Leitura e Literatura
Leitura e Literatura
Leitura e Literatura
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 5
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8
UNIDADE I
LEITURA.................................................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
INCLUSÃO SOCIAL.................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 2
O ENSINO DE LITERATURA........................................................................................................ 16
CAPÍTULO 3
A LEITURA PRODUTIVA.............................................................................................................. 20
UNIDADE II
O INCENTIVO À LEITURA........................................................................................................................ 24
CAPÍTULO 1
PROCESSOS LÚDICOS............................................................................................................. 24
CAPÍTULO 2
OS TEXTOS TRABALHADOS NA ESCOLA.................................................................................... 32
UNIDADE III
A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA............................................................................... 48
CAPÍTULO 1
A OCORRÊNCIA LITERÁRIA...................................................................................................... 48
CAPÍTULO 2
A INTENÇÃO LITERÁRIA............................................................................................................ 52
CAPÍTULO 3
A PROEMINÊNCIA DO SIGNO LITERÁRIO.................................................................................. 56
CAPÍTULO 4
A PLURISSIGNIFICAÇÃO LITERÁRIA........................................................................................... 62
UNIDADE IV
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL................................................................................................. 66
CAPÍTULO 1
A APROPRIANDO-SE DO TEXTO................................................................................................ 66
CAPÍTULO 2
ANALISANDO O TEXTO............................................................................................................ 72
CAPÍTULO 3
GÊNEROS DA ANÁLISE TEXTUAL............................................................................................... 75
CAPÍTULO 4
LEITORES................................................................................................................................. 81
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 85
4
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e
reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
7
Introdução
Esta disciplina, Leitura e literatura, faz um aporte sobre o texto tendo como base
outro viés, o do receptor, ou seja, o leitor. Nesta você poderá ter uma visão ampla e
estruturada do processo da leitura, seus percalços, desenvolvimentos, impedimentos
e consequências, bem como o caráter pedagógico e ideológico dessa atividade.
Adentramos em conceitos pedagógicos da prática de leitura, resgatamos as noções de
gêneros textuais em prol da facilitação de práticas de leitura e apresentamos questões
essenciais do universo sociocultural do leitor enquanto figura física e abstrata.
Vamos à aula!
Objetivos
»» Compreender a função social da leitura.
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LEITURA UNIDADE I
CAPÍTULO 1
Inclusão social
O que é essa palavra, “leitura”? A primeira coisa que vem à mente é ler um livro. O
termo é polissêmico, mas podemos caracterizá-lo de maneira mais específica. Como
aponta Zilberman (1984, p. 18), no espaço entre a fala e a escrita surge um código
escrito que tem como uma de suas marcas a capacidade de se extrair deste vários
sentidos, de acordo com sua organização. Em suma, o texto por excelência tem a
particularidade de promover saberes quase que infinitos, e alguns, infinitos.
Ler não envolve apenas... ler. Abrange uma compreensão mais ampla, já que está
associada à interação entre o ser e a sociedade. É por meio da leitura que damos
sentido ao mundo, organizando todo caos que nos cerca. Até as inconstâncias da vida
se transformam numa forma de texto.
Você já ouviu falar em semiologia? É uma ciência associada a cursos da área de letras e
das ciências do corpo. Se em letras aborda a questão dos signos, na área de ciências do
corpo fala sobre a leitura do corpo, daí a expressão “o corpo fala”. Esse é um exemplo
de como temos a capacidade de ler o mundo.
Em primeiro lugar, tudo o que fazemos é realizado por meio de uma forma de
comunicação, uma linguagem. Toda linguagem envolve o uso de uma língua. Se
pensarmos por esse lado, alguns cursos universitários como medicina e enfermagem,
mas também marketing e letras, possuem uma disciplina para aprender a interpretar
tanto os sinais do corpo, como dos códigos, a semiologia. Já ouviu a expressão “o
corpo fala”? Bem, acontece que, em geral, dizemos mais do que realmente dizemos.
A leitura pode ser compreendida como um ato de criação de sentidos, e por isso
sua importância vai além da noção de alfabetização, ato de leitura mecânica, mas de
interação social.
9
UNIDADE I │ LEITURA
A prática de leitura, nos dias de hoje, é voltada para uma noção tecnicista: o indivíduo
aprende a ler para desenvolver proficiências. Todavia, em muito se distancia a noção
de leitura como fator de emancipação social. Observe a prática cotidiana dos seus
alunos: eles aprendem a ler mais para traduzir códigos do dia a dia, ler receitas de
bolo, legendas em filmes e gravar letras de música. Dessa maneira, o ato de ler
mecanizado não promove uma ruptura com sua própria situação social, tampouco
promove acesso a outras formas de cultura e conhecimento. A simples ideia de que o
ato de ler em si se basta – como visto em chavões do tipo “leia um livro” –, desapegado
das suas funções sociais fomenta atitudes que em muito se desassociam da sua função
social (BRITTO, 2003, p. 114). Esse é um dos motivos que biografias de youtubers
vendem tanto nos dias de hoje! Abordamos em disciplinas anteriores essa questão por
meio do letramento e a função social do ato de leitura.
Há textos e textos: alguns podem ser lidos em trechos para sua compreensão, outros,
com muito aprofundamento. Alguns podem ser lidos de um fôlego, outros, durante
horas. Alguns textos são simplórios, enquanto outros promovem um verdadeiro
10
LEITURA │ UNIDADE I
jogo linguístico com o leitor. Alguns são como histórias de aventuras, enquanto
outros, verdadeiros romances policiais. E há aqueles que possibilitam múltiplas
interpretações, e todas fazem sentido, ao longo dos tempos: são os textos literários,
diferentes de outros que cumprem uma função bem específica, como roteiros, livros
didáticos e manuais.
Porém, a atividade ledora nunca é igual, visto que os textos dos quais se apropria
abordam diferentes faculdades psíquicas do indivíduo. Muitas dessas são
movimentadas por influência do texto literário, fugindo do padrão de outros textos
que circulam cotidianamente. Mas estar fora do padrão não significa questionar
todos os padrões, de modo que os perfis literários também são fonte profícua de
aprendizagem a ser conhecidas pelos leitores.
A relação do texto literário com o universo verbal como um todo, com os outros textos
escritos, já é, pois, objeto da necessária recriação por parte do leitor. Mas a relação do
texto literário com o universo extraverbal também passa por todas as transformações,
seleções, repetições, rupturas, apropriações que sejam possíveis.
Porém, determinadas leituras exigem uma gama de conhecimentos para serem mais
bem aproveitadas, e os próprios vão se transformando e retransformando a cada texto,
o qual amplia o repertório sociocultural dos leitores. Ler é, essencialmente, produzir
conhecimento, como se cada um ampliasse uma biblioteca particular a cada livro que
lê. É o que aponta Darnton (1992, p. 18), ao abordar que o indivíduo não desenvolve
a habilidade da leitura, mas sim a capacidade de estabelecer relações de significado,
socialmente e culturalmente. Ele o faz identificando, reconhecendo, comparando,
analisando e interpretando os códigos que lhe chegam, ou seja, o processo de
intertextualidade.
11
UNIDADE I │ LEITURA
Resgatando a resenha de Eco, livros falam de livros, escritores falam de leitores, tal
como o Ulisses (1983), de Joyce, Os Lusíadas (1979), de Camões e, constantemente,
nas tragédias Shakespearianas, por sua vez, muitas delas releituras de textos
anteriores, a exemplo de Romeu e Julieta (2010). Compreender um texto trata-se
de um processo dialógico, já que a “comprensión se opone a lo enunciado, como una
réplica se opone a otra en el sentido de um diálogo. Lá comprensión va a la búsqueda
de un contradiscurso para el discurso del locutor” (BAJTIN, apud TODOROV, 2013,
p. 11), de maneira que todo ato de compreensão está indissociável de uma resposta,
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LEITURA │ UNIDADE I
É a partir disso que se constata como o texto literário exige um leitor que perceba essa
relação textual de um texto com seus anteriores ou contemporâneos. O texto não é
apenas uma série de enunciados, mas, sim, a percepção dos diferentes significados no
interior da língua (KRISTEVA, 1974, p. 20)
Nos dias de hoje é cada vez maior a presença de filmes – textos mistos –
abarrotados daquilo que se chama “easter egg”, surpresas e referências dentro
da obra que se conectam a outras, ou seja, uma forma de intertextualidade.
Da mesma maneira que os acontecimentos da obra “Ilíada” fazem referência a
eventos e personagens de “Jasão e os Argonautas”, nos dias de hoje os filmes –
como os do universo cinematográfico Marvel – se conectam e se completam.
É por isso que o leitor contemporâneo com muita dificuldade compreende – quando
o faz – esses entrecruzamentos discursivos, entre o texto e seus elementos históricos.
Leitura e leitores
Numa sociedade do consumo em que ler passa a ser uma um viés mercadológico –
com best-sellers voltados para várias faixas etárias –, é por meio da leitura literária
13
UNIDADE I │ LEITURA
Pode-se ir além, pois o texto tem a capacidade de instigar no leitor, por exemplo, o
princípio da comunidade: nos dias de hoje há redes sociais voltadas para esse intuito,
no qual as pessoas compartilham suas ideias, sugestões, conhecimentos e teorias
sobre o que vivenciaram. São levados a construírem sentidos individuais e coletivos,
de modo que as conversas entre leitores ampliam cada vez mais essa percepção, de
modo que o ato de trabalhar com o texto passa a ser algo lúdico e prazeroso.
Trata-se de algo além de um prazer estético, mas intelectual. Umberto aborda essa
questão em Seis Passeios pelos bosques da ficção (2004), ao abordar o jogo ficcional
construído pelo escritor, o qual convida o leitor a adentrar e aceitar as regras desse
jogo, gerando um verdadeiro prazer intelectual. A obra ficcional, por sinal, é a
experiência de leitura por excelência, uma vez que é simbolicamente uma imagem do
mundo, ou seja, nunca está totalmente encerada (ZILBERMAN, 1984, p. 19). É o texto
que fala mais pelas suas ausências, pelos “talvez” e “se”, e cabe ao leitor completar
esses espaços, decifrar seus enigmas por meio de sua capacidade imaginativa e
vivência.
Desse modo não se pode considerar o livro como mero instrumento de preparação
das séries iniciais, degrau para leituras nas séries posteriores. É por meio de uma
interação duradoura entre leitor e texto que se ampliam as possibilidades de um
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LEITURA │ UNIDADE I
Tendo em mente que você deu início aos seus estudos sobre a formação do
leitor, chegou o momento de fazer uma apreensão dos seus saberes. Vá até
o fórum da unidade I e responda a seguinte pergunta: qual a necessidade de
políticas direcionadas para a formação de leitores?
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CAPÍTULO 2
O ensino de literatura
O que de fato ensinamos quando ensinamos literatura? Talvez essa não seja sua
experiência pessoal, mas há inúmeros professores que, na divisão de turmas e classes,
optam por não lecionar essa disciplina. Os motivos podem ser vastos, da falta de
didática, desinteresse dos alunos e, até mesmo, menor carga horária direcionada para
a disciplina.
Devemos, pelo menos, buscar respostas para essas questões, tendo como referência o
ensino de literatura no ensino médio.
O ensino da literatura
Em primeiro lugar, “ensina-se” literatura? Ensinamos sobre períodos literários,
estéticas, épocas culturais, estilos de época. Pode-se discutir se essa proposição se
aplica a todas as faixas de ensino, mas devemos nos ater a esse ponto. Em segundo,
qual o arcabouço utilizado? O texto literário, ou resumos, histórias dos períodos,
biografias dos autores, grandes eventos etc.?
16
LEITURA │ UNIDADE I
Fica uma dúvida: no que difere esse material do livro de história, uma vez que em
muito se aproximam suas particularidades? A aula resume-se, salvo exceções à leitura
oral de fragmentos, por parte de professores e/ou alunos, acrescido e perguntas ao
fim de cada sequência de textos. O próprio livro do professor já carrega um padrão
de respostas, cabendo-lhe apenas “ajustar” às dos alunos. Não há uma tentativa
de depreciação, mas considerando o rumo de muitos cursos de letras que se focam
em produzir professores de português e revisores, há relativa probabilidade de
o professor não ter certeza de suas próprias respostas, guiando-se sempre pelo
gabarito. O professor copia no quadro trechos do livro, responde as questões e, para
muitos alunos, isso é considerado um exemplo de excelência de aula. Em alguns
casos é passada uma pesquisa a qual os alunos copiam os textos da internet, sem um
aprofundamento e reflexão do saber atingido, isso quando ocorre.
Com base nessa breve exposição, faça-se a pergunta: o que se ensina na aula de
literatura, além de história da literatura? É possível apontar uma contextualização
grosseira, que se limita a aglutinar pontos heterogêneos – como as diferentes gerações
românticas e os pré-românticos –, usando um texto ficcional como arcabouço para
outros acompanhamentos? A aula de literatura torna-se um verdadeiro mimetismo no
qual se repete o que já está dado. Não se analisam os textos para atingir conclusões,
mas de explicar a história dos movimentos literários, apresentar dados, momentos,
influências e, com base em proposições já realizadas, realizar atividades para atingir o
conhecimento previamente determinado.
Há uma frase de Umberto Eco que aponta: “O texto é aberto, mas não é escancarado”.
O problema dos estudos literários na educação básica atinge um caminho inverso: as
interpretações não são abertas, mas reduzidas. Passamos a ser limitados – e limitar
os demais – pelas interpretações e leituras de grandes críticos, produtores de material
didático e teóricos da literatura.
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UNIDADE I │ LEITURA
Não há leitura não ideológica, visto que a ideologia presume uma visão
de mundo. Quando se afirmar que uma resposta de exercício apresenta
interpretações possíveis, faz-se, também, uma leitura de viés ideológico. E uma
resposta reduzida presente em um manual não está isenta disso.
O problema dessa prática, existente desde o século XIX, é que temos uma gama de
alunos que, como em ciclo, aprendem a teorizar normativamente sobre livros que
nunca leram, criticar autores que desconhecem e decorar escolas literárias que
conheciam (VERRIER, 2007, p. 8). Futuramente, estudos como teoria literária e
literatura comparada enfrentam a existência de uma geração de alunos que se doutam
em Aristóteles sem nunca terem lido a Ilíada.
Se você tivesse que substituir os livros literários a serem lidos por seus alunos,
quais escolheria?
Não há, nessa situação, aula. Comum a expressão “odeio literatura”. O aluno não
odeia literatura, ele odeia o seu estudo, tomado por aula monofonia progressivamente
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LEITURA │ UNIDADE I
entediante. Como mudar esse quadro? Não se trata de um problema das práticas
ensino da disciplina em si, mas das práticas escolares, na qual a literatura não
estivesse relegada à complementação de aulas de Português e Redação. Deve-se,
assim, reconfigurar a noção de leitura literária, de maneira ser uma atividade livre
e constante, possibilitando uma autonomia por parte do aluno, de modo que este se
aproprie da obra, formando, assim, leitores reais.
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CAPÍTULO 3
A leitura produtiva
Voltemos ao que fora apontado sobre o gosto de ler. Alguém não gosta de ler? A
frase é ilógica. O ato de leitura presume uma aproximação: da mesma maneira que
nos lançamos ao deleite estético de outras obras, ou que vamos ao cinema de acordo
com nossos gostos, somos lançados à leitura de livros que nos atraem. Isso ocorre
pela propaganda, pela indicação de alguém, pela busca por informação – e, mesmo
assim, podemos pesquisar determinado assunto a partir de um livro específico, mais
condizente como nossos hábitos de leitura – e por capacitação: profissionais das mais
variadas áreas leem porque precisam se capacitar, principalmente os profissionais
de letras. A questão é que lançarmo-nos à leitura sem uma obrigatoriedade gera uma
identificação maior entre leitor e texto. Da próxima vez que seu aluno alegar que não
leu o livro que teria que apresentar em sala, pergunte qual ele estava lendo naquele
momento, ou que acabara de ler.
Você já ficou surpreso como aquele seu aluno que não lê “Senhora”, de José
de Alencar, lê em menos de duas semanas um livro com mais de 900 páginas,
provavelmente sobre dragões? Isso está intimamente associado ao gosto, formas de
pensar, campo de atuação, experiência e interesse do leitor. A ideia de um indivíduo
que “foge da realidade”, que prefere passar seu tempo com a leitura envolve, antes
de mais nada, a proximidade com esse hábito e o texto em si. O leitor, habituado à
sua prática, desenvolve suas próprias estratégias de leitura, de acordo com sua
individualidade.
20
LEITURA │ UNIDADE I
Parece-lhe familiar essa situação? Não é muito diferente – similar até demais – da
mentalidade dos preparatórios dos dias de hoje, que levam o aluno a um acúmulo
violento de conhecimentos, por vezes instruindo-os em um regime intensivo e
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UNIDADE I │ LEITURA
extensivo durante três anos, não para atingirem os pilares da cidadania, mas para
serem aprovados em dada avaliação. Tendo em mente essa mentalidade que domina
nosso país, o que de fato poderia ser ensinado em uma situação de reavaliação do
ensino de literatura, partindo do princípio de que a base dessa revitalização, o objeto
de estudo, seria próprio texto literário?
Jouve (2002, p. 18), delimita alguns passos a serem seguidos para que se estruture
minimamente um processo de reação ao status atual. Para ele, reverter o atual
quadro envolveria antecipar o problema, reestruturá-lo e interpretar os resultados
obtidos. A leitura deve ser interpretada como ação cognitiva por necessidade de dada
competência, ou seja, capacidades mínimas que o leitor deve ter em mãos para seguir
com a leitura. Uma vez que temos o fenômeno dos analfabetos funcionais, é preciso,
pelo menos, uma progressão dos textos a serem lidos bem como os códigos aos quais o
aluno será apresentado, visando o desenvolvimento dessas capacidades.
Essas práticas são estruturáveis, ou seja, não contradizem a leitura de outros tipos de
texto. Voltamos à expressão: “quem lê, sabe mais”. O aluno só pode desenvolver essas
habilidades na medida em que tem contato com toda a obra, e não apenas trechos. Ao
se limitar ao livro paradidático e às respostas do quadro, não desenvolve plenamente
suas competências que poderiam ser colocadas em práticas durante todo o processo
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LEITURA │ UNIDADE I
de leitura. Seria como ensinar alguém a nadar utilizando apenas um manual didático,
sem uma aula prática na piscina. Sempre faltará algo para completar seus objetivos.
Vamos aprofundar mais essa acepção nos próximos capítulos, mas é extremamente
fundamental essa noção de que há um confronto – e conflito – constante entre o
projeto político pedagógico de vários sistemas educacionais, e a aplicação dessas
políticas, de maneira que o aluno se encontra limitado não pelos seus gostos, mas
pelas oportunidades que lhe oferecem
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O INCENTIVO À UNIDADE II
LEITURA
CAPÍTULO 1
Processos lúdicos
Leitura e escrita
Na unidade anterior, com o propósito de estabelecer as bases que nos guiariam ao
longo desta disciplina, apresentamos as questões e problematizações do ensino
da leitura e da prática de leitura literária em sala de aula. Pudemos, dessa maneira,
abordar o princípio da leitura significativa, a qual se atrela à formação sociocultural do
leitor. Apontamos também como pode ser desenvolvida uma estrutura que possibilite
o desenvolvimento de práticas em prol do desenvolvimento das competências
necessárias à leitura.
Essa pergunta extremamente capciosa nos é cara na mesma medida que conveniente.
Use-se como exemplo para o seguinte exercício: quando adquiriu o hábito da leitura,
no sentido popular a ela atribuído, ou seja, “gostar de ler livros”? Foi por curiosidade?
Na biblioteca escolar? Ou foi um presente que recebeu?
Uma famosa escritora, Ligia Bojunga, relata em várias entrevistas que cresceu cercada
por livros, na casa da avó. Já Mia Couto gosta de relembrar como na sua casa seu pai
era um ávido colecionador dos clássicos portugueses – Camões, Fernando Pessoa,
Camilo etc –.
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Não é de hoje a correção entre aluno e sala de aula. Rosa Maria Aparecida
Nechi Verceze e Eliziane França Moreira Silvino, professoras da UNIR
desenvolvem longo estudo sobre como, paradoxalmente, a leitura em sala de
aula tem potencial para castrar o aluno de seu processo de formação como
leitor. A leitura é incômoda, mas denuncia muitas das práticas do cotidiano
escolar. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/article/
viewFile/328/361>.
Só depois de acessarmos esse resquício residual que assola a maioria dos alunos
do país – muitos, inclusive, de alta renda mas com carência de prática de leitura –
que podemos começar a conceber ações que abordem as relações entre literatura
e formação de leitores, principalmente na concepção de que o texto ficcional é uma
forma de se compreender o mundo, ao passo em que aborda as possibilidades e
potencialidades do da língua em prol da formação de leitores.
25
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Leitura e formação
É importantíssimo compreender o processo formativo do leitor como um ritual
iniciativo, por meio do qual ele passa a ter contato com um novo mundo. Dividido
em etapas, possui a capacidade de possibilitar o crescimento e amadurecimento
deste indivíduo em formação. É possível, com base nas primeiras experiências,
observar o desenvolvimento de um gosto pela prática, não sem poréns: o apoio de
facilitadores, indivíduos que o auxiliam e incentivam à prática, bem como o meio,
ou seja, um contexto sociocultural que agregue as possibilidades e oportunidades
de enriquecimento, de modo a aproximá-lo cada vez mais para essas atitudes. É
nessa constatação que se observa o acesso ao texto literário e a presença de outros
leitores, os quais auxiliam na capacitação, influência e reforço positivo dos futuros
leitores. Esses elementos possibilitam um despertar precoce e estimulam uma série de
atividades que tão cedo agregam resultados prazerosos, afetivos e que influenciam em
todo o processo formativo do estudante.
Tendo isso em vista, deve abordar esse processo como prática significativa, ou seja,
associado ao cotidiano de cada um, de modo a despertar o seu prazer pela atividade.
Ao abordarmos anteriormente acerca da afetividade, focamos no ponto do vínculo
entre leitor e texto, não de obrigação, mas de afinidade. Essas atividades, motivadas
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
por vários fatores, como vínculos – sociais e culturais – que vão sendo estabelecidos
ao longo da vida, promovem uma mescla, ou melhor, aglutinação e associação entre
esses pontos, de modo que o ato da leitura se torna desassociado de outras práticas
cotidianas. Não é por acaso que um contexto familiar é sempre um dos melhores
espaços para esse desenvolvimento, e porque muitos dos leitores deram início à sua
prática por meio de histórias que lhes eram contadas.
A leitura separa o ambiente para o leitor conceber sua identidade e constatar sua
fragilidade, atos possibilitados pelo “fazer ficcional” inerente ao texto, seu jogo de
devaneio de experimentação. Essa experiência tanto abre novos horizontes quando
amplia as percepções de cada um. Porém, contemporaneamente o desenvolvimento
desse gosto passou a ser um verdadeiro desafio, e um de seus principais motivos
é a inconstância dos facilitadores educacionais, ou seja, o acesso ao texto. O acesso
ao universo literário é limitado por vários fatores, a saber, o acesso ao material, a
infraestrutura, os meios democráticos de acesso aos livros e os projetos de promoção
de leitura por parte do governo. Que propostas estão sendo implementadas, e qual sua
aplicabilidade?
27
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
lado lúdico da leitura, mas não atinge a função social da escola de promover o
prazer essencial que flui do ato da leitura.
É muito comum o uso desse prazer superficial para a realização de atividades que
visam mais o uso da língua, do que o sentido do texto, de modo que o texto literário é
meramente fenômeno linguístico. Já atividades que valorizam o prazer essencial são
voltadas para a contextualização e desenvolvimento das habilidades lúdicas durante
o processo de aprendizagem. Um exemplo dessa atividade seria uma atividade
de contextualização entre “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, e “Auto da
Compadecida”, de Ariano Suassuna.
28
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
como um mercado, voltados para uma prática constante, quase robotizada. Mas pode-
se falar, de fato, em leitor? Se o hábito da leitura envolve, antes de qualquer coisa,
uma afinidade, um gosto com a prática, em que medida a obrigatoriedade do exercício
contribui com o seu desenvolvimento?
Quantas vezes você já viu grupos de alunos que, em sua maioria, liam pela
obrigação, mas não demonstravam o interesse pela leitura? É possível que ler
de desassocie do gostar? Deixamos essa pergunta que será abordada mais
adiante, mas pergunte-se se o seu desempenho não está sendo afetado por
esse fator.
A função formadora
É nesse princípio que o educador/professor deve ter em mente sua função de agente
formador de leitores, contribuindo para sanar essas carências mais essenciais que
surgem ao longo do seu processo formativo. Tornar-se ciente desses questionamentos
aponta a função de cada um – na função de professor – como participante desse
processo iniciativo voltado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, bem como
das instituições envolvidas nas respectivas atividades educativas.
29
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Essa mesma função não escapa à escola, a qual auxilia o aluno a ler o mundo por
meio dos conteúdos programáticos. A inconstância é como o mesmo percebe que a
aprendizagem em sala lhe permite uma nova percepção do seu dia a dia, e especial
a descoberta da existência de leis com as quais não exerce nenhum poder. É nessa
medida que escola e literatura se distanciam, devido às possibilidades de interagir com
um mundo, ainda que ficcional, de maneira mais ativa. É por meio da obra ficcional
que muito se conjecturou sobre os limites do nosso mundo, como vários livros de Júlio
Verne, ou os limites da percepção nas obras de Arthur Conan Doyle. É o texto literário,
germinador da imaginação, que possibilita ao indivíduo desenvolver a capacidade de
subverter as amarras da realidade e repensá-la em prol de seus objetivos.
Emerge dessa interação a relação entre o leitor e a obra que lê. Na medida em que a
obra exige uma participação mais ativa e do domínio do leitor de um código cultural,
mas o livro tem a lhe agregar, devido a sua capacidade de abranger o meio social,
30
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
31
CAPÍTULO 2
Os textos trabalhados na escola
32
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Essa apropriação do texto literário sem sua contextualização é uma constante nos
livros didáticos, a exemplo do poema de Cecília Meireles, “Ou isto ou aquilo”, o qual
consta no livro do 2o ano do fundamental da coleção “Quero aprender”. O poema é
replicado na sua integridade, e chega a abordar questões de compreensão textual,
sem nenhuma contextualização. Os exercícios pouco estão relacionados ao texto, de
maneira que este é utilizado para analisar figuras de linguagem e como elas constroem
o sentido do texto. Porém, esse exercício de caráter linguístico reserva-se a ser uma
aplicação de outra ordem, deixando a apreensão de saberes de fora. Ainda um terceiro
caso, o livro “Trabalhando com poesia”, em um exercício que contém o poema “Três
Tias”, de Elias José, apresenta a seguinte proposta de atividade: “que letras aparecem
mais de uma vez no poema? Veja a letra que mais aparece e duplique-a todas as vezes
que ela aparecer na primeira estrofe” (COSTA, 2004, p. 266).
33
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Se para toda regra há exceção, iniciativas são realizadas em prol do melhor uso do
texto literário. Como apontado, literatura e escola são espaços que comungam de
interesses e, por vezes, entram em conflito. Como aponta Lia Luft, em crônica:
34
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Observe como a crônica, que nas mãos de Luft assume contornos de crônica literária,
promove um jogo lúdico de verdade/falsidade: ela tanto gostava quanto odiava a
prática de leitura na escola. Quais seriam esses livros? Didáticos? Ou livros que ela
não gostava?
Isabel Solé é uma pesquisadora que aborda a leitura pelo viés da psicologia
e, em termos mais ou menos gerais, aponta que os mesmos mecanismos de
punição e recompensa se fazem presentes no desenvolvimento na formação
do leitor. Em entrevista, a pesquisadora detalha suas colocações, e como suas
práticas ao longo dos anos sempre apresentaram esses elementos em comum.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/304/para-isabel-sole-a-
leitura-exige-motivacao-objetivos-claros-e-estrategias>.
Para não limitarmos o grau de interpretação, apontamos que, a nosso ver, parece-
nos que ela reclama dos livros que lhe são obrigatórios, ou seja, que não favorecem
o desenvolvimento da capacidade ledora, em oposição a outros que ela mais gostava,
que contribuíram para a ampliação de suas faculdades cognitivas. Assim, a escritora
traz a discussão sobre o próprio texto literário a ser trabalhado em sala de aula.
Observemos como, enraizada em uma série de estudos de ordem cronológica e num
curto espaço de tempo para realização de um conteúdo programático, a disciplina de
Literatura limita seu ensino a textos que, como primeiro contato para os leitores, não
contribui com sua função:
35
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Não é incomum a concepção cotidiana da leitura sobre a qual o texto deve emancipar
o indivíduo, ignorando todas as suas potencialidades. Isso é tão frequente, que nós
dividimos nossa literatura em “literatura” e “literatura infantojuvenil”, por exemplo,
categorizando-as de acordo com a faixa etária e, ao mesmo tempo, sutilmente criando
hierarquias de valor.
Mas o que é mais importante? Hábito ou ludicidade? Meta ou prazer? É muito comum
o pensamento de que o que importa é que os alunos leiam o texto, mesmo porque,
como já apresentamos, uma parte significativa só terá acesso aos livros no ambiente
escolar. Mas não podemos esquecer que a criança/adolescente tem acesso à leitura em
vários lugares e, só para citar um exemplo, hoje em dia temos a internet. De fato, nós,
adultos, somos mais propensos ao fetiche do livro impresso, de não admitir qualquer
outro formato, mas há toda uma produção de livros digitais que facilitam esse tipo de
leitura, com a leitura sendo realizada desde e-readers, celulares e computadores. É
claro que devemos considerar os aspectos socioeconômicos de cada um, pois muitos
vivem em situação em que sequer tem acesso a esses recursos, mas é um exemplo de
como a acessibilidade à obra literária é mais ampla do que podemos apontar. Além
do que, a ampliação da leitura, na medida em que abordamos até então, encontra-se
presente em vários lugares, de modo que o aluno sempre lê, mesmo que não tenha
essa percepção.
Para completar, não é porque o espaço escolar é, para grande parcela, o único e
acesso à leitura, que podemos apresentar textos aleatórios, sempre com a mesma
metodologia. Na disciplina Gêneros Textuais e Ensino - do texto ao hipertexto,
abordamos exaustivamente o uso tradicional e contemporâneo dos tipos e gêneros
textuais, e como cada um é mais adequado à dada situação comunicativa, bem como
diferentes tipos de atividades. O raciocínio é simples: se você precisasse desenvolver
36
O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
hábitos de leitura em uma turma, qual livro utilizaria? A pergunta pode ser
extremamente ambígua, uma vez que você precisa considerar meta, disponibilidade,
praticidade, objetividade e saberes a serem trabalhados. Mas coloque-se no meio do
caminho entre aluno e professor, e faça essa reflexão.
Podemos exemplificar os apontamentos com alguns textos que nos levem a pensar
sobre isso, como o que fora selecionado abaixo, vamos ler?
O Menino Maluquinho
Ele era um menino impossível! Ele era muito sabido, ele sabia de tudo,
a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto. Seu canto, seu
riso, seu som nunca estavam onde ele estava. Se quebrava um vaso
aqui logo já estava lá. Às vezes cantava lá e logo já estava aqui. Pra
uns, era uirapuru, pra outros, era um saci.
Uma leitura superficial do texto o abordaria com base nas classes gramaticais
presentes, como substantivos, artigos, adjetivos, verbos, advérbios etc. Mas as relações
no texto não são apenas sintáticas, mas também semânticas, presentes em qualquer
texto, principalmente o literário que propicia uma rede de inter-relações via signo
literário. É por isso que se deve aproveitar o aporte para abordar questões sobre quem
narra, quem são as personagens, o enredo da história, o local e o tempo.
37
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Observa-se que se trata de um menino, e muitos dizem que ele é maluquinho devido
às suas peraltices. Com base nisso, podemos constatar que, no texto, o ponto crucial
é o vocábulo “menino”, uma vez que todas as demais categorias narrativas – tempo,
espaço, personagem, enredo, narrador – dele falam, a ele se referem. Se mudássemos
a palavra – por exemplo, modificando seu gênero para “menina” – já seria outro
texto, pois falaria de outra pessoa. Todos os adjetivos a ele atribuído, os “inho”, bem
como os advérbios que giram em torno dos verbos – suas ações –, são informações
fornecidas por uma leitura atenta para caracterizá-lo e apontar suas particularidades
e peculiaridades. Passamos a conhecê-lo, seus hábitos, o que seus amigos acham dele.
Poderíamos mudar a ordem das palavras ou alterá-las sem modificar o sujeito, mas
falaríamos de outra coisa, e de outra maneira.
O ensino de literatura não pode ser limitar a uma prática repetitiva, a um uso ad
eternum do mesmo corpus teórico e ficcional. Procure se lembrar dos seus anos na
educação básica: já passou por um docente que utilizava sempre a mesma técnica? Ou
que era um pouco diferente dos demais, mas essa diferença era repetida à exaustão?
Assim como a música de Chico Buarque, essa atividade é um problema a ser superado:
imagine a situação do aluno quando o esquema da aula é, essencialmente, similar ao
de outras? Se o ensino de literatura vira rotina, então não há, de fato, aprendizagem.
O aluno entrará em sala, pegará o livro, observará se estamos estudando o mesmo
período literário ou já adentramos em outro; se for o mesmo, vai sempre estudar
os autores pela mesma régua, pelas mesmas características, sem aprofundar as
particularidades.
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Ele não está sequer se referindo às escolas técnicas ou aos cursos preparatórios, mas
ao que é comumente conhecido como Educação Básica. A necessidade de promover
capacitação para um contingente, o qual ocupará os futuros postos de trabalho, gera
uma cultura de organização, padronização e divisão de todos os saberes, divididos em
disciplinas. Observe como, dependendo do momento, o aluno estudará sobre a Idade
Média na aula de Literatura, e só depois na disciplina de História, se formos usar um
exemplo imediato.
Planejamento didático-literário
O texto em sala de aula, já recortado nos livros didáticos, é planejado para não ser
instrumento de emancipação. Sua filosofia de produção, por mais “dinâmica”,
“inovadora” e “ousada” que aparente ser, na verdade é o reflexo de um meio social
no qual os indivíduos são capacitados desde cedo para atuar, ou seja, para assumir
cargos, não para atuarem enquanto indivíduos sociais. Passa a valer mais o que a
pessoa possui – cargos, capacitação, cursos – do que ela de fato é. A escola reflete
essa característica por meio de suas avaliações que, à semelhança do patrão com seus
funcionários –, são espécie de cobrança, cota a ser atingida.
39
UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Isso não difere, por exemplo, devido à presença de avaliações objetivas ou discursivas.
Como já apontamos em capítulos anteriores, muitas dessas questões possuem um
direcionamento de resposta, o que não é um problema em si, já que, nessa faixa
de idade, há sim uma limitação de respostas a serem atingidas justamente pela
capacidade discursiva dos alunos, e essa limitação os auxilia a se concentrarem
nesse primeiro momento. O problema, como já abordado, está relacionado ao uso
disso como prática por professores que, em sua época, também não desenvolveram
sua capacidade de leitores e, consequentemente, não conseguem fazê-lo em sala.
Logo, o direcionamento de respostas torna-se uma verdadeira amarra para ambos,
professor e aluno. O docente limita-se a contar as características dos períodos, e o
aluno, a responde da maneira que aprendera no livro didático. Sua contextualização
é perdida, já que o texto não lhe é significativo. Em suma, as atividades tornam-se
muito similares a exercícios de matemática, nos quais “1+1=2”, como em “se Alencar
é um escritor romântico, e o romantismo teve em sua fase nacionalista um aporte
indianista, então Alencar também foi um indianista”.
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
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UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Eu me perco no sabor
Da pureza dessas fontes
Da beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Tudo é puro na beleza desse amor
Na árvore plena
Nosso amor conhece
O gosto da fruta
Que a vida oferece
Nós somos a festa
E a dose atrevida
Brindemos agora
O amor e a vida
Quando eu provo do seu beijo
Me confundo no sabor
Da pureza dessas fontes
Da beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Quando eu provo do seu beijo
Eu me perco no sabor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Na pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Quando eu provo do seu beijo
Me confundo no sabor
Da pureza dessas fontes
Na beleza desse amor
Nesse campo farto e fértil
Eu desfruto do melhor
Tudo é puro na beleza
Na beleza desse amor
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Uma vez que falamos tanto em desenvolver o gosto pela leitura, elemento base para
a formação de um leitor, resolvermos utilizar, ao pé da letra, essa associação entre
“gosto” e “gosto”, com a música “O Gosto de tudo”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos.
Figurativamente, abordamos como bebe-se na boca “o sabor de tudo”. Cabe aqui
uma olhada no sentido da palavra, “gostar: sentido pelo qual se percebe o sabor das
coisas, paladar; sabor; prazer, agrado; simpatia, inclinação, pendor; critério, opinião;
maneira, moda; faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos,
sem levar em conta normas preestabelecidas; bom gosto (AURÉLIO, 2019, s/p).
Em outras palavras, o prazer, associado ao fazer, relaciona-se com o nosso dia a dia.
Se o aluno gosta de Rock, você já parou para refletir que são essas as leituras que lhe
dão satisfação, que Pitty e Skank lhe são mais prazerosos do que O Pequeno Príncipe
ou Emília no País da Gramática? São essas leituras que lhe dão o devido “sabor”, e
não outras.
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UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
Você deve ter percebido como o “gostar” pode ser algo extremamente subjetivo, não é
baseado em parâmetros. Nem todos tem o mesmo gosto, apreciam as mesmas coisas.
Como diz o ditado, “o que seria do azul, se todos preferissem o vermelho”?
Mas é essa a raiz de nossos problemas, da nossa prática didática cotidiana. Faça
um exercício muito simples de memória: durante uma atividade de leitura, qual a
porcentagem de alunos que alegam “que não querem ler” ou dão qualquer outra
desculpa, em relação aos que reclamam por não terem sido escolhidos?
Se você pode afirmar que não se encontra numas situações dessas, parabéns! Mas
lembre-se, isso não pode se contrapor ao número de vezes em que a leitura não fora
realizada com os alunos ou, quando feita, foi de maneira silenciosa, mecânica, visando
responder às questões do livro. Se isso ocorre, a leitura “não tem sabor de mel”, mas
lembra mais uma sopa amarga e duramente degustada. Daí que nos resgatamos uma
pergunta feita sobre o leitor: ele se forma, ou nós o formamos?
Hábito, gosto, gosto, hábito... estamos falando de comida, ou de leitura? Diga você,
a que sabor ele se refere? Viu como a associação entre saber e sabor está muito
associada pela ideia de prazer inerente a ambas?
Mas entre hábito e gosto, propomos o acréscimo dessa palavra que circundou nossas
observações: o prazer da/pela leitura.
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O INCENTIVO À LEITURA │ UNIDADE II
Gosto e prazer. É de Barthes (1987, p. 20), a expressão “as palavras têm sabor”, e o
mesmo aponta como, curiosamente, ambas têm a mesma etimologia, em latim. Vamos
observar isso no dicionário:
Atenção a escola de palavra, associando o ato de ler algo à atividade de fruir. Quando
o texto é prazeroso, atingimos mais intensamente suas particularidades, os sentidos
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UNIDADE II │ O INCENTIVO À LEITURA
subliminares, e isso ocorre até mesmo diante de um texto fora do âmbito do literário.
Quantas vezes não leu um livro técnico, mas percebeu a influência das leituras daquele
escritor? E no caso literário? Consegue detectar uma influência de Olavo Bilac nos
poemas de João Cabral de Melo Neto?
Esse laço de se lançar à leitura é um espaço privado – que é tanto a escola, os espaços
de favorecimento da prática, quanto o mundo imaginativo do indivíduo – que permite
o livre exercício do faz de conta – ficção vem de fingere, fingimento –, no qual dá-se
início a um processo de descoberta, a ponto de que o ato de ler venha a incomodar
o leitor, mas de uma maneira positiva, pois traz à tona as perguntas que permitem
questionar a sociedade. Isso é feito pelos temas, enredos, estruturas, escolhas
linguísticas, tipos de abordagem ou, simplesmente, pela ideia apresentada.
Podem estar presentes em cada etapa da vida, mas é essencial que sejam aplicados no
ambiente escolar.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO
DA LINGUAGEM UNIDADE III
LITERÁRIA
CAPÍTULO 1
A ocorrência literária
Abordamos nas unidades anteriores tanto o ato da leitura quanto as dinâmicas sociais
que envolvem o estudo da disciplina literatura.
Dedicamos, para esta unidade, uma análise de um dos autores dessa atividade: o texto
literário, e como ele se constrói por meio de uma linguagem plurissignificativa.
É provável que você entenda a literatura como “entretenimento”. Mas ela é, antes de
tudo, um uso particular da língua, ou seja, uma forma de linguagem. E se é linguagem,
atende a um princípio comunicativo, já que transmite os saberes e a cultura de dado
grupo/país/cultura.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
Talvez você nunca tenha visitado o nordeste brasileiro, mas é provável que consiga
imaginar a capital bahiana, Salvador, devido às ricas descrições presentes na obra
de Jorge Amado. Ou o Sul do País, pelas obras de Veríssimo, e até o interior goiano
por meio das obras de Bernardo Élis. O texto literário completa e complementa uma
visão de mundo, transmitindo percepções, divergentes e, como já citado em unidades
anteriores, ideologias, maneiras de se ver e se estar no mundo.
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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA
Tudo é língua, tudo é linguagem..., mas tudo é literatura? Sim, mas não
necessariamente uma forma estrutural de arte. Aliás, há diferenças entre literatura
e manifestação artística: uma é forma de arte, outra, a produção em determinado
contexto, ou seja, sistema.
Não se pode compreender o texto literário – qualquer que seja seu movimento,
estética e período – desassociado do período em que surgiu (CADEMARTORI,
2002). Isso ocorre porque toda literatura é feita de acordo com o seu contexto, é
produzida em relação a ele. José de Alencar e Lima Barreto abordam a mesmíssima
sociedade carioca em seus livros. Mas o olhar é outro, sob influência de novas épocas,
perspectivas e contextos históricos e sociais. Há motivos para não termos, por
exemplo, um novo Gregório de Matos? Ou outro Castro Alves? Ou, quem sabe, um
recém-nascido Jorge Amado?
Você, ao longo de todo o seu período estudantil, aprendeu que toda literatura está
associada a uma escola literária, mas isso não é algo 100% verdadeiro. Essa noção
de que a literatura pode estar desassociada de um período vem de Antonio Cândido
– pesquisador da literatura brasileira –, sobre como determinadas produções se
manifestam no Brasil – principalmente quanto este não era “Brasil”, já que uma
literatura considerada “brasileira”, fruto de um país independente, só pode apontada,
pelo menos, a partir de 1822 – mas que não tem uma relação direta com uma elite que
“pensava o Brasil”.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
Cabe pensar sobre esse ponto. O texto literário, na acepção que conhecemos, também
tem um caráter tanto social quanto histórico: ele é produzido em determinada época,
e vai acumulando essas características ao longo dos séculos. Há uma tradição na prosa
brasileira que remete à literatura de viagem, e assume a maturidade com machado
de Assis. Muitos dos românticos eram, também, árcades, e a experiência na temática
neoclássica se fez presente em sua obra. O signo literário na poesia de Castro Alves
vem carregado de marcas do lirismo nacional que germinou com Gregório de Matos.
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CAPÍTULO 2
A intenção literária
Falamos aqui sobre como ocorre o fenômeno literário, mas não porque ele ocorre.
Parece estranho imaginar que alguém produz textos literários “do nada”, sem uma
motivação específica.
Linguagem e trapaça
Nada é por acaso. Ela não se limita a ser um instrumento de propagação de valores,
pois é mais do que isso, é uma espécie de ferramenta para propagar saberes. Basta
lembrar que, durante muito tempo – e até os dias de hoje –, muitas pessoas aprendiam
sobre a cultura do seu povo via texto literário. Você provavelmente aprendeu mais
sobre a vida do subúrbio carioca lendo “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima
Barreto, do que se debruçando sobre um livro de sociologia!
Esse é o valor do texto literário, pelo fato de que a variedade linguística ali presente
é “trapaceira”: transmite os valores da elite, mas, também, os que são considerados
prejudiciais (CANDIDO, 1995). Por meio dele conhecemos a história do rico e do
pobre, do rei e do plebeu. É por meio da obra de Monteiro Lobato que conhecemos
uma personagem tão famosa como Jeca Tatu, ou a vida sofrida das pessoas comuns
por meio de escritores como Jorge Amado.
Procure-se se lembrar da premissa “todo texto tem seu leitor”. Ele presume, ou
melhor, cria um leitor. Quanto o autor redige sua obra, concebe um leitor específico,
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
que não é uma pessoa física, mas uma entidade. Os livros de Agatha Christie, por
exemplo, eram feitos concebendo um leitor que estivesse pronto para embarcar em
um mistério, folheando pacientemente as páginas enquanto o desbravava.
Não é por acaso que, no século XIX, surge o romance de folhetim: com o
crescimento das cidades, aumenta o número de jornais em circulação e,
consequentemente, o número de leitores. Além de notícias, precisam de algo para
passar o tempo, se distraírem. Mas o que antes tinha mero caráter de passatempo, é
apropriado pelos escritores como espaço de denúncia.
Mas nem tudo pode ser dito, motivo pelo qual a literatura é o espaço do não dito.
Há tabus e outros temas que incomodam a sociedade, mas eles atingem certa
permissividade quando transferidos para a literatura.
Não era bem visto falar da hipocrisia da burguesia – como era chamada a elite
pós-revolução francesa –, a qual falava abertamente sobre “amor verdadeiro”,
“moral” e “costumes”, mas vivia de outra maneira. Mas isso se torna perfeitamente
aceitável quando é representado literariamente em “Memórias Póstuma de Brás
Cubas”, que mostra a vida de um filho da alta burguesia. Ou como questões como o
homossexualismo são abordadas de maneira bem sutil em obras como “O Ateneu”, de
Raul Pompeia, e “Bom crioulo”, de Adolfo Caminha.
Figura 10. Adolfo Caminha, escritor naturalista que retratou em sua obra os tabus sociais.
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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA
A função do escritor
É por isso que, para Sartre, o escritor é aquele que não se cala, não se abstém, opta
por manifestar-se diante da visão reduzida que a própria sociedade tem – ou prefere
ter – sobre muitos assuntos. O escritor fala da elite para a elite, mas, muitas vezes,
mostra um lado que todos querem ignorar. Os tabus sociais, as guerras, a hipocrisia e
outras chagas passam a ser transmitida via texto literário, que utiliza o código literário
para, por meio de um pacto silencioso, aborda o não-dito. São muito convenientes as
explanações presentes no “Livro de Cesário Verde”, como o apontamento que os mais
bem vistos na sociedade escondiam seus bastardos.
Sartre salienta a relação conhecida como “pacto ficcional”, acordo tácito estabelecido
entre escritor e leitor. Este aceita que tudo é brincadeira, é jogo ficcional; aquele, que
só porque está contando uma história de faz de conta, não significa que não esteja
abordando verdades. E, de maneira sutil, o leitor percebe isso, e compactua. Nessa
acepção, outro escritor famoso, Victor Hugo, recebia a alcunha de le monde-homme,
uma vez que se propôs a produzir uma obra que representasse todos os aspectos
da França de Napoleão III, abrangesse os aspectos sociais, históricos, filosóficos, a
pobreza, a riqueza, a cultura, enfim, a literatura enquanto espelho do mundo.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
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CAPÍTULO 3
A proeminência do signo literário
A literatura
Dizer o que é literatura pode nos levar a um problema sério: Para os gregos da época
de Alexandre, o Grande, a “Ilíada” (2009), era fato ou ficção? Se você respondeu
a segunda opção, reveja seus conceitos: ao longo dos tempos, textos famosos foram
destituídos de seu caráter de autoridade, virando apenas experiência literária. E
à medida que as áreas do saber se expandem – surgindo novas, de modo que a
psicologia e a sociologia se desvencilham da filosofia, por exemplo – as mesmas
perguntas agora atendem a um arcabouço cada vez mais amplo.
Figura 11. A Ilíada, considerada a obra alma mater da literatura, conta a história da guerra de Troia.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
(1999, p .30) e, mais adiante, e por extensão, cultura oral. Nos dias de hoje, é tudo o
que está impresso, encadernado, catalogado.
A noção de clássico é tudo, menos aquilo a que atribuímos nos dias de hoje.
Isso porque a palavra, contemporaneamente, é utilizada no sentido de algo
“transcendental”, “deslumbrante”, e não como uma obra basilar, a ser usada de
maneira modular por todos.
Antes de Compagnon, isso já era apontado por Aristóteles na sua “Poética” (2005),
quando este comentava sobre como as grandes tragédias eram, essencialmente,
intertextuais. Basta observar como a tragédia Jasão e os Argonautas” (RODES, 2014),
por exemplo, apresenta uma estrutura que será imitada posteriormente por Homero,
quando o mesmo compõe “A Ilíada” (2009) e “A Odisseia” (2002). E ainda mais a
frente – pouquíssimo tempo, só alguns milênios – será a influência para uma peça de
Chico Buarque e Paulo Pontes, “A Gota D’água” (2002), inspirada no mito de Medeia,
esposa de Jasão.
Esse é, essencialmente, o sentido de uma obra clássica. Obra que servirá de modelo
por abordar, de maneira universal, determinadas características das obras literárias.
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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA
É por esse motivo que, para muitos, o primeiro dos clássicos foi “Édipo Rei”
(SÓFOCLES, 1989), pela forma como apresenta a questão mais essencial do indivíduo:
quem sou eu?
Isso, inclusive, trouxe novo sentido para o que seria um clássico, e um moderno.
Clássico, contemporaneamente e popularmente, não é a obra que serve de modelo e
a ser imitada, é o texto que melhor representa um sentimento de nacionalidade. E,
embora hoje não estejamos mais nesse período literário, é um valor quase ufanista.
Afinal, até hoje muita gente é acusada de produzir literatura que não é “legitima” –
vide o caso, por exemplo, de alguns escritores africanos, cobrados constantemente
pelas editoras internacionais a produzirem uma literatura “legitimamente africana”
(JUNIOR, 2013, p. 39).
O conceito de grande literatura deixa de ser a que segue uma grande forma, um
grande modelo: passa a ser a que produz grandes escritores. João Cabral de Melo Neto
é mais conhecido pelo povo por escrever belos versos na língua de Camões, do que por
desenvolver sua poesia seguindo uma estética clássica, neoparnasiana.
Ser moderno, nessa modificação do conceito literário, não é mais renovar a estética,
mas a temática. Os escritores realistas e naturalistas buscavam uma renovação na
temática literária. Aluízio de Azevedo apresentava o homem fora da idealização
romântica, mas utilizava as mesmas estruturas que consagraram o romantismo: texto
em prosa, privilegiando o romance.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
A literariedade
Antoine Compagnon aponta aquela que é a característica essencial da literatura,
o que a difere de qualquer outro texto: sua literariedade. E esta associa-se à sua
intertextualidade.
Um texto é um todo de sentido que possui literariedade, ou seja, a relação íntima que
um texto possui com outro. Já citamos anteriormente a música de Chico Buarque,
“Atrás da Porta”, e a resgatamos para trazer uma referência à outra produção textual
que lhe é muito semelhante:
Atrás da Porta
Quando olhaste
bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelôs
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua
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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA
Parece-lhe familiar? Tente lembrar-se da graduação ou, pelo menos, do Ensino Médio:
a estrutura do texto deve lhe trazer reminiscências, é a mesma de uma Cantiga,
composição poética realizada durante o período conhecido como “Trovadorismo”. A
música “Atrás da Porta” apresenta muitas características em comum com esse gênero,
em especial, um subgênero de cantigas conhecido como “Cantiga de Amigo”, no qual
há a presença de um interlocutor feminino que lamenta a partida do amado.
Figura 13. Até a época dos trovadores, a poesia não era desassociada da música.
A música resgata vários elementos da lírica medieval ibérica, herdada por nós via
cultura portuguesa. Há fortes elementos na música que remetem às Cantigas de
Amigo, principalmente na relação de um trovador masculino que emula os anseios
de um eu - lírico feminino, a separação entre os amantes, ou a escolha vocabular que
valoriza a sonoridade do poema.
É esse, para Compagnon, o elemento que conceitua a literatura: o fato de que toda
obra literária remete a outra obra (1999, p.41), a relação que, ao referenciar, permite
que uma obra literária construa outra.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
percepção explícita entre este, e sua origem. Dessa maneira, o texto é intrinsecamente
intertextual, mas não necessariamente perceptível.
61
CAPÍTULO 4
A plurissignificação literária
Para seu melhor aproveitamento, cabe ao leitor identificar esses elementos lexicais
que atuam para a construção de sentido, numa relação entre receptor, emissor e o
próprio interacionismo verbal. Para tanto, precisa compreender e traduzir elementos
linguísticos – sintéticos, morfológicos e estilísticos – em prol de uma ampla
interpretação semântica.
Denotação e conotação
Necessitamos, por isso, ampliar o conceito de conotação e denotação, os quais, como
conhecemos. Para a linguística saussuriana, toda palavra possui um significado cuja
função representativa que serve de apoio para a comunicação humana. Mas observa
que essa compreensão de palavras é delimitada por outras palavras. Tenho “pássaro”
em oposição à “peixe”. Porém, essa delimitação é deficitária por não abarcar, em
várias situações, todos os usos cotidianos da língua. Isso significa dizer, Por exemplo,
que a palavra “peixe” só tem esse significado em língua portuguesa e, mesmo assim, é
um hiperônimo de linguado, carpa, cavalo-marinho, lampreia etc.
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
É nessa observação que Rodolfo Ilari (2001), aponta para uma relação entre
conotação/emotividade e denotação/intelectualidade. Comumente o texto literário,
mesmo dotado de amplo uso conotativo, é abordado como campo da denotação, do
acúmulo de saberes, e não de sua interpretação sentimental. O texto literário em sala
de aula não tem a mesma apreensão que qualquer outro, de maneira que é apenas
mais um acúmulo intelectual. É a contextualização e ressignificação que permite que
o indivíduo ao entrar em contato com o texto literário – em seu processo de formação
como leitor – transmita-a para o campo da conotação, da afetividade.
Inclusive, é por meio da linguagem conotativa que o falante utiliza que é possível
identificar seu grau de instrução literária – diferente da linguagem denotativa, que
apresenta outras funções –, bem como idade, faixa etária e formação sociocultural. O
uso do seu léxico está associado ao seu uso cotidiano, bem como a convencionalidade
de sua realidade.
É por isso que o fenômeno da leitura baseada numa interação conotativa aponta para
a capacidade ledora do indivíduo como uma construção coletiva, formada pelas suas
experiências no uso plurissignificativo da palavra, ou seja, com o signo literário.
Por exemplo, se o leitor se depara com as frases “Meu cachorro pegou um gato” e
“Júlio é um cachorro”, observa-se como o termo “cachorro” é polissêmico e dialógico:
polissêmico por assumir vários sentidos, dialógico por negociar com o leitor essas
possibilidades. Se todo texto presume um leitor, então a atividade de escrita é
realizada por meio de uma troca linguística que dispõem dos signos à disposição.
“Cachorro” só possui esses significados – dentre outros – na medida em que atendem
à estrutura lexical do falante/leitor. Mesma situação ocorre quando, em “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”, a protagonista refere-se a “tu, minha leitora”, na medida
em que possui um leitor-consumidor que compreende seu jogo textual e o interpreta.
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UNIDADE III │ A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA
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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA │ UNIDADE III
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PRÁTICAS DE
INTERPRETAÇÃO UNIDADE IV
TEXTUAL
Nas unidades anteriores, optamos por apontar as características do processo de
leitura, sua conceituação, formação do leitor, entraves, apropriação dos significados
e significantes linguísticos, bem como suas aplicações cotidianas. Enfatizamos de
maneira insistente no problema da redução da atividade de leitura a mero exercício de
fixação, tendo como propósito transmitir a você a noção de que o acesso a um material
plurissignificativo deve estar imbuído de uma postura igualmente plurivalente.
Dedicamos nessa última unidade o espaço para tratar de mais algumas questões
teóricas e, ao mesmo tempo, atividades práticas que, longe de engessar a leitura,
podem ser direcionadas para o melhor aproveitamento da formação ledora.
CAPÍTULO 1
A apropriando-se do texto
Mas como se dá esse processo, qual a sua base? Não há outra: a leitura cotidiana.
As informações do dia a dia, a interação linguística nos mais variados estratos e
situações comunicativas, é o que desenvolverá a competência inerente ao falante
e, consequentemente, o leitor. Uma vez que há a noção de analfabeto funcional, a
sociedade carece dessa competência ledora, embora isso seja um entrave cada vez
maior.
Literatura e nicho
Tome como base as seguintes questões contemporâneas: os indivíduos estão, em sua
maioria, limitados ao que chamamos de “bolhas sociais”, grupos que interagem com
66
PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV
seu tipo de informação, e consomem apenas isso. Não é uma novidade como muitos
apontam: Em épocas pré-internet, sempre estivemos limitados ao nosso campo de
atuação e de relações sociais, sendo proporcionalmente poucos os que atravessavam
essas barreiras. Eram os “mais informados”, “cultos”. Ocorre que nos dias de hoje esse
fenômeno se dá devido ao excesso de informações que nos faz selecionar um nicho
delas, geralmente direcionado para gostos, posicionamentos sociais e gostos políticos,
de modo que o excesso de informação se torna mais um regresso do que um avanço.
O resultado disso é que, por exemplo, jovens podem saber muito sobre a Revolução
Russa por influência de um youtuber muito influente – um digital influencer –, mas
não necessariamente competente, enquanto outro youtuber, o qual pode inclusive ser
um professor, amarga poucos likes. Consequentemente, a variedade de informações é
oriunda mais da influência da pessoa, do que seu saber.
Parece-lhe familiar? Vocês já devem ter escutado a história dos exploradores que
trouxeram um ornitorrinco para a Europa e as autoridades, diante do animal,
afirmaram categoricamente que era uma fraude, e muitos optaram por aceitar essa
opinião.
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Trazendo isso para nosso campo, a ideia de “pessoa culta” associa-se a isso, a alguém
que lê muito. Usa-se essa expressão para pessoas que “estudou”, no sentido de ter
cursado o ensino superior, no apontamento de que é ali que temos contato com os
“estudos superiores, a cultura superior”, mas essencialmente um indivíduo pode
atingir um douto pela sua capacidade de leitura, até mesmo pelas suas experiências
sociais. É por isso que a experiência é considerada como irmã gêmea da velhice,
mas cabe que a trapaça promovida pelo signo literário possibilita que você adquira
experiências de outros sem pagar o preço do tempo.
Partamos desse apontamento. Harold Bloom, crítico cultural e literário, faz a seguinte
proposição ao ser questionado o que seria o ato da leitura:
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Esse é o ponto que a muitos não chega: informar-se não é saber, explanar sua mente,
desenvolver a prática do pensar crítico. É na prática da leitura que o aluno se constitui
como cidadão, ou seja, que interage, faz leituras, escuta, produz textualmente
aquilo que compreendeu, como suas apreensões, críticas e sugestões. Daí que uma
das melhores práticas de desenvolvimento da faculdade ledora é a relação entre as
compreensões do aluno e sua produção textual.
Inclusive, é desse ponto que parte o gênero textual “memorial”, por meio do
qual o aluno explica, com suas próprias palavras, o que compreendeu sobre
certo aluno. Estratégia utilizada por muitos professores, é um caminho viável
para leitura de textos de curta extensão em sala de aula.
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Muito dessa informação, como apontado, associa-se a nichos. E embora desde o início
do século já existiam livros digitais, para muitos o texto literário – tampouco outros,
como científicos e da área acadêmica – não são os mais acessados. E justamente a
comodidade de encontrar tanto material também facilitou à busca – geralmente,
por meio de um CTRL + F ou CTRL + L – de trechos específicos, direcionando
muitos para a leitura informativa, distanciando-os do estudo textual e da leitura
descompromissada.
Propõem-se que, para que haja uma migração de uma leitura informativa para, pelo
menos, um estudo textual, deve-se seguir algumas propostas didáticas e lúdicas. Deve-
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se, num primeiro momento, fazer uma leitura paratextual, observando título, assunto,
organização genológica, autoria, se possui imagens, forma de propagação etc.
Dúvida? A maioria dos contos de fadas, como “Branca de Neve e os Sete Anões”
possuem seus elementos essenciais na introdução. Em “Memórias Póstumas de Brás
Cubas” é nesse espaço que sabemos que o narrador faleceu e irá contar sua história.
Nas primeiras páginas de “Ártemis Fowl – O garoto gênio do crime” descobrimos que
um garoto planeja roubar o ouro das fadas.
Em seguida, seleciona-se o que fora escolhido, fazendo uma leitura mais seletiva,
seja pelos trechos sublinhados, seja pelo resumo de suas ideias. A partir daí é
possível uma leitura mais aprofundada do texto, de acordo com seus propósitos, de
aprofundamento ou não.
Esse breve exercício já exemplifica uma prática de leitura que vai além da informativa,
pois é o primeiro passo para um posicionamento do leitor. É a partir daí que ele pode
começar a desenvolver um labor crítico na prática de leitura, desenvolvendo suas
primeiras técnicas de análise do texto literário.
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CAPÍTULO 2
Analisando o texto
Instrumentalizando a leitura
Uma vez que abordamos os princípios da análise literária, é importante darmos
prosseguimento ao processo de empoderamento do leitor, instrumentalizando-o com
os mecanismos necessários para desenvolver essa prática.
Guarde essa metáfora: as técnicas de leitura devem ser exercitadas de tal maneira que,
atingindo tal grau de técnica, sejam esquecidas. Por acaso você precisa lembrar-se da
respiração para que ela ocorra?
Uma vez que você assume essa responsabilidade, deve guiar seus alunos a esse
caminho. Não cobrança, mas incentivo. Sendo persistente sem ser insistente.
Dito isso, deve-se estar atento ao tipo de texto a ser lido, como os múltiplos tipos e
gêneros utilizados no meio universitário, por exemplo, e aqueles que são apresentados
na educação básica. Deve-se estar atento ao tipo, formado, estilo, de modo que o aluno
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Esse roteiro, como aponta Severino (2012, p. 53), apresenta diversos caminhos e
metodologias para uma boa aprendizagem, primeiro caminho para a fruição textual.
Apresentamos aqui algumas das estratégias que você pode utilizar em sala, visando o
desenvolvimento de um projeto de domínio da competência ledora.
Esse processo permite que seja feita uma análise do texto como um todo, seu
conteúdo, apresentação, temática e a problematizarão do autor, como ele se posiciona
diante de determinada situação, as ideias, subideiras e plots. É um esquema muito útil
para se interpretar novelas literárias: observa que na obra “A hora dos ruminantes”,
de José J. Veiga, tem uma trama principal, os homens da tapera que começam a
exercer poder em Manarairema, e várias sub-histórias, como a invasão dos bois, dos
cachorros, o conflito entre os moradores etc.
Após essa separação, realiza-se uma análise das interpretações iniciais feitas pelo
leitor (SEVERINO, 2012, p. 65), em suma, um processo dialógico entre o texto e
sua devida contextualização, em suma, uma crítica. Verificam-se assim a coerência,
acréscimos, consistência, capacidade do texto de se manter atual, como o autor
demonstra que suas ideias são pertinentes, a progressão textual, bem como sua
relação com o público, como originalidade, suas influências, o posicionamento do
escritor diante das outras críticas, etc.
Finaliza-se essa etapa por meio da observação dos problemas levantados e as reflexões
possíveis, de âmbito geral e pessoal – as reflexões possíveis feitas pelo leitor de
modo que o texto lhe seja significativo. Nessa etapa levantam-se os questionamentos
previamente detectados, de modo que seja possível uma síntese, ou seja, que estas
sejam reelaboradas de acordo com as impressões do leitor (SEVERINO, 2012, p. 65).
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Essa etapa tem caráter essencial, pois, durante o ato da escrita, o leitor transmite
sua compreensão do texto literário. Uma resenha crítica, por exemplo, segue essa
premissa, da releitura crítica previamente realizada.
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CAPÍTULO 3
Gêneros da análise textual
A leitura reinventada
O ser humano tem uma capacidade incrível de criar formas, dar sentido, organizar
estruturas. Essa é a maneira de fazer com que o mundo passe a fazer sentido.
Em tempos ancestrais, sacerdotes tribais realizavam rituais para trazer a chuva
em dias que os deuses do céu pareciam nervosos, pois seria o dia perfeito para
fazê-los descarregar sua ira sobre a terra. Povos do deserto – na antiguidade e
contemporaneamente – não consumiam determinados alimentos, pois eram proibidos
por suas crenças, mas vale salientar que isso também evitava muitas doenças e
problemas de saúde, como o colesterol alto. Seja por meio de crenças, saberes ou
lendas, o homem sempre busca dar algum tipo de forma ao mundo para que este lhe
faça sentido e fácil de transmitir.
O texto literário não é diferente. Em sociedades com baixo ou quase inexistente grau
de alfabetização, as tradições eram passadas oralmente, e preservadas muitas vezes
por sacerdotes incumbidos de retransmiti-las. Nos dias atuais, com uma concentração
alta de leitores, o melhor formato do texto não é uma série de cânticos, mas, muitas
vezes, textos longos. Ainda há narrativas curtas, mas a capacidade de preservação e
propagação da literatura atual favoreceu o surgimento de verdadeiras sagas literárias
formadas por livros faraônicos.
Esses mesmos livros podem ser readaptados, de maneira que para o leitor estes lhe
sejam significativos, atendam às suas dúvidas. E escrever sobre o que se leu – como
abordamos no capítulo anterior – é uma das melhores formas de se compreender
o que se leu e aprendeu. Se a atividade mais realizada é a “olhada” no texto sem
aprofundamento, o leitor, seguindo as estratégias anteriormente apresentadas, pode
começar a se apropriar da temática trazida pelo escritor recém-lido. Logo, a escrita
pessoal é um processo efetivo, necessário e prioritário do desenvolvimento da
capacidade ledora.
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Fichamento
Uma dessas estratégias/formatos de análise/gênero textual da análise é o
fichamento, no qual o leitor levanta as principais questões da obra lida, organizando
suas temáticas – explícitas e implícitas –, as quais podem ser consultadas em
trabalhos futuros. É possível, tendo como exemplo “Senhora”, de José de Alencar,
selecionar as personagens, delimitá-las em características, interesses, objetivos,
participação na e contribuição para a trama, enredo principal, enredo secundário,
relação que uns personagens têm com outros etc. Pode-se também seguir fichando a
trama principal, as subtramas, lugares, relação do mundo ficcional com o mundo real,
como os lugares reais são representados na obra etc.
Além do fichamento, há uma série de outros gêneros da análise textual que podem
ser apropriados em prol da criação de sentido, organização de ideias e reflexão do
conhecimento gerado, como a ficha de citações (LAKATOS; MARCONI, 2010).
Ficha de citações
Nos dias de hoje há Pibics – Programas de Iniciação Científica e Tecnológica – no
ensino médio, por meio do qual alunos iniciam sua vida na pesquisa científica e
promovem avaliação crítica – embora deficitária – dos saberes existentes, almejando
aprender como desenvolver suas próprias competências como pesquisadores. Muitos
desses Pibics são direcionados ao texto literário, de maneira a promover análises de
textos com base em aspectos e vieses específicos – como, por exemplo, a representação
da mulher em romances de José de Alencar e Machado de Assis, ou como o projeto
de crescimento brasileiro aplicado por Juscelino Kubitschek terá reflexos em textos
literários daquele período.
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PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV
Embora não seja o tema desta unidade, cabe um apontamento sobre o Pibic, suas
práticas e desenvolvimentos, principalmente se você, que nunca tinha ouvido
falar, optar por desenvolver um projeto de Pibic direcionado para práticas de
leituras. Alguns sites apresentam todos os detalhes, documentação apresentada
e, principalmente, formas de se solicitar bolsas de pesquisa. Disponível em:
<http://www.pesquisa.uff.br/?q=content/o-que-%C3%A9-pibic>.
Para que não seja preciso ler novamente o texto todas as vezes que se precise fazer
um relatório de Pibic, o modelo de ficha de citações é essencial, pois seleciona e
organiza os trechos apontados como fundamentais de uma obra, catalogando-os em
página, ano, autor etc.
As citações comumente utilizadas neste curso são um exemplo, mas podemos agregar
outros conteúdos, como citações da obra O que é Leitura? (2003), de Maria Helena
Martins:
Resumo
O resumo, por outro lado, é um gênero textual realizado com frequência, já que
envolve a produção de uma síntese textual baseada principalmente nos pontos
principais detectados no decorrer de sua leitura.
Essa tarefa, por sinal, é muito complexa. Há uma ideia errônea de que o resumo
envolve o recorte das palavras importantes quando, na verdade, seleciona-se de
forma organizada os pontos mais importantes, a essência da obra. Se para nós que
trabalhamos continuamente com o texto é um exercício com grau de dificuldade que
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
não pode ser ignorado, para o leitor em formação é uma atividade hercúlea. A concisão
é uma habilidade valorizada e buscada, mas desenvolvida paulatinamente, de maneira
que quanto mais cedo seja colocada em prática, melhor. Seu resultado é facilitar
a compreensão textual e, sendo realizado como promover, amplia as percepções do
leitor, já que sua essência já está ali, delimitada.
Exemplo disso está no resumo que fizemos da obra anterior de Maria Helena Martins,
O que é Leitura:
Comentário
Outro método/gênero é o comentário. É muito comum a presença de comentaristas
políticos, jornalísticos e esportivos. O comentário da obra literária envolve um
posicionamento, análise direcionada e apreensões desse texto. Normalmente
em veículos de comunicação é feita por vozes de autoridade como professores e
pesquisadores, mas é um gênero muito propício para o leitor, visto que o coloca em
posição, ou melhor, obriga-o a se posicionar. É por isso que também é chamado de
comentário analítico.
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PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV
sustento pelo suor do seu rosto”, ou que Sirius Black, personagem da saga de livros
Harry Potter, poderia estar vivo se Harry tivesse prestado mais atenção aos avisos
que o futuro falecido lhe dera.
Isso, obviamente, envolve uma leitura comprometida com a obra original, motivo de
esse modelo estar associado ao resumo, por exemplo, pois envolve sal capacidade
de síntese. E, uma vez que o leitor precisa apresentar de maneira consistente com
argumentos seu ponto de vista, uma leitura profunda da obra é fundamental.
O aluno também pode fazer um fichamento prévio que favoreça seu trabalho, de
maneira a salientar os pontos contundentes. Como apontam Lakatos e Marconi
(2010, p. 59), para organizar um comentário analítico o estudante deve seguir os
seguintes passos:
Essa prática aqui apresentada voltada para o texto literário pode ser aproveitada,
inclusive, na crítica literária pertinente à determinada obra. É fato que pode ser
aproveitada em qualquer tipo de texto, principalmente pela dificuldade dos alunos
– como no ensino superior – de catalogarem tudo o que aprenderam, entraram em
contato e desenvolveram ao longo de um semestre letivo. Dessa maneira, cria-se um
arquivo bibliográfico da sua trajetória intelectual.
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
A obra está inserida na área das ciências humanas, em particular, nos estudos que
abordam o ensino da linguagem. Há três pontos-chave que são a base da teorização de
Maria Helena Martins, ou seja, os níveis da leitura: sensorial, emocional, bem como
se integram e interagem entre si. Há uma preocupação da escritora em transmitir, de
maneira prática e concisa, o que vem a ser leitura, prática de leitura, hábito de leitura
e como cada um deve/pode descobrir novas formas de se ler durante o processo de
interação com novos textos. Por fim, encerra sua exposição indicando textos sobre o
tema.
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CAPÍTULO 4
Leitores
Motivações
Ao longo de toda essa disciplina, foi discutido o problema da prática de leitura, sua
contextualização, caminhos e estratégias. Abordamos vieses pedagógicos, estratégias
metodológicas, pesquisas e arcabouços que fomentassem o devido embasamento para
os respectivos pontos de vista aqui elencados.
Tipos de leitores
Leitor informacional
Um leitor que busca se informar tem como princípio a leitura que favoreça um
maior conhecimento dos fatos que circulam ao seu redor, quer se atualizar. Tendo
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Leitor estudioso
Um leitor que busca conhecer determinada coisa possui muita aproximação conosco
e vários outros tipos de profissionais que pesquisam e estudam constantemente,
além de outros que precisam de algo mais do que uma informação resumida
para seu campo de atuação. Porém, devido à variabilidade das profissões e suas
características, algumas exigem uma maior reflexão sobre determinados processos
do cotidiano, de modo a estarem em um estado de pesquisa permanente. Assim, uma
parcela significativa do tempo desse leitor é dedicada à busca e reflexão de questões
fundamentais do mundo ou, ao menos, da sociedade em que habita, problemas
culturais, divergências epistemológicas, e nas situações em que falta-lhe o devido
tempo para esse exercício, um incomodo instaura-se dentro de seu ser. “Incômodo”
parece-nos uma ótima analogia para um sentimento que faz o indivíduo sair do seu
lugar de tranquilidade. O que faz com que, por exemplo, dentistas separem um pouco
do seu tempo para tomarem parte de seminário, assistirem palestras e tomarem
contato com novas pesquisas na sua área? Analogamente ao mito de Prometeu, eles
não o fazem pela curiosidade, mas pelo fogo!
Leitor diletante
Por último, um leitor que busca atingir uma sensação prazerosa oriunda do ato da
leitura satisfaz-se recorrendo aos gêneros textuais literários. Ele pode assim atingir
horizontes propiciados pela literatura ilimitados, capazes de proporcionar também
infinitas interpretações em detrimento da plurissignificação do signo literários, o que
o motiva a buscar escritores diferenciados, permitindo-lhe atingir novos saberes e
expandir sua percepção de mundo. Como abordamos ao longo desta disciplina, é o tipo
de leitura mais desfavorecida pelas práticas escolares contemporâneas, de maneira
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PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL │ UNIDADE IV
Confluência ledora
Podemos observar que as práticas de leitura exercitadas pelos três tipos de leitores
associam-se à essência do ato de ler, de modo que um não exclui o outro, sendo
um leitor pleno aquele que executa as três. Porém, como já apontara Paulo Freire,
todo texto abordado por um leitor é o primeiro degrau para uma observação mais
aprofundada e crítica do nosso contexto social. É por isso que é absurda a ideia de que
os alunos – e, também as pessoas, em geral – não leem, pois qualquer meio linguístico
atua em referência ao mundo que parasita, de maneira que atuar como leitor
competente e adquirir a capacidade de traduzir os signos textuais, seus referenciais,
adentrar numa dinâmica interna e compreender como ela se inter-relaciona com toda
outra, externa.
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UNIDADE IV │ PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Encerramos aqui essa unidade com uma frase de Monteiro Lobato que nos é
contemporânea desde sempre: “um país se faz de homens e livros”.
Essa série de atividades apontam para formas de análise textual que buscam
sair da resposta engessada, do sentido cristalizado. São comuns livros de
produção textual com esquemas, exercícios de fixação, indicação de caminhos,
mas muitos acabam caindo na mesma forma de padronização, transmitindo
práticas de leitura em geral para a leitura literária.
Esperamos que a disciplina tenha sido proveitosa, mas que não tenha esgotado
o assunto: participe dos fóruns para tirar dúvidas e interagir com seus colegas,
trazendo seus acréscimos!
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Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola,
2007.
BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. A gota d’água. 32ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
85
REFERÊNCIAS
COSTA, Marta Morais. Estamos dispostos a lançar fora o leitor com a água do banho
da literatura? In: ROMANOWSKI, Joana Paulin (Org.). Conhecimento local e
conhecimento Universal: aulas nas ciências naturais e exatas, aulas nas letras e
artes. Champagnat, 2004.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
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REFERÊNCIAS
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F.P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática,
2006.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Abril, 2009.
_____. Odisseia. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Nova Cultural,
2002.
JOYCE, James. Ulisses. Tradução de Antonio Houaiss. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
_____. MORAES, Carlos. Ana & Ruth. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995.
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REFERÊNCIAS
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OLAVO, Agostinho. Além do rio. In: NASCIMENTO, Abdias do. Dramas para negros
e prólogo para brancos: antologia do teatro brasileiro. Rio de Janeiro: TEN, 1961.
88
REFERÊNCIAS
VERCEZE, Rosa Maria Aparecida Nechi; SILVINO, Eliziane França Moreira. O livro
didático e suas implicações na prática do professor nas escolas públicas
de Guajará-Mirim. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/
article/viewFile/328/361>. Acessado em: 1 jan. 2019.
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REFERÊNCIAS
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