A Biotecnologia e A Guerra Biológica
A Biotecnologia e A Guerra Biológica
A Biotecnologia e A Guerra Biológica
RESUMO
ABSTRACT
58 – 1o Trimestre de 2014
apparently ignored in today discussions, most focused on the economic, politic and
ideological aspects, of the technology of recombinant DNA.
INTRODUÇÃO
1o Trimestre de 2014 – 59
hereditária codificada na sequência de DNA dos cromossomos dos seres humanos.
A ampliação das capacidades dos meios informatizados permitiu que praticamen-
te todo sequenciamento do genoma humano fosse concluído em 2003 graças ao
empenho da empresa Celera Genomics, fundada pelo geneticista Craig Venter que
conseguiu combinar sua capacidade de pesquisador com um talento de empresá-
rio. Indo além do projeto genoma Venter também fundou um instituto que, em maio
de 2010, anunciou a criação de uma célula bacteriana com genoma artificial. Os
pesquisadores implantaram um genoma criado em laboratório na célula de uma
bactéria que teve seu genoma original totalmente retirado. O anúncio provocou per-
plexidade. Para a ciência, a bactéria sintética representa um avanço importante na
compreensão dos mecanismos da vida, porém, o feito também despertou discus-
sões sobre seus riscos potenciais, inclusive no desenvolvimento de novas formas
de armas biológicas.
A criação da bactéria sintética teria custado 15 anos de trabalho e US$ 40 mi-
lhões em investimentos. Após o anúncio do feito, o grupo de Venter teria recebido
recursos de algumas centenas de milhões de dólares de uma companhia petrolífe-
ra, para pesquisas em engenharia genética com algas que possam ser utilizadas
na produção de combustíveis.
A genética molecular representa hoje um campo relativamente novo e promis-
sor do conhecimento humano. O desconhecimento quanto a seus riscos opõe-se
à percepção de seu potencial, o que provoca diferentes reações nos que acompa-
nham seus progressos ou se surpreendem com suas realizações. Ao mesmo tem-
po em que uns se preocupam fortemente com a biossegurança, outros alimentam
esperanças que a biotecnologia ofereça soluções para os problemas do homem e
da natureza. As implicações são inimagináveis. Só para citar algumas, o desenvol-
vimento dessa tecnologia possibilitará a produção de alimentos em maior quanti-
dade e qualidade e em praticamente qualquer ambiente, a eliminação das perdas
com pragas, o aumento do valor nutricional (através da produção de alimentos com
maiores teores de vitaminas e minerais e até mesmo contendo anticorpos contra
doenças, servindo também como vacinas), o desenvolvimento de novos materiais,
novos medicamentos, novos combustíveis, novas formas de prevenção e tratamen-
to de doenças e a criação de inúmeros novos produtos, mais baratos e de melhor
qualidade.
Dentre as infinitas possibilidades abertas com a manipulação genética de se-
res vivos a que causa maior preocupação no meio militar é a eventual criação de
novos e mais letais agentes de guerra biológica. Com essa tecnologia é possível
tanto trazer de volta pragas do passado (como a peste negra e a varíola, por exem-
plo), através da criação de cepas mais virulentas e resistentes à quimioterapia exis-
tente, como também criar MO novos e mais letais capazes de causar doenças para
as quais não haveria quimioterapia disponível. Agrava ainda mais a situação o fato
de que o conhecimento necessário para a aplicação dessa tecnologia está farta-
mente disponível na literatura científica e na internet, além de não demandar muita
infraestrutura nem grande aporte de recursos, como no caso do desenvolvimento
de armas nucleares. Isso torna o desenvolvimento de novas armas biológicas irre-
sistível para países não signatários da Convenção para a Prevenção de Armas Bio-
60 – 1o Trimestre de 2014
lógicas (CPAB) (http://www.armscontrol.org/treaties/bwc) e para grupos terroristas.
A GUERRA BIOLÓGICA
1o Trimestre de 2014 – 61
para emprego como armas, 10.000 litros de toxina botulínica em forma concen-
trada, 6.500 litros de antraz concentrado e 1.580 litros de aflatoxina concentrada
(Linn, 2000).
Também em 1995, ocorreu o atentado terrorista do metrô de Tóquio. Em 20
de março daquele ano, membros da seita Verdade Suprema lançaram nos trens da
metrópole japonesa cerca de 45 Kg do agente químico Sarin, causando milhares
de vítimas dentre as quais 12 foram fatais. Nas investigações que se seguiram,
as autoridades policiais descobriram que aquela organização havia, anos antes,
dedicado-se ao desenvolvimento de armas biológicas, já tendo, em 1993, tentado
dispersar o Antraz em Tóquio. Esse fato demonstrou que grupos terroristas podiam,
sim, empregar armas químicas e biológicas em seus ataques (Ilha, 2002).
A capacidade do terrorismo empregar agentes biológicos ficou patente em
2001, poucos dias após o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro, quando
várias cartas contaminadas com Antraz foram enviadas de uma caixa postal em
New Jersey, endereçadas ao Congresso dos EUA, a outras autoridades políticas
e a redações de jornais. O terrorista foi bem sucedido. Aquelas cartas provocaram
o fechamento da câmara dos deputados, causaram a morte de pelo menos 5 pes-
soas e a contaminação de outras 18, mas seu maior dano foi o grande temor que
provocaram na população, tanto a norte-americana como a de outros países. Um
ano depois desse fato, o alemão Eckard Wimmer, radicado nos EUA, conseguiu o
feito de ser o primeiro pesquisador a sintetizar um vírus, o da poliomielite, em la-
boratório. Em 2010, quando soube da síntese da bactéria pelo grupo de cientistas
liderado por Craig Venter, Wimmer deu uma entrevista relatando otimismo e apre-
ensão. Para ele, a engenharia genética é o campo mais promissor para os avanços
na área de saúde; por outro lado, também é factível que grupos terroristas possam
encomendar fragmentos de DNA para, com base nos sequenciamentos genéticos
disponíveis na internet, montar vírus para ataques biológicos (Menchen, 2010).
62 – 1o Trimestre de 2014
engenharia genética da história.
O que viabilizou o desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante foi
a descoberta no final dos anos 60 das chamadas enzimas de restrição (endonu-
cleases) que atuam como tesouras moleculares e são capazes de reconhecer uma
sequência específica de nucleotídeos (bases que compõem o DNA) e cortar os
dois filamentos da sequência de DNA na ligação açúcar-fosfato produzindo os frag-
mentos de DNA. Elas são usadas toda vez que fragmentos de DNA precisem ser
cortados ou unidos. A função dessas enzimas na natureza é justamente proteger
as bactérias da ação de vírus, que as infectam através da inserção de seu material
genético para se incorporar ao DNA bacteriano, induzindo a bactéria a produzir
novos vírus. As enzimas de restrição são capazes de reconhecer os fragmentos de
DNA viral e recortá-los para fora do DNA da bactéria, evitando, assim, a infecção
viral. Essa capacidade torna-as extremamente úteis também para identificar e re-
cortar fragmentos em qualquer molécula de DNA, tornando possível a identificação
e isolamento de qualquer gene de interesse. Mais de 1000 enzimas de restrição de
diversos tipos diferentes já foram identificadas e isoladas de bactérias e as mais
importantes, e também mais usadas para a tecnologia do DNA recombinante, são
as enzimas de restrição do tipo II (Nicholl, 2006).
O processo de restrição é muito simples e consiste basicamente em adicionar
uma pequena quantidade da enzima a uma solução concentrada do DNA de inte-
resse purificado e aquecer a mistura a 37 oC. Em poucas horas a enzima cortará
todos os sítios de restrição no DNA produzindo uma mistura de fragmentos de DNA
(Pierce, 2004). Esses fragmentos podem ser identificados e separados através de
técnicas de eletroforese e, então, utilizados para a construção da molécula de DNA
recombinante. Para isso eles são unidos a uma molécula capaz de se reproduzir
quando introduzida na célula bacteriana. Essa molécula geralmente é um plasmí-
deo bacteriano, que pode ser facilmente isolado da bactéria em grandes quanti-
dades e apresenta poucos e limitados sítios de restrição (Burns & Bottino, 1991).
Tanto o plasmídeo quanto a molécula de DNA de interesse são submetidas à ação
da mesma enzima de restrição que produzirá extremidades complementares. Des-
sa forma os fragmentos do DNA de interesse (exógeno) poderão se unir facilmente
ao plasmídeo. Isso é feito pela ação da enzima DNA-ligase, resultando na molé-
cula de DNA recombinante (Figura 1). O plasmídeo contendo o fragmento de DNA
exógeno é agora chamado de vetor e, ao ser introduzido numa célula bacteriana,
pode se replicar à medida que essa célula se reproduz em meio de cultivo. Para
selecionar apenas aquelas células bacterianas que contêm o plasmídeo mutante,
são usados no processo de construção da molécula de DNA recombinante apenas
plasmídeos que contenham genes que conferem resistência a antibióticos. Dessa
forma, quando se cultiva as células bacterianas em um meio contendo antibiótico,
apenas as bactérias transformadas com o plasmídeo vetor sobrevivem e crescem.
Esse processo leva à produção de uma grande quantidade de células bacterianas
mutantes contendo o mesmo fragmento de DNA exógeno de interesse. Como as
bactérias se reproduzem por mitose, produzindo cópias idênticas de si mesmas, ou
clones, esse processo é chamado de clonagem molecular (Nicholl, 2006).
As bactérias mutantes irão, portanto, expressar os genes incorporados le-
1o Trimestre de 2014 – 63
vando à produção das proteínas desejadas. Se o gene incorporado for o gene que
codifica a produção da insulina humana, por exemplo, a bactéria mutante passará
a produzi-la.
Figura1. Ilustração do processo de produção de um OGM. Adaptado de: Encyclopaedia Britanica Inc., 2002.
64 – 1o Trimestre de 2014
A REGULAMENTACAO DO DESENVOLVIMENTO E USO DE OGM
1o Trimestre de 2014 – 65
(CNBS).
A Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995, foi o primeiro instrumento jurídico
que estabeleceu normas para o uso das técnicas de engenharia genética e para a
liberação de OGM no meio ambiente. Aquela Lei também autorizou o Poder Execu-
tivo a criar a CTNBio, no âmbito da Presidência da República. Na sua regulamen-
tação pelo Decreto nº 1752, de 20 de dezembro de 1995, a CTNBio ficou vinculada
ao Gabinete do Ministro da Ciência e Tecnologia sendo efetivamente constituída
e passando a trabalhar. Enquanto seus pareceres se limitaram a autorizar plantio
de cultivares transgênicos apenas para caráter experimental, não houve maiores
reações ao seu funcionamento. Contudo, em 1º de outubro de 1998, a Comissão
expediu um parecer autorizando o plantio comercial de uma variedade de soja re-
sistente a um herbicida. A partir de então, começou uma longa batalha jurídica que,
alguns anos mais tarde, culminou no encerramento das atividades da comissão.
Pode-se entender pelo menos parcialmente os motivos que levaram à inter-
rupção da CTNBio. No final dos anos 1990, havia forte desconfiança quanto aos
transgênicos. Por um lado, tratava-se de uma tecnologia muito recente, com fortes
implicações ambientais e para a saúde humana. Contudo, a forte campanha lan-
çada contra a primeira CTNBio também tinha forte componente econômico, com a
expectativa de conquista de mercados pelos alimentos convencionais, cultivados
no Brasil, face à forte rejeição do mercado europeu aos OGM. O trabalho da CTN-
Bio teve de ser interrompido, mas suas atribuições eram indispensáveis. Por isso,
a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, restabeleceu a Comissão, redefinindo
sua finalidade e atribuições. Agora, a finalidade da CTNBio é prestar apoio técnico
consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e
implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM, bem como
no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos refe-
rentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente
para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação,
transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de
OGM e seus derivados.
A CTNBio é composta por especialistas nas áreas de saúde humana e ani-
mal, vegetal e ambiental, saúde pública, meio-ambiente, biotecnologia e saúde do
trabalhador, além de 02 representantes (um titular e um suplente) de cada um dos
Ministérios/Secretarias que compõem o CNBS [Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério do
Meio Ambiente (MMA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDICE), Ministério da Defe-
sa (MD), Ministério da Aqüicultura e Pesca e Ministério das Relações Exteriores
(MRE)].
O Ministério da Defesa também se faz representar na CTNBio através de 02
membros escolhidos dentre os especialistas em temas selecionados nos quadros
técnicos das 03 forças. Cabe a esses representantes zelar pelos interesses do MD
junto a CTNBio no tocante a defesa nacional, tendo em mente o lema: “desenvolvi-
mento com proteção”.
Como ilustração do trabalho da CTNBio, a Tabela 1 elenca as liberações co-
66 – 1o Trimestre de 2014
merciais de plantas geneticamente modificadas já feitas pela comissão desde 1998.
Tabela 1. Plantas geneticamente modificadas já liberadas pela CTNBio para consumo humano e animal.
soja Roundup Ready, bem como de qualquer germoplasma derivado da linhagem “glypho-
20/08/1998 sate tolerant soybean”(GTS) 40-30-2 ou de suas progênies geneticamente modificadas para
tolerância ao herbicida Roundup
17/03/2005 Algodão Bollgard Evento 531, resistente às principais pragas da Ordem Lepidoptera
algodão geneticamente modificado (Algodão Roundup Ready, Evento MON 1445) bem como
de todas as progênies provenientes do evento de transformação evento MON 1445 e seus
18/09/2008
derivados de cruzamento de linhagens e populações não transgênicas de algodão com linha-
gens portadoras do evento MON 1445
milho geneticamente modificado tolerante ao glifosato (Milho GA21, Evento GA21), bem
como de todas as progênies provenientes do evento de transformação GA21 e suas deri-
18/09/2008
vadas de cruzamento de linhagens e populações não transgênicas de milho com linhagens
portadoras do evento GA21
1o Trimestre de 2014 – 67
Data Planta Geneticamente Modificada
algodão contendo os eventos MON 531 x MON 1445, que conferem resistência a insetos e
29/04/2009
tolerância ao glifosato
milho geneticamente modificado resistente a insetos, bem como de todas as progênies pro-
17/09/2009 venientes do evento de transformação MIR 162 e suas derivadas de cruzamento de linha-
gens e populações não transgênicas de milho com linhagens portadoras do evento MIR 162
milho contendo o eventos MON810 e NK603, que conferem resistência a insetos e tolerância
17/09/2009 a herbicidas, respectivamente, combinados por via sexual, bem como de todas as progênies
provenientes destes
milho contendo os eventos TC 1507 e NK 603, que conferem resistência a insetos e tole-
15/10/2009 rância a herbicidas, respectivamente, combinados por via sexual, bem como de todas as
progênies proveniente
68 – 1o Trimestre de 2014
Data Planta Geneticamente Modificada
milho MON 89034 x NK 603, que confere resistência a insetos e tolerância a herbicida, bem
18/11/2010
como todas as progênies dele provenientes
milho TC1507 x MON810 x NK603, que confere resistência a insetos e tolerância a herbici-
16/06/2011
das, bem como todas as progênies dele provenientes
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1o Trimestre de 2014 – 69
como a bactéria Yersinia pestis (causadora da peste negra que assolou a Europa
em 03 grandes epidemias) na forma de cepas resistentes a quimioterapia exis-
tente. Todavia o ponto mais crítico é a possibilidade de criação de novos e mais
virulentos MO para os quais não seja possível o desenvolvimento de vacinas ou
quimioterapia. Tais MO seriam a arma biológica perfeita e, nas mãos erradas, po-
deriam eventualmente levar à extinção da humanidade. Todavia nota-se que esse
risco potencial é muito pouco discutido nos fóruns mundo afora que discutem a
regulamentação e as implicações da tecnologia do DNA recombinante. As discus-
sões nesses fóruns sempre giram em torno das questões econômicas, políticas e
ideológicas. Entendemos que cabe, portanto, aos órgãos de segurança chamar
a atenção para a importância desse ponto e convocar a comunidade acadêmica
a uma discussão mais profunda das implicações dessa tecnologia para a guerra
biológica e quais medidas práticas podem ser tomadas para evitar (se é que isso é
possível) que a arma biológica perfeita venha a ser criada a partir da tecnologia do
DNA recombinante.
AGRADECIMENTOS
70 – 1o Trimestre de 2014
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1o Trimestre de 2014 – 71
72 – 1o Trimestre de 2014