ARQUIVO Trabalho-ANPUH2015
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Introdução
Mestrando do Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará.
Bolsista CAPES.
1
Em período anterior ao nome de Amazônia para a região, os espanhóis já organizam entradas em busca de
províncias grandiosas na região de floresta tropical que pudessem ser tão ricas e prover saques tão vultosos
quanto foi o caso do Império Inca, sobre essas entradas ver a dissertação de Raimundo Cruz Neto (CRUZ NETO,
2014.).
2
Esta zona de fronteira difere bastante da fronteira oriental pela ausência de vilas e
cidades, ou de praças fortes. Segundo carta régia de 9 de dezembro de 1690, temos notícia que
o Rei intentava construir quatro fortalezas na região, contando com o auxílio do cabedal de
particulares para a obra4. Ainda segundo o documento, uma destas quatro fortalezas seria a da
Barra do Rio Negro, último posto militar lusitano dentro do sertão amazônico, no entanto, só
teve suas obras terminadas durante o século XVIII, o que dá ideia de que ainda no final do
XVII ela não seria capaz de barrar qualquer avanço hostil, ou fiscalizar qualquer travessia do
sertão.
2
A bacia hidrográfica que compõe a fronteira ocidental é formada pelos rios citados acima, que acabam se
conectando ou apenas mudando de nome conforme a descrição sendo lusa, ou castelhana. Os rios Ucayali e
Marañon se juntam e formam o Rio Solimões (como os portugueses o chamavam) junto com uma série de
outros pequenos rios.
3
No excelente trabalho de Nádia Farage sobre o Rio Branco (FARAGE, 1986), podemos identificar várias
passagens que remetem a situação do Rio Negro e a sua ligação com as áreas coloniais de influência holandesa.
4
“Carta Régia ao Governador do Maranhão, sobre o pedido de Manoel da Motta” 09/12/1690. Arquivo
Histórico Ultramarino, cód. 268, caixa 04, f. 0370.
3
A ideia de Fronteira
No caso amazônico é interessante notar que desde o século XVI, com o Tratado de
Tordesilhas (1494), se tem tentado demarcar limites a uma fronteira entre as áreas de
influência de Portugal e de Espanha. Com a União Ibérica (1580-640), o Tratado de
Tordesilhas perdeu amplamente o seu sentido, como podemos verificar com o continuo
avanço luso-maranhense em direção ao oeste amazônico que deveria em tese pertencer ao
reino de Castela. Outro fator preponderante para a inexistência de referidas linhas
demarcadoras é a territorialidade indígena; sendo praticamente os únicos moradores dos
postos mais avançados de portugueses e espanhóis, os grupos indígenas não tinham o respeito
pelos limites estabelecidos pelos europeus, mantendo a sua circulação pelas áreas de
influência ancestrais de suas etnias.
Monção Amazônica
A porção ocidental da fronteira amazônica tem uma ocupação bem diversa de sua
banda oriental. Enquanto o lado oriental tem centros fixos de colonização como vilas, cidades
e fortificações, a fronteira ocidental tem uma parca presença europeia, tendo majoritariamente
a sua população de “gentios” ou de índios em processo de cristianização nas missões
religiosas. Observando o lado português do avanço colonizador, temos a ascensão ao trono de
D. Pedro II, que após uma longa regência, assume o trono de fato em 1683.
Monções e as fronteiras
Toparon con tres pueblos de Omaguas, los quales les hizieron mucho agassajo: estos
tales dizen se me acercan de miedo del Portugués, que desde la ciudad de San Luis y
castillo del Gran Pará, donde están haziendo rostro al Olandés, se han subido á la
Gran Omagua en busca de cautivos: assegúranme se me vendrán los más, que son
como tres mil indios, y claro está que los trae el miedo del Portugués, porque á
bueltas de rescatar cautivos, juzgo las hazen mucho daño. (LUCERO, 1986: 323)
fronteira ocidental. Na documentação portuguesa uma das primeiras informações sobre uma
tropa subindo pela fronteira ocidental é datada de 1686, que dispõe sobre uma tropa de guerra
que deveria castigar os índios do rio Urubu e adiante, pelos danos que eles vinham causando
na extração de cravo na região5.
Sobre essa tropa existem informações muito interessantes. Primeiro, que ela não foi
exclusivamente ao sertão em busca de descer índios, mas que foi uma tropa organizada para
coletar drogas no sertão e demarcar possíveis caminhos, assim como, segundo consta na
documentação houve a descoberta de ouro no caminho da referida tropa7. As tropas
organizadas, que faziam a ocupação por monção de um território com ausência de cidades e
fortificações, tinha o desafio de ocupar, verificar potenciais econômicos latentes, fazer os
resgates dos nativos, coletar drogas, enfim, a transposição do mundo colonial para uma nova
fronteira.
Outra informação importante acerca desta tropa diz respeito ao encontro que ela teve
com o Pe. Samuel Fritz da Companhia de Jesus. Segundo o diário do Pe. Fritz, o missionário
encontrou com a tropa capitaneada por Pinheiro de Lacerda nas imediações do rio Urubu,
tendo sido trazido até a capital do Pará juntamente com parte da tropa que estava de retorno a
cidade (FRITZ, 1988: 317-320). Em Belém, Fritz foi um ativo defensor dos interesses
castelhanos sobre a fronteira ocidental, inclusive estando em audiência com o governador
Arthur de Sá e Menezes. Até mesmo pela sua atividade política, Fritz foi considerado como
5
“Carta régia ao Governador do Maranhão de 02 de março de 1686, sobre os castigos que deve infligir aos
índios do rio Urubu”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, vol. 26, 1904, p.
72.
6
“Alvará régio sobre a regulamentação dos resgates de índios de 28 de abril de 1688”. Anais da Biblioteca
Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, vol. 26, 1904, pp. 98-101.
7
“Carta régia ao Governador do Maranhão sobre a tropa de resgate de 1688 custeada com a sua fazenda”.
07/10/1690. Arquivo Histórico Ultramarino. Cód. 268, Caixa 04, f. 0366.
9
um espião castelhano em terras portuguesas, tendo ficado cerca de vinte meses preso no
colégio jesuítico de Santo Alexandre, em Belém, até receber a permissão de D. Pedro II para
retornar a sua missão (FRITZ, 1988: 320-322).
Em seu diário, Fritz nos dá mais detalhes sobre essa tropa. Escrevendo como teve
notícias da mesma:
Apesar da carta régia citada há pouco tratar a tropa de Miranda como um meio de
manter os índios sob a vassalagem portuguesa e impedir as incursões de missionários
castelhanos, o diário do Pe. Fritz vem corroborar com a ideia de que estas tropas tinham um
caráter muito mais eclético, recolhendo drogas – cacau e cravo – e fazendo cativeiros de
índios que deviam ser repartidos no Pará. Fritz não dá notícia de que a tropa tenha executado
a sua missão principal de impedir as entradas do missionário, já que logo em seguida ele
relata em seu diário que continuava trazendo os grupos da banda lusitana:
8
“Carta régia ao Governador do Maranhão, de 06 de fevereiro de 1696, sobre a presença de missionários
espanhóis entre os Cambebas”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, 1904,
p. 160.
10
pero como vivian tan remotos los unos de los otros, en islãs tan malas donde no se
podia edificar iglesia fija, y á más de esto se veian tan perseguidos de los
portugueses, les aconsejaba se transportasen para arriba cerca de San Joachim de
Omaguas, en donde los asistiria y doctrinaria con mucho amor. (FRITZ, 1988: 336)
Em outra Carta Régia, feita em 1697, volta à tona o comportamento do Pe. Fritz ente
os índios da fronteira ocidental, da parte que os portugueses acreditavam estar sob sua
jurisdição. Está carta volta a solicitar que se o padre fosse encontrado, devia ser preso e
remetido ao reino para prestar esclarecimentos. A carta traz ainda a informação que outra
tropa deu de encontro com Fritz nos arredores das terras dos Yurimaguas, sendo que desta vez
a tropa estava acompanhado pelo provincial do Carmo, frei Manuel da Esperança9, que
recebera ordens do governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho para reduzir os
índios e tomar posse do território em favor do rei de Portugal, após a viagem que o mesmo
governador fez até o Rio Negro (FRITZ, 1988: 342-343).
Outro caso interessante que gostaria de levantar aqui é sobre a missão do rio
Madeira. Em carta régia de 22 de março de 1688, o rei disserta sobre o incremento no número
de missionários da Companhia no Estado do Maranhão em vistas de se estabelecer uma
missão no rio Madeira e fortalecer a missão do rio Negro. Pedro II solicita ao governador
Arthur de Sá e Menezes que dê todo apoio possível aos padres da Companhia para o
estabelecimento destas missões10. Como dito anteriormente, a partir dos anos 80 do século
XVII o interesse se torna cada vez maior pela região da fronteira ocidental, como podemos
detectar no apoio a instalação de uma missão entre os índios do rio Madeira.
9
“Carta régia ao governador do Maranhão, de 10 de dezembro de 1697, sobre a conduta do Pe. Samuel
Fernandes Fritz.”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, 1904, pp. 173-174.
10
“Carta régia ao governador do Maranhão, de 22 de março de 1688, sobre o incremento de missionários da
Companhia no Estado.”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, 1904, p. 84.
11
Pensando nessa expansão, sabemos que dois anos antes em 1686, D. Pedro II
também havia promulgado Carta régia em que definia que os jesuítas que fossem obrar no
Maranhão fossem portugueses12. Em um ambiente de expansão e incorporação ao comércio
Atlântico, é interessante pensar que uma região de fronteira não receba missionários advindos
de nações que tenham interesses na mesma região, deixando aos padres portugueses a missão
de reduzir as almas dos gentios ao serviço de Deus e de Sua Majestade. O ideal de
missionários portugueses em uma zona de expansão também se vincula com a questão da
missão do Madeira. Próxima à zona de influência castelhana, o rio Madeira se caracterizava
como um novo espaço de possibilidades também na coleta de drogas, quanto no
aprisionamento de índios.
Pensando também que alguns anos depois, em 1693, haveria a repartição dos
distritos missionários, onde a região do Rio Madeira coube a Companhia de Jesus, que em
tese teria exclusivamente missionários portugueses no Maranhão. O que a tornaria diferente
das demais Ordens, como os mercedários espanhóis de origem, espanhóis como aqueles a
quem se devia afastar da região. Sabemos que a intenção de um exclusivismo de missionários
portugueses na missão do Maranhão não se efetivou, tendo sido mandados muitos
“estrangeiros” para atuar na colonização portuguesa.
11
“Carta régia ao governador do Maranhão, de 06 de julho de 1691, sobre o estado das missões no rio
Madeira e Negro.”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do Maranhão, Rio de Janeiro, 1904, p. 125.
12
“Carta régia ao governador do Maranhão, de 24 de novembro de 1686, sobre o envio apenas de
missionários portugueses para atuar na missão do Maranhão.”. Anais da Biblioteca Nacional, Livro Grosso do
Maranhão, Rio de Janeiro, 1904, p. 73.
12
Conclusão
Durante o século XVII, enquanto ainda era regente de seu irmão D. Afonso VI, o
príncipe D. Pedro fez a paz com a Espanha, assinando o tratado de reconhecimento da
restauração bragantina com a rainha consorte Maria Ana da Áustria – regente do seu filho
Carlos II. A paz celebrada em 1668 pode ser um dos motivos que levaram os lusitanos e
castelhanos e manterem a cordialidade na fronteira ocidental, mesmo que discordando
absolutamente sobre os limites de cada zona de influência. No entanto, é difícil imaginar que
nos rincões do vale amazônico, um tratado celebrado em Lisboa fosse mais importante que os
“usos e costumes da terra”.
Tendo a acreditar que as tropas portuguesas nunca tomaram medidas mais enérgicas
contra os missionários castelhanos – como o Pe. Fritz – pela facilidade que os mesmos
exerciam sobre a sua atividade. Segundo o diário do Pe. Samuel Fritz, tratando de sua
trajetória “habia ocho ó más anos que yo estaba en pacífica posesion de aquella mision por
parte de la Corona de Castilla, y habia reducido á pueblos gran parte de aquellos infieles,
cuando unos andaban fugitivos por los bosques, otros vivian escondidos junto á las lagunas,
por los montes” (FRITZ, 1988: 342).
garantir a posse permanente da região a uma missão portuguesa seria ter que entregar o bem
mais precioso da terra nas mãos dos missionários portugueses – os índios.
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15
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