Fredie Didier JR

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Fonte Normativa da Legitimação Extraordinária

no Novo Código de Processo Civil: a Legitimação


Extraordinária de Origem Negocial1

Fredie Didier Jr.*

Sumário
1. Conceito de Legitimação Extraordinária. 2. Fonte Normativa da Legitimação
Extraordinária. 3. Legitimação Extraordinária Ativa de Origem Negocial. 4.
Legitimação Extraordinária Passiva de Origem Negocial. 5. O Chamamento à Autoria
como Exemplo Histórico de Legitimação Extraordinária de Origem Negocial. 6.
Legitimação Extraordinária de Origem Negocial e Pendência do Processo.

Resumo
Este ensaio tem por objetivo defender que o projeto de novo CPC permitirá
que, por um negócio jurídico, se atribua legitimação extraordinária.

Abstract
This paper aims to demonstrate that the new Civil Procedure Code allows the
rules of standing to be extended through an agreement.

Palavras-chave
Legitimação extraordinária. Negócio jurídico.

Keywords
Extension of standing. Private agreement.

* Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e Mestre (UFBA).


Professor-associado de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia. Diretor Acadêmico da
Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-
americano de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual e da Associação
Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico. www.frediedidier.com.br.
facebook.com/FredieDidierJr.
1
Publicado na Revista de Processo, São Paulo, RT, 2014, n. 232.

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Fredie Didier Jr.

1. Conceito de Legitimação Extraordinária


A principal classificação da legitimação ad causam é a que a divide em
legitimação ordinária e legitimação extraordinária. Trata-se de classificação que se
baseia na relação entre o legitimado e o objeto litigioso do processo.
Há legitimação ordinária quando houver correspondência entre a situação
legitimante e as situações jurídicas submetidas à apreciação do magistrado.
“Coincidem as figuras das partes com os polos da relação jurídica, material ou
processual, real ou apenas afirmada, retratada no pedido inicial”. 2 Legitimado
ordinário é aquele que defende em juízo interesse próprio. “A regra geral da
legitimidade somente poderia residir na correspondência dos figurantes do
processo com os sujeitos da lide”. 3
Há legitimação extraordinária (legitimação anômala ou substituição
processual) quando não houver correspondência total entre a situação legitimante
e as situações jurídicas submetidas à apreciação do magistrado. Legitimado
extraordinário é aquele que defende em nome próprio interesse de outro sujeito de
direito.
É possível que, nestes casos, o objeto litigioso também lhe diga respeito,
quando então o legitimado reunirá as situações jurídicas de legitimado ordinário
(defende direito também seu) e extraordinário (defende direito também de outro);4 é
o que acontece, p. ex., com os condôminos, na ação reivindicatória da coisa comum,
art. 1.314 do Código Civil. Enfim, na legitimação extraordinária confere-se a alguém
o poder de conduzir processo que versa sobre direito do qual não é titular ou do
qual não é titular exclusivo.
Há legitimação extraordinária autônoma quando o legitimado extraordinário
está autorizado a conduzir o processo independentemente da participação do titular
do direito litigioso. “O contraditório tem-se como regularmente instaurado com a só
presença, no processo, do legitimado extraordinário”.5 É o caso da administradora
de consórcio, que é substituta processual do grupo de consórcio (sociedade não
personificada), nos termos do art. 3º da Lei n. 11.795/2008.

2. Fonte Normativa da Legitimação Extraordinária


A legitimação extraordinária deve ser encarada como algo excepcional e
deve decorrer de autorização do ordenamento jurídico, conforme prevê o art. 18 do
novo CPC brasileiro – não mais da “lei” como exige o art. 6º do CPC–736.

2
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 1979, p. 117.
3
ASSIS, Araken de. “Substituição processual”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética,
2003, n. 09, p. 12.
4
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, p. 119-120.
5
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação
extraordinária”. Em: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, 1969, n. 404, p. 10.
6
Art. 6º, CPC/1973: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado
por lei”.

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O NCPC adotou a lição de Arruda Alvim7, Barbosa Moreira e 8 Hermes Zaneti


Jr.9 segundo os quais seria possível a atribuição de legitimação extraordinária sem
previsão expressa na lei, desde que seja possível identificá-la no ordenamento
jurídico, visto como sistema. A inspiração legislativa é clara.
Há inúmeros exemplos de legitimação extraordinária que decorre da
lei: i) legitimação para as ações coletivas (art. 5º da Lei n. 7.347/1985; art. 82 do
CDC); ii) legitimação para a propositura das ações de controle concentrado de
constitucionalidade (art. 103, CF/1988); iii) legitimação para impetração do mandado
de segurança do terceiro titular de direito líquido e certo que depende do exercício
do direito por outrem (art. 3º, Lei n. 12.016/2009); iv) legitimação do denunciado à lide
para defender os interesses do denunciante em relação ao adversário comum (arts.
127-128, NCPC); v) legitimação do Ministério Público para o ajuizamento de ação de
investigação de paternidade (art. 2º, §4º, Lei n. 8.560/1992); vi) legitimação do capitão
do navio para pedir arresto, para garantir pagamento do frete (art. 527 do Código
Comercial); vii) legitimação do credor e do Ministério Público para propor ação
revocatória falimentar – substituem a massa falida (art. 132 da Lei n. 11.101/2005); viii)
legitimação para impetração do habeas corpus (art. 654 do Código de Processo Penal);
ix) legitimação do representante da entidade onde está abrigado o interditando para
a ação de interdição (art. 746, III, NCPC); x) credor solidário para a ação de cobrança ou
de execução da obrigação solidária (art. 267 do Código Civil) etc.
Sob a vigência do CPC/1973, é pacífico o entendimento de que não se admite
legitimação extraordinária negocial:10 por um negócio jurídico, não se poderia atribuir
a alguém a legitimação para defender interesses de outrem em juízo. Isso porque
o art. 6º do CPC/1973 reputa a lei, e apenas ela, a fonte normativa de legitimação
extraordinária.
O art. 18 do NCPC exige, para atribuição da legitimação extraordinária,
autorização do “ordenamento jurídico”, e não mais da lei. Além disso, o art. 189 do
NCPC consagrou a atipicidade da negociação processual – o tema foi tratado no
capítulo sobre a teoria dos fatos jurídicos processuais. Negócio jurídico é fonte de
norma jurídica, que, por isso mesmo, também compõe o ordenamento jurídico11.
Negócio jurídico pode ser fonte normativa da legitimação extraordinária.

7
Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1975, vol. 1, p. 426. Nesse sentido, também, NERY Jr.,
Nelson; NERY, Rosa. Código de Processo Civil comentado. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 190.
8
“Notas sobre o problema da efetividade do processo”. Temas de Direito Processual Civil – terceira série. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 33, nota 7.
9
ZANETI Jr., Hermes. “A legitimação conglobante nas ações coletivas: a substituição processual decorrente
do ordenamento jurídico”. In: Araken de Assis; Eduardo Arruda Alvim; Nelson Nery Jr.; Rodrigo Mazzei;
Teresa Arruda Alvim Wambier; Thereza Alvim (Coord.). Direito Civil e processo: estudos em homenagem
ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 859-866.
10
NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa. Código de Processo Civil comentado. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 190;
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São
Paulo: RT, 2008, p. 101.
11
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. João Baptista Machado (trad.) 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000, p. 284-290; PEDROSO, Antonio Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas – teoria e
aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 21-24; 35-43.

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Este negócio jurídico é processual, pois atribui a alguém o poder de conduzir


validamente um processo.
Não há, assim, qualquer obstáculo a priori para a legitimação extraordinária
de origem negocial. E, assim sendo, o direito processual civil brasileiro passará a
permitir a legitimação extraordinária atípica, de origem negocial.
Mas é preciso fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, a solução do problema é diversa, se se tratar de legitimação
extraordinária ativa ou passiva.

3. Legitimação Extraordinária Ativa de Origem Negocial


A negociação sobre legitimação extraordinária ativa é mais simples e não
exige nenhum outro requisito, além dos exigidos para os negócios processuais em
geral.
A negociação pode ser para transferir ao terceiro a legitimidade ou apenas
para estender a ele essa legitimidade.
É possível a ampliação da legitimação ativa, permitindo que terceiro também
tenha legitimidade para defender, em juízo, direito alheio. Cria-se, aqui, uma
legitimação extraordinária concorrente.
É possível, também, negociação para transferir a legitimidade ad causam para
um terceiro, sem transferir o próprio direito, permitindo que esse terceiro possa ir a
juízo, em nome próprio, defender direito alheio – pertencente àquele que lhe atribui
negocialmente a legitimação extraordinária. Nesse caso, teremos uma legitimação
extraordinária exclusiva decorrente de um negócio jurídico: somente esse terceiro
poderia propor a demanda. Não há óbice algum: se o titular do direito pode transferir
o próprio direito ao terceiro (“pode o mais”), pode transferir apenas a legitimidade ad
causam, que é uma situação jurídica que lhe pertence (“pode o menos”).
Essa transferência implica verdadeira renúncia dessa posição jurídica,
por isso há de ser interpretada restritivamente (art. 114 do Código Civil). Assim,
no silêncio, o negócio há de ser interpretado como se o sujeito apenas quisesse
estender a legitimação ativa, e não transferi-la.
A negociação assumirá nuances diversas, se se tratar de legitimação para
a defesa de direito relativo (sujeito passivo determinado; direito de crédito, por
exemplo) ou para a defesa de direito absoluto (sujeito passivo indeterminado;
propriedade intelectual, por exemplo).
No primeiro caso, é razoável aplicar, por analogia, algumas regras sobre a
cessão de crédito (arts. 286-296, Código Civil). Não apenas pelo dever de informar,
dever anexo decorrente do princípio da boa-fé contratual. Em certa medida, a
transferência da legitimidade para cobrar a prestação devida é uma transformação
do conteúdo de um contrato: fez-se o negócio com a informação de que determinada
pessoa, e apenas ela, iria a juízo discutir eventual inadimplemento.

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Assim, a atribuição negocial de legitimação extraordinária é ineficaz em


relação ao futuro réu, se este não for notificado; “mas por notificado se tem o
devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”
(art. 290 do Código Civil, aplicado por analogia). Aceita-se, ainda, qualquer meio de
prova da notificação12; o que o art. 290 do Código Civil faz é presumi-la nesses casos.
Demais disso, todas as defesas que o réu poderia opor ao legitimado ordinário poderá
opor ao legitimado extraordinário negocial (art. 294 do Código Civil, aplicado por
analogia)13. O futuro réu tem o direito de ser cientificado do negócio, embora não
faça parte dele nem precise autorizá-lo.
No caso de legitimação extraordinária para direitos absolutos, não há
qualquer necessidade de notificação do futuro réu, que, de resto, é desconhecido,
pois será aquele que vier a praticar o ilícito extracontratual. O réu não faz parte do
negócio processual e nem precisa dele tomar ciência. Até porque não se sabe quem
será o réu. Aquele que violar o direito absoluto poderá ser demandado por quem
tenha legitimação para tanto, ordinária ou extraordinária.
Um exemplo pode ajudar. Imagine uma negociação empresarial em que
uma sociedade transfere para outra sociedade a totalidade da sua participação
societária em uma terceira sociedade (objeto do negócio). Mas não há transferência
da titularidade das patentes de que essa terceira sociedade (objeto do negócio) era
proprietária. Embora não transfira a propriedade das patentes, a vendedora atribui
à compradora a legitimidade de defender essas patentes em juízo. Legitimação
extraordinária, portanto: a empresa compradora defenderá em juízo as patentes da
empresa vendedora14.
Outro exemplo. Nos Juizados Especiais, o comparecimento do autor, à
audiência de conciliação, é obrigatório; se o autor não comparecer, o processo
é extinto sem exame do mérito (art. 51, I, Lei n. 9.099/1995). Há pessoas que têm
sérias dificuldades de comparecer à audiência de conciliação, mas são obrigadas
a isso. Basta pensar em pessoas idosas, ou muito doentes, ou com dificuldades
de locomoção, ou cuja profissão exige viagens constantes etc. É comum que
pessoas muito doentes se valham dos Juizados para obter providência de urgência
relacionada ao direito à saúde; ela está acamada e não tem como comparecer
à audiência; muitas vezes a solução é simplesmente adiar sine die a realização da
audiência, tudo para cumprir o disposto na Lei dos Juizados, que, nesse aspecto,
dificulta o acesso à justiça. Pois a legitimação extraordinária negocial resolveria esse
problema: o legitimado extraordinário não só compareceria à audiência, como
autor, como também conduziria todo o restante do processo.

12
Como bem apontou Antonio do Passo Cabral, em conversa travada com o autor.
13
Art. 294 do Código Civil: “O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem
como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente”.
14
Ao que parece, foi isso o que aconteceu na venda da Motorola pelo Google à Lenovo: Google ficou
com as patentes da Motorola, mas permitiu que a Lenovo, que passaria a ser dona da Motorola,
pudesse defendê-las em juízo (http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/google-apple-o-resto-
11495305?topico=pedro-doria.)

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É importante lembrar: o negócio é para a transferência de legitimação ad


causam ativa. Não se cuida de transferência do direito – não se trata, portanto, de
cessão de crédito. Não há transferência da situação jurídica material, enfim.

4. Legitimação Extraordinária Passiva de Origem Negocial


Bem diferente é a atribuição negocial de legitimação extraordinária passiva.
Não pode o futuro réu transferir sua legitimação passiva a um terceiro. Ou seja,
não pode o réu, permanecendo titular de uma situação jurídica passiva (um dever
obrigacional, por exemplo), atribuir a um terceiro a legitimação para defender seus
interesses em juízo. Seria uma espécie de fuga do processo, ilícita por prejudicar o
titular da situação jurídica ativa (o futuro autor). Não se admite que alguém disponha
de uma situação jurídica passiva por simples manifestação de sua vontade.
Nada impede, porém, que o futuro autor participe desse negócio processual
e concorde com a atribuição de legitimação extraordinária passiva a um terceiro.
Preenchidos os requisitos gerais da negociação processual, não se vislumbra
qualquer problema: o sujeito concordou em demandar contra esse terceiro, que
defenderá em juízo interesses de alguém que concordou em lhe atribuir essa
legitimação extraordinária. Aplica-se aqui, por analogia, a regra da assunção de
dívida, permitida com a concordância expressa do credor (art. 299 do Código Civil)15.
Pode o futuro réu, no entanto, ampliar a legitimação passiva, atribuindo a
terceiro legitimação extraordinária para defender seus interesses em juízo. Nesse
caso, não há qualquer prejuízo para o autor, que nem precisa ser notificado dessa
negociação. Isso porque, havendo legitimação passiva concorrente, escolherá o
autor contra quem quer demandar. A ampliação dos legitimados passivos somente
beneficia o autor. A notificação do futuro autor é, na verdade, um ônus do futuro
réu: é do seu interesse que o futuro autor saiba que pode propor a demanda contra
uma terceira pessoa.
Um exemplo. Pode o locador atribuir à administradora do imóvel, com quem
mantém contrato, a legitimação extraordinária para também poder ser ré em ação
de revisão do valor dos alugueres ou de ação renovatória.
A ampliação da legitimação passiva, com a atribuição de legitimação
extraordinária a um terceiro, não permite que qualquer dos possíveis réus, uma vez
demandado, chame ao processo (arts. 130-132, CPC) o outro legitimado. Há, aqui, apenas
colegitimação; não há, nesse caso, solidariedade passiva na obrigação discutida.
É importante lembrar: o negócio é para ampliação de legitimação ad causam
passiva. Não se cuida de transferência da dívida – não se trata, portanto, de assunção
de dívida. Não há transferência da situação jurídica material, enfim.

15
Art. 299 do Código Civil: “É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento
expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era
insolvente e o credor o ignorava”.

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Nada impede que os contratantes insiram no contrato cláusula que vede a


transferência ou ampliação da legitimação ad causam.

5. O Chamamento à Autoria como Exemplo Histórico de Legitimação


Extraordinária de Origem Negocial
Legitimação extraordinária negocial não é novidade em nossa história.
No CPC/1939 havia uma hipótese típica de negócio processual, em que se
atribuía a alguém a legitimação extraordinária para a defesa de direito de outrem
em juízo. Isso acontecia no chamamento à autoria. Uma parte convocava um terceiro
para sucedê-la em juízo; se esse terceiro aceitasse essa provocação, haveria sucessão
processual: eis o negócio processual.
O chamamento à autoria era espécie de intervenção de terceiro que existia
à época. A parte chamava o terceiro que lhe havia transferido a coisa ou o direito
real, que era objeto do processo; se esse terceiro-chamado aceitasse o chamamento,
assumiria a causa, no lugar do chamante, para defender os interesses deste em juízo.
O chamamento à autoria poderia redundar, então, em uma sucessão processual,
com a troca de sujeitos do processo, transformando-se o terceiro em parte para a
defesa dos interesses da parte que provocou a sua intervenção (art. 95, §1º, e art. 97,
CPC/1939)16.
A situação aí era ainda mais grave, pois, feito o chamamento pelo réu, o autor
era obrigado a demandar contra o legitimado extraordinário passivo (chamado),
caso ele aceitasse o chamamento à autoria (art. 97, parte inicial, CPC/1939).

6. Legitimação Extraordinária de Origem Negocial e Pendência do


Processo
A atribuição de legitimação extraordinária negocial, durante o processo já
instaurado, somente é possível com a concordância de ambas as partes. Isso porque
haveria sucessão processual, caso houvesse a mudança negocial do legitimado.
Esse fenômeno está regulado pelo art. 109 do NCPC, que exige o consentimento
de todos.

16
Art. 95 do CPC/1939: “Aquele que demandar ou contra quem se demandar acerca de coisa ou direito
real, poderá chamar à autoria a pessoa de quem houve a coisa ou o direito real, afim de resguardar-se
dos riscos da evicção. §1º Se for o autor, notificará o alienante, na instauração do juízo, para assumir a
direção da causa e modificar a petição inicial.” Art. 97 do CPC/1939: “Vindo a juízo o denunciado, receberá
o processo no estado em que este se achar, e a causa com ele prosseguirá, sendo defeso ao autor litigar
com o denunciante”.

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