CESAD Semantica e Pragmatica Aula 5

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

Aula

AS SUTIS (IM)PROPRIEDADES DO
5
‘SIGNIFICAR’ COM AS PALAVRAS

META
Delinear um quadro com alguns dos fenômenos semânticos mais difundidos nos manuais voltados
para a discussão do significado, a partir da apresentação de suas principais características e de seus
exemplos mais recorrentes.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar as principais características de cada um dos fenômenos estudados;
diferenciar os fenômenos trabalhados, destacando sua importância para os estudos linguísticos;
reconhecer em que medida os conceitos tratados podem desvelar para o home a sua capacidade
de ‘intuir’ e refletir sobre a linguagem.

PRÉ-REQUISITOS
A condição para um bom relacionamento com esta aula é exatamente o dobro de atenção para cada
uma de suas assertivas e definições. Por que isso? Ora, porque trabalharemos com muitos conceitos
distintos, de especificidades diversas, mas que, contraditoriamente, podem confundir você.
Semântica e Pragmática

INTRODUÇÃO

Olá!
Nas aulas anteriores, trabalhamos a problemática do significado à luz
de diferentes tipos de Semântica. Logo, aludimos aos principais conceitos
subjacentes a cada uma das correntes tratadas, fizemos exercícios, refleti-
mos sobre as particularidades dos fenômenos estudados, não foi? Agora,
reservamos um espaço para conversarmos sobre conceitos ainda mais cor-
riqueiros nos livros de Semântica, entre os quais destacamos: sinonímia,
antonímia, paráfrase, dêixis, anáfora e outros.
Como a variedade de conceitos é grande, faremos aproximações entre
alguns deles a partir do tipo de seleção que costuma ser feita nos manuais
didáticos, ok? Nossa alegria será a sua satisfação. Boa aula!

A SIGNIFICAÇÃO DAS PALAVRAS: PROPRIEDADES


SEMÂNTICAS

Como falamos nas aulas anteriores, aos semanticistas cabe estudar o


significado das palavras e das sentenças de uma língua, refletindo sobre a
linguagem a partir de práticas que se apoiam na capacidade que o falante tem
de “significar”, de ‘dar vida’ a alguns fenômenos e propriedades semânticas,
agrupando-as de acordo com algum tipo de relação.
Assim, o semanticista pode tratar de diferentes fenômenos, a depender
da perspectiva que deseja endossar. Aliás, você já tinha pensado que essa
área comporta ramos tão diferentes como os que vimos nas nossas aulas
passadas? Se sim, ótimo, viu um pouco mais sobre o assunto; se não, pas-
sou a conhecer e isso é o que importa.
Retomando o que estávamos falando, um estudo semântico pode se
ater à descrição do funcionamento dos diferentes recursos linguísticos que
se encontram à disposição dos falantes. E há muitos desses recursos, viu! A
propósito de falarmos nisso, que tal imaginarmos como se dá o processo
de criação de um poema?! Tudo começa com uma ideia, mas ela precisa
ser expressa por uma palavra, não é? Então, poeta que somos, fazemos a
seleção de uma palavra, depois outra, mais uma e assim os conjuntos vão
se formando com vistas à determinação de uma significação maior.
Essas palavras não são escolhidas à toa e nem em qualquer lugar, elas
integram um léxico, ou seja, “o conjunto das unidades que formam a língua
de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor etc.” (DU-
BOIS et al, 1998, p. 364). Podemos escolher uma palavra para um emprego
X e recusá-la para um Y, não é mesmo? Pensemos em alguém que vai fazer
exame de teta para prevenir câncer... êpa, não seria melhor usarmos mama?!

72
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

Não só é melhor, dizemos que é mais adequado usar essa última forma, sim?
Mas não seriam palavras sinônimas? Sim, mas quem disse que isso dispensa
a adequação? Bem, outras vezes, reconhecemos como uma mesma palavra
5
pode se revestir de diferentes significados, em contextos diferentes. Eis o
que caracteriza a polissemia, por exemplo.
Mas, deixemos de tanta conversa, para nos centrarmos naquilo a que
nos propomos há pouco: fenômenos e/ou propriedades semânticas de que
nos valemos no dia-a-dia para expressarmos os mais diferentes significa-
dos. Como dissemos, focaremos nosso olhar para conceitos que aparecem
nos manuais dedicados aos estudos semânticos. Comecemos, pois, pela
definição do fenômeno da sinonímia, já que foi o primeiro a que aludimos
acima. Vamos lá!

SINONÍMIA X PARÁFRASE / ANTONÍMIA X


CONTRADIÇÃO

O que é um sinônimo? Oras, que pergunta, não é? Ao longo de nossas


vidas, temos nos deparado várias vezes com situações do tipo “Sabe um
sinônimo para auspícios?”, “Olha no dicionário o significado de nefasto,
para que eu use um sinônimo aqui no texto” e tantas outras que deixam
soar o nosso reconhecimento diante da existência de um leque de opções e
não apenas de uma única para palavra para designarmos uma mesma coisa
(conceito). Mas será mesmo que esses conceitos são os mesmos? E aquele
exemplo sobre o qual falamos há bem pouco tempo? Não cabe usar teta
no lugar de mama quanto estamos falando de um exame de prevenção de
câncer...
Pois bem, embora tenhamos sido apresentados, no decorrer de nossa
vida escolar, ao conceito de sinonímia como sendo ligado à igualdade de
significados de duas ou mais palavras, a bem da verdade, trata-se de um
fenômeno que se caracteriza pela equivalência de significados entre essas
palavras. Como bem lembra Oliveira (2008),

sinônimos perfeitos (ou absolutos) não existem. E é exatamente


a partir dessa inexistência que se pode definir sinonímia como a
semelhança ou a identidade de significados, e não como a igualdade
de significados.
O fato básico na sinonímia é simples: quando você encontra dois
sinônimos que parecem perfeitos e cujas diferenças você não
consegue determinar, isso significa apenas que você não sabe quais
são as diferenças entre esses sinônimos, mas que elas existem, existem
(OLIVEIRA, 2008, p.77).

73
Semântica e Pragmática

Com base no que diz Ullmann, Oliveira (2008) afirma que, mesmo
quando os sinônimos são muito próximos, essa coexistência não perdura,
exatamente porque isso representaria uma redundância, tornando dispen-
sável uma das formas. Assim, teríamos o desaparecimento de uma delas
ou uma mudança de sentido para outra.
Para Dubois et al (1998), podemos falar de sinonímia em termos de grau
e ela “tornar-se-á, assim, simplesmente a tendência das unidades de léxico
de terem o mesmo significado e de serem substituíveis uma pela outra. A
sinonímia pode, então, ser completa ou não, total ou não”. (DUBOIS et
al, 1998, p. 555).
Do que afirmam esses autores, convém chamarmos a atenção para uma
palavrinha especial: substituição. Isso porque uma tarefa bastante importante
entre os semanticistas e lexicógrafos consiste na delimitação dos sinônimos
e, para darem conta dessa atividade, recorrem quase sempre à substituição
de um sinônimo por outro em contextos distintos. Ou seja, por meio da
substituição, esses estudiosos buscam reconhecer em que medida podemos
usar uma palavra e não em outra em determinados momentos. Basta que
nos lembremos, aqui, do exemplo das tetas, não é mesmo?
Ora, podemos dizer que alguém tem a mama grande ou o seio grande
e isso não causar estranhamento, mas dizer que uma colega da faculdade
fez um exame de teta como forma de prevenção do câncer pode levantar
a suspeita de que estamos ironizando com essa moça e nosso intuito seria
agredi-la, atribuindo-lhe característica de vaca (há pessoas que gostam,
porque esse é o animal sagrado da China – rs), que têm tetas.
Comentários à parte, porque essa seria apenas uma interpretação pos-
sível, o falante bem sabe quando deve empregar uma ou outra forma e
isso acontece de forma automática, intuitiva. Há, sempre, a consideração
de um contexto X.
Ilari e Geraldi (2006) falam que há a “busca da palavra certa”, ante o
conjunto de possibilidades que se apresenta ao usuário para a sua escolha.
Sobre esse peculiar, parece-nos oportuno dar destaque às seguintes palavras
dos autores:

Às vezes, a “busca da palavra certa” tem objetivos de precisão;


por exemplo, porque duas palavras que seriam intercambiáveis em
contextos informais assumem sentidos específicos em contextos
técnicos. Assim, roubo aplica-se a crimes considerados mais graves
pelo legislador do que furto; e, no vocabulário jurídico, separação,
desquite e divórcio não são a mesma coisa. (ILARI; GERALDI,
2006, p.47)

Essa propriedade sinonímica não é exclusiva do nível lexical, pois ocorre


também entre sentenças. Tal fenômeno recebe o nome de paráfrase. É o
que acontece nos exemplos abaixo:

74
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

(1) Dilma venceu José Serra no segundo turno das eleições


presidenciais 2010.
5
(2) José Serra foi vencido por Dilma no segundo turno das eleições
presidenciais 2010.

Uma olhada rápida para essas sentenças já nos faz reconhecer uma
equivalência semântica entre voz ativa e voz passiva, não é mesmo? Temos,
então, um tipo de manifestação de paráfrase.
Agora, observemos outros dois exemplos:

(3) Todos os alunos se surpreenderam com a atitude infantil da colega


de sala.

(4) A surpresa com a atitude infantil da colega de sala foi unânime.

Aqui, a equivalência se dá em função da identidade semântica entre to-


dos e unânime, que gera a sinonímia. Trata-se de um outro tipo de paráfrase.
E o que podemos falar dos exemplos destacados abaixo? Olhemos e
pensemos:

(5) Juliana está triste.


(6) Juliana não está alegre.

O que fizemos? Criamos uma paráfrase a partir da oposição de elemen-


tos, não foi mesmo? Tecnicamente falando, temos uma lítote, uma figura
de linguagem gerada quando uma afirmação ocorre por meio da negação
da ideia oposta. E como aludimos a essa noção de oposição, cumpre-nos
lembrar que, do mesmo modo que as palavras representam sinônimos
umas das outras, também se opõem gradualmente entre si. Tal fenômeno
é conhecido como antonímia.
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre essa propriedade, gostaríamos
da dar realce a uma observação feita por Cançado (2008), que nos alerta
sobre o fato de sentenças visivelmente sinônimas poderem ecoar diferenças
no significado, a partir da observação da entonação e do foco. Registramos
a seguir os próprios exemplos da autora (p.44):

(7) MARIA bateu o bolo. (Quem bateu o bolo?)


(8) Maria bateu o BOLO. (O que Maria bateu?)

É bem fácil entendermos o que essa professora nos comenta, sim? No


primeiro caso, houve acentuação do nome MARIA; no outro, do BOLO.
Para o papo sobre esse assunto não se alongar mais, vale ressaltarmos
que, do mesmo modo que no nível lexical, no nível sentencial também não há
sinonímia perfeita. O comentário de Cançado (2008) reforça essa condição:

75
Semântica e Pragmática

... mesmo entre sentenças, a sinonímia perfeita não existe. Isso


se procurarmos duas sentenças idênticas em termo de estrutura
sintática, de entonação, de sugestões, de possibilidades metafóricas
e até mesmo de estruturas fonéticas e fonológicas. Se esperamos
encontrar a sinonímia nessas circunstâncias, então não é com
surpresa que poderemos afirmar que esta não existe. (CANÇADO,
2008, p. 44).

Considerando, agora, o fenômeno da antonímia, a oposição de signifi-


cados entre as palavras, podemos dizer que ele se manifesta a partir de 3
(três) tipos principais: i) antonímia binária ou complementar; ii) antonímia
inversa; e iii) antonímia gradual.
O primeiro tipo, binário ou complementar, corresponde a pares de
palavras que, quando aplicadas, excluem-se entre si, como acontece em:
acordar/adormecer, ir/ficar, morte/vida. Explicando melhor, em um con-
texto determinado, se uma dessas palavras é usada, não cabe o uso da outra.
Assim, se dissermos que alguém foi acolhido pela morte (desconsiderada
aqui a crença religiosa de que há vida após a morte!), não cabe dizermos
que essa pessoa está em vida.
Na antonímia inversa, uma palavra de um par de antônimos veicula um
significado inverso ao significado da outra. Trocando em miúdos, um fato
ou evento pode se expressar de dois modos distintos, implicando o outro,
como acontece nos seguintes casos:

(9) Maria é mãe de Laura.


(10) Laura é filha de Maria.

Como podemos ver, a primeira sentença desse par implica a outra,


inversamente falando.
A antonímia gradativa, por sua vez, compreende uma oposição que um
termo mantém com o outro na extremidade não absoluta de uma escala
comparativa. Eis alguns exemplos:

(11) magro/baixo
(12) alto/baixo

Nos casos tratados, sabemos que as noções de oposição expressas


em um dos elementos de cada par não implicam necessariamente a outra.
Analisemos: quando afirmamos que uma pessoa não é magra, nem sempre
queremos chamá-la de gorda, porque entre uma caracterização e outra há
um parâmetro de avaliação. Caso semelhante acontece na relação (12) alto/
baixo. Um homem pode ser baixo para ser jogador de basquete e alto para
outro tipo de atividade, não é mesmo? Tudo é uma questão de parâmetro!

76
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

Do mesmo modo que a sinonímia, também podemos falar de uma


ideia ampla de antonímia, que ocorre no plano da sentença. Temos, então,
o que se convencionou chamar de contradição. A contradição, assim como
5
a antonímia, ocorre de várias formas. Quase sempre, ela é ocasionada em
função do uso de palavras antônimas nas sentenças. Se pensarmos no caso
de uma antonímia complementar (aquele em que a presença de uma palavra
impede o uso da outra do par binário, como vimos há pouco), de imediato
perceberemos uma contradição, afinal, dizer que alguém é vivo e morto,
ao mesmo tempo, gera uma ideia contraditória, exceto se pensarmos em
continuidades como “vivo para uma coisa” e “morto para outra”, mas isso
já traz um sentido metafórico, o que não vem ao caso.
Um outro modo de expressar a contradição consiste em negar uma das
propriedades semânticas de um item lexical. Assim, não há como dizermos

(13) Patrícia visitou todas as capitais europeias, mas nunca foi a


Londres,

porque esta cidade representa a capital da Inglaterra, que é um país


europeu.
Bom, não pretendemos esmiuçar as particularidades desse fenômeno,
nossa pretensão foi apenas mostrar a sua existência e isso nós já o fizemos.
A seguir, falaremos sobre os fenômenos da polissemia e da homonímia.

POLISSEMIA X HOMONÍMIA
Ao contrário da sinonímia, que compreende um significado que pode
ser expresso por diferentes palavras, a polissemia diz respeito ao fenômeno
semântico em que uma única palavra apresenta dois ou mais significados, a
depender do contexto onde é empregada. É o que acontece com a palavra
bicho (s. m.): 1) Designação comum a todos os animais, em especial os ter-
restres; 2) Animal irracional, por oposição a homem; 3) Pessoa muito feia; 4)
Pessoa de mau gênio, intratável; 5) Pessoa de muito valor, ou que se destaca
em alguma atividade; 6) Pop. Sujeito, indivíduo, cara, camarada; 7) Fam.
Piolho; 8) Pop. Cancro; 9) Pênis; 10) Matar o bicho, tomar aguardente ou
outra bebida alcoólica; 11) Virar bicho, tornar-se agressivo; encolerizar-se,
zangar-se (disponível em: http://www.dicionarioweb.com.br/bicho.html).
Ao lado desse fenômeno, costuma aparecer um outro: a homonímia, que
representa a propriedade de duas ou mais palavras de significados distintos
terem ou a mesma pronúncia ou a mesma grafia. No primeiro caso, dizemos
que são homófonas (como em censo e senso); no segundo, chamamos de
homógrafas (como em selo, verbo, e selo, substantivo).
Por vezes, no entanto, os homônimos podem ter a mesma grafia e a mesma
pronúncia, neste caso, são chamados de homônimos perfeitos. Como exemplo,
temos as formas são (verbo ser), são (sadio) e são (forma reduzida de santo).

77
Semântica e Pragmática

Embora essas definições pareçam simples, a diferenciação entre esses


dois fenômenos costumam inquietar muita gente, inclusive semanticistas
e lexicógrafos, que procuram estabelecer critérios para delimitar esses
fenômenos.
Para Ullmann (apud OLIVEIRA, 2008,p. 378-379), “muitos homôni-
mos só existem na teoria; na prática não há qualquer risco de confusão,
uma vez que pertencem a classes de palavras distintas”. De fato, podemos
reconhecer essa singularidade em

(14) Eu selo a amizade que te tenho! (verbo)


(15) Não preciso do selo de qualquer grife! (substantivo)

Sintetizando, para esse autor, os homônimos incidem em classes gram-


aticais diferentes, já a polissemia não se define por essa característica. Res-
salvadas essas diferenças, esses fenômenos são corriqueiramente acusados
como sendo fontes para o aparecimento da ambiguidade, a possibilidade
de atribuição de mais de um sentido a uma palavra ou sentença. Falaremos
com menos pressa desse assunto na seção seguinte.

AMBIGUIDADE X VAGUEZA

Como dissemos há pouco, a polissemia e a homonímia podem gerar


a ambiguidade. Mais exatamente, expressam casos de ambiguidade lexical,
um dos tipos de manifestação desse fenômeno. É assim chamado porque
a dupla interpretação recai apenas sobre o item lexical, como podemos
observar abaixo:

(16) A cabeça da moça estava solta.

Sabendo que cabeça é um termo polissêmico, fica a pergunta: solta


de que modo? Pensemos numa situação trágica e então podemos ter uma
interpretação como “Ela pode ter sofrido um acidente e a cabeça pode ter
se deslocado do pescoço”; avaliando de modo mais metafórico, podemos
entender que “Ela anda com a cabeça longe, vive distraída” ou, ainda, “Ela
vive pensando em situações obscenas”. Caberiam, ao menos, duas inter-
pretações, em função desse uso e só o contexto poderia nos salvar e nos
dizer a leitura correta, né?
Há outros tipos de realização da ambiguidade, entre os quais podemos
citar: ambiguidade sintática, ambiguidade de escopo e ambiguidade semân-
tica. Falemos um pouco sobre cada um desses tipos.
A ambiguidade sintática é aquela cuja interpretação ambígua decorre
das diferentes estruturas sintáticas e não da interpretação individual de uma
palavra da sentença:

78
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

(17) Trabalho com vendas de chalés e apartamentos de praia.

Em (17), podemos ter duas interpretações: i) a de que o sintagma de


5
praia se refere a chalés e apartamentos; ii) a de que há o sintagma chalés
e depois apartamentos de praia. Dividindo essas estruturas em colchetes,
reconhecemos as duas possibilidades:

(18) a. Trabalho com vendas de [chalés e apartamentos]


[de praia]
b. Trabalho com vendas de [apartamentos] e [casas de praia]

Nas palavras de Cançado (2008), nesse tipo de exemplo,


o que gera a ambiguidade são as diferentes possibilidades de reorganizar
as sentenças, ou seja, a possibilidade de ocorrência de diferentes estrutu-
ras sintáticas na mesma sentença. Portanto, toda vez que se tratar de uma
ambiguidade sintática, conseguimos mostrar as possibilidades de interpre-
tação da sentença, apenas alternando a posição das expressões envolvidas
na ambiguidade; o que não acontece com os outros tipos de ambiguidade.
(CANÇADO, 2008, p.69)

A ambiguidade de escopo é de ordem estrutural, logo, não deriva do


uso de um item lexical ambíguo, mas também não nos permite uma re-
organização da sentença em estruturas sintáticas. A estrutura que está em
jogo, nesse tipo de ambiguidade, é a semântica. Na realidade, é “a relação
de distribuição entre as palavras que expressam uma quantificação que gera
a ambiguidade” (CANÇADO, 2008, p. 69); ela envolve uma distribuição,
individual ou coletiva. É o que podemos constatar no exemplo abaixo:

(19) Raquel deu um presente para todos os participantes da


confraternização.

Aqui, podemos entender: a. Raquel deu um único presente para todos


os participantes da confraternização; ou b. cada participante da confrater-
nização recebeu um presente diferente. Em termos de representação, temos:

(20) a. todos os participantes da confraternização Ⱥ receberam


um presente (único)
b. cada participante da confraternização Ⱥ recebeu um presente
(diferente)

Diferentemente do caso de ambiguidade sintática que apresentamos em


(17), quando pudemos reorganizar a mesma sentença em duas estruturas
lineares, em (19), podemos representar duas estruturas subjacentes distintas,

79
Semântica e Pragmática

uma com a distribuição coletiva e outra com distribuição individual.


A ambiguidade semântica, por sua vez, é originada em função da relação
que os pronomes mantêm com diferentes antecedentes. Trata-se, pois, de
uma questão ligada à correferencialidade:

(21) João conversou com sua filha?

Neste exemplo, a interpretação ambígua decorre do uso do pronome


sua: podemos compreender que a pessoa questiona se ‘João conversou com
a própria filha’, ou que o questionamento se voltaria para a ideia de que
‘João conversou com a filha de quem é ouvinte da pergunta’.
Um outro modo de gerar ambiguidade decorre da atribuição de papel
temático, isto é, a função semântica (papel na sentença) que o verbo es-
tabelece com o seu sujeito e o seu respectivo complemento, chamado de
‘argumento’ (ver box “Um pouco mais sobre a Teoria dos Casos Semânti-
cos...”). Observemos as ocorrências abaixo:

(22) Tânia fotocopiou os livros.


(23) Tânia fez uma escova maravilhosa.

Tanto em (22) quanto em (23) Tânia pode ser a responsável por fazer as
atividades expressas (fotocopiar os livros e fazer uma escova maravilhosa),
nesse caso, dizemos que ela é agente das ações, como ela pode receber essas
ações de alguém, nesse caso, ela é beneficiária.
Em ambos os casos, reconhecemos uma particularidade: o uso de
verbos que permitem a possibilidade de sermos agentes ou beneficiários
de uma ação X. Já pensou no número de vezes do nosso dia-a-dia em que
dizemos algo dessa natureza e alguém nos questiona “Você mesmo cortou
seu cabelo?!” e nós somos forçados a dar mais esclarecimentos sobre o que
falamos? Caso para pensarmos melhor antes de darmos informação, não é?
Naturalmente, podemos identificar, nas mais diversas situações de
comunicação, co-ocorrência de casos de ambiguidade e isso dificulta a dis-
tinção de cada um dos tipos que apresentamos. Em outras palavras, não é
tão simples diferenciar, nas nossas falas diárias, os tipos de ambiguidades
e, sem dúvida, a preocupação exaustiva com essa tipologia pode se tornar
numa atividade cansativa e desnecessária. A nossa pretensão foi demonstrar
como esse fenômeno está presente no nosso dia-a-dia e, claro, fazê-lo, daqui
em diante, precisar mais determinadas falas.
A propósito de falarmos em ‘precisar’, também queremos realçar a
existência de um outro fenômeno semântico bastante recorrente: a vagueza.
Vagueza associa-se a... um, dois, três, a algo vago, né? Pois bem, quando
falamos em vagueza, estamos nos referindo a um fenômeno relacionado
ao uso de expressões imprecisas diante de um contexto específico. Na
prática, ocorre por meio do uso de adjetivos relacionais (grande, alto, baixo,

80
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

simples...) ou certos quantificadores. Podemos dizer que uma pessoa de 21


anos é jovem para o exercício do cargo de deputado (costumamos achar
isso!), mas se essa mesma pessoa for se matricular numa escola de balé,
5
será considerada velha. Questão de referência, não é?
Para Cançado (2008), a vagueza pode, por vezes, ser bastante útil: é
“uma maneira econômica e, contraditoriamente, exata de nos expressarmos,
sem que sejamos obrigados a ter determinadas escolhas, às vezes, muito
complicadas no uso da língua." (CANÇADO, 2008, p. 60)
Em geral, falante e ouvintes chegam a um consenso e acabam deduz-
indo a informação adequada, mas é claro que isso não é uma constante.
Logo, convém que avaliemos (se isso nos for possível!) bem se vale a pena
sermos vagos diante de determinadas falas.
Para ganharmos tempo, urge dizermos que ambiguidade e vagueza são
fenômenos que só se diluem no contexto. No dizer de Cançado (2008):

A diferença entre as duas é que, para a ambiguidade, o contexto tem


a função de selecionar qual dos possíveis sentidos será utilizado; para
a vagueza, o contexto pode apenas acrescentar alguma especificidade
que não está contida na própria expressão (CANÇADO, 2008, p. 61).

Gostaríamos, ainda, de dizer que há um fenômeno que costuma ser


confundido com a vagueza, trata-se da indicialidade. Tal fenômeno está
em expressões referenciais que, independentemente do contexto, veiculam
sentido constante. É exemplo de forma indicial o pronome eu, uma vez
que, embora possa se referir a várias pessoas, a cada vez que é dita, alguém
se instaura como falante. Logo, não há um sentido vago. A indicialidade,
então, associa-se às palavras dêiticas, um dos assuntos a serem abordados
na seção seguinte.

DÊIXIS E ANÁFORA
O termo dêixis tem origem grega e significa ‘apontar’, identificar, situar
no espaço. Dessa forma, os elementos que são validados para registrar
essa particularidade linguística são chamados de ‘dêiticos’. De acordo com
Dubois et al (1998, p.168),

Todo enunciado se realiza numa situação definida pelas coordenadas


espaço-temporais: o sujeito refere o seu enunciado ao momento da
enunciação, aos participantes na comunicação e ao lugar em que o
enunciado se produz. As referências a essa situação formam a dêixis,
e os elementos linguísticos que concorrem para “situar” o enunciado
(para “embreá-lo na situação") são dêiticos.

81
Semântica e Pragmática

Das palavras dos autores, subjaz a confirmação de que os dêiticos


permitem identificar/situar no espaço pessoas, objetos, lugares, momentos,
mediante um contexto particular. Entre os elementos que respondem por
essa função, encontram-se os pronomes demonstrativos, os pessoais, os ad-
vérbios de tempo e lugar, dada a dependência que mantêm com o contexto,
linguístico (co-texto) ou extralinguístico. Analisemos os seguintes exemplos:

(24) Esta menina é bela.


(25) Eu adoro a música de Marisa Monte.
(26) O importante é o aqui e agora.
(27) Aquele vestido ali é o mais bonito.

Não há o que contestarmos nesses exemplos, sem dúvida, temos neles


expressões absolutamente dependentes do contexto de fala. Em (24),
por exemplo, faz-se necessário que o falante ‘situe’, ‘mostre’ a menina no
mundo, para que reconheçamos de quem se trata. No caso de (25), como
podemos identificar quem representa o eu? Oras, cabe-nos localizar o in-
divíduo que fala, ao contrário, não saberemos quem é a pessoa atualizada
pelo pronome eu.
Questionamento semelhante podemos fazer em relação ao exemplo
de (26), afinal, como entenderemos o que representam o aqui e o agora?
Apenas observando onde o falante se situa e, em que tempo/momento ele
fala, não é mesmo?
Em (27), somente a ação de ‘mostrar’ fará o ouvinte compreender que
vestido o falante considera mais bonitos, sim?
Para sermos ainda mais enfáticos, convém chamarmos a atenção para
o fato de que carecemos do contexto, em cada uma dessas situações, para
identificarmos os referentes e essa “referência varia de acordo com a situa-
ção de fala” (CANÇADO, 2008, p.54). Entretanto, você há de concordar
que o sentido será sempre o mesmo. Em (24), por exemplo, reconhecemos
um sentido invariável: há uma menina que é bela, resta-nos saber ‘quem’ é
essa menina e isso depende de nossa observação ante a “amostragem” ou
“apontamento” dado pelo falante.
A par dos exemplos tratados, podemos afirmar que a dêixis compreende
um dos traços definidores da linguagem humana, em contraposição às lin-
guagens artificiais. Grosso modo, é um fenômeno que põe em evidência a
presença do homem na língua.
Ao lado dessa problemática da dêixis, costuma-se tratar de um outro
fenômeno, a anáfora, porque também é ligado à noção de referencialidade.
A anáfora consiste numa referência a um termo anteriormente apresentado.
Conforme nos orienta Câmara Jr. (1997),

Há anáfora, em vez de dêixis (v.), no uso dos pronomes (v.), quando


em vez de uma indicação no espaço, há uma referência ao contexto.

82
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

Assim os demonstrativos (v.), ao lado do seu emprego dêitico, têm


outro, anafórico. (CÂMARA JR., 1997, p.49)
5
Para sermos mais práticos, vejamos:

(28) Há um moço te esperando lá fora. Ele é gatíssimo.

(29) Se Virgínia chegar, peça que ela me espere retornar.

Os termos em itálico são caracterizados como correferenciais, ou seja,


eles têm a mesma referência no mundo. Os elementos que estão sublinha-
dos e em itálico atuam como antecedentes e aqueles que estão apenas em
itálico são referencialmente dependentes de seus antecedentes. A relação
que esses elementos mantêm com os seus respectivos antecedentes é de
natureza anafórica.
Cumpre-nos dizer, ainda, que algumas expressões podem ser usadas
ora como dêiticas, ora como anafóricas. Porém, devemos afirmar, também,
que outras tantas só podem ser interpretadas anaforicamente. Vejamos:

(30) a. Ele sonhou com você. (dêixis)


b. Pedro estava no quarto, agora, ele saiu. (anáfora)

(31) a. Dilma está orgulhosa de si mesma. (anáfora)


b. * Si mesma realizou o sonho de ocupar o cargo de presidente.

Só para refrescarmos sua lembrança, o uso do * (asterisco) em (31 b.)


indica que a frase não é gramatical/realizável no português.
Bem, poderíamos ter ressaltado outros e outros fenômenos semânticos,
mas consideramos esses que ora apresentamos são sempre muito citados nos
compêndios dedicados à Semântica e isso, por si, já demonstra a importân-
cia que ocupam no bojo das relações sobre a problemática do significado.
À guisa de nossas palavras de despedida, resta-nos lembrá-lo que o
conhecimento dos fenômenos tratados nesta aula não deve ser engavetado,
muito pelo contrário, deve fazer de nossas reflexões (sem exagero, claro) do
dia-a-dia. Mais que isso, esses conceitos devem fazer parte da nossa rotina
como docentes (ou futuros docentes da área de língua portuguesa), posto
serem mananciais de sabedoria, cultura, intuição e habilidade de um povo,
afinal, de nada valerão nossas pesquisas se elas não puderam ‘afetar’ para
melhor nossa vida como profissionais, não é mesmo?

83
Semântica e Pragmática

CONCLUSÃO

Significar e ‘fazer significar’ na linguagem, eis o que cada um dos fenôme-


nos e propriedades semânticas que apresentamos expressa para nós. Não à toa,
selecionamos formas que podem se equivaler ou ser substituídas por outras num
dado contexto, num leque amplo de possibilidades sinonímicas. Na extremi-
dade, também recorremos a noções antônimas e estabelecemos contradições.
Por vezes, ainda que involuntariamente, emitimos falas passíveis de
interpretações distintas, por ora ambíguas, por ora vagas. E quando nos
valemos de uma ostentação (e por que não dizermos luxuosa?!) de palavras
que denotam sentidos diferentes no vasto universo da polissemia? E nossa
capacidade de ‘dar sentido’, de representar o mundo, de demarcar limites,
de indicar referentes? Tudo isso integra um mundo mágico, encantador,
digno de nos seduzir e de nos fazer inquietar em processos de busca pela
significação, pela legitimidade de intuir, de reconhecer possibilidades de
atribuir sentido ao que produzimos, de ‘coisificar’.
Sem dúvida, os fenômenos que estudamos nesta aula nos proporcionam
uma reflexão sobre nossa capacidade de ser, de significar para nós mesmos,
mas, sobretudo, de ‘significar para o outro’, pelo outro, com e na linguagem.

RESUMO
Nesta aula, delineamos um quadro com alguns dos mais difundidos
fenômenos semânticos, por meio da apresentação de suas características
e da ilustração de suas ocorrências. Inicialmente, apontamos a sinonímia
como um fenômeno caracterizado pela equivalência e não de igualdade de
significado entre os termos, como consta nos manuais didáticos de língua
portuguesa. Nesse peculiar, também realçamos a paráfrase como um tipo
de sinonímia aplicada no plano sentencial. No lado oposto da moeda,
falamos na antonímia, entendida como a capacidade que as palavras têm
de se colocarem em oposição, destacando seus tipos principais: i) binária
ou complementar; ii) inversa; iii) gradual. Igualmente, mostramos como
esse fenômeno pode originar uma oposição de significado em sentido
amplo (nível sentencial) denominada de contradição. Na sequência, demos
realce à propriedade semântica da polissemia, ou seja, o fenômeno em que
uma única palavra pode comportar dois ou mais significados, conforme
o contexto onde aparece. Ao lado desse destaque, também mostramos o
conceito de homonímia, isto é, propriedade de duas ou mais palavras de
significados diferentes terem a mesma pronúncia (homófonas) ou a mesma
grafia (homógrafas). Aqui, também salientamos o fato de a polissemia e
a homonímia contribuírem para a constituição de um outro fenômeno: a
ambiguidade. Depois, falamos dos tipos – lexical, sintática, de escopo e
semântica – de expressão da ambiguidade e da peculiaridade do fenômeno
conhecido por vagueza como mecanismos da imprecisão linguística. Em

84
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

seguida, trouxemos à tona os conceitos de dêixis e anáfora como traços


definidores da linguagem humana, uma vez que tonificam a presença do
homem na língua. Por fim, reafirmamos a importância de todos os fenô-
5
menos tratados para os estudos linguísticos, ao tempo em que insinuamos
a necessidade de termos um trabalho mais prático com esses conceitos na
aula de língua portuguesa.

ATIVIDADES
Muito conceito de uma vez só nesta aula, não foi? E daí? Conheci-
mento nunca é demais - rs. Para deixar você bem aliviado, temos apenas
uma questãozinha, ok? Boa sorte!
1. Você é um escritor e, como tal, vai elaborar uma historinha (conto –rs)
que terá um desenvolvimento enrolado exatamente por causa do mau uso
de certas palavras da língua, mas que será salva em função da avaliação
intuitiva que uma das personagens fará sobre os fenômenos da polissemia,
sinonímia, ambiguidade e vagueza. Trabalhe com pelo menos uma situação
para cada um desses 4 (quatro) fenômenos.

UM POUCO MAIS SOBRE A TEORIA DAS CASOS


SEMÂNTICOS

As funções semânticas compreendem os diferentes papéis significati-


vos que as estruturas linguísticas podem desempenhar em uma proposição.
Nos últimos anos, alguns linguistas têm buscado estabelecer um inventário
reduzido e operacional das funções semânticas ou casos. Dessa forma, sob o
rótulo de Gramática de Casos, encontramos a teoria clássica de Fillmore (1968;
1971), a teoria semântica de Chafe (1979), a lexicalista e não transformacional
de Starosta (1978), a teoria complexa de Anderson (1971) e muitos outros.
Podemos dizer que muito trabalho já foi feito, no sentido de se estabel-
ecer e delimitar funções semânticas ou “caso. Um trabalho que se alicerça,
principalmente, em dois focos gerais: i) a determinação de um número às
vezes muito diversificado de funções semânticas; ii) o estabelecimento de
um inventário, pretensamente universal, dessas funções.
Na perspectiva endossada por Fillmore (1968), a gramática gerativa de
casos se desenvolve a partir de um símbolo inicial chamado de “frase”, que
é formado por uma sequência constituída por “modalidade” e “oração”.
Nesse tipo de análise, o verbo ocupa lugar especial, pois representa o cen-
tro da frase e define, no nível da estrutura profunda, os diferentes papeis
ou relações casuais. Desse modo, a noção de “caso” reúne um conjunto
de conceitos universais identificadores das ações que os falantes realizam
entre si. Trata-se, pois, de uma gramática cuja preocupação se volta para

85
Semântica e Pragmática

a determinação das relações semânticas ou papéis temáticos subjacentes à


estrutura dos itens lexicais.
De acordo com Borba (1996), essa estrutura, dita conceitual, representa
“a forma por meio da qual se expressa o pensamento” (BORBA, 1996,
p.29). O autor acrescenta, ainda, que ela

compreende, entre outros elementos, um vocabulário de categorias


conceituais primitivas. Essas categorias incluem entidades como
objeto (= coisa), ação, estado, evento, lugar (direção, percurso,
origem, etc.), qualidade, quantidade. (BORBA, 1996, p.29).

Diante do número vasto de casos e, claro, das inúmeras propostas que


foram criadas ao longo dos anos, Borba (1996), seguindo na maioria das
vezes a linha de Fillmore (1971), destaca os seguintes casos:

1. Agentivo: responsável pela ação. Ex.: Meu amigo toca bem.


2. Experienciador: reporta a uma experiência ou uma disposição mental.
Ex. Lidiane ouve música (passa pela experiência de ‘ouvir’ música);
3. Beneficiário: é o destinatário de uma posse X (perda ou ganho). Ex.: Ana
ganhou (ou perdeu) um carro.
4. Objetivo: trata-se da referência (afetada) que o verbo indica. Ex.: O
caminho para concluir a graduação é longo.
5. Locativo: marca uma ordem espacial, um lugar. Ex.: David está no trabalho.
6. Instrumental: exprime uma causa (dita indireta) de uma ação. Ex.: Maria
Helena cortou os cabelos com faca.
7. Causativo: provoca um efeito ou desencadeia uma ação a partir de um
estímulo. Ex.: Algumas barracas da orla foram arrastadas com o vento forte.
8. Meta: expressa um ponto de chegada. Ex.: Os portugueses chegaram ao
Brasil em 1500.
9. Origem: expressa um ponto de partida. Ex.: Cheguei de João Pessoa
ontem à tarde.
10. Resultativo: liga-se a verbos de existência. Ex.: O governo Déda con-
struiu a ponte Joel Silveira.
11. Temporal: faz indicação do/no tempo. Ex.: Há um ano a moça morre
de paixão.
12. Comitativo: caracteriza-se por uma associação, com possível traço de
atividade e/ou causa. Ex.: Os pais da menina morreram com ela.

Sem muito blá-blá-blá sobre as peculiaridades dessa(s) tipologia(s),


podemos enfatizar que um dos maiores problemas dessa gramática é jus-
tamente a delimitação pouco sistemática dos casos tratados. Como afirma
Carvalho (1987), apesar de divergências que as tipologias apresentam entre
si, podemos reconhecer alguns pontos em comum. Das 20 semelhanças
apontadas pelo autor, listamos as seguintes:

86
As sutis (Im)propriedades do ‘significar’ com as palavras
Aula

1. uma forte base semântica;


2. uma separação não estrita ente sintaxe e semântica;
3. uma forma mais fácil de explicar o uso da linguagem, baseando-se num
5
modelo semântico;
4. noções de caso profundo como um universal de linguagem;
5. um conjunto de relações de casos linguisticamente definidas.

No mais, vale dizermos que, independentemente dessas oscilações


tipológicas, as noções expressas na Teoria dos Casos Semânticos têm um
papel fundamental no conhecimento que o falante deve ter sobre a língua
e, como tal, merecem maiores investigações.

PRÓXIMA AULA
Como você já deve estar prevendo, na próxima aula, passaremos a lidar
com as teorias e os conceitos ligados à área da Pragmática.

AUTOAVALIAÇÃO

Ih, acabou a aula, mas sempre vem uma proposta de avaliação de de-
sempenho, né? Mesma coisa, mas a sugestão é para o seu bem. Teste seus
conhecimentos sobre o assunto estudado, leia mais se for preciso, resolva
os exercícios e, se julgar que está com muitas dúvidas, crie um fórum no
ambiente virtual de aprendizagem, converse com seus colegas e com o tu-
tor da disciplina. Depois de tudo, as chances que você terá de crescer em
conceito numa escala de 0 a 10 serão bem maiores. Bom trabalho!

REFERÊNCIAS
ANDERSON, John M. The grammar of case: towards a localist
theory. London: CUP, 1977.
BORBA, Francisco da Silva (coord.). Uma gramática de valência
para o português. São Paulo: Ática, 1996.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de linguística e gramática.
18 ed. Petópolis-RJ: Vozes, 1997.
CARVALHO, Maurício Brito de. Considerações sobre a diversidade de
propostas das gramáticas de casos. In: NEVES, Maria Helena de Moura.
Gramática de casos. Araraquara-SP: UNESP, 1987, p.27 – 40.
CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exer-
cícios. 2 ed. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2008.

87
Semântica e Pragmática

CHAFE, Wallace. Significado e estrutura linguística. (Tradução de


Maria Helena de Moura Neves, Odette G.L.A. de Souza Campos e Sônia
Rodrigues). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979.
DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1998.
FILLMORE, Charles J. The case for case. In: BACH and HARMS (orgs.).
Universals in Linguistic Theory. New York: Holt, Rinehart and Winston,
1968, p 1-88.
______. Some problems for case grammar. In: Monograph series on
laguage and linguistics 24. Washington: Georgetown Universitu Press,
D.C, 1971.
ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 11 ed. São
Paulo: Ática, 2006.
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008.
STAROSTA, Stan. The one per sent solution. In: Valence, semantic case
and grammatical relations. John Benjamins: Amsterdam, 1978, 56 – 72.

88

Você também pode gostar