Documento Heretico2
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C�taros e Valdenses
Neste sentido, pode-se destacar a heresia c�tara, que � mencionada pela primeira
vez em 1163, nos Serm�es contra os c�taros do monge Eckbert Von Sch�nau. Eles eram
chamados de C�taros, termo que significa �puro� ou �perfeito�, pois pregavam um
retorno ao cristianismo puro, havendo uma grande preocupa��o dos praticantes com a
pureza. Nasceu nos Pa�ses Baixos e Ren�nia, mas tornou-se mais forte no Midi, onde
ficaram conhecidos como Albigenses, devido � cidade de Albi. Constitu�ram a
principal amea�a ao catolicismo, ao serem anticlericais.
Os c�taros acreditavam que o corpo e a alma eram cria��es diferentes (o corpo era
mau e a alma era boa). Rejeitavam todas as coisas materiais (carne, sexo, riqueza).
Eles negavam o purgat�rio, as missas aos mortos, a transubstancia��o e o batismo de
crian�as. Sua cerim�nia era consolamentum, que era a imposi��o de m�os, sendo este
o ato de libertar o adepto da carne e torn�-lo unido ao esp�rito, fazendo do
iniciado um ser puro. Tinham cren�a dualista, definindo um deus bom e um deus mau,
que neste caso, seria l�cifer, e a luta perp�tua entre bem e mal. Importa��es estas
do manique�smo, que a Igreja condena desde Agostinho.
Embora defendam o bem, cr�em neste mesmo bem somente no mundo vindouro. Este mundo
teria sido criado por um deus mau. Assim sendo, tudo que existia no mundo era parte
do mal, inclusive a Igreja. Os c�taros se viam como a mais pura forma de
Cristianismo. A Igreja reagiu atrav�s de persuas�o (atrav�s de movimentos
mission�rios), repress�o (penit�ncias, mortes e ex�lio) e sataniza��o (propaganda
estigmatizante) do movimento. As a��es do Conc�lio de Verona n�o surtiram efeito, o
que progressivamente fez Inoc�ncio III empregar uma gama de medidas repressivas, o
que resultar� em grandes embates contra os c�taros. Inoc�ncio equiparar� heresia �
trai��o e instituir�, com impulso de Cister, a cruzada contra os albigenses,
formada em 1209 e conduzida at� o sul da Fran�a. A luta por muito tempo foi
inconclusiva, mas no fim houve o massacre dos c�taros. Em 1326, o �ltimo c�taro foi
queimado em Carcassone e o movimento foi finalmente reprimido.
Outro movimento contempor�neo ao catarismo e que ganhou grande notoriedade foi o
valde�smo. Os valdenses eram seguidores de um usur�rio de Lyon, Valdo, que
renunciou sua riqueza, enveredou-se numa vida de pobreza e se tornou mendigo. Ele
traduziu a b�blia do latim para o vern�culo. Seus seguidores foram conhecidos como
�pobres de Lyon�, pois renunciaram a propriedade privada e viviam de caridade,
buscando converter outras pessoas para uma vida simples e de f�. Em 1184, foram
condenados como hereges e mesmo sofrendo persegui��o, plantam ra�zes na Fran�a
meridional e It�lia setentrional, espalhando-se pela Espanha, Alemanha e �ustria.
Seus sacramentos se baseavam em cren�as do novo testamento (batismo, eucaristia e
casamento).
O lema principal dos valdenses era a pobreza e acusavam a Igreja de Roma de ser
negligente, por n�o impor absoluta pobreza ao seu clero. Rejeitavam a tradi��o
cat�lica e suas cren�as, como o purgat�rio, ora��es pelos mortos e dias santos.
Acreditavam num m�nimo de rituais (comunh�o uma vez por ano e observ�ncia aos
domingos). Foram ferozmente perseguidos e muitos membros queimados. Mas �
importante verificar que muitos valdenses se reintegraram ao seio da Igreja e foram
considerados por Inoc�ncio como �pobres cat�licos�.
Feiticeiros
Com refer�ncia � feiti�aria, � tamb�m na baixa idade m�dia que ocorre grande parte
das condena��es. J� eram apontadas como negativas pelo corpo eclesi�stico pr�ticas
que visavam prever o futuro, po��es e feiti�os em geral. A grande maioria dessas
pr�ticas eram pr�prias dos ambientes rurais, que se mantiveram presos �s pr�ticas
pr�-crist�s das tradi��es c�lticas, locais onde o cristianismo penetrou de maneira
mais tardia e com menos intensidade que nas cidades. Essas pr�ticas do folclore
pag�o s�o abordadas como sendo uma das categorias do estere�tipo do sab�
(constru�do da jun��o dos relatos folcl�ricos em sedimenta��o com a cultura erudita
dos inquisidores), como bem trabalhou Carlo Ginzburg, a partir da difus�o da id�ia
de mulheres que eram conduzidas em v�os noturnos na garupa de animais pela deusa
Diana (ou Richella, Epona, Herod�ade, dependia da localidade), para se reunirem em
determinados locais e realizarem seus rituais.
At� o s�culo XI, a posi��o da Igreja com rela��o �s pr�ticas consideradas como
feiti�aria n�o foi extremista. Conforme o Canone Episcopi, os feiticeiros eram
v�timas de ilus�es do diabo, sendo suas cren�as derivadas do mesmo. Mas no
desenrolar do dos s�culos XII, no esp�rito de profunda luta contra os movimentos
her�ticos, a Igreja se torna cada vez mais agressiva. �Os cl�rigos come�am a
afirmar que o diabo preside �s reuni�es dos hereges e at� mesmo que estes
consideram L�cifer o verdadeiro deus, injustamente expulso do c�u (bula Vox in rama
de Greg�rio IX, de 1233)� (BASCHET, p.240).
Geralmente eram acusados de adorarem ao diabo, na forma de um bode, fazerem orgias
por ele presididas e copularem com o mesmo, al�m de planejarem um compl� (acusa��o
tamb�m aplicada aos leprosos) contra � Cristandade. � em tal ambiente que se
consolida a �ca�a �s bruxas�, tamb�m confirmada pelo papado no Conc�lio de Latr�o
IV. Com a consolida��o da Inquisi��o, os feiticeiros �aproximam-se tamb�m dos
�crist�os que aderem ao juda�smo, judeus convertidos e depois judaizantes�.�
(SCHIMITT. P. 430). Feiticeiros eram vistos como crist�os falsamente convertidos.
Segundo Jeffrey Richards �a persegui��o simult�nea dos hereges e bruxos pela
inquisi��o papal, estabelecida em 1227, � considerada por Russell como significado
que a bruxaria havia ent�o passado a ser vista como uma forma de heresia� (p.85).
Aspecto este relevante, ainda mais se for levado em considera��o que muitos
desviantes da Igreja iam para as pr�ticas de feiti�aria.
A grande maioria das pessoas acusadas de bruxaria era condenada � morte pela
fogueira, forca ou afogamento. Ainda assim, antes de 1300 foram poucos os processos
por bruxaria, mas com o tempo, muitas outras categorias de hereges, como c�taros e
valdenses, acabavam confessando crime de bruxaria, mediante as torturas, algo que
era bastante comum. Muitos. que se consideravam v�timas de bruxaria, faziam justi�a
por eles mesmos, linchando aqueles que eram considerados bruxos. Mudan�as
clim�ticas, m�s-colheitas, pragas e doen�as tamb�m eram motivos para culpar os
feiticeiros de terem rogado pragas e maldi��es. Tais aspectos indicaram um aumento
dos processos de bruxaria entre fins do s�culo XIV e in�cio do XV - principalmente
no que diz respeito a este �ltimo aspecto, j� que aquele foi um per�odo em que a
fome, inunda��es, m�s-colheitas e incertezas se evidenciavam. A explica��o para
tais fen�menos s� poderia ser de ordem sobrenatural. Richards localiza neste
momento 84 julgamentos, entre os anos de 1365 e 1428.
Um dos casos mais famosos de bruxaria � o de Jacques De Molay, acusado juntamente
com os outros templ�rios de serem id�latras de uma cabe�a diab�lica, al�m de
sodomitas. �Mais de 60 deles foram levados � fogueira, dentre os quais o gr�o-
mestre Jacques de Molay e a ordem foi suprimida� (SCHIMITT, p. 431). Os hussitas
tamb�m foram considerados feiticeiros opositores da Igreja.
Assim, os feiticeiros foram a representa��o perfeita do mal, responsabilizados
pelos males sociais, por terem pr�ticas divergentes do cristianismo cat�lico. � na
Idade M�dia que � formulado o grande modelo persecut�rio que tamb�m ser�
reproduzido posteriormente na Idade Moderna (ver BASCHET, p. 242).
Consolida��o da Inquisi��o
Mas ser� que nenhum judeu n�o convertido foi perseguido pela inquisi��o? � um erro
pensar assim. Entre os s�culos XI e XIII, em meio aos cada vez mais anti-judaicos
discursos de eclesi�sticos, o juda�smo �, em in�meros casos, assemelhado a uma
heresia e, por mais que a inquisi��o n�o tivesse jurisdi��o sobre os judeus n�o
convertidos de modo geral, passou a ter, a n�vel de casos mais espec�ficos, sobre
os judeus que fossem considerados suspeitos ou acusados de ajudar hereges ou
promover doutrinas judaicas entre crist�os, os levando, deste modo, � heresia.
Entretanto, este ainda n�o � o momento para caracterizar a inquisi��o como sendo
anti-judaica, j� que a maioria dos casos de heresia envolveram crist�os-velhos.
A inquisi��o anti-judaica vai ganhar for�a na Pen�nsula Ib�rica, j� no per�odo
moderno, quando ela ter� o seu apogeu, devido � exist�ncia de grandes comunidades
judaicas. Estas comunidades, que por muito tempo viveram em clima de relativa
toler�ncia com a comunidade crist� e mu�ulmana (enquanto esta �ltima ainda era
dominante), com o levantamento da unidade pol�tica de Castela e Arag�o e a alega��o
da tamb�m necess�ria unidade religiosa, passam a ser alvos de pol�ticas de
convers�o for�ada. H� progressivamente o aprofundamento de um sentimento de
hostilidade contra aqueles que n�o s�o crist�os, alimentado pela necessidade de
restabelecer a �ordem g�tica� (como diz Pierre Guichard) de um �povo� sob uma f�
(crist�), no per�odo da Reconquista contra os mu�ulmanos.
Somente por meio da convers�o, os judeus e a tradicional burguesia judaica (que j�
era confrontada pela ascens�o da burguesia crist� e culpada pelos problemas socais,
conflito este explorado pela Igreja) poderiam manter seus direitos e posi��es. E
foi o que muitos fizeram. Mas num momento em que a Espanha passa por dificuldades,
como a guerra e a peste, h� a necessidade de localizar um bode expiat�rio. �Os
conversos ou crist�os-novos s�o acusados de usurparem as melhores posi��es e
empestarem, com a heresia judaica, toda a Espanha� (NOVINSKY, p.27). Mesmo
convertidos, os judeus s�o alvos de persegui��o, pois passavam a ser vistos como
infi�is.
Al�m da desconfian�a em cima dos conversos (sempre havia a suspeita que continuavam
a praticar o juda�smo, sendo falsos crist�os), que resultava em massacres, como o
que ocorreu em Toledo em 1449, houve tamb�m a cria��o de uma legisla��o racista na
Pen�nsula Ib�rica baseada na pureza de sangue, adotadas pelas corpora��es
profissionais. A determina��o era que nenhum descendente de judeu at� a sexta
gera��o poderia pertencer �s corpora��es de com�rcio, entrar em universidades,
entrar em ordens militares. Eram realizados exames para confirmar. A Igreja aprovou
tal legisla��o e os Reis Cat�licos convidam a atua��o da inquisi��o na Espanha,
para os casos em que crist�os novos ocupavam cargos de forma ilegal ou praticavam
secretamente o juda�smo. Havia assim a busca de elimina��o daquilo que foi
considerado como �heresia judaica�, por meio de propaganda eclesi�stica anti-
judaica, que buscava estabelecer a �purifica��o da f�, em coopera��o com as
ambi��es da burguesia crist�, levando muitos judeus �s fogueiras.
Assim, a respeito dos movimentos her�ticos, pode-se concluir com o que diz Anita
Novinsky: �O ideal da Igreja era manter a unidade da doutrina, que nesse tempo
ainda se encontrava fraca para enfrentar dissid�ncias. O questionamento a que
estava exposta ent�o a religi�o produziu diversos problemas do bem e do mal, da
natureza do homem e da Igreja, sobre a pr�pria conduta da vida e sobre o fim do
homem. Criaram-se assim numerosas seitas, que alarmaram os defensores da ortodoxia,
levando-os a se lan�arem numa verdadeira cruzada pela purifica��o da f�.� (p.18).