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ISSN: 2525-8761
RESUMO
Trata-se de uma reflexão teórico-filosófica com o objetivo de compreender as políticas
públicas de saúde para as mulheres implementadas no Brasil, a partir do conceito de
Biopoder de Michel Foucault. Este autor considera que as intervenções sobre a saúde da
população refletem fundamentalmente uma relação de poder sobre a vida, a partir da
migração do poder disciplinar, que se dirige ao homem-corpo, para o biopoder, que se
dirige ao homem-espécie. No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas
nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX, entretanto, em que pesem os
avanços alcançados até o momento atual, ainda observam-se diversas lacunas relativas ao
cuidado em saúde da mulher. Nesse contexto, as contribuições de Foucault, servem como
ferramenta para compreender o processo de normalização da saúde da mulher no país,
mediante a implementação de políticas públicas que estabeleceram mecanismos
reguladores dos fenômenos coletivos, porém que nem sempre atendem às suas reais
necessidades de cuidado.
ABSTRACT
It is a theoretical-philosophical approach with the objective of understanding how health
policies for women are thought of by the public in Brazil, based on Michel Foucault's
Biopower. This author considers the health of the family that corporeal life is a
relationship of power over the disciplinary power, which directs the power over the health
of the man-corporate, for the leader to the man-power to discipline life, which directs the
man-power. In Brazil, from women's health, gaps were inserted into women's health
policies in the decades of the twentieth century, however, which are still dated from
women's health to the current moment of women's health. The needs of Foucault's
contributions serve as a tool to understand the process of normalization of health in the
country, through the implementation of public policies that establish regulatory
mechanisms of collective phenomena, but that do not always meet their real needs of
organizations.
1 INTRODUÇÃO
A noção sobre o direito à saúde contida na Constituição Brasileira envolve, dentre
outros aspectos, a compreensão de que, no processo de cuidado, devem ser consideradas
as especificidades dos diferentes grupos, o respeito à dignidade humana e à realidade
vivenciada pelas populações, visando uma assistência integral e a materialização da
justiça e a equidade (BRASIL, 2016).
Ao se pensar em políticas públicas de saúde para as mulheres, é imprescindível
considerar a diversidade inerente a esse grupo, tanto na investigação do perfil
epidemiológico quanto no planejamento de ações, com vistas a garantir a melhoria das
condições de vida e saúde e os direitos de cidadania das mulheres (BRASIL, 2004).
No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde nas
primeiras décadas do século XX, sendo limitada, nesse período, às demandas relativas à
gravidez e ao parto. Os programas materno-infantis, elaborados nas décadas de 30, 50 e
70, traduziam uma visão restrita sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica
e no seu papel social de mãe e doméstica (BRASIL, 2004). Esses programas são
vigorosamente criticados pela perspectiva reducionista com que tratavam a mulher.
Em 1984, uma proposta de atendimento integral ganhou notoriedade. O Programa
de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) marcou uma ruptura conceitual com
os princípios norteadores da política de saúde das mulheres, ao incluir ações educativas,
preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação. Já em 2004, foi instituída a Política
Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), com vistas à superação
do enfoque biologicista e medicalizador hegemônico nos serviços de saúde. Teve como
disciplinar, mas que (...) a integra (...) incrustando-se efetivamente graças a essa técnica
disciplinar prévia”, mas que “tem outra superficie de suporte e é auxiliada por
instrumentos totalmente diferentes” (p. 289). , consistindo em “previsões, estimativas
estatísticas, medições globais, (...), intervir no nível daquilo que são as determinações
desses fenômenos gerais, desses fenômenos no que eles têm de global” (p. 293).
Foucault discute que, enquanto o poder disciplinar se dirige ao homem-corpo, e
“tenta reger a multiplicidade dos homens redundando-os a corpos individuais vigiados,
treinados, utilizados e, eventualmente punidos” (p. 289) - registrado como anátomo-
política do corpo humano, o biopoder se dirige ao homem-espécie, na medida em que
formam “uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida,
(...) como o nascimento, a morte, a produção, a doença” (p. 289) a que chamou de
biopolítica da espécie humana.
A análise empreendida por Foucault (2005) afirma que a biopolítica vai se dirigir
aos fenômenos coletivos que se desenvolvem numa população, num certo período de
tempo, tendo como “as primeiras das suas áreas de intervenção, de saber e de poder ao
mesmo tempo: da natalidade, da morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos
efeitos do meio” (p. 292). Daí se depreenderam “as primeiras demografias, (...) o
mapeamento dos fenômenos de controle dos nascimentos, (...) o esboço de uma política
de natalidade” (p. 290).
Ao considerar a doença como um fenômeno da população, Foucault discute ainda
que a biopolítica, do ponto de vista da morbidade, não tratou somente das epidemias –
famosas e aterrorizantes desde a Idade Média, mas também das endemias: “a forma, a
natureza, a extensão, a duração, a intensidade das doenças reinantes numa população” (p.
290). Assim, no final do século XVIII, ocorreu a introdução de uma medicina voltada à
“higiene pública, om organismos de coordenação dos tratamentos médicos, de
centralização da informação, de normalização do saber, (...) de campanha de aprendizado
da higiene e de medicalização da população” (p. 291).
Para Agum et al. (2015) política pública abarca a discussão e prática de atos
relacionados ao conteúdo, palpável ou figurado, de decisões explicitadas como políticas;
ou seja, área de edificação e ações de decisões políticas. Entre as inúmeras políticas
públicas existentes em nossa sociedade – educação, habitação, saneamento, lazer,
segurança, dentre outras, destacam-se as políticas públicas de saúde.
No Brasil, no decorrer da história do campo da saúde pública, diversos modelos
de atenção foram adaptados pelos governos para responder às necessidades de saúde da
Até a década de 1970, a saúde da mulher era vista, como elemento de políticas
públicas de saúde, somente sob o aspecto procriativo, tendo como referência principal a
assistência voltada para o ciclo gravídico-puerperal, reforçando-se a perspectiva da
maternidade conferida à mulher (MEDEIROS; GUARESCHI, 2009). Posteriormente,
com a acelerada alteração do padrão procriativo, configurou-se um cenário de saúde onde
ganharam notoriedade os fatores associados à sexualidade e aos efeitos da contracepção,
que impactaram na medicalização dos ciclos vitais femininos, manifestados pelo
quantitativo elevado de cesáreas e laqueaduras tubárias e, mais atualmente, no incremento
das histerectomias (LEÃO; MARINHO, 2002).
Nesse debate, não se pode perder de vista o contexto de ampliação da inserção da
mulher no mercado de trabalho, o qual exige disponibilidade de tempo e higidez física.
Manter as condições para o trabalho foi outro campo de intervenção da biopolítica
destacado por Foucault (2005) como importante no início do século XIX – a era da
industrialização. Visando enfrentar o envelhecimento, os acidentes e as enfermidades,
que colocavam os indívíduos fora do circuito, a biopolítica introduziu “não somente
instituições de assistência (...), mas mecanismos (...) mais sutis, mais racionais, de
seguros, de poupança individual e coletiva, de seguridade, etc” (p.291).
Em 1984, foi criado o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), priorizando a investigação da complexidade das questões de saúde das
mulheres, norteando a integralidade da política e enfatizando a autonomia destas acima
das questões reprodutivas(BRASIL, 2004). O PAISM assinala um momento histórico nas
políticas públicas voltadas ao público feminino, em que a integralidade é vislumbrada
como reflexo de uma postura ética e técnica dos profissionais, com uma reformulação da
composição dos serviços de saúde (MEDEIROS; GUARESCHI, 2009).
Um balanço do PAISM nos anos noventa apontam para a expansão das coberturas
de atenção básica a toda população brasileira, universalização do acesso e ampliação da
oferta de serviços de saúde de base municipal com a estratégia do Programa de Saúde da
Família. Já no período de 1998 a 2002, priorizou-se a saúde reprodutiva e, em particular,
as ações para redução da mortalidade materna (pré-natal, assistência ao parto e
anticoncepção). Segundo os autores, embora se tenha mantido como imagem-objetivo a
atenção integral à saúde da mulher, essa definição de prioridades dificultou a atuação
sobre outras áreas estratégicas do ponto de vista da agenda ampla de saúde da mulher
(BRASIL, 2004; COSTA, 2009).
4 CONCLUSÃO
A reflexão acerca das políticas públicas de saúde para as mulheres implementadas
no Brasil nos possibilitou perceber que, a cada momento histórico, ao enfocar
determinadas partes do corpo, seus funções e disfunções como elementos principais ou
não, o poder público vai definindo quais métodos devem ser abordados, que condutas
necessitam ser incluídas ou excluídas, sendo a mulher, muitas vezes compreendida
biologicamente, pela anatomia de seu corpo (MEDEIROS; GUARESCHI, 2009).
Nessa perspectiva, as contribuições de Michel Foucault sobre Biopoder servem
como ferramenta para compreender o processo de normalização da saúde da mulher,
mediante a implementação de políticas públicas que estabeleceram mecanismos
reguladores dos fenômenos coletivos, porém que nem sempre atendiam às suas reais
necessidades de cuidado (LACERDA; ROCHA, 2018). Para os mesmos autores, se, por
um lado, as medidas sobre os processos vitais aumentam a qualidade de vida da
população, por outro, também efetivam um domínio sobre os sujeitos, uma vez que as
políticas públicas de saúde definem o escopo de cuidados que será ofertado pelo sistema
público de saúde.
Foucault (2005, p.294) observa que, mediante mecanismos globais, a biopolítica
busca “agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilibrio, de regularidade;
(...) de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar
sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação”. Assim, refletir sobre a saúde
da mulher no âmbito das políticas públicas de saúde requer lidar, ao mesmo tempo, com
as dimensões regulatórias, de autonomia, de empoderamento individual e coletivo;
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