02 - Trovadorismo e Humanismo.

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 5

APOSTILA DE

LITERATURA
TROVADORISMO E HUMANISMO
CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
O Trovadorismo, que ocorreu entre os séculos XII e Trovador: artista pertencente a uma
XV, foi o primeiro movimento da literatura portuguesa. Com classe social elevada, muitas vezes
origem na região de Provença, no sul da França, o movimento em decadência, que produzia letra e
se espalhou por praticamente todo o continente europeu, na música de cantigas e as interpretava.
Idade Média. Em Portugal, o desenvolvimento das Jogral: artista de classe social mais
manifestações literárias trovado- rescas coincide com a bai- xa, o qual interpretava canções.
consolidação do país após o domínio árabe.
Segrel: artista profissional de
A produção poética trovadoresca se divide em dois condição intermediária entre jogral e
grupos: poesia lírica, a qual se subdivide em cantiga de amor e trovador, que interpretava cantigas
cantiga de amigo, e poesia satírica, sub- dividida em cantiga próprias ou de outros artistas, em
de escárnio e cantiga de maldizer. Todas elas mantinham um diversas cortes.
vínculo intrínseco com a música, uma vez que eram feitas para Menestrel: cantor e músico de uma
que fossem cantadas com o acompanhamento de instrumentos. de- terminada corte.
Vejamos, a seguir, cada um desses tipos de cantigas.

PRODUÇÃO LÍRICA
A) CANTIGA de amor: nessa modalidade de cantiga, um eu-lírico masculino exprime o sofrimento
causado pelo amor que ele nutre por uma dama inatingível, dirigindo-se a ela. A dama
não corresponde aos apelos do eu-lírico por pertencer a uma classe social
superior ou, mesmo, por ser casada. A impossibilidade de relacionamento torna
a figura da mulher ide- alizada, pois resta ao eu-lírico apenas contemplá-la. O
discurso do eu-lírico é caracterizado pelo amor cortês, que corresponde à
“ideia de que o amor é, em si mesmo, fonte de valor, se não de virtude”
(ROBL, 1980, p. 6). De acordo com as convenções do amor cortês, o tro-
vador deveria manifestar o seu amor de forma controlada (mesura), por meio
da vassalagem amorosa à dama, a qual ocupava posição superior (social e
espiritualmente). Notem-se as seguintes características do plano formal da
cantiga de amor, apontadas por Moisés (2006): a) há uma gradação progressiva
da lamentação do eu-lírico entre as estrofes do poema; b) a tendência pelo uso do
estribilho, que é um verso repetido ao final de cada estrofe. A cantiga que apresenta
estribilho é chamada de refrão; a cantiga que não tem estribilho é chamada de cantiga de maestria.
B) Cantiga de amigo: nesse tipo de cantiga, um eu-lírico feminino, geralmente uma camponesa ou
outra figura de perfil social mais popular, exprime o sofrimento causado pelo fato de o seu amado tê-la
abandonado para ir à guerra ou para se relacionar com outra mulher. Diferentemente
da cantiga de amor, o eu-lírico feminino não dirige o seu discurso àquele que ama, mas a mulheres
próximas, como a mãe ou amigas, ou a elementos da natureza. Destacam-se duas características da cantiga
de amigo indicadas por Massaud Moisés (2006): a) no plano te- mático, o amor representado é mais realista,
sem a idealização da amada da cantiga de amor;
b) no plano formal, a cantiga de amigo tende a apresentar um traço mais narrativo do que a cantiga
de amor. Ressalte-se que as cantigas de amor não eram compostas por mulheres, mas por trovadores que
construíam uma voz feminina no poema.

PRODUÇÃO SATÍRICA
a) Cantiga de escárnio: nesse tipo de cantiga, o eu do poema tece uma crítica a alguém
ou a um comportamento, num tom sarcástico mais comedido, indireto. Mesmo o nome do alvo
da sátira não é mencionado no poema.
b) Cantiga de maldizer: nessa modalidade de cantiga, o eu do poema faz uma crítica
mais direta e aberta a alguém, inclusive revelando o nome da pessoa atacada, ridicularizando-a.
Esse poema muitas vezes utiliza vocabulário de baixo calão.
O Trovadorismo também produziu novelas de cavalaria, como A demanda do Santo Graal, a
qual trata da busca pelo Santo Graal, ou seja, o cálice sagrado, pe- los Cavaleiros da távola Redonda
do Rei Artur. Segundo Moisés (2006), não foram produzidas novelas de cavalaria originalmente
portuguesas, mas versões adaptadas de obras em francês.

HUMANISMO
O período do Humanismo em Portugal corresponde,
cronologicamente, ao período entre a nomeação de fernão Lopes (1380?-
1460) como Guarda-Mor da Torre do Tombo, em 1418, e o regresso do poeta
Sá de Miranda (1481-1558) ao seu país, em 1527, trazendo e divulgando
tendências estéticas clássicas. O período coincide com o advento do
mercantilismo e com o início das grandes navegações portuguesas.
Esse momento histórico, como o próprio nome sugere, foi
marcado pelo antropocentrismo, ou seja, por uma visão de mundo que
privilegia o homem e o co- loca como centro do mundo, diferentemente
do teocentrismo (Deus como centro do mundo) da Idade Média. Embora
a religião ainda fosse vigorosa no período, a valorização do homem e da razão emergia como
potências que, posteriormente, se intensificariam no Classicismo/Renascimento.

DA LITERATURA DESSE PERÍODO, DESTACAM-SE:

A) As crônicas historiográficas como as crônicas dotadas de aspectos literários de


fernão Lopes sobre monarcas portugueses, que igualmente enfatizavam a massa popular, e as crô-
nicas de Gomes Eanes de Zurara (1410-1473 ou 1474), que também tratavam sobre reis e,
pioneiramente, sobre a expansão marítima portuguesa.
B) A poesia palaciana, ou seja, a produção poética surgida nos palácios da corte. O con-
junto de temas representados nessa produção poética era bastante variado: feitos heroicos, sátira,
religião e amor, que se vinculavam ao sofrimento, como no Trovadorismo, mas, diferentemente
deste, não viam a mulher como um ser completamente idealizado. Dos aspectos formais da
poesia palaciana, destaque-se, segundo Moisés (2006), a recorrência da redondilha maior (verso de
sete sílabas poéticas) e da redondilha menor (verso de cinco sílabas poéticas).

GIL VICENTE
Gil Vicente (1465 ou 1466 - entre 1536 e 1540) é considerado “o pai
do teatro português”. Embora seja possível que já houvesse teatro em
Portugal antes dele, não há registros documentais de outros dramaturgos
anteriores a ele. Produziu vários autos pastoris (diálogos pastoris, bucólicos),
autos de moralidade (peças que, por meio de alegorias, transmitiam um
ensinamento de cunho moral e religioso) e farsas (peça com personagens
caricatas, situação cotidiana, que satiriza a sociedade), como também poemas.
O teatro de Gil Vicente satiriza a sociedade da época e os seus vícios,
como a corrupção, a imoralidade e a hipocrisia, atacando diretamente
figuras típicas de diversos setores sociais, como o fidalgo, o agiota, o
comerciante burguês e o clero degradado. Segundo Massaud Moisés, a sua
obra moralista “põe em prática o lema do castigat ridendo mores (rindo, corrige os costumes),
realizando o princípio de que a graça e o riso, provados pelo cômico baseado no ridículo e na
caricatura, exercem ação purificadora, educativa e purgadora de vícios e defeitos” (MOISÉS, 2006,
p. 44). A essa perspectiva moralista se articula uma visão religiosa típica da Idade Média com uma
crítica social na sua obra. Frise-se que essa perspectiva religiosa de Gil Vicente não significa que
ele apoiasse a Igreja Católica. Muito pelo contrário, sua obra promove uma crítica acentuada à
corrupção dos membros da Igreja da época, separando dos valores e crenças da fé cristã a
instituição corrompida, justamente por causa de sua perspectiva moral.

ATIVIDADES
1. Leia as duas cantigas trovadorescas a seguir e responda: de qual tipo é cada uma dessas cantigas?
Justifique com algum elemento do texto. A cantiga A é uma cantiga de amigo, pois ela aborda, tematicamente,
a expressão do sofrimento de um eu-lírico feminino ante a ausência de seu amado. A cantiga B é uma cantiga
de amor, porque revela a contemplação de um eu-lírico faz de uma dama inatingível. Observe-se que ambas
as cantigas são cantigas de refrão, porque apresentam estribilho.

A) Ai eu coitada, como vivo em gram cuidado


Afonso X ou Sancho I Ai eu
coitada, como vivo em gram cuidado por
meu amigo que hei alongado;
muito me tarda
o meu amigo na Guarda.

Ai eu coitada, como vivo em gram


desejo por meu amigo que tarda e nom
vejo
muito me tarda
o meu amigo na Guarda alongado:
distante

B) AI SENHOR FREMOSA, POR DEUS doede-vos: doer-se - condoer-se, ter dó.


E porque o al nom é rem: ou seja: e porque
D. Dinis tudo o resto é sem valor.
Ai senhor fremosa! por Deus e por quam (notas da fonte do texto)
boa vos El fez,

doede-vos algũa vez


de mim e destes olhos meus
que vos virom por mal de si, quando vos
virom, e por mi.

E porque vos fez Deus melhor de quantas


fez e mais valer, querede-vos de mim
doer
e destes meus olhos, senhor,
que vos virom por mal de si, quando vos
virom, e por mi.

E porque o al nom é rem, senom o bem


que vos Deus deu, querede-vos doer do
meu
mal e dos meus olhos, meu bem,
que vos virom por mal de si, quando vos
virom, e por mi.
Leia o seguinte trecho do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, e res- ponda às questões 2 e
3.

SAPATEIRO Renegaria eu da festae da puta da


barcagem!

Como poderá isso ser,


confessado e comungado?!...
DIABO Tu morreste excomungado: Nom o
quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos... Tu roubaste
bem trint’anos o povo com teu mester.

Embarca, eramá pera ti,


que há já muito que t’espero! mester: profissão que consiste em
SAPATEIRO Pois digo-te que nom quero! DIABO algum tipo de trabalho manual.
Que te pês, hás-de ir, si, si!
SAPATEIRO Quantas missas eu ouvi, nom me eramá: em má hora.
hão elas de prestar?
DIABO Ouvir missa, então roubar, é caminho
per’aqui.

2. O Auto da barca do inferno pertence ao gênero dramático, mas sua forma se aproxima da poesia.
Aponte um aspecto formal do texto característico da poesia produzida durante o Humanismo que o trecho
acima ilustra. Predominância de versos em redondilha maior.

3. No trecho acima, qual aspecto da sociedade é criticado/ironizado por meio da figura do sapateiro?
Explique, demonstrando quais atitudes do sapateiro são representativas do aspecto criticado. A hipocrisia
dos indivíduos que exercem práticas religiosas, mas não são
honestos. O sapateiro praticou atos religiosos durante a sua vida (confessou, comungou e ia a missas),
mas roubava o povo ao exercer o seu trabalho.

SUGESTÃO DE SITE PÚBLICO


CANTIGAS Medievais Galego-Portuguesas. Disponível em: <http://cantigas.fcsh. unl.pt/index.asp>.
Esse site disponibiliza todas as cantigas medievais dos cancioneiros galego-portugueses, com
glossário, lista de autores, manuscritos e cantigas musicadas.

SUGESTÃO DE FILME
REI Arthur. Direção: Antoine fuqua. Produção: Jerry Bruckheimer. Intérpretes: Clive Owen,
Keira Knightley, Ioan Gruffudd e Stephen Dillane. Produzido por Jerry Bruckheimer Films;
Touchstone Pictures. 2004. 1 DVD (126 min).

Você também pode gostar