Autoriza
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25/03/2021
Número: 1014039-67.2021.4.01.3400
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 21ª Vara Federal Cível da SJDF
Última distribuição : 22/03/2021
Valor da causa: R$ 1.000,00
Assuntos: COVID-19, Sem registro na ANVISA
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
SINDALEMG - SINDICATO DOS SERVIDORES DA RAFAEL SACCHETTO VIEIRA PINTO (ADVOGADO)
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS OTAVIO AUGUSTO DAYRELL DE MOURA (ADVOGADO)
GERAIS (AUTOR) HUMBERTO LUCCHESI DE CARVALHO (ADVOGADO)
JOAO VICTOR DE SOUZA NEVES (ADVOGADO)
UNIÃO FEDERAL (REU)
AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (REU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
48812 25/03/2021 03:52 Decisão Decisão
8856
Seção Judiciária do Distrito Federal
21ª Vara Federal Cível da SJDF
PROCESSO: 1014039-67.2021.4.01.3400
DECISÃO CONJUNTA
1) RELATÓRIO
Por meio das suas respectivas exordiais, narram que tal medida visa atender aos seus substituídos, os quais,
por força da natureza peculiar das suas atividades profissionais, estariam expostos à contaminação pelo novo coronavírus.
Em acréscimo, tecem comentários sobre o quadro adverso provocado pela COVID-19 e sobre as dificuldades
que o Sistema Público de Saúde estaria enfrentando para promover a pronta imunização da população brasileira.
Na sequência, pedem a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2º, caput e §1º, da novel Lei
14.125/21 (1ª e 3ª autoras), o reconhecimento do direito de participar imediatamente do processo de imunização e a dispensa de
prévia submissão dos seus pedidos de importação à ANVISA.
Originalmente, os feitos foram distribuído à 3ª Vara Federal desta Seção Judiciária, a qual firmou sua
incompetência por força da prevenção gerada pela ação nº 1004273-87.2021 4.01.3400.
Decido.
2) INTRÓITO NECESSÁRIO
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Inicialmente, pertinente deixar registrado que, no exercício da competência alargada do foro nacional, há quase
dois meses (ação nº 1004273-87.2021 4.01.3400, ajuizada pelo SINDICATO DO COMÉRCIO DE VENDEDORES AMBULANTES
DO DISTRITO FEDERAL), este juízo vem recebendo ações coletivas propostas com o escopo de ver autorizada a imediata
participação da sociedade civil no processo de imunização da população brasileira em relação ao novo coronavírus.
Da mesma forma, também não é supérfluo consignar que, respectivamente, nos dias 04 e 10 de março, nos
autos das ações nºs 1007074-73.2021.4.01.3400 (proposta pelo SINDICATO DOS MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE
TRANSPORTES PRIVADO INDIVIDUAL POR APLICATIVOS DO DISTRITO FEDERAL - SINDMAAP) e 1011721-
14.2021.4.01.3400 (proposta pela ASSOCIACAO NACIONAL DOS MAGISTRADOS ESTADUAIS), firmou-se entendimento assim
sintetizado:
Ocorre que, no mesmo dia 10 de março (data da última decisão acima referida), restou sancionada e publicada
a Lei nº 14.125/21, a qual, em última análise, teve a missão de regulamentar justamente essa participação da iniciativa privada no
Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Igualmente, no dia 05/03/2021, a Medida Provisória nº 1.026/21 teve concluído o seu processo de votação
perante o Congresso Nacional (com a manutenção dos elementos de interesse ao deslinde da questão aqui enfrentada), ficando
convertida na Lei 14.124/21.
Ou seja, com a égide da Lei 14.125/21, o tema central aqui examinado passou a contar com
regulamentação própria em nosso arcabouço jurídico.
E é dentro dessa nova realidade jurídica que passamos a enfrentar, conjuntamente, a emblemática pretensão
apresentada pelas autoras (“iura novita curia” e “da mihi factum, dabo tibi ius”).
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3) DAS INCONSTITUCIONALIDADES QUE MACULAM PARCIALMENTE A NOVEL LEI 14.125/21
E o ponto nevrálgico inicial repousa, justamente, em examinar, dentro da técnica do controle difuso de
constitucionalidade, se a novel regulamentação introduzida pela Lei 14.125/21 possui suporte de validade na nossa ordem
constitucional vigente.
Em especial, o seu atacado art. 2º, cuja redação ficou assim estabelecida:
Art. 2º Pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir diretamente vacinas contra a Covid-19 que
tenham autorização temporária para uso emergencial, autorização excepcional e temporária para importação e
distribuição ou registro sanitário concedidos pela Anvisa, desde que sejam integralmente doadas ao Sistema
Único de Saúde (SUS), a fim de serem utilizadas no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
§ 2º As vacinas de que trata o caput deste artigo poderão ser aplicadas em qualquer estabelecimento ou
serviço de saúde que possua sala para aplicação de injetáveis autorizada pelo serviço de vigilância sanitária
local, observadas as exigências regulatórias vigentes, a fim de garantir as condições adequadas para a
segurança do paciente e do profissional de saúde.
§ 3º As pessoas jurídicas de direito privado deverão fornecer ao Ministério da Saúde, na forma de regulamento,
de modo tempestivo e detalhado, todas as informações relativas à aquisição, incluindo os contratos de compra e
doação, e à aplicação das vacinas contra a Covid-19.
A simples leitura do preceito editado revela que, após “autorizar” o início da participação da sociedade privada
nas ações voltadas à imunização da população brasileira (“Pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir diretamente
vacinas contra a Covid-19 que tenham autorização temporária para uso emergencial, autorização excepcional e temporária para
importação e distribuição ou registro sanitário concedidos pela Anvisa”), a lei 14.125/21 impôs duas estranhas e contraditórias
condições:
I) QUE, até o término da imunização dos “grupos prioritários”, a sociedade privada atuaria apenas como mera
financiadora, sem qualquer gerência sobre os destinatários dos fármacos a serem adquiridos, pelos preços de mercado e com
recursos próprios, junto aos fornecedores internacionais;
II) QUE apenas num segundo momento seriam autorizadas operações de importação para “uso próprio” das
referidas vacinas, mas, contudo, somente no limite de apenas 50%.
Ou seja, de fato, procede o argumento de que, em termos práticos, por via indireta, a Lei 14.125/21, ao invés de
flexibilizar e permitir a participação da iniciativa privada, acabou “estatizando” completamente todo o processo de imunização da
COVID-19 em solo brasileiro (contrariando até mesmo o art. 199 da CF/88, o qual é expresso em garantir que “A assistência à
saúde é livre à iniciativa privada”).
Afinal, mesmo legalmente “autorizadas” a importar tais vacinas, as organizações privadas passaram a ser
obrigadas a doar INTEGRALMENTE tudo que conseguirem importar até que o Estado brasileiro conclua a “imunização dos
grupos prioritários previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação” (que, na melhor das hipóteses, seguindo o
atual ritmo, só deverá ocorrer daqui quase um ano).
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Apenas depois é que a sociedade civil passaria a ter o controle parcial (50%) sobre o destino das vacinais por
ela adquiridas no futuro, concorrido e caro mercado internacional.
À toda evidência, não precisa grande esforço para concluir que, no afã de construir uma solução positiva, que
atendesse ao clamor da população brasileira, o legislador pátrio acabou maculando a Lei 14.125/21 (aprovada e publicada no
tempo recorde de apenas SETE DIAS) com VÁRIAS INCONSTITUCIONALIDADES detalhadas na forma dos seguintes ITENS
e SUBITENS:
De pronto, salta aos olhos que, ao impor a doação coativa de 100% (1ª fase) e 50% (2ª etapa) das vacinas a
serem importadas pela sociedade civil, o art. 2º da Lei 14.125/21 acabou por legalizar verdadeira tentativa de usurpação
inconstitucional da propriedade privada.
Não se trata de nenhuma das hipóteses autorizadas de confisco, como, por exemplo, no caso: a) das
propriedades rurais e urbanas utilizadas para o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas ou para a exploração de trabalho escravo
(CF/88, art. 243); b) da pena de perdimento por ilegalidades graves na internalização de bens procedentes do exterior ou dos
instrumentos do crime etc..
Note-se que, na hipótese em exame, não há qualquer mácula de ilicitude capaz de justificar a mais severa das
penalidades patrimoniais previstas em nosso sistema jurídico.
A hipótese aqui é de ação humanitária, de natureza colaborativa e integrativa com a própria força estatal voltada
ao combate da pandemia que nos assola de maneira violenta e crescente.
Da mesma forma, a transmissão forçada da propriedade privada para o Estado aqui questionada passa longe de
atender, minimamente, aos requisitos capazes de lhe emprestar contornos de natureza tributária.
A UMA, porque a obrigação imposta não possui sequer natureza pecuniária, conforme exigência do art. 3º do
Código Tributário Nacional:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que
não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
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vinculada. (destacado)
A DUAS, porque, ao assumir natureza ordinária, a Lei 14.125/21 não atenderia ao requisito formal exigido pelo
art. 154, I, da CF/88 para o exercício da competência tributária residual da União (lei complementar):
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e
não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
A TRÊS, porque violaria a regra da proibição do confisco (CF/88, art. 150, IV) a lei que estipulasse um tributo
equivalente a 100% do valor do bem cuja operação serviria como base de cálculo (hipoteticamente, no caso de imposto de
importação ou taxa de desembaraço aduaneiro):
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
A QUATRO, porque há torrencial jurisprudência no Supremo Tribunal Federal reconhecendo que o valor das
taxas deve guardar correlação com o custo do serviço prestado no exercício do poder de polícia (também aqui admitido apenas
como suposição para fins de reforço de argumentativo).
A CINCO, porque nem mesmo poder-se-ia cogitar de empréstimo compulsório (dos valores correspondentes
aos custos de importação das vacinas), pois o art. 148 da CF/88 também exige lei complementar:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto
no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa
que fundamentou sua instituição.
Na mesma linha intelectiva, não se poderia enquadrar a transmissão forçada da propriedade das vacinas ao
Estado como uma espécie de desapropriação realizada no interesse da sociedade.
Afinal, exceto nos casos de confisco ou nos casos de reforma agrária, qualquer desapropriação exige prévia e
justa indenização, segundo o art. 5º, inciso XXIV, da CF/88:
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Art. 5º - (...).
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição; (destaques acrescidos)
Tudo porque, essa modalidade de intervenção estatal na propriedade privada traz como marca característica a
transitoriedade da medida, isto é, muito embora o poder de império do interesse coletivo até se sobreponha em relação ao
interesse individual, a validade dessa atitude coativa exige a posterior restituição e/ou a indenização pelo prejuízo suportado pelo
legítimo proprietário do(s) bem(ns) requisitado(s). Vejamos:
“Art. 5º - (...).
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular,
assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; (destacado)”
Aliás, a própria Lei 8.080/90 (Lei do SUS), ao regular a aplicação do instituto da requisição na seara do sistema
público de saúde, assegura na parte final do inciso XIII do seu art. 15:
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as
seguintes atribuições:
(...)
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo
iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera
administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de
jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;
Aliás, ela não assegura qualquer tipo restituição, compensação ou ressarcimento aos membros da sociedade
civil que optarem por participar do processo de imunização contra o coronavírus, via a importação agora formalmente
“autorizada”.
Por isso, não sendo hipótese de confisco válido, de tributo regular e nem de desapropriação ou de requisição
administrativa, resta latente que a doação seria o único instituto capaz de albergar a transmissão da propriedade das vacinas ao
Sistema Público de Saúde.
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Ocorre que, na hipótese, as doações das vacinas não proviriam de liberalidade, de ato voluntário da sociedade
privada (CC/02, art. 538).
Isso porque, a Lei 14.125/21 acaba explorando o medo da doença, o medo da morte, o medo da paralisação
econômica etc. para incutir, no seio da sociedade civil organizada, a coação psíquica de que, ao não realizar a doação de 100%
das vacinas a serem importadas (50% na 2ª etapa), a parte interessada estará alijada de qualquer tentativa de realizar a
antecipação do processo de imunização dos seus substituídos processuais.
Sem ceder à doação coativa (inicialmente de 100%) não haverá autorização para importação de vacinas,
simples assim!
E tudo isso sob a pressão psicológica de uma pandemia que já ceifou a vida de 300.015 brasileiros (posição do
dia 24/03/2021) e que está aniquilando a estabilidade econômica e o emprego de outros milhões.
Não é exagero lembrar que o art. 538 do Código Civil define que:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio
bens ou vantagens para o de outra. (destacado)
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado
temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas
circunstâncias, decidirá se houve coação. (grifos acrescidos)
Fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens é exatamente o
que o art. 2º da Lei 14.125/21 busca explorar com o escopo de forçar uma desproporcional invasão estatal na propriedade privada
das empresas e entidades que, sob à pressão gerada pela pandemia, optarem por fazer uso da “autorização” de importação das
vacinas contra à COVID-19.
Acontece que a Constituição Federal, salvo as exceções legais (já arroladas acima), colocou a garantia da
inviolabilidade do direito de propriedade no rol de cláusulas pétreas e dos princípios que norteiam a atividade econômica do nosso
Brasil:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
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(...)
II - propriedade privada;
Por isso, ao impor a doação coativa de 100% (1ª fase) e 50% (2ª etapa) das vacinas (definida como condição
para a legalização das operações de importação), o art. 2º da Lei 14.125/21 acabou por instrumentalizar a pretensão de
usurpação inconstitucional da propriedade privada, pois, como visto, tal transmissão forçada não se amolda a nenhuma das
hipóteses albergadas pela nossa Carta Política de invasão estatal no domínio particular.
Mas, as violações constitucionais perpetradas pelo art. 2º da Lei 14.125/21 não se restringem apenas ao
formalismo normativo.
A análise cuidadosa e sistêmica daquele preceito revela grave inobservância ao princípio constitucional que
veda o retrocesso na proteção dos direitos fundamentais.
Isso porque, antes do advento da novel alteração, a legislação de regência que regula a importação de fármacos
sempre garantiu o direito (óbvio) de utilização aos interessados na aquisição internacional.
Para tanto, sempre bastou a submissão prévia da operação ao crivo sanitário da ANVISA.
O que não era diferente em relação às vacinas voltadas ao combate do novo coronavírus.
Aliás, em relação a elas, diante do contexto atípico da eclosão da pandemia, o sistema jurídico optou, inclusive,
por criar regras próprias, flexibilizando, parcialmente, as exigências tradicionais inerentes a esse processo de controle sanitário.
Sobremaneira, dispensando a exigência de registro específico junto à ANVISA das vacinas já aprovadas por
outras agências reguladoras de notória expertise internacional.
Cite-se o microrregime jurídico temporário criado pela Medida Provisória nº 1.026/21 (editada para facilitar a
aquisição de vacinas, insumos e outros produtos para o combate ao vírus COVID-19), cujo art. 16 assegura, desde a sua
publicação, que:
Art. 16. A Anvisa, de acordo com suas normas, poderá conceder autorização excepcional e temporária para
a importação e distribuição de quaisquer vacinas contra a covid-19, materiais, medicamentos,
equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, sem registro na Anvisa e
considerados essenciais para auxiliar no combate à covid-19, desde que registrados por, no mínimo, uma
das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição em seus respectivos
países:
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IV - National Medical Products Administration - NMPA, da República Popular da China; e
V - Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency - MHRA, do Reino Unido da GrãBretanha e Irlanda
do Norte. (destaques acrescidos)
Em outras palavras, conforme já afirmado, até a publicação da Lei 14.125/21, bastava mera submissão ao
controle sanitário da operação de importação para que, por exemplo, qualquer interessado da iniciativa privada obtivesse a
regularização do ingresso em solo nacional e, sobretudo, a autorização para aplicação das referidas vacinas.
Contudo, essa possibilidade jurídica foi abruptamente ceifada pelo art. 2º da Lei 14.125/21, quando impôs que:
Art. 2º Pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir diretamente vacinas contra a Covid-19 que
tenham autorização temporária para uso emergencial, autorização excepcional e temporária para importação e
distribuição ou registro sanitário concedidos pela Anvisa, desde que sejam integralmente doadas ao Sistema
Único de Saúde (SUS), a fim de serem utilizadas no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Note-se que, agora, mesmo que superada a etapa de regularização das operações de importação, os
interessados deixaram de ter à sua disposição o direito de usar os fármacos que serão por eles importados quando o mercado
internacional se abrir para a iniciativa privada (o que, inevitavelmente, deve ocorrer em breve).
Retrocesso normativo que, no caso em exame, tem o condão de fulminar o direito fundamental de proteção à
saúde e à vida de todos os substituídos processuais, conforme, expressamente, assegurado nos arts. 6º e 196 da nossa
Constituição Federal, cuja redações, dada à relevância, não é supérfluo deixar aqui consignadas:
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (destacado)
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (destacado)
Como visto, está expresso que os substituídos têm o direito e o Estado o dever de garantir políticas que visem à
redução do risco de doença.
Exatamente o que não está sendo assegurado pela novel Lei 14.125/21.
Lei essa que, ao invés de cumprir com a sua promessa de abrir caminho para a participação da sociedade civil
no complexo (e ainda exageradamente lento!) processo de imunização contra o novo coronavírus, acabou aniquilando
completamente (até pelo desestímulo) a possibilidade de os substituídos processuais terem acesso imediato (ou no menor tempo
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possível) à única “política” capaz de reduzir os seus riscos em relação à COVID-19: a imunização por meio das vacinas.
Na prática, a Lei 14.125/21 retrocedeu e tornou letra morta o direito fundamental à proteção da vida elencado
nos arts. 6º e 196 da nossa Carta Política.
O que viola frontalmente a garantia de que as cláusulas pétreas não podem ser suprimidas nem mesmo por
emenda constitucional, conforme impõe o art. 60, §4, IV, da CF/88.
Art. 60 – (...).
(...)
Portanto, não há como deixar de reconhecer que o art. 2º da Lei 14.125/21 violou o princípio que veda o
retrocesso na proteção do direito fundamental à saúde e à vida dos substituídos.
Princípio que encontra larga aplicação na jurisprudência da nossa Corte Suprema, conforme atestam as
seguintes ementas exemplificativas (destacadas apenas na parte que interessam):
“(...). A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o
direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação
desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais,
assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao
texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os
direitos sociais já concretizados.” (STF, ARE 639337 AgR, 2ª Turma, Min. Celso de Mello, j. 23/08/11)
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meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da República. 5. Ação direta de
inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nessa parte, julgada procedente, sem pronúncia de nulidade.”
(STF, ADI, Plenário, Min. Cármen Lúcia, j. 05/04/18)
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PROPOSITURA DE ADI ATRELADA AOS AUTOS APÓS A DISTRIBUIÇÃO DA AÇÃO SUPRE A
INCAPACIDADE POSTULATÓRIA AB ORIGINE. VÍCIO SANADO. 3) RELEVÂNCIA E URGÊNCIA PARA O
TRATAMENTO DA MATÉRIA SEGURO DPVAT EM SEDE DE MEDIDA PROVISÓRIA. REQUISITOS
PRESENTES. 4) A COMPATIBILIDADE DAS NORMAS LEGAIS COM O TEXTO DA LC nº 95/98 ENCERRA
CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL INSINDICÁVEL EM SEDE DE CONTROLE
CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 5) O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E OS ARTIGOS
196, 197 E 199 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA RESTAM IMACULADOS NA ALTERAÇÃO DA
SISTEMÁTICA DO PAGAMENTO DO DPVAT QUE ENGENDROU COM O NOVEL SISTEMA SECURITÁRIO,
POSTO HARMÔNICO COM AS NORMAS CONSTITUCIONAIS. 6) OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA, DA PROPORCIONALIDADE E DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL, MÁXIME
DIANTE DOS MECANISMOS COMPENSATÓRIOS ENCARTADOS NA ORDEM NORMATIVA SUB JUDICE,
RESTAM PRESERVADOS NA TABELA LEGAL PARA O CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO DO SEGURO DPVAT.
7) O DIRIGISMO CONTRATUAL É CONSECTÁRIO DA NOVA DOGMÁTICA DO DIREITO CIVIL GRAVITANTE
EM TORNO DO TEXTO CONSTITUCIONAL E LEGITIMADORA DA PROIBIÇÃO LEGAL DE CESSÃO DO
CRÉDITO DO DPVAT. 8) O NOVEL REGRAMENTO DO SEGURO DPVAT NÃO IMPEDE AS VÍTIMAS DE
ACIDENTES DE TRÂNSITO DE ELEGEREM OS HOSPITAIS PARTICULARES PARA O SEU ATENDIMENTO.
9) DIREITO À INCLUSÃO LEGAL DO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DO VALOR DA INDENIZAÇÃO
DEVIDA A TÍTULO DE SEGURO DPVAT. NECESSIDADE DE INICIATIVA DO PODER COMPETENTE. 10)
IMPROCEDÊNCIA DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 4.350 E 4.627.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 8º DA LEI Nº
11.482/07 E DOS ARTS. 30 A 32 DA LEI Nº 11.945/09.” (STF, RE 878694, Repercussão Geral, Plenário, Min.
Roberto Barroso, j. 10/05/17)
Em linhas gerais, no entender do Pretório Excelso, a revogação ou a redução de norma que assegura direitos
fundamentais sociais, sem a implementação de MEDIDAS ALTERNATIVAS que tenham a capacidade de COMPENSAR
eventuais perdas de proteção já sedimentada, contraria o princípio da PROIBIÇÃO DO RETROCESSO social.
O princípio impõe ao legislador o dever de respeitar a não supressão ou a não redução dos direitos
fundamentais já consolidados por meio da norma constitucional e infraconstitucional, salvo quando possível estabelecer
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prestações alternativas compensadoras.
Da mesma forma, não bastasse configurar indevida invasão estatal na propriedade particular e autêntica
instrumentalização de retrocesso na proteção do direito fundamental à saúde e à vida, o art. 2º da Lei 14.125/21 ainda viola o
princípio da isonomia.
E faz isso ao dar tratamento diverso (e mais prejudicial) para situações fáticas idênticas.
I) a empresa/entidade privada “A”, ao buscar importar imediatamente as vacinas, teria que doar 100% daquilo
que conseguir comprar no concorrido e caro mercado internacional, não podendo destinar NENHUMA dose ao grupo humano de
seu interesse, pois, somente será autorizado a fazer isso se voltar ao mercado e adquirir novas doses após o término da fase de
imunização pública dos grupos de risco;
II) a empresa/entidade privada “B”, ao buscar importar as vacinas somente após o encerramento da
imunização dos chamados “grupos de risco”, teria que doar 50% daquilo que conseguir comprar no futuro mercado internacional e
destinará apenas os outros 50% para o grupo humano de seu interesse;
III) a empresa/entidade privada “C”, ao optar por não comprar/importar vacinas, teria o grupo humano de seu
interesse praticamente imunizado no mesmo tempo das empresas “A” e “B”.
Ou seja, atenta contra a lógica dos fatos supor que a empresa/entidade privada “A” iria se submeter a uma
condição infinitamente mais gravosa para, na melhor das hipóteses, ter a mera expectativa de obter o mesmo “benefício” da
empresa/entidade privada “B”.
Note-se que a Lei 14.125/21 não estipula e/ou assegura percentuais ou quantitativos capazes de distinguir
quem adere ao processo de imunização já na 1ª fase e quem adere apenas na 2ª etapa.
A opção legislativa foi dar tratamento idêntico para situações diametralmente opostas.
No mundo da realidade, o art. 2º da Lei 14.125/21 criou verdadeira (embora camuflada) vedação à importação
de vacinas pela iniciativa privada até que se conclua o controverso e mutável programa de vacinação dos chamados “grupos de
risco”.
No mundo formal do “papel”, a aparência é de que, enfim, liberou-se o reforço da iniciativa privada na execução
do programa de imunização dos brasileiros contra o novo coronavírus.
Mas, no mundo da verdade material, o art. 2º não apenas afastou ainda mais essa possibilidade, como, também,
criou uma inexplicável distorção de tratamento entre as empresas/entidades que decidissem aceitar a doação coativa por ele
imposta.
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3.5) DA INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO QUE VEDA A
PROTEÇÃO DEFICIENTE E INSUFICIENTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Não bastasse isso, ao editar o art. 2º da Lei 14.125/21, o legislador acabou ainda por desproteger o direito
fundamental à saúde e à vida de grande parcela dos brasileiros (CF/88, arts. 6º e 196).
Afinal, ao não contemplar a hipótese de importação dos imunizantes sem o atendimento da exigência de doação
(que deve ser integral), a nova lei desmotiva e inibe a participação da iniciativa privada na busca e no custeio de mais
vacinas no mercado externo.
Com isso, ela não atinge o objetivo de melhorar e agilizar os níveis de imunização em nosso país.
Note-se que, de um lado, ela não consegue incrementar (via doações privadas) o quantitativo de doses à
disposição da estrutura estatal e, de outro, ainda aniquila/impede a chance dessas empresas e entidades privadas tentarem a
sorte no mercado internacional de vacinas que se abrirá em breve.
Literalmente, com as devidas venias¸ o art. 2º da Lei 14.125/21 não ajuda a resolver o gravíssimo quadro de
pandemia que vivemos (inclusive, até o momento, não há notícias de qualquer adesão oficial de empresas privadas), como ainda
tem o poder de retirar da iniciativa privada brasileira o direito de DISPUTAR COM A INICIATIVA PRIVADA DO RESTO DO
MUNDO as vacinas adicionais que a indústria farmacêutica colocará em breve no mercado (a história do mundo capitalista
garante que isso será inevitável).
Perceba-se que não se trata de “furar fila”, de “quebrar ordem de preferência” na aplicação das VACINAS
ADQUIRIDAS PELO PODER PÚBLICO.
Aqui estamos olhando para o futuro, para as PRÓXIMAS ETAPAS dessa tragédia humana que nos assolou
sem qualquer aviso prévio.
Aqui estamos falando de permitir que a força, a competência, a agilidade e o poder de disputa da nossa
sociedade civil “chegue antes” e garanta o máximo possível de doses adicionais da vacina contra a COVID-19 para assegurar a
saúde e a vida de mais brasileiros.
Do contrário, essas vacinas serão direcionadas à imunização de pessoas que residem em outros países.
Esse é o ponto nodal da questão: não estamos falando de vacinas que serão oferecidas aos Entes públicos
(como muitos leigos confundem).
Igualmente, não podemos continuar presos à ignorância, ao amadorismo, à ilusão de que esse coronavírus
desaparecerá com o mero desejo psicológico, com o mero passar do tempo ou com a chegada de um novo período eleitoral.
A imunização é a única solução segura e duradoura para proteger vidas e manter funcionando a economia do
país e das pessoas.
Mas, não é só no campo humano que o art. 2º da Lei 14.125/21 atua de forma deficiente e insuficiente.
Com efeito, segundo as descobertas científicas já feitas, a imunização deverá ser periódica (já sabemos que
não existe a chamada “imunização de rebanho” e muito menos que o corpo humano tem o poder de criar imunização natural
perene).
Por isso, não precisa grande esforço para perceber que, dentro do desenrolar natural dos fatos, a vacina contra
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o novo coronavívus será obrigatória para o exercício de qualquer atividade social (viagens etc.) e/ou econômica (frequentar
ambientes de trabalho etc.).
Vai daí, não deve tardar para surgir, por exemplo, normas incluindo essa vacina no rol dos Equipamentos de
Proteção Individual (EPIs) de fornecimento e uso obrigatório em qualquer relação laboral.
E sabemos muito bem que, diante da nossa realidade econômica, o Poder Público não terá condições de
custear o fornecimento indistinto e eterno dessas vacinas.
Da mesma forma, corrompe qualquer noção de livre iniciativa (CF/88, art. 1º, IV, c/c art. 170, caput) supor que,
por exemplo, uma empresa deveria ser obrigada a financiar a imunização dos colaboradores da(s) sua(s) concorrente(s),
enquanto os seus próprios trabalhadores continuariam impedidos de frequentar o ambiente laboral por conta das necessárias
medidas de isolamento ou mesmo em decorrência dos nefastos efeitos físicos da COVID-19.
Isso tudo sem contar que o critério escolhido pelo art. 2º para liberar o uso próprio das vacinas é absolutamente
vago e juridicamente inseguro.
Quem poderia hoje ter uma noção mediana de quando o sistema estatal conseguirá imunizar (com duas doses)
todos os grupos de prioridades?
Registre-se, por exemplo, que este próprio juízo já recebeu demandas coletivas de categorias funcionais
buscando a sua inclusão naquele rol de prioridades do Plano Nacional de Imunização (PNI).
Os próprios agentes estatais, sensíveis à realidade, têm alterado aquela listagem com certa frequência.
E nem vamos aqui tecer comentários para os riscos de fraudes no “enquadramento” de supostos “portadores”
das doenças sabidamente mais propensas às intercorrências graves geradas pela COVID-19.
Inegavelmente, estamos diante de um critério aberto, indefinido, que não permite qualquer projeção segura de
concretização.
O que só confirma que, além de estar maculado pelos vícios constitucionais anteriormente elencados, o art. 2º
da Lei 14.125/21 ainda se revela absolutamente ineficiente e prejudicial à proteção do direito fundamental à saúde e à vida dos
brasileiros frente ao novo coronavírus.
Não podemos esquecer que estamos vivendo a maior tragédia humanitária do país.
Nem mesmo as três grandes guerras ceifaram a vida de tantos brasileiros (algo próximo de 60 mil na Guerra do
Paraguai, aproximadamente três centenas na Segunda Guerra Mundial e pouco mais de duas dezenas na Primeira Guerra
Mundial).
Não podemos mais desperdiçar qualquer chance de salvar vidas e os pilares da economia (empregos,
empresas, arrecadação de tributos etc.).
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Temos um inimigo em comum: o novo CORONAVÍRUS.
Precisamos colocar no campo de batalha toda a nossa força, todos os nossos “soldados” que estão aguardando
a “convocação”.
É hora de fazermos o nosso melhor, por nós, por nossos familiares e por todos aqueles que sucumbiram ou
estão sucumbindo (humana e economicamente) a essa doença cruel.
Notoriamente, por não estar presa aos mesmos entraves burocráticos que norteiam as ações da Administração
Pública, em praticamente tudo que faz, a iniciativa privada consegue empregar um ritmo mais acelerado.
O que pode ser fundamental no enfrentamento da concorrência mundial pela compra das vacinas excedentes,
que possam complementar os quantitativos já contratados pelo Poder Público.
Vale lembrar que, por força do art. 199 da CF/88 (“A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”), temos
longo histórico de atuação exitosa da iniciativa privada no setor de saúde do nosso país (um dos maiores e mais qualificados do
mundo).
Vai daí, também sob essa ótica, resta latente que o caput (parcialmente) e o §1º (integralmente) do art. 2º da Lei
14.125/21 não conseguem, de forma eficiente e suficiente, garantir o direito fundamental para o qual foram editados.
Ainda mais, considerando que, mesmo já passados quase dois meses e meio desde o início efetivo da
imunização em solo nacional (iniciada no dia 17/01/2021, com a enfermeira Mônica Calazans, em São Paulo), apenas 5,80% dos
brasileiros (equivalente a pouco mais de 12 milhões) conseguiram receber a 1ª dose, segundo dados divulgados pela imprensa
no último dia 23 de março.
Percentual esse que ficava em 1,99% da população (equivalente a 4.213.858) se considerado o total de
brasileiros que já concluíram o processo de imunização com as duas doses necessárias (que deve ser aplicada entre 14 e 28
dias no caso da Coronavac e em 3 meses no caso da Oxfor/AstraZeneca).
Ou seja, no ritmo atual, o sistema público levaria quase dois anos para imunizar 100% da população.
O próprio Ministério da Saúde, na sua mais recente projeção divulgada (também na data de 23 de março),
reconhece que, na melhor das projeções, somente no do 1º quadrimestre de 2022 seria possível imunizar a faixa etária dos
brasileiros com 18 anos.
E o mais alarmante é que a população abaixo dos 18 anos ainda sequer entrou no cronograma de vacinação.
Afinal, pelo atual Plano Nacional de Imunização (PIN), a grande parcela da população economicamente ativa
(média etária entre 25 a 60 anos) ficará excluída da vacinação por praticamente mais quase um ano.
O que é altamente preocupante, porque, na atual “2ª onda”, essa tem sido a faixa etária que apresentou o maior
crescimento dentre as internações hospitalares graves e na composição estatística dos indesejados óbitos.
E isso não guarda relação direta com a preexistência de comorbidades ou idade específica (como aconteceu, na
“1ª onda” de 2020, com idosos etc.), mas, sim, com o grau maior de exposição que marca a vida desse grupo populacional.
Exposição que, em grande medida, está atrelada a necessidades de ordem laboral/profissional, pois é nessa
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faixa dos 25 a 60 anos que está a maioria dos empreendedores, dos profissionais liberais, dos empregados da iniciativa privada e
também dos servidores públicos ativos.
É a faixa etária que tem, no atual momento histórico, independentemente da cor, raça, ou classe social, a
missão de movimentar, majoritariamente, a economia formal do nosso país, produzindo riquezas, consumindo bens e serviços e
gerando tributos.
Faixa etária que, com alguma exceção maior no serviço público e dentre os profissionais liberais, não tem como
trabalhar remotamente, muito menos permanecer eternamente em isolamento social ou recebendo auxílio emergencial do
governo federal.
Governo, aliás, que, mesmo antes da pandemia, já enfrentava um déficit orçamentário anual acima dos R$ 150
bilhões de reais.
Logo, a própria preservação do sistema econômico do país depende que essa vasta faixa de brasileiros tenha, o
mais rápido possível, a segurança que apenas a imunização por meio da vacinação poderá conceder.
Por isso, merece prestigiar a pretensão da sociedade econômica privada quando postula o reconhecimento do
direito constitucional de buscar, por meios lícitos, se organizar para garantir a imunização futura dos seus respectivos grupos de
interesse.
Pretensão essa que, conforme já consignado, além de ser custeada com recursos também privados, em nada
conflita com o planejamento de imunização conduzido pelas forças estatais.
Pelo contrário, são medidas/sistemas que se complementam mutuamente e, no final das contas, contribuem
para acelerar a redução dos níveis de contágio, a redução do número de internações e mortes em médio prazo, além da
manutenção dos empregos, das empresas etc.
De outro prisma, quanto ao pedido de afastamento do controle sanitário prévio da ANVISA sobre as futuras
operações de importação das vacinas, este juízo vinha adotando o entendimento de que, por força da realidade atípica decorrente
da pandemia, seria adequado reposicionar (não afastar) o atendimento daquela exigência para o momento do desembaraço
aduaneiro.
Desta forma, ressalvando entendimento pessoal em contrário, entendo que, ao menos neste juízo de prelibação,
deve ser aplicado ao caso em tela o entendimento adotado pela Superior Instância acerca desse ponto.
Até porque, o art. 4º, §8º, da Lei 8.437/92 prevê a possibilidade de extensão dos efeitos daquela suspensão de
segurança a todas as liminares idênticas posteriores.
Ficando, todavia, assegurado à parte interessada, o oportuno controle judicial na hipótese de a ANVISA incorrer
em mora (ultrapassar o prazo regulamentar) na análise do(s) pedido(s) de licença(s) de importação(ões).
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Lembrando que, em situação análoga, o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado o entendimento de que:
5) DISPOSITIVO
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as pessoas jurídicas de direito privado poderão, atendidos os requisitos legais e sanitários, adquirir, distribuir e administrar
vacinas, desde que pelo menos 50% (cinquenta por cento) das doses sejam, obrigatoriamente, doadas ao SUS e as demais
sejam utilizadas de forma gratuita];
b) RECONHECER que não há impedimento legal de a sociedade civil participar imediatamente do processo de
imunização da população brasileira em relação à pandemia da COVID-19;
c) AUTORIZAR que a parte autora deflagre, se assim desejar, a imediata importação de vacinas destinadas
exclusivamente à imunização do novo coronavírus de seus associados e respectivos familiares (segundo as condicionantes
abaixo elencadas), a ser realizada por intermédio de pessoa jurídica legalmente habilitada para tal ato junto à ANVISA
(importação de fármacos), sem a necessidade de realizar as doações coativas impostas no art. 2º da Lei 14.125/21 ora
parcialmente declarado inconstitucional.
Da mesma forma, por razões reflexas, fica a parte autora ciente de que correrão por conta de sua exclusiva
responsabilidade os riscos inerentes à escolha/eficácia das vacinas, ao seu armazenamento e transporte adequado e também à
forma que elas serão distribuídas e aplicadas junto aos seus substituídos (o que deverá ser feito segundo as regras locais de
vigilância sanitária e por profissionais habilitados).
Incluindo, dentre as suas obrigações, a integral responsabilidade por eventual efeito adverso que tais vacinas
possam gerar junto aos destinatários finais.
Afinal, por razões lógicas, ao postular o uso de regra de exceção, a parte autora atrairá para si os potenciais
efeitos adversos que dela possam surgir (falsificação, descuidos no transporte, armazenamento e aplicação das vacinas etc.).
Igualmente, considerando os limites do seu objeto social, fica a parte autora também ciente de que não poderá
efetuar atos de mercancia interna a terceiros das vacinas importadas, devendo a sua aplicação ficar restrita aos associados (e
eventualmente a seus respectivos familiares), sob pena de incorrer em multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) por unidade
comercializada irregularmente.
a) juntar aos autos, tão logo seja concluído o ato de fechamento da compra internacional, documentos
comprovando os quantitativos e a lista nominal de todos os futuros beneficiados (será tolerado acréscimo e/ou alteração na ordem
de até 15%);
b) indicar o nome e comprovar que a importação se dará por meio de empresa legalmente registrada, para essa
finalidade, junto à ANVISA;
c) manter arquivado em sua posse o registro documental dos beneficiários (com a demonstração de vínculo com
a parte autora) para que, havendo interesse das autoridades brasileiras, seja possível confirmar a lisura e a segurança do uso das
vacinas a serem importadas (incluindo termo de anuência e aceitação de riscos a ser firmada pelos respectivos recebedores
finais).
Contudo, a proibição de venda acima não impede que a parte autora receba dos substituídos o valor
proporcional dos custos das vacinais importadas (custo total dividido pelo número de vacinas importadas).
Por fim, diante da natureza peculiar da questão de fundo debatida na presente ação, determino a cientificação
do Ministério Público Federal para que, querendo, intervenha no feito.
Desta feita, intime-se, via mandado, a parte ré para conhecimento acerca desta decisão, citando-a para
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apresentar a sua resposta processual.
Apresentadas as contestações, intime-se a parte autora para apresentar réplica, no prazo de 15 (quinze) dias.
Desde já, indefiro protestos e pedidos genéricos de produção de provas, devendo as partes, se assim
desejarem, requerer a produção de provas específicas que entendam necessárias ao julgamento do feito, declinando os fatos que
pretendam comprovar, devendo assim proceder em sede de contestação (parte ré) e réplica (parte autora).
Em caso de serem formulados pedidos de produção de provas específicas de natureza não documental,
venham os autos conclusos para decisão sobre a instrução probatória.
Caso não sejam veiculados pedidos de produção de provas específicas ou no caso de as partes considerarem
ser a prova documental suficiente para a elucidação dos pontos controvertidos, venham os autos imediatamente conclusos para
sentença.
(assinado digitalmente)
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