Os Lusíadas Reflexões, Esquemas e Anlises - Dox

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- o poeta incita os homens a alcançarem a verdadeira glória e a fama, que não se conseguem

pela cobiça, a ambição ou a tirania; mas pela justiça, a coragem e o heroísmo desinteressado.
(IX, 92 – 95)
Canto I

Canto I (est. 105 – 106)


Acontecimento motivador das reflexões – chegada a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco
para receber os portugueses e os destruir.
Reflexões do poeta
Depois de ter contado as traições e os perigos a que os navegadores estiveram sujeitos – ciladas,
hostilidade disfarçada que reduz as defesas e cria esperanças – o poeta interrompe a Narração para expor as
suas reflexões sobre a insegurança da vida e a impotência do homem, «um bicho da terra tão pequeno»,
exposto a todos os perigos e incertezas e vítima indefesa do «Céu sereno». São palavras-chave: veneno,
engano, gravíssimos perigos, nunca certo, pouca segurança, mar, tormenta, dano, morte, guerra, engano.
Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda tem um longo e
penoso percurso a percorrer. Ver-se-á, no Canto X, até onde a ousadia, a coragem e o desejo de ir sempre
mais além pode levar o “bicho da terra tão pequeno”, tão dependente da fragilidade da sua condição
humana.
Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da
natureza (tempestades, o mar, o vento…), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.

Na primeira reflexão d’Os Lusíadas, sobre a insegurança da vida, Camões reage à traição
protagonizada por Baco, lamentando-se da personalidade escondida dos seres humanos. Estabelece um
paralelismo entre os perigos encontrados no mar e em terra, verificando que em nenhum dos ambientes
há segurança absoluta. Na sequência disto, reflete sobre a posição do ser humano face à natureza, já que
na sua fragilidade e insegurança é capaz de atravessar mares e conquistar povos, ultrapassando com
sucesso os diferentes obstáculos.
Canto V

A reflexão sobre a dignidade das Artes e das Letras é um episódio marcadamente Humanista. Isto é
observável noutras partes da obra pela demonstração da vitória do Homem sobre a Natureza e a vontade
de saber e descobrir. No que se refere a este trecho específico, o Humanismo revela-se pela presença da
componente pedagógica oferecida pelas “artes e letras” e pelo modelo de perfeição humana que é a
capacidade de conjugar os feitos guerreiros com o conhecimento literário, objetivo conseguido pelos
chefes da antiguidade (como seja o exemplo citado de César).
Camões alegra-se ao verificar que na Antiguidade sempre houve personagens protagonistas de
feitos heroicos e simultaneamente autores capazes de os cantar condignamente. Em oposição, lamenta-se
do facto de, apesar de os portugueses terem inúmeros feitos passíveis de serem louvados, não ser prezada
a poesia, tornando-o num povo ignorante. Na sequência disto, caso continue a não haver em Portugal uma
aposta nas artes, nunca ninguém exaltará os feitos dos portugueses.
Apesar de tudo, Camões vai continuar a escrever a sua obra, por amor e gosto à arte de louvar,
mesmo sabendo de antemão que o mais provável é não ver devidamente reconhecidos os seus versos.

Canto V - Crítica à falta de cultura e de apreço pelos poetas que os Portugueses revelam
Ao longo destas estâncias, Camões apresenta uma invetiva contra os portugueses seus
contemporâneos que desprezavam a poesia. O poeta começa por mostrar como o canto, o louvor, incita à
realização dos feitos; dá em seguida exemplos do apreço dos Antigos pelos seus poetas, bem como da
importância dada ao conhecimento e à cultura, que levava a que as armas não fossem incompatíveis com o
saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses: não se pode amar o que não se conhece, e a
falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus
feitos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor da pátria, reitera o seu propósito de continuar a engrandecer,
com os seus versos, as “grandes obras” realizadas. Manifesta, desta forma, a vertente pedagógica da sua
epopeia, na defesa da realização plena do Homem, em todas as suas capacidades.
O poeta começa por mostrar como o canto e o louvor incitam à realização dos feitos heroicos; dá em
seguida exemplos do apreço que os antigos heróis gregos e romanos tinham pelos seus poetas e da importância que
davam ao conhecimento e à cultura, conciliando as armas com o saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses, que não dão valor aos seus poetas, porque não têm cultura
para os conhecer. Ora, não se pode amar o que não se conhece, e a falta de cultura dos heróis nacionais é
responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus feitos, e, se não tiverem poetas que os
cantem, serão esquecidos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor da Pátria, reitera o seu propósito de continuar
a engrandecer, com os seus versos, as "grandes obras" realizadas.
Manifesta, desta forma, a vertente crítica e pedagógica da sua epopeia, na defesa da realização plena do
Homem, em todas as suas capacidades.

Nesta fase da obra, Camões já havia descrito a viagem até Melinde da tripulação de Gama, incluindo todas
as peripécias e contratempos passados por este e pelos que estavam sob a sua alçada.
Neste excerto é-nos apresentada uma crítica à falta de interesse pelas artes por parte do povo lusitano.
Inicialmente o poeta compara o povo luso aos povos da Antiguidade quanto aos feitos realizados, mas refere que
existe uma diferença: enquanto os antigos prezavam o verso e a rima os portugueses nenhuma importância davam a
essa área.
Garcia de Resende (séc. XV) já afirmava, na introdução ao seu Cancioneiro, que o grande mal dos portugueses
é nunca escreverem coisa que façam, e Camões refere que o seu povo não escrevia não por falta de qualidades
naturais mas sim por desleixo e desinteresse pela lírica (“Por isso, e não por falta de natura”, Canto V, estrofe 98).
Depois, o poeta argumenta que se não existirem artistas que relatem os feitos heroicos realizados, estes nunca
perpetuarão na História (“Não há também Virgílios nem Homeros / Nem haverão, se este costume dura / Pios Eneias
nem Aquiles feros” estrofe 98, canto V).
Nas duas últimas estrofes o poeta refere-se claramente a si próprio e ao seu papel, contrariando a regra das
epopeias clássicas, e tem em conta o seu grande valor, referindo a necessidade de Gama lhe agradecer (n’Os
Lusíadas às Musas, o que no fundo irá dar ao mesmo visto que os versos - a Poesia - são uma invenção de Camões)
pois é ele que vai imortalizar os feitos heroicos do povo lusitano, realizando uma complexa e grandiosa obra com
“amor fraterno e puro gosto”. Mas isto não significa que o poeta despreze o valor dos lusitanos face à sua obra,
muito pelo contrário, pois é também o próprio Camões que declara “Porém não deve enfim, de ter disposto /
Ninguém a grandes obras sempre a peito / que, por esta ou por outra qualquer via / Não perderá seu preço e sua
valia” estrofe 100, Canto V).

Canto VI

No final do canto VI, Camões apresenta-nos o seu conceito de nobreza, recorrendo para isso à oposição
com o modelo tradicional. Desta forma, o poeta nega a nobreza como título herdado, manifestada por
grandes luxos e ociosidade. Propõe então, como verdadeiro modelo de nobreza, aquele que advém dos
próprios feitos, enfrentando dificuldades e ultrapassando-as com sucesso. Só assim poderá superiorizar-se
aos restantes homens e ser dignamente considerado herói. O estatuto será adquirido ao ver os seus feitos
reconhecidos por outros e, mesmo contra a sua vontade, ver-se-á distinguido dos restantes.
Nos quatro versos iniciais da estância 95, o poeta refere, genericamente, como se alcança a
imortalidade (“honras imortais”) e as maiores distinções – a fama e a glória: através da coragem, da
capacidade de luta e sofrimento demonstradas em situações de perigo, como fica visível nas seguintes
expressões textuais: “hórridos perigos” e “trabalhos graves e temores”. Nestes versos, há a realçar a
adjetivação, que, por um lado, intensifica a dureza e a amplitude (“hórridos” e “grandes”) das
dificuldades a que se sujeitam todos aqueles que, como os portugueses, desejam cometer grandes feitos,
e, por outro, reforça o valor das recompensas (“imortais” e “maiores”) que, desse modo, atingem.
Um segundo momento do texto localiza-se entre o verso 5 da estância 95 e o verso 4 da estância
98. Aí, são identificados os obstáculos à obtenção da fama e da glória, isto é, o poeta põe em evidência
aquilo que não são os meios de as atingir (logo atos a evitar):
a. viver à custa do que os antepassados conseguiram (= a glória não é herdada dos antepassados) - 95, 5-6;
b. viver rodeado de conforto (95, 7);
c. viver rodeado de luxo e de requintes supérfluos (95, 8);
d. os “manjares novos e esquisitos” (96, 1);
e. os passeios ociosos (96, 2);
f. os deleites / prazeres (96, 3) que efeminam, isto é, enfraquecem, os fidalgos;
g. viver para saciar os apetites / caprichos insaciáveis;
h. ficar indiferente face a uma “obra heroica de virtude”.
Assinale-se o recurso à enumeração e à anáfora na estância 96. Por um lado, o poeta enumera
diferentes caminhos que não conduzem à verdadeira glória. Através da repetição anafórica, reitera a
ideia de que esses caminhos devem ser postos de lado.
Sintetizando, o poeta critica todos os que desejam ser reconhecidos na vida, apreciados apenas na
genealogia, nos luxos, nos prazeres e numa vida ociosa, sem praticarem qualquer “obra heroica de
virtude” (96, v. 8).
A partir do verso 1 da estância 97, introduzido pela conjunção coordenativa adversativa «mas»,
sinónima de ideia oposta, Camões vai enumerar as ações que fazem o verdadeiro herói e que permitem
alcançar a fama e a glória (ou seja, vai apresentar as alternativas aos comportamentos anteriormente
descritos), salientando a dureza dessas ações através do recurso ao adjetivo (“forçoso”, “forjado”,
“cruas”, “frios”, “nuas”, “corrupto”, “árduo”, …). Essas ações são as seguintes:
a. a obtenção das honras pelos seus atos, ações a que possa chamar suas (97, 1-2);
b. a disponibilidade para a guerra (97, 3);
c. o enfrentar/sofrer tempestades e “ondas cruas” (97, 4);
d. as navegações árduas por regiões inóspitas à custa de enorme sofrimento pessoal (97, 3-8);
e. o consumo de alimentos deteriorados;
f. a resignação ao sofrimento;
g. a vitória sobre as limitações pessoais, de forma a enfrentar as situações mais difíceis ou dolorosas – o
enfrentar a guerra com ar seguro / confiante e alegre (por exemplo, manter um rosto “seguro” ao assistir
a acidentes dos companheiros.
Entre os versos 5 da estância 98 e 4 da 99, é feita uma espécie de síntese das qualidades
necessárias àqueles que buscam a virtude:
i. o “calo honroso” no peito;
ii. o desprezo das honras e do dinheiro trazidos pela «ventura» e não pela «virtude»;
iii. o entendimento esclarecido e temperado pela experiência e a libertação dos interesses mesquinhos
(“O baxo trato humano embaraçado” – 99, v. 4).
Nos últimos quatro versos da estância 99, o poeta clarifica que só quem percorrer este caminho
poderá e deverá ascender ao poder (“ilustre mando”, 99 – v.7), sempre contra a sua vontade e nunca a
pedido, isto é, fá-lo-á de forma desinteressada. No fundo, ao concluir esta sua reflexão, Camões retoma
o que afirmara na introdução: é através do esforço próprio e não das “honras e dinheiro” que se
pode/deve ascender ao estatuto de herói. O verdadeiro herói despreza as “honras e dinheiro” (est. 98,
v. 6) trazidos pela sorte e não produto do esforço pessoal. A sua experiência dar-lhe-á o conhecimento da
verdadeira virtude e um estatuto superior ao dos homens de “baixo trato” (est. 99, v. 4). Desse modo,
num mundo justo, “Subirá” (est. 99) a posições de poder por mérito pessoal e “não rogando” (est. 99, v.
6) favores.
Em suma, é digno de louvor e merecedor de glória aquele que se dignifica através do
seu esforço, da sua capacidade de sofrimento, perseverança e humildade, bem como através do
desprezo das honras e do dinheiro conquistado graças à sorte e não ao mérito pessoal. Só quem
"preencher estes requisitos" poderá conquistar o "ilustre mando", não porque o peça, mas contra a sua
vontade. Tal significa que só a honra e a glória alcançadas por mérito próprio poderão ser valorizadas.

Relativamente à estrutura interna, o excerto pode dividir-se em três momentos:


. 1.º momento (vv. 1-4, est. 95): o poeta elogia a coragem de quem, como os portugueses, pratica atos
gloriosos dignos de honra.
. 2.º momento (v. 5, est. 95 - v. 5, est. 98):
2.1. enumeração das renúncias (v. 5, est. 95 – est. 96);
2.2. atos a praticar por quem deseja alcançar a verdadeira fama (est. 97 – v. 4, est. 98);
. 3.º momento (v. 5, est. 98 – est. 99): conclusão das reflexões do poeta, que salienta o esforço sincero e
desprendido como motor da glória.
As reflexões feitas pelo poeta nestas estâncias sugerem o perfil do herói épico, que se resigna à
dureza da vida e enfrenta com convicção, abnegação, espírito de sacrifício e coragem as dificuldades que
se lhe apresentam. O herói é o que concretiza trabalhos árduos e perigosos na guerra e no mar, em
condições climatéricas e existenciais deploráveis. Só deste modo, conseguindo superar todas as
dificuldades e provações, é possível alcançar um estatuto honroso, destacando-se dos restantes seres
humanos pelo seu carácter grandioso. Por outro, indiretamente, pode ver-se neste passo da obra a crítica
camoniana à elite do seu tempo, “acusando” os nobres de serem passivos, fracos, privilegiados,
insatisfeitos e alienados da realidade.
Canto VII

Na reflexão que faz no início do canto VII, Camões faz um elogio ao espírito de cruzada e critica os
que não seguem o exemplo português. Isto porque, para Camões, a guerra sem pretensões religiosas não
faz sentido, visto ser apenas movida pela ambição da conquista de território. Assim, recorre ao exemplo do
Luteranismo alemão para criticar a oposição ao Papa e às guerras que não seguem os ideais camonianos.
Dirige-se depois aos ingleses, que deixam que os Muçulmanos tenham sob controlo a cidade de Jerusalém
e preocupa-se apenas em criar a sua nova forma de religião (anglicanismo). Também os franceses, ao invés
de combaterem os infiéis, aliaram-se aos turcos para combater outros cristãos. Nem os próprios italianos
passam impunes, ao ser-lhes criticada a corrupção. Para incitar à conquista de povos não-cristãos, visto
esta causa não ser suficiente, Camões lembra as riquezas da Ásia Menor e África, incitando desta forma a
expansão. Termina elogiando os portugueses, que se expandiram por todo o mundo tendo como fim
primário a divulgação da fé.

Na segunda reflexão que faz no canto VII, Camões critica os opressores e exploradores do povo.
Começa por uma retrospetiva da sua própria vida, com etapas como a pobreza, a prisão, o naufrágio, …,
fazendo destas um balanço negativo. No entanto, para ele a maior desilusão continua a ser o facto de não
ver a sua obra devidamente reconhecida. Alerta portanto para o facto de os escritores vindouros se
poderem também sentir desta forma, desencorajando a escrita e a exaltação dos heróis. Segue depois para
uma crítica mais abrangente, afirmando que não louvará quem se aproxima do Rei tendo como intentos
únicos a fama e o proveito próprio. Não louvará também aqueles que se inserem nos meios reais de forma
a conseguirem poder para explorar o povo. Termina invejando aqueles que em serviço do Rei foram
reconhecidos, já que ele se sente cansado pela forma como é tratado pelos compatriotas.
No início deste canto (estâncias 3 a 14), Camões elogia os portugueses, porém, no final, o seu tom é de crítica. Esta
aparente contradição explica-se se tivermos em conta que os portugueses que o poeta elogia e apresenta como exemplo, são os
heróis do passado, com Vasco da Gama à cabeça. No entanto, os portugueses criticados são os contemporâneos de Camões,
que, aparentemente, esqueceram o heroísmo e a grandeza dos seus antepassados.
Neste passo da obra, estamos no exato momento em que o Catual visita as naus portuguesas, sendo recebido por Paulo da
Gama, enquanto seu irmão Vasco é recebido no palácio do Samorim. Ao ver as bandeiras com pinturas alusivas a feitos e heróis
da História de Portugal, o chefe indiano mostra curiosidade em saber o que cada uma delas representa. Paulo da Gama prepara-
se para satisfazer o desejo do Catual e narrar episódios da História de Portugal, no entanto Camões interrompe a narração e
invoca as ninfas do Tejo e do Mondego para que o auxiliem nessa árdua tarefa.
Na estância 78, o poeta autocaracteriza-se como «insano e temerário» (dupla adjetivação), aventureiro e receoso
do «caminho tão árduo, longo e vário» (tripla adjetivação, exclamação e metáfora) por que se vai aventurar, isto é, narrar novos
episódios da História de Portugal, agora pela voz de Paulo da Gama, ao Catual de Calecute, a pedido deste e a propósito dos
símbolos das bandeiras. Assim, o poeta dirige-se às ninfas do Tejo e do Mondego (apóstrofe do verso 3, estância 78), solicitando-
lhes inspiração para a tarefa. A leitura das restantes estâncias deste passo de Os Lusíadas sugere que, além do já exposto, o
poeta se sente desalentado, por isso necessita de um reforço de inspiração.
Nos últimos quatro versos desta estância, Camões faz uso de uma imagem para “justificar” a invocação ( «Vosso favor
invoco» - v. 5) dirigida às ninfas: a sua empresa / tarefa reveste-se de tal grandiosidade e é de tal monta que, se as ninfas não o
auxiliarem, ele receia não conseguir levá-la a cabo, a de cantar os feitos gloriosos dos portugueses.
Entre as estâncias 79 e 81, o poeta, numa reflexão de tom marcadamente autobiográfico (atestado pelo uso da primeira
pessoa e pelo conteúdo biográfico), salienta que tem vindo sempre a cantar os feitos lusos e, em simultâneo, luta pela sua pátria
e elenca as dificuldades, as misérias e os perigos que tem enfrentado / sofrido / corrido (vide esquema do poema), comparando-
se, no final da estância 79, a Cânace, personagem mitológica que se suicidou e escreveu ao irmão Macareu uma carta de
despedida, com a pena na mão direita e a espada na outra (segundo Ovídio, baseado em Eurípides, Cânace foi obrigada pelo pai,
que lhe enviou uma espada, a cometer suicídio como punição pelo facto de ter mantido uma relação incestuosa com o irmão, da
qual nasceu uma criança que foi morta pelo avô, que a lançou aos cães). Essa comparação aponta para o facto de o poeta aliar à
sua coragem na guerra a sua faceta de artista (estância 79, vv. 7-8). A espada simboliza as batalhas em que o poeta participou, o
seu lado guerreiro, enquanto a pena remete para a sua obra literária, para a arte, para a escrita.
Na estância 81, finalizada a enumeração dos infortúnios que pautaram a sua vida, introduz um novo a que dá destaque
através do articulador «ainda», criando a sensação de instabilidade: como se já não bastassem os tormentos que teve de
suportar, acresce que. Em vez de os seus patrícios e contemporâneos o premiarem, pelo contrário, ingratos, «inventam-
lhe» novos trabalhos e privações.
Na estância 82, dirige-se novamente às ninfas, apostrofando-as, para criticar, socorrendo-se da ironia,
os «valerosos» senhores de Portugal que, em vez de acarinharem e glorificarem aqueles que, como ele, através da poesia / arte,
cantam os feitos ilustres dos portugueses, os maltratam, são ingratos. E qual é a consequência desta postura? A desmotivação
das futuras gerações de poetas, que se sentirão inibidos de cantarem os feitos lusos. Deste modo, Camões procura criticar a
incultura, o desinteresse pela arte e a ingratidão dos portugueses. Dito de outra forma, os grandes senhores não amam a arte
nem incentivam as artes, o que fará com que os grandes feitos do futuro não sejam cantados e, portanto, deles não fique
memória. Critica ainda a ambição desmedida e o facto de sobreporem os seus interesses aos do «bem comum e do seu Rei», a
dissimulação, o abuso de poder e a exploração do povo.
Quanto à estrutura interna, este excerto de Os Lusíadas pode dividir-se em quatro momentos:
. 1.º momento (estância 78):
1. A invocação: “Vós, Ninfas do Tejo e do Mondego”;
2. Objetivo: pedir às Ninfas que lhe deem inspiração para a composição da obra (“Vosso favor invoco”);
3. Razões do pedido: o receio de que, sem a inspiração das Ninfas, não seja capaz de cumprir o seu propósito (“Que,
se não me ajudais, hei grande medo / Que o meu fraco batel se alague cedo”).
. 2.º momento (estâncias 79 – 81): Argumentos do poeta:
1. O poeta já canta, há muito tempo, os feitos dos portugueses (“o vosso Tejo e os vossos Lusitanos”) - os longos anos
a escrever sobre os portugueses;
2. Trabalhos e danos que enfrentou:
a) os perigos e as aventuras / viagens do / pelo mar (79, v. 5);
b) os perigos / a participação da / na guerra (79, v. 6);
c) a errância pelo mundo;
d) a pobreza sofrida no Oriente (80, v. 1);
e) o desterro e os trabalhos passados em regiões estranhas (80, v. 2);
f) as esperanças e as desilusões (80, vv. 3-4);
g) os perigos das navegações: o naufrágio que sofreu (8º, vv. 5-8);
h) a ingratidão (81) dos senhores (82, v. 1) que o poeta cantava e que, em vez de honra e glória, lhe inventaram novos
trabalhos (81, vv. 7-8), levando os poetas do futuro a desistir de cantar os feitos que mereçam “ter eterna glória”.
. 3.º momento (estâncias 82 a 86): Crítica ao exercício do poder:
- Acesso desonesto ao poder:
. a ambição;
. o interesse pessoal;
. a simulação.
- Mau exercício do poder:
. roubo do povo;
. pagamento injusto do trabalho.
. 4.º momento (estância 87):
a) Intenções do poeta: cantar aqueles que arriscam a sua vida e a colocam ao serviço de Deus e da Pátria / do Rei e, por
isso, merecem a imortalidade;
b) Por oposição, nas estâncias 84 a 86, enumerou aqueles que não cantará:
i) os que colocam o interesse pessoal à frente do bem comum e do interesse do rei;
ii) os ambiciosos que ascendem ao poder para se servir a si mesmos e abusam desse poder;
iii) os dissimulados;
iv) os que exploram o povo.

Canto VII - Crítica aos contemporâneos ambiciosos que exploram e oprimem o povo
Numa reflexão de tom marcadamente autobiográfico, o poeta exprime um estado de espírito bem diferente do que
caracterizava, no Canto I, a Invocação às Tágides. Agora percorre um caminho - "árduo, longo e vário", e precisa de auxílio,
porque teme não chegar a bom porto. De uma vida cheia de adversidades, enumera a pobreza, a desilusão, os perigos do mar e
da guerra, "Nua mão sempre a espada e noutra a pena".
Denuncia que, como paga do seu labor, recebe novas contrariedades, e desta forma apresenta, uma vez mais, a crítica aos
contemporâneos, deixando o alerta: em consequência de tais maus exemplos de ingratidão deixarão de aparecer outros poetas
que cantem a pátria. E a crítica aumenta de tom na parte final, quando enumera aqueles que nunca cantará e que,
implicitamente, denuncia abundarem no seu tempo: os ambiciosos que sobrepõem os seus interesses aos do "bem comum e do
seu Rei", os dissimulados, os exploradores do povo, que não defendem "que se pague o suor da servil gente".
No final, retoma a definição do seu herói - o que arrisca a vida "por seu Deus, por seu Rei".

Esta reflexã o do poeta pretende ser uma intervençã o pedagó gica. O poeta canta, louva os Portugueses,
mas também os censura. Acusa-os de ignorâ ncia e de desprezo pela cultura, alerta-os para os perigos
de decadência resultantes do menosprezo da cultura. Preocupado com os índices de ignorâ ncia,
denuncia os abusos dos poderosos e as injustiças que atingem o povo. O poeta, errante,
incompreendido, de vida desgraçada e azarenta, já nã o lamenta a injustiça sofrida, mas a indiferença e
a insensibilidade daqueles que o desprezam e nã o dã o valor ao dom que lhe é feito.
O poeta critica a oposiçã o entre a política e a cultura e denuncia o divorcio existente entre “senhores”
e “escritores”, profetizando a decadência da pá tria.
O poeta faz a apologia do povo português e da sua expansã o territorial para divulgar a fé Cristã .
Critica os povos que nã o seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos
os cantos do mundo e “se mais mundos houvera, lá chegara”.
Apesar de os portugueses ocuparem um pequeno territó rio, sã o grande em coragem e em ousadia,
para lutar pela fé cristã , contrariamente aos restantes povos europeus.

Canto VIII

No final do canto VIII, Camões centra a sua reflexão nos efeitos perniciosos do ouro, constatando
que a avidez em que vive o ser humano conduz muitas vezes a ações irrefletidas, independentemente da
posição social. Lista todos os efeitos do metal precioso, desde traições à corrupção da ciência, ao afirmar
que o ouro pode fazer com que os juízes deem demasiada importância a uma obra pelo facto de terem sido
remunerados para tal.

'Os Lusíadas': VIII, 96-99


Vasco da Gama permanece nas naus e decide não desembarcar, visto que já não confia no ambicioso Catual, pois já o
traíra, era muito ambicioso («cobiçoso»), corrupto («corrompido») e «pouco nobre». Por outro lado, Gama espera vir a descobrir a
verdade com o tempo, daí também a sua decisão.
Ora, esta referência ao sucedido a Vasco da Gama é o exemplo que serve de ponto de partida para a reflexão do poeta, que
adverte, a partir do verso 5 da estância 96, para o efeito corruptor do dinheiro, que tanto sujeita os ricos como os pobres.
Na estância 97, o poeta apresenta três casos através dos quais pretende provar a sua tese enunciada na estância anterior,
isto é, que exemplificam o poder negativo dos bens materiais – dinheiro e ouro -, que levam à adoção de atitudes inesperadas.
O primeiro exemplo refere-se ao rei da Trácia, que assassinou Polidoro, filho de Príamo, rei de Troia, com o único fito de lhe
roubar o ouro. De facto, para o salvar, quando a cidade estava prestes a cair em poder dos Gregos, o rei enviou-o com ouro ao rei
da Trácia que, todavia, se apoderou do ouro e o assassinou.
O segundo caso refere-se a Dánae, filha de Acrísio, rei de Argos (Grécia), que foi encerrada numa torre para que não
procriasse e, deste modo, fosse anulada uma profecia de um oráculo que anunciou a morte do soberano às mãos de um neto.
Porém, Júpiter metamorfoseou-se em chuva de ouro, introduziu-se na torre e engravidou-a. Desse ato nasceu Perseu, que,
concretizando a profecia, assassinou o avô.
O último exemplo alude a Tarpeia, uma jovem romana que, na esperança de obter anéis de ouro dos Sabinos que sitiavam
Roma, lhes abriu as portas da cidade. No entanto, os inimigos não a pouparam, esmagando-a sob as joias e os escudos, tendo
assim ficado soterrada.
Nas estâncias 98 e 99, o poeta prossegue a enumeração dos efeitos negativos do dinheiro:
a. corrompe o pobre e o rico (estância 96);
b. leva ao assassínio (exemplo do rei da Trácia);
c. conduz à traição (est. 98, v. 1): os soldados rendem-se quando as suas fortalezas ainda se encontram abastecidas;
d. conduz à traição e à falsidade entre os amigos;
e. transforma o mais nobre em vilão (est. 98, vv. 3 a 6): a ambição material pode levar nobres, capitães ou virgens a renderem-se
ao seu poder, mesmo tendo consciência de que a sua honra ficará manchada;
f. corrompe as ciências, os juízes e as consciências, levando-as a agir contra os seus princípios morais e culturais (est. 98, vv. 7-
8);
g. distorce / perverte a interpretação dos textos (est. 99, vv. 1-2);
h. manipula as leis e a justiça, que se aplicam arbitrariamente (est. 99, v. 2);
i. fomenta o perjúrio (est. 99, v. 3);
j. fomenta a tirania nos reis (est. 99, v. 4);
k. corrompe os membros do clero, ainda que sob uma capa de virtude.

Em síntese, os vícios provocados pela ambição são os seguintes:


i. a traição (“Faz tredores e falsos os amigos”);
ii. a corrupção (“Este corrompe virginais purezas”);
iii. a arbitrariedade (“Este interpreta mais que subtilmente / Os textos…”);
iv. a mentira / o perjúrio (“Este causa os perjúrios entre a gente”);
v. a tirania (“E mil vezes [hipérbole] tiranos torna os Reis”).
Relativamente à estrutura interna, é possível identificar dois momentos:
. 1.º momento (est. 96): apresentação da «tese» - o poder corruptivo do dinheiro, a partir do sucedido com Vasco da Gama.
. 2.º momento (est. 97 a 99): os efeitos negativos da ambição pelo dinheiro

Canto VIII - Crítica ao poder do dinheiro


O poeta enumera / critica os efeitos perniciosos do ouro (o poder do dinheiro, o materialismo e a cobiça em que o
povo está mergulhado) que provoca derrotas, faz dos amigos traidores, mancha o que há de mais puro, deturpa o
conhecimento e a consciência, condiciona as leis, dá origem a difamações e à tirania dos reis, corrompe até os
sacerdotes, sob a aparência da virtude e alerta que, deste modo, as honras alcançadas não são verdadeiras. O dinheiro é
fonte de corrupções e de traições, desonestidades, crueldades. Retomando a função pedagógica do seu canto, o poeta
aponta o dedo à sociedade sua contemporânea, orientada por valores materialistas.

Canto IX
Canto IX - Reflexões sobre o caminho para merecer a fama
Na sequência da cerimónia simbólica de entrega das coroas de louros aos marinheiros e a Vasco da Gama, o poeta
dirige-se àqueles que desejam ser famosos, aconselhando-os sobre o caminho a seguir. Na verdade, é também aos
seus contemporâneos que Camões se dirige, exortando-os a despertar do adormecimento e do ócio, a pôr de lado a
cobiça e a tirania, a serem justos e a lutarem pela Pátria e pelo rei. Só assim serão eternizados como os
marinheiros, e serão também "nesta ilha de Vénus recebidos."

Canto IX
O poeta dirige-se a todos os que pretendem atingir a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a
ambiçã o e a tirania sã o honras vã s que nã o dã o verdadeiro valor ao homem.
Lembra que, na Antiguidade, os prémios concedidos eram atribuídos a quem fazia o difícil caminho da
virtude.
Exorta os portugueses, para que despertem do “ó cio” e persigam o seu objetivo com dignidade (A
Fama).

Canto X

No final da obra, Camões lamenta-se do facto de não estar a ser devidamente reconhecido, já que a
sociedade se rege somente pelo dinheiro, decidindo por isso pôr-lhe termo. Não deixa no entanto de
louvar os portugueses e todos os perigos por eles ultrapassados (definição camoniana de nobreza).
Elogiando os heróis passados, alerta os homens do presente que a vida nobre não passa pelo ouro, cobiça e
ambição. Exorta D. Sebastião a valorizar devidamente aqueles que pelos seus feitos se puderem considerar
nobres. Correspondendo à visão aristotélica da epopeia, remata com novas proposição e dedicatória e
incita o rei a feitos dignos de serem cantados.

“Os Lusíadas”: X, 144-156


Na estância 144, narra-se o regresso dos marinheiros portugueses à sua pátria - concretamente a
Lisboa (“Até que houveram vista do terreno / Em que naceram…”) -, numa viagem que decorreu
tranquilamente, pois o tempo estava ameno (“Com vento sempre manso e nunca irado…” - v. 2) e o mar
calmo (“… cortando o mar sereno…” - v. 1). Entre os versos 5 e 8, o poeta alude ao prémio e à glória que
os marinheiros, com os seus feitos, alcançaram e que agora vêm entregar ao rei para seu
engrandecimento e da Pátria (“E à sua pátria e Rei temido e amado / O prémio e glória dão (…) / E com
títulos novos se ilustrou.” - vv. 6-8).
Nos primeiros quatro versos da estância 145, o poeta começa por se mostrar cansado, desiludido e
incompreendido (“a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida” - vv. 1-2), não pelo canto em si,
mas por “Cantar a gente surda e endurecida” (v. 4) (isto é, gente que não escuta as suas palavras, não
valoriza o seu canto, não reconhece o seu talento e mérito), visto que está corrompida pela “cobiça” e
num estado de tristeza, desânimo e apatia (“… a pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na
rudeza / Duma austera, apagada e vil tristeza.” - vv. 6 a 8), o que origina uma ausência de fervor
patriótico e ânimo: “Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os ânimos levanta de contino / A
ter pera trabalhos ledo o rosto.” (vv. 2 a 4 da estância 146).
O poeta mostra-se cansado e desiludido («Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho /
Destemperada e a voz enrouquecida...» - est. 145, vv. 9-10) por o seu canto não ser escutado pela
«gente surda e endurecida», que não reconhece o seu talento e o mérito, ocupada que está na satisfação
da «cobiça».
Por outro lado, o poeta mostra-se orgulhoso dos «vassalos excelentes», pois representam a glória, a
coragem e o espírito patriótico, dispondo-se a enfrentar os maiores perigos e a desenvolver os maiores
sacrifícios somente para engrandecerem o Rei e a Pátria («Olhai (...) / Quais rompentes liões e bravos
touros...» - est. 147, vv. 25-26; «Por vos servir, a tudo aparelhados / De vós tão longe, sempre
obedientes...» - est. 148, vv. 33-34).
Além disso, ele mostra-se espantado pela ausência de orgulho pátrio e de ânimo nos seus
contemporâneos, bem como pela cobiça e corrupção que os dominam («No gosto da cobiça e na rudeza /
Duma austera, apagada e vil tristeza.» - est. 145, vv. 15-16).
Perante este panorama, o sujeito poeta interpela o rei e exorta-o a reconhecer o valor dos seus
“vassalos excelentes”, os quais possuem as qualidades / virtudes necessárias à restauração da grandeza e
orgulho da Pátria:
a. coragem e determinação inexcedíveis (“Quais rompentes liões e bravos touros…” - est. 147, v. 26);
b. espírito de sacrifício e de missão, que os leva a enfrentar os mais diversos perigos e obstáculos (fomes,
vigias, guerras, climas adversos, naufrágios, a própria morte, para engrandecerem o Rei e a Pátria
(“Que vendecor vos façam, não vencido.” - est. 148, v. 40;
c. mostram-se sempre prontos, obedientes e felizes por poderem servir o rei (estância 148).
Os vassalos são apresentados como “vassalos excelentes” (est. 146, v. 8), “ledos” (est. 147, v. 1) e
caracterizados pela coragem e pelo espírito de sacrifício e de abnegação (est. 147). Além disso,
mostram-se “sempre obedientes” (est. 148, v. 2) e preparados para responder ao chamado e aos desejos
do seu rei, que executam “contentes” (est. 148, v. 4) e orgulhosos. Por outro lado, encarnam o espírito
de cruzada (est. 151, vv. 1-4), revelando toda a sua coragem e resistência (est. 151, vv. 5-8).
É evidente, neste passo, o contraste que o poeta estabelece entre a situação presente da Pátria -
caracterizada pela cobiça, pela falta de ânimo e pela apatia - com o passado, representado pelos heróis
que ele canta / celebra, que se sacrificaram, enfrentando guerras e os perigos vários enumerados na
estância 147, incluindo a própria morte, para engrandecer o rei e a Pátria.
Entre as estâncias 149 e 152, o poeta faz uma série de recomendações ao rei D. Sebastião:
a. recompensá-los, favorece-los e alegrá-los com a sua presença e trato alegre e humano;
b. aliviá-los de leis rigorosas, cruéis / injustas;
c. promover os mais experientes;
d. apoiá-los todos, sem distinção, nos seus ofícios (= profissões), que exercem segundo as suas aptidões,
seja qual for a área em que se distinguem;
e. estimar os que expandiram a fé cristã e o império (apelo ao espírito de cruzada) sem temer os
inimigos nem regatear esforços;
f. velar para que ninguém possa dizer que os Portugueses constituam uma nação servil, em vez de
senhorial;
g. receber conselhos apenas dos homens experientes (neste passo, Camões valoriza o conhecimento
prático em detrimento do saber livresco - apesar de os estudiosos possuírem muitos conhecimentos
teóricos, os experientes sabem mais do concreto).
Este conjunto de características configura o perfil de líder, tendo em conta também o pedido do
poeta ao rei para que não permita que os estrangeiros 8alemães, franceses, italianos e ingleses)
desvalorizem a capacidade de os portugueses gerirem o seu destino.
Com estes conselhos, o poeta espera que o rei - neste caso, D. Sebastião - saiba incentivar os seus
vassalos, que apenas esperam a sua liderança para agir. Ele anseia que o monarca exerça o poder com
humanidade e a humildade de quem procura aconselhamento junto dos mais sábios e mais experientes.
Espera ainda que o soberano saiba estimular e aproveitar as energias latentes para dar continuidade aos
feitos do passado e dar matéria a novo canto. Isto significa que a obra termina com uma mensagem
globalizante que abarca o passado, o presente e o futuro, isto é, a glória do passado deverá ser tomada
como exemplo no presente para construir um futuro grandioso (in Plural 12, texto adaptado).
A estância 153 abre com uma alusão a Formião, filósofo grego que discursou diante do general
Aníbal sobre a arte de combater e que foi escarnecido por este. Essa referência funciona como exemplo
para constatar que a arte da guerra se aprende na prática, isto é, «vendo, tratando e pelejando» (v. 8),
e não teoricamente (“Sonhando, imaginando ou estudando” - v. 7).
Na estância 154, Camões traça o seu autorretrato:
a. “humilde baxo e rudo”;
b. possuidor de “honesto estudo”;
c. misturado com “longa experiência”;
d. possuidor de “engenho” / talento;
e. disposto a servir o rei em combate;
f. disponível para cantar o rei e os seus feitos.
Ora, este autorretrato corresponde ao do homem ideal do Renascimento:
i. possuidor de um saber feito de estudo e experiência (conciliação do saber teórico e do saber prático);
ii. detentor de talento e inspiração artísticos;
iii. possuidor da lealdade, da coragem e do desapego do bom soldado, sempre disponível para servir o
seu rei.
Falta apenas ao poeta ser aceite pelo monarca, pois possui virtudes que devem ser reconhecidas.
De seguida, mostra a sua disponibilidade para cantar os seus feitos futuros (“… e o vosso peito / Dina
empresa tomar de ser cantada” - est. 155, vv. 5-6).
Na última estância, o poeta incentiva o rei a prosseguir a guerra de cruzada no Norte de África e
oferece-se para a cantar, assegurando-lhe que será cantado e os seus feitos em todo o mundo e que será
mais temido em Marrocos que tudo (observar a comparação hiperbólica dos versos 1 e 2 - Atlante teria
sido transformado em pedra pela visão da cabeça de Medusa, uma das três Górgonas, que transformava
quem a contemplasse em pedra). O próprio Alexandre Magno rever-se-ia em D. Sebastião, sem invejar a
glória de Aquiles, pois a do soberano português seria muito superior.
A finalizar a análise destas últimas estâncias do poema, ficam aqui as palavras de António José
Saraiva, no prefácio de uma das edições da obra:
“Na Dedicatória, o poeta convida o moço rei a «ver» os feitos dos seus vassalos, isto é, do Gama e
seus companheiros, como se estivessem a ocorrer diante dos olhos de ambos. Há nela também
referências ao tema da Cruzada. Só depois se segue a ação. E, no final do poema, o autor volta a dirigir-
se ao rei numa longa conclusão de 10 estrofes e meia, em que outra vez o exorta a «olhar» os seus
vassalos, lhe dá vários conselhos e o incita à guerra de cruzada próxima, que o autor se oferece para
cantar. Assim, a narração insere-se entre as duas falas ao rei. O poema poderia ser interpretado como
um longo discurso feito a D. Sebastião, que é diretamente interpelado no começo e no fim.”

Canto X - Crítica aos Portugueses seus contemporâneos / Apelo ao Rei

Os últimos versos de Os Lusíadas revelam sentimentos contraditórios: desalento, orgulho, esperança. "No mais,
Musa, no mais..." pede o poeta, recusando continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo. O seu
desalento advém de constatar que canta para "gente surda e endurecida", mergulhada "no gosto da cobiça e na
rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". É a imagem do Portugal do seu tempo.
Por contraste, o poeta tem orgulho nos que estão dispostos a reavivar a grandeza do passado, evidenciando ainda a
esperança de que o Rei os estimule para dar continuidade à glorificação do "peito ilustre lusitano" e dar matéria a
novo canto. O poema encerra, pois, com uma mensagem que abarca o passado, o presente e o futuro. A glória do
passado deverá ser encarada como exemplo presente para construir um futuro grandioso.

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