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Amstel ofegou com o corpo trêmulo, franziu as sobrancelhas e torceu o nariz sentindo um

incômodo no lado direto de seu rosto. Sua bochecha doía e algo seco parecia estar grudado
em sua pele. Ficou confusa e isso apenas começou a piorar quando ela notou que o quê
fazia-se presente abaixo de si não era o colchão de sua cama de solteiro, mas sim um chão
duro e frio.

Os seus batimentos cardíacos passaram a descompassar e a relutância de abrir os olhos se


faz presente na mulher no instante em que sua mente fez questão de lhe lembrar o que ela
não queria.

O acúmulo de saliva fez-se presente em sua boca, fazendo-a engolir e molhar a garganta.

"Não foi real. Foi apenas um sonho. Sim. Foi isso."

Ela queria acreditar.

Em meio ao silêncio, o barulho de passos se aproximando alçaram os ouvidos de Amstel.


Seu peito subiu e desceu pela respiração descompassada. Ela se lamentou e xingou a si
própria por não ter aberto os olhos e procurado por algo para se defender.

— Você precisa devolvê-la! — A voz grossa e quase desumana fez o corpo inteiro de
Amstel se enrijecer sobre o chão.

— Você sabe que eu não tenho acesso aos portais. — A voz de um homem, respondeu.

Amstel não soube se agradecia ou se preocupava ainda mais.

"Portais?"

Ela lutou para não abrir os olhos e expiar. Apenas seguiu quieta.

— Então livre-se dela. Você sabe que se encontrá-la conosco eles irão nos punir
severamente ou até pior. Isso é proibido, Uras.

— E você acha que eu não sei? — Um rosnado irritado veio do homem e Amstel nem sabia
mais se deveria considerá-lo um depois do som animalesco que acabou de ouvir.

Ela lutou contra a vontade de se encolher de medo.

Outro rosnado soou. Esse mais aterrorizante. — Deve abandoná-la.

O silêncio inundou o local fazendo Amstel ficar tensa.

— Abra os seus olhos, humana. — A ordem de Uras foi como um soco na barriga da
mulher.

"Merda."
Amstel não se moveu, ignorando completamente o que lhe foi mandado. Rezava
internamente para que aquilo os engana-se e fosse o suficiente para que eles a deixassem
em paz por um tempo.

— Sabemos que você está acordada. Não precisa fingir.

Ela temeu. "O quê!? Como?"

Sentia-se assustada e não resolvendo mais testar a paciência daquele ser, ela apenas fez o
que lhe foi pedido. A luz no teto de pedra lhe cegou e ela tombou a cabeça para o lado,
desconfortável. Quando seus olhos se ajustaram à claridade, a visão de um ser grande fez
ela ficar assustada.

"O que era aquilo?"

— Não há o que temer, humana. — Uras tentou tranquilizar e o outro ser bufou impaciente.
— Eu sou Uras e esse é o meu irmão Varle.

Amstel ignorou Uras.

Ela estava focada demais naquele ser de olhos completamente negros. Estremeceu.

Ele possui um par de chifres curvados e grossos de aparência afiada, que começam em sua
testa e ultrapassam a mesma. Cabelos longos e pretos, longas orelhas pontudas e maçãs
do rosto marcadas. Sua pele é acinzentada e o seu corpo quase completamente humano,
com exceções dos pés que parecem ser de um animal e das longas garras afiadas nas
mãos. Mas o que mais chamou a atenção de Amstel foram as grandes asas negras e lisas
atrás de si.

Outro rosnado saiu de sua boca. — Sinto o medo dela.

— Ela foi sequestrada. É normal e de sua natureza. — Justificou Uras, cruzando os braços.

Varle bufou e deixou um riso soprado e forçado sair pelos seus lábios. — Ela me olha como
os outros. Está com medo de mim.

Amstel não precisou ser uma decifradora de olhares para saber que o quê se passou rápido
por aqueles lumes completamente negros, era dor. Uras também pareceu ter notado, pois
lhe entregou um olhar de canto de olho e tocou o braço musculoso do mais alto.

— Pare de fazer isso.- Varle cerrou os dentes, afastando a palma do homem. — Detesto
quando me olha dessa forma.

Amstel viu as pontudas e afiadas presas na boca entreaberta de Varle.

Uras suspirou e voltou a cruzar os braços. — Tudo bem.


— Irei sair antes que o medo dela me sufoque. — Direcionou um olhar afiado para Amstel,
mas logo voltou-se para o irmão. — Resolva isso rápido. Eu fiquei sabendo que irão passar
para inspecionar a cidade amanhã. Não vai ser bom se nós pegarem com uma humana.

Varle lhe lançou um olhar firme. — Eu irei. Não vou trazer problemas pra gente.

O mais alto virou-se para sair e Amstel pôde observar com clareza as grandes asas
balançarem conforme o corpo dele andava. Estavam grudadas em suas costas. Elas eram
reais, pelo menos era o que aparentava para Amstel. "Como?"

Ele sumiu do campo de vista da mesma quando passou pela grande abertura na parede.
Amstel rapidamente levantou-se e sentou sobre no chão para enxergá-lo e poder
examiná-lo ainda mais, mas o corpo de Uras entrou em seu campo de visão, lhe impedindo.

A mulher se conteve para não xingar e mandá-lo sair de sua frente.

— Meu irmão odeia ser olhado como um daqueles animais que vocês humanos predem
para se entreterem.

Amstel finalmente encarou Uras.

Ele era definitivamente um homem. Pelo menos era o que ela queria acreditar. Seus
cabelos são pretos e curtos, seus traços faciais marcados como o do outro ser e o seu
corpo não era tão alto quanto o de seu irmão, mas não deixava de ser musculoso igual. —
Desculpe.

Uras quis rir. — Está tudo bem, humana. Apenas trate de não olhar novamente para o Varle
desta forma.

Amstel quis concordar e dizer-lhe que entendeu, mas pareceu retornar a realidade da
situação em que se encontra. A imagem do corpo de seu taxista dilacerado veio à tona em
sua mente, fazendo-a ficar ligeiramente na defensiva e enjoada.

O homem torceu o nariz com as sobrancelhas franzidas. — Sinto o seu medo. Não precisa
me temer, humana. Eu não irei lhe machucar.

Amstel quis acreditar, mas só aquelas palavras não eram o suficiente. Ela ainda sentia
medo. E ao passar a examinar o cômodo no qual está, ela ficou ainda mais com um pé
atrás. Era uma cela. Grotesca paredes de pedras a cercavam e a abertura por onde Varle
passou é onde se encontra as grades. Estava aberta.

A mulher abriu a boca, mas Uras pareceu ter notado quais pensamentos lhe estavam
atormentado e foi mais rápido em começar a falar. — Nós estamos no porão da minha casa.
Não precisa temer.

— Impossível. — Ela riu sem humor, nervosa. — Eu nem sei quem é você ou em como eu
vim para aqui. Para falar a verdade eu nem sei se isso tudo é real. Tenho esperança de que
seja apenas mais um de meus sonhos malucos.
— Isto não é um sonho, humana. Você está aqui porque eu te salvei de um demônio
rebelde que te capturou e trouxe para o nosso mundo.

"Demônio? Mundo?"

A maneira que ele falava era estranha e ela estava cada vez mais decidida de que aquilo
era um sonho ou havia sido drogada.

Os olhos de Amstel se arregalaram. Ela estava aterrorizada com a segunda ideia. – Eu fui
sequestrada?

— Sim. Se você prefere esse termo.

As lágrimas ameaçaram inundar os olhos de Amstel quando ela passou a lembrar em como
não tem dinheiro e nem uma família para pagar pelo seu resgate. — Por favor, não me
mate!

Uras franziu o cenho. Ele parecia ofendido. — Pare com isso, humana. Eu não fui quem te
sequestrei. Não ouviu o que eu falei antes? Eu apenas te salvei.

— Você está drogado e eu também devo estar já que vi o seu comparsa com chifres,
grandes asas, garras e aquelas... – Lembrou-se e engoliu no seco, relutante. — Presas.
Você injetou algo em mim, não é? Admita. Eu não tentarei nada. Sou medrosa demais para
fazer qualquer coisa. Minha avó vivia dizendo isso.

— Pare! — Rosnou. — Eu não fiz nada disso do que você está falando. Você foi
sequestrada por um maldito demônio rebelde que estava infligindo as leis. Entende isso ou
eu vou ter que te provar?

O homem parecia estar ficando irritado e Amstel se repreendeu por não ficar de boca
fechada.

Uras deu um passo na sua direção.

— O que está fazendo? — Questionou apreensiva, afastando ligeiramente o seu corpo para
trás.

Ele parou. — Levante-se.

Amstel hesitou. — Irá me matar?

— Não. Agora levante-se. Ou precisarei pegá-la?

— Não.

A resposta de Amstel foi rápida, assim como a sua ação de levantar-se do chão. Uma
tontura forte lhe atingiu em cheio e ela apertou os olhos sentindo o seu corpo ameaçar cair.
Procurou ligeiramente pelas paredes de pedras, mas Uras foi mais rápido em se aproximar
e mantê-la de pé.

Amstel choramingou quando abriu os olhos e avistou o homem à sua frente. — Não me
machuque. Por favor! — Ela murmurou.

Ele bufou enquanto lhe segurava pela cintura. — Não irei. Merda. Você não parece estar
muito bem.

— Minha cabeça dói. — Confessou.

— Posso tocá-la?

— Já está fazendo. — Ironia estava em seu tom.

— Digo, tocar a sua cabeça.

Ela relutou. — Sim.

O homem pareceu surpreso, mas não falou nada, ao invés disso levou uma das mãos para
a cabeça de Amstel, lhe examinando enquanto ainda lhe segurava com a outra palma. Seu
toque foi gentil e rápido.

— Está inchada e você tem um corte pouco profundo em um dos lados do seu rosto.
Lembra-se de como conseguiu isto?

A informação fez Amstel ligeiramente levar a mão ao rosto. Tocou sua bochecha e fez uma
careta pela dor ardida que sentiu.

A ponta de seus dedos foi ligeiramente molhada por algo que ela exitou em examinar, mas
mesmo assim o fez. Um pouco de sangue ainda fresco brilhava em suas pontas, fazendo-a
prender a respiração.

As lembranças começaram a se passar em sua mente.

O corpo congelado de Amstel estava sobre o chão. Seu rosto molhado e olhos arregalados
denunciavam o seu medo. As suas lágrimas já haviam sido cessadas e em meio ao silêncio
do estabelecimento ela podia ouvir os seus próprios batimentos cardíacos.

Um baixo rugido animalesco soou quase rente a sua orelha.

Amstel não pensou e nem hesitou em levantar-se.

Ela correu.

Correu no meio de um corredor de duas prateleiras, por sua vida.

Mas infelizmente não conseguiu chegar até o seu final.


Um puxão forte nos cabelos fez Amstel gritar enquanto caía dolorosamente sobre o chão.
Sentiu um lado de seu rosto queimar e as lágrimas retornarem para os seus olhos. Ela não
queria morrer e se fosse pra acontecer, antes ela iria lutar por sua vida.

Estava decidida.

Seus olhos fechados pelo impacto se abriram e ela novamente paralisou. Diante de si, bem
em cima de seu corpo, uma criatura, ou melhor, um horrendo ser que ela nunca havia de ter
visto antes. A larga boca aberta deixava a mostra seus dentes afiados e banhados de
sangue, mas o que atraiu a atenção de Amstel, foram os profundos olhos que pareciam não
ter um fim.

Eram como um buraco negro.

Ela apagou.

Amstel apenas lembrava-se disso.

A sua última lembrança era aquele par de escuridão na face daquele ser. Seja lá o que ele
fosse, ele matou o seu taxista e sua próxima vítima seria com certeza ela. Mas não
conseguia entender. Tinha perguntas e precisava de respostas.

Aquilo não podia ser real.

Ela queria que não fosse, mas a ferida em sua face deixava explícito que tudo realmente
aconteceu.

Amstel voltou a encarar Uras. — Tudo isso é real, não é?

— Sim.

— Eu ainda não consigo acreditar.

Ele quase sorriu. — É compreensível. Irei mostrar-lhe algo que poderá fazê-la acreditar que
o que eu falei é verdade. Lembre-se, eu não irei machucá-la.

Ela se afastou. — Tudo bem.

Uras lhe soltou a cintura e caminhou até a entrada do cômodo. — Me siga e não faça nada
estúpido.

Amstel não falou nada, apenas balançou a cabeça em concordância antes de começar a
segui-lo.

Assim que os seus pés alcançaram a entrada do cômodo, ela pode notar a larga escadaria
de pedras. Seguiu Uras pela mesma e acabou que adentraram uma cozinha, mas não
pararam por ali. O homem continuou andando, até que parou em uma sala de estar. Amstel
não pode deixar de reparar na arquitetura e decorações antigas da casa.

Sentiu-se quase na Idade Média.

Observou Uras ir até uma janela escondida por trás das cortinas e abri-la. Ele olhou para
fora de um lado para o outro, antes de voltar os olhos para a mulher.

— Aproxime-se.

Ela fez. Parando a poucos centímetros de distância do homem, levantou sua cabeça para
avistar o que ele encarava. Sua boca se abriu e ela ofegou. A visão de um soturno céu,
tomado por alguns raios ao invés de estrelas e iluminado por uma espécie grande de lua
avermelhada, encheu os seus lumes.

Era estranhamente lindo.

— Consegue acreditar agora, humana? Esse celeste deve ser completamente o oposto do
que você tem em seu mundo. É suficiente?

Ela não soube o que dizer, ainda focada naquela estranha espécie de lua.

— Onde estamos?

Uras baixou a cabeça para encontrar o rosto da humana que demonstrava completa
surpresa. - Eu não quero lhe assustar. Sei que o seu mundo cria diversos mitos sobre o
meu e não quero que entre em choque. Mas apenas tenha em mente que esse é um mundo
habitado por várias espécies de demônios.

"Demônios?"

Estremeceu com a ideia e mais ainda quando avistou algo rapidamente se passar pelo céu.
Um corpo com grandes pares de asas passou pouco mais que em cima da casa na qual se
encontra. Uras deixou um xingamento escapar quando puxou a mulher bruscamente lhe
afastando da janela.

— Aquilo...

— Era um demônio. — Confessou enquanto fechava as cortinas.

Era tão difícil de acreditar.

Em Hillgate ela escutou diversas lendas que Lindsey insistia em contar-lhe. A do submundo
era uma delas. Segundo a mulher, o reino governado pelo anjo caído existia e não era nada
como nós humanos imaginávamos. Amstel escutava tudo o que Lindsey falava e não
questionava. Pensava ela que sua vizinha era um pouco maluca e que o tempo morando
naquela cidade deveria com certeza tê-la afetado com aquelas lendas. Mas era uma mulher.
Era isso que importava. — Como eu vim parar aqui?

— Você foi trazida para cá por meio de portais ilegais.

Ficou confusa e o homem pareceu ter notado.

— Existe apenas um portal que dá para o seu mundo, e ele é acessado pelos de confiança
de Lúcifer.

"Lúcifer?"

Amstel nunca foi tão religiosa, mas temeu ao ouvir aquele nome.

— Parece que os malditos rebeldes encontraram um outro portal. — O homem completou,


enraivado.

— Aquilo que matou o meu taxista também era um... — Prensou os lábios, relutante. —
Demônio?

— Se foi ele o mesmo que te trouxe para cá, sim.

— Você o matou?

— Não. Ele fugiu antes.

Ela ficou tensa com aquela informação. — Por que ele me trouxe e o que ele pretendia
fazer comigo?

— É o que eu também me pergunto. — Uras suspirou. — Nenhum maldito demônio rebelde


seria burro o suficiente para testar a paciência de Lúcifer infligido uma de suas principais
regras.

— Que regra é essa?

— Nada de humanos vivos no nosso mundo.

Ela temeu novamente.

— Eu não deveria estar aqui. — Amstel murmurou para si mesma.

— Não. A menos que você tenha feito algum contrato com o demônio que te sequestrou.

Franziu as sobrancelhas. — Contrato? Eu não fiz nada disso.

— Eu imaginei quando senti o seu medo e te vi machucada com ele. Foi por isso que te
salvei. Você com certeza já deve ter ouvido falar sobre pessoas que vendem sua alma para
demônios.
— Pensei que isso era apenas um mito. Não é?

— É real. Humanos nos procuram e chamam para negociar sua alma em troca de algo que
ele muito almeja.

Amstel estava começando a ficar tonta.

Uras notou e se aproximou. Tocou levemente os ombros da mulher e a guiou até o sofá
rústico. - Sentou-se. Você está balançando como se fosse cair a qualquer momento.

Ela fez.

Sentou-se no sofá e deixou a mente divagar por todas aquelas informações.

Ela estava no inferno.

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