Documento Heretico2

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O conceito de heresia se define atrav�s de um desvio de uma verdade ou doutrina

estabelecida. A palavra herege se originou do grego hairesis e do latim haeresis,


que quer dizer seguir uma linha doutrin�ria contr�ria ao que foi definido pela f�
da Igreja. Segundo M.D. Chenu, herege � aquele que escolheu se isolar de uma
verdade.
� poss�vel dizer que as heresias foram catalogadas desde o s�culo II,
em especial com a busca de consolida��o da ortodoxia crist� e forma��o do c�non
b�blico, por meio do combate �s tend�ncias interpretativas divergentes, como o
Marcionismo, Docetismo e Montanismo (algumas dessas embasadas no gnosticismo).
Segundo Carter Lindberg, �a heresia e ortodoxia cresceram juntas, em m�tua
intera��o� (p. 40).
A lista de heresias foi sendo aumentada durante a Idade M�dia por nomes como Santo
Agostinho e Isidoro de Sevilha, que diziam que her�tico � aquele que n�o somente
est� errando, mas se obstina no pr�prio erro. A fonte b�blica vem de 1 Cor�ntios
11, 19, que diz: �Conv�m que haja heresias para que se veja o que se deve aprovar�.
H� tamb�m algumas refer�ncias em Tito 3,10: �Depois de uma primeira e uma segunda
advert�ncia, � preciso temer e n�o freq�entar o homem her�tico.�
Segundo Monique Zerner, desde Constantino a heresia se ligou ao Estado.
Os que recusavam aos Pais da Igreja eram perseguidos. As discuss�es sobre heresia
n�o ocorreram de forma t�o constante durante a alta idade m�dia, mas ressurgiram
com for�a no s�culo X e, mais especificamente, no s�culo XII, ap�s a crise
gregoriana, sob impulso de Cluny, com nomes com S�o Bernardo e Pedro, O Vener�vel.
Mas, antes de falar diretamente das heresias (que a partir dos s�culos
XII e XIII alcan�ar�o seus �pices), � necess�rio dar um foco maior ao contexto
hist�rico da �poca, para facilitar o entendimento. Embora fosse um per�odo de maior
impulso � Cristandade, iniciado com a Reforma de Greg�rio VII (que reafirmava a
concep��o agostiniana de controle e ordena��o social norteada pela Igreja), era
tamb�m um momento em que apareciam as primeiras cr�ticas mais incisivas � Igreja. A
busca de autonomia pol�tica e interesses materiais pela mesma desencadear�o uma
s�rie de censuras a este movimento.
O controle da sociedade pela Igreja, baseado na cren�a de que o pr�prio Deus o
havia estabelecido (o que sem d�vida foi uma das principais armas ideol�gicas da
Igreja para sua institucionaliza��o como reguladora pol�tica), acentuava as
manifesta��es de oposi��o. Tais manifesta��es foram frutos n�o s� da ortodoxia
(cistercienses, franciscanos e dominicanos), mas tamb�m daqueles que foram
considerados her�ticos (c�taros, valdenses, entre outros) � ver p�gina 79, FRANCO
JR, Hil�rio. Conforme Monique Zerner, tais movimento se constitu�ram como uma
prefigura��o da Reforma Protestante. Ser�o abordados de forma detalhada mais �
frente algumas das heresias que mais causaram repercuss�o, a partir do s�culo XII.
Segundo Nachman Falbel, os s�culos XII e XIII podem ser denominados de s�culos
her�ticos. Mas os movimentos desta �poca se diferenciaram daqueles do s�culos IV e
V, quando as heresias eram marcadas pelas discuss�es teol�gicas e filos�ficas em
torno da natureza de Cristo (discuss�es marcantes no per�odo da antiguidade tardia
e restrita a uma elite eclesi�stica, como no caso do Arianismo, por exemplo). Neste
per�odo de baixa idade m�dia h� um grande n�mero de heresias, mas que s�o
predominantemente de cunho popular.
E, embora os movimentos considerados her�ticos ganhassem mais intensidade nos
s�culos XII (na segunda metade) e XIII, Zerner diz que as narrativas mon�sticas
permitem dizer que j� no s�culo XI e primeira metade do XII, t�m-se alguns casos
consider�veis de heresia. Estes casos, embora tenham repercutido de alguma forma,
n�o tiveram tanta notoriedade quanto os que viriam. Entretanto, eles serviram para
indicar o progressivo aumento de oposi��o ao papado que ficaria evidente nos
s�culos posteriores.
Pode-se come�ar pelo caso de Orle�ns, que foi narrado pelo abade de Ripoll, na
Catalunha, em 1022, quando 14 cl�rigos foram queimados, supostamente por terem
negado os sacramentos. Outro caso, narrado por Raul de Glaber, fala de uma
fraternidade de homens e mulheres que colocavam seus bens em comum, exaltavam a
castidade e rezavam sob lideran�a de um homem chamado Geraldo, que tamb�m acabaram
queimados. A Reforma Gregoriana se prop�e a lutar contra a heresia simon�aca, que
se constitu�a pela compra de cargos na Igreja e o Nicola�smo, que era o concubinato
de cl�rigos. Bernard de Claraval se volta contra heresia e grandes intelectuais,
como Pedro Abelardo (mesmo sem muitos motivos para isso, afinal, a escol�stica n�o
era contr�ria a Igreja, apenas buscava o saber de outra forma), que � acusado de
racionar sobre a trindade. Bernard persegue tamb�m Arnaldo da Brescia, devido suas
prega��es contra o clero local. Al�m desses, alguns outros casos mais, mas que n�o
ser� poss�vel citar aqui.
O aumento de contesta��es aos dogmas da Igreja levar� ao Conc�lio de Verona, em
1184, que nomear� bispos para visitarem par�quias suspeitas de heresias, sendo esta
a primeira tentativa de fato institu�da. Estes bispos receberam o nome de
inquisidores ordin�rios. Mas ainda que se tenham estes dados, a Inquisi��o n�o tem
um momento certo de in�cio, sendo resultado de longa evolu��o durante um per�odo em
que a Igreja se sentia amea�ada. O papa Inoc�ncio III vai pessoalmente ao sul da
Fran�a para combater, juntamente com diversos mission�rios, as heresias. Mas para
que o combate surtisse efeito, era necess�ria a a��o do Estado, o que deixa claro o
car�ter pol�tico da persegui��o contra os opositores dos dogmas. � importante
ressaltar que se fala de um per�odo em que Igreja e Estado andam juntos e como
Jeffrey Richard bem definiu, a heresia podia ser considerada como um �desafio �
ordem temporal divinamente ordenada, e n�o podia, portanto, ser tolerada.� (p. 33).
Por isso, a a��o do Estado, institu�do por Deus, era necess�ria.

C�taros e Valdenses

Neste sentido, pode-se destacar a heresia c�tara, que � mencionada pela primeira
vez em 1163, nos Serm�es contra os c�taros do monge Eckbert Von Sch�nau. Eles eram
chamados de C�taros, termo que significa �puro� ou �perfeito�, pois pregavam um
retorno ao cristianismo puro, havendo uma grande preocupa��o dos praticantes com a
pureza. Nasceu nos Pa�ses Baixos e Ren�nia, mas tornou-se mais forte no Midi, onde
ficaram conhecidos como Albigenses, devido � cidade de Albi. Constitu�ram a
principal amea�a ao catolicismo, ao serem anticlericais.
Os c�taros acreditavam que o corpo e a alma eram cria��es diferentes (o corpo era
mau e a alma era boa). Rejeitavam todas as coisas materiais (carne, sexo, riqueza).
Eles negavam o purgat�rio, as missas aos mortos, a transubstancia��o e o batismo de
crian�as. Sua cerim�nia era consolamentum, que era a imposi��o de m�os, sendo este
o ato de libertar o adepto da carne e torn�-lo unido ao esp�rito, fazendo do
iniciado um ser puro. Tinham cren�a dualista, definindo um deus bom e um deus mau,
que neste caso, seria l�cifer, e a luta perp�tua entre bem e mal. Importa��es estas
do manique�smo, que a Igreja condena desde Agostinho.
Embora defendam o bem, cr�em neste mesmo bem somente no mundo vindouro. Este mundo
teria sido criado por um deus mau. Assim sendo, tudo que existia no mundo era parte
do mal, inclusive a Igreja. Os c�taros se viam como a mais pura forma de
Cristianismo. A Igreja reagiu atrav�s de persuas�o (atrav�s de movimentos
mission�rios), repress�o (penit�ncias, mortes e ex�lio) e sataniza��o (propaganda
estigmatizante) do movimento. As a��es do Conc�lio de Verona n�o surtiram efeito, o
que progressivamente fez Inoc�ncio III empregar uma gama de medidas repressivas, o
que resultar� em grandes embates contra os c�taros. Inoc�ncio equiparar� heresia �
trai��o e instituir�, com impulso de Cister, a cruzada contra os albigenses,
formada em 1209 e conduzida at� o sul da Fran�a. A luta por muito tempo foi
inconclusiva, mas no fim houve o massacre dos c�taros. Em 1326, o �ltimo c�taro foi
queimado em Carcassone e o movimento foi finalmente reprimido.
Outro movimento contempor�neo ao catarismo e que ganhou grande notoriedade foi o
valde�smo. Os valdenses eram seguidores de um usur�rio de Lyon, Valdo, que
renunciou sua riqueza, enveredou-se numa vida de pobreza e se tornou mendigo. Ele
traduziu a b�blia do latim para o vern�culo. Seus seguidores foram conhecidos como
�pobres de Lyon�, pois renunciaram a propriedade privada e viviam de caridade,
buscando converter outras pessoas para uma vida simples e de f�. Em 1184, foram
condenados como hereges e mesmo sofrendo persegui��o, plantam ra�zes na Fran�a
meridional e It�lia setentrional, espalhando-se pela Espanha, Alemanha e �ustria.
Seus sacramentos se baseavam em cren�as do novo testamento (batismo, eucaristia e
casamento).
O lema principal dos valdenses era a pobreza e acusavam a Igreja de Roma de ser
negligente, por n�o impor absoluta pobreza ao seu clero. Rejeitavam a tradi��o
cat�lica e suas cren�as, como o purgat�rio, ora��es pelos mortos e dias santos.
Acreditavam num m�nimo de rituais (comunh�o uma vez por ano e observ�ncia aos
domingos). Foram ferozmente perseguidos e muitos membros queimados. Mas �
importante verificar que muitos valdenses se reintegraram ao seio da Igreja e foram
considerados por Inoc�ncio como �pobres cat�licos�.

Feiticeiros

Com refer�ncia � feiti�aria, � tamb�m na baixa idade m�dia que ocorre grande parte
das condena��es. J� eram apontadas como negativas pelo corpo eclesi�stico pr�ticas
que visavam prever o futuro, po��es e feiti�os em geral. A grande maioria dessas
pr�ticas eram pr�prias dos ambientes rurais, que se mantiveram presos �s pr�ticas
pr�-crist�s das tradi��es c�lticas, locais onde o cristianismo penetrou de maneira
mais tardia e com menos intensidade que nas cidades. Essas pr�ticas do folclore
pag�o s�o abordadas como sendo uma das categorias do estere�tipo do sab�
(constru�do da jun��o dos relatos folcl�ricos em sedimenta��o com a cultura erudita
dos inquisidores), como bem trabalhou Carlo Ginzburg, a partir da difus�o da id�ia
de mulheres que eram conduzidas em v�os noturnos na garupa de animais pela deusa
Diana (ou Richella, Epona, Herod�ade, dependia da localidade), para se reunirem em
determinados locais e realizarem seus rituais.
At� o s�culo XI, a posi��o da Igreja com rela��o �s pr�ticas consideradas como
feiti�aria n�o foi extremista. Conforme o Canone Episcopi, os feiticeiros eram
v�timas de ilus�es do diabo, sendo suas cren�as derivadas do mesmo. Mas no
desenrolar do dos s�culos XII, no esp�rito de profunda luta contra os movimentos
her�ticos, a Igreja se torna cada vez mais agressiva. �Os cl�rigos come�am a
afirmar que o diabo preside �s reuni�es dos hereges e at� mesmo que estes
consideram L�cifer o verdadeiro deus, injustamente expulso do c�u (bula Vox in rama
de Greg�rio IX, de 1233)� (BASCHET, p.240).
Geralmente eram acusados de adorarem ao diabo, na forma de um bode, fazerem orgias
por ele presididas e copularem com o mesmo, al�m de planejarem um compl� (acusa��o
tamb�m aplicada aos leprosos) contra � Cristandade. � em tal ambiente que se
consolida a �ca�a �s bruxas�, tamb�m confirmada pelo papado no Conc�lio de Latr�o
IV. Com a consolida��o da Inquisi��o, os feiticeiros �aproximam-se tamb�m dos
�crist�os que aderem ao juda�smo, judeus convertidos e depois judaizantes�.�
(SCHIMITT. P. 430). Feiticeiros eram vistos como crist�os falsamente convertidos.
Segundo Jeffrey Richards �a persegui��o simult�nea dos hereges e bruxos pela
inquisi��o papal, estabelecida em 1227, � considerada por Russell como significado
que a bruxaria havia ent�o passado a ser vista como uma forma de heresia� (p.85).
Aspecto este relevante, ainda mais se for levado em considera��o que muitos
desviantes da Igreja iam para as pr�ticas de feiti�aria.
A grande maioria das pessoas acusadas de bruxaria era condenada � morte pela
fogueira, forca ou afogamento. Ainda assim, antes de 1300 foram poucos os processos
por bruxaria, mas com o tempo, muitas outras categorias de hereges, como c�taros e
valdenses, acabavam confessando crime de bruxaria, mediante as torturas, algo que
era bastante comum. Muitos. que se consideravam v�timas de bruxaria, faziam justi�a
por eles mesmos, linchando aqueles que eram considerados bruxos. Mudan�as
clim�ticas, m�s-colheitas, pragas e doen�as tamb�m eram motivos para culpar os
feiticeiros de terem rogado pragas e maldi��es. Tais aspectos indicaram um aumento
dos processos de bruxaria entre fins do s�culo XIV e in�cio do XV - principalmente
no que diz respeito a este �ltimo aspecto, j� que aquele foi um per�odo em que a
fome, inunda��es, m�s-colheitas e incertezas se evidenciavam. A explica��o para
tais fen�menos s� poderia ser de ordem sobrenatural. Richards localiza neste
momento 84 julgamentos, entre os anos de 1365 e 1428.
Um dos casos mais famosos de bruxaria � o de Jacques De Molay, acusado juntamente
com os outros templ�rios de serem id�latras de uma cabe�a diab�lica, al�m de
sodomitas. �Mais de 60 deles foram levados � fogueira, dentre os quais o gr�o-
mestre Jacques de Molay e a ordem foi suprimida� (SCHIMITT, p. 431). Os hussitas
tamb�m foram considerados feiticeiros opositores da Igreja.
Assim, os feiticeiros foram a representa��o perfeita do mal, responsabilizados
pelos males sociais, por terem pr�ticas divergentes do cristianismo cat�lico. � na
Idade M�dia que � formulado o grande modelo persecut�rio que tamb�m ser�
reproduzido posteriormente na Idade Moderna (ver BASCHET, p. 242).

Consolida��o da Inquisi��o

� justamente em meio aos movimentos considerados her�ticos, vai se desenrolando,


dentro de um contexto de luta contra a amea�a do poder papal, todo um processo
eclesi�stico que progressivamente dar� corpo � Inquisi��o. Por mais que a Igreja
tentasse controlar os movimentos, as heresias eram cada vez mais difundidas. H�
assim em 1215, em meio � luta contra os C�taros, o IV Conc�lio de Latr�o, presidido
por Inoc�ncio III, e sendo este uma das principais reformas da Cristandade,
seguindo o impulso ao fortalecimento da mesma, que ocorria com mais intensidade
desde a Reforma Gregoriana.
Segundo Jacques Le Goff, Latr�o IV �encoraja o movimento de repress�o que pretende
guardar a pureza da reforma (condena��o dos hereges, dos judeus, dos homossexuais,
dos leprosos). Abre as portas da Inquisi��o.� (p.75). O conc�lio buscar� codificar
os regulamentos da Igreja para enfrentar a heresia e tamb�m solicitar o apoio
secular para isso.
Assim, os soberanos incorporavam as leis do Conc�lio Lateranense em seus reinos,
condenando � fogueira v�rias pessoas. � com Latr�o que a heresia se torna crime de
Lesa Majestade, ao ser aplicado o direito romano, o que significa que todo o
arsenal de penas contra a heresia poderia ser utilizado, do confisco de bens � o
que era muito comum � � exclus�o das fun��es p�blicas. Ocorre uma alian�a entre os
reis e Igreja na luta contra as heresias, havendo o estabelecimento de c�nones que
definem cada vez mais as heresias.
Latr�o IV reafirma o car�ter da comunh�o, desembocando posteriormente no Corpus
Christi. Ora, se o corpo de Cristo passa a ser comungado por todos, deve haver o
controle desse corpo, para que ele n�o seja profanado. A heresia, ao contestar a
Igreja, contesta tamb�m a hierarquia social, que � estabelecida por Deus. Assim, o
her�tico � diab�lico. Inoc�ncio III lan�a, desta forma, a criminaliza��o da
heresia.
A consolida��o da inquisi��o vem um pouco mais tarde, com a constitui��o da
�Inquisi��o Delegada�. Criada por Greg�rio IX, finalmente ela ganha o corpo
funcional. A m�quina para lidar com heresia � finalmente estabelecida, sendo
formalmente criada em 1233, j� combatendo o catarismo. Greg�rio IX tornou-se seu
coordenador e lutou contra os ap�statas.
Mas como dito no in�cio deste texto, ocorrem movimentos urbanos que buscaram, de
certa forma, fazer a igreja rever seus conceitos. Estes movimentos s�o as ordens
mendicantes. Perdidos os princ�pios de Cister, eles ser�o recuperados por um
burgu�s, que ir� propor formas da burguesia enriquecida aplacar sua consci�ncia por
meio de esmolas. Prop�e que seus benefici�rios n�o sejam monges isolados, mas sim
homens da cidade que abra�ariam a pobreza. Este burgu�s foi o italiano S�o
Francisco de Assis, que fundar� a ordem mendicante dos Franciscanos.
No mesmo caminho, em 1216 outra ordem mendicante � formada, dessa vez, pelo
espanhol S�o Domingos. � importante saber da cria��o destas ordens, pois eram a
forma urbana de religiosidade. Elas representavam o desejo de evangelizar o meio
urbano. S�o vers�es mon�sticas urbanas. Desta forma, como diz Renata Rozental
Sancovsky, o �mosteiro venceu a catedral�, afinal, as concep��es mon�sticas s�o
levadas para dentro da cidade. Com o tempo, a Igreja passa apoiar estas ordens e,
em menos de 15 anos, alcan�aram um grande sucesso. Os dominicanos se preocuparam
com a luta contra as heresias, como � percept�vel no protagonismo do pr�prio
Domingos de Gusm�o, ao criar a �mil�cia de Jesus Cristo� j� em 1219 e os membros
dessa mil�cia eram preparados para combaterem os her�ticos, mantendo a pureza do
catolicismo.
Em 1222 j� ocorriam os primeiros tribunais. Em 1231, Greg�rio IX deixa sob
responsabilidade dos dominicanos a dire��o da Inquisi��o. O processo inquisitorial
se iniciava com a investiga��o, de maneira sigilosa. O acusado n�o tinha direito a
um advogado e justamente por haver uma acusa��o, havia necessidade de obter um
reconhecimento de culpa, ou seja, confessar. Isso muitas vezes acontecia mediante �
tortura, algo que se tornou comum a partir de 1252, quando a inquisi��o adquiriu
este direito. � err�neo achar que o objetivo da inquisi��o era matar. Quanto mais a
pessoa permanecesse viva era melhor. O intuito era purific�-la de seus erros pela
tortura, pois o sofrimento purifica. O pr�prio papa Inoc�ncio IV n�o autorizava nem
mutila��es nem mortes. O objetivo era fazer a pessoa se arrepender. Os que n�o se
arrependiam eram entregues ao bra�o secular para puni��o e tinham suas propriedades
confiscadas.
A Inquisi��o medieval � anti-her�tica e n�o anti-judaica, voltando-se
prioritariamente para os crist�os-velhos desviantes. N�o significa que o
antijuda�smo n�o era forte naquele momento. Pelo contr�rio. � um per�odo em que
pogroms e expuls�es de judeus s�o comuns, atos estes embasados em mitos
antijudaicos, insuflados pela Igreja (Pedro, O Vener�vel escreveu um tratado,
conhecido como �Contra os Judeus), que tinham grande ader�ncia entre a popula��o.
Filipe Augusto expulsou judeus da Fran�a e o Conc�lio de Latr�o IV, por exemplo,
instituiu vestimentas especiais para os judeus, como forma de distin��o dos
crist�os. Mas, em primeiro lugar, � necess�rio entender que, na grande maioria das
vezes, os judeus foram julgados pelos seus �crimes� diretamente pelo bra�o secular
(ainda que a Igreja n�o deixasse de ter um papel central, a exemplo de Latr�o IV),
j� que, como n�o eram crist�os, n�o poderiam ser julgados pelo tribunal e acusados
de heresia. De modo mais geral, judeus convertidos ao cristianismo � que eram
julgados pelo tribunal da inquisi��o, geralmente acusados de judaiza��o.

Mas ser� que nenhum judeu n�o convertido foi perseguido pela inquisi��o? � um erro
pensar assim. Entre os s�culos XI e XIII, em meio aos cada vez mais anti-judaicos
discursos de eclesi�sticos, o juda�smo �, em in�meros casos, assemelhado a uma
heresia e, por mais que a inquisi��o n�o tivesse jurisdi��o sobre os judeus n�o
convertidos de modo geral, passou a ter, a n�vel de casos mais espec�ficos, sobre
os judeus que fossem considerados suspeitos ou acusados de ajudar hereges ou
promover doutrinas judaicas entre crist�os, os levando, deste modo, � heresia.
Entretanto, este ainda n�o � o momento para caracterizar a inquisi��o como sendo
anti-judaica, j� que a maioria dos casos de heresia envolveram crist�os-velhos.
A inquisi��o anti-judaica vai ganhar for�a na Pen�nsula Ib�rica, j� no per�odo
moderno, quando ela ter� o seu apogeu, devido � exist�ncia de grandes comunidades
judaicas. Estas comunidades, que por muito tempo viveram em clima de relativa
toler�ncia com a comunidade crist� e mu�ulmana (enquanto esta �ltima ainda era
dominante), com o levantamento da unidade pol�tica de Castela e Arag�o e a alega��o
da tamb�m necess�ria unidade religiosa, passam a ser alvos de pol�ticas de
convers�o for�ada. H� progressivamente o aprofundamento de um sentimento de
hostilidade contra aqueles que n�o s�o crist�os, alimentado pela necessidade de
restabelecer a �ordem g�tica� (como diz Pierre Guichard) de um �povo� sob uma f�
(crist�), no per�odo da Reconquista contra os mu�ulmanos.
Somente por meio da convers�o, os judeus e a tradicional burguesia judaica (que j�
era confrontada pela ascens�o da burguesia crist� e culpada pelos problemas socais,
conflito este explorado pela Igreja) poderiam manter seus direitos e posi��es. E
foi o que muitos fizeram. Mas num momento em que a Espanha passa por dificuldades,
como a guerra e a peste, h� a necessidade de localizar um bode expiat�rio. �Os
conversos ou crist�os-novos s�o acusados de usurparem as melhores posi��es e
empestarem, com a heresia judaica, toda a Espanha� (NOVINSKY, p.27). Mesmo
convertidos, os judeus s�o alvos de persegui��o, pois passavam a ser vistos como
infi�is.
Al�m da desconfian�a em cima dos conversos (sempre havia a suspeita que continuavam
a praticar o juda�smo, sendo falsos crist�os), que resultava em massacres, como o
que ocorreu em Toledo em 1449, houve tamb�m a cria��o de uma legisla��o racista na
Pen�nsula Ib�rica baseada na pureza de sangue, adotadas pelas corpora��es
profissionais. A determina��o era que nenhum descendente de judeu at� a sexta
gera��o poderia pertencer �s corpora��es de com�rcio, entrar em universidades,
entrar em ordens militares. Eram realizados exames para confirmar. A Igreja aprovou
tal legisla��o e os Reis Cat�licos convidam a atua��o da inquisi��o na Espanha,
para os casos em que crist�os novos ocupavam cargos de forma ilegal ou praticavam
secretamente o juda�smo. Havia assim a busca de elimina��o daquilo que foi
considerado como �heresia judaica�, por meio de propaganda eclesi�stica anti-
judaica, que buscava estabelecer a �purifica��o da f�, em coopera��o com as
ambi��es da burguesia crist�, levando muitos judeus �s fogueiras.
Assim, a respeito dos movimentos her�ticos, pode-se concluir com o que diz Anita
Novinsky: �O ideal da Igreja era manter a unidade da doutrina, que nesse tempo
ainda se encontrava fraca para enfrentar dissid�ncias. O questionamento a que
estava exposta ent�o a religi�o produziu diversos problemas do bem e do mal, da
natureza do homem e da Igreja, sobre a pr�pria conduta da vida e sobre o fim do
homem. Criaram-se assim numerosas seitas, que alarmaram os defensores da ortodoxia,
levando-os a se lan�arem numa verdadeira cruzada pela purifica��o da f�.� (p.18).

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