Magda Soares, A Entrada Da Criança No Mundo Da Escrita.

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GOVERNO DO PARANÁ

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO


SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS


ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA OS
ANOS INICIAIS

Curitiba
2010
A ENTRADA DA CRIANÇA NO MUNDO DA ESCRITA:
O PAPEL DA ESCOLA

Alfabetização e Letramento
Magda Soares1

Vários fatores contribuem para que se repense, no momento atual, a aprendizagem e o


ensino da língua escrita, nos anos iniciais de escolarização: a organização do Ensino Fundamental
em ciclos, com a configuração de um ciclo inicial em que o aprender a ler e a escrever sobres-
sai como o objetivo mais relevante; a inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental,
obrigando a redimensionar a prática de ensino inicial da língua escrita, fazendo-a estender-se a
essas crianças, até agora atendidas segundo as diretrizes da Educação Infantil; a emergência de
novos conceitos e novas propostas teóricas e metodológicas, no campo dos processos de ensino
e aprendizagem da língua escrita, fruto do avanço de estudos e pesquisas recentes sobre esses
processos.
Este texto pretende propor uma reflexão sobre os efeitos desses fatores na organização e
na prática do ensino da língua escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Essa reflexão está
orientada pela busca de resposta para as seguintes questões:
• quais são as condições para a conquista do mundo da escrita?
• quando a criança entra no mundo da escrita?
• o que a criança aprende, quando aprende a ler e escrever?
• como se ensina a ler e a escrever?
• há um método, para ensinar a ler e escrever?

Quais são as condições para a conquista do mundo da escrita?


Lançando mão de uma comparação com a exigência de um passaporte, para que seja per-
mitida a entrada em outros países, pode-se dizer que também a entrada no país ou mundo da
escrita exige passaporte, mas essa exigência tem uma peculiaridade: são necessários dois pas-
saportes, não apenas um. Um passaporte é a aquisição de uma tecnologia – o sistema de escrita
alfabético e ortográfico, e as convenções para seu uso; o outro passaporte é o desenvolvimento
de competências para o uso dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita.

1 Magda Soares possui graduação em Letras Neolatinas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1953) e doutorado em Didática pela Universidade Federal
de Minas Gerais (1962) . Atualmente é MEMBRO da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, MEMBRO DE COMITE ASSESSOR do Con- 21
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CONSULTORA da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CONSELHEIRA
da Communitee Economique Europeen, PROFESSORA TITULAR, da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Ensino-Aprendizagem.

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Aquisição de uma tecnologia: ALFABETIZAÇÃO
O sistema de escrita e as convenções para seu uso constituem uma tecnologia inventada
e aperfeiçoada pela humanidade ao longo de milênios: desde os desenhos e símbolos usados
inicialmente até a extraordinária descoberta de que, em vez de desenhar ou simbolizar aquilo de
que se fala, podiam ser representados os sons da fala por sinais gráficos, criando-se assim o siste-
ma alfabético; desde a escrita em tabletes de barro, em pedra, em papiro, em pergaminho, até a
também extraordinária invenção do papel; desde o uso de estiletes e pincéis como instrumentos
de escrita até a invenção do lápis, da caneta. E convenções foram sendo criadas: convenções
sobre o uso do sistema alfabético, resultando no sistema ortográfico; a convenção de que as pa-
lavras devem ser separadas, na escrita, por um pequeno espaço em branco; no mundo ocidental,
a convenção de que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita.
Assim, um dos passaportes para a entrada no mundo da escrita é a aquisição de uma tec-
nologia – a aprendizagem de um processo de representação: codificação de sons em letras ou
grafemas e decodificação de letras ou grafemas em sons; a aprendizagem do uso adequado de
instrumentos e equipamentos: lápis, caneta, borracha, régua...; a aprendizagem da manipulação
de suportes ou espaços de escrita: papel sob diferentes formas e tamanhos, caderno, livro, jor-
nal...; a aprendizagem das convenções para o uso correto do suporte: a direção da escrita de cima
para baixo, da esquerda para a direita.
A essa aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico de escrita e das técnicas para seu
uso é que se chama ALFABETIZAÇÃO.

Desenvolvimento de competências para o uso da tecnologia da escrita:


LETRAMENTO
Apenas com a aquisição da tecnologia da escrita – um dos “passaportes” – não se tem
entrada no mundo da escrita, um outro “passaporte” é necessário: o desenvolvimento de com-
petências para o uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que as envolvem. Ou seja, não
basta apropriar-se da tecnologia – saber ler e escrever apenas como um processo de codifica-
ção e decodificação, como quando dizemos: esta criança já sabe ler, já sabe escrever; é necessário
também saber usar a tecnologia – apropriar-se das habilidades que possibilitam ler e escrever de
forma adequada e eficiente, nas diversas situações em que precisamos ou queremos ler ou es-
crever: ler e escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em diferentes suportes, para diferentes
objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para diferentes funções: para informar ou
informar-se, para interagir, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimento,
para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...

22 A esse desenvolvimento de competências para o uso da tecnologia da escrita é que se


chama LETRAMENTO.

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Quando a criança entra no mundo da escrita?
É um equívoco acreditar que é a escola a única responsável por propiciar à criança os dois
“passaportes” de entrada no mundo da escrita. Muito antes de chegar à instituição educativa

Alfabetização e Letramento
– de Ensino Fundamental e mesmo de Educação Infantil – a criança já convive tanto com a tec-
nologia da escrita quanto com seu uso, porque, em seu contexto, a escrita está sempre presente:
ora muito presente, como nas camadas economicamente privilegiadas e nas regiões urbanas, ora
menos presente, como nas camadas populares e nas regiões rurais, mas sempre presente; ora em
gêneros e suportes mais próximos ora menos próximos daqueles que a escola valoriza, mas sem-
pre presente. Assim, desde muito cedo a criança convive com práticas de letramento – vê pessoas
lendo ou escrevendo, e assim vai se familiarizando com as práticas de leitura e de escrita; e tam-
bém desde muito cedo inicia seu processo de alfabetização – observa textos escritos à sua volta,
e vai descobrindo o sistema de escrita, reconhecendo algumas letras, algumas palavras.
No entanto, esses primeiros passos da criança no mundo da escrita, fora e antes da institui-
ção educativa, ocorrem, em geral, de forma assistemática, casual, sem planejamento; é a escola
que passará a orientar de forma sistemática, metódica, planejada, esses processos de alfabetiza-
ção e letramento. Mas quando deve a escola iniciar essa sistematização, essa metodização, esse
planejamento?
O preconceito a ser afastado é que se possa determinar uma idade em que a criança pas-
saria a ter condições de vivenciar esses processos de alfabetização e de letramento sistemáticos,
metódicos, planejados. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o sistema de ensino se or-
ganiza pelo critério de idade em função das possibilidades econômicas e políticas do país, não
propriamente em função dos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança, proces-
sos que, sabe-se, têm uma trajetória que não coincide inteiramente com a trajetória cronológica.
Tanto assim é que a idade de entrada no Ensino Fundamental varia de país a país – aos 4, 5 anos,
em países desenvolvidos, mais tarde, em países em desenvolvimento: no Brasil, aos 7 anos, até
pouco tempo, agora aos 6 anos. Em segundo lugar, não é raro que a criança se aproprie do siste-
ma de escrita – alfabetize-se – já na etapa da Educação Infantil, como também não são poucos os
casos de crianças que se alfabetizam antes mesmo do ingresso nessa etapa.
Conclui-se que é infrutífera uma discussão sobre se é possível ou não alfabetização e letra-
mento aos 6 anos, se é conveniente ou não alfabetização e letramento na Educação Infantil; à ins-
tituição educativa cumpre dar prosseguimento ao processo de inserção da criança no mundo da
escrita, a partir do estágio em que ela estiver – e, em nossas sociedades grafocêntricas, ela sempre
estará já em algum estágio de alfabetização e letramento (ainda que, para algumas, muito inicial)
– tornando esse processo sistemático, metódico, orientado por planejamento fundamentado em
princípios psicológicos, linguísticos, pedagógicos.

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O que a criança aprende, quando aprende a ler e escrever?
No processo de aprendizagem inicial da leitura e da escrita, a criança deve entrar no mundo
da escrita fazendo uso dos dois “passaportes”: precisa apropriar-se da tecnologia da escrita, pelo
processo de alfabetização, e precisa identificar os diferentes usos e funções da escrita e vivenciar
diferentes práticas de leitura e de escrita, pelo processo de letramento. Se lhe é oferecido apenas
um dos “passaportes” – se apenas se alfabetiza, sem conviver com práticas reais de leitura e de
escrita – formará um conceito distorcido, parcial do mundo da escrita; se usa apenas o outro
“passaporte” – se apenas, ou, sobretudo, se letra, sem se apropriar plena e adequadamente da
tecnologia da escrita – saberá para que serve a língua escrita, mas não saberá se servir dela.
Assim, para que a criança se insira de forma plena no mundo da escrita, é fundamental
que alfabetização e letramento sejam processos simultâneos e indissociáveis. Respondendo à
pergunta que dá título a este tópico: quando aprende a ler e a escrever, a criança deve aprender,
simultaneamente e indissociavelmente, o sistema alfabético e ortográfico da escrita e os usos e
funções desse sistema nas práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Mas como se pode
desenvolver alfabetização e letramento de forma simultânea e indissociável?, questão que con-
duz à penúltima pergunta das cinco que estruturam este texto.

Como se ensina a ler e escrever?


Para melhor compreender a proposta atual para o ensino da leitura e da escrita no início
do processo de escolarização, é conveniente voltar os olhos para o passado: é entendendo o que
ficou para trás que se pode explicar o presente.

Aprendizagem inicial da língua escrita: olhando para trás

Até meados de 1980, a aprendizagem inicial da leitura e da escrita limitava-se à alfabetiza-


ção, com o sentido atribuído a essa palavra neste texto: o objetivo era levar a criança à aprendi-
zagem do sistema convencional da escrita – primeiro apropriar-se do sistema de escrita, para só
depois fazer uso dele. A questão que então se colocava para alfabetizadoras e alfabetizadores era
a escolha do método de alfabetização.
Métodos de alfabetização se alternaram, ao longo do tempo, em um movimento pendular:
ora a opção pelo princípio da síntese, isto é, alfabetizar a partir das unidades menores da língua –
dos fonemas, das sílabas – em direção às unidades maiores – à palavra, à frase, ao texto (método
fônico, método silábico); ora a opção pelo princípio da análise – alfabetizar, ao contrário, a partir
24 das unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às uni-
dades menores (método da palavração, método da sentenciação, método global). Em ambas as

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opções, porém, a meta era sempre a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita.
Embora a aprendizagem partisse de, no caso dos métodos analíticos, ou chegasse a, no caso dos
métodos sintéticos, palavras, sentenças ou narrativas, estas eram intencionalmente escolhidas ou
construídas para conduzir à aprendizagem do sistema de escrita: palavras selecionadas para per-

Alfabetização e Letramento
mitir sua composição ou decomposição nas sílabas ou fonemas em estudo, sentenças e narrativas
artificialmente criadas, com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à sua composição
ou decomposição em palavras, sílabas, fonemas. Em vez de convívio com práticas reais de leitura
e de escrita, e com o material escrito que realmente circula nessas práticas, a criança convivia com
práticas exclusivamente escolares e com material escrito inexistente fora das paredes da escola.
Em meados dos anos 1980, a difusão, no Brasil, da psicogênese da língua escrita – do cons-
trutivismo – trouxe nova orientação para a aprendizagem inicial da língua escrita: apagou a até
então vigente distinção entre, de um lado, a aprendizagem do sistema de escrita e, de outro lado,
as práticas reais de leitura e de escrita, e negou a precedência, no processo de aprendizagem, do
aprender a ler e escrever em relação ao fazer uso da leitura e da escrita. Nos termos dos concei-
tos sugeridos neste texto, apagou a distinção entre alfabetização e letramento, propondo que
a aprendizagem do sistema de escrita – a alfabetização – decorresse de uma interação intensa
e diversificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e de escrita, com diferentes
gêneros, diferentes portadores – decorresse do letramento. Em outras palavras: por meio do letra-
mento, a criança iria construindo progressivamente seu conceito do sistema de escrita, até tornar-
se alfabética, e iria descobrindo, de acordo com seu ritmo e suas hipóteses próprias, as relações
entre fonemas e letras.
Como o construtivismo, em decorrência de sua proposta teórica, rejeitou os métodos de al-
fabetização, as cartilhas e os pré-livros, até então em uso nas escolas, passou-se, numa inferência
inadequada, a ignorar ou menosprezar a especificidade do processo de aquisição do sistema al-
fabético e ortográfico de escrita, o ensino explícito das relações entre fonemas e grafemas. Assim,
deu-se prioridade à interação com práticas de leitura e de escrita – o letramento, na suposição de
que a aquisição do sistema de escrita – a alfabetização – ocorreria por meio dessa interação.
Esta talvez seja uma das razões (naturalmente entre várias outras) das dificuldades que ain-
da enfrentam as escolas para obter sucesso na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crian-
ças, dificuldades que têm sido reiteradamente evidenciadas pelos resultados insatisfatórios obti-
dos pelos alunos em avaliações externas à escola, como o SAEB, a Prova Brasil; pela insatisfação
e insegurança atuais de alfabetizadores e alfabetizadoras; pela perplexidade do poder público e
da população diante da persistência do fracasso da escola em transformar os alunos em leitores e
produtores de texto competentes.
Retomando o que foi dito no início deste tópico – entendendo o que ficou para trás é que se
pode explicar o presente: tendo olhado para o passado do ensino da língua escrita, na etapa inicial
da escolarização, e tendo procurado entendê-lo, talvez possamos explicar este presente de insatis-
fações e incertezas pela oscilação, que marcou o passado, entre ora priorizar a aquisição do sistema
de escrita – a alfabetização, ora priorizar as práticas de uso desse sistema – o letramento, resultan-
do, no presente, em dúvidas sobre como resolver essa aparente – apenas aparente – dicotomia. 25

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Aprendizagem inicial da língua escrita: olhando para frente

Se é entendendo o que ficou para trás que se pode explicar o presente, é explicando o
presente que se pode delinear o futuro. Este, o futuro, sugere agora o momento da síntese: não
mais alfabetização OU letramento, mas alfabetização E letramento.
Relembrando a metáfora dos dois passaportes, proposta no início deste texto, é funda-
mental que a criança, para sua plena inserção no mundo da escrita, aprenda, ao mesmo tempo
e indissociavelmente, a tecnologia – o sistema de escrita – e os usos desta tecnologia – as práti-
cas sociais de leitura e de escrita. Se não houver essa contemporaneidade e indissociabilidade
entre alfabetização e letramento, ou a criança não verá sentido em aprender a tecnologia, pois
esta não a levará além de relações entre sons e letras, famílias silábicas, frases descontextuali-
zadas, como a tão citada “Eva viu a uva”, ou pseudotextos como os das cartilhas e mesmo dos
pré-livros; ou a criança conviverá com textos e portadores de textos reais, com práticas reais de
leitura e de escrita, mas não aprenderá a ler e escrever textos, não terá condições para participar
competentemente de situações sociais que demandem leitura ou escrita.
Mas: como orientar a aprendizagem inicial da língua escrita integrando e articulando alfa-
betização e letramento?
Por um lado, a aquisição do sistema de escrita – a alfabetização – supõe, para ser eficien-
te, ensino de forma explícita, sistemática, progressiva, sequente, uma vez que as relações entre
fonemas e grafemas são convencionais e em grande parte arbitrárias, não sendo, assim, necessá-
rio, nem talvez justo, atribuir à criança a difícil tarefa de “redescoberta” desse sistema de repre-
sentações convencional, tão laboriosamente construído pela humanidade ao longo de séculos.
Mas esse ensino não precisa ser, ou melhor, não deve ser feito com base em frases e textos
(pseudotextos) construídos artificialmente apenas para servir ao objetivo de ensinar a ler e es-
crever; ao contrário, esse ensino pode e deve ser feito a partir de textos reais, textos que circulam
no contexto da criança, para que ela se aproprie do sistema de escrita vivenciando-o tal como é
realmente usado nas práticas sociais que envolvem a língua escrita.
Por outro lado, o desenvolvimento de competências para a leitura e a escrita – o letramen-
to – deve ser orientado por objetivos específicos: familiarização da criança, na leitura e na escrita,
com diferentes gêneros de texto e suas características específicas, manipulação adequada de
diferentes portadores de textos, particularmente livros, utilização de livros de referência (dicio-
nários, enciclopédias), conhecimento e uso de biblioteca, entre muitos outros objetivos orien-
tados pelo e para o letramento. Mas essas atividades podem e devem aproveitar-se de todas as
oportunidades que levem a criança a identificar e a compreender a tecnologia que possibilita a
produção do material escrito com que convive.
Concluindo, pode-se finalmente responder à pergunta que dá título a este tópico: como
se ensina a ler e escrever? mais especificamente: como se ensina a ler e escrever na etapa inicial
de escolarização?
26 A resposta é: alfabetizando e letrando, simultaneamente e indissociavelmente. Mas: como
se orienta a aprendizagem inicial da língua escrita? Ou seja: há um método, para assim fazer?

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Há um método, para ensinar a ler e escrever?

Como alfabetização e letramento são processos com múltiplas facetas, infere-se que um
ensino que oriente adequadamente a aprendizagem inicial da língua escrita deve desenvolver

Alfabetização e Letramento
essas múltiplas facetas: na área da alfabetização, a aquisição do sistema alfabético e ortográfico
da escrita, que envolve a compreensão e apropriação das relações fonema-grafema e as técnicas
e convenções para seu uso; na área do letramento, o desenvolvimento das diversas competências
necessárias para participação adequada e eficiente nas diferentes práticas sociais de que a língua
escrita faz parte integrante, entre outras: aprender a reconhecer, ler e compreender diferentes gê-
neros de textos, com diferentes objetivos, para diferentes interlocutores, em diferentes situações;
da mesma forma, aprender a escrever diferentes gêneros de textos, com diferentes objetivos,
para diferentes interlocutores, em diferentes situações; conhecer e saber utilizar fontes escritas de
informação; desenvolver atitudes e comportamentos positivos em relação à leitura...
Cada uma dessas múltiplas facetas tem uma natureza específica, é esclarecida por determi-
nadas teorias e, consequentemente, envolve determinados processos cognitivos, para sua apren-
dizagem. Por exemplo: as relações fonema-grafema são um sistema de representação, compre-
endido por meio da análise comparativa entre a cadeia sonora da fala e a notação gráfica da
escrita, de que se ocupam as teorias fonológicas, e aprendido por meio de processos cognitivos
que conduzam à formação de automatismos; já as práticas de leitura são processos de interação,
esclarecidos por teorias da enunciação, da leitura, dos gêneros, de que se ocupam as ciências
linguísticas e psicológicas, e desenvolvidos por meio de processos cognitivos que conduzam a
habilidades de compreensão e construção de sentido.
Portanto, se método de ensino implica a orientação da aprendizagem de determinado ob-
jeto do conhecimento, um método deve definir-se pela natureza do objeto do conhecimento,
pelas teorias que o esclarecem e pelos processos cognitivos para sua aprendizagem. A conclusão
é que, sendo de naturezas diferentes e sendo esclarecidas por diferentes teorias, cada um dos ob-
jetos de conhecimento, que aqui estamos denominando faceta, tanto no âmbito da alfabetização
quanto no âmbito do letramento, cada faceta pressupõe um método de ensino específico, defini-
do por sua natureza, pelas teorias que a esclarecem e fundamentam e pelos processos cognitivos
específicos de sua apropriação.
Assim, e em conclusão, sendo muitas e diferentes as facetas da alfabetização e do letra-
mento, e considerando que esses dois processos, como foi afirmado, devem ser desenvolvidos si-
multaneamente e indissociavelmente, já não se pode pretender a UM único método para a orien-
tação da aprendizagem inicial da língua escrita, é preciso lançar mão de MÉTODOS, no plural:
uma articulação de procedimentos que alfabetizem e letrem, propiciando à criança uma entrada
plena no mundo da escrita, que é a finalidade última da aprendizagem inicial da língua escrita.

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