Coletanea de Contos de Suspense

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COLETÂNEA DE CONTOS DE SUSPENSE

Organizadores:
Marcus Vinicius Brotto de Almeida
& Gabriela Rocha Rodrigues
Marcus Vinicius Brotto de Almeida
Gabriela Rocha Rodrigues
(Organizadores)

COLETÂNEA DE CONTOS DE
SUSPENSE

1.ª edição

ISBN: 978-65-80175-02-4

IFRJ
SÃO GONÇALO/RJ
2019
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio de Janeiro
Campus São Gonçalo

Reitor
Rafael Barreto Almada

Diretor-geral do Campus São Gonçalo


Tiago Giannerini da Costa

Diretor de Desenvolvimento do Ensino


Anderson Rocha da Silva

Diretora de Pesquisa, Extensão e Assistência Estudantil


Gleyce Figueiredo de Lima

Diretora de Administração
Paula Magalhães

Foto da capa: Seph Lawless. Disponível em:


https://i.pinimg.com/originals/4e/39/f5/4e39f5d7370cb1
e9e1e44f6aa127d940.jpg. Acesso em: 20 set. 2018.
Sumário

Apresentação .......................................................................... 9
Marcus Vinicius Brotto de Almeida e Gabriela Rocha Rodrigues

Restos são rastros ................................................................. 11


Antônio Castro Alves

A toxidade está entre nós ..................................................... 15


Gabriela Cavalcanti Mesquita

Esperança .............................................................................. 23
Pedro Ribeiro Pinheiro

O melhor amigo do homem .................................................. 35


Pedro Fernandes de Oliveira

A dama da meia-noite ........................................................... 43


Gabriel Ronan de Britto Silva

O bilhete ................................................................................ 53
Caio Torres e João Lucas

A última vez ........................................................................... 59


Giovanny Pinheiro Machado e Patrick Oliveira da Silva Filho

A face obscura do ódio .......................................................... 65


Mariana Ferreira dos Santos Soares
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Apresentação

É com imensa satisfação que trazemos a público esta


coletânea de contos de suspense. Ela é fruto do 8.o Concurso
Literário, conduzido pelos professores Gabriela Rocha
Rodrigues e Marcus Vinicius Brotto de Almeida, no Instituto
Federal do Rio de Janeiro – Campus São Gonçalo, no
segundo semestre de 2018. O concurso de contos foi uma
das ações realizadas pelo Laboratório de Práticas com a
Escrita (LAPES), que tem como objetivo promover
atividades significativas de letramento.
Na ocasião, oito escritores submeteram seus textos,
tendo sido classificado em primeiro lugar o conto “Restos
são rastros”, de Antônio Castro Alves; em segundo lugar, o
conto “A toxidade está entre nós”, de Gabriela Cavalcanti
Mesquita; e empatados em terceiro lugar, os contos “O
melhor amigo do homem”, de Pedro Fernandes de Oliveira,
e “Esperança”, de Pedro Ribeiro Pinheiro. A comissão
avaliadora contou com a preciosa contribuição dos
professores Leila Maria Taveira Monteiro, Dilma Alexandre
Figueiredo, Adriano Oliveira Santos e Paulo Chagas.
No primeiro semestre de 2019, Luiza Lemoigne de
Souza e Pedro Fernandes de Oliveira produziram ilustrações
para dois contos desta coletânea.
Convidamos os leitores a se deliciarem com essas
histórias tão criativas!
Os organizadores.

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Restos são rastros
Antônio Castro Alves

–– ..., mas ninguém o impedia? Ninguém o censurava por


isso?
–– Sabe, quando jovem leu um conto que iluminou um pouco
aquela sua vida medíocre. Tornou-se um medíocre refinado, esses que
são conscientes da própria mediocridade. Um conto sobre um jovem
estudante. O primeiro da classe, muito educado, gentil com os colegas.
Tudo isso durante o dia. À noite, em seu quarto, guardava o mais
secreto dos segredos, numa caixa de sapatos. Torturava com prazer e
frieza um caracol. Espetava-lhe delicadamente uma agulha. Com uma
técnica tão apurada que prolongava a morte do bicho por dias e dias.
–– E o que essa história tem a ver com o modo como ele
julgava? Não entendi.
–– Veja: um juiz não tem diante de si alguém que pode ser
absolvido ou condenado?
–– É o trabalho de um juiz! Ele interpreta a lei e condena ou
absolve.
–– Você se engana. O juiz aplica a lei. Um juiz deve ter acesso
às provas, às testemunhas ficar atento aos indícios, formular hipóteses...
Com tudo isso, ele vai compondo um entendimento. Como se montasse
um quebra-cabeças. Ele vai lendo os sinais, os rastros, tudo o que o leve
a alguma verdade...
–– De novo: o que isso tudo tem a ver com o modo perverso
com que ele julgava as pessoas?

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–– Você acaba de dizer. Perversidade. Me acompanhe. O que
caracteriza um torturador? Não é o fato de que ele é o sujeito que torna
o outro um objeto, uma coisa... como um... caracol? O que acontece
quando um juiz privilegia uma prova falsa, desconsidera uma hipótese,
é indiferente a uma testemunha? Dizem que é melhor ser injustiçado a
cometer uma injustiça. Então, a maior injustiça não seria condenar um
inocente? Você está começando a entender?
–– Acho que sim. É como se o juiz escolhesse as provas, as
testemunhas, tudo o que melhor lhe desse prazer... e, a partir daí,
“apenas” aplicasse a lei... uma certa... “neutralidade”.
–– Sim. Mas por que prazer?
–– Não é por que ele era uma espécie de juiz torturador?
–– Muito bem! Estas ficando, eu diria... sagaz! Acontece que,
com o passar do tempo, essa espécie de prazer, de pensar que um pobre-
diabo iria apodrecer num depósito de gente, gente pobre, preta, inocente.
Esse prazer diminuía. Ficava insignificante. Não o satisfazia. Você se
lembra da rua dos cortiços, aquela, justamente ao lado do foro?
–– Claro! Vários desses casarões foram incendiados! As
chamas eram enormes, a noite ficou vermelha. As pessoas saiam
apavoradas dos cortiços, feito baratas tontas, aos montes. Não sobrou
nada. Só restos e cinzas... Mas, o que isso tem a ver....
–– Não percebe? Leia os sinais! Que barulho foi esse?
–– Não foi nada! É só o vento lá fora. Mas, me diga, não
compreendo uma coisa.... É como se você o observasse todo esse tempo.
Como sabe de todas essas coisas?
–– Pense: do que estamos falando? Olhe em volta. O que vê?

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–– O chão de madeira, as cortinas, o papel de parede, essa
toalha de plástico... por que pergunta?
–– Compreenda o que significa “olhar em volta”. Agora chega!
Saia imediatamente daqui. Corra! Escute: aprenda a ler os sinais.
Restos são rastros. Vá.
*
* *

O corpo desaparecera. Há pouco o reconhecêramos


pela barba, branca e bastante chamuscada. Vasculhamos o
matagal inteiro, o que contornava o casarão centenário, agora
em cinzas. Alguns buscavam o corpo com determinação,
outros com profunda desesperança.
Desistimos. Íamos nos dispersar. Foi quando notei
que, entre tantos, havia um rosto que transparecia a mais
profunda capacidade de articulação. Relembrar, colher os
fragmentos, os restos... ler os rastros. Bastaria?
De súbito, ele recordou... o braço! Lembro do braço
estendido como se apontasse em direção... em direção à pocilga! A
pocilga!!!
Corremos para lá, incrédulos. E, em meio à lama,
estavam lá os restos. Pequenos papéis enlameados. E neles,
escritas com letras miúdas, palavras ilegíveis, indecifráveis,
quase apagadas: ...berdade... ...resis... ...lut... Mas havia algumas
poucas muito enigmáticas. E estranhamente límpidas: Estou
vivo. E voltarei.

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Antônio Castro Alves
Professor de Filosofia. (O que, se levado às
últimas consequências, gera “questões
filosóficas”: se ensina, de verdade? Isso é filosofia?).
Mas, para sair do impasse ou dúvida atroz, é
preciso rir de si mesmo. O que é uma arte. Sendo assim, é a
arte de ri que dissolve: as pretensões, a arrogância, a
violência. O que implica o conceito de riso: aquilo que, ao
dissolver, faz tudo fluir. O rio do filósofo. O tempo. Como
o nosso tempo presente, esse que inspira o conto. Ou
melhor, a vontade de contar sobre esse tempo.

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A toxidade está entre nós
Gabriela Cavalcanti Mesquita

Imagino que, quando pensamos em algo que nos


cause medo, logo nos vem à mente cemitérios, mansões,
castelos, casas ou sítios mal-assombrados como cenário. Ou
ainda nomes de escritores renomados nesse meio, como
Mary Shelley ou Edgar Allan Poe. Mas sinto informar-lhes
que eu não sou como eles. Não tenho uma escrita tão
refinada e assustadora. Porém, resolvi escrever este relato
com o intuito de vos alertar.
Gostaria de ter coisas bonitas e alegres para escrever,
mas se você está esperando por um conto de fadas com um
final feliz, sugiro que pare de ler. Pois isso não será
encontrado aqui.
Sufocada. Corro rapidamente para a ducha, tirando
toda a roupa que queima como fogo sobre a minha pele. Não
entendo o que pode estar acontecendo. Meu corpo arde
como se minha pele tivesse sido arrancada, mas não vejo
nada. Alguém jogou algo em mim. Não encontro quem, não
há ninguém no laboratório. Grito, choro de dor na esperança
de que alguma pessoa venha em meu socorro. Meus apelos
por ajuda são em vão. Quando paro de lutar, já não resistindo
às chamas invisíveis que consomem o meu corpo, contorço-
me, gritando e com o coração acelerado. Finalmente... caio
da cama. Acordo com a respiração falha e assustada, com a
certeza de ter mais um pesadelo sobre algo que estudei.

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Metanol. Esse álcool bastante puro tem a sua chama invisível
e, ao entrar em contato com a pele, através da sua
combustão, causa queimaduras e ferimentos. Após virar a
noite, estudando essa substância e vendo relatos sobre 35
mortes na Bahia causadas pela aguardente contaminada com
álcool metílico, percebo que novamente tive pesadelos com
substâncias químicas. Mesmo assustada, solto uma risada do
ocorrido e vou lavar o meu rosto para acordar, pois tenho
aula prática no laboratório dentro de algumas horas.
Quando chego à escola e entro no laboratório, noto
que estou nervosa. Batimentos acelerados, sensação de frieza
e enrijecimento do corpo. Logo me pergunto o porquê do
meu medo. Então me recordo do pesadelo que tive e tento
não deixar transparecer meu nervosismo para meus amigos
e companheiros de classe. Começo então a fazer os
processos que são sugeridos pelo professor.
Após terminarmos os procedimentos experimentais,
todos saíram, mas, como gosto de organizar os laboratórios,
fico até o final para deixar tudo arrumado.
Depois de insistir com o professor para me deixar
lavar e colocar as vidrarias no seu devido lugar, consigo
enfim ficar sozinha em um ambiente que sempre me deixa
confortável. Acontece que, naquele dia, algo estava me
deixando tensa. Mesmo não ligando para o pesadelo que tive
pela manhã, existia alguma estranha e misteriosa sensação me
tirando a paz.

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Quando o céu escureceu, os alunos do segundo turno
estavam começando a ser liberados. Eu já terminara a
arrumação do laboratório e agora estava fazendo titulação de
soluções enquanto esperava o professor terminar a aula do
turno da tarde e pegar a chave comigo. Já estava melhor, e a
sensação que estava sentindo antes havia passado. Porém,
por um breve momento, eu gelei. Novamente meu coração
acelera, paraliso de medo. Lembro-me do pesadelo que agora
me parece ser tão real. Ouço um barulho no laboratório.
Algo quebrou. Viro rápido para ver e... O vidro de
acetonitrila está no chão, em pedaços. Desespero-me. Esse
solvente orgânico extremamente fatal, se ingerido, inalado ou
absorvido pela pele, agora está exposto no local onde estou.
Tampo o nariz, tentando me proteger da inalação do solvente
e corro para a porta do laboratório. Quando giro a maçaneta
para abri-la, percebo que está trancada. Volto rapidamente
para a bancada para pegar a chave. Porém, quando retorno
para procurar, não a encontro. E, assim, finalmente percebo
que alguém está tentando me matar! Eu tinha deixado a
chave perto da porta, em uma das bancadas. Assim que o
vidro que continha acetonitrila quebrou, achei ter ouvido a
porta batendo. No início, pensei que fosse impressão minha,
agora tenho a certeza. Estou sendo perseguida.
Penso em uma saída, tento abrir a porta, mas as
tentativas são falhas. Começo a ligar para que alguém possa
me tirar dali. Sem sucesso. Não há sinal de celular dentro do
laboratório. Não posso gritar, a cada minuto que se passa, o

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vapor de Acetonitrila se espalha pelo local. Após alguns
minutos, lembro-me de que existe uma chave dentro de
alguma gaveta do laboratório. A chave da porta de saída de
emergência. Inicio a minha busca pela chave, a única forma
que encontro de sair viva dali. Em pouco tempo, consigo
encontrá-la e saio ofegante e sem ar para o lado de fora.
Assim que me recupero e notifico os seguranças
sobre o ocorrido, fico sabendo que eles viram um rapaz
entrar no laboratório. Era um aluno do campus, mas não
sabem o nome. Nesse momento, meus olhos ficam inertes e
perdidos em pensamentos nefastos sobre o que poderia ter
acontecido comigo.
Volto para a casa, tomo um banho e tento manter a
calma, confortando a minha mente com pensamentos de que
o pior já passou. “Não irá acontecer nada”, digo em voz alta
repetidas vezes, até enganar a mim mesma com esse
pensamento.
Por este motivo comecei a escrever sobre o ocorrido,
finalizando então o meu texto com um: “Após alguns dias,
tudo voltou ao normal. Esse aluno ou ex-aluno deveria estar
com raiva da Instituição e por isso fez o que fez. Fim.”
Gostaria muito de terminar assim, porém, quando escrevi
isso e fui dormir, acordei com um “Fim?” digitado no meu
notebook.
Não sei o que pode acontecer comigo, por isto deixo
esse relato a todos os alunos e servidores do Instituto. Todos
dizem que estamos seguros dentro da escola. Mas será que

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Luiza Lemoigne de Souza

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isso é uma verdade absoluta? Não conhecemos uns aos
outros, apenas sabemos o que gostaríamos de saber sobre as
pessoas. A maioria de nós tem a capacidade de matar ou ter
pensamentos horríveis em momentos de tensão. Basta saber
qual é o lado que você está escondendo de si mesmo.
Amanhã terei aula prática novamente, mas estará
tudo bem. Agora me sinto melhor e mais segura. Não
deixarei de fazer o que amo por um infeliz ocorrido. Como
diz o ditado “Tudo está bem quando acaba bem”.

FIM?

Gabriela Cavalcanti Mesquita


Tenho 17 anos de idade e gosto muito de ler e
assistir a filmes, porque me fazem sonhar e
sentir diferentes emoções, mesmo não estando
no local em que estão acontecendo. Através
dos livros, eu sinto que posso ser qualquer
criatura e viver em diferentes épocas. Posso viajar, conhecer
novos lugares, culturas e histórias diferentes sem sair do
lugar. Para mim, a leitura faz sonhar e acreditar que sempre
há uma saída, um refúgio ou abrigo para as tempestades
contínuas da vida. Os textos sempre querem nos dizer algo.
Nenhum texto é inocente. Eles conversam entre si em um
diálogo constante. Devemos estar dispostos e saber ouvir o
que eles nos querem dizer. E, assim, utilizar desse
conhecimento para ajudar mais pessoas, nunca guardar
conhecimento somente para nós. Para o futuro, pretendo
seguir lendo ou até escrevendo. Quem sabe? Porém, quero

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seguir na carreira Forense. Trabalhar como perito criminal
na Polícia Federal, área que a cada dia eu descubro que amo
mais. Para ser sincera, sempre gostei de um mistério; por isso
a admiração por essa área. E foi exatamente essa paixão que
me motivou a escrever este conto, tendo como inspiração os
livros de Sherlock Holmes, escritos por Arthur Conan Doyle.
Fico feliz e agradeço em poder participar deste concurso e
espero que tenham gostado deste pequeno conto que fiz.

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Esperança
Pedro Ribeiro Pinheiro

O homem sente mais uma vez o toque gelado da


arma dentro de sua boca, esperando o eventual momento em
que o objeto iria cumprir o seu propósito.
“Propósito”.
Como até mesmo um instrumento que provoca a
morte poderia ter algum objetivo neste mundo enquanto ele,
um ser no ápice da cadeia racional, é apenas um grande
fardo?
Joshua pressiona o dedo com ainda mais força no
gatilho da arma, tentando disfarçar o seu nervosismo. Era
como se alguma coisa o prendesse a essa realidade e não
deixasse a sua alma obter o merecido descanso.
Observou mais uma vez a grande metrópole através
do vidro de seu escritório suntuoso. As grandes ruas
iluminadas estavam como o de costume. Pessoas sonhadoras
andavam de um lado para o outro como se fossem
engrenagens em uma grande máquina sistemática, sem
perceber que toda essa rotina e estresse não as levariam a
nenhuma felicidade.
Joshua conhecia esse sentimento. Afinal, ele era o
jovem empresário de uma grande multinacional que havia
ficado rico através do próprio esforço e trabalho duro. Já foi
ambicioso e visionário um dia, sempre buscando alcançar o
inalcançável.

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Joshua não conseguia mais encontrar razões para
acreditar na humanidade, pois ele não apenas desprezava a
corrupção, o suborno, o egoísmo, a sede de poder e a malícia
natural dos humanos, como também praticava todos esses
atos.
O empresário não podia suportar mais a existência de
uma escória imunda como ele. Esse seria o seu fim.
Porém...
Joshua joga a pistola para longe com força, cai no
chão e começa a chorar amargamente.
--
“Eu não sou como eles, sou especial”, pensou Joshua
mais uma vez enquanto olhava para a janela e tomava a sua
dose diária de álcool. Até a bebida e o tabaco não surtiam
mais nenhum efeito em atenuar a sua depressão.
Esse era o pensamento motriz por trás de todas as
suas atitudes. Ele havia nascido para ser diferente, para ser
especial e estar no topo do mundo. Afinal, qual seria a graça
de uma vida onde ele não poderia se destacar?
Joshua escuta uma batida forte na porta, era seu
sócio: Felipe.
— Andou bebendo mais uma vez, não é Josh?!
Quantas vezes preciso te falar que essas suas crises
existenciais idiotas não são boas para os negócios?!
Joshua e Felipe haviam crescido juntos e, além de
sócios, eram praticamente irmãos. Na verdade, Felipe

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sempre foi uma espécie de conselheiro para o seu amigo,
controlando suas tarefas e o auxiliando em sua agenda.
Joshua sempre fora o mais inteligente da dupla,
naturalmente se considerando superior ao outro em quase
todos os aspectos da vida. Porém esse sentimento de
superioridade fazia com que Josh se sujeitasse a fazer a
maioria das tarefas de Felipe, já que o seu grande orgulho não
iria tolerar algum trabalho mal feito. Dessa forma, Felipe
passou a se acostumar com essa relação e a tirar proveito
disso sempre que podia.
Joshua já estava cansado de todos terem que
depender dele para fazer tudo, estava farto das pessoas
mesquinhas que diziam serem suas amigas apenas porque era
ele quem pagava os seus salários no fim do mês.
— Já chega! — Joshua sai da sala estressado,
deixando Felipe para trás.
— O que você acha que está fazendo, Josh?! Volte já
aqui!
--
Josh estava de olhos fechados no píer da periferia
local. Sentado em direção ao mar, enquanto observava o
entardecer frio e melancólico, ocupava a sua mente com
memórias longínquas.
Quando o empresário era criança, ele costumava ir
com seus poucos amigos ao parque de diversão que existia
próximo ao píer e atualmente esse era o único lugar que
parecia trazer alguma calma para a sua mente aflita. Talvez o

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velho píer o fizesse se lembrar da época em que ainda tinha
um propósito.
— Por que eu não posso simplesmente morrer?! —
indagou Joshua.
E então os olhos de Joshua se abriram.
— Com licença, senhor, será que eu poderia me
sentar aqui? — perguntou uma jovem garota.
— Fa-faça como quiser — Joshua estava preocupado
de que a moça tivesse escutado sua crise.
— É lindo, não é, o mar…? — As nuvens agora
estavam dando lugar a alguns raios de luz típicos do pôr do
sol.
—…
— Toda vez que eu venho aqui todas as minhas
preocupações simplesmente desaparecem junto com o lindo
ritmo das ondas… Você sente o mesmo?
— Eu nunca parei para pensar nisso… — Joshua
estava se irritando com a conversa fútil.
— Por que você quer tanto morrer, senhor? — disse
a menina calmamente com uma expressão entristecida.
— I-isso não é da sua conta! — exclamou nervoso.
— Foi bem aqui, nesse píer, há alguns anos, o lugar
em que meus pais foram assassinados.
— E porque eu teria algum interesse remoto nessa
sua história patética? — Josh sabia que estava sendo
indelicado, mas não tinha tempo e nem força mental para se
preocupar com os problemas de outras pessoas.

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— É que você não quis me contar o seu problema,
então vou te contar os meus! Você sabia que desabafar pode
fazer bem para o seu espírito? — disse ela com um leve
sorriso.
— Isso é ridículo. Como se eu fosse falar da minha
vida pessoal para uma completa estranha! Boa noite.
Josh se levantou nervoso e rumou para a saída do píer
sem olhar para trás.
— Até quando pretende fugir de tudo dessa forma?
— Mas Joshua era demasiadamente orgulhoso para ouvir.
--
Alguns dias se passaram desde o misterioso encontro
no píer, e a raiva de Joshua havia dado lugar a uma grande
curiosidade. Na verdade, estava tão intrigado em como um
indivíduo poderia demonstrar algum interesse remoto em
sua felicidade que decidiu procurar pela desconhecida
novamente no mesmo lugar.
Esperou no píer durante alguns dias até que
finalmente cumpriu o seu objetivo.
— E então? Finalmente decidiu falar? — disse a
garota, que estava de pé atrás do velho banco de madeira
olhando para Joshua.
— Eu... fiquei curioso, só isso. Por que alguém como
você estaria tão interessada em um completo desconhecido
como eu?

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— Naquela outra tarde… enquanto você falava
sozinho, eu não pude deixar de perceber que você é muito
parecido comigo algum tempo atrás.
— E como você era? — disse Joshua já impaciente.
— Eu… não tinha vontade nenhuma de viver… era
como se nada mais fizesse sentido e o mundo inteiro fosse
apenas uma ilusão criada por uma sonhadora para esconder
um pesadelo terrível. É assim que você se sente, não é
mesmo?
A última fala de sua garota despertou o interesse de
Joshua, que se identificou com a descrição. Josh percebia
uma verdade pura em sua voz, do tipo que não ouvia desde
a morte de sua querida mãe quando ainda era criança.
O empresário não aguentava mais, ele precisava
perguntar.
— Como... como você conseguiu se livrar desse
sentimento?
— Eu apenas percebi que o mundo pode ser muito
mais prazeroso, se você o encarar de forma simples,
aproveitando os seus menores detalhes. Afinal… se nossa
vida é tão curta, por que precisamos ficar nos cercando de
pessoas ingratas e de problemas que não nos levarão a lugar
nenhum?
Joshua recuperou novamente sua raiva habitual.
Como aquela estranha poderia estar tentando resolver as suas
tendências psicóticas com discursos mansos e tolos?

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— Como você pode falar algo assim?! Você não faz
ideia do que eu passo diariamente para poder me tornar
melhor, para provar para o mundo que eu sou especial!
— E qual é o problema em não ser especial? — disse
ela curiosa.
Aquela simples frase havia atingido Joshua assim
como uma lanterna iluminava uma sala envolta em trevas.
Será que essa garota representava o motivo pelo qual Josh
ainda não havia deixado esse mundo?
--
Algumas semanas haviam se passado e Josh havia se
encontrado outras vezes com a jovem. Além de ter contado
sua história, havia aprendido muito sobre a trajetória dela.
Soube que ela tinha um emprego como atendente de um
pequeno mercado, que morava sozinha em uma casa alugada
com seus dois gatos e que adorava sorvete de baunilha, coisas
que o “antigo” Joshua teria considerado completamente
inúteis.
Com o passar dos dias, Josh começou a sentir uma
coisa que não havia sentido há muito tempo, ele começou a
valorizar a vida de sua amiga.
“Amiga” — pensava ele com um sorriso torto no
rosto — como alguém como ele poderia ter amigos?
--
Joshua caminhava apressado para o encontro de hoje
quando de repente percebe que uma outra pessoa estava
sentada ao lado de sua companheira: Felipe.

29
— Fe-Felipe?! Mas o que você está fazendo aqui?!
— Você realmente achou que eu não iria perceber,
maninho? O seu desempenho na empresa caiu drasticamente
nos últimos dias, e nós não queremos que o lucro despenque
também, não é mesmo? — disse Felipe com um olhar
malicioso. — Eu tinha certeza que você não é do tipo de
pessoa que faz o seu trabalho de maneira medíocre; então,
após investigar um pouco, acho que finalmente descobri qual
era a sua distração.
O sócio agarra o braço da jovem com força e a obriga
a levantar.
— Socorr-
— Cala a boca, vadia! — Felipe bate com força na
face da garota.
— Seu…!!! — Joshua avança em direção ao seu
amigo, que saca uma pequena pistola e a aponta na direção
da sua refém.
— Ora, ora, ora… eu não achei que o orgulhoso
Joshua Tame poderia valorizar a vida fútil de uma pessoa
ordinária e insignificante como ela.
— Não! Não faça isso, Felipe! — Josh estava
extremamente nervoso.
— Tudo bem, mas precisa garantir que nunca mais
irá dar valor a coisas desnecessárias como essas!
O trio começou a ouvir algumas sirenes da polícia
— Droga! — Felipe arremessa a garota para perto de
Josh.

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— A polícia está a caminho, Felipe, você perdeu a
cabeça?! Ficou tão obcecado com o dinheiro fácil que se
esqueceu do que verdadeiramente importa?!
— O que verdadeiramente importa? Nossos pais
teriam nojo de você se te vissem como está agora — Felipe
cospe no chão com escárnio — O jovem prodígio está
apaixonado! Quer saber, que se dane a polícia, eu posso
comprar esses otários com o nosso dinheiro, e você sabe
disso!
— Então eu me demito!
Joshua arranca o seu cartão da empresa e o joga com
força para perto de Felipe.
— Espera, você não pode estar falando sério, Josh!
Por que está jogando fora tudo o que construímos?! — disse
Felipe chorando.
— É você que não entende nada sobre esse mundo,
Felipe...
Felipe representava toda a sociedade normativa com
que Josh aprendeu a se acostumar e que agora tanto
desprezava. O ex-empresário se sentiu energizado, pois
descobriu que finalmente possuía algo para proteger pela
primeira vez em muito tempo. Ele não podia perder aquela
garota.
— As pessoas estão doentes, agora eu percebo isso!
Trabalham toda a sua vida para se sentirem especiais para no
final deixarem tudo para trás! Dinheiro? Orgulho? Poder? Eu
não preciso de nada disso! Eu quero viver!

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Felipe não acreditava no que estava presenciando.
— Então pode vir, atire em mim! — ameaçou Joshua
— Eu quero ver quanto tempo você irá conseguir sobreviver
sem o meu dinheiro.
O corpo inteiro de Felipe começa a tremer. O sócio
deixa a arma cair no chão e começa a chorar com raiva de
seu antigo amigo.
— Merda, Josh! Nós podíamos ter sido grandes!
Podíamos estar no topo do mundo!
— Você perdeu... amigo.
--
Os policiais haviam finalmente chegado ao píer,
prendendo Felipe.
A garota levanta e corre chorando para os braços de
Joshua, que se surpreende com a ação e sorri. Colocando
todos os seus problemas e preocupações para trás, o homem
faz uma pergunta que deveria ter feito há algum tempo.
— Me chamo Josh, e você? Qual é o seu nome?
— Me chamo Esperança — disse ela sorrindo.
Josh estava em paz.

Pedro Ribeiro Pinheiro


Atualmente estou estudando para ser um
técnico em química pelo IFRJ, porém no
futuro pretendo atuar na área da saúde.
Escrever, para mim, sempre foi um hábito
muito prazeroso e satisfatório. Para esse conto, busquei fugir

32
dos clichês do gênero ao escrever um suspense psicológico,
retratando a pressão social e mental a que os indivíduos
contemporâneos são submetidos em suas vidas, de uma
maneira que todos os leitores possam se relacionar.

33
34
O melhor amigo do homem
Pedro Fernandes de Oliveira

O som do sino rompe o silêncio desolante da noite,


fazendo com que Fulgore acorde de seus devaneios. Não tão
silenciosa era a noite assim: ventos violentos percorriam pela
cidade indicando uma futura tempestade, corvos grasnavam
suas indagações no telhado e havia também o rangido
fantasmagórico de um barco abandonado e enferrujado que
jazia no porto próximo ao bar. Entretanto, para Fulgore,
esses sons eram abafados por seus pesados pensamentos.
O som que ouvira viera do sino localizado acima da
porta de entrada do bar. O lugar estava praticamente vazio;
àquela hora da madrugada, sobravam poucos clientes. O
dono do estabelecimento observara, sobre seu velho bigode
e olheiras carregadas, a entrada do estranho de sobretudo
preto e chapéu. A silhueta fechou a porta, pôs seu fedora
sobre o cabideiro de madeira e caminhou até o balcão. O piso
rangia a cada passo.
Minutos se passaram e Fulgore já estava perdido em
suas memórias do passado novamente. Seus longos cabelos
negros caíam sobre o ombro; não os cortava desde que saíra
das forças especiais. Seu porte físico, apesar de magro por
natureza, era rígido e possuía vigor. Seu rosto, porém, não
fugia de sua inevitável genética: era uma face fina onde a
mandíbula robusta marcava sua presença. Sua testa enrugava

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enquanto ele encarava o chão com seus olhos azuis, até que
o estranho puxa uma cadeira e senta à sua frente.
– Boa noite, Fulgore – disse ele. O ex-agente
continuou com sua expressão contorcida, porém a
direcionou para o homem.
Ele retirara o sobretudo, porém continuava usando
roupas negras e largas. Era uma pessoa extremamente pálida
e magra. Seu sorriso incomodava Fulgore, mesmo sem
motivo aparente.
– Como sabe meu nome? – indagou Fulgore. Sua
expressão corporal era de defesa e de alerta. – Não me
lembro de já o ter conhecido antes.
– Sou o seu melhor amigo – disse o estranho sorrindo
maquiavelicamente. – Queira me desculpar. Foi rude de
minha parte não me apresentar. Me chamam de muitos
nomes, mas pode me chamar de Lúcio – estendeu a mão.
Fulgore continuou com sua posição defensiva. Um
senhor esguio e de aparência mórbida se senta à sua mesa
dizendo seu nome: uma situação no mínimo suspeita, ainda
mais para um militar veterano e treinado. Ele estava alerta
para sacar sua arma a qualquer movimento estranho de
Lúcio, se é que esse era seu verdadeiro nome. Fulgore encara
o homem por alguns segundos sem dizer nada.
– Decerto é uma situação estranha, admito. Deve
estar se perguntando qual a minha finalidade aqui. Pois pode
ficar tranquilo, meu amigo, apenas quero um jogo de pôquer.
Ouvi falar muito bem de você: Fulgore, o invencível.

36
O ex-agente cede um pouco de sua postura rígida e
cumprimenta Lúcio. Agora os pontos soltos foram
explicados, porém o homem ainda tinha uma presença
estranha e peculiar. Lúcio coloca o baralho sobre a mesa.
Eram cartas diferentes, personalizadas: eram negras como
cinzas de um metal queimado e seu escritos eram vermelhos
como magma incandescente.

EMBARALHADA
Finalmente Fulgore iria ter um intervalo naquela
noite de tormento; o jogo decerto iria lhe trazer a distração
que precisava para fugir das memórias inflamáveis. Todo o
sangue que havia despejado em sua última missão tinha de ir
embora. O jogo agora começara, o jogo de máscaras, o jogo
de pôquer.
– Não pense que será fácil me vencer – disse Lúcio
ao ver sua mão inicial, erguendo as sobrancelhas. – Estou há
anos nesse ramo. Por falar nisso, como ganhou essa fama tão
de súbito? Ou melhor, sempre teve essa habilidade de que
tantos falam?
– Depois que saí do meu emprego, usei minhas
habilidades que obtive ao longo dos anos para ganhar a vida;
afinal, tenho de me sustentar de alguma forma. A fama veio
com o tempo. Eu aposto duzentos – disse Fulgore, levando
as fichas ao meio da mesa.

37
– Uau! Uma aposta e tanto para a primeira mão. Isso
equivale a quase um terço do total, e sequer sabemos o que
há no flop. Interessante, como esperado. Eu cubro a aposta.
As três primeiras cartas foram reveladas. Nenhuma
reação de ambas as partes. Depois mais duas cartas, e as mãos
foram reveladas. Lúcio levou a primeira rodada.
– Certamente foi sorte – disse o ganhador. O vento
sopra mais fortemente, e o barco enferrujado emite um ruído
mais alto.

EMBARALHADA
Quando Fulgore viu seu par de cartas, seus olhos se
arregalaram e seu coração bateu mais forte; era um par de
damas vermelhas. Essa figura despertou em seu cérebro
memórias que queria enterrar. Lembrou de seu maior amor,
sua dama – assim a chamava.
– Vejo que não há líquido algum sobre sua mesa. Se
eu levar a melhor nesse jogo, pagarei uma rodada – disse
Lúcio.
– Eu não bebo – afirmou Fulgore, voltando de seu
devaneio. Ele era um homem treinado, experiente, saberia
lidar com quase qualquer tipo de pressão. Não era hora de
ser assombrado por fantasmas do passado. Tendo isso em
mente, Fulgore se recompôs.
– É raro ver alguém que não o faça nos dias atuais.
Há algum motivo para essa escolha? Tem mulher e filhos? –
Lúcio disse com um sorriso de canto de boca.

38
Mas Fulgore não notou o sorriso do homem. Nesse
momento ele se desconectou do mundo real e se isolou em
seu coração: um lugar sombrio e ensanguentado. A única
coisa que via era a cena que tanto lhe causava agonia. Fulgore
via sua amada sendo morta, morta por suas próprias mãos.
Cometera um erro gravíssimo nessa missão, o que levou a
esse acidente fatal. Nunca mais ele conseguiria dormir em
paz em sua curta vida.
– Eu não tenho ninguém – respondeu rapidamente
Fulgore, num tom que beirava o inaudível. – Aposto tudo –
disse erguendo o olhar, acabando com o assunto e talvez com
o jogo de uma vez por todas.
– Muito bem – disse Lúcio num tom maquiavélico.
As cartas foram reveladas. O som do barco
abandonado tornou a soar.
Fulgore perdera.

EMBARALHADA FINAL
– Você me decepcionou, amigo. Achei que seria um
desafio maior – disse Lúcio embaralhando novamente as
cartas. – Mas a falta de fichas não é motivo para o jogo
acabar.
– Como disse? Sabe bem que é um jogo de apostas.
Não tem o menor sentido continuar sem as fichas – disse
Fulgore, fechando o corpo e retraindo-se. O barco soou
novamente.

39
– Não estou falando em dinheiro, amigo.
Apostaríamos com outra coisa, algo muito mais valioso –
Lúcio abriu um sorriso de orelha a orelha.
O ar ficou mais denso sobre os ombros de Fulgore.
O ambiente onde estava distorcera-se: tudo ao seu redor
obteve uma coloração avermelhada, e uma fumaça negra
muito espessa começou a emanar da figura à sua frente.
– Apostaremos nossas vidas.
Lúcio pôs o baralho sobre a mesa e distribuiu as
cartas. Fulgore, cujo corpo havia se retraído numa onda de
medo e horror, agora começava a ganhar força e encarar o
homem com um olhar duro. Já enfrentei coisa pior. Se eu perecer
aqui, meu tormento terá um fim, e eu terei o que mereço pelo que fiz a
ela – pensara ele.
Com a alma revigorada, Fulgore pega suas cartas
sobre a mesa. Nota que tem um às e um oito, ambos de
espadas. Na mesma hora um frio corre por sua espinha.
– Você é corajoso, tenho de admitir – disse Lúcio. –
Vou lhe dar uma chance a mais. Pode decidir se aposta sua
vida nessa mão ou na próxima.
– Quero ver o flop primeiro – retrucou Fulgore com
um olhar duro.
– Que assim seja.
Três cartas foram viradas sobre a mesa. A cada carta
nova o som do barco a ranger ficava mais alto. Ao ver a mesa,
Fulgore sorri.
– Aposto a vida.

40
As cartas são reveladas.
– É a mão do homem morto – balbucia Lúcio
boquiaberto.
– Somos dois, amigo – disfere Fulgore.
E, numa fração de segundos, o ex-agente saca sua
arma e dispara contra o homem à sua frente. Entretanto,
num piscar de olhos, todo o ambiente vermelho e macabro
desaparece. À sua frente, onde sentava o homem de preto,
jaz um espelho quebrado. Fulgore observa o objeto mais
detalhadamente e nota que o buraco da bala marcava bem no
reflexo de seu pescoço. Lúcio havia sumido.
Fulgore se levanta, olha ao redor e nota que o dono
do bar não está mais ali. Caminha lentamente para a saída do
estabelecimento. A cada passo, seu coração bate mais forte.
A cada passo mais uma memória brutal dela. A cada passo o
ruído do barco abandonado soa. A cada passo sua alma se
perde mais e mais.
Abre a porta e ouve o sino ecoar em seus tímpanos.
Nota que não há mais indivíduos pela rua – estranho, apesar
do horário, pois sempre fora uma rua movimentada. Uma
neblina densa toma conta de tudo. Fulgore sente que está
sozinho no mundo novamente. Sente que não está mais no
mundo onde nascera. Sente que nunca voltará a sentir, nunca
mais.

41
Pedro Fernandes de Oliveira
Terror e suspense sempre foram meus gêneros
favoritos, tanto para livros quanto para filmes
e afins. Sou ávido leitor de Stephen King,
minha maior inspiração para o gênero, além de
ter também algumas influências de Allan Poe. Futuro físico
e matemático, desejo cursar uma faculdade militar na área.
Para a criação do personagem principal do conto, me inspirei
nos protagonistas de “A Torre Negra”, de Stephen King, e
da saga “Grau 26”, de Anthony E. Zuiker, autor de CSI. Já
para a criação do antagonista do conto, tive como base o
livro “Ultra Carnem”, do escritor brasileiro Cesar Bravo.

42
A dama da meia-noite
Gabriel Ronan de Britto Silva

Está tarde, talvez seja algo entre meia-noite ou uma


da manhã. Eu estava voltando do trabalho, meu carro havia
quebrado no dia anterior, então tive que voltar andando.
Minha rua era escura, vazia e não tinha muitas casas
ao redor. Essa combinação me dava calafrios, mas isso não
me impedia de continuar. ─ Ao menos a noite está bonita
hoje ─ falei para mim mesma, esperando que o medo
desaparecesse.
Começo a lembrar de coisas para passar o tempo.
Seria muito melhor manter minha mente ocupada com algo
que não seja alguém me parando no meio da rua para roubar
minha bolsa... Ou pior.
Começo me lembrando da minha adolescência. Eu
sempre fui uma jovem como qualquer outra. Estudava,
brincava, discutia e chorava junto de meus amigos. Meus
amigos não eram as piores pessoas do mundo, mas chamá-
los de anjos seria mentira. Isso também vale para mim, é
claro. Lembro-me muito bem de uma vez em que nós nos
juntamos em casa para comer, beber, reclamar da vida...
Bom, o mesmo que muitos adolescentes fazem
normalmente. Naquela noite, Josh, um dos meus melhores
amigos, teve a brilhante ideia de brincar do jogo do copo.
Uma ideia perfeita, tirando os acontecimentos que vieram
depois.

43
─ Vamos, Julie! Coloque sua mão aqui! ─ disse Josh,
apontando para o copo. Éramos sete, contando comigo e
com Josh. Todos haviam colocado a mão no copo, fazendo
perguntas estúpidas para os “espíritos”. Eram perguntas
idiotas e as mais óbvias, normalmente vistas em filmes de
terror. “Tem alguém aí?”. “Poderia demonstrar que está
entre nós?”. Ah! Quase me esqueci, Josh também perguntou:
“Você é do bem?”, como se o espírito fosse nos responder
“Sim!”. Eu achava aquela brincadeira uma completa perda de
tempo. Passamos cerca de uma hora tentando nos comunicar
com o tal espírito, e nada aconteceu.
Quando pensamos em desistir, uma caixa que estava
sobre um armário atrás de Josh caiu sobre sua cabeça. Depois
do pequeno susto que todos levamos, eu pensei comigo
mesma: “Obrigada, espírito!”, finalmente aquela brincadeira
iria acabar e eu poderia descansar com todos no quarto de
Alice. Alice era a dona da casa em que todos nós estávamos.
Era uma grande casa, com vários quartos, dois andares...
Bom, não me lembro de tudo o que tinha detalhadamente,
mas era uma casa muito grande para uma menina como eu,
que vivia em uma pequena casa com a minha mãe e meu pai.
Depois do incidente com a caixa, todos foram para
seus quartos, como o esperado. Nós usamos dois quartos,
separando as meninas dos meninos. Eu achava aquilo
desnecessário, éramos apenas amigos e todos nós
pensávamos da mesma forma, mas os pais de Alice temiam
o pior. Na verdade, eu os entendo. Qualquer pai e mãe

44
ficariam preocupados com sua filha se ela estivesse cercada
de meninos na puberdade.
Depois de algum tempo, todos estavam dormindo,
inclusive eu, mas, no meio da noite, eu tive uma súbita
vontade de usar o banheiro. Levantei-me com todo o
cuidado possível, tentando não acordar minhas amigas que
dormiam no chão ao meu lado, desviando de cada uma até
chegar à porta, que foi aberta com um cuidado ainda maior,
pois a mesma fazia um rangido terrível, que poderia acordar
a casa inteira, dependo da intensidade.
Depois de sair do quarto com sucesso, eu observei o
longo corredor por que eu teria de passar para chegar ao
banheiro. Estava escuro e eu não queria ter de acender a
lâmpada, pois o corredor levava também ao quarto dos
meninos, e acender a lâmpada agora significaria acordar
muitos adolescentes de seu sono profundo, pois a luz iria
adentrar os quartos. Tentando evitar a “fúria jovem” de
todos os meus amigos, eu fui calmamente até o banheiro,
arrastando minha mão pela parede para que eu pudesse me
guiar durante o percurso, temendo um tropeço em algo que
eu não notasse.
Após usar do banheiro eu fiz o mesmo percurso de
volta ao quarto, novamente arrastando a mão pela parede. A
poucos metros do quarto em que eu estava, eu escuto um
pequeno rangido vindo do banheiro, como se alguém
estivesse dando passos pesados contra o chão de madeira.
Eu gelei no exato momento em que o escutei, mas logo

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ignorei e continuei meu percurso. Depois de um segundo ou
dois, ouço novamente o chão ranger. Nesse momento, meu
coração havia parado por um segundo, me dando forças o
suficiente para me virar e ver o que eu pensei ser uma mulher
com roupas velhas e sujas, cabelos embaraçados e claros e
um corpo que não parava de tremer.
Eu não conseguia fazer nada. Um simples ato como
respirar estava difícil para mim. Queria gritar, correr, chorar,
mas nada acontecia. Era como se eu perdesse completamente
os sentidos de meu corpo. “É apenas minha imaginação”, eu
pensei, mas apenas isso não fazia com que eu parasse de ver
o que estava à minha frente.
Depois de um minuto, que me pareceu um ano, a
mulher começa a se mexer lentamente. Nesse momento, eu
quis estar no conforto de minha casa, qualquer lugar seria
melhor do que aquele maldito corredor. Depois da mulher se
mover dois metros lentamente, eu tive coragem, ou idiotice
o suficiente, para dizer:
─ De...deixe-me em paz! ─ aquelas palavras
carregavam tanto medo que pareceram mais um pedido por
piedade. A mulher parou de se mexer, como se todas as
funções de seu corpo não funcionassem mais, porém aquilo
durou apenas alguns segundos. Quando eu consegui me
mexer, a mulher começou a correr em minha direção. Minha
única reação, no momento, foi gritar e pôr a mão na frente
do meu rosto, para impedir a visão da mulher que estava
próxima o suficiente para ver os pequenos cortes em seu

46
rosto, lábios secos e os olhos com a mais pura escuridão,
enormes olheiras, como se chorasse durante horas sem parar.
Depois de chegar a poucos centímetros do meu
rosto, a mulher desaparece por completo, como se nunca
tivesse estado ali, como se tudo aquilo fosse apenas a minha
imaginação. Meus amigos logo vieram me socorrer, me
perguntando o que havia acontecido, enquanto eu estava no
chão chorando, como se tivesse visto a morte de meu ente
mais querido.
─ Por que estou me lembrando disso agora?! Eu
deveria me lembrar de coisas que fizessem com que meu
medo sumisse. Assim eu não iria enfartar nessa rua escura e
vazia ─ disse eu, brincando para me distrair de meus próprios
pensamentos.
Eu já estava a poucos minutos da civilização, mas,
ainda assim, o medo só crescia. No momento em que eu
pude me distrair de todo aquele medo, um calafrio passa por
todo meu corpo. Parecia que toda a segurança que eu havia
guardado tivesse se esvaído junto da brisa fresca da noite.
Após alguns segundos, eu escutei um pequeno choro que
ecoava por toda a rua. O choro estava vindo do meu destino.
Tive a sensação de ter meu corpo petrificado por completo
naquele instante. No fim da rua escura, eu pude ver a origem
do choro, mas a distância fez com que minha visão ficasse
escura devido ao esforço que eu estava fazendo para
observar aquele ser, que se aproximava a cada segundo.

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Minha reação no momento foi me esconder entre os
arbustos que estavam em volta. Enquanto observava com
cuidado, percebi que as luzes dos postes de toda a rua se
apagavam à medida que pessoa se aproximava.
Depois de alguns minutos, eu tive a visão de uma
mulher. Ela continuou andando lentamente, como se não
tivesse me notado. Logo após, uma sensação de alívio passou
pelo meu corpo, fazendo com que eu relaxasse. Depois de
alguns segundos, a mulher quase estava fora da minha visão.
Eu só tinha que esperar mais um pouco para que ela sumisse
por completo, fazendo com que aquele momento de terror
terminasse. Mal tinha percebido as lágrimas em meu rosto e
o quanto meu corpo tremia de medo naquele momento, pois
eu estava mais preocupada com a figura fantasmagórica à
minha frente. A mulher ainda estava por perto, mas as folhas
do arbusto impediam a minha visão. “É melhor assim...”,
pensei. Preferia esperar que ela se afastasse sem que eu
precise olhar para ela. Suas roupas estavam sujas, seu cabelo...
era embaraçado e claro..., e seu corpo... não parava de
tremer...
“Não... Não pode ser...”, pensei comigo mesma ao
perceber que era a mesma pessoa que eu vi naquela noite.
Meu rosto se enchia de lágrimas, enquanto eu segurava
minha boca, impedindo que o mínimo som que eu pudesse
produzir escapasse no momento. “Isso não pode estar
acontecendo...”, pensei. Minha mente girava e meu corpo
não parava de tremer, enquanto eu observava a mulher andar

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lentamente, como se o fizesse de propósito, apenas para me
deixar com medo.
Pensei ter visto a mulher parar a poucos metros de
mim. Ela se mexia, mas eu não sabia exatamente o que ela
estava fazendo, as folhas ainda me impediam de vê-la. Após
alguns segundos, eu tomei a decisão de tentar me levantar
um pouco para ver o que ela estava fazendo. Eu só queria
que ela fosse embora, eu só queria ir para casa. Lentamente,
eu me levantei para observar. Ela mexia seu rosto de um lado
para o outro, como se estivesse procurando por algo. Era
uma visão bizarra, seu corpo se mexia de forma desumana,
como se não houvesse articulações, se contorcendo a cada
momento enquanto tremia sem parar.
Após alguns segundos, um movimento da mulher na
minha direção fez com que eu me abaixasse bruscamente,
quebrando um galho que estava no chão próximo a mim,
produzindo um barulho não muito alto, mas que talvez fosse
o suficiente para alguém escutar daquela distância. Meu
corpo não mais se mexia depois disso, como se tentasse
esconder completamente a minha presença. Nem o mínimo
som saía de mim, minha respiração sumiu por completo,
nem uma ação simples como piscar foi feita nesse instante,
temendo produzir o menor dos ruídos. Era como se eu não
existisse mais.
Após alguns minutos, eu imaginei que ela tivesse ido
embora. Pensei em me levantar o mínimo que fosse para
conferir, mas o medo me dominou por completo.

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Tomei coragem para observar ao redor, talvez
planejando uma rota de fuga antes de olhar para a mulher
novamente. Olhei para o final da rua, ainda escura. Era a rota
de fuga perfeita. Mas ainda tinha de observar a mulher.
Comecei a tomar coragem, imaginando as melhores das
situações para que eu me acalmasse. Eu sabia que poderia ser
rápida o suficiente para chegar à minha casa ou até mesmo à
casa de algum vizinho.
Contei até três para me levantar e observar a mulher
novamente. Eu tinha que ver se ela ainda estava lá, eu tinha
que sair daquele lugar. ─ Um... ─ senti uma enorme onda de
medo, que fez com que meu corpo não parasse de tremer e
com que ainda mais lágrimas saíssem de meus olhos. ─
Dois... ─ nesse momento nada se passou pela minha mente,
medo, ansiedade, ou qualquer coisa, como se ela me
preparasse para o que estava prestes a acontecer. ─ Três! ─
pude escutar meu coração bater, como se aquilo fosse a
última coisa que iria fazer na minha vida.
Após levantar, eu procurei pela mulher sem sair
detrás daquele arbusto. Olhei para a direção em que a mulher
se deslocava, e não a vi, olhei para a direção de onde ela
vinha... Percebi que ela também não estava lá. Senti um
grande alívio, como se todos os meus problemas tivessem se
resolvido naquele momento, mas isso foi seguido de uma
sensação de puro horror e desespero.
Pude ver uma mão segurar meu ombro, ela era pálida
e fria. Demorei segundos até me virar lentamente e ver o

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rosto da mulher, exatamente como da última vez. Só que
agora ela carregava um sorriso bizarro em seu semblante.
“Olá... Julie... Há quanto tempo...”.
Após essas palavras, um gritou ecoou por toda a rua,
e todas as lâmpadas que ainda iluminavam o local se
apagaram por completo.

Gabriel Ronan de Britto Silva


Em geral, gosto de desenhar, ler e escrever
histórias de todos os tipos. Normalmente, eu
penso muito antes de realmente escrever uma
história, imaginando todos os pontos a que
devo chegar para desenvolvê-la. Pretendo tentar publicar
uma história de minha autoria daqui a alguns anos, mas tenho
que concluí-la antes de fazer isso. Já que ela está sendo uma
longa história, devo demorar dois anos para realmente
concluí-la. Minhas inspirações para produzir esse conto
foram as diversas histórias de terror e suspense que eu ouvi
durante toda a minha vida, tanto de alguns amigos e parentes,
quanto de livros e histórias que eu ouvi pela Internet.

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O bilhete
Caio Torres e João Lucas

Dona Justina enlouqueceu: sua filha mais velha e


amada desapareceu. Caio, noivo de Valentina, não parava um
segundo de chorar:
― A culpa é minha, toda minha, ela preferiu correr
sem rumo a se casar comigo, que tipo de homem eu sou?
Caio ficou amargurado e aprisionado dentro de si. O
remorso de ter sido o último a falar com Valentina o
perseguia de forma que ele não podia fugir.
Yasmim, amiga íntima de Valentina, não se conteve
com aquela cena e desesperadamente falou em voz alta:
― Realmente, Caio, a culpa é sua. Você nunca
confiou nela, ela não merece um noivo como você. Se ela
fugiu mesmo, foi por sua causa.
Dona Justina interveio na conversa agressiva:
― Yasmim, pare imediatamente com essa discussão.
Sei que é a melhor amiga de Valentina, mas brigas não
resolverão nada...
Yasmim estava pálida e trêmula. Lucas, irmão de
Valentina, se aproximou de Dona Justina, abraçou-a e falou:
― Mãe, iremos achar Valentina custe o que custar,
porém, se ficarmos aqui sem fazer nada, não conseguiremos
nada!
Lucas ainda terminou dizendo:

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― Eu amo a minha irmã e, por isso, vou procurá-la,
nem que eu vá sozinho.
Neste momento, Caio se encorajou e disse em voz
alta:
― Não, Lucas, você não irá sozinho, eu também vou
com você...
Dona Justina, então, disse:
― Todos nós iremos à procura da minha filha amada.
Partiremos amanhã.
No outro dia, todos tinham acordado cedo,
animados, pois tinham a sensação de que o mistério teria fim
e de que Valentina estaria novamente naquela casa, trazendo
alegria.
O casamento dela e de Caio seria na próxima semana,
por isso Caio estava muito tenso com aquela situação. Não
tinha dito uma palavra desde que o dia amanhecera. Yasmim
e Caio se olhavam de forma perturbadora, como se
estivessem mantendo um segredo.
Até que Dona Justina chegou à sala e disse:
― Vamos. O dia será longo, e eu não descansarei
enquanto não achar Valentina. Lucas, por onde você acha
melhor começarmos a procura?
― Mãe, eu sei que a Valentina gostava muito de ir ao
bosque, principalmente de ir a uma cabana que fica perto do
rio.
Yasmim, então, perguntou a Lucas:

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― Que cabana é essa? E por que você acha que
Valentina estará lá?
Lucas respondeu:
― Yasmim, Valentina gostava muito de andar pelo
bosque quando ela era criança, principalmente para ficar a
sós, apenas para refletir.
― O problema é que o caminho é extenso e perigoso.
E parece que daqui a algumas horas começará a chover. Isso
dificultará mais o caminho.
― Dona Justina, o que você acha?, Yasmim
perguntou.
― Isso não me impedirá. Quem quiser vir comigo me
acompanhe.
Mesmo sabendo que o caminho era perigoso, Dona
Justina insistiu em prosseguir. Em poucas horas, todos já
estavam no emaranhado do bosque, porém tudo era muito
confuso, realmente Lucas não havia mentido em nada.
A noite então chegou, trazendo muito frio e medo. A
cada hora que passava, a escuridão aumentava, e os barulhos
da mata despertavam algo assustador dentro de cada um.
Caio fez uma pequena fogueira. Todos se achegaram
para mais perto, comeram alguma coisa e foram para as suas
barracas dormir.
A noite não foi fácil para ninguém. Apesar de todo
medo oferecido pelo bosque, eles ainda não sabiam se
encontrariam ou não Valentina e isso atormentava mais do
que qualquer coisa.

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Finalmente o dia chegou. A garoa ameaçava,
indicando que a chuva estava para chegar, e as nuvens
carregadas no céu nublado apenas correspondiam.
Dona Justina levantou cedo, guardando todo o
acampamento.
Um rápido olhar entre Yasmim e Caio revelava que
havia algo muito misterioso acontecendo. Dona Justina e
Lucas foram guardando tudo rapidamente e avisando:
― Daqui a meia hora, partiremos, então façam tudo
o que têm que fazer, continuaremos pelo sul do bosque,
seguindo o rio.
Depois de muitas horas à procura, finalmente
encontraram a cabana, que já estava bem velha. Yasmim foi
correndo em direção à casa. Sem pensar em nada, ela gritava:
― Valentina, minha amiga, chegamos...Viemos te
buscar...
Ao entrar na cabana, se acalmou e o silêncio
predominou. Caio, Lucas e Dona Justina não acreditavam
naquela cena que estavam vendo.
Valentina estava deitada sobre uma cama velha. Ela
estava pálida, fria e sem alegria. Já não era a mesma: seus
cabelos negros e compridos estavam sobre seus ombros, ela
vestia um vestido longo e leve, de cor vermelha, o qual havia
ganhado de Yasmim no dia de seu aniversário.
Todos estavam paralisados, até que Lucas viu um
bilhete sobre a cômoda, abriu e começou a ler:

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“Meu nome é Valentina Tavalhes. Sou noiva de Caio
Mascarenhas e iremos nos casar na próxima semana, porém
já não sei se quero me casar com ele, pois ele não confia em
mim. Tem um ciúme doentio que me sufoca, então resolvi
terminar nosso relacionamento antes de dar o passo
irreversível e o mais errado de toda minha vida.
Mas, quando fui falar com ele, descobri algo que
mudou minha vida. Algo que jamais imaginaria.
Eu vi Caio com outra mulher. Isso tirou o meu chão,
pois eu confiava nela. E essa mulher que me apunhalou pelas
costas se chama Yasmin, pois já não tenho coragem de
chama-lá de amiga.”

Nesse momento, todos não acreditaram, mas não


havia dúvida, era a letra de Valentina. A chuva caía lá fora.
Tudo agora estava esclarecido de uma vez por todas.

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A última vez
Giovanny Pinheiro Machado e Patrick Oliveira da Silva Filho

Meu nome é Katy. Há algum tempo eu estava


vivenciando coisas que nunca pensei que iria vivenciar. Foi
uma experiência horrível e me lembrar dela me traz
memórias tristes até hoje. Depois do que presenciei, não
dormi por noites com peso na consciência por existir, ter
culpa por sacrificar vidas inocentes, confiar em pessoas que
mal conhecia e ignorar as que me amavam.
A última vez em que eu havia respirado o ar de
dentro da minha casa fazia quase dois anos. Me lembrava
daquele último suspiro, daquela última sensação de segurança
e paz, que naquele momento eu achava que eu não tinha.
Tudo começou quando aceitei o convite da minha amiga
Samantha para um acampamento em uma ilha. Não fazia
muito sentido ir para um local tão distante apenas para
acampar, ainda mais não estando em um período de férias
escolar. Porém, no momento em que eu aceitei, não vi
problemas. Então, arrumei minhas malas e fiquei esperando
até o dia do encontro. Estava bastante ansiosa, pois não havia
avisado a ninguém da família. Tinha certeza que eles não
iriam me deixar ir e também pensei que ficaria menos de um
dia fora de casa, o suficiente para não perceberem minha
ausência.
Chegando o dia tão esperado, encontrei com os meus
amigos e o grupo que iria acampar junto na costa, pois para

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chegar a esta ilha era preciso atravessar o mar a barco. Um
dos motivos de eu ir para isso se chamava James, um menino
de quem eu gostava e que estudava junto comigo. Quando
chegamos à ilha, ele me prometeu que iríamos ficar juntos
para que meu medo da floresta diminuísse. Então, quando
foram separados os grupos, o líder do acampamento, Paul,
que mostrou ser uma boa pessoa por me colocar no mesmo
grupo dos meus amigos, mandou-nos ir caçar comida para
aquela noite. O lugar onde estávamos era cercado por
árvores, mas Paul nos disse que havia um lago mais à frente,
onde poderíamos encontrar peixes. Estávamos com pedaços
de madeira em busca de peixes quando de repente vimos
nossa amiga Samantha cair no rio após ser atingida por uma
flecha. Eu e James tentamos fugir de quem estava nos
atacando, mas um passo em falso me fez tropeçar e cai em
um buraco alto e escuro, o qual parecia uma armadilha para
pegar as pessoas que desconhecem o lugar. Depois desse
momento, tudo escureceu e eu acordei em outro lugar.
O lugar parecia um tipo de cativeiro. Eu conseguia
ver alguns integrantes do grupo de acampamento por ali,
todos presos e com bocas tapadas por cordas. Dali eu era
capaz de ouvir pessoas falando de fora do local. Uma voz me
soava bem familiar, mas, naquele momento, eu não lembrava
de quem poderia ser, só pensava no que poderia acontecer
comigo e com as outras pessoas. Dentro do cativeiro,
também havia alguns “guardas”, que pareciam estar ali para

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impedir que fugíssemos. Notei que, do acampamento,
apenas James e Paul não estavam ali.
Depois de um tempo, vi Paul entrando no cativeiro,
mas ele não parecia estar sendo refém, estava conversando
com outro integrante daquela tribo e foi aí que percebi que
ele não era aquele cara legal que parecia ser. Na verdade, o
acampamento era uma armadilha, e Paul nos entregara àquela
tribo. O pior de tudo foi ouvir dele mesmo que nós seríamos
mortos por uma boa causa, para servir como alimento. Foi
assim que percebi que estávamos lidando com canibais.
Depois de falar isso para nós, Paul saiu do lugar.
Passado o tempo, ouvimos barulhos estranhos do
lado de fora e vimos James entrando no cativeiro com uma
lança e um arco e flecha. Não sei como ele havia conseguido
aquilo, ele não nos explicou, apenas tentou nos tirar rápido
dali, cortando as cordas com a lança e nos mandando correr
para o barco. Parecia que tudo ia dar certo e todos nós
seríamos salvos daquele lugar, mas, na nossa saída, Paul
acertou uma flechada no peito de James. Aquela cena me
traumatizou. Ele poderia ter fugido, mas voltou para nos
salvar e, em troca, morreu. Chegando no barco, ainda
estávamos aflitos, pois os capangas atiravam lanças em nossa
direção, acertando um de nós e fazendo uma parte do barco
quebrar. Saímos do alcance deles, porém o barco começou a
afundar, e nem eu nem a Samantha sabíamos nadar. Por sorte
havia duas boias na parte de fora, o que salvou nossa vida e
fez com que voltássemos.

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De volta à cidade, percebi que não deveria ter
aceitado o convite de Samantha, quem eu conhecia há pouco
tempo. Deveria ter contado sobre o convite aos meus pais e
deveria ter procurado uma forma de me aproximar do James
de uma forma menos rebelde e precipitada ― mas como eu
ia saber que era a última vez que veria ele? Mas foi aquela
noite a última vez que olhei nos olhos dele, sem ter tempo
ou chance dizermos um para o outro os nossos sentimentos.
E hoje a solidão, a tristeza e a angústia possuem minha
consciência de forma ensurdecedora, sou incapaz de
esquecer tudo e caminhar novamente.

Giovanny Pinheiro Machado


Sou um jovem niteroiense que viveu grande
parte da sua vida em São Gonçalo. Desde o
Ensino Fundamento, sempre tive uma grande
afinidade pela Língua Portuguesa: gostava da
parte gramatical, porém me dava melhor criando textos. E
era o que mais tinha prazer de fazer. Apesar de gostar de
escrever, criar, não sou um leitor nato, mas pretendo forçar
mais esse hábito. Uma das coisas de que mais gosto de fazer
com relação a textos é criar várias histórias na mente quando
estou no ônibus, ou filosofar sobre a vida. Minha maior
inspiração para criar este conto foram textos lidos por mim
com histórias que chocam o leitor, mesmo sabendo que é
algo fictício. Então, decidi me inspirar neles para criar um
conto de suspense.

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Patrick Oliveira da Silva Filho
Sou nascido em Niterói, porém morador de
São Gonçalo. Nunca tive um interesse por
escrita como tenho agora, talvez porque nunca
havia sido bom em Língua Portuguesa.
Geralmente escrevo textos dissertativos, mas tenho como
preferência os textos narrativos. A ideia de criar uma história
me inspira e, à medida que escrevo a história e vou a
imaginando na minha mente, melhor é a experiência de
escrita. Para esse texto, me inspirei principalmente em
histórias reais semelhantes a contada na narração.

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A face obscura do ódio
Mariana Ferreira dos Santos Soares

Óregon, janeiro de 1964.


O casal Christopher Rhodes e Angelina Rhodes
levava uma vida tranquila no interior da cidade de Portland,
nos EUA. Descobriram que iriam ter um bebê. Christopher
era agricultor, gostava de sobreviver do lucro que obtinha no
campo. Angelina não tinha um emprego, mas tinha a costura
como hobby e ocasionalmente conseguia adquirir alguns
dólares comercializando sua arte, embora possuísse pouca
vizinhança. Com a notícia de que estava grávida, Angelina
estabeleceu que seria necessário se mudarem para o centro
da cidade, pois a vida na província não seria apropriada para
criar a criança que estava por vir. Christopher não ficou nem
um pouco satisfeito com a ideia, pois para ele o campo era a
única maneira de se sentir próximo ao seu pai, que veio a
falecer quando ele ainda era adolescente. Todavia, ele teve
que abrir mão de sua felicidade para que não deixasse sua
esposa destinar-se desacompanhada para a cidade.
Conturbado com toda a situação, ele conduziu-se...
Após alguns meses morando na capital Salem, nasceu
Janeth, filha do casal Rhodes. A vida na cidade estava sendo
exorbitantemente árdua para Christopher. Embora tivesse
conseguido um bom emprego e uma estabilidade financeira,
ele não se sentia realizado. Não havia meios que o fizesse
adaptar-se à nova vida, e isso foi aniquilando os sentimentos

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bons que existiam no modesto Christopher. Murmurava o
inditoso chefe de família que Janeth era uma criança
malevolente.

14 de março de 1965.
Após ter ingerido muito álcool, depressivo,
Christopher em sua caminhonete pega a estrada, seguindo
em direção à sua antiga casa, trajeto onde havia árvores
gigantescas, e o nevoeiro e a escuridão eram predominantes.
A música no volume máximo contribuía com sua moléstia e
desgraça de vida. De repente uma criatura de aparentemente
um metro e meio de altura e pelugem de cor preta surgiu à
frente da caminhonete, causando naquele momento um
grave acidente. Depois de alguns dias do desaparecimento do
marido, sem ao menos alguma notícia no jornal, sua esposa
Angelina pediu ajuda ao Departamento de Polícia do Estado
do Oregon. Com a eficiência e agilidade da polícia,
rapidamente conseguiram identificar o local do ocorrido,
mas, para a surpresa de muitos, naquela estrada, foi
encontrada apenas a caminhonete, sem o menor sinal do
corpo de Christopher ou mancha de sangue no chão. Um
mistério que jamais foi desvendado pela polícia que
investigava o caso...
Aproximadamente dois anos após o
desaparecimento de Christopher, Angelina veio a óbito. Com
sua morte, Janeth, ainda criança, foi adotada por um casal
italiano que a acolheu muito bem.

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Com 27 anos de idade, Janeth investia em sua
carreira, estudando Antropologia na Western Oregon
University. Carregava consigo um colar vultoso, que
continha a foto de seus pais. Jovem, órfã, dona de um olhar
encantador, despertava o interesse em muitos rapazes de sua
faculdade. Mas a bela moça só dava espaço a um único
homem, Estevão, sujeito tenebroso que ela conheceu em
uma taberna, dono de uma fisionomia que era perfeita aos
olhos de Janeth. Tão insistente e convicto do que queria, em
uma noite demasiadamente fria, persuadiu Janeth a levantar-
se de sua cama e sair com ele para um passeio.
– O que te faz insistir tanto em vir aqui fora? – Janeth
disse intrigada.
– Meu amor, nada como seu abraço para aquecer-me
nesta noite incrivelmente fria – respondeu Estevão.
– Justamente por isso, Estevão! Por que não
encontraste comigo em minha residência? Garanto-lhe que
lá estaria sendo mais satisfatório do que aqui – Janeth disse,
incomodada com o frio.
– Tranquilize-se, meu anjo! Em meio à pureza da
natureza, tudo é melhor! Tudo é melhor! – bradou Estevão
indelicadamente com um tom de voz agudo.
Janeth, ainda um pouco assustada, prosseguiu
caminhando com o tenebroso Estevão na rua deserta,
rodeada por uma floresta, cada vez mais longe de casa... O
casal vagava pela noite fria e sombria, quando eventualmente
uma luz intensa refletiu no colar de Janeth. Trêmulo, Estevão

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Pedro Fernandes de Oliveira

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consecutivamente dizia: “Só há vida aqui!”. Seu tom de voz
ia aumentando a cada citação junto à sua tremedeira. Janeth,
imensamente assustada, sem conseguir compreender o que
estava acontecendo, se deparou com o surreal e mais real que
estava à sua frente e caiu ao chão, desfalecendo-se ali.
Nem todas as histórias possuem finais felizes, esta é
uma delas. Nem todo mal vem para o bem, como diz um
ditado popular. O ódio tem a capacidade de dominar e
transformar pessoas, dando a elas faces obscuras, eis a sua
maior peculiaridade...

Mariana Ferreira dos Santos Soares


Atualmente sou estudante do curso de
Química. Nas horas vagas, gosto de praticar
esportes e fazer trilhas. Ainda um pouco
indecisa, penso em futuramente cursar
Geografia na faculdade. Sobre o conto, confesso que nunca
fui amante de livros, mas que, desde pequena, costumo
escrever, compor música e fazer poesias. Não deixei isso de
lado até os dias de hoje... E o que me fez querer participar do
concurso é que, além de a temática ser o suspense, pelo que
eu particularmente sou apaixonada, muitos amigos me
disseram que eu deveria participar.

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