Desinformação. Qualidade
Desinformação. Qualidade
Desinformação. Qualidade
Resumo: Na Era da Pós-verdade, em que a informação com carga emotiva influencia mais que os
fatos, é nas mídias sociais que a desinformação encontra ambiente propício para sua disseminação.
O objetivo da pesquisa é analisar as práticas de compartilhamento da informação de bibliotecários
participantes do grupo “Bibliotecários do Brasil” no Facebook, no tocante aos critérios de avaliação
da qualidade que adotam para evitar a desinformação. Trata-se de uma pesquisa exploratória
descritiva, com abordagem qualiquantitativa. Um questionário com questões abertas e em escala
Likert foi enviado para o grupo e 120 participantes responderam. Os principais resultados indicaram
uso moderado a alto de critérios de avaliação das fontes de informação, aquém da expectativa para a
categoria de profissionais estudada. Entre os critérios de qualidade mais utilizados estão: avaliação
da compatibilidade entre título e conteúdo da notícia e a verificação da data e procedência antes do
compartilhamento. Os dados permitem concluir que os bibliotecários consultados estão cientes
sobre a problemática da desinformação e entendem a existência de implicações sociais graves em
consequência da prática do compartilhamento indiscriminado nas mídias socais, ainda que muitos
tenham sinalizado insuficiente uso de critérios de qualidade que atenuariam seu efeito negativo.
Abstract: In the Post-Truth Age, where information with an emotional charge influences more than
facts, it is in social media that disinformation finds an environment conducive to its dissemination.
The objective of the research is to analyze the information sharing practices of librarians participating
in the group "Librarians of Brazil" on Facebook, regarding the quality evaluation criteria they adopt to
avoid misinformation. This is an exploratory descriptive research with a qualitative and quantitative
approach. A questionnaire with open questions and Likert scale was sent to the group and 120
respondents answered. The main results indicated a moderate to high use of criteria for evaluating
information sources, below expectations for the category of professionals studied. Among the most
used quality criteria are: evaluation of the compatibility between title and content of the news and
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verification of date and source before sharing. The data allow us to conclude that the consulted
librarians are aware of the problem of disinformation and understand the existence of serious social
implications as a result of the practice of indiscriminate sharing in the social media, although many
have indicated insufficient use of quality criteria that would attenuate its negative effect.
1 INTRODUÇÃO
Compartilhar informações via mídias sociais tornou-se algo trivial, sobretudo para a
geração de nativos digitais. Ao pressionar de um ou dois botões, em poucos segundos
informações são disseminadas com alcances abrangentes. O uso dos smartphones rompeu a
barreira entre o físico e o virtual nas relações humanas. Só no Brasil, de acordo com dados
do Facebook, a mídia social já conta com mais de 100 milhões de usuários ativos mensais, e
a principal via de acesso são os dispositivos móveis. Aproximadamente oito em cada dez
brasileiros conectados estão no Facebook, o que o posiciona no topo das mídias sociais.
Considerado como um ano mundialmente conturbado, 2016 registrou na História o
processo conhecido como Brexit, as eleições presidenciais dos Estados Unidos da América,
vencida pelo controverso candidato Donald Trump, e o processo de impeachment da então
presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Por sua indiscutível relevância histórica, os debates
acalorados acerca dos temas foram também permeados por informações falsas
disseminadas incontáveis vezes através das mídias sociais de entusiastas apoiadores e
militantes contrários, que ensejaram a criação de verdadeiras trincheiras virtuais.
No mesmo ano, o dicionário Oxford consagrou post-truth (pós-verdade) como
principal termo do ano (LATGÉ, 2016). Para os britânicos, em tradução livre, a definição de
pós-verdade seria "relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são
menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença
pessoal" (OXFORD DICTIONARIE, 2017). A estratégia remete a famosa frase creditada ao
publicitário da Alemanha nazista, Joseph Goebbels: uma mentira repetida mais de mil vezes
se torna “verdade”. Ou, como agora denominado, pós-verdade.
A formação em Biblioteconomia nos estimula a ter zelo pela informação, assim,
enquanto profissionais dedicados à Ciência da Informação (CI), devemos ainda mais prezar
pelas informações circulantes, especialmente a nossa própria prática de compartilhamento
em mídias sociais e seus fenômenos correlatos, como a desinformação e a qualidade da
informação, a fim de evitar o alastramento de informações infundadas e seus efeitos
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tem seu engajamento mais fortemente voltado para a criação e como se dão os fluxos
informacionais, mas ainda examina timidamente a questão da desinformação. Assim:
[...] ao desconhecer o que seja desinformação bem como as consequências
destas sobre os usuários, a CI brasileira fragilizou a própria capacidade de
identificar o que seja de fato informação. Em redes digitais repletas de
dados, verdade e mentira se justapõem e se modificam a cada momento,
logo, dialetizá-las é fundamental. (BRITO, 2015, p. 55).
Com a intenção de analisar informações veiculadas através da internet, agências de
fact checking (checagem dos fatos) têm ganhado relevância no debate público. No Brasil, a
primeira foi a Agência Lupa, que fez parceria com a Revista Piauí e o jornal Folha de São
Paulo para prestar assessoria sobre o assunto. O portal de notícias G1, do grupo Globo,
também adotou espaço exclusivo para a seção “Fato ou Fake?”, onde avaliam informações
de grande circulação na web, principalmente através das mídias sociais.
Na América do Norte e na Europa existem iniciativas consolidadas de combate às
notícias falsas, também por intermédio de equipes isentas (por não possuírem
subordinações diretas), como a FactCheck.org. Zattar (2017, p. 289) explica como duas
agências de checagem dos fatos brasileiras expõem seus resultados: “em geral, indicam os
níveis de veracidade. A checagem pressupõe o uso de informações públicas e fontes
confiáveis para verificação de conteúdo, o que resulta em avaliações que visam indicar o
nível de veracidade de uma informação”.
Quanto às categorias elencadas pelas agências, destaca-se que a Agência Lupa1 optou
por classificar as informações que avalia em: Verdadeiro; Verdadeiro, mas...; Ainda é cedo
para dizer; Exagerado; Contraditório; Insustentável; Falso e De olho. Já a Agência Truco2
elencou as seguintes categorias: Verdadeiro; Sem contexto; Contraditório; Discutível;
Exagerado; Distorcido; Impossível provar e Falso. Podemos notar que os extremos
“verdadeiro” e “falso” não dão conta de todas as análises. Existem categorias intermediárias
a serem consideradas. No caso das notícias, uma pode conter verdades e mentiras em
diferentes trechos, assim como uma verdade descontextualizada, o que compromete a
compreensão mais ampla do assunto. Contemplar essas nuances é o que tentam as agências
citadas, o que exige um maior refinamento na apuração.
Em artigo intitulado “How to spot fake news” (“Como identificar notícias falsas”)
publicado em novembro de 2016, o diretor e a editora do website FactCheck.org, Eugene
1
Fonte: http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/.
2
Fonte: https://apublica.org/checagem/
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Kiely e Lori Robertson, fazem menção a oito pontos que julgam ser os mais importantes para
driblar a desinformação. A International Federation of Library Associations and Institutions
(IFLA) encampou a proposta e elaborou um infográfico (Figura 1) inspirado nesse artigo, já
traduzido para mais de 30 idiomas diferentes, inclusive o português.
Figura 1 – Como identificar notícias falsas de acordo com a IFLA
3
Disponível em: <https://www.ifla.org/publications/node/11174>. Acesso em: 20 jul. 2017.
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3 METODOLOGIA
A pesquisa foi exploratória e descritiva, com abordagem qualiquantitativa e como
locus a mídia social Facebook, mais especificamente o grupo “Bibliotecários do Brasil”. O
principal motivo para a escolha desse grupo foi por congregar o maior e mais diverso
número de profissionais bibliotecários da rede – 14.690 membros (acesso em 24 jul. 2018).
Quanto à coleta de dados, foi enviado ao grupo convite para participação na pesquisa, por
meio de resposta ao questionário, em forma de postagem e comentário no Facebook,
durante o período de um mês, entre 09 de dezembro de 2017 e 04 de janeiro de 2018.
Foram coletadas 120 respostas, o que corresponde a quase 1% dos participantes do grupo.
O questionário foi composto por perguntas objetivas e abertas que visavam avaliar as
práticas dos bibliotecários quanto ao compartilhamento da informação, além de buscar
conhecer a sua percepção em relação à desinformação. Para as questões fechadas foi
utilizada escala Likert de 0 a 4, onde 0 significa “nunca” e 4 “sempre”. A aplicação do
questionário foi viabilizada por meio da ferramenta Google Docs, que possibilita o acesso
direto às respostas dos participantes. Os critérios listados no questionário foram baseados
no referencial teórico, especialmente nos que mais convergem da literatura citada. A
formulação foi inspirada livremente no infográfico elaborado pela IFLA - de repercussão
internacional - e também pelos critérios indicados por Tomaél, Alcará e Silva (2016).
Quanto à análise dos dados, as médias foram calculadas por questão, separadas de
acordo com os objetivos traçados para a pesquisa. A partir da intensidade da frequência do
uso apontada pelos participantes, analisamos os critérios utilizados para o
compartilhamento da informação. Tendo por base Bartalo et al. (2013), adotamos quatro
frequências e suas correspondentes intensidades, sendo elas: média menor que 1,00 baixa
intensidade; de 1,01 a 2,00, moderada; de 2,01 a 3,00, alta; de 3,01 a 4,00, altíssima. Quanto
às questões abertas, nos apoiamos na análise de conteúdo de Bardin (2011), tendo sido
agrupadas as respostas a partir de algumas categorias de análise.
como o endereço que a veicula e a existência de seção para contato com os consumidores,
conforme a IFLA (2017).
Alguns dos bibliotecários consultados demonstraram estar insuficientemente atentos
quanto a autoridade e credibilidade da fonte, sendo esses fatores prévios preponderantes
para um compartilhamento seguro da informação. A autoridade e confiabilidade são tão
cruciais por apresentarem informações sobre o responsável pela fonte e conferir ao autor
credibilidade em sua especialidade (TOMAÉL; ALCARÁ; SILVA, 2016). Na conduta de 75
bibliotecários esse critério é considerado muitas vezes ou sempre (m= 2,72). Ainda que a
média de frequência de uso seja alta, também está abaixo da expectativa do seleto grupo,
por se tratar de um critério básico para definir a qualidade do material.
A hospedagem da fonte (identificação do domínio) é outro fator que merece atenção,
de acordo com Tomaél, Alcará e Silva (2016). A maioria dos bibliotecários (55%) sinalizou
aderir ao uso desse critério, enquanto, em volume também expressivo, 30% discordam e
não costumam praticar essa ação. A média 2,47 é indicativa de uma frequência alta.
Um critério simples e objetivo como a atualidade da informação pode ser
determinante para que se ateste a pertinência do que se quer compartilhar. Consiste em
identificar a “data em que a informação foi disponibilizada; links precisam estar ativos;
informações atuais; preocupação com a manutenção da fonte” (TOMAÉL; ALCARÁ; SILVA,
2016). 80 bibliotecários foram assertivos quanto a utilização desse juízo para o
compartilhamento versus somente seis que nunca conferem a data das informações, em
média de frequência alta 2,83, que se aproxima da altíssima.
Ainda assim, é temerária a constatação de que mais de 1/4 dos bibliotecários tenham
indicado raramente checar a data das informações que compartilham, pois podemos
considerar esse um critério obrigatório até para leigos, não sendo plausível a comparação.
Moretzsohn (2017, p. 304) adverte que “mesmo pessoas bem formadas tendem a
compartilhar automaticamente informações falsas ou verdadeiras, mas antigas [...], porque
não conferem as datas da publicação nem verificam a origem da informação”.
Ao tocarmos no quesito da imparcialidade, adentramos em ambiente mais subjetivo.
Muitos consideram a neutralidade um mito. Frase creditada ao educador Paulo Freire que
atesta: “Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica”. Tão
célebre quanto controversa, a sentença implica em “evidenciar o quanto a informação
veiculada pelo documento é exata, rigorosa, correta” (VERGUEIRO, 1995, p. 22). A medida
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requer constante esforço por parte de bibliotecários, jornalistas e demais profissionais que
trabalhem com a informação na tentativa de anular seus preconceitos para lidar com o
conteúdo da forma menos manipulativa possível.
Com essa consciência, 78 bibliotecários indicaram frequentemente ou até sempre
conseguirem verificar a presença de fatos da forma mais imparcial possível. Entretanto, 31
admitiram raramente ou nunca serem capazes de se desligar das suas preconcepções. Os
dados resultam em média 2,77 (alta) e são bastante significativos, já que refletem
diretamente no problema da desinformação, que deve prioritariamente ser combatido por
esses mesmos profissionais. Corrêa e Custódio (2018, p. 3) assinalam ser urgente “adquirir
uma maior consciência social em relação à responsabilidade cidadã de replicar informações
verídicas advindas de fontes consideradas fidedignas”. Importante mantermos em mente
que o grupo selecionado é integralmente composto por profissionais com formação em nível
superior e a maior parte já passou por pós-graduação, portanto, de nenhuma forma a má
prática relaciona-se com falta de oportunidade de acesso à educação formal.
Chamadas sensacionalistas são cada vez mais escolhidas para ilustrar as notícias;
prática que ficou conhecida como “click bait” (isca de cliques, em tradução livre), em alusão
a um anzol que fisgaria do leitor. “Isto diz algo sobre as escolhas de ênfase na divulgação de
notícias e sobre os objetivos de causar escândalo, especialmente nesses tempos em que as
informações circulam com uma velocidade estonteante e a maioria não lê nada além dos
títulos” (MORETZSOHN, 2017, p. 301). A preocupação que residia em descobrir o
comportamento denunciado pela autora também é realidade entre os bibliotecários.
É grave a constatação de que profissionais da informação possam coadunar com a
prática de não avaliar se o título de uma notícia de fato converge com o seu conteúdo
integral. Não obstante, 29 membros do grupo “Bibliotecários do Brasil” foram sinceros no
reconhecimento de que nunca ou raramente conferem antes de compartilhar informações
em suas mídias sociais. Como esperado, no entanto, outros 85 afirmaram ter como praxe
essa conduta. Nesse quesito, encontramos média 2,9, uma das maiores médias de todo o
estudo, considerada alta, muito próxima de uma frequência altíssima.
Tão relevante quanto checar a autoridade, atualidade e conteúdo de um texto é
identificar se no seu interior quem escreveu não deixou de citar as fontes que permitiram a
construção dos dados expostos nos seus parágrafos. Essa medida despersonaliza, ao menos
parcialmente, o texto e confere nuances de trabalho coletivo, o que também responsabiliza
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um contexto cada vez mais conectado e globalizado, o assunto tem preocupado
profissionais de variadas áreas e mobilizado também parte da sociedade civil organizada. O
problema da viralização de boatos atinge outro patamar quando assimilamos que a
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desinformação é ainda mais grave, tendo em vista seu caráter premeditado, intencional.
Migramos assim da seara da mais evidente habilidade na forma de lidar com as fontes de
informação para a necessidade do desenvolvimento de uma prática mais sofisticada, que
envolve a avaliação qualitativa e a adoção de múltiplos critérios para avaliação das fontes,
papel que deve ser reconhecido em especial pelo profissional bibliotecário.
Os resultados da pesquisa mostram algumas características importantes em relação
às práticas de compartilhamento desses bibliotecários, tais como a relevância do
enfrentamento da desinformação percebida quase que na totalidade pelos profissionais,
mas concomitantemente a inércia de alguns participantes que sinalizaram nunca ou pouco
utilizar critérios para o compartilhamento da informação em suas mídias sociais. Ao
considerar os critérios para seleção da informação compartilhada, ainda que as médias dos
critérios elencados tenham revelado alta frequência de adoção, esperava-se constatar uma
frequência altíssima de critérios basilares na avaliação da qualidade da informação,
considerando que o grupo respondente era composto exclusivamente por profissionais
graduados em Biblioteconomia, curso que preza pelo ensino dessas práticas. A avaliação da
íntegra do texto com o título das notícias e a conferência quanto ao aspecto humorístico do
conteúdo foram os detaques positivos, com médias 2,9 e 2,91, as mais próximas da
frequência altíssima. Em contrapartida, a média moderada 1,5 desponta negativamente para
a consulta de especialistas, com 30 bibliotecários mencionando nunca procurarem fazer uso
desse critério antes de compartilhar algo em suas redes.
É fundamental que mais pesquisas sejam realizadas sobre a desinformação, o
compartilhamento e a qualidade da informação, não apenas em mídias sociais, mas também
em outras comunidades de bibliotecários. A Ciência da Informação precisa manter-se atenta
ao que está em voga na sociedade e a demanda por estudos relacionados às fake news, suas
causas e implicações certamente fazem parte das demandas atuais.
REFERÊNCIAS