Apostila
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GOIANIA 2022/1
GOIÂNIA, 2020-1
SUMÁRIO
RESUMO
O presente artigo visa apresentar o impacto da psicodinâmica do poder e da cultura organizacional no
processo decisório, em uma empresa familiar brasileira. O estudo de caso utiliza a observação
participante e a entrevista na coleta de dados. Os sujeitos são diretores e gerentes de uma empresa
familiar de médio porte, e os dados coletados são tratados por meio da análise psicodinâmica de Pagès
e da análise gráfica do discurso de Lane. Como resultados, tem-se: a super valorização das relações
afetivas, da confiança mútua, da antigüidade, dedicação e fidelidade. Relações chefias – subordinados
autoritárias e paternalistas, preferência pela comunicação verbal e pelos contatos pessoais. O processo
decisório tende ao improviso, busca consenso e é influenciado pelas relações de poder e por aspectos
emocionais, ligados a fatores culturais das empresas familiares.
ABSTRACT
This study shows an analysis of the impact of organization culture and the psycho-dynamics of power
on the decision process in a familly firm. The investigation, based on case study methods, used
participant observation and interviews with directors and managers of a familiar firm in Brazil. The
data had been analyzed using Pagès psycho-dynamic approach and Lane´s graphical discourse
analysis. It was found that the organization priorizes and emphatizes the affective relations, mutual
confidence, loyalty, length of service and dedication and uses these as criteria for promotions.
Managers- subordinates relations was marked by both authoritarianism and paternalism. Verbal
communication and personal contacts were preferred. The decision process tended to be improvised,
during which consensus and also influenced by power and cultural relations based on emotional
factors having their origin in family questions.
PALAVRAS-CHAVE
Cultura, organização, poder, empresa familiar brasileira , decisão organizacional.
KEY WORDS
Organizations, culture, power, Brazilian familly firm, making decisions process.
INTRODUÇÃO
No Brasil ,no final da década de 1990, as questões colocadas pela globalização, tais como o
desemprego, a falta de qualificação de mão-de-obra e o mercado cada vez mais competitivo e exigente,
estão gerando uma situação de crise . Soluções ou políticas públicas que levem a geração de novos
empregos e ao aquecimento da economia estão sendo apontados como necessidades inegáveis. Esse
contexto reforça a necessidade de se levantar dados sobre as organizações e sua realidade no Brasil,
bem como sua inserção no mercado globalizado .
Durante algum tempo a tendência foi a de se trabalhar com as organizações dissociadas de suas
características culturais. No entanto , alguns trabalhos recentes, como o de Hofstede (1994) ou Barros
(1996), apontam na direção do reconhecimento da identidade das nações, que se diferenciam em vários
aspectos e que têm, cada vez mais, a consciência do significado de empreendimentos multiculturais
entre suas empresas.
No caso do Brasil, a minoria das empresas nacionais é de capital aberto. São , em outras palavras,
familiares.
O conceito de empresa familiar adotado no presente estudo é o proposto por Lanzana , que
considera uma empresa como familiar quando um ou mais membros de uma família exerce
considerável controle administrativo sobre a empresa, por possuir parcela expressiva da propriedade do
capital. Assim, existe estreita ou considerável relação entre propriedade e controle, sendo que o
controle é exercido justamente com base na propriedade.”(LANZANA,1999,p. 33).
Vidigal (1996) comenta que as empresas familiares representam 99% das empresas não estatais
brasileiras. São elas que representam a possibilidade de uma maior absorção de mão-de-obra e
geração de empregos, são elas as responsáveis pela sustentação da economia e aquecimento do
mercado e são elas também as mais afetadas pela globalização, segundo Lanzana (1999).
Segundo ele, as empresas familiares vêm perdendo importância relativa entre as empresas de
maior porte no Brasil por causa de sua relutância em abrir o capital e em associar-se a parceiros
internacionais.
Para Motta ( 1997) , a cultura designa, classifica , corrige, liga e organiza. Ela desenvolve
princípios de classificação que permitem ordenar a sociedade em grupos distintos e influencia as
orientações particulares que assumem os jogos estratégicos pelos quais cada um defende seus interesses
e suas convicções , no interior de cada grupo social .
A cultura é apreendida pelo homem por meio do processo de aculturação, a partir do qual
aprende ou adquire os valores do grupo ou sociedade em que está inserido. É somente a partir do
conhecimento dessa sociedade é que se poderá compreender o comportamento dessa pessoa dentro dos
grupos. O processo de aculturação se encarrega de transmitir, tanto objetiva quanto subjetivamente, ao
sujeito os valores, as crenças, os mitos presentes na cultura de um determinado grupo. E essa cultura
internalizada influenciará esse sujeito em suas relações sociais, podendo ser modificada a partir de
suas experiências em diversos grupos, ao longo do tempo.
A SOCIALIZAÇÃO ORGANIZACIONAL
Transportando esse conceito para a organização , pode-se afirmar que as organizações, exercem
influência cada vez maior sobre as condutas individuais das pessoas que delas participam. A
socialização organizacional é um processo de aculturação e formação no qual se ensina o que é
importante para a pessoa se adaptar em uma determinada organização. Adaptação esta que é induzida
pela transmissão de uma série de conteúdos que dizem respeito, basicamente, aos objetivos
fundamentais da organização, aos meios escolhidos para os alcançar, às responsabilidades dos
membros e aos padrões de comportamento necessários para um desempenho eficaz, assim como a todo
um conjunto de regras ou princípios relativos à conservação da identidade e integridade da
organização.
Para Hofstede é impossível compreender a cultura de uma organização sem conhecer o contexto
em que ela se insere." Todo ser humano é de fato o socializado de determinado meio , não se pode
tornar inteligível a dinâmica humana nas organizações sem conhecer a cultura e a sociedade na qual ela
se insere " .(HOFSTEDE, 1994, p. 180)
Pode-se observar que esses traços levantados no estudo de Hofstede vêm de encontro com traços
levantados em outras pesquisas , como as desenvolvidas por Lodi (1994) , Hollanda( 1989) , DaMatta
(1997) , dentre outros, o que reforça a necessidade de se considerar os aspectos culturais da sociedade
em que a organização se insere.
Para o presente estudo toma-se a definição de Giuzi ( 1987), quando ele afirma que decidir é um
processo de escolha entre alternativas válidas e concorrentes entre si.
As pessoas passam muito mais tempo convivendo com as conseqüências das decisões do que as
tomando. Como as conseqüências das decisões freqüentemente são a manifestação dos processos de
influência , o poder se apresenta como uma variável importante , visto ele possuir um papel crucial no
processo decisório organizacional.
Nas relações de poder há um desequilíbrio de forças entre duas partes com interesses
divergentes , onde uma impõe sua vontade sobre a outra e faz com que esta faça coisas que de
outra forma não faria . Estas relações ocorrem nas relações sociais , se baseiam na posse de
recursos , muitas vezes assimétricos, produzem um efeito na mesma relação social , possuem
tendência a se ocultar, sendo ambíguas e ainda abarcam conflitos de interesses divergentes.
Para Pfeffer ( 1992), há pelo menos três aspectos da dinâmica de decisões gerenciais que se
relacionam com as políticas decisórias. O primeiro deles refere-se à fonte de pressão interna e externa
para dominar o ambiente; o segundo se relaciona com as estratégias disponíveis e utilizadas por ela;
e o terceiro se refere aos mecanismos que dão forma ao exercício efetivo do poder e das políticas
dentro da organização.
Bertero ( 1989) diz que as organizações são caracterizadas por situações de ambigüidade e
incerteza. A análise do processo decisório mostra as diferentes manifestações do poder e da política e
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GESTÃO DE OPERAÇÕES E LOGÍSTICA – ADMINISTRAÇÃO DE SEGUROS NO TRANSPORTE DE CARGAS
Augusto Hauber Gameiro – José Vicente Caixeta Fiho
suas relações com a cultura das organizações, que mostra quem decide, por qual processo, quais são os
resultados, quem perde e quem ganha, quais são as justificativas etc.
Friedberg( 1993) considera que a liberdade de ação das pessoas é limitada pelas condições
materiais e sociais que prevalecem no seu contexto de ação e que são escoradas por um conjunto de
estruturas e de regulações globalizantes relacionadas a cultura .
Após essa introdução, fica claro que o processo decisório deve ser estudado dentro de uma
perspectiva complexa, uma vez que engloba processos cognitivos, emocionais e contextuais, tanto
influenciando o ambiente quanto sendo influenciado por este. No caso da empresa familiar, deve-se
considerar tanto as relações de poder como o contexto cultural interno e da sociedade em que se insere.
METODO
Fleury (1994) comenta que grande parte das pesquisas realizadas sobre cultura organizacional são
baseadas em estudos de caso. Não apenas na literatura internacional como nos trabalhos realizados
recentemente no Brasil ,procura-se focar a realidade de uma organização. Para ela, pesquisadores que
acreditam que culturas são únicas e específicas a um grupo particular utilizam métodos qualitativos.
Os métodos qualitativos procuram descrever a cultura do ponto de vista do indivíduo que está
dentro dela. Entrevistas não estruturadas , observações e outras técnicas qualitativas são assim
desenhadas para capturar o ponto de vista do sujeito participante do grupo que se estuda. Pesquisadores
que utilizam abordagem qualitativa evitam impor suas próprias categorias ou outras idéias a uma
cultura, procurando trazer à tona o sistema de categorias ou idéias que os membros da cultura usam.
Entre os tipos de pesquisa qualitativa característicos, talvez o estudo de caso seja um dos mais
relevantes. Gil (1994) e Chizotti (1998) afirmam que o estudo de caso não se encaixa dentro da
proposta quantitativa pelo fato de trabalhar com dados que não permitem tratamento estatístico, motivo
pelo qual foi criticado e, por muito tempo, considerado “pouco científico” dentro do paradigma
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Augusto Hauber Gameiro – José Vicente Caixeta Fiho
dominante nas ciências. Por concordar com esses autores, optou-se como o estudo de caso, dentro de
um enfoque qualitativo.
SUJEITOS
MATERIAL
O método de coleta dos dados se deu pela observação participante do pesquisador em três
seminários da cúpula da empresa e de entrevistas semi - estruturadas complementares. Os dados foram
registrados por meio de filmagem.
PROCEDIMENTO
O total de horas de filmagem dos seminários foi de 50 horas, somadas a mais 10 horas das
entrevistas. À fase da transcrição dos dados, seguiu-se a sua análise, tomando como base a análise
psicodinâmica de Max Pagès (1987) em um primeiro momento, e a análise gráfica do discurso de
Silvia Lane (1996), em um momento posterior.
RESULTADOS
A técnica de Pagès permitiu levantar dados específicos sobre as relações de poder e processo
decisório, pois dividiu o discurso em temas e categorias, a saber: os objetivos dos seminários , a
psicodinâmica dos eventos, a participação dos sujeitos nos seminários , as relações de poder e o
processo decisório.
A análise gráfica do discurso de Lane permitiu visualização do discurso, que possibilita que se
percebam os núcleos de pensamento emergindo e se encadeando para formar as representações. Outro
aspecto positivo dessa técnica é sua capacidade de condensação , a possibilidade de conter em alguns
gráficos os dados ou representações relativas aos discursos construídos em várias horas de discussão.
Os resultados levantados no presente estudo podem ser resumidos em dez pontos, que
caracterizam como ocorrem as relações de poder e de cultura na organização familiar brasileira, e como
estes fatores influenciam o processo decisório:
O autoritarismo e o paternalismo estão presentes nas relações das chefias com seus subordinados.
O processo decisório nas organizações brasileiras tende a ser centralizado, residindo no chefe a
última instância para a tomada de decisões
Como pode-se perceber, a empresa estudada se configura como uma empresa familiar , e
apresenta traços da cultura brasileira em todas as suas relações, inclusive as de poder. Observa-se a
grande influência das relações de poder e da cultura organizacional no processo decisório, dados que
respondem ao problema inicial que perguntava se essas fatores influenciavam o processo decisório , e
como.
DISCUSSÃO
Partindo dos resultados alcançados pela pesquisa, foi possível um diálogo com os de trabalhos de
outros pesquisadores que também abordaram a cultura das organizações brasileiras, dentre eles o de
Hofstede(1994), Perrot (1988), Azevedo (1958) , Moog (1981) , Freitas (1997) , Holanda (1989), Lodi
(1993, 1994) , Barros e Prates (1996) e Fonseca (1997).
Os resultados nesta pesquisa confirmam dados encontrados em outros trabalhos que abordaram a
empresa familiar no Brasil, dentre eles os de Secco (1980), Lodi ( 1993 e 1994 ), Bernhoeft (1989) e
Vidigal ( 1996).
1
O termo antigüidade se refere ao tempo em que um funcionário trabalha na organização .
Foram detectadas também algumas características que representam desvantagens das empresas
familiares em relação a outras organizações. São elas: em função de conflitos de interesse entre
famílias e empresa, ocorre falta de disciplina, personalização dos problemas administrativos , uso
indevido dos recursos da empresa por familiares; falta de sistemas de planejamento e controle ;
utilização de critérios, como familiaridade, para contratação e promoções. Todos esses fatores foram
encontrados e, seguramente, interferem nos resultados da empresa. Apesar de a diretoria ter um certo
nível de consciência da interferência desses aspectos nos resultados da empresa, parece não haver
disposição comportamental para modificá-las, uma vez que, para isso, deveria haver mudança em nível
de cultura organizacional.
Diante desse processo, só resta às organizações se adaptarem e, para autores como Lodi (
1993,1994) e Bernhoeft (1989, 1999) , essa adaptação está condicionada à sua profissionalização,
relacionada a fatores que exigem mudanças culturais, econômicas e políticas nas organizações.
Propostas para essas mudanças surgem partindo de indicativos econômicos, que demonstram
que as empresas nacionais que estão em expansão, adotam inovações - como o investimento na
profissionalização da gestão, formulação de um plano estratégico que inclui abertura futura,
atualização tecnológica ; abertura para o mercado internacional e associação com empresas
estrangeiras – a empresa estudada tem poucas chances de sobrevivência, se optar por manter suas
antigas estruturas.
A abertura de capital, embora pareça a solução para a sobrevivência da empresa familiar a curto
e médio prazos, a longo prazo esta estratégia significa a transformação da empresa familiar em não-
familiar, à medida que a propriedade do capital se desconcentra. Assim, essa solução parece não ser a
mais adequada. A atitude de esperar que o governo do país providencie condições de crescimento
econômico para as empresas, também não cabe mais em empresários , na entrada do terceiro milênio.
O cooperativismo, de caráter associativo, a formação e o fortalecimento de confederações,
sindicatos, organizações não - governamentais, enfim, associação de empresários e de funcionários
indicam um caminho onde a possibilidade de discussão, negociação e construção de soluções criativas.
Creio que é somente por meio do fortalecimento das pequenas e médias empresas brasileiras, que
nossa sociedade poderá enfrentar o desafio do processo de exclusão social , que tem suas bases no
desemprego, na miséria e na desigualdade social, que se incrementam a cada vez que uma empresa
nacional – quase sempre pequena ou média - fecha ou é vendida para uma – grande - multinacional.
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1. Introdução
2. Os conceitos de cultura
expressa os valores e as crenças que os membros desse grupo partilham. Tais va-
lores manifestam-se por meio de símbolos, como mitos, rituais, histórias, lendas e
uma linguagem especializada, orientando os indivíduos de uma referida cultura na
forma de pensar, agir e tomar decisões.
O indivíduo é essencialmente um ser de cultura. Nesse sentido, a cultura tor-
na possível a transformação da natureza e faz com que os povos se diferenciem pel-
as suas elaborações culturais, invenções e diferentes resoluções e encaminhamentos
dos problemas.
Hall (1978:80) afirma que
a cultura possui três características: ela não é inata, e sim aprendida; suas dis-
tintas facetas estão inter-relacionadas; ela é compartilhada e de fato determina
os limites dos distintos grupos. A cultura é o meio de comunicação do homem.
Assim, pode-se dizer que por cultura entende-se aqui um conjunto complexo
e multidimensional de tudo o que constitui a vida em comum nos grupos sociais. Se-
ria ainda um conjunto de modos de pensar, de sentir e de agir, mais ou menos for-
malizados, os quais, tendo sido aprendidos e sendo partilhados por uma pluralidade
de pessoas, servem de maneira ao mesmo tempo objetiva e simbólica, e passam a in-
tegrar essas pessoas em uma coletividade distinta de outras. É o resultado de ações
cujos componentes e determinantes são compartilhados e transmitidos pelos mem-
bros de um dado grupo.
Para compreender a cultura em países diferentes, é necessário entender a so-
ciedade e a cultura nacionais, suas concepções de vida em sociedade, seus valores e
a forma de governo de um determinado grupo. Partindo dessas considerações inici-
ais, é que se apresentará, de forma sucinta, a contextualização da cultura brasileira,
visto que as características culturais do país tendem a se refletir nas culturas orga-
nizacionais.
3. A cultura brasileira
Faz-se necessário comentar que a realidade brasileira é muito mais complexa do que
normalmente tem-se procurado fazê-la. No Brasil, a multiplicidade de valores insin-
ua-se nas mais diversas situações sociais, o que torna uma tarefa bastante extensa e
de difícil compreensão entendê-la a partir de um único ponto de vista. No entanto,
para efeito de apresentação, será utilizado o termo cultura brasileira no seu sentido
genérico, referindo-se ao que se relaciona ou caracteriza o Brasil, devendo resguard-
ar-se todas as diferenças regionais de um país com dimensões continentais.
A preocupação em levantar as características da cultura brasileira não é re-
cente, visto que desde a década de 1930 vêm se desenvolvendo estudos e pesquisas
com esse objetivo. Basta citar estudos desenvolvidos por Hollanda (1989), Azevedo
(1958), Moog (1981), DaMatta (1983 e 1997), Freitas (1997), Martins (1997), entre
tantos outros.
As múltiplas interpretações que visam levantar aspectos da cultura brasileira
enfocam detalhes diferentes, de acordo com o referencial teórico de seus pesquisa-
dores. De um lado, autores como Caio Prado Júnior (1965), que enfatizou as
questões da estrutura econômica, política e racial, priorizando aspectos relacionados
aos macroprocessos. De outro, autores como DaMatta (1983 e 1985), Hollanda
(1989), Azevedo (1958) e Moog (1981) explicaram o Brasil por meio da compreen-
são de elementos que influenciaram sua formação histórica e cultural.
Lodi (1993) enfatiza as contribuições de Hollanda, Azevedo e Moog.
Hollanda isolou os seguintes aspectos como componentes importantes para
interpretar o tipo nacional brasileiro: culto da personalidade; dificuldade para o co-
operativismo e para a coesão social; presença de traços decorrente de sua coloniza-
ção por aventureiros; ausência de culto ao trabalho; cultura ornamental e
cordialidade presentes como características marcantes. Já Azevedo apresentou como
traços característicos da psicologia do povo brasileiro: afetividade, irracionalidade e
misticismo; religiosidade católica popular, cultivo da docilidade; sobriedade diante
da riqueza; vida intelectual e literária de superfície, erudição não-prática; individual-
ismo não-criativo, atitude anti-social; atitude de tirar proveito em relação ao Estado.
Moog apresenta alguns traços característicos da civilização brasileira: geografia que
leva ao isolamento e produz o individualismo; religiosidade mais instintiva e desor-
denada; sentido predatório-extrativista.
Para DaMatta (1997), o Brasil é uma sociedade sui generis, no sentido de que
apresenta múltiplos eixos ideológicos, como a hierarquia e o individualismo, sem que
sejam hegemônicos e competitivos, mas complementares. Nesse ambiente se desen-
rola o dilema brasileiro, ou seja, a tensão permanente entre as categorias de indi-
víduo e pessoa.
As organizações brasileiras possuem características peculiares em relação a
organizações de outras culturas ou países e refletem os valores culturais da so-
ciedade maior. Os valores culturais são transmitidos para as pessoas pelo processo
com o mesmo título, de Terrence Deal e Allan Kennedy, em 1982. Desde então, a
literatura técnica específica vem utilizando o termo.
Apesar disso, não há concordância quanto ao conceito do termo utilizado, não
existindo nenhuma definição clássica ou básica para os conceitos. No entanto, algu-
mas características surgem repetidamente nas obras de vários pesquisadores. Vários
autores concordam que cultura organizacional é historicamente determinada, rela-
cionada com os conteúdos que os antropólogos estudam, socialmente construída,
difícil de ser modificada. Entre eles pode-se citar Chanlat (1995) e Morgan (1996).
Segundo Mintzberg e colaboradores (2000), a cultura organizacional é a base
da organização. São as crenças comuns que se refletem nas tradições e nos hábitos,
bem como em manifestações mais tangíveis — histórias, símbolos, ou mesmo edifí-
cios e produtos.
Para o autor, a força de uma cultura está em legitimar as crenças e os valores
compartilhados entre os membros de uma organização. A cultura organizacional não
existiria sem as pessoas.
A cultura organizacional é um conceito essencial à construção das estruturas
organizacionais. Percebe-se, então, que a cultura de uma organização será um con-
junto de características que a diferencia em relação a qualquer outra. A cultura as-
sume o papel de legitimadora do sistema de valores, expressos através de rituais,
mitos, hábitos e crenças comuns aos membros de uma organização, que assim
produzem normas de comportamento genericamente aceitas por todos.
de. Vários autores que trabalham nesta abordagem vêem a cultura como uma variáv-
el quantificável e manipulável.
Visão antropológica, sistêmica fechada. A cultura pode ser vista como um siste-
ma de idéias, significações ou conhecimento encontrados em toda a sociedade. Al-
guns pesquisadores dessa visão associam a cultura da empresa à sua história e aos seus
fundadores. Enfatizam o código, mas são criticados por esquecerem os conteúdos e as
práticas dos atores sociais. A organização é vista como um sistema fechado, descon-
siderando o contexto social global.
Visão antropológica, sistêmica aberta. Considera que a cultura está presente
em toda organização, sem que haja uma cultura própria, específica. Smircich (1983)
e Morgan (1996) dizem que organizações são fenômenos socioculturais. Baseiam-se
na antropologia etnográfica, que vê a cultura como um sistema sociocultural. A or-
ganização é vista como um sistema aberto, inserida em um contexto global que inter-
fere. Para pesquisadores dessa abordagem, existem cinco processos que interferem
na cultura organizacional: adaptação societal ou cultura nacional; pressões institu-
cionais; comunidades profissionais; confrontações e aprendizagem cultural. A cultu-
ra organizacional não é determinada pelo ambiente, ela se estrutura pelo jogo de
atores que agem na organização e o fazem num ambiente de múltiplas interações.
Sob esse prisma, não há como manipular a cultura, mas sim acompanhar o seu pro-
cesso de desenvolvimento, uma vez que esta é vista como dinâmica, em constante
mutação, portanto.
Uma outra abordagem da cultura organizacional é a proposta por Frost
(1991), em que três grandes perspectivas dominaram a pesquisa em cultura orga-
nizacional: integração, diferenciação e fragmentação.
A perspectiva integrativa retrata a cultura predominantemente em termos de
consistência. Em suma, os estudos escritos, desde uma perspectiva integrativa, de-
finem cultura em termos de clareza e valores constantes, interpretações e/ou as-
sunções que são demonstrados na base da organização. Para a extensão, que inclui
inconsistências, conflito, ambigüidade ou mesmo diferenciação subcultural, quan-
do aparecem, esses estudos são vistos como uma evidência da ausência de uma
cultura organizacional.
Em contraste, estudos congruentes com a perspectiva de diferenciação retratam
manifestações culturais como predominantemente inconsistentes entre si. De acordo
com esses estudos, para a extensão que o consenso emerge, este ocorre apenas em nív-
el de subculturas. No grau de análise organizacional, subculturas diferenciadas podem
coexistir em harmonia, conflito ou indiferença entre si. Sob o ponto de vista da difer-
enciação, subculturas são como ilhas de claridade, e a ambigüidade é levada para além
de suas fronteiras.
A perspectiva da fragmentação vê a ambigüidade como um aspecto inevitáv-
el da vida contemporânea. Esses estudos focalizam predominantemente a experiên-
Dessa definição decorre que a cultura de um dado grupo refletirá o que aquele
grupo aprendeu através da resolução de problemas particulares no decorrer de sua
própria história. Geralmente os valores são baseados nos valores e crenças dos funda-
dores daquele grupo, se o grupo tem sucesso, e o processo se repete: o que original-
mente eram os valores e crenças dos fundadores se torna válido nas experiências do
grupo. Esse processo inicia-se normalmente com as crenças e valores preditivos sobre
como as coisas são (crenças) e como deveriam ser (valores). A validação dos valores
Pimenta (1998) afirma que até o século XIX o Estado brasileiro pode ser caracteriza-
do como um Estado patrimonialista (para Martins, 1997, o Estado patrimonialista é a
cultura de apropriação daquilo que é público pelo privado), devido à sua pequena
do ponto de vista das organizações públicas, essa fase (década de 1930) não
implicou uma maior demanda sobre a administração pública, nem registrou es-
forços sistemáticos de reforma administrativa, senão reestruturações ministeri-
ais próprias da atividade governamental do Império e da implantação do
federalismo desconcentrado da República Velha.
Segundo Marcelino (2003), foi no período entre 1930 e 1945 que se desen-
volveram ações de renovação e inovação do poder governamental. As premissas
fundamentais eram a reforma do sistema de pessoal, a implantação e simplificação
de sistemas administrativos e das atividades de orçamento, para promover eficiência
à administração pública.
Denota-se que a característica mais marcante desse período foi a reforma dos
meios, ou seja, das atividades de administração geral, em detrimento da reforma dos
fins, isto é, das atividades substantivas.
Conforme afirma Marcelino (2003), o impulso reformista entrou em colapso
após 1945, com a queda do Estado Novo, regime autoritário implantado por Getúlio
Vargas em 1937. A falência ocorreu devido à reforma ter obedecido a uma orientação
autocrática e impositiva por ocorrer num período ditatorial (1937-45), como já foi cita-
do anteriormente, o que contribuiu para que a administração assumisse características
de um sistema fechado. Somente em 1952 esboçou-se um novo ciclo, que se estendeu
por 10 anos, durante os quais se realizaram estudos e se elaboraram projetos que não
chegaram, entretanto, a se concretizar.
Para Marcelino (2003), na década de 1960 consolidava-se o modelo chamado
“administração para o desenvolvimento”, voltado fundamentalmente para a expan-
são da intervenção do Estado na vida econômica e social, para a substituição das
atividades de trabalhadores estatutários por celetistas e para a criação de entidades
da administração descentralizada para realização da intervenção econômica do Esta-
do. O clima político-institucional dos governos autoritários gerou um modelo orga-
nizacional no país que se caracterizou pela centralização de um complexo aparelho
burocrático.
Ainda, segundo o mesmo autor, o desafio dos anos 1980 era instalar sistemas
administrativos que pudessem acelerar o desenvolvimento e possibilitar ao país o
uso efetivo de seus recursos. No entanto, o complexo processo de reforma adminis-
trativa vincula-se ao contexto econômico, social, político e cultural do país, não po-
dendo, dessa forma, ser enfatizado somente sob os aspectos legal e técnico.
Nota-se que diante dos desafios dos anos de 1980, enfrentados pelo Estado, a
Constituição promulgada em 1988, segundo Pimenta (1998), paradoxalmente criou
uma série de direitos e garantias aos trabalhadores de organizações públicas, que vi-
eram sobrecarregar as despesas do Estado. É o caso da estabilidade dos trabal-
hadores, da obrigatoriedade de implantação do regime jurídico na área de pessoal,
que aumentou os seus direitos e garantias em organizações públicas, e da igualdade
de vencimentos para cargos assemelhados, entre outros.
De acordo com Carbone (2000), a história da administração pública no Brasil
ainda é muito recente. Se não é muito comparada a outras culturas, é suficiente para
gerar um modus operandi próprio. No Brasil, os trabalhadores de organizações
públicas sempre necessitaram possuir habilidades diplomáticas nas suas relações de
trabalho, para não provocarem divergências com a administração pouco competente
dos gestores. Nas organizações públicas, são as relações de estima e os jogos de in-
fluência os verdadeiros indicadores de poder no Brasil.
Segundo Castor e José (1998), a história da administração brasileira é uma
repetição monótona da luta entre duas forças: de um lado, uma burocracia formalista,
ritualista, centralizadora, ineficaz e adversa às tentativas periódicas de modernização do
aparelho do Estado, aliada aos interesses econômicos retrógrados e conservadores,
embora politicamente influentes; de outro, as correntes modernizantes da burocracia e
seus próprios aliados políticos e empresariais. A primeira quer perpetuar seu controle
social e seus privilégios por meio da centralização burocrática, de natureza conserva-
dora e imobilista. As forças modernizantes, por seu turno, industrializadas e abertas ao
exterior, exigindo novas missões para o Estado, principalmente na área de ampliação da
infra-estrutura econômica e social, hoje apontam para a globalização e o liberalismo.
Dias (1998) afirma que as organizações públicas têm como objetivo prestar serviços
para a sociedade. Elas podem ser consideradas como sistemas dinâmicos, extrema-
mente complexos, interdependentes e inter-relacionados coerentemente, envolvendo
informações e seus fluxos, estruturas organizacionais, pessoas e tecnologias. Elas cum-
prem suas funções, buscando uma maior eficiência da máquina pública e um melhor
atendimento para a sociedade.
Segundo Dussault (1992:13),
t projetos de curto prazo — cada governo só privilegia projetos que possa concluir
em seu mandato, para ter retorno político;
t duplicação de projetos — cada novo governo inicia novos projetos, muitas vezes
quase idênticos, reivindicando a autoria para si;
t conflitos de objetivos — conflito entre os objetivos do corpo permanente e do
não-permanente, o que pode gerar pouco empenho em relação aos procedimen-
tos que vão contra interesses corporativos — ciência de que a chefia logo será
substituída;
t administração amadora — administração feita por indivíduos com pouco conhec-
imento da história e da cultura da organização e, muitas vezes, sem o preparo téc-
nico necessário — predomínio de critérios políticos em detrimento da capacidade
técnica ou administrativa dos nomeados.
Ainda segundo o mesmo autor, outro ponto fundamental gerado pela estabil-
idade é o aumento dos custos públicos, que impede a adequação dos quadros de tra-
balhadores às reais necessidades do serviço, tanto em termos de quantidade quanto
de especialização técnica, inviabilizando, ao mesmo tempo, a implantação de um
sistema de administração eficiente, baseado em incentivos e punições.
Johnson (1996) afirma que o fato de a propriedade ser pública torna frágeis,
complexos e lentos vários processos que se podem apresentar muito simples e
dinâmicos na organização privada, cujos objetivos são mais claros e o foco do con-
trole externo é uma pequena fração daquele exercitado sobre uma organização finan-
ciada pela sociedade.
Os autores acrescentam ainda que o controle público tem influência no plane-
jamento e na gestão. Esse controle, de forte conotação política, é o único caminho
para o equilíbrio das forças sociais. Nas organizações controladas pelo governo há a
predominância dos processos políticos, que muitas vezes oneram de várias formas os
processos operacionais e administrativos ou, mesmo, se opõem a eles.
Shepherd e Valencia (1996) afirmam que as situações que dificultam a ad-
ministração de organizações públicas são:
pal razão para a entrada no serviço público. Como representação social, porém, a es-
tabilidade já não tem significado positivo entre os trabalhadores. Pode-se dizer
mesmo que inexiste uma defesa da estabilidade como um princípio ideativo, pelo
contrário, nas várias categorias profissionais dos participantes da pesquisa há uma
noção associada a descompromisso, desmotivação e mau desempenho.
Ainda que grande parte dos entrevistados tenha avaliado negativamente a es-
tabilidade do ponto de vista de suas conseqüências para o desempenho no trabalho, a
pesquisa revela que ninguém quer abdicar dessa condição. Isto se explica não ape-
nas pelo próprio fato de consistir em direito adquirido, mas também pela desconfi-
ança que predomina entre os trabalhadores em relação à manutenção e/ou
cumprimento das regras do jogo e ao efetivo exercício da meritocracia no setor
público, o que costuma ser atribuído de forma generalizada à “política”.
Ainda em relação à pesquisa, quando perguntados sobre as mudanças no set-
or público, 41% consideraram que as mudanças “não dão certo por causa dos inter-
esses políticos” e 40% que “podem melhorar o setor”. Se, por um lado, as respostas
confirmaram a representação negativa em relação a tudo aquilo que é associado à
“política”, por outro, elas mostram que uma parte dos servidores crê em mudanças.
De acordo com a pesquisa, ao serem perguntados sobre “Quem costuma ‘se
dar bem’ no serviço público?”, a maioria dos trabalhadores públicos apontou “quem
tem padrinho político”, ou seja, ainda que o mérito — “desempenho profissional” —
e a qualificação técnica — “capacitação profissional” — sejam valores incorpora-
dos e aspirados, predomina a opinião de que, na prática, os que têm padrinho políti-
co são mais bem-sucedidos. Ainda que exista, entre os trabalhadores, aspirações e
atitudes universalistas, a isso não corresponde à crença de que as regras do jogo se-
jam as mesmas para todos, o que provavelmente tem implicações negativas do pon-
to de vista da formação de um ethos de envolvimento e comprometimento com o
serviço público.
A autora da pesquisa concluiu que as aspirações de meritocracia e competên-
cia técnica, amplamente difundidas entre os servidores, são parte da gramática uni-
versalista que certamente está presente e rege as relações de trabalho em uma área
envolvendo atividades de alta complexidade e especialização. O setor público é per-
cebido como um terreno onde predominam o apadrinhamento político, as relações
de favorecimento pessoal e os privilégios que contornam as normas formalmente in-
stituídas. O sentimento de iniqüidade e injustiça, bem como a incongruência entre o
discurso e as práticas oficiais, produz frustração em relação aos projetos pessoais e
profissionais, levando à desmotivação e dificultando a formação de expectativas
positivas quanto às possibilidades de mudança.
8. Conclusões
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RESUMO
Introdução: A Ergonomia dialoga com a Psicodinâmica do Trabalho na medida em que
trazem à tona a discussão sobre instrumentos que transformam positivamente contextos
laborais potenciais geradores de impactos negativos sobre o trabalhador. Este movimento
de envolver os sujeitos que laboram é fundamental no gerenciamento dos riscos
ocupacionais, em especial no atual momento vivenciado pela legislação trabalhista. O
processo de atualização das Normas Regulamentadoras – NR’s, em especial, a NR 1,
tornará compulsório o gerenciamento de riscos e tanto a Ergonomia quanto a
Psicodinâmica do Trabalho em muito contribuirão não só no atendimento à legislação,
mas também na melhoria contínua, bem-estar e qualidade de vida no trabalho. O presente
estudo teórico visou fazer um diálogo entre a Ergonomia e a Psicodinâmica do Trabalho
no gerenciamento de riscos ocupacionais. Metodologia: Foi realizada uma análise
bibliométrica a partir de um levantamento na base de periódicos da CAPES e repositório
de dissertações e teses da USP, em língua portuguesa, no período de 2010 a 2020. Os
descritores utilizados foram Ergonomia, Psicodinâmica do Trabalho e Segurança do
Trabalho. Resultados e Discussão: Foram encontrados 11 artigos, 06 teses de doutorado
e 02 dissertações de mestrado, totalizando 19 ítens. Após análise, os resultados indicam
que 17 publicações revelam que o fator humano deve ser considerado em todas as suas
vertentes e nuances para toda e qualquer avaliação dos aspectos laborais, 35% destas
publicações focaram no fator humano em si, 35% associaram-no à análise da atividade;
15% relacionaram o fator humano à organização do trabalho e 15% deram ênfase à
importância da participação desse fator humano e ao diálogo com este. A Segurança do
Trabalho, área em sua maioria constituída por profissionais técnicos responsáveis pelo
gerenciamento de riscos, deve alertar para este diálogo entre a Ergonomia e a
Psicodinâmica do Trabalho e incorporá-lo em suas práticas. Conclusão ou Considerações
Finais: Associar a Ergonomia e Psicodinâmica na prática do gerenciamento de riscos
ocupacionais considerando em sua totalidade o trabalhador é uma atitude socialmente
responsável e cautelosa, já que agindo proativamente este ser humano vivenciará
situações laborais dignas, seguras e confortáveis.
ABSTRACT
Introduction: Ergonomics dialogues with Psychodynamics of Work to the extent that they
bring up the discussion about instruments that positively transform labor contexts that can
generate negative impacts on the worker. This movement of involving the subjects that
work is fundamental in the management of occupational risks, especially in the current
moment experienced by the labor legislation. The process of updating the Regulatory
Norms - NR's, especially NR 1, will make risk management compulsory and both
Ergonomics and Work Psychodynamics will contribute a lot not only to comply with the
legislation, but also to the continuous improvement, well-being, and quality of life at
work. This theoretical study aimed to establish a dialogue between Ergonomics and
Psychodynamics of Work in the management of occupational risks. Methodology: A
bibliometric analysis was carried out from a survey in the CAPES periodicals database
and USP's repository of dissertations and theses, in Portuguese, from 2010 to 2020. The
descriptors used were Ergonomics, Psychodynamics of Work and Occupational Safety.
Results and Discussion: 11 articles, 06 doctoral theses and 02 master's dissertations were
found, totaling 19 items. After analysis, the results indicate that 17 publications reveal
that the human factor must be considered in all its aspects and nuances for any evaluation
of labor aspects, 35% of these publications focused on the human factor itself, 35%
associated it with the analysis of the activity; 15% related the human factor to the
organization of work and 15% emphasized the importance of the participation of this
human factor and the dialogue with it. Occupational Safety, an area mostly comprised of
technical professionals responsible for risk management, should be aware of this dialogue
between Ergonomics and Psychodynamics of Work and incorporate it into their practices.
Conclusion or Final Considerations: To associate Ergonomics and Psychodynamics in the
practice of occupational risk management considering in its totality the worker is a
socially responsible and cautious attitude, since acting proactively this human being will
experience dignified, safe and comfortable labor situations.
1 INTRODUÇÃO
Avaliar riscos ocupacionais é uma constante na rotina laboral dos profissionais da
Saúde e Segurança do Trabalho. Tanto a Ergonomia quanto a Psicodinâmica do Trabalho
(PDT) poderão contribuir para um olhar profundo e contínuo a estes riscos, envolvendo
os trabalhadores que a ele estão expostos e permitindo não só o cumprimento da
legislação bem como a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida no trabalho.
A Ergonomia, segundo Grandjean (1998) é o estudo da relação entre o homem e
o trabalho, na tentativa de adaptar o meio ambiente laboral ao homem que nele está
inserido. O prefixo ergo origina da palavra grega que significa “ação, trabalho, obra”,
remetendo a energia e vitalidade do trabalhador e a sua relação com este meio. A análise
desta relação se dá sob o ângulo da saúde (SCHWARTZ, 2007).
ambientais, medidas estas que irão compor um sistema de gestão contínua (OLIVEIRA;
MENDES, 2014).
Dentre estas medidas estão as metodologias utilizadas na Ergonomia e na
Psicodinâmica do Trabalho que devem, portanto, ser incorporadas à prática diária da
gestão de riscos nos ambientes de trabalho.
2 MÉTODO
Na presente pesquisa foi realizada uma análise bibliométrica a partir de um
levantamento na base de periódicos da CAPES/MEC, em língua portuguesa, no período
de 2010 a 2020. Os descritores utilizados foram “Ergonomia”, “Psicodinâmica do
Trabalho” e “Gestão de Riscos”, palavras-chaves estas utilizadas de modo associadas.
Por análise bibliométrica entende-se o estudo que apresenta um teor quantitativo
tanto da produção, quanto da disseminação e uso das informações registradas. Trata-se
de uma técnica que analisa as características dos autores e das fontes de publicação, a
base de dados e outras fontes de informação, bem como tendências de utilização dessas
informações (MACHADO; MACÊDO, 2016).
Em se tratando dos objetivos, o estudo classifica-se como descritivo. Segundo Gil
(2011), este tipo de pesquisa tem como finalidade principal a descrição das características
de determinada população ou fenômeno, fazendo uso de técnicas padronizadas de coleta
de dados.
3 RESULTADOS
A partir da análise, foram levantados 86 estudos. Após proceder com a leitura dos
respectivos resumos, foram considerados 29, sendo 22 relacionados à Ergonomia e
Gestão de Riscos e 07 pertinentes à Psicodinâmica do Trabalho e Gestão de Riscos. Tal
exclusão se deu pelo fato de que os estudos não contemplavam a temática proposta,
mesmo que tivessem no rol de produções científicas após a escrita dos descritores
mencionados.
Do total de 29 estudos considerados na presente pesquisa, 84 participaram como
autores e coautores. Destes, 47 do gênero masculino e 37 do gênero feminino cujos
percentuais que representam estão demonstrados no quadro 1.
A maioria dos estudos foi elaborada em parceria. Dois, três e quatro autores juntos
compartilham suas experiências acadêmicas e profissionais na escrita e publicação de
suas pesquisas. A quantidade de estudos escrito por um único autor ou por cinco autores
ou mais, ou seja, os extremos, foram as que representaram menor percentual. O quadro 2
demonstra o percentual da quantidade de autores por estudo.
4 DISCUSSÃO
Segundo Bolis (2015), entrevistas apresentam vantagens relacionadas à facilidade
de contemplar múltiplos tópicos, de construir confiança com os interlocutores, de
possibilitar a construção de verdades, de coletar dados detalhados e de permitir o
entendimento das percepções dos entrevistados. É por meio das entrevistas que
relacionamentos com os interlocutores da organização são desenvolvidos e se dá o
aprendizado sobre questões organizacionais intrínsecas, críticas e complexas.
Tanto por meio das entrevistas quanto através de questionários, sendo este último
a metodologia adotada por 05 estudos é que se cumpre parte da Norma Regulamentadora
nº 17 (NR 17) e seu respectivo manual (BRASIL, 2002) ao trazer em seu texto a palavra
conforto. É imprescindível buscar a opinião do(a) trabalhador(a) acerca deste quesito no
posto de trabalho e esta constante “consulta” aos que executam as atividades é parte de
uma gestão participativa.
Tendo como certa a inevitável interação do homem com o trabalho, a necessidade
de ouvir o trabalhador, ou mais que isso, propiciar que o trabalhador retome a palavra,
incita uma discussão que não somente evita a degradação da saúde, mas que, numa
abordagem ativa da saúde do trabalhador, amplia as possibilidades de construção e
reinvenção da relação saúde e trabalho (MARQUES; MARTINS; SOBRINHO, 2011).
Tanto a legislação nacional quanto internacional, compondo esta última a
convenção nº 148 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) regulamentam a
participação dos trabalhadores no acompanhamento das inspeções do trabalho e a
implementação das negociações tripartites, permitindo, consequentemente, melhorias das
condições de trabalho no país (OLIVEIRA et al, 2011). As entrevistas (semiestruturada e
em autoconfrontação), os questionários, as escalas de avaliação e o brainstorming são
métodos que envolvem a população trabalhadora e trilham um caminho para a gestão.
5 CONCLUSÃO
O objetivo da presente pesquisa foi fazer um levantamento da contribuição da
Ergonomia e da Psicodinâmica do Trabalho em gestão de riscos na saúde e segurança do
trabalho através de uma análise bibliométrica a partir de um levantamento na base de
periódicos da CAPES de 2010 a 2020.
Conclui-se que o objetivo da pesquisa foi alcançado, revelando que a relação entre
Ergonomia e gestão de riscos está mais evidente do que a relação entre Psicodinâmica do
Trabalho e gestão de riscos. Poucos foram os estudos que trouxeram o olhar da PDT para
a gestão de riscos na saúde e segurança do trabalho. Pode-se inferir que a lacuna desta
temática na formação de engenheiros, médicos, enfermeiros dentre outros profissionais
que estão entre os autores dos estudos seja a razão da baixa quantidade de estudos que
relacionam PDT e gestão de riscos.
Depreende-se também, a partir deste estudo, que dentre as inúmeras metodologias
adotadas, a grande maioria contempla a participação dos trabalhadores e análise dos
fatores que envolvem a atividade e as operações, elementos estes cruciais nos estudos da
Ergonomia e Psicodinâmica do Trabalho.
Parafraseando Holz; Bianco (2014), “[...] a gestão coloca-se mais como uma arte
do que como uma técnica”, cabendo a cada gestor e organizador do trabalho, considerar
os imperativos de toda atividade humana e a contradição entre normas necessárias e
renormalizações tratando as situações sempre singulares.
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