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Resumo – A Ciência Política enquanto investigação acurada das instituições, das formas de
governo, dos sistemas partidários, das relações entre o Estado e a sociedade civil, é um ramo
recente do saber objetivo. Todavia, as reflexões sobre a política remontam à antiguidade.
Filósofos como Platão e Aristóteles edificaram contribuições indeléveis ao pensamento
ocidental. A presente revisão acalenta como objetivo o delineamento das ideias políticas de
Platão textualizadas na obra A República e das ideias políticas de Aristóteles registradas na obra
A Política. Mestre e discípulo descortinam as questões políticas em sua associação com as
questões éticas e epistemológicas. Alicerçados nas obras dos autores citados e de comentadores
contemporâneos, selecionadas pela pertinência de seu conteúdo ao tema, em idioma português,
a revisão conclui a relevância do estudo dos filósofos clássicos da antiguidade para
compreendermos o percurso das discussões da ciência política.
Palavras-chave: Filosofia aristotélica. Filosofia platônica. Formas de governo. Justiça.
República.
Introdução
O pensador alemão Karl Marx (1988) frisou a mediação entre a realidade sensível dos
homens e as ideias. Nessa perspectiva, a conformação socioeconômica da Antiguidade grega,
nos séculos VI e V a.C., embasou um novo horizonte cultural, de conhecimento político e
artístico. A cidade-estado de Atenas2 foi, por um encadeamento complexo de fatores, palco da
1
Docente EBTT do Campus Inconfidentes, do Instituto Federal do Sul de Minas. Mestre em Sociologia pelo
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorando no
Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). *[email protected]. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1621-0216.
2
A sociedade grega apresentou, na Antiguidade, uma singular organização política: uma miríade de cidades-
Estado, com particularidades no regime governamental (algumas oligarcas, outras aristocratas, outras tirânicas, e
Atenas democrática). Ganhou notoriedade posterior a diferença, e mesmo rivalidade, entre Atenas e Esparta. Cada
cidade-Estado jactanciosa de sua especificidade, de suas tradições, seus deuses e seus heróis.
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germinação de nova forma de conhecimento, a Filosofia3, e de nova ordenação governamental,
a Democracia.
Os primeiros filósofos voltaram sua preocupação para o cosmos, por isso, foram
denominados de filósofos da natureza. A “filosofia da natureza” ou “pré-socrática” significou
uma verdadeira ruptura com a visão mitológica do mundo4. Quando passamos dos “filósofos
da natureza” para Sócrates verificamos uma mudança essencial em todo o projeto filosófico:
ênfase no homem (em comparação com o universo). A partir de Sócrates emerge, como reflexão
capital, a questão da Ética. Sócrates faz da arte da conversação o principal instrumento de sua
busca. Em seus diálogos almeja conhecer a essência das coisas; presta-se às questões de ordem
moral.
Prado Jr. (1989), Abrão (2011), Chauí (2002) e Marcondes (2010) indicam que a imagem
comumente aceita de Sócrates é aquela traçada por seu discípulo Platão. Platão (428-347 a.C.)
foi quem conferiu à filosofia a sua primeira e grande sistematização. Todas as questões dos
filósofos pioneiros, os chamados “pré-socráticos”, encontram desdobramentos em sua filosofia.
Até as questões sobre os valores humanos, passando pelos rigorosos estudos matemáticos dos
pitagóricos, que constituíram os temas do pensamento ocidental, encontram-se não apenas
sintetizados, mas também colocados em novos termos por ele (PRADO JÚNIOR, 1989). No
interior de monumental edifício do saber filosófico, Platão nunca deixou de ser um obcecado
pela política: “Para ele, o conhecimento estava em função de sua filosofia que, no limite, era
uma filosofia política” (GHIRALDELLI JR., 2010, p. 16).
Na obra A República, descreve o estado ideal, ou seja, imagina um Estado-modelo, ou
ainda aquilo que chamamos de Estado utópico. O diálogo, na ótica de Paviani (2003) e Oliveira
(2014), orienta-se na direção da busca da Justiça como Ideia, transcendente às manifestações
injustas do mundo sensível, despida das preocupações mesquinhas de mero exercício e
aplicação tendenciosa do poder político.
As reservas e refutações ao platonismo atravessaram os séculos, escorrendo em leitos
pouco ou muito férteis. Crítica contundente à metafísica platônica é encontrada num dos
grandes demolidores de valores do século XIX, o alemão Nietzsche (2005, 2014). Porém, o
primeiro combate ao platonismo foi protagonizado por outro edificador de complexo sistema
filosófico, seu discípulo Aristóteles (2005, 2016, 2012, 1991).
Para Aristóteles, a Filosofia é divina em dois sentidos: a) porque ela é a ciência que os
deuses possuem em mais alto grau; b) porque tem como objeto as coisas divinas. Somente a
contemplação desinteressada nos aproxima das coisas celestes. Assim, o filósofo é movido pelo
desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações e a vida.
Na visão de Aristóteles (2005) o homem é um animal político – zoón politikón – que vive
naturalmente em sociedade. A expressão maior dessa sociedade política é o Estado (a mais alta
espécie de comunidade e tem por objetivo o bem mais elevado). O Estado garante as leis e, sem
lei, o homem é o pior dos animais. Na seara do pensamento político, diferentemente de Platão,
3
Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V antes de Cristo) a invenção da palavra
filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem
desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. A palavra filosofia, na apresentação de Chauí (2002) e Russel (1957) é
composta pela junção de duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor
fraternal, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia
significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo é o amante da sabedoria, aquele
que tem amizade pelo saber, que deseja saber.
4
No parecer de Chauí (2002) e Reale (1993), homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Parmênides,
Heráclito e Demócrito deram os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar, empenharam-se
num esforço desinteressado para compreender o mundo. Procuraram descobrir leis naturais que fossem eternas.
Buscaram a chamada substância primordial, origem, conteúdo e finalidade de todos os corpos e seres, além de
pensarem o movimento e a imutabilidade. São os representantes da filosofia da natureza.
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Aristóteles se pauta pela verificação da realidade e não pela idealização: constrói uma tipologia
das formas de governo com base em informações colhidas sobre 158 organizações políticas.
A presente revisão bibliográfica, longe de adotar julgamentos axiológicos sobre as obras
em apreço, objetiva delinear alguns de seus traços que atentem para suas contribuições à
Ciência Política e para a compreensão das definições de justiça e virtude. Com este propósito,
estrutura-se a exposição em três momentos: 1) explanação sucinta e geral de aspectos
biográficos e teóricos de Platão e abordagem da obra A República; 2) exploração resumida do
pensamento aristotélico e análise da obra A Política; 3) considerações finais.
Materiais e métodos
Na realização desta revisão foi efetuado o levantamento de obras de autores estrangeiros
e nacionais que abordaram o pensamento e a vida dos filósofos gregos Platão e Aristóteles. A
discriminação das obras se baseou nos seguintes critérios: a) a pertinência para a compreensão
do pensamento político da antiguidade clássica; b) a existência dessas obras no idioma
português. Além das obras de comentaristas, foram pesquisadas e citadas obras dos próprios
autores, todas com tradução em português. O universo de pesquisa, leitura e citação consta de
30 obras, 1 dissertação de mestrado e 1 artigo em revista científica.
Resultados e discussões
Platão: o primado da teoria
Rebento de família influente na sociedade ateniense, Aristócles nasceu em 428 a.C. Na
juventude, combinou ginástica e estudos. Foi premiado, duas vezes, como lutador nos jogos
ístmicos. Na arena, durante os combates, em alusão à compleição física, a posse de ombros
largos, utilizava o nome de Platão (STRATHERN, 1997). Encontrou, à sombra de Sócrates,
atmosfera fértil para a germinação de suas reflexões (CASERTANO, 2014).
A ampla tutoria e estreita relação entre Sócrates e o pupilo, enveredando por favoritismo
entre os demais discípulos, marcou profundamente a carreira posterior de Platão. A morte do
mestre, condenado e morto em 399 a.C., foi o catalisador do afastamento das preocupações
mundanas e sensíveis, como a política prática, e do devotamento à busca da verdade: o
devotamento e louvor à verdadeira filosofia, a crença de que somente à sua luz se pode
reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada (ABRÃO, 2011;
CASERTANO, 2014)5.
Desiludido, Platão abandona o ideal de participação política alimentado desde a juventude
(PLATÃO, 1991). O sacrifício das liberdades individuais em nome da disciplina e da ordem
social e todas as demais deficiências do regime democrático ateniense despertaram, no filósofo,
desapreço pelos políticos de seu tempo. Fez da crise política da cidade um tema de reflexão.
Após a morte do mestre, abandona Atenas e empreende várias viagens, permanecendo
longos anos longe do torrão natal. Retorna a Atenas e, em 386 a.C., compra um lote de terras
nos Jardins de Academos, onde erige sua escola, a Academia6, desenvolvendo seus estudos. A
Academia não é uma instituição escolar no sentido moderno. É antes uma espécie de irmandade,
com certas conotações religiosas, em que se discute livremente a respeito de temas como
5
Sócrates, com suas inquirições, sua perplexidade e sua ironia, tornara-se mordaz acusador das contradições e
iniquidades vigentes na política ateniense. Sócrates pôs o dedo na ferida da própria Atenas, que mergulhara em
vícios e na corrupção, e fingia ser justa. Os poderosos decidem condená-lo. O pretexto foi o de ofender os deuses
da cidade e de corromper a juventude. Submetido ao Tribunal, foi condenado a ingerir veneno. A defesa que
Sócrates faz de si próprio, relatada por Platão (1988), é um libelo contra os que o julgam. Altivo não pede
clemência. Sua morte é decretada a contragosto (CHAUÍ, 2000).
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Espelhado na experiência de Platão, o Ocidente convencionou usar a qualificação de acadêmico para todo o
indivíduo que se dedica às atividades de estudo e pesquisa, e vida acadêmica para vida universitária.
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matemática, música e astronomia, além de questões propriamente filosóficas. Na entrada, um
lema indica a inspiração pitagórica: “Não entre quem não saiba geometria” (ABRÃO, 2011).
Oliveira (2014), Paviani (2003), Batagello (2005) e Blackburn (2008) assinalam que o
abandono da política enquanto prática significou, em Platão, a opção radical pela teoria.
Procurou, em suas reflexões, um fundamento sólido para a conduta humana. Postulou a
necessidade do afastamento do mundo sensível, da vivência prática das ações humanas e das
opiniões ligadas a essas ações. É preciso olhar para um outro lugar onde se possa encontrar a
Verdade, para fazer dela matéria de contemplação, de conhecimento (Theoria):
Aquilo de que Platão se ocupa, em continuação aos pensadores que o precederam, e
que constitui o problema essencial e fundamental de sua obra, contribuição máxima
para a cultura, são o pensamento e o Conhecimento tal como nós hoje conceituamos
(PRADO JÚNIOR, 1989, p. 38).
Mas, se somente a teoria pode fornecer critérios para as ações humanas, em que basear
esses critérios? Na teoria mesma. Chauí (2002) considera que, por isso, Platão é levado a
desenvolver um pensamento sistemático, coerente, que enfrenta todas as dificuldades com seus
próprios recursos. A possibilidade do conhecimento teórico que se autofundamente e que
proclame sua validade unicamente pela força de suas demonstrações é dada pelo método que
Platão denomina “dialética” (PLATÃO, 1965b). A dialética é considerada como a ciência
suprema. No método dialético, dos diálogos protagonizados por Sócrates7, apresentam-se teses
que são contrapostas por antíteses. Da depuração dos elementos verdadeiros da tese e da antítese
nasce uma nova verdade, a síntese, fruto do consenso. Vai se formando um novo conhecimento
que, em vez de mero consentimento, é uma autêntica unanimidade de pensamento, pois as
conclusões a que se chega são incontestáveis e não admitem nenhuma outra solução. Desse
modo, de passo em passo, o pensamento separa o que é aparente do que é essencial (PAVIANI,
2003).
A origem das coisas: cosmologia platônica e o mundo perfeito das Ideias
Platão, na sua aversão odienta à educação baseada em Homero, na recusa à mitologia,
direciona o reforço da filosofia como cosmologia8, isto é, uma explicação racional sobre as
origens do mundo e sobre as causas das transformações e repetições das coisas. E é justamente
nessa empreitada que o filósofo apresenta o pilar mestre de sua obra: a separação entre o mundo
sensível, da matéria, mutável, imperfeito e corrupto e o mundo perfeito, harmônico,
incorruptível das Ideias. Nessa separação encontra a fundamentação da mudança e da
permanência, dos vícios e das virtudes, da ignorância e da sabedoria, da política corrompida e
da sublime arte do bem coletivo, da justiça.
No diálogo Timeu, Platão (2011) supõe a existência de três esferas ou dimensões: um
deus, o demiurgo (“fabricante” ou “artesão”), que, contemplando a beleza das ideias ou fôrmas
tratou de reproduzi-las manuseando a matéria. Tomou então disponível algo como o Caos
inicial da mitologia, e foi modelando, à semelhança das ideias, todos os seres do mundo. A obra
é perfeita, o arquiteto é perfeito e sublime, porém, há que se considerar a imperfeição do
material empregado.
A obra criadora segue uma hierarquia, iniciando pela esfera celestial e finalizando na
esfera terrestre. O demiurgo constitui todas as formas na sua proporção, as formas e seres
7
Enquanto sujeito histórico e filosófico, senhor de suas perguntas, Sócrates produzia um saber negativo: levava
seus interlocutores a saber que nada sabiam. Enquanto personagem dos Diálogos platônicos, Sócrates vai além da
desconstrução e da ironia e produz um saber positivo. Os Diálogos cumprem esse objetivo.
8
Na arguição de Bloom (2009), Platão recusa o sistema homérico, empreende um esforço hercúleo para o
desmoronar. Elabora uma cosmologia em oposição à mitologia. COSMOS significa mundo ordenado e organizado,
e LOGIA significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Portanto, a Filosofia nasce como
conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza (CHAUÍ, 2002).
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divinos, e, depois, incumbe os seres celestiais de criarem os homens, estabelecendo o intelecto
na alma e a alma no corpo (PLATÃO, 2011).
O mundo sensível, o Outro seria uma cópia imperfeita do Mesmo, do mundo das Ideias.
Essa construção faz sua aparição na obra A República. Ao apresentar o mundo material como
aquilo que devém e se corrompe, Platão rebaixa os sentidos, apontando-os como incapazes de
alcançarem a Verdade. O mundo da política, da vã glória, dos enriquecimentos, dos conchavos,
das negociações, das perseguições, das punições injustas, das iniquidades seria fruto de uma
interpretação equivocada do que seja justiça. Foi com o objetivo de alcançar esse conhecimento
que apresentou a sociedade política ideal. Ela está num plano transcendente, no universo das
Ideias de Justiça e de Bem, “no cume das quais está o objeto último de um tipo especial de
conhecimento independente dos sentidos” (BLACKBURN, 2008, p. 21).
Em suas análises, Russel (1957), Chauí (2000, 2002) e Marcondes (2010) atestam que,
para Platão, da mesma forma que a realidade está dividida em duas partes – mundo sensível e
mundo das ideias –, o homem também seria um ser dual: possuidor de um corpo que “flui” e
que está ligado ao mundo dos sentidos, e de uma alma, que é a morada da razão. A alma
participa do mundo das ideias: é imaterial, incorpórea e impalpável. Constitui, portanto, o elo
da ligação com o mundo inteligível. Através da alma, da razão, o homem pode atingir o
conhecimento da essência.
A obra A República orienta-se nesta direção, na busca da Justiça como Ideia,
transcendente às manifestações injustas do mundo sensível. A República
é a concepção de que a polis é um organismo moral e, por conseguinte, uma
comunidade de caráter fundamentalmente ético, de forma que a finalidade suprema
visada pela sua constituição deve ser a realização da justiça e da virtude, e não a
simples consecução de objetivos materiais como a segurança, o bem estar, a produção
de riquezas, etc. Ora, para se realizar a justiça e a virtude, é preciso, antes de qualquer
outra coisa, conhecê-las, vale dizer, apreender qual é a sua verdadeira natureza
(physis), o que desemboca na conclusão de que a realização do télos supremo da
cidade depende de um saber (OLIVEIRA, 2014, p. 33)
Na definição da Justiça em sua cidade ideal, Calípolis, ou Bela Cidade, Platão argumenta
que as camadas populares, de alma de bronze e ferro, serão jungidas às atividades laborais,
livres para se entregarem a certas posses e vida doméstica; educadas, porém, na temperança, de
modo a submeter ou controlar os apetites inferiores em prol da conservação ou alimentação do
todo. Os membros dos outros grupos, almas de prata e de ouro, destinados, por natureza, às
artes militares e à administração política, experimentarão uma longa e enriquecedora trajetória
educacional. O sistema educacional visa cultivar desde a infância as virtudes da coragem,
temperança, santidade, liberalidade e outras de mesmo gênero. Fixá-las no hábito, de modo a
transformá-las numa segunda natureza do corpo, da voz e do espírito. Uma educação temperada
com ginástica e música edificadora.
Entre os guardiães, cuja índole filosófica, amadurecida pela educação e pelo tempo,
sobressaia sobre os demais, serão escolhidos os destinados ao governo da cidade. Serão
submetidos a estudos apropriados para elevarem-se à contemplação da Ideia do Bem; etapas
bem definidas de estudos de acordo com a idade, até alcançarem 50 anos, momento de exercício
das funções públicas. O Bem, luz da alma, condição de inteligibilidade das Ideias, é a fonte de
sua essência e ultrapassa, por conseguinte, em poder e dignidade, esta própria essência; “a ideia
10
Ao voltar para Atenas, Aristóteles funda sua própria escola, o LICEU. Ao contrário da ACADEMIA, que se
ocupa, sobretudo, da matemática, o LICEU é antes um centro de estudo de ciências naturais. Ali, Aristóteles
mantém dois tipos de cursos: “Exotérico” – destinado a um público mais amplo – e “Esotérico” – ministrado a um
círculo mais restrito de discípulos.
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considera tudo o que vemos ao nosso redor, na natureza, meros reflexos de algo que existe no
mundo das ideias e, por conseguinte, também na alma humana. Na apreciação de Ghiraldelli Jr.
(2010) e de Marcondes (2009), Aristóteles achava que o que existe na alma humana nada mais
é do que reflexos dos objetos da natureza. Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que
não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Sua
teoria do conhecimento assenta-se na tese de que todas as nossas ideias e pensamentos entram
em nossa consciência através do que vemos e ouvimos. Mas nós também temos uma razão
inata. Temos uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas
impressões sensoriais. Aristóteles, portanto, não negava que o homem tivesse uma razão inata.
Para ele, a razão era precisamente a característica mais importante do homem. Só que nossa
razão permanece totalmente vazia enquanto não percebermos nada.
Cumpre frisar que esta crítica à teoria das ideias de Platão não significa que Aristóteles
seja radicalmente antiplatônico. Se diverge de Platão, seu pensamento supõe, por isso mesmo,
o do mestre. Mais do que isso, com essa divergência Aristóteles procura “salvar” o platonismo,
depurando-lhe os aspectos incongruentes e fazendo-o descer ao mundo sensível (REALE, 1993;
MARCONDES, 2009).
Ética, Virtude e Justiça
Na obra Ética a Nicômaco, Aristóteles (1991) argumenta que toda virtude é um meio
termo entre dois extremos, cada um dos quais é um vício. Arrola a comprovação mediante o
exame de várias virtudes. Por exemplo, a coragem é um meio entre a covardia e o destemor; a
liberalidade, entre a prodigalidade e a mesquinhez; o amor-próprio, entre a vaidade e a
humildade; o dito espirituoso, entre a chocarrice e a grosseria; a modéstia, entre a timidez e o
descaramento. A virtude possui duas naturezas: 1) a virtude intelectual procede do ensino; 2) a
virtude moral procede do hábito.
A virtude, na ética aristotélica, indica Marcondes (2009), é um meio para se atingir uma
determinada finalidade, a felicidade:
Já que a felicidade é uma atividade da alma conforme à virtude perfeita, devemos
considerar a natureza da virtude: pois talvez possamos compreender melhor, por esse
meio, a natureza da felicidade (ARISTÓTELES, 1991, LIVRO I, p. 13).
11
O melhor indivíduo, na ética aristotélica, é um indivíduo muito diferente do santo cristão. Configura-se aqui a
diferença entre as éticas pagã e cristã. O melhor indivíduo é o homem magnânimo. O homem magnânimo deve ter
amor-próprio e não subestimar seus próprios méritos. Deve desprezar todo aquele que mereça ser desprezado. O
homem magnânimo tem como interesse a honra e a fuga completa da desonra: procura ser bom no mais alto grau.
Deve ser franco em seu ódio e em seu amor, pois ocultar os próprios sentimentos, isto é, preocupar-se menos com
a verdade do que com a opinião alheia, é próprio de covardes. Preferirá antes coisas belas e inúteis a coisas
proveitosas e úteis. Eis aí, pois, o homem magnânimo; o homem que está aquém dele é indevidamente humilde e,
o que vai além, é vão (RUSSEL, 1957; MARCONDES, 2009).
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superior que o superior ame o inferior. A escravidão é tida como conveniente e justa, mas o
escravo deve ser naturalmente inferior ao amo – os escravos não deviam ser gregos, mas de
uma raça inferior, dotada de menos espírito. Desde o nascimento, certos indivíduos são
destinados à sujeição; outros, a mandar; o homem que não é por natureza dono de si mesmo,
mas que pertence a outro homem, é por natureza um escravo. Aristóteles não crê na igualdade.
Admite a sujeição dos escravos e das mulheres e rejeita a igualdade política entre todos os
cidadãos. Compartilha valoração reinante entre os gregos da Antiguidade:
Com efeito entre criaturas semelhantes, o justo e o belo consistem em uma espécie de
alternativa e de reciprocidade, porque nisso está o que constitui a igualdade e a
paridade, ao passo que a desigualdade entre iguais e a igualdade entre desiguais são
contra a natureza (ARISTÓTELES, 2005, p. 119).
Considerações finais
Com base no desenvolvimento acima efetuado, constata-se a relevância do estudo das
ideias políticas de Platão e Aristóteles para compreender conceitos e parâmetros da Ciência
Política moderna. Mestre e discípulo adotaram procedimentos diversos, senão controversos, na
elaboração de suas análises. Platão, na conformação da República utópica, governada pelos
filósofos, repercutiu as formas de governo idealmente, sem coletar informações acuradas sobre
as organizações políticas de vários povos. Aristóteles arregimentou informações sobre as
constituições de 158 governos, de sua época e anteriores, para formatar uma tipologia das
formas de governo. Um procedimento idealista (racionalista), e outro que se aproxima do
empirismo moderno.
A relevância e a atualidade do pensamento político de Platão podem ser atestadas na
influência exercida sobre clássicos das ciências políticas nas mais diversas épocas. Exemplo
contundente é o de Jean Jacques Rousseau. Reputado “patrono” da Revolução Francesa,
momento icônico da democracia moderna, Rousseau (1981) retoma a imagem do governante
como sujeito iluminado pela razão, cuja alma mantém intacta a hierarquia entre os elementos
racional, irascível e concupiscível. O legislador, porta-voz da vontade soberana, deve ser um
homem extraordinário, capaz de compreender e falar a linguagem do povo, mas capaz, também,
de transpor os limites do sensível e das demandas imediatas orquestrando, guiado pela razão,
leis que transformem cada indivíduo em parte de um todo maior e harmônico:
O legislador é, de todos os pontos de vista, um homem extraordinário no Estado. Se
ele o deve ser pelo seu gênio, não o deve ser menos pelo uso que dele faz
(ROUSSEAU, 1981, p. 45).
Referências
ABRÃO, Bernardette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural,
2011.
BLACKBURN, Simon. A República de Platão: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2008.
CASERTANO, Giovanni. Uma introdução à filosofia de Platão. São Paulo: Editora Paulus,
2014.
CHAUÍ, Marilena. Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras,
2002.
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de Ética: de Platão à Foucault. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
PAVIANI, Jayme. Platão & A República. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2003.
PRADO JÚNIOR, Caio. O que é filosofia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.