12 - Usinagem Por Abrasão

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 30

Usinagem por Abrasão

Diferentemente das operações executadas com arestas de geometria definida, na


usinagem por abrasão o material da peça é removido por meio da ação de grãos
abrasivos, os quais são partículas não-metálicas, extremamente duras, com arestas que
apresentam forma e orientação irregular. Exemplos típicos de operações abrasivas são o
lixamento, a retificação, a lapidação e o brunimento, entre outros. Embora haja registros
do uso da remoção de material por abrasão no antigo Egito (2000 a.C.) e no Antigo
Testamento (Samuel 13:20), a utilização de máquinas retificadoras industriais começou
na década de 1860, inicialmente com a produção de peças para máquinas de costura,
seguida de componentes para bicicletas (Malkin, 1989).

A retificação merece destaque dentre os processos abrasivos devido à sua


importância para a indústria metal-mecânica, visto que esta operação é capaz de
assegurar a produção de componentes com tolerâncias dimensionais e geométricas
superiores àquelas obtidas em operações que utilizam ferramentas de corte com
geometria definida (torneamento, fresamento, furação, etc). Por outro lado, a retificação é
considerada uma operação pouco eficiente, pois nela um elevado consumo de energia é
revertido em uma baixa taxa de remoção de material, se comparada às citadas operações
com ferramentas de geometria definida.

A Figura 11.1 apresenta as principais das operações de retificação (Kalpakjian,


1995). Observa-se que as operações podem ser agrupadas de acordo com a superfície
usinada (cilíndrica externa, cilíndrica interna ou plana) e com o movimento relativo entre
peça e rebolo (de passagem ou de mergulho).
Figura 11.1: Principais operações de retificação.

Além das operações descritas na Figura 11.1, outras de usinagem por abrasão
merecem destaque por sua aplicação em importantes segmentos da indústria metal-
mecânica. A Figura 11.2 ilustra algumas dessas operações, a saber: lapidação de esferas
de mancais de rolamentos, brunimento de cilindros, retificação de engrenagens e afiação
de ferramentas de corte.
Figura 11.2: Exemplos de operações de usinagem por abrasão: (a) lapidação de esferas de
rolamento, (b) brunimento, (c) retificação de engrenagens e (d) afiação de
ferramentas de corte.
11.1 Grandezas físicas das operações de retificação

As principais grandezas físicas relativas às operações de retificação são


apresentadas a seguir e ilustradas na Figura 11.3 para as operações cilíndrica e plana:

• vs: Velocidade periférica do rebolo (m/s);


• vw: Velocidade periférica da peça (mm/min);
• ap: Profundidade de usinagem (mm);
• ae: Penetração de trabalho (mm);
• lc: Comprimento de contato rebolo-peça (mm).

Figura 11.3: Grandezas físicas na retificação.

A velocidade periférica do rebolo, normalmente, varia entre 10 e 45 m/s para


rebolos com abrasivos convencionais, mas pode chegar a 90 ou 120 m/s no caso de
rebolos superabrasivos. Isto por implicar em valores de rotação do eixo-árvore superiores
a 10.000 rpm. Já a velocidade da peça assume valores mais modestos, na faixa de 10 a 25
mm/min (Nussbaum, 1988).
A profundidade de usinagem normalmente é selecionada em função da largura do
rebolo, sendo recomendado que o valor daquela não ultrapasse um terço do valor deste. A
penetração de trabalho, exceto em situações especiais, situa-se na faixa de centésimos de
milímetros, podendo, porém, variar de milésimos a décimos de milímetros. Estes baixos
valores de penetração de trabalho contribuem para a obtenção de tolerâncias estreitas
(qualidades de trabalho IT4 ou IT3) Já em operações com ferramentas de geometria
definida são empregados, obrigatoriamente, valores mais elevados de profundidade de
usinagem e de penetração de trabalho. Com isso tem-se a elevação das forças de
usinagem e, consequentemente, a obtenção de tolerâncias mais abertas (qualidades de
trabalho iguais ou superiores a IT7).

Finalmente, o comprimento de contato rebolo-peça define a extensão de contato


entre ambos, sendo particularmente elevado na operação cilíndrica interna quando o
diâmetro do rebolo se aproxima do diâmetro da peça. Por outro lado, no caso da operação
cilíndrica externa a extensão do contato do rebolo-peça resumir-se-ia a uma reta, não
fossem as deformações elásticas impostas ao par.

De forma a correlacionar as operações de retificação plana, cilíndrica externa e


cilíndrica interna, Hahn (apud Oliveira,1989) propôs uma grandeza denominada diâmetro
equivalente (de), que representa o grau com que a superfície do rebolo e da peça se
adaptam, vide Equação 11.1. O sinal positivo representa a operação cilíndrica externa e o
negativo a operação cilíndrica interna.

ds
de = (11.1)
  d s 
1    
  d w 

Onde ds é o diâmetro do rebolo;

dw é o diâmetro da peça.

Conhecendo o valor do diâmetro equivalente é possível determinar o comprimento de


contato rebolo-peça e, consequentemente, a pressão exercida pelo rebolo, parâmetro de
fundamental importância na seleção da dureza do rebolo. A Figura 11.4 ilustra essa
situação.

Figura 11.4: Equivalência entre diâmetros de rebolos nas operações cilíndrica interna e
externa.

Outra grandeza bastante empregada é a espessura de corte equivalente (heq),


proposta por Peters (apud Oliveira, 1989) e que representa a espessura da camada de
material arrancado pelo rebolo, vide Equação 11.2:

ae
heq = v w (11.2)
vs

A Figura 11.5 mostra a influência da espessura de corte equivalente sobre a


rugosidade e forças norma e tangencial específicas (Lindsay, 1995). Nota-se que com o
aumento de heq, essas três grandezas também têm seus valores elevados.
Figura 11.5: Influência da espessura de corte equivalente sobre a rugosidade e forças
específicas de retificação.

11.2 O rebolo

A ferramenta de corte empregada na retificação – o rebolo - é constituída de


abrasivos e material ligante (também chamado aglomerante). Além disso, o rebolo deve
ser relativamente poroso de modo a permitir o alojamento do fluido de corte e de
cavacos, principalmente em operações nas quais o comprimento de contato rebolo-peça é
mais extenso. O diagrama da Figura 11.6 representa um rebolo com grãos abrasivos,
ligante (formando pontes entre os abrasivos) e poros.
Figura 11.6: Estrutura do rebolo.

O rebolo possui algumas características que determinam sua correta especificação,


a saber:

• Material abrasivo;
• Tamanho dos grãos abrasivos (granulometria);
• Material ligante;
• Estrutura (ou porosidade);
• Dureza do rebolo.

Com tantas características que podem variar, a correta especificação de um rebolo


resulta em uma ampla gama de opções no momento da escolha do rebolo mais indicado
para uma determinada operação. Na Figura 11.7 é mostrada a chave de código utilizada
na seleção de rebolos (Salmon, 1992) de acordo com a norma ANSI B74.13 (1982). Um
sistema similar também é apresentado pela Federação Européia dos Fabricantes de
Produtos Abrasivos (FEPA). A primeira letra denota o material do abrasivo e pode ser
precedida de um número que especifica este abrasivo. Em seguida tem-se a indicação do
tamanho médio (granulometria) do abrasivo em número de fios por polegada linear da
peneira utilizada no processo de separação dos abrasivos. Depois se tem a dureza do
rebolo representada por letras de A até H e a indicação da estrutura do rebolo em
números naturais. Finalmente, o último dígito representa o tipo de aglomerante utilizado
no rebolo.

Abrasivo Granulometria Dureza Estrutura Ligante


38A 60 K 2 V
A: óxido de 8-14: muito A: macio 0-3: denso V: vitrificado
alumínio grosseiro Z: duro 4-6: médio B: resinóide
C: carboneto de 16-36: grosseiro 7-9: poroso R: elástico
silício 46-80: médio 10+: altamente M: metálico
B: cBN 90-220: fino poroso
D: diamante 240-1200: muito fino

Figura 11.8: Chave de código para seleção de rebolos.

Dentre os principais materiais abrasivos empregados industrialmente destacam-se


o óxido de alumínio (Al2O3), o carboneto de silício (SiC), o diamante e o nitreto cúbico
de boro (cBN). Os dois primeiros são considerados abrasivos convencionais, ao passo
que os dois últimos são chamados superabrasivos. A Tabela 11.1 apresenta algumas
propriedades e as principais aplicações desses abrasivos (Malkin, 1989, Oliveira, 1989 e
Lindsay, 1995). Observa-se que o óxido de alumínio e o cBN podem ser utilizados nas
mesmas situações, da mesma forma que o carboneto de silício e o diamante.

Tabela 11.1: Propriedades e aplicações de abrasivos.

Estrutura Dureza Condutividad Estabilidade Afinidade


Abrasivo cristalina Knoop e térmica térmica (oC) química Recomendado para:
(kgf/mm2) relativa
Cerâmicas Aços em geral, aço
Al2O3 Hexagonal 2100 1 1750 , óxidos, rápido, aços temperados
vidros, e cementados, aços
rocha inoxidáveis e ligas
aeronáuticas
Aços temperados, ligas
cBN Cúbica 4700 35-120 1400 Nenhuma aeronáuticas, ferrosos de
alta dureza
Materiais Não-metálicos, vidro,
SiC Hexagonal 2400 10 1500 que ferros fundidos,
assimilam carboneto de tungstênio
carbono
Materiais Cerâmicas duras, não-
Diamante Cúbica 8000 100-350 800 que metálicos, não-ferrosos,
assimilam metal duro brasado
carbono

O tamanho médio dos grãos abrasivos é o principal responsável pela rugosidade


da peça, cujos valores típicos de Ra variam de 0,15 a 2,5 µm, isto é, quanto menor o
tamanho do abrasivo, menor será a rugosidade da superfície retificada (altas velocidades
do rebolo e baixas velocidades da peça também contribuem para redução da rugosidade
da peça). Dois processos de separação e classificação de abrasivos são normalmente
utilizados (Salmon, 1992): grãos abrasivos com tamanho entre 8 e 220 são separados por
sucessivos peneiramentos, ao passo que abrasivo de tamanho inferior são separados por
flotação, ou seja, os abrasivos são adicionados a água e após períodos pré-estabelecidos
os abrasivos que sedimentaram são recolhidos (quanto mais longo o tempo necessário
para sedimentação, menor será a granulometria do abrasivo recolhido). No caso do
peneiramento, o tamanho médio do abrasivo é de cerca de 60% da distância entre dois
fios adjacentes da última malha pelo qual ele passou (Malkin, 1989).

A dureza do rebolo não está associada à dureza dos seus grãos abrasivos, mas à
capacidade do ligante de manter o abrasivo unido ao corpo do rebolo. Desta forma, é
considerado duro o rebolo capaz de reter o abrasivo sob condições severas. Macio é
considerado o rebolo que permite o desprendimento dos abrasivos com facilidade. Uma
regra prática aplicada na indústria sugere o uso de rebolos macios para a retificação de
materiais duros, e vice-versa. Esta recomendação justifica-se pelo fato de que durante a
retificação de materiais duros exige-se muito da capacidade de corte dos abrasivos, que se
desgastam com maior rapidez. Assim, o desprendimento destes abrasivos desgastados
permite que novos abrasivos afiados entrem e ação. No entanto, a capacidade do processo
em manter a tolerância dimensional é reduzida se a correta dureza não for utilizada.

A estrutura do rebolo diz respeito à relação densidade/porosidade. Desta forma, se


uma grande quantidade de abrasivos de pequeno tamanho é misturada ao ligante e
prensada sob elevada pressão, isto resultará em um rebolo extremamente denso.
Entretanto, rebolos com ligante resinóide e metálico apresentam porosidade mínima.
Com relação ao material ligante, existem basicamente quatro opções principais:
vitrificado, resinóide, elástico e metálico. Malkin (1989) descreve brevemente o método
de fabricação e algumas aplicações de cada tipo de aglomerante. O ligante vitrificado é o
mais utilizado devido ao custo reduzido, porém, normalmente a velocidade do rebolo é
menor (vs=30 m/s) a menos que o rebolo seja reforçado. A matéria-prima é a argila ou o
feldspato, que são misturados ao abrasivo e prensados na forma do rebolo. A porosidade
do rebolo vitrificado é garantida pela adição de paradiclorobenzeno (ou mesmo
serragem). Após a secagem o rebolo é submetido a temperaturas acima de 1260˚C por
vários dias (de 1 a 2 dias para atingir a temperatura máxima, mantida por 12 horas,
seguida de resfriamento lento para se evitar que as tensões térmicas resultem em trincas).
Sob altas temperaturas o ligante se funde e une os abrasivos e durante o resfriamento
tem-se a formação de pontes entre os abrasivos.

O ligante resinóide é composto por resina fenólica termo-resistente. Após a


prensagem na forma final o rebolo é submetido à cura sob temperaturas de 150 a 200oC.
Rebolos resinóides são largamente empregados em operações de retificação de desbaste
pesado devido à sua elevada resistência mecânica e capacidade de suportar choques (com
a aplicação de reforço de fibras de vidro é possível atingir vs=100 m/s). Entretanto, o
aglomerante resinóide é suscetível ao ataque químico causado por fluidos de corte
alcalinos, provocando a deterioração do rebolo ao longo do tempo.

O aglomerante elástico é composto por borracha (natural ou sintética)


vulcanizada. O processo de fabricação do rebolo consiste na mistura de borracha crua,
enxofre e o material abrasivo seguida da prensagem na forma de placas com a espessura
desejada e, finalmente, da vulcanização em temperaturas de 150 a 275oC. São largamente
empregados em operações de corte e como rebolos de arraste na retificação sem-centros.

Por fim, o ligante metálico é empregado quase que exclusivamente em rebolos de


diamante e cBN. O ligante mais usado é o bronze produzido por metalurgia do pó. Ferro
e níquel também são frequentemente usados. Uma maneira de se produzir rebolos
abrasivos de menor custo é por meio da eletrodeposição, permitindo a produção de
rebolos de forma com cantos vivos e pequenos raios, além de rebolos extremamente
finos. O abrasivo é depositado em camadas que atingem uma espessura máxima de 6 mm.
O núcleo do rebolo pode ser alumínio, bronze, aço, etc.

Um rebolo pode ser considerado um sistema ternário composto de abrasivos (Vg),


ligante (Vb) e poros (Vp), vide Equação 11.3. O diagrama da Figura 11.7 (Malkin, 1989)
representa este sistema no qual cada vértice do triângulo corresponde a uma concentração
de 100% de cada um dos componentes e frações intermediárias são obtidas
proporcionalmente a partir da distância do vértice medida no eixo correspondente. As
retas paralelas aos eixos (e, portanto, perpendiculares às arestas) representam
composições específicas dos componentes, isto é, o intervalo  representa
75%<Vp<86%, o intervalo  representa 38%<Vg<68% e o intervalo  corresponde a
54%<Vb<68%. A área escura na Figura 11.7 indica a faixa de composição de rebolos
vitrificados factível tanto do ponto de vista prático quanto tecnológico. Desta forma é
possível determinar as proporções máximas e mínimas entre os componentes.

V g + Vb + V p = 100 (11.3)
Figura 11.7: Diagrama ternário de rebolos.

11.3 Mecanismo de corte na retificação

Durante a ação de um único abrasivo três situações podem ocorrer de acordo com
o estado de afiação da ferramenta, conforme representado na Figura 11.8 (Salmon, 1992):
corte, riscamento e atrito. O corte diz respeito à efetiva remoção de cavaco por
cisalhamento pela ação do grão abrasivo. O riscamento (ou sulcamento) representa a
etapa de deformação plástica sem a produção de cavaco (formação de rebarbas) e o atrito
provém do contato da área plana (desgastada) do abrasivo com a peça. Esta última etapa é
a mais prejudicial ao processo visto que a energia consumida não é revertida na produção
de cavaco. Além disso, o calor gerado provoca a elevação da temperatura da peça,
podendo levar a alterações metalúrgicas.

Portanto, ao contrário das operações com ferramentas de geometria definida, nos


processos abrasivos não se observa a ocorrência de uma zona de aderência, isto é, o
cisalhamento do material ocorre na presença da zona de escorregamento apenas.
Figura 11.8: Etapas do processo de remoção do cavaco.

Após algum tempo de retificação, os grãos abrasivos perdem a capacidade de


corte e com isso tem-se a elevação das forças de retificação, as quais podem provocar a
fratura do abrasivo ou mesmo sua extração completa. A capacidade de produção de uma
fratura frágil, na qual novas arestas de corte afiadas são geradas, é chamada de
friabilidade do abrasivo. Embora pareça contraditório, o abrasivo deve ser duro o
suficiente para penetrar e cisalhar o material da peça, tenaz para suportar as variações
cíclicas de tensões e temperatura e ao mesmo tempo friável para produzir arestas afiadas
na fratura.

A agressividade de um rebolo, proposta por Nakayama (apud Oliveira, 1989),


representa a taxa de penetração do rebolo contra a pressão normal de corte.
Dimensionalmente, a agressividade tem unidade de volume por tempo e força, ou seja,
taxa de remoção de cavaco por unidade de força. Desta forma, quanto maior a
agressividade de um rebolo, maior é a sua capacidade de remoção de cavaco à custa de
baixa força normal de retificação. A razão G é a relação entre o volume de material
usinado (Zw) e o volume de rebolo desgastado (Zs), vide Equação 11.4. Uma razão G
baixa indica que há o desgaste excessivo do rebolo e que, consequentemente, o rebolo
permanece agressivo durante a retificação. Por outro lado, uma razão G alta indica que a
perda de grãos é menor, entretanto ocorre a perda progressiva da agressividade do rebolo
durante a operação e, consequentemente, de sua capacidade de remoção. Assim, a
situação ideal é aquela na qual o desgaste dos grãos provoca o aumento da força de
retificação e o desprendimento dos grãos desgastados dando lugar a novos grãos afiados.

Zw
G= (11.4)
Zs

A Figura 11.9 (Lindsay, 1995) compara os valores de G entre rebolões de cBN e


de óxido de alumínio na retificação de materiais diversos. Nota-se que
independentemente do material da peça, o rebolo de cBN assegura valores bem mais
elevados de G.
Figura 11.9: Comparação entre os valores da razão G para rebolos de cBN e de Al2O3 na
retificação de: (a) aço rolamento AISI 52100, (b) aço rápido AISI M50, (c)
aço rápido AISI M7 e (d) Inconel 718.

11.4 Dressagem

O aumento da força de retificação nem sempre é suficiente para arrancar os grãos


desgastados, tornando necessária a dressagem do rebolo. A dressagem (também
conhecida como dressamento, afiação ou retificação do rebolo) consiste em preparar o
rebolo através da usinagem da superfície de trabalho, normalmente utilizando uma
ferramenta de diamante (dressador). As principais finalidades desta operação são
(Oliveira, 1989):

• Obtenção de concentricidade entre a superfície de trabalho e o eixo de rotação do


rebolo;
• Perfilamento da face de trabalho para uma operação de forma;
• Remoção dos grãos abrasivos para aumentar a agressividade do rebolo.

Retificadoras mais modernas, ou especiais, podem realizar a dressagem


simultaneamente à operação de retificação, entretanto, muitas máquinas exigem a
interrupção da operação de retificação para que a dressagem seja realizada. Assim, a
identificação do momento adequado para a realização da dressagem é de vital
importância para o êxito da retificação, pois caso a dressagem seja realizada
prematuramente tem-se a retirada de grãos abrasivos que ainda mantêm sua capacidade
de corte, além da elevação do tempo improdutivo. Em ambos os casos aumenta-se o custo
de retificação. Por outro lado, caso a dressagem do rebolo seja retardada, corre-se o risco
de se usar um rebolo sem capacidade de corte, o que poderá provocar danos à integridade
da peça, que na maioria dos casos resulta no seu refugo.

O dressador, geralmente de diamante, pode ser uma ferramenta de ponta única


dotada de movimento de avanço, ou uma ferramenta metálica (estática ou rotativa) com
camadas de diamantes incrustados (sem movimento de avanço). A Figura 11.9 representa
a operação de dressagem com um dressador de ponta única (Oliveira, 1989). Após a
definição do valor da profundidade de dressagem (ad=50-200 µm), o dressador se desloca
longitudinalmente enquanto o rebolo gira. O avanço do dressador é chamado de passo de
dressagem (Sd) e a largura de atuação do dressador é representada por bd.

Figura 11.9: Esquema da dressagem de rebolos.

Embora o número de parâmetros envolvidos na dressagem não seja pequeno, esta


operação pode se mais facilmente quantificada em função do grau de recobrimento (Ud).
Conforme mostrado na Equação 11.5, o grau de recobrimento é a razão entre a largura do
dressador e o passo de dressagem.

bd
Ud = (11.5)
Sd

Quando Ud=1 produz-se na superfície de trabalho do rebolo uma rosca com


largura igual ao passo. Já Ud<1 representa uma largura do dressador inferior ao passo de
dressagem. Nesta situação, não aplicada industrialmente, o dressador não atua sobre toda
a superfície de trabalho, deixando grãos abrasivos gastos no rebolo. Finalmente, quando
se tem Ud>1 a largura do dressador é superior ao passo de dressagem, produzindo uma
“rosca fina” na superfície de trabalho. Neste caso há um número elevado de grãos
abrasivos atuantes, contribuindo para o aumento da agressividade do rebolo e melhoria
do acabamento da peça. Em contrapartida, tem-se a elevação da temperatura de
retificação. A Figura 11.10 ilustra estas três situações e a Tabela 11.2 mostra os
principais efeitos das diversas condições de dressagem sobre o desempenho da retificação
(Diniz, s.a.):

(a) Ud<1 (b) Ud = 1 (c) Ud>1

Figura 11.10 – Exemplos do efeito do grau de recobrimento.

Tabela 11.2: Efeito das condições de dressagem sobre o desempenho da retificação.

1< Ud <2,5 2,5< Ud <4 4< Ud <6


Agressividade máxima; Agressividade Agressividade baixa;
Rugosidade alta e intermediária; Rugosidade baixa e
uniforme; Rugosidade média e variável;
Vida do rebolo longa. variável; Vida do rebolo curta.
Vida do rebolo
intermediária.

11.5 Forças e potência de retificação

O conhecimento e controle das forças atuantes na retificação são de extrema


importância para a determinação da potência motriz do rebolo e para o dimensionamento
estrutural da máquina. Além disso, as forças influenciam a qualidade dimensional e
geométrica da peça, sua rugosidade, o desgaste do rebolo e o tempo de retificação. A
força de retificação pode ser decomposta em uma componente normal e outra tangencial
á superfície sendo retificada, entretanto, por se tratar de uma situação na qual se tem
apenas a condição de escorregamento, a força tangencial pode ser facilmente obtida
quando se conhece a força normal e o coeficiente de atrito entre o rebolo e a peça, ou
ainda a partir da potência de retificação. Em geral a força tangencial varia de 25 a 40% do
valor da força normal (Lindsay, 1995). Conhecendo-se a força tangencial e as
velocidades do rebolo e da peça é possível determinar a potência de retificação por meio
da Equação 11.6:

P = Ft ( v s  v w ) (11.6)

O sinal positivo é empregado no caso de retificação discordante e negativo para a


operação concordante, todavia, devido ao fato de vw ser muito inferior a vs, a contribuição
de vw normalmente é desprezada.

Quando o rebolo toca a peça, no primeiro momento todo o conjunto máquina-


rebolo-peça se deforma elasticamente. Consequentemente, na primeira passagem do
rebolo não se atinge a penetração de trabalho previamente estabelecida, sendo necessárias
passagens subseqüentes. A cada nova passagem do rebolo (sem a alteração da penetração
de trabalho inicial) tem-se o alívio progressivo das deformações elásticas, até que a
penetração de trabalho inicialmente programada seja atingida. Este procedimento é
chamado faiscamento (ou spark out) e graças a ele a retificação é considerada uma
operação capaz de remover quantidades infinitesimais de material, o que assegura
tolerâncias dimensionais e geométricas inatingíveis por meio de operações com
ferramentas de geometria definida, conforme citado anteriormente. Figura 11.11 (Malkin,
1989) ilustra exemplos de desvios de forma e geométrico decorrentes da deformação
elástica dos componentes do sistema.
Figura 11.11: Desvios na retificação: (a) conicidade na retificação interna, (b) desvio de
forma na retificação plana e (c) planicidade na retificação plana.

11.6 Temperatura de retificação

Se por um lado a ação simultânea de centenas de grãos abrasivos contribui para


garantir a qualidade da peça retificada, por outro lado o atrito entre cada abrasivo e a
superfície da peça e a deformação plástica associada à produção do cavaco contribuirão
para a elevação da temperatura na interface rebolo-peça. Este é um dos pontos mais
críticos da operação, agravado ainda pelas seguintes situações:

• A extensão do contato rebolo-peça dificulta o acesso do fluido de corte;


• Os materiais empregados na confecção do rebolo muitas vezes são refratários, o
que dificulta a dissipação do calor;
• A pequena massa e a natureza descontínua do cavaco também dificultam a
dissipação do calor.

Os principais problemas decorrentes da elevação excessiva da temperatura da peça são:

• Alterações dimensionais relacionadas ao coeficiente de expansão térmica do


material;
• Alterações micro-estruturais (queima) da peça;
• Indução de tensões residuais de tração;
• Surgimento de trincas.

No primeiro caso corre-se o risco de perda do componente devido ao fato do


sobremetal a ser removido na retificação situar-se na faixa centesimal. Assim, materiais
com elevado coeficiente de expansão térmica podem ter removida uma penetração de
trabalho superior àquela pré-estabelecida.

Com relação às alterações micro-estruturais, merecem destaque o aparecimento de


uma fina camada de martensita não revenida na superfície de aços, seguida de uma
camada de martensita revenida, como mostra a Figura 11.12 (Field et al., 1995). A
camada de martensita revenida (também chamada de camada branca) surge quando a
temperatura de retificação excede a temperatura de austenitização, seguida de
resfriamento rápido, o que resulta no aparecimento da camada martensítica, que é
extremamente dura e frágil. Abaixo da superfície da peça a velocidade de resfriamento é
menor, promovendo o aparecimento da camada martensítica revenida, que possui baixa
dureza. A interface entre estas duas camadas é uma região extramente propícia ao
aparecimento de trincas. Em virtude da mudança de cor da peça observada nesta situação,
devido à formação de óxidos na superfície, esse fenômeno é comumente chamado de
queima da peça.
Figura 11.12: Microestrutura do aço AISI 4340 submetido à: (a) retificação de
acabamento (sem alterações micro-estruturais) e (b) retificação de desbaste
(com alterações micro-estruturais).

Essas alterações micro-estruturais podem ser identificadas por meio do perfil de


microdureza da peça. Além disso, a presença de tensões residuais de tração e trincas
contribui para a redução da resistência à fadiga do componente retificado. A Figura 11.13
apresenta essas duas situações (Field et al., 1995).

Figura 11.13: (a) variação de microdureza, (b) tensões residuais e (c) resistência à fadiga
de peças retificadas.

Embora tensões residuais compressivas (devido à interação mecânica entre os


grãos abrasivos e a superfície da peça) possam ser observadas em componentes
retificados, as tensões residuais de tração têm conseqüências mais graves para a peça. As
tensões de tração surgem devido à variação de temperatura na peça, uma vez que durante
a passagem do rebolo a camada mais externa é submetida à temperaturas mais altas que
as camadas mais internas, o que resulta em valores diferentes de expansão térmica.
Entretanto, após a passagem do rebolo a temperatura nas camadas superficiais cai mais
rapidamente que a das camadas mais internas, provocando o aparecimento de tensões de
tração. Além disso, as transformações de fase mencionadas anteriormente estão
associadas a alterações volumétricas, o que também contribui para o surgimento de
tensões de tração.

O controle da temperatura de retificação dentro de níveis aceitáveis depende,


principalmente, da manutenção da agressividade do rebolo e do emprego adequado de
fluidos de corte. Mantendo-se a agressividade do rebolo evita-se que grãos abrasivos já
desgastados e portanto, sem capacidade de corte, entrem em atrito com a peça
promovendo a elevação da temperatura sem a geração de cavacos.

11.7 Fluidos de corte

O emprego de fluidos de corte na retificação deve atender aos requisitos de


refrigeração e lubrificação de acordo com as necessidades específicas de cada operação.
Operações com elevada área de contato rebolo-peça e que produzam cavacos mais longos
exigem fluidos de corte com ação predominantemente lubrificante (óleo integral), ao
passo que em operações com áreas de contatos menos extensas ou que produzam cavacos
na forma de pó devem ser empregados fluidos refrigerantes.

Fluidos de corte com elevado poder lubrificante reduzem o atrito entre rebolo e
peça, evitando assim a elevação da temperatura da peça e tornando a operação mais
eficiente. Além disso, óleos integrais possuem ponto de ebulição superior ao da água em
aproximadamente 200oC, portanto suportam temperaturas mais elevadas. Entretanto,
além do custo desfavorável, fluidos de corte com alto poder lubrificante apresentam
viscosidade elevada, o que dificulta seu acesso à interface cavaco-ferramenta, mesmo
empregando bombas potentes. Com isto, o que normalmente se observa na indústria é o
uso de fluidos de corte a base água, pois estes permitem variações na ação refrigerante ou
lubrificante de acordo coma proporção água/óleo (Lindsay, 1995).
Salmon (1992) afirma que o aspecto mais importante a respeito do emprego de
fluidos de corte na retificação é assegurar que este seja fornecido a uma velocidade igual
ou superior a velocidade do rebolo de forma a garantir que os poros sejam preenchidos
com fluidos para uso ao longo do comprimento de contato. O projeto do bocal para
aplicação do fluido de corte também é relevante não só para garantir a lubri-refrigeração
como também a remoção de cavacos incrustrados no rebolo.

11.8 Operações especiais de retificação

Além das operações de retificação apresentadas da Figura 11.2, outras duas


merecem destaque: a retificação creep feed e a retificação sem-centros (ou centerless).

11.5.1 Retificação creep feed

A retificação creep feed, ilustrada na Figura 11.14 é caracterizada por baixa


velocidade da peça e elevada penetração de trabalho, promovendo assim altas taxas de
remoção de material. Desta forma é possível produzir perfis complexos ou canais
profundos em poucas (ou mesmo uma única) passagens do rebolo. Exemplos típicos de
aplicação desta operação são: a retificação de canais de brocas e o perfilamento da raiz de
lâminas de turbinas. A Tabela 11.3 compara os principais parâmetros das operações
convencional e creep feed (Kalpakjian, 1995).

Figura 11.14: Esquema da retificação creep feed.

Tabela 11.3: Parâmetros usados na retificação convencional e creep feed.


Parâmetro Convencional Creep feed
vs (m/s) 25 – 50 25 - 50
vw (m/min) 10 – 60 0,1 - 1
ae (mm) 0,01 – 0,05 1-6

Devido à elevada penetração de trabalho e extenso comprimento de contato


rebolo-peça, elevadas forças e temperatura de retificação são observadas na operação
creep feed. Em geral, o rebolo utilizado na operação creep feed é superabrasivo e possui
ligante resinóide com estrutura aberta a fim de manter a temperatura de usinagem baixa e
garantir o acabamento da peça. Salmon (1992) recomenda que esta operação seja feita
com rebolos com a seguinte estrutura aproximada: Vg=30-40%, Vb=5-10% e Vp=50-60%.
Equipamentos modernos operam com a dressagem contínua do rebolo.

Requisitos para retificadoras creep feed:

• Alta potência do motor principal;


• Alta rigidez;
• Alta capacidade de absorção de choques;
• Controle de velocidade da peça preciso (sistema de avanço mecânico e não
hidráulico);
• Sistema de bombeamento de fluido de corte de alta pressão e vazão (em torno de
10 bar e de 300 a 600 l/min, respectivamente).

11.5.1 Retificação sem-centros (centerless)

A retificação sem-centros (também conhecida por centerless) é uma operação de


retificação cilíndrica externa que emprega dois rebolos (de corte e de arraste). A remoção
de material é feita pelo rebolo de corte e a peça não é suportada entre centros, mas
repousa sobre uma régua de apoio. A Figura 11.15 ilustra as duas configurações possíveis
para a retificação sem-centros (Nussbaum, 1988):
• Retificação de passagem (longitudinal): neste caso as peças avançam
continuamente entre os dois rebolos, entrando por um lado e deslocando-se
longitudinalmente. O ângulo de inclinação entre os eixos dos dois rebolos é de
aproximadamente 3º (podendo variar de 2 a 5º). Devido ao fato dos rebolos não
serem dotados de movimento de avanço radial, pequenos ajustes são necessários
após cada dressagem para compensar a redução de diâmetro do rebolo. A
velocidade do rebolo de corte varia de 30 a 40 m/s e a do rebolo de arraste varia
de 0,3 a 0,5 m/s. Apenas peças cilíndricas são produzidas;
• Retificação radial (de mergulho): a peça é posicionada sobre a régua de apoio
enquanto o rebolo de arraste se encontra afastado do rebolo principal. Com o
início da operação a peça e o rebolo de arraste avançam radialmente contra o
rebolo de corte a uma velocidade de avanço de 0,3 mm/min (acabamento) a 3
mm/min (desbaste) até a peça atingir o diâmetro desejado. Concluída a operação,
o rebolo de arraste se afasta, a peça é retirada (manual ou automaticamente) e o
ciclo recomeça. Aqui é possível produzir peças cônicas ou de diâmetro variável.

Figura 11.15 Retificação sem-centros: (a) de passagem e (b) radial.

Esta operação exige pouca habilidade do operador sendo normalmente empregada


para a produção em massa. Apesar da peça não estar fixa, esta operação é bastante
precisa e consistente. Peças comumente produzidas por esta operação são: rolos para
mancais de rolamento, válvulas de motores, eixos de cames e pinos para pistão.
11.6 Referências bibliográficas

Diniz, A.E. Processos de Retificação. UNICAMP, s.a.


Field, M., Kahles, J.F. and Koster, W.P. Surface Finish and Surface Integrity. Metals Handbook, Vol. 16:
Machining, Ninth Edition. ASM International, Metals Park, 1995. ISBN 0 87170 007 7.
Kalpakjian, S.Manufacturing Engineering and Technology, Third Edition. Addison-Wesley Publishing Co.,
1995. ISBN 0-201-84552-0.
Lindsay, R.P. Principles of Grinding. Metals Handbook, Vol. 16: Machining, Ninth Edition. ASM
International, Metals Park, 1995. ISBN 0 87170 007 7.
Malkin, S. Grinding Technology – theory and application of machining with abrasives. Ellis Horwood Ltd.,
Chichester, 1989. ISBN 0-85312-756-5.
Nussbaum, G.C. Rebolos & Abrasivos – tecnologia básica. Ícone Editora Ltda., São Paulo, 1988.
Oliveira, J.F.G. Tópicos Avançados sobre o Processo de Retificação. Publicação 048/89. Laboratório de
Máquinas-Ferramentas, EESC – USP, 1989.
Salmon, S.C. Modern Grinding Process Technology. McGraw-Hill, 1992. ISBN 0-07-054500-6.

Você também pode gostar