aprender”. O poema é
replicado na sua integridade, e chega a abordar questões de compreensão textual,
sem nenhuma contextualização. Os exercícios pouco estão relacionados ao texto, de
maneira que este é utilizado para analisar figuras de linguagem e como elas constroem
o sentido do texto. Porém, esse exercício de caráter linguístico reserva-se a ser uma
aplicação de outra ordem, deixando a apreensão de saberes de fora. Ainda um terceiro
caso, o livro “Trabalhando com poesia”, em um exercício que contém o poema “Três
Tias”, de Elias José, apresenta a seguinte proposta de atividade: “que letras aparecem
mais de uma vez no poema? Veja a letra que mais aparece e duplique-a todas as vezes
que ela aparecer na primeira estrofe” (COSTA, 2004, p. 266).

Os três exemplos, embora em alguns casos dupliquem completamente o texto original,


servem como mero pretexto para abordar o ensino da gramática. Não são questões
que promovam a reflexão da temática a ser abordada, a estilística, tampouco trazer à
tona a reflexibilidade inerente ao texto literário, não podendo ser categorizada como
produção textual significativa, ou seja, sem uma relação interacional com o leitor.
Não é por acaso que, em muitos casos, os textos literários são substituídos por textos
dispersos encontrados na internet, visto que seu esvaziamento simbólico cria uma
situação na qual sua substituição não causa prejuízo ao exercício apresentado.

Em suma, não é um problema de falta de literatura, mas sua acessibilidade lúdica.


Trata-se de uma literatura prejudicada nos manuais didáticos por causa do nosso
sistema educacional (SILVA, 1986), substituindo o deleite do texto pela sua castração,
da delimitação do texto a ser lido, dos sentidos pré-definidos e do impedimento do
aluno de desenvolver sua capacidade interpretativa. Kleiman (1998, p. 12), por outro
lado, amplia a crítica:

É comumente sabido que há um pré-impedimento diante do que


ou é muito difícil, ou muito complexo. A simplificação dos textos e
seu descaso durante esse período letivo contribuirão, futuramente,
para a não formação do futuro leitor, acostumado a ler enxertos e
desacostumado a se lançar na leitura.

a interação desses conhecimentos, segundo a perspectiva cognitiva,


ocorre na mente do leitor; ler é, portanto, uma ação individual, um
ato estratégico de processamento da informação que não estabelece
relação com os fatores externos ao texto. Cada uma das palavras que
compõem o texto representa entidades do mundo físico, havendo uma
relação direta entre linguagem e mundo (SANTOS 2017, pp. 29-30).

33
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Fisiologia do exercício literário


Fazendo uma leitura pedagógica dos exercícios, eles produzem um bloqueio em
todo um processo socioconstrutivista, na medida em que a falta de relação entre
texto e contexto causa um bloqueio no discente. Não há o prazer do texto, da mesma
maneira que se impede o desenvolvimento das potencialidades que lhe são caras, sua
capacidade de interpretação literária.

Todo exercício que se apropria de textos, independente do seu caráter avaliativo ou


campo de saber, deve propor uma visão ampliada deles, de maneira que possibilite
ao aluno a noção de que a produção escrita está relacionada a diferentes elementos, o
que inclui sua receptividade. Analisa-se muito textos de acordo com sua classificação
sintática, morfológica, histórica, mas ignora-se, por vezes, seu caráter semântico. Cabe
à escola esse papel, de auxiliar nessa prática de interpretação da plurissignificação
textual, literária ou não.

Figura 4. A literatura é como a esfinge: decifra-me ou te devoro.

Fonte: D’Lucca (2010).

Se para toda regra há exceção, iniciativas são realizadas em prol do melhor uso do
texto literário. Como apontado, literatura e escola são espaços que comungam de
interesses e, por vezes, entram em conflito. Como aponta Lia Luft, em crônica:

A escola era terrível, seria melhor se ficássemos em casa, no quintal,


lendo. Mas era divertido quando brincávamos com os vocábulos:
na biblioteca havia livros, e as palavras eram como doces infinitos
que a gente guardava por um instante antes de se deliciar... mas às
vezes jogávamos na cara dos outros essas descobertas, de propósito,
cuspindo. (LUFT, 2004).

34
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Observe como a crônica, que nas mãos de Luft assume contornos de crônica literária,
promove um jogo lúdico de verdade/falsidade: ela tanto gostava quanto odiava a
prática de leitura na escola. Quais seriam esses livros? Didáticos? Ou livros que ela
não gostava?

Isabel Solé é uma pesquisadora que aborda a leitura pelo viés da psicologia
e, em termos mais ou menos gerais, aponta que os mesmos mecanismos de
punição e recompensa se fazem presentes no desenvolvimento na formação
do leitor. Em entrevista, a pesquisadora detalha suas colocações, e como suas
práticas ao longo dos anos sempre apresentaram esses elementos em comum.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/304/para-isabel-sole-a-
leitura-exige-motivacao-objetivos-claros-e-estrategias>.

Para não limitarmos o grau de interpretação, apontamos que, a nosso ver, parece-
nos que ela reclama dos livros que lhe são obrigatórios, ou seja, que não favorecem
o desenvolvimento da capacidade ledora, em oposição a outros que ela mais gostava,
que contribuíram para a ampliação de suas faculdades cognitivas. Assim, a escritora
traz a discussão sobre o próprio texto literário a ser trabalhado em sala de aula.
Observemos como, enraizada em uma série de estudos de ordem cronológica e num
curto espaço de tempo para realização de um conteúdo programático, a disciplina de
Literatura limita seu ensino a textos que, como primeiro contato para os leitores, não
contribui com sua função:

Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um


patrimônio já constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela
formação do leitor. A execução dessa tarefa depende de se conceber a
leitura não como o resultado satisfatório do processo de alfabetização
e decodificação da matéria escrita, mas como atividade propiciadora
de uma experiência única com o texto literário. A literatura se associa
então à leitura, do que advém a validade dessa. [...] A experiência da
leitura decorre das propriedades da literatura, [...] esse universo,
contudo, se alimenta da fantasia do autor, que elabora suas imagens
interiores para se comunicar com o leitor... [...] Dúbia, a literatura [...]
aciona sua fantasia [...] mas suscita um posicionamento intelectual.
[...] Nesse sentido, o texto literário introduz um universo que, por
mais distanciado do cotidiano, leva o leitor a refletir sobre sua rotina
e a incorporar novas experiências. (ZILBERMAN; SILVA, 1990, p. 19)

Há nesse estudo uma abordagem da responsabilidade inerente ao texto literário,


do fazer literário, e sua transmissão. Aponta-se que não cabe à escola estruturar

35
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

didaticamente o texto durante o processo de acessibilidade do texto literário,


tampouco “pedagogizá-lo” ou limitar suas possibilitadas semânticas aos limites do
manual didática. Em suma, o que precisa ser abordado é o livro, puro e simples, de
maneira que o leitor possa desenvolver e ampliar sua capacidade criativa, por meio de
suas escolhas intertextuais e paratextuais.

A natureza da leitura em ambientes escolares


Após essa abordagem sobre o uso dos textos e seu problema de contextualização,
fruto de uma estrutura engessada presente nas estruturas escolares, vamos abordar
um campo ao qual nos referimos anteriormente, a natureza da leitura em sala: qual a
prioridade?

Não é incomum a concepção cotidiana da leitura sobre a qual o texto deve emancipar
o indivíduo, ignorando todas as suas potencialidades. Isso é tão frequente, que nós
dividimos nossa literatura em “literatura” e “literatura infantojuvenil”, por exemplo,
categorizando-as de acordo com a faixa etária e, ao mesmo tempo, sutilmente criando
hierarquias de valor.

Mas o que é mais importante? Hábito ou ludicidade? Meta ou prazer? É muito comum
o pensamento de que o que importa é que os alunos leiam o texto, mesmo porque,
como já apresentamos, uma parte significativa só terá acesso aos livros no ambiente
escolar. Mas não podemos esquecer que a criança/adolescente tem acesso à leitura em
vários lugares e, só para citar um exemplo, hoje em dia temos a internet. De fato, nós,
adultos, somos mais propensos ao fetiche do livro impresso, de não admitir qualquer
outro formato, mas há toda uma produção de livros digitais que facilitam esse tipo de
leitura, com a leitura sendo realizada desde e-readers, celulares e computadores. É
claro que devemos considerar os aspectos socioeconômicos de cada um, pois muitos
vivem em situação em que sequer tem acesso a esses recursos, mas é um exemplo de
como a acessibilidade à obra literária é mais ampla do que podemos apontar. Além
do que, a ampliação da leitura, na medida em que abordamos até então, encontra-se
presente em vários lugares, de modo que o aluno sempre lê, mesmo que não tenha
essa percepção.

Para completar, não é porque o espaço escolar é, para grande parcela, o único e
acesso à leitura, que podemos apresentar textos aleatórios, sempre com a mesma
metodologia. Na disciplina Gêneros Textuais e Ensino - do texto ao hipertexto,
abordamos exaustivamente o uso tradicional e contemporâneo dos tipos e gêneros
textuais, e como cada um é mais adequado à dada situação comunicativa, bem como
diferentes tipos de atividades. O raciocínio é simples: se você precisasse desenvolver

36
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

hábitos de leitura em uma turma, qual livro utilizaria? A pergunta pode ser
extremamente ambígua, uma vez que você precisa considerar meta, disponibilidade,
praticidade, objetividade e saberes a serem trabalhados. Mas coloque-se no meio do
caminho entre aluno e professor, e faça essa reflexão.

Enquanto se questiona, podemos delimitar não a obra, mas os métodos a serem


utilizados: nosso caminho deve favorecer o ato de pensar e de construir, ou seja,
divagar em meio à leitura, ser protagonista da sua fala e escrita. Esses exercícios
passam a ser a base dos métodos a serem aplicados, já que o aluno é levado, via
escrita, a compartilhar o que escreve, ou seja, dar forma, corporificar.

Podemos exemplificar os apontamentos com alguns textos que nos levem a pensar
sobre isso, como o que fora selecionado abaixo, vamos ler?

O Menino Maluquinho

Era uma vez um menino bagunceiro.


Ele tinha o olho maior que a barriga, tinha fogo no rabo, tinha vento
nos pés, umas pernas enormes (que davam para abraçar o mundo)
e macaquinhos no sótão (embora nem soubesse o que significava
macaquinho no sótão).

Ele era um menino impossível! Ele era muito sabido, ele sabia de tudo,
a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto. Seu canto, seu
riso, seu som nunca estavam onde ele estava. Se quebrava um vaso
aqui logo já estava lá. Às vezes cantava lá e logo já estava aqui. Pra
uns, era uirapuru, pra outros, era um saci.

Na turma em que ele andava, ele era o menorzinho, o mais espertinho,


o mais bonitinho, o mais alegrinho, o mais maluquinho. Era tantas
coisas terminadas em inho que os colegas não entendiam como é que
ele podia ser um companheirão [...] (ZIRALDO, 2012).

Uma leitura superficial do texto o abordaria com base nas classes gramaticais
presentes, como substantivos, artigos, adjetivos, verbos, advérbios etc. Mas as relações
no texto não são apenas sintáticas, mas também semânticas, presentes em qualquer
texto, principalmente o literário que propicia uma rede de inter-relações via signo
literário. É por isso que se deve aproveitar o aporte para abordar questões sobre quem
narra, quem são as personagens, o enredo da história, o local e o tempo.

37
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Observa-se que se trata de um menino, e muitos dizem que ele é maluquinho devido
às suas peraltices. Com base nisso, podemos constatar que, no texto, o ponto crucial
é o vocábulo “menino”, uma vez que todas as demais categorias narrativas – tempo,
espaço, personagem, enredo, narrador – dele falam, a ele se referem. Se mudássemos
a palavra – por exemplo, modificando seu gênero para “menina” – já seria outro
texto, pois falaria de outra pessoa. Todos os adjetivos a ele atribuído, os “inho”, bem
como os advérbios que giram em torno dos verbos – suas ações –, são informações
fornecidas por uma leitura atenta para caracterizá-lo e apontar suas particularidades
e peculiaridades. Passamos a conhecê-lo, seus hábitos, o que seus amigos acham dele.
Poderíamos mudar a ordem das palavras ou alterá-las sem modificar o sujeito, mas
falaríamos de outra coisa, e de outra maneira.

Veja que, no final do texto, há a referência ao autor, Ziraldo, o que dá um indício


de um reaproveitamento e contextualização da obra. Observe, também, como o
texto apresenta adjetivação – como as palavras “vento nos pés” e “pernas enormes”
que atribuem particularidades à personagem. Observe que o texto exerce uma
função dupla: possibilita um processo de releitura superficial e, ao mesmo tempo,
aprofundada, um espaço de dupla significação. Não se limita a um uso que favoreça
apenas as classes gramaticais, mas, também, a estrutura interna do texto.

Esse tipo de atividade limita-se a fugir um pouco do velho esquema texto-gramática,


mas é apenas um dos usos mais essenciais para atividades de interpretação. Há outros
que vão mais além e, como já dizia Chico Buarque:

Todo dia Ela faz


Tudo sempre igual Me sacode
Às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã [...]

O ensino de literatura não pode ser limitar a uma prática repetitiva, a um uso ad
eternum do mesmo corpus teórico e ficcional. Procure se lembrar dos seus anos na
educação básica: já passou por um docente que utilizava sempre a mesma técnica? Ou
que era um pouco diferente dos demais, mas essa diferença era repetida à exaustão?

Assim como a música de Chico Buarque, essa atividade é um problema a ser superado:
imagine a situação do aluno quando o esquema da aula é, essencialmente, similar ao
de outras? Se o ensino de literatura vira rotina, então não há, de fato, aprendizagem.
O aluno entrará em sala, pegará o livro, observará se estamos estudando o mesmo
período literário ou já adentramos em outro; se for o mesmo, vai sempre estudar
os autores pela mesma régua, pelas mesmas características, sem aprofundar as
particularidades.

38
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Além de não ser nem um pouco didático e, também, contraintuitivo, há um problema


maior do que a leitura como obrigação: a rotina:

Nas sociedades regidas pelo capital, nenhum saber é aleatório, todas


as atividades visam ao atendimento de uma demanda, e a escola atua,
em sua grande maioria, como espaço de perpetuação de normas e
valores. Não se torna espaço propriamente de prazer e emancipação,
mas de capacitação. Os textos a serem lidos são avaliados por resenhas
ou resumos, utilizados para a realização de testes ou, até, para evitar
destinos piores – na visão dos alunos – como ler tal livro e fazer um
relatório de x páginas. (GERALDI, 2002, p. 12).

Ele não está sequer se referindo às escolas técnicas ou aos cursos preparatórios, mas
ao que é comumente conhecido como Educação Básica. A necessidade de promover
capacitação para um contingente, o qual ocupará os futuros postos de trabalho, gera
uma cultura de organização, padronização e divisão de todos os saberes, divididos em
disciplinas. Observe como, dependendo do momento, o aluno estudará sobre a Idade
Média na aula de Literatura, e só depois na disciplina de História, se formos usar um
exemplo imediato.

Planejamento didático-literário
O texto em sala de aula, já recortado nos livros didáticos, é planejado para não ser
instrumento de emancipação. Sua filosofia de produção, por mais “dinâmica”,
“inovadora” e “ousada” que aparente ser, na verdade é o reflexo de um meio social
no qual os indivíduos são capacitados desde cedo para atuar, ou seja, para assumir
cargos, não para atuarem enquanto indivíduos sociais. Passa a valer mais o que a
pessoa possui – cargos, capacitação, cursos – do que ela de fato é. A escola reflete
essa característica por meio de suas avaliações que, à semelhança do patrão com seus
funcionários –, são espécie de cobrança, cota a ser atingida.

Figura 5. Mecanização do ensino de literatura.

Fonte: Dias (2007).

39
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Isso não difere, por exemplo, devido à presença de avaliações objetivas ou discursivas.
Como já apontamos em capítulos anteriores, muitas dessas questões possuem um
direcionamento de resposta, o que não é um problema em si, já que, nessa faixa
de idade, há sim uma limitação de respostas a serem atingidas justamente pela
capacidade discursiva dos alunos, e essa limitação os auxilia a se concentrarem
nesse primeiro momento. O problema, como já abordado, está relacionado ao uso
disso como prática por professores que, em sua época, também não desenvolveram
sua capacidade de leitores e, consequentemente, não conseguem fazê-lo em sala.
Logo, o direcionamento de respostas torna-se uma verdadeira amarra para ambos,
professor e aluno. O docente limita-se a contar as características dos períodos, e o
aluno, a responde da maneira que aprendera no livro didático. Sua contextualização
é perdida, já que o texto não lhe é significativo. Em suma, as atividades tornam-se
muito similares a exercícios de matemática, nos quais “1+1=2”, como em “se Alencar
é um escritor romântico, e o romantismo teve em sua fase nacionalista um aporte
indianista, então Alencar também foi um indianista”.

Essas práticas aproximam o texto literário mais de uma leitura objetiva,


ignorando todas as suas potencialidades, do que subjetivas. Observa que
a riqueza do texto literário é a sua capacidade de sempre ter algo a dizer em
detrimento de sua subjetividade inerente.

Essas práticas precisam ser revistas e constantemente atualizadas, evitando-se assim


a prática da leitura em sala como algo silencioso e que caia na rotina, limitando-se
a abrir o livro, executar as questões e corrigi-las. Essas ações nos afastam de nossa
meta, formar leitores. O hábito da leitura afasta-se por completo de sua realidade.

Há complicações. Sendo o hábito da leitura associado a todas as áreas de saber, temos


alunos que, ao longo da vida, carregam carência na sua capacidade interpretativa,
não apenas na aula de literatura. Conhecimentos como História, Sociologia e
Filosofia, muitas vezes deixados de lado em detrimento de políticas estatais, quando
utilizadas são influenciadas pelos problemas aqui apresentados. Os índices absurdos
de analfabetos funcionais refletem exatamente isso, alunos que sabem ler, mas não
interpretar. O texto torna-se um simulacro totalmente distante da realidade, de tal
forma que, em uma aula de história, o aluno conhece todos os pontos, personagens
e eventos que culminaram na Revolução Francesa, mas desenvolveu a habilidade de
contextualizá-la no seu cotidiano. Sabe que significou a queda do Antigo Regime, mas
não como isso o influencia. Os textos de filosofia passam a ser material “para quem
quer pensar na vida”, e sociologia, “para fazer política”.

40
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

A leitura, em sua apreensão, deve transcender a categoria de atividade monótona, em


suma, a rotina na música de Chico Buarque.

Figura 6. O ensino da literatura é prejudicado em meio à rotina escolar.

Fonte: Yassay (2018).

Devemos observar que, na nossa função primordial de facilitação do surgimento


de leitores, ir além das estruturas escolares, propiciando um fazer primoroso
que transcenda às práticas habituais. O prazer atingido não pode ser meramente
contabilizado ou detalhado em uma planilha de metas, mas gera um capital simbólico
incalculável.

O gosto pela leitura


Eu bebo em sua boca
O gosto de tudo
Eu mato em seu corpo
A sede que eu tenho
Nesse beijo eu tomo
De todos os vinhos
Mistura perfeita
Dos nossos carinhos
O ar que eu respiro
No céu se mistura
Da boca ofegante
Que a minha procura
Eu bebo nas fontes
De tantas delícias
Me perco em seus montes
Jardins e carícias
Quando eu provo do seu beijo

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UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Eu me perco no sabor
Da pureza dessas fontes
Da beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Tudo é puro na beleza desse amor
Na árvore plena
Nosso amor conhece
O gosto da fruta
Que a vida oferece
Nós somos a festa
E a dose atrevida
Brindemos agora
O amor e a vida
Quando eu provo do seu beijo
Me confundo no sabor
Da pureza dessas fontes
Da beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Quando eu provo do seu beijo
Eu me perco no sabor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Na pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Quando eu provo do seu beijo
Me confundo no sabor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Tudo é puro na beleza
Na beleza desse amor

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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Uma vez que falamos tanto em desenvolver o gosto pela leitura, elemento base para
a formação de um leitor, resolvermos utilizar, ao pé da letra, essa associação entre
“gosto” e “gosto”, com a música “O Gosto de tudo”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos.
Figurativamente, abordamos como bebe-se na boca “o sabor de tudo”. Cabe aqui
uma olhada no sentido da palavra, “gostar: sentido pelo qual se percebe o sabor das
coisas, paladar; sabor; prazer, agrado; simpatia, inclinação, pendor; critério, opinião;
maneira, moda; faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos,
sem levar em conta normas preestabelecidas; bom gosto (AURÉLIO, 2019, s/p).

Etimologicamente, gostar é a capacidade de julgar as propriedades de algo,


valorizando-as, seja de maneira objetiva, seja subjetiva. Em suma, avaliar, apreciar
– como já apontamos, dar critério, opinar. Claro que o ato de gostar de algo está
intimamente relacionado à sua relação sociocultural e histórica, do momento em
que fora produzido e suas formas de produção e perpetuação. É nesse ponto que nos
aproximamos de outro sentido de gostar, “agradar”, promove o deleite – estético ou
não –, e é nesse ponto que se aproxima o sentido da leitura que buscamos atingir, o
de levar a sensação de deleite ao leitor. Mas esse prazer não é algo que simplesmente
brota, mas associa-se ao nosso meio, das experiências de vida, muitas das quais
estamos limitados e não podemos promover uma ruptura sem grande dificuldade.

Em outras palavras, o prazer, associado ao fazer, relaciona-se com o nosso dia a dia.
Se o aluno gosta de Rock, você já parou para refletir que são essas as leituras que lhe
dão satisfação, que Pitty e Skank lhe são mais prazerosos do que O Pequeno Príncipe
ou Emília no País da Gramática? São essas leituras que lhe dão o devido “sabor”, e
não outras.

Figura 7. O Ensino da literatura é prejudicado em meio à rotina escolar.

Fonte: Hassan (2018).

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UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

Você deve ter percebido como o “gostar” pode ser algo extremamente subjetivo, não é
baseado em parâmetros. Nem todos tem o mesmo gosto, apreciam as mesmas coisas.
Como diz o ditado, “o que seria do azul, se todos preferissem o vermelho”?

Essas características esbarram nas práticas escolares. A primeira dela envolve as


“disciplinas favoritas”, de maneira que, muitas vezes, literatura não é elencada.
Os alunos podem gostar de ler, mas não de estudar literatura, lembram? Como
já apontara Ruth Rocha, pode-se associar o hábito da leitura ao de escovar dentes:
fazemos a saúde bucal de maneira mecânica, sem uma reflexão acerca de nossas
ações. Somos habituados desde cedo a fazê-lo, sob risco de punição pela falta de
asseio. Muitos tem preguiça, ou não gostam de escovar os dentes (2001), motivo
que soa extremamente ambígua a expressão “desenvolver hábitos de leitura”, como
se estivéssemos desenvolvendo um sentimento de obrigação nas pessoas, e não um
prazer.

Mas é essa a raiz de nossos problemas, da nossa prática didática cotidiana. Faça
um exercício muito simples de memória: durante uma atividade de leitura, qual a
porcentagem de alunos que alegam “que não querem ler” ou dão qualquer outra
desculpa, em relação aos que reclamam por não terem sido escolhidos?

Se você pode afirmar que não se encontra numas situações dessas, parabéns! Mas
lembre-se, isso não pode se contrapor ao número de vezes em que a leitura não fora
realizada com os alunos ou, quando feita, foi de maneira silenciosa, mecânica, visando
responder às questões do livro. Se isso ocorre, a leitura “não tem sabor de mel”, mas
lembra mais uma sopa amarga e duramente degustada. Daí que nos resgatamos uma
pergunta feita sobre o leitor: ele se forma, ou nós o formamos?

Relevante é o testemunho do professor Ezequiel sobre o seu “hábito” de leitura:

Lembro-me de corpo inteiro fisgado pelos “ásperos tempos”, pela


“agonia da noite”, pela “luz do túnel”, vivendo, apaixonadamente, os
subterrâneos da liberdade e sendo paulatinamente introduzido, por
minha própria vontade, na arte da palavra. E como a palavra, com
Jorge Amado comecei a cultivar o gosto pela leitura de ficção (1991,
p. 22).

Hábito, gosto, gosto, hábito... estamos falando de comida, ou de leitura? Diga você,
a que sabor ele se refere? Viu como a associação entre saber e sabor está muito
associada pela ideia de prazer inerente a ambas?

Mas entre hábito e gosto, propomos o acréscimo dessa palavra que circundou nossas
observações: o prazer da/pela leitura.

44
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Observe como, nas palavras do professor Theodoro, sua prática de leitura


associa-se a se apaixonar perdidamente, como uma experiência sem par.
A ambiguidade presente no texto é proposital, pois associa uma ação a um
sentimento, uma emoção, um estado de espírito. Em suma, alguém que é tomado
de um imenso prazer pelo que está realizando, ler.

Gosto e prazer. É de Barthes (1987, p. 20), a expressão “as palavras têm sabor”, e o
mesmo aponta como, curiosamente, ambas têm a mesma etimologia, em latim. Vamos
observar isso no dicionário:

Saber  do latim sapere, “ter gosto, exalar odor, ter inteligência,


compreender”.

Sabor  do latim sapore, “gosto, sabor característico, ação de


provar”.
(AURÉLIO, 2019, s/p)

A relação entre o saber e o gostar é intrínseca, atrelada. O professor Theodoro utiliza


expressões como se tivesse sido capturado, “fisgado” pelo prazer de ler. Não se trata
de alguém que tem apenas gosto pela atividade, mas almeja o máximo da experiência
propiciada pela leitura, o prazer, visto que semanticamente podemos gostar de muita
coisa, até mesmo de quem desgostamos! Como aponta Barthes, em “O Prazer do
Texto” (1990):

Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele


que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática
confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que coloca em situação
de perda, aquele que desconforta, faz vacilar as bases históricas,
culturais, psicológicas do leitor, a consistência dos seus gostos, dos
seus valores e das suas recordações, faz entrar em crise a sua relação
com a linguagem (p. 48).

Prazer do texto. Clássicos. Cultura. Inteligência. Ironia, Delicadeza,


Euforia. Domínio. Segurança: arte de viver. O prazer do texto pode
ser definido por uma prática: lugar e tempo de leitura: casa, província,
refeição imediata... [...] O prazer pode ser dito: é daí que vem a
crítica. Texto de fruição: O prazer aos bocados. A língua aos bocados.
A cultura aos bocados. [...] O texto de fruição é absolutamente
intransitivo. (p. 96).

Atenção a escola de palavra, associando o ato de ler algo à atividade de fruir. Quando
o texto é prazeroso, atingimos mais intensamente suas particularidades, os sentidos

45
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA

subliminares, e isso ocorre até mesmo diante de um texto fora do âmbito do literário.
Quantas vezes não leu um livro técnico, mas percebeu a influência das leituras daquele
escritor? E no caso literário? Consegue detectar uma influência de Olavo Bilac nos
poemas de João Cabral de Melo Neto?

Figura 8. A biblioteca de cada escritor.

Fonte: Walston (2017).

Abordamos essas premissas tanto nessa disciplina, quanto nas anteriores. É o


princípio da intertextualidade, de que os escritores são, antes de tudo, leitores. Os
desenlaces intertextuais dos textos conectam-se com todo um mundo de estrutura
verbal e não verbal, de modo a construir uma série de sentidos no universo ficcional.

Esse laço de se lançar à leitura é um espaço privado – que é tanto a escola, os espaços
de favorecimento da prática, quanto o mundo imaginativo do indivíduo – que permite
o livre exercício do faz de conta – ficção vem de fingere, fingimento –, no qual dá-se
início a um processo de descoberta, a ponto de que o ato de ler venha a incomodar
o leitor, mas de uma maneira positiva, pois traz à tona as perguntas que permitem
questionar a sociedade. Isso é feito pelos temas, enredos, estruturas, escolhas
linguísticas, tipos de abordagem ou, simplesmente, pela ideia apresentada.

Cria-se assim um espaço de “angústia saudável”, onde o texto literário mostra


justamente a sua utilidade: ele não possui. A literatura não tem uma “função”, um
valor utilitarista, é mais um espaço de descoberta, estar no mundo. Diz mais pelo que
não diz, espaço de questionamento, do “não” que se manifesta infinitamente a cada
leitura, e continua se ampliando. Eis os motivos de que uma leitura nunca é a mesma:
o universo sociocultural do leitor já fora ampliado após a primeira leitura, motivo pelo
qual uma nova lhe permitira perceber sempre novas nuances.

Abordamos aqui os elementos essenciais a serem seguidos e colocados em prática


para o bom aproveitamento dessa prática tão abordada: hábito, gosto, prazer, fruição.
46
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II

Podem estar presentes em cada etapa da vida, mas é essencial que sejam aplicados no
ambiente escolar.

Há sempre a tentativa de se implementar o hábito, com resultado mediano devido a


sua mecanicidade. Já os outros elementos muitas vezes distanciam-se da realidade
escolar. Fica claro que no cotidiano da maioria dos ambientes educacionais há
escassez de recursos para grandes planejamentos, mas sabemos que a construção de
uma prática significativa no âmbito da leitura demanda tempo, parceiro e inimigo
dos docentes. Inimigo por fazer com que professor limite-se a um cronograma que
o obriga a resumir saberes a exemplos dinâmicos; parceiro, pois é por meio dele, na
prática diária, após tentativa e erro, que o mesmo pacientemente dá aplicabilidade
a uma série de projetos que, se persistirem, darão seus devidos frutos, como o
desenvolvimento do gosto, do prazer e da fruição relacionados ao leitura. Essa
atividade tem início com nós, docentes, pela nossa própria situação de “ter prazer em
ler”. É esse ato de ler, de exalar esse prazer, de maneira que possamos contaminar
nossos alunos com essa variedade de experiências que experimentamos todos os dias.

Pensar a leitura como um processo lúdico equivale a um direcionamento da


prática pedagógica. Como tema desta unidade, optou-se por abordar essa
relação intrínseca entre “jogar” e “ler”, leitura como forma de divertimento.

Tal qual um jogo deficiente ou que não fora devidamente desenvolvido,


as técnicas de incentivo à leitura podem abranger não apenas a forma de
se trabalhar, mas como os textos são apresentados. Limitados à recortes,
textos descontextualizados e sem o devido incentivo, o melhor dos textos
apresentados em sala de aula pode perder todo o seu valor literário e tornar-se
apenas isso: texto. Signo vazio, desassociado. Urge, como uma das etapas da
aplicação de atividades lúdicas, a escolha adequada e meios de aplicá-las, sob
pena de se atrapalhar todo o processo didático-pedagógico.

47
A PLURISSIGNIFICAÇÃO
DA LINGUAGEM UNIDADE III
LITERÁRIA

CAPÍTULO 1
A ocorrência literária

Abordamos nas unidades anteriores tanto o ato da leitura quanto as dinâmicas sociais
que envolvem o estudo da disciplina literatura.

Dedicamos, para esta unidade, uma análise de um dos autores dessa atividade: o texto
literário, e como ele se constrói por meio de uma linguagem plurissignificativa.

A linguagem como discurso


Para adentrar nesse campo, faz-se necessário responder a uma pergunta importante:
por que o indivíduo produz literatura, o que o leva a escrever? É importante que
você entenda que o ato da escrita é social, e conhecê-la profundamente envolve tanto
conhecer seu contexto histórico, quanto as coisas não ditas em determinada época. É
por isso que muito do que não é considerado como literatura – sinônimo de ficção – o
é, devido ao sistema cultural em que está inserido. E, por isso mesmo, todo indivíduo o
faz sobre influência desse meio, seja por meio de um pensamento idealizado ou crítico,
busca representar seu respectivo cotidiano, transmitindo saberes, conhecimentos e
modos de se compreender o mundo.

Nosso capítulo aborda o texto literário sem se limitar ao campo da interpretação.


Vamos além: nós o contextualizaremos, também, no campo dos estudos linguísticos.
Mas não se preocupe, neste capítulo buscamos delimitar as características
fundamentais do texto literário, bem como seu campo de estudos.

É provável que você entenda a literatura como “entretenimento”. Mas ela é, antes de
tudo, um uso particular da língua, ou seja, uma forma de linguagem. E se é linguagem,
atende a um princípio comunicativo, já que transmite os saberes e a cultura de dado
grupo/país/cultura.

48
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

Tente lembrar, por exemplo, do período do Romantismo, do qual herdamos muitas


obras famosas: os livros publicados nessa época tinham a meta de divulgar o modo
de ser da nova elite, a burguesia, a qual ascendeu como consequência da revolução
francesa. É por isso que na historiografia literária brasileira cada movimento literário
está associado a uma época, como o arcadismo com a inconfidência mineira, ou o
romantismo com a independência brasileira.

A literatura possui um tempo e espaço de produção. Procure ter isso em mente.

Arte, expressão cultural e manifestação de uma forma de pensar. Esses são os


três elementos que determinam pontos fundamentais do texto literário. Pensar
sobre a literatura é pensar sobre suas condições de produção e propagação,
bem como determinados textos se perpetuam para além do seu tempo e
tornam-se representativos de toda uma cultura.

A literatura também está associada a um tipo específico de cultura, representada por


um uso particularizado da língua. No livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de
Machado de Assis, temos a representação da vida da burguesia carioca do século XIX,
e tal obra segue os parâmetros da norma-padrão, à época. Mas nós conhecemos uma
parcela dessa sociedade via imitação, cópia que o texto literário faz da realidade. Por
isso é uma forma de arte e, também, recriação da realidade via uso da língua. Mimese,
imitação, representação por meio do texto escrito.

Talvez você nunca tenha visitado o nordeste brasileiro, mas é provável que consiga
imaginar a capital bahiana, Salvador, devido às ricas descrições presentes na obra
de Jorge Amado. Ou o Sul do País, pelas obras de Veríssimo, e até o interior goiano
por meio das obras de Bernardo Élis. O texto literário completa e complementa uma
visão de mundo, transmitindo percepções, divergentes e, como já citado em unidades
anteriores, ideologias, maneiras de se ver e se estar no mundo.

Figura 9. A Alta e a Baixa, cenários da literatura de Jorge Amado.

Fonte: Ciuffo (2010).

49
UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA

Tudo é língua, tudo é linguagem..., mas tudo é literatura? Sim, mas não
necessariamente uma forma estrutural de arte. Aliás, há diferenças entre literatura
e manifestação artística: uma é forma de arte, outra, a produção em determinado
contexto, ou seja, sistema.

Não se pode compreender o texto literário – qualquer que seja seu movimento,
estética e período – desassociado do período em que surgiu (CADEMARTORI,
2002). Isso ocorre porque toda literatura é feita de acordo com o seu contexto, é
produzida em relação a ele. José de Alencar e Lima Barreto abordam a mesmíssima
sociedade carioca em seus livros. Mas o olhar é outro, sob influência de novas épocas,
perspectivas e contextos históricos e sociais. Há motivos para não termos, por
exemplo, um novo Gregório de Matos? Ou outro Castro Alves? Ou, quem sabe, um
recém-nascido Jorge Amado?

Isso ocorre porque esses escritores produziram em momentos específicos – o Brasil


colônia, a época das lutas abolicionistas brasileiras e durante a metade do século XX
nos conflitos da ditadura Vargas –, e deles suas obras não se desassociam.

Você, ao longo de todo o seu período estudantil, aprendeu que toda literatura está
associada a uma escola literária, mas isso não é algo 100% verdadeiro. Essa noção
de que a literatura pode estar desassociada de um período vem de Antonio Cândido
– pesquisador da literatura brasileira –, sobre como determinadas produções se
manifestam no Brasil – principalmente quanto este não era “Brasil”, já que uma
literatura considerada “brasileira”, fruto de um país independente, só pode apontada,
pelo menos, a partir de 1822 – mas que não tem uma relação direta com uma elite que
“pensava o Brasil”.

É longa e antiga essa discussão. Apheu Tersariol, em “Literatura e


Interpretação de textos” (2000), aborda a celeuma crítico-literária entre
uma tradição de pesquisadores sobre a delimitação da literatura brasileira,
em colonial, do império, republicana, ou pelas suas ilhas literárias, sem contar
várias outras classificações. Cada ponto de vista aborda o texto literário com
base em diferentes percepções de formação da sociedade brasileira.

Que tal aprofundarmos nossa compreensão acerca da relação entre língua e


ideologia? Leia o texto do professor José Luiz Fiorin – um profícuo pesquisador
da área de estudos discursivos –, “Língua, discurso e política”, disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/alea/v11n1/v11n1a12.pdf>.

50
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

No livro “Formação da Literatura Brasileira” (2000), Antonio Candido aborda


exatamente essa questão, sobre a existência de manifestações literárias no Brasil que
remetem, grosso modo, ao período conhecido como Quinhentismo.

Nossa comparação não é gratuita, pois há certa contenda literária sobre o


surgimento da literatura brasileira. Foi no Modernismo? Ou no Romantismo?
Muitos pesquisadores apontam sua origem no Romantismo, mas, para, além disso, o
pesquisador Afrânio Peixoto defende que o texto literário nacional surge com a Carta
de Pero Vaz de Caminha (1993), pois não é apenas texto feito no Brasil, falando sobre o
Brasil... é, também, influenciado pelo Brasil. É nele que pensava Caminha, bem como
uma tradição de escritores – muitos deles, jesuítas – que, além de cartas, tratados,
mapas e demais registros, produzirão relatos em prosa, peças didático-religiosas
com o objetivo de catequização, poemas sobre a aventura da descoberta portuguesa,
e o fazem sob a influência do nosso país, pensando sobre ele. Não compõem uma
literatura no sentido lato, mas, sim, manifestações literárias.

Cabe pensar sobre esse ponto. O texto literário, na acepção que conhecemos, também
tem um caráter tanto social quanto histórico: ele é produzido em determinada época,
e vai acumulando essas características ao longo dos séculos. Há uma tradição na prosa
brasileira que remete à literatura de viagem, e assume a maturidade com machado
de Assis. Muitos dos românticos eram, também, árcades, e a experiência na temática
neoclássica se fez presente em sua obra. O signo literário na poesia de Castro Alves
vem carregado de marcas do lirismo nacional que germinou com Gregório de Matos.

Esse signo linguístico literário vai se adaptando e reinventando a cada período,


desenvolvendo suas capacidades e se ressignificando a cada momento, de maneira
que o leitor, quando se lança ao puro ato de deleite, pode usufruir de toda uma
tradição que se formou em torno desse signo trapaceiro, limitado apenas pelo seu
conhecimento de mundo.

Nesse capítulo abordamos a percepção de que o estudante também é um


leitor em formação, e compreendê-lo dessa forma é fundamental para o
desenvolvimento de determinadas habilidades. Em mente que você deu início
aos seus estudos sobre o discurso, chegou o momento de fazer uma apreensão
dos seus saberes. Vá até o fórum da unidade III e responda a seguinte pergunta:
qual a importância da Análise do Discurso para os estudos literários?

51
CAPÍTULO 2
A intenção literária

Falamos aqui sobre como ocorre o fenômeno literário, mas não porque ele ocorre.
Parece estranho imaginar que alguém produz textos literários “do nada”, sem uma
motivação específica.

Linguagem e trapaça
Nada é por acaso. Ela não se limita a ser um instrumento de propagação de valores,
pois é mais do que isso, é uma espécie de ferramenta para propagar saberes. Basta
lembrar que, durante muito tempo – e até os dias de hoje –, muitas pessoas aprendiam
sobre a cultura do seu povo via texto literário. Você provavelmente aprendeu mais
sobre a vida do subúrbio carioca lendo “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima
Barreto, do que se debruçando sobre um livro de sociologia!

Esse é o valor do texto literário, pelo fato de que a variedade linguística ali presente
é “trapaceira”: transmite os valores da elite, mas, também, os que são considerados
prejudiciais (CANDIDO, 1995). Por meio dele conhecemos a história do rico e do
pobre, do rei e do plebeu. É por meio da obra de Monteiro Lobato que conhecemos
uma personagem tão famosa como Jeca Tatu, ou a vida sofrida das pessoas comuns
por meio de escritores como Jorge Amado.

Outro escritor/filósofo/crítico que se propôs a pensar o “fazer literário” foi Jean-Paul


Sartre. Para ele, escrever ficção é agir, ou seja, arte engajada. E aponta para o texto
literário não como criador de imagens/representações, mas espaço de denúncia. É por
meio do texto literário que o escritor é, também, professor: ensina, por meio de suas
críticas veladas, o leitor a pensar, a reagir.

Sobre a intenção do autor, Carlos Ceia coordena o “E-dicionário de termos


literários”, e buscou trazer à tona todas as vertentes da crítica respeito do
termo, por meio do verbete “intenção”. Disponível em: <http://edtl.fcsh.unl.pt/
encyclopedia/intencao/>.

Procure-se se lembrar da premissa “todo texto tem seu leitor”. Ele presume, ou
melhor, cria um leitor. Quanto o autor redige sua obra, concebe um leitor específico,

52
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

que não é uma pessoa física, mas uma entidade. Os livros de Agatha Christie, por
exemplo, eram feitos concebendo um leitor que estivesse pronto para embarcar em
um mistério, folheando pacientemente as páginas enquanto o desbravava.

Não é por acaso que, no século XIX, surge o romance de folhetim: com o
crescimento das cidades, aumenta o número de jornais em circulação e,
consequentemente, o número de leitores. Além de notícias, precisam de algo para
passar o tempo, se distraírem. Mas o que antes tinha mero caráter de passatempo, é
apropriado pelos escritores como espaço de denúncia.

Mas nem tudo pode ser dito, motivo pelo qual a literatura é o espaço do não dito.
Há tabus e outros temas que incomodam a sociedade, mas eles atingem certa
permissividade quando transferidos para a literatura.

Não era bem visto falar da hipocrisia da burguesia – como era chamada a elite
pós-revolução francesa –, a qual falava abertamente sobre “amor verdadeiro”,
“moral” e “costumes”, mas vivia de outra maneira. Mas isso se torna perfeitamente
aceitável quando é representado literariamente em “Memórias Póstuma de Brás
Cubas”, que mostra a vida de um filho da alta burguesia. Ou como questões como o
homossexualismo são abordadas de maneira bem sutil em obras como “O Ateneu”, de
Raul Pompeia, e “Bom crioulo”, de Adolfo Caminha.

Figura 10. Adolfo Caminha, escritor naturalista que retratou em sua obra os tabus sociais.

Fonte: Old, 2010.

53
UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA

A noção de que o signo literário é trapaceiro vem dos estudos de Rolland


Barthes, para o qual a palavra literária, signo linguístico por excelência,
subverte as normas existentes e supera o autoritarismo da língua que não
apenas dita os termos da comunicação, mas possui o imperativo de ser dita
(BARTHES, 1987, p. 14).

A função do escritor
É por isso que, para Sartre, o escritor é aquele que não se cala, não se abstém, opta
por manifestar-se diante da visão reduzida que a própria sociedade tem – ou prefere
ter – sobre muitos assuntos. O escritor fala da elite para a elite, mas, muitas vezes,
mostra um lado que todos querem ignorar. Os tabus sociais, as guerras, a hipocrisia e
outras chagas passam a ser transmitida via texto literário, que utiliza o código literário
para, por meio de um pacto silencioso, aborda o não-dito. São muito convenientes as
explanações presentes no “Livro de Cesário Verde”, como o apontamento que os mais
bem vistos na sociedade escondiam seus bastardos.

Sartre salienta a relação conhecida como “pacto ficcional”, acordo tácito estabelecido
entre escritor e leitor. Este aceita que tudo é brincadeira, é jogo ficcional; aquele, que
só porque está contando uma história de faz de conta, não significa que não esteja
abordando verdades. E, de maneira sutil, o leitor percebe isso, e compactua. Nessa
acepção, outro escritor famoso, Victor Hugo, recebia a alcunha de le monde-homme,
uma vez que se propôs a produzir uma obra que representasse todos os aspectos
da França de Napoleão III, abrangesse os aspectos sociais, históricos, filosóficos, a
pobreza, a riqueza, a cultura, enfim, a literatura enquanto espelho do mundo.

Temos abordado nesta unidade justamente a questão do hábito, do gosto, do prazer


e da fruição da leitura. Na medida em que “fazemos nascer” um leitor competente,
este melhor aplica as possibilidades da leitura literária, principalmente pela sua
competência para conhecimento do mundo. Mesma premissa fora abordada por
José de Alencar. No livro “Como e por que sou Romancista” (1980), o escritor
explica o motivo de escrever romances sobre os mais diferentes temas e regiões do
Brasil, bem como sua intenção de criar uma literatura que representasse todos os
aspectos da sociedade brasileira recém-independente. O Brasil, à época, era formado
por uma população majoritariamente analfabeta e, não obstante, concentrada em
ilhas sociais: Rio, São Paulo, Salvador. Ele não conhecia seu mundo, aquilo que viria
a ser chamado como Brasil. Muito da elite intelectual carioca, que por sua vez não
se debruçava em tratados de história ou geografia, viera a conhecer – embora com
críticas – sua terra por meio do texto literário. Igual exemplo está na obra “A Casa

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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

das Sete Mulheres” (2003), de Letícia Wierzchowski Gomes, um exercício ficcional


sobre a guerra de farrapos.

Exercícios ficcionais específicas obrigam o escritor a adotar postura específica:


pesquisa de campo, seminário, reunião de causos etc. O caminho é vasto.
Suponha que você é um escritor: que práticas adotaria para compor sua obra,
tendo em mente seu público leitor?

Escrever, antes de qualquer coisa, é agir. É produzir. É se posicionar. O escritor


assume determinado posicionamento pelas escolhas linguísticas que faz, pela forma
que conta histórias e representa a sociedade. E é por isso que a leitura literária é
prática social, é agir didático e, principalmente, é compreender um mundo.

55
CAPÍTULO 3
A proeminência do signo literário

Essa linguagem literária, capaz de germinar a criatividade, nutre-se da linguagem


formal, cotidiana, coloquial. Sendo assim, o que a difere de outras formas de
linguagem? Para entendermos, precisamos, antes, responder a uma questão: o que é,
de fato, literatura? À medida que o tempo passa, velhas respostas não atendem mais
às antigas perguntas, necessitando de ser ressignificadas.

A literatura
Dizer o que é literatura pode nos levar a um problema sério: Para os gregos da época
de Alexandre, o Grande, a “Ilíada” (2009), era fato ou ficção? Se você respondeu
a segunda opção, reveja seus conceitos: ao longo dos tempos, textos famosos foram
destituídos de seu caráter de autoridade, virando apenas experiência literária. E
à medida que as áreas do saber se expandem – surgindo novas, de modo que a
psicologia e a sociologia se desvencilham da filosofia, por exemplo – as mesmas
perguntas agora atendem a um arcabouço cada vez mais amplo.

Figura 11. A Ilíada, considerada a obra alma mater da literatura, conta a história da guerra de Troia.

Fonte: Ciuffo, 2005.

Para a área de administração, literatura é produção técnica; para a sociologia,


material de pesquisa; para a área de letras, material de estudo e/ou literário. Essa
vaguidão não é proposital: durante muito tempo, antes da delimitação do efeito
poético inerente a esse tipo de produção, significava muita coisa, e qualquer coisa
era literatura.

Antoine Compagnon, em “O Demônio da Teoria”, disserta sobre a não obviedade do


termo, ao longo dos tempos. Já foi utilizado para designar qualquer registro escrito

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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

(1999, p .30) e, mais adiante, e por extensão, cultura oral. Nos dias de hoje, é tudo o
que está impresso, encadernado, catalogado.

Estamos na época em que vários termos estão em desuso, ou vulgarizados: “clássico”,


“romântico”, “grotesco”, “fantástico”... à medida que o texto literário é apropriado
pelas classes mais populares – vira obra memorialista, vide o exemplo de Carolina de
Jesus (1994) –, mais termos que no passado indicavam um grupo bem restrito foram
perdendo parte do seu conceito original, com o “clássico”.

A noção de clássico é tudo, menos aquilo a que atribuímos nos dias de hoje.
Isso porque a palavra, contemporaneamente, é utilizada no sentido de algo
“transcendental”, “deslumbrante”, e não como uma obra basilar, a ser usada de
maneira modular por todos.

Ítalo Calvino, um dos mais importantes escritores italianos


do século XX disserta sobre a importância de se ler os textos
conhecidos como “clássicos”. O autor faz parte de uma tradição de
intelectuais que além da produção ficcional se embrenharam pela
produção crítica baseada no fazer ficcional. Seu livro, “Por Que Ler os
Clássicos”, possui um capítulo intitulado ‘Guia à “chartreuse” para uso
dos novos leitores’, abordando a proeminência dos textos clássicos para
incentivo à leitura em sala de aula. Disponível em: <https://edisciplinas.
u s p. b r / p l u gi n f i l e. p h p / 4 4 1 1 0 7 0 / m o d _ re s o u rce / co nte nt / 1 / Po r % 2 0
que%20ler%20os%20Cl%C3%A1ssicos%3F%20.pdf>.

Antes de Compagnon, isso já era apontado por Aristóteles na sua “Poética” (2005),
quando este comentava sobre como as grandes tragédias eram, essencialmente,
intertextuais. Basta observar como a tragédia Jasão e os Argonautas” (RODES, 2014),
por exemplo, apresenta uma estrutura que será imitada posteriormente por Homero,
quando o mesmo compõe “A Ilíada” (2009) e “A Odisseia” (2002). E ainda mais a
frente – pouquíssimo tempo, só alguns milênios – será a influência para uma peça de
Chico Buarque e Paulo Pontes, “A Gota D’água” (2002), inspirada no mito de Medeia,
esposa de Jasão.

Poderíamos apresentar muito desse caráter do clássico, de apresentar formas


prototípicas, mas pode ser mais útil abordarmos esse conceito por outro viés: o da
modernidade. Intitulavam-se os intérpretes da realidade – e, por definição, a mimese
é um princípio fundador da literatura – e detentores de um novo valor.

Esse é, essencialmente, o sentido de uma obra clássica. Obra que servirá de modelo
por abordar, de maneira universal, determinadas características das obras literárias.

57
UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA

É por esse motivo que, para muitos, o primeiro dos clássicos foi “Édipo Rei”
(SÓFOCLES, 1989), pela forma como apresenta a questão mais essencial do indivíduo:
quem sou eu?

Nossos românticos também se consideravam modernos. E com razão. Muitos dos


conceitos sobre a literatura foram atualizados durante e após o movimento conhecido
como “Romantismo”. A palavra em si passou a ter o sentido de exagero. Desde o
Oitocentos não conseguimos compreender o que é literatura sem associá-la ao texto
em prosa. A poesia nos parecia cada vez mais afastada, novamente associada à música.

Figura 12. A poesia grega e seus reflexos contemporâneos.

Fonte: Saint-Pol, 2007.

Isso, inclusive, trouxe novo sentido para o que seria um clássico, e um moderno.
Clássico, contemporaneamente e popularmente, não é a obra que serve de modelo e
a ser imitada, é o texto que melhor representa um sentimento de nacionalidade. E,
embora hoje não estejamos mais nesse período literário, é um valor quase ufanista.
Afinal, até hoje muita gente é acusada de produzir literatura que não é “legitima” –
vide o caso, por exemplo, de alguns escritores africanos, cobrados constantemente
pelas editoras internacionais a produzirem uma literatura “legitimamente africana”
(JUNIOR, 2013, p. 39).

O conceito de grande literatura deixa de ser a que segue uma grande forma, um
grande modelo: passa a ser a que produz grandes escritores. João Cabral de Melo Neto
é mais conhecido pelo povo por escrever belos versos na língua de Camões, do que por
desenvolver sua poesia seguindo uma estética clássica, neoparnasiana.

Ser moderno, nessa modificação do conceito literário, não é mais renovar a estética,
mas a temática. Os escritores realistas e naturalistas buscavam uma renovação na
temática literária. Aluízio de Azevedo apresentava o homem fora da idealização
romântica, mas utilizava as mesmas estruturas que consagraram o romantismo: texto
em prosa, privilegiando o romance.

58
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

A literariedade
Antoine Compagnon aponta aquela que é a característica essencial da literatura,
o que a difere de qualquer outro texto: sua literariedade. E esta associa-se à sua
intertextualidade.

Um texto é um todo de sentido que possui literariedade, ou seja, a relação íntima que
um texto possui com outro. Já citamos anteriormente a música de Chico Buarque,
“Atrás da Porta”, e a resgatamos para trazer uma referência à outra produção textual
que lhe é muito semelhante:

Atrás da Porta
Quando olhaste
bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelôs
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua

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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA

Parece-lhe familiar? Tente lembrar-se da graduação ou, pelo menos, do Ensino Médio:
a estrutura do texto deve lhe trazer reminiscências, é a mesma de uma Cantiga,
composição poética realizada durante o período conhecido como “Trovadorismo”. A
música “Atrás da Porta” apresenta muitas características em comum com esse gênero,
em especial, um subgênero de cantigas conhecido como “Cantiga de Amigo”, no qual
há a presença de um interlocutor feminino que lamenta a partida do amado.

Figura 13. Até a época dos trovadores, a poesia não era desassociada da música.

Fonte: Pollini, 2007.

A música resgata vários elementos da lírica medieval ibérica, herdada por nós via
cultura portuguesa. Há fortes elementos na música que remetem às Cantigas de
Amigo, principalmente na relação de um trovador masculino que emula os anseios
de um eu - lírico feminino, a separação entre os amantes, ou a escolha vocabular que
valoriza a sonoridade do poema.

É esse, para Compagnon, o elemento que conceitua a literatura: o fato de que toda
obra literária remete a outra obra (1999, p.41), a relação que, ao referenciar, permite
que uma obra literária construa outra.

Essa premissa é levantada por críticos e escritores, como Fernando Pessoa,


Carlos Reis, Julia Kristeva, Gérard Genette e tantos outros que apontam para
o princípio fundamental da literatura, a literariedade, ser indissociável da
intertextualidade.

Porém, a literariedade, em tese, seria uma característica inerente a um campo mais


amplo do que o texto literário: está no campo da linguagem. Toda língua remete a
outra, todo enunciado aponta para outro. O que os diferencia é que o texto literário se
manifesta em uma rede mais sofisticada, de modo que muitos textos não permitem a

60
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

percepção explícita entre este, e sua origem. Dessa maneira, o texto é intrinsecamente
intertextual, mas não necessariamente perceptível.

O motivo é um só: depende única e exclusivamente de um escritor sofisticado, e um


leitor competente. Porém, mesmo colocada em questão a competência do escritor,
há a questão dessa competência, do leitor habilitado a desenvolver essas correlações
linguístico-intepretativas. E muitos, por mais que se lancem ao ato prazeroso da
leitura, não desenvolvem essas habilidades, “degustando” parcialmente essa prática.

61
CAPÍTULO 4
A plurissignificação literária

Fala-se muito em relação de conotação e denotação, de sentido figurado, e literal. São


elementos essenciais do texto literário, e estão presentes não apenas na representação
de eventos, mas nos recursos utilizados para se representar tal realidade. Nas questões
aqui apresentadas, deve se considerar que é por meio dessa linguagem que o leitor
tem contato com o texto e o faz ser significativo na comunidade que frequenta.

Para seu melhor aproveitamento, cabe ao leitor identificar esses elementos lexicais
que atuam para a construção de sentido, numa relação entre receptor, emissor e o
próprio interacionismo verbal. Para tanto, precisa compreender e traduzir elementos
linguísticos – sintéticos, morfológicos e estilísticos – em prol de uma ampla
interpretação semântica.

Denotação e conotação
Necessitamos, por isso, ampliar o conceito de conotação e denotação, os quais, como
conhecemos. Para a linguística saussuriana, toda palavra possui um significado cuja
função representativa que serve de apoio para a comunicação humana. Mas observa
que essa compreensão de palavras é delimitada por outras palavras. Tenho “pássaro”
em oposição à “peixe”. Porém, essa delimitação é deficitária por não abarcar, em
várias situações, todos os usos cotidianos da língua. Isso significa dizer, Por exemplo,
que a palavra “peixe” só tem esse significado em língua portuguesa e, mesmo assim, é
um hiperônimo de linguado, carpa, cavalo-marinho, lampreia etc.

Há também os casos abstratos, vocábulos vagos e ambíguos, de modo que se os


significantes dos seres humanos são majoritariamente objetivos, os dos seres que os
cercam não desfrutam da mesma denotatividade. Afetividade, situação, contexto...
são vários os elementos que influenciam no sentido conotativo de um texto. E o leitor
sempre tem um duplo confronto: os vocábulos do léxico, adquiridos desde a infância,
e aqueles aprendidos durante o processo de formação por meio das várias etapas e
estratificações sociais ao longo de sua vida. Os vocábulos lexicais transmitidos na
época infantil agregam uma carga de afetividade maior do que os que são aprendidos
ao longo da vida – à exemplo da palavra “mãe” –, influenciando o processo intelectual.
Já os adquiridos ao longo da vida, seja por experiência ou capacitação, são mais
conceitos agregados do cotidiano, eruditos e populares.

62
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

É nessa observação que Rodolfo Ilari (2001), aponta para uma relação entre
conotação/emotividade e denotação/intelectualidade. Comumente o texto literário,
mesmo dotado de amplo uso conotativo, é abordado como campo da denotação, do
acúmulo de saberes, e não de sua interpretação sentimental. O texto literário em sala
de aula não tem a mesma apreensão que qualquer outro, de maneira que é apenas
mais um acúmulo intelectual. É a contextualização e ressignificação que permite que
o indivíduo ao entrar em contato com o texto literário – em seu processo de formação
como leitor – transmita-a para o campo da conotação, da afetividade.

Os estudos acerca da linguagem enquanto metáfora é remetem à Aristóteles. A


professora Rosa Lídia Coimbra desenvolve longo estudo no livro “A Linguagem
Metafórica” sobre como a linguagem cotidiana se funda na confluência da
conotação e da denotação e, dessa maneira, sempre se reinventa. Disponível
em: <http://www.delfimsantos.net/fds/retorica/imagens/Rosa_Coimbra_ling_
metafor.pdf>

Inclusive, é por meio da linguagem conotativa que o falante utiliza que é possível
identificar seu grau de instrução literária – diferente da linguagem denotativa, que
apresenta outras funções –, bem como idade, faixa etária e formação sociocultural. O
uso do seu léxico está associado ao seu uso cotidiano, bem como a convencionalidade
de sua realidade.

É por isso que o fenômeno da leitura baseada numa interação conotativa aponta para
a capacidade ledora do indivíduo como uma construção coletiva, formada pelas suas
experiências no uso plurissignificativo da palavra, ou seja, com o signo literário.

Logo, a conotação, que se faz considerando a denotação, não é exatamente uma


criação particular de um indivíduo, mas a parte plurissignificativa da palavra, cujo
significado preciso se obtém num contexto.

Por exemplo, se o leitor se depara com as frases “Meu cachorro pegou um gato” e
“Júlio é um cachorro”, observa-se como o termo “cachorro” é polissêmico e dialógico:
polissêmico por assumir vários sentidos, dialógico por negociar com o leitor essas
possibilidades. Se todo texto presume um leitor, então a atividade de escrita é
realizada por meio de uma troca linguística que dispõem dos signos à disposição.
“Cachorro” só possui esses significados – dentre outros – na medida em que atendem
à estrutura lexical do falante/leitor. Mesma situação ocorre quando, em “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”, a protagonista refere-se a “tu, minha leitora”, na medida
em que possui um leitor-consumidor que compreende seu jogo textual e o interpreta.

63
UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA

Esse tipo de fenômeno ocorre pela relação entre o sentido dicionarizado –


denotativo – e o figurado – conotativo. Todavia, um vocábulo é formado por todas
as suas possibilidades representativas na linguagem, já que toda palavra, todo
signo linguístico, tem como característica primordial a qualidade da polissemia,
plurissignificativa. Da mesma maneira que “cachorro”, cujo principal sentido é
“animal doméstico”, do qual vários sentidos possíveis se desaglutinam, o mesmo
ocorre com tantas outras palavras que possuem tanto sentido conotativo quanto
denotativo na língua. É a partir dessa germinação que ocorre no interior do signo
linguístico, possuidor de múltiplas possibilidades de sentido, que se alimenta o signo
literário.

A festa rabelaisiana de palavras


Parte do princípio de que o leitor competente não se limita a descobrir as palavras,
mas, sim, compreender sua profundidade. Não entramos no mérito de quem pode ser
um escritor, um tradutor do seu cotidiano; porém, todos podem ser leitores do seu
próprio mundo, intérpretes de uma realidade que se amplia dentro do texto literário,
lançando luzes sobre aspectos da vida antes pouco perceptíveis.

É por isso que a linguagem literária é essencialmente metafórica, mesmo quando


extremamente objetiva, a exemplo dos romances realistas e naturalistas. Pois esse
signo literário é uma substituição do real, uma mimese, mas por continuidade.
Substitui a palavra cotidiana, o discurso do político e a fala dos marginalizados por
outra que a completa e complementa. O que seria “Quarto de Despejo”, de Carolina de
Jesus, se não uma metáfora nua e crua da realidade que habitava? E em que medida
o leitor torna as mesmas metáforas em elementos significativos que completam o seu
“estar-no-mundo”?

“Festa” aqui é utilizado no sentido de inversão de mundo, na acepção da


obra de Rabelais (BAKHTIN, 2005, p. 130) sobre uma festa carnavalesca que
promove uma inversão de mundo, logo, de hierarquias. A linguagem tem essa
capacidade, pois na medida em que somos obrigados a nos comunicar por
meio destas, é pela subversão do signo literário que superamos o autoritarismo
linguístico ao criar novos significantes e significados, ou usar os pré-existentes
de maneiras fora do comum.

Decorre-se então que a plurissignificação da linguagem literária nasce do uso


convencional que se faz das próprias palavras, da sua qualidade afetiva para gerar
o efeito da conotação, caráter polissêmico que indica sua natureza de sempre ser

64
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III

ressignificada. Essa linguagem cotidiana é sempre incompleta, forma-se na interação


com o meio social, de maneira que a concepção linguística que o indivíduo faz do
mundo imprevisível. Esse paradoxo é superado exatamente via texto literário: em
sua relação de leitura e melhor conhecimento do mundo, o indivíduo transcende as
limitações da língua que precisa interagir com todo um mundo para se desenvolver
e nunca se completar. Via texto literário, o indivíduo conhece uma nova linguagem
ao mesmo tempo em que passa a compreender melhor a sua própria capacidade
comunicativa. Fato é que o “debruçar-se no texto” amplia seu mundo, superando
as limitações da linguagem comum, ressignificando suas próprias experiências
e expandindo sua capacidade de ressignificação, de maneira que lhe possibilita
transferir a marca afetiva do léxico aprendido em sua infância para todos os aspectos
denotativos da sua capacidade interpretativa, colocada em prática dia a dia.

Nesta unidade abordamos o signo literário e como este se reinventa, infecta


outras formas de comunicação, mescla-se com múltiplas linguagens e atinge os
mais diferentes meios de comunicação. Observamos como o texto literário, o
fazer literário, é mais do que um fenômeno, pois é intrínseco ao ser humano
desde suas origens no passado, quando pintava as paredes para detalhar suas
aventuras e, assim, as ficcionava.

Escrever, produzir, sempre foi sobre agir, posicionar-se. Prática associada


a uma elite letrada que no passado era formada por sacerdotes, e que nos
dias de hoje é formada por alfabetizados, a complexidade dessa postura
envolve não apenas a escrita das letras, mas das “belas letras”, as que tem a
capacidade de abordar em um curto espaço a essência de toda uma cultura.

Cria-se uma linguagem plurissignificativa, renovadora e contestadora,


adequada para agregar ao leitor os sentidos sociais que lhe escapam na sua
prática de leitura do mundo, mas são plenamente possíveis pelo recurso ao
texto literário.

65
PRÁTICAS DE
INTERPRETAÇÃO UNIDADE IV
TEXTUAL
Nas unidades anteriores, optamos por apontar as características do processo de
leitura, sua conceituação, formação do leitor, entraves, apropriação dos significados
e significantes linguísticos, bem como suas aplicações cotidianas. Enfatizamos de
maneira insistente no problema da redução da atividade de leitura a mero exercício de
fixação, tendo como propósito transmitir a você a noção de que o acesso a um material
plurissignificativo deve estar imbuído de uma postura igualmente plurivalente.

Dedicamos nessa última unidade o espaço para tratar de mais algumas questões
teóricas e, ao mesmo tempo, atividades práticas que, longe de engessar a leitura,
podem ser direcionadas para o melhor aproveitamento da formação ledora.

CAPÍTULO 1
A apropriando-se do texto

Falou-se muito sobre o signo literário, a tradução intersemiótica que promove e,


principalmente, a germinação textual que possibilita. Mas também abordamos a
capacidade do leitor em ser germinado, tomar parte dessa leitura, agir ativamente em
relação ao texto de maneira que este seja significativo.

Mas como se dá esse processo, qual a sua base? Não há outra: a leitura cotidiana.
As informações do dia a dia, a interação linguística nos mais variados estratos e
situações comunicativas, é o que desenvolverá a competência inerente ao falante
e, consequentemente, o leitor. Uma vez que há a noção de analfabeto funcional, a
sociedade carece dessa competência ledora, embora isso seja um entrave cada vez
maior.

Literatura e nicho
Tome como base as seguintes questões contemporâneas: os indivíduos estão, em sua
maioria, limitados ao que chamamos de “bolhas sociais”, grupos que interagem com

66
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

seu tipo de informação, e consomem apenas isso. Não é uma novidade como muitos
apontam: Em épocas pré-internet, sempre estivemos limitados ao nosso campo de
atuação e de relações sociais, sendo proporcionalmente poucos os que atravessavam
essas barreiras. Eram os “mais informados”, “cultos”. Ocorre que nos dias de hoje esse
fenômeno se dá devido ao excesso de informações que nos faz selecionar um nicho
delas, geralmente direcionado para gostos, posicionamentos sociais e gostos políticos,
de modo que o excesso de informação se torna mais um regresso do que um avanço.

O resultado disso é que, por exemplo, jovens podem saber muito sobre a Revolução
Russa por influência de um youtuber muito influente – um digital influencer –, mas
não necessariamente competente, enquanto outro youtuber, o qual pode inclusive ser
um professor, amarga poucos likes. Consequentemente, a variedade de informações é
oriunda mais da influência da pessoa, do que seu saber.

O fenômeno dos leitores de livros de youtubers é algo digno de nota. O


jornalista Sérgio Magalhães aborda a questão em uma reportagem na qual
apresenta as principais características desse fenômeno, bem como esse nicho
pode e tem sido responsável pelas primeiras experiências literárias de muitas
crianças e adolescentes. Disponível em: <http://www.baiaodeletras.com.br/
livros-de-youtubers-podem-incentivar-a-leitura-entre-os-jovens/>.

Parece-lhe familiar? Vocês já devem ter escutado a história dos exploradores que
trouxeram um ornitorrinco para a Europa e as autoridades, diante do animal,
afirmaram categoricamente que era uma fraude, e muitos optaram por aceitar essa
opinião.

Isso aponta – e devemos ter tal em mente – para a responsabilidade do mediador da


leitura, o qual é um dos incentivadores do leitor em formação: suas opiniões, escolhas
e sugestões tem a capacidade de influenciar o indivíduo, o que agrega uma obrigação
moral com suas indicações. Como apontado na unidade II, embora sempre fique
aquele mistério se somos ou não responsáveis pelo nascimento do leitor, é fato que
podemos ser pela sua morte.

O ato de ler prediz suas inferências, observações da estrutura, conhecimento sobre o


assunto, dentre outros. A capacidade ledora envolve não afirmar categoricamente que
não entendeu o texto, já que sempre pode abstrair algo deste. De igual forma, escrever
envolve a capacidade de ler sobre determinado assunto, escutado, pensar e refletir,
exatamente o que aponta a presença de tantos analfabetos, funcionais ou não.

Saber interpretar o código linguístico literário envolve exatamente isso: dominar


a arte da decodificação e do reconhecimento das letras e belas letras. Mas saber

67
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

escrevê-las também é parte do processo, já que você organiza seu pensamento,


suas impressões e observações acerca do que leu. Inclusive, esse domínio é o que
delimita o ato de progredir socialmente e culturalmente, ao desenvolvimento da
cidadania. É esse o sentido da expressão “o domínio da norma culta é mecanismo
de ascensão social”. Não queremos apontar o sentido pejorativo defendido por
Marcos Bagno (2007), mas que as leituras que fazemos cotidianamente estão
imbuídas de determinada norma, e a mesma delimita as competências a serem
atingidas para dominá-la.

O que diferencia um bebê de uma criança? Poderíamos apontar pontos de vistas


científicos, sociais, filosóficos e históricos, mas o senso comum os diferencia pelo
recurso à fala. Observe que, entre crianças, é comum, mesmo em um grupo com
a mesma idade, umas chamarem outras de bebês. Isso ocorre quando algumas
preferem recorrer ao choro ao invés da fala, ou, quando muito pequenas, não sabem
se comunicar perfeitamente.

Trazendo isso para nosso campo, a ideia de “pessoa culta” associa-se a isso, a alguém
que lê muito. Usa-se essa expressão para pessoas que “estudou”, no sentido de ter
cursado o ensino superior, no apontamento de que é ali que temos contato com os
“estudos superiores, a cultura superior”, mas essencialmente um indivíduo pode
atingir um douto pela sua capacidade de leitura, até mesmo pelas suas experiências
sociais. É por isso que a experiência é considerada como irmã gêmea da velhice,
mas cabe que a trapaça promovida pelo signo literário possibilita que você adquira
experiências de outros sem pagar o preço do tempo.

Caminhos da leitura competente


Vamos, então, abordar as técnicas e possibilidades de realização de leituras eficientes
dos textos. Deve-se salientar que, culturalmente, a leitura surge:

Como inserção do domínio da escrita nas práticas culturais do meio


imediato. Apoiam- se as aprendizagens da leitura sobre as aquisições
culturais de cada leitor, mais que sobre o treinamento escolar de uma
técnica de decifragem. O encontro com a escrita significa remodelar o
horizonte cultural de referência ao contato de outro universo cultural
a que a leitura dá acesso. Assim se converte a leitura em busca
assídua da extensão das referências imediatas do meio em que se vive
(MARQUES, 2003, p. 84).

Partamos desse apontamento. Harold Bloom, crítico cultural e literário, faz a seguinte
proposição ao ser questionado o que seria o ato da leitura:

68
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

A informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria,


que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só poderá ser
encontrada nos grandes autores da literatura. Esse é o primeiro motivo
por que devemos ler.

O segundo é que todo bom pensamento, como já diziam os filósofos


e os psicólogos, depende da memória. Não é possível pensar sem
lembrar – e são os livros que ainda preservam a maior parte de nossa
herança cultural.

Finalmente, e este motivo está relacionado ao anterior, eu diria


que uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si
próprias. E ninguém faz isso sem ler (REVISTA VEJA, 2001, p. 35).

Esse é o ponto que a muitos não chega: informar-se não é saber, explanar sua mente,
desenvolver a prática do pensar crítico. É na prática da leitura que o aluno se constitui
como cidadão, ou seja, que interage, faz leituras, escuta, produz textualmente
aquilo que compreendeu, como suas apreensões, críticas e sugestões. Daí que uma
das melhores práticas de desenvolvimento da faculdade ledora é a relação entre as
compreensões do aluno e sua produção textual.

Inclusive, é desse ponto que parte o gênero textual “memorial”, por meio do
qual o aluno explica, com suas próprias palavras, o que compreendeu sobre
certo aluno. Estratégia utilizada por muitos professores, é um caminho viável
para leitura de textos de curta extensão em sala de aula.

Castelo-Pereira (2003, p. 20), aponta as várias práticas de leitura e suas finalidades, e


essas podem se dar em, pelo menos, quatro formas de interação: informativa, estudo
textual, leitura por exemplificação e descompromissada.

A informativa é muito associada ao uso mais superficial do texto literário, quando


os alunos se limitam à busca por respostas. Brás Cubas é um autor-defunto ou um
defunto-autor? Essa resposta é fácil do que descobrir numa leitura ligeira se Capitu
traiu ou não Bentinho.

O estudo textual presume um leitor mais maduro, competente e comprometido com


a leitura. É o exemplo mais utilizado por secundaristas e universitários durante a
realização de atividades, como um seminário. Por motivos óbvios, o exemplo dos
alunos que deveriam ler “Ensaio sobre a Cegueira” para responder a uma questão da
prova não se encaixam nesse exemplo, já que na prática assistiram apenas ao filme.

69
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

Psicologia e psicanálise são ótimos exemplos da leitura exemplificativa, com seus


vários casos retirados da literatura, como o complexo de Édipo, o narcisismo, o
bovarismo, confabulação, e tantos outros. Também costuma ser utilizado em trabalhos
acadêmicos na interação entre corpus crítico e ficcional.

A descompromissada, por última, é nossa meta final, a leitura sem compromisso,


desinteressada, voltada para o “saber e sabor”, a fruição e o divertimento. É a leitura
que busca o prazer textual. Todas as etapas anteriores, validas, são etapas que, se
desenvolvidas, podem direcionar o indivíduo para esta última.

Figura 14. Que tipo de leitura você mais pratica?

Fonte: Aldorafa (2018).

Mas, imbuídos de nossas responsabilidades pedagógicas, qual devem ser nossas


orientações acerca da leitura? Por mais estranho que soe, a tecnologia que invadiu
todos os espaços sociais possibilitou uma ampliação da atividade de leitura. Lemos
revistas digitais, jornais on-line, blogs jornalísticos... tudo ao alcance de um celular,
sem a necessidade de irmos até as bancas. O número de revistas de renome canceladas
reflete essa situação. O mundo entra em nossas residências com notícias de todos os
cantos, a todo momento.

Muito dessa informação, como apontado, associa-se a nichos. E embora desde o início
do século já existiam livros digitais, para muitos o texto literário – tampouco outros,
como científicos e da área acadêmica – não são os mais acessados. E justamente a
comodidade de encontrar tanto material também facilitou à busca – geralmente,
por meio de um CTRL + F ou CTRL + L – de trechos específicos, direcionando
muitos para a leitura informativa, distanciando-os do estudo textual e da leitura
descompromissada.

Propõem-se que, para que haja uma migração de uma leitura informativa para, pelo
menos, um estudo textual, deve-se seguir algumas propostas didáticas e lúdicas. Deve-

70
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

se, num primeiro momento, fazer uma leitura paratextual, observando título, assunto,
organização genológica, autoria, se possui imagens, forma de propagação etc.

Na sequência, deve-se explorar o texto, buscar suas ideias principais e sublinhá-


las – atividade muito comum em artigos e textos de opinião, mas expansível ao
texto literário. Uma recomendação é que, dependendo do número de páginas, essa
atividade seja realizada na introdução, a qual apresenta as ideias principais a serem
abordadas. É muito comum esse trecho possuir os elementos essenciais.

Dúvida? A maioria dos contos de fadas, como “Branca de Neve e os Sete Anões”
possuem seus elementos essenciais na introdução. Em “Memórias Póstumas de Brás
Cubas” é nesse espaço que sabemos que o narrador faleceu e irá contar sua história.
Nas primeiras páginas de “Ártemis Fowl – O garoto gênio do crime” descobrimos que
um garoto planeja roubar o ouro das fadas.

A arte da sinopse é uma estratégia para desenvolver a concisão, principalmente


na leitura. Alguns conseguem resumir as ideias de uma obra em menos de
dez linhas e, alguns, em menos de 20 palavras! Experimente sintetizar um livro
a história de um livro muito significativo para você usando uma medida de,
digamos, dez segundos, e veja o que acontece!

Em seguida, seleciona-se o que fora escolhido, fazendo uma leitura mais seletiva,
seja pelos trechos sublinhados, seja pelo resumo de suas ideias. A partir daí é
possível uma leitura mais aprofundada do texto, de acordo com seus propósitos, de
aprofundamento ou não.

Esse breve exercício já exemplifica uma prática de leitura que vai além da informativa,
pois é o primeiro passo para um posicionamento do leitor. É a partir daí que ele pode
começar a desenvolver um labor crítico na prática de leitura, desenvolvendo suas
primeiras técnicas de análise do texto literário.

Abordamos a questão da produção literária e uma série de estratégias em prol


da sua aplicação em sala de aula. E você? Com relação ao tipo de leitura que
você realiza – afinal, como mediadores precisamos estar antenados e prontos
para dar o exemplo –, BA até o fórum da unidade IV e responda: de qual você
mais se aproxima? Informativa? De estudo textual? Leitura por exemplificação,
ou descompromissada? Aproveite e dê um exemplo de material literário com o
qual você tem contato e que justifique o tipo de leitura que faz.

71
CAPÍTULO 2
Analisando o texto

Instrumentalizando a leitura
Uma vez que abordamos os princípios da análise literária, é importante darmos
prosseguimento ao processo de empoderamento do leitor, instrumentalizando-o com
os mecanismos necessários para desenvolver essa prática.

Obviamente, não devemos nos limitar à “produção” de um leitor “mecanizado”,


que só é capaz de ler um texto como um estudo textual, e não uma leitura
despretensiosa. Mas devemos ter em mente o seguinte ponto: a maioria dos alunos
sequer tem uma cultura letrada em casa, com poucas influências – inclusive em
lares com grau de formação elevado –, seja pelas carências educacionais do nosso
país, seja pelo favorecimento da competência técnica, ou seja, nossa sociedade, no
âmbito da capacitação, valoriza mais uma formação denotativa do que conotativa.
Mesmo dentre os seus alunos que têm capacidade ledora razoável, encontrará um
número restrito que se lança a essa despretensão durante o ato de ler.

Guarde essa metáfora: as técnicas de leitura devem ser exercitadas de tal maneira que,
atingindo tal grau de técnica, sejam esquecidas. Por acaso você precisa lembrar-se da
respiração para que ela ocorra?

Oswald de Almeida, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL),


aprofunda essa mesma metáfora sobre a leitura ser um processo consciência
que tem inclusa uma ação inconsciente. Suas premissas abrangem a noção de
que toda leitura feita é realizada a partir de todas as leituras feitas pelo leitor, as
quais são constantemente realimentadas. No texto “A leitura: ação consciente
e ação inconsciente” ele aprofunda esses pontos, abordando inclusive outros
atores que influenciam nessa ação inconsciente, como as editoras. Disponível
em: <https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=674>.

Uma vez que você assume essa responsabilidade, deve guiar seus alunos a esse
caminho. Não cobrança, mas incentivo. Sendo persistente sem ser insistente.

Dito isso, deve-se estar atento ao tipo de texto a ser lido, como os múltiplos tipos e
gêneros utilizados no meio universitário, por exemplo, e aqueles que são apresentados
na educação básica. Deve-se estar atento ao tipo, formado, estilo, de modo que o aluno

72
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

possa, ao seu tempo e na medida de suas capacidades, organizar, ou seja, escrever,


uma estrutura que dê conta da percepção que tem do assunto principal desse texto. É
por isso que se sugere a criação de um roteiro de leitura para que essa análise possa
ser feita de modo mais frutífero.

Esse roteiro, como aponta Severino (2012, p. 53), apresenta diversos caminhos e
metodologias para uma boa aprendizagem, primeiro caminho para a fruição textual.
Apresentamos aqui algumas das estratégias que você pode utilizar em sala, visando o
desenvolvimento de um projeto de domínio da competência ledora.

Tendo em mente os tipos de leitura – informativa, estudo textual, leitura por


exemplificação e descompromissada – já apresentadas e realizadas, o leitor em
formação deve promover um reconhecimento textual, sinalizando escolhas lexicais,
diversidade das ideias, autor, ou seja, elementos textuais, intertextuais e paratextuais
que lhe permitam construir um esquema da obra. Observe que, com o tempo, esse tipo
de técnica pode ensinar-lhe a conhecer um autor, sua obra, estilos, escolhas etc. Mia
Couto, escritor moçambicano, tematiza muito sobre história, sociedade, cultura e pós-
colonialismo, além de buscar inovar o léxico com vários neologismos para transmitir
um mundo diferente do nosso, mas ao mesmo tempo calcado na realidade.

Esse processo permite que seja feita uma análise do texto como um todo, seu
conteúdo, apresentação, temática e a problematizarão do autor, como ele se posiciona
diante de determinada situação, as ideias, subideiras e plots. É um esquema muito útil
para se interpretar novelas literárias: observa que na obra “A hora dos ruminantes”,
de José J. Veiga, tem uma trama principal, os homens da tapera que começam a
exercer poder em Manarairema, e várias sub-histórias, como a invasão dos bois, dos
cachorros, o conflito entre os moradores etc.

Após essa separação, realiza-se uma análise das interpretações iniciais feitas pelo
leitor (SEVERINO, 2012, p. 65), em suma, um processo dialógico entre o texto e
sua devida contextualização, em suma, uma crítica. Verificam-se assim a coerência,
acréscimos, consistência, capacidade do texto de se manter atual, como o autor
demonstra que suas ideias são pertinentes, a progressão textual, bem como sua
relação com o público, como originalidade, suas influências, o posicionamento do
escritor diante das outras críticas, etc.

Finaliza-se essa etapa por meio da observação dos problemas levantados e as reflexões
possíveis, de âmbito geral e pessoal – as reflexões possíveis feitas pelo leitor de
modo que o texto lhe seja significativo. Nessa etapa levantam-se os questionamentos
previamente detectados, de modo que seja possível uma síntese, ou seja, que estas
sejam reelaboradas de acordo com as impressões do leitor (SEVERINO, 2012, p. 65).

73
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

Essa etapa tem caráter essencial, pois, durante o ato da escrita, o leitor transmite
sua compreensão do texto literário. Uma resenha crítica, por exemplo, segue essa
premissa, da releitura crítica previamente realizada.

Nessa sequência de etapas é possível a realização de várias leituras do texto em prol


da compreensão das ideias do escritor, concomitante à outras externas ao texto, como
tempo, lugar, produção, influências. J. K. Rowling, ao criar a personagem Salazar
Sonserina, baseou-se no primeiro-ministro português, Salazar, pois passara sua
infância em Portugal durante a ditadura salazarista. Muito da obra de Murilo Rubião,
escritor mineiro, é influenciada pelo jogo e ironia linguística presente na obra de
Machado de Assis.

Figura 15. A prática de análise textual.

Fonte: Commonswiki, 2006.

Dessa maneira, analisar um corpus textual propicia ao leitor a criação de seus


próprios textos com maior abrangência teórica, indo além da mera reprodução,
mas recontextualização. Ao analisar criticamente o texto literário, o aluno torna-
se uma espécie de coautor do que já fora produzindo, impregnando o texto de
interpretações possíveis associadas ao seu grau de formação sociocultural. É esse
ano que lê criticamente que, no futuro, produzirá seus próprios textos literários.
Mia Couto, já citado, é um grande leitor de Guimarães Rosa, Jorge Amado e outros
modernistas; Os ultrarromânticos, dentre outras leituras, foram muito influenciados
pelos poemas de Lorde Byron. A prosa humanista de Fernão Lopes, responsável por
transmitir a imagem do governo português durante o início da dinastia de Avis, muito
se influenciou na leitura de toda uma vasta tradição da prosa medieval portuguesa e
ibérica.

74
CAPÍTULO 3
Gêneros da análise textual

A leitura reinventada
O ser humano tem uma capacidade incrível de criar formas, dar sentido, organizar
estruturas. Essa é a maneira de fazer com que o mundo passe a fazer sentido.
Em tempos ancestrais, sacerdotes tribais realizavam rituais para trazer a chuva
em dias que os deuses do céu pareciam nervosos, pois seria o dia perfeito para
fazê-los descarregar sua ira sobre a terra. Povos do deserto – na antiguidade e
contemporaneamente – não consumiam determinados alimentos, pois eram proibidos
por suas crenças, mas vale salientar que isso também evitava muitas doenças e
problemas de saúde, como o colesterol alto. Seja por meio de crenças, saberes ou
lendas, o homem sempre busca dar algum tipo de forma ao mundo para que este lhe
faça sentido e fácil de transmitir.

O texto literário não é diferente. Em sociedades com baixo ou quase inexistente grau
de alfabetização, as tradições eram passadas oralmente, e preservadas muitas vezes
por sacerdotes incumbidos de retransmiti-las. Nos dias atuais, com uma concentração
alta de leitores, o melhor formato do texto não é uma série de cânticos, mas, muitas
vezes, textos longos. Ainda há narrativas curtas, mas a capacidade de preservação e
propagação da literatura atual favoreceu o surgimento de verdadeiras sagas literárias
formadas por livros faraônicos.

E, de fato, desde sempre os leitores fizeram parte de uma casta: ora de


sacerdotes, ora de filhos da elite e, nos dias de hoje, de profissionais
capacitados. Pergunte-se se, num país com altos índices de analfabetismo e
dificuldades para interpretação textual, as pessoas que têm um alto grau de
interpretação textual não comporiam, ao seu modo, uma nova elite intelectual.

Esses mesmos livros podem ser readaptados, de maneira que para o leitor estes lhe
sejam significativos, atendam às suas dúvidas. E escrever sobre o que se leu – como
abordamos no capítulo anterior – é uma das melhores formas de se compreender
o que se leu e aprendeu. Se a atividade mais realizada é a “olhada” no texto sem
aprofundamento, o leitor, seguindo as estratégias anteriormente apresentadas, pode
começar a se apropriar da temática trazida pelo escritor recém-lido. Logo, a escrita
pessoal é um processo efetivo, necessário e prioritário do desenvolvimento da
capacidade ledora.

75
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

Figura 16. O leitor organizando suas ideias.

Fonte: Vectors (2017).

Fichamento
Uma dessas estratégias/formatos de análise/gênero textual da análise é o
fichamento, no qual o leitor levanta as principais questões da obra lida, organizando
suas temáticas – explícitas e implícitas –, as quais podem ser consultadas em
trabalhos futuros. É possível, tendo como exemplo “Senhora”, de José de Alencar,
selecionar as personagens, delimitá-las em características, interesses, objetivos,
participação na e contribuição para a trama, enredo principal, enredo secundário,
relação que uns personagens têm com outros etc. Pode-se também seguir fichando a
trama principal, as subtramas, lugares, relação do mundo ficcional com o mundo real,
como os lugares reais são representados na obra etc.

Além do fichamento, há uma série de outros gêneros da análise textual que podem
ser apropriados em prol da criação de sentido, organização de ideias e reflexão do
conhecimento gerado, como a ficha de citações (LAKATOS; MARCONI, 2010).

Ficha de citações
Nos dias de hoje há Pibics – Programas de Iniciação Científica e Tecnológica – no
ensino médio, por meio do qual alunos iniciam sua vida na pesquisa científica e
promovem avaliação crítica – embora deficitária – dos saberes existentes, almejando
aprender como desenvolver suas próprias competências como pesquisadores. Muitos
desses Pibics são direcionados ao texto literário, de maneira a promover análises de
textos com base em aspectos e vieses específicos – como, por exemplo, a representação
da mulher em romances de José de Alencar e Machado de Assis, ou como o projeto
de crescimento brasileiro aplicado por Juscelino Kubitschek terá reflexos em textos
literários daquele período.
76
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

Embora não seja o tema desta unidade, cabe um apontamento sobre o Pibic, suas
práticas e desenvolvimentos, principalmente se você, que nunca tinha ouvido
falar, optar por desenvolver um projeto de Pibic direcionado para práticas de
leituras. Alguns sites apresentam todos os detalhes, documentação apresentada
e, principalmente, formas de se solicitar bolsas de pesquisa. Disponível em:
<http://www.pesquisa.uff.br/?q=content/o-que-%C3%A9-pibic>.

Ao se realizar um projeto tendo como base um texto literário específico,


ocasionalmente será preciso resgatar certar ideias principais já observadas – como
na leitura por exemplificação – para fundamentar os argumentos apresentados na
releitura promovida pelo aluno. São justificativas presentes em textos acadêmicos com
a finalidade de dar embasamento crítico às suas opiniões.

Para que não seja preciso ler novamente o texto todas as vezes que se precise fazer
um relatório de Pibic, o modelo de ficha de citações é essencial, pois seleciona e
organiza os trechos apontados como fundamentais de uma obra, catalogando-os em
página, ano, autor etc.

As citações comumente utilizadas neste curso são um exemplo, mas podemos agregar
outros conteúdos, como citações da obra O que é Leitura? (2003), de Maria Helena
Martins:

“Tendo já apresentado inicialmente, tenho refletido e exposto minhas reflexões sobre


o que delimitamos como o ato de ler um texto” (MARTINS, 2003, p. 54).

Na atual conjuntura imagino que tenha esclarecido a importância de


passarmos por determinadas etapas ao longo de nossa vida para que o
aproveitamento da leitura seja plenamente efetivo e, mais ainda, que
essa habilidade está sempre atrelada a uma necessidade (p. 79).

Resumo
O resumo, por outro lado, é um gênero textual realizado com frequência, já que
envolve a produção de uma síntese textual baseada principalmente nos pontos
principais detectados no decorrer de sua leitura.

Essa tarefa, por sinal, é muito complexa. Há uma ideia errônea de que o resumo
envolve o recorte das palavras importantes quando, na verdade, seleciona-se de
forma organizada os pontos mais importantes, a essência da obra. Se para nós que
trabalhamos continuamente com o texto é um exercício com grau de dificuldade que

77
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

não pode ser ignorado, para o leitor em formação é uma atividade hercúlea. A concisão
é uma habilidade valorizada e buscada, mas desenvolvida paulatinamente, de maneira
que quanto mais cedo seja colocada em prática, melhor. Seu resultado é facilitar
a compreensão textual e, sendo realizado como promover, amplia as percepções do
leitor, já que sua essência já está ali, delimitada.

Exemplo disso está no resumo que fizemos da obra anterior de Maria Helena Martins,
O que é Leitura:

A obra divide-se em seis partes, tratando dos diferentes níveis da


prática de leitura: parte do sensoriamento, da emoção e da razão.
Ao longo da obra a leitura aborda que o ato de ler não se resume ao
contato com os vocábulos, mas a capacidade de interpretar o mundo
que nos cerca. Há uma divagação inicial dos motivos, objetivos e
sentidos por trás da leitura; quando ela desenvolve a questão dos
níveis do ato ledor, correlaciona-o com elementos pertinentes às
sensações, as emoções e a razão. Consequentemente inter-relaciona
os três níveis das leituras, e como frequentemente um se sobrepõe
ao outro. Para finalizar, aponta como cada leitor possui sua leitura
específica, seu modo de ler e tirar maior proveito da prática, mas que
precisa de capacitação para desenvolver essa competência, seja pela
prática, seja por orientação técnica, de maneira a aperfeiçoar seu
desempenho e atingir a primazia da prática de leitura.

Comentário
Outro método/gênero é o comentário. É muito comum a presença de comentaristas
políticos, jornalísticos e esportivos. O comentário da obra literária envolve um
posicionamento, análise direcionada e apreensões desse texto. Normalmente
em veículos de comunicação é feita por vozes de autoridade como professores e
pesquisadores, mas é um gênero muito propício para o leitor, visto que o coloca em
posição, ou melhor, obriga-o a se posicionar. É por isso que também é chamado de
comentário analítico.

Esse modelo, em especial, é um dos que apresente maior gama de possibilidades:


pode dar origem a debate, seminário, resenha crítica, mas o mais importante é
que ele toma como base a apreensão do leitor, sua compreensão e suas opiniões.
É muito frutífero observar os aportes que ele faz na medida em que contextualiza
o texto. Faça um experimento e observe como pode ser muito curioso seu grupo
de alunos afirmar que Brás Cubas era uma pessoa mimada que nunca “ganhou o

78
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

sustento pelo suor do seu rosto”, ou que Sirius Black, personagem da saga de livros
Harry Potter, poderia estar vivo se Harry tivesse prestado mais atenção aos avisos
que o futuro falecido lhe dera.

Isso, obviamente, envolve uma leitura comprometida com a obra original, motivo de
esse modelo estar associado ao resumo, por exemplo, pois envolve sal capacidade
de síntese. E, uma vez que o leitor precisa apresentar de maneira consistente com
argumentos seu ponto de vista, uma leitura profunda da obra é fundamental.

O aluno também pode fazer um fichamento prévio que favoreça seu trabalho, de
maneira a salientar os pontos contundentes. Como apontam Lakatos e Marconi
(2010, p. 59), para organizar um comentário analítico o estudante deve seguir os
seguintes passos:

1. Tecer comentários sobre o método de escrita do autor, seus caminhos,


escolhas de composição e decisões de roteiro.

2. Analisar profundamente a obra tendo a mesma como base, observando


sua coerência interna.

3. Buscar interpretar os trechos mais complexos, de modo a favorecer uma


leitura mais fluída.

4. Para fins de exercício, comparar o texto literário com outros que


abordem a mesma temática, por exemplo, livros de ficção científica de
autores diferentes.

5. Apontar a relevância da obra para o trabalho redigido, abordando


principalmente os motivos pela escolha do texto específico.

Dessa maneira, cria-se uma sistematização de todo o material bibliográfico adquirido


e consumido ao longo do processo de formação intelectual do indivíduo, de modo que
este possa ser resgatado de tempos em tempos, possibilitando uma revisitação das
ideias anteriormente apresentadas e recontextualização na forma de novos escritos.

Essa prática aqui apresentada voltada para o texto literário pode ser aproveitada,
inclusive, na crítica literária pertinente à determinada obra. É fato que pode ser
aproveitada em qualquer tipo de texto, principalmente pela dificuldade dos alunos
– como no ensino superior – de catalogarem tudo o que aprenderam, entraram em
contato e desenvolveram ao longo de um semestre letivo. Dessa maneira, cria-se um
arquivo bibliográfico da sua trajetória intelectual.

Partindo da obra já apresentada, O que é Leitura, podemos organizar uma espécie de


comentário:

79
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

A obra está inserida na área das ciências humanas, em particular, nos estudos que
abordam o ensino da linguagem. Há três pontos-chave que são a base da teorização de
Maria Helena Martins, ou seja, os níveis da leitura: sensorial, emocional, bem como
se integram e interagem entre si. Há uma preocupação da escritora em transmitir, de
maneira prática e concisa, o que vem a ser leitura, prática de leitura, hábito de leitura
e como cada um deve/pode descobrir novas formas de se ler durante o processo de
interação com novos textos. Por fim, encerra sua exposição indicando textos sobre o
tema.

A leitura informacional (informação), a leitura de conhecimento (conhecimento) e a


leitura de prazer estético (prazer).

80
CAPÍTULO 4
Leitores

Motivações
Ao longo de toda essa disciplina, foi discutido o problema da prática de leitura, sua
contextualização, caminhos e estratégias. Abordamos vieses pedagógicos, estratégias
metodológicas, pesquisas e arcabouços que fomentassem o devido embasamento para
os respectivos pontos de vista aqui elencados.

Neste último capítulo, observamos a necessidade de trazer uma reflexão da pergunta


mais essencial dessa unidade: Por que devemos ler? Qualquer resposta é subjacente
à prática da leitura, externa à mesma e, muitas vezes, de cunho subjetivo. Muitos
pesquisadores elencaram – e continuarão apresentando – uma série de justificativas
que levam o indivíduo à prática. Optamos aqui por abordar o ato da leitura do ponto
de vista de determinados leitores-modelo – não num sentido stricto da teoria de
Umberto Eco, mas lato, ou seja, com certo grau de generalismo, o que pode ser tipos
de leitores que estão associados a alguns tipos de leituras, mas também o mesmo
leitor que assume posicionamentos diferentes de acordo com o tipo de texto que trava
contato –, que como tantos outros exerce a prática em situações específicas. Assim,
nessa última etapa evitamos parcialmente uma discussão meramente acadêmica e a
trazemos para nosso próprio cotidiano, propiciando justamente um processo dialógico
com nossas práticas diárias em relação à leitura.

Em resumo, as leituras realizadas cotidianamente seguem os seguintes intuitos:


feitas para se informar, para conhecer acerca de algo ou alguma coisa ou para atingir
determinada sensação prazerosa. Não pense nisso como uma categoria cristalizada,
tampouco como uma categoria. Podemos dizer que são motivações associadas à
propósitos que situacionalmente podem se modificar. Se cada leitor pode e deve
descobrir uma leitura pessoal para cada texto que trava contado, não é incomum ele
desenvolver uma relação diferente da planejada com cada texto que encontra.

Tipos de leitores

Leitor informacional

Um leitor que busca se informar tem como princípio a leitura que favoreça um
maior conhecimento dos fatos que circulam ao seu redor, quer se atualizar. Tendo

81
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

esse objetivo em mente, privilegia meios de propagação que difundem rapidamente


esses dados, como jornais, revistas, periódicos e outros tipos, como jornais virtuais,
blogs e podcasts de notícias. Quase que religiosamente todos os dias ele recebe
seu jornal ou revista, ou acessa seus sites favoritos para tomar ciência dos últimos
acontecimentos. É um leitor preocupado com o cotidiano, os principais assuntos,
sua evolução e repercussão, e deseja fazer uma recolha dessas informações para se
posicionar criticamente diante destes. Vale observar que é um dos tipos de leitores
mais valorizados por estar “antenado”, mesmo que, muitas vezes, possua apenas um
recorte de informações superficiais. De um ponto de vista social, o indivíduo que não
aproxima minimamente dessa categoria de leitor é tratado como se tomado por uma
espécie de alienação.

Leitor estudioso

Um leitor que busca conhecer determinada coisa possui muita aproximação conosco
e vários outros tipos de profissionais que pesquisam e estudam constantemente,
além de outros que precisam de algo mais do que uma informação resumida
para seu campo de atuação. Porém, devido à variabilidade das profissões e suas
características, algumas exigem uma maior reflexão sobre determinados processos
do cotidiano, de modo a estarem em um estado de pesquisa permanente. Assim, uma
parcela significativa do tempo desse leitor é dedicada à busca e reflexão de questões
fundamentais do mundo ou, ao menos, da sociedade em que habita, problemas
culturais, divergências epistemológicas, e nas situações em que falta-lhe o devido
tempo para esse exercício, um incomodo instaura-se dentro de seu ser. “Incômodo”
parece-nos uma ótima analogia para um sentimento que faz o indivíduo sair do seu
lugar de tranquilidade. O que faz com que, por exemplo, dentistas separem um pouco
do seu tempo para tomarem parte de seminário, assistirem palestras e tomarem
contato com novas pesquisas na sua área? Analogamente ao mito de Prometeu, eles
não o fazem pela curiosidade, mas pelo fogo!

Leitor diletante

Por último, um leitor que busca atingir uma sensação prazerosa oriunda do ato da
leitura satisfaz-se recorrendo aos gêneros textuais literários. Ele pode assim atingir
horizontes propiciados pela literatura ilimitados, capazes de proporcionar também
infinitas interpretações em detrimento da plurissignificação do signo literários, o que
o motiva a buscar escritores diferenciados, permitindo-lhe atingir novos saberes e
expandir sua percepção de mundo. Como abordamos ao longo desta disciplina, é o tipo
de leitura mais desfavorecida pelas práticas escolares contemporâneas, de maneira

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PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV

que o efeito prazeroso é substituído pela obrigação da leitura, da determinação


prévia de um tempo para o exercício ledor, da mecanização do texto, dos discursos
autoritários que limitam as interpretações e delimitam o que é válido ou não e toda
uma série – melhor dizer, tradição – de mecanismos que ocasionam num sentimento
de repúdio – embora o aluno não utilize essa palavra – e, consequentemente, morte
precoce do leitor.

Curiosamente há mecanismos que tem resgatado esse tipo de leitor no cotidiano,


como as várias adaptações de livros para filmes e séries, o que instiga o expectador
a procurar suas obras. Mesmo com caráter mercadológico, obras clássicas são
relançadas com capas especiais, com efeitos muito curiosos e, até, influenciando
outras obras. É significativo observar que o filme “O espaço entre nós”, o qual conta a
história de um garoto que nasceu durante uma missão em Marte e lá ficou por 16 anos
antes da tripulação retornar à terra, é baseado em um livro de ficção científica clássico,
“Um estranho numa terra estranha”, de Robert H. Heinlein, sobre um garoto que
nasce durante a viagem ao planeta vermelho mas, como todos morrem pouco depois
do pouso, o jovem é criado por 20 anos por marcianos antes de retornar à terra graças
à chegada de outra nave terrestre.

Sobre os diferentes tipos de leitores é muito útil o artigo de Martha Kaschny


Borges, Silviane De Luca Avila, Cristiana Güntzel da Silva sobre os tipos de
leitores contemporâneos, os quais abordam, no artigo “Crianças, leitura e
cibercultura: os tipos de leitores e navegadores no ensino fundamental I” os
novos leitores da era digital, os nativos digitais. Disponível em: <https://online.
unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/3820>.

Confluência ledora
Podemos observar que as práticas de leitura exercitadas pelos três tipos de leitores
associam-se à essência do ato de ler, de modo que um não exclui o outro, sendo
um leitor pleno aquele que executa as três. Porém, como já apontara Paulo Freire,
todo texto abordado por um leitor é o primeiro degrau para uma observação mais
aprofundada e crítica do nosso contexto social. É por isso que é absurda a ideia de que
os alunos – e, também as pessoas, em geral – não leem, pois qualquer meio linguístico
atua em referência ao mundo que parasita, de maneira que atuar como leitor
competente e adquirir a capacidade de traduzir os signos textuais, seus referenciais,
adentrar numa dinâmica interna e compreender como ela se inter-relaciona com toda
outra, externa.

83
UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL

Todo indivíduo possui uma capacidade (biológica e psíquica) inerente para a


comunicação. Porém, na sociedade da qual fazemos parte as mazelas sociais são
reproduzidas em todas as estruturas possíveis, até mesmo no espaço educacional,
de modo que as capacidades dos indivíduos não são corretamente e plenamente
desenvolvidas.

Encerramos aqui essa unidade com uma frase de Monteiro Lobato que nos é
contemporânea desde sempre: “um país se faz de homens e livros”.

Finalizando nossa unidade e disciplina, apresentamos uma sequência de


práticas de absorção do texto literário, de maneira a propiciar uma apropriação
positiva do texto literário.

Essa série de atividades apontam para formas de análise textual que buscam
sair da resposta engessada, do sentido cristalizado. São comuns livros de
produção textual com esquemas, exercícios de fixação, indicação de caminhos,
mas muitos acabam caindo na mesma forma de padronização, transmitindo
práticas de leitura em geral para a leitura literária.

Neste ponto, abordamos alguns gêneros textuais que favorecem a leitura


literária, possibilitando análise, criticidade, reflexão e delimitação dos pontos
principais do texto. São gêneros que ao serem utilizados e adaptados para
outro contexto educativo melhor favorecem esse tipo de práticas. Não se
limitam a esgotar o tema, e outros também podem ser utilizados tendo em
mente o corpus ficcional.

Finalizamos com uma observação dos tipos de leitores. Já haviam sido


abordados anteriormente como uma espécie de categoria narrativa, e agora
analisados de acordo com as respectivas intenções de leitura, as situações na
qual cada indivíduo se coloca e como ele tem contato com os textos.

Esta disciplina buscou abranger uma questão problemática para educadores


em geral: como tirar mais proveito da disciplina literatura, e como não ser
tomado pelo sentimento de frustração por achar que não conseguir plantar
nos seus alunos o gosto pelas “belas letras”?

Esperamos que a disciplina tenha sido proveitosa, mas que não tenha esgotado
o assunto: participe dos fóruns para tirar dúvidas e interagir com seus colegas,
trazendo seus acréscimos!

Até a próxima disciplina!

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