Muita Tinta Pouco Resultado
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André Marenco1,2
DOI: 10.1590/0103-3352.2023.41.269334
Brasil havia apenas 5 (ALMEIDA, 2005). Neste mesmo momento, podiam ser
contabilizados 64 cursos de Ciências Sociais e 43 de Relações Internacionais
no Brasil. Ainda de acordo com Almeida (2005), em 39% dos bacharelados
em Ciências Sociais não havia uma única disciplina de Ciência Política; 44%
apresentavam até 8 disciplinas e em apenas 17% destes foi encontrada oferta
superior a 8 disciplinas (ALMEIDA, 2005).
Até o início dos anos 1980, Ciência Política, Sociologia e Antropologia
apresentavam patamar semelhante no que diz respeito à oferta de doutorados
em suas respectivas áreas. Ao lado dos 2 Programas com doutorado em Ciência
Política, na USP e IUPERJ, havia 2 doutorados em Sociologia (USP e IUPERJ)
e 2 em Antropologia (USP e UFRJ). Contudo, 16 anos mais tarde, quando re-
cém é criado o terceiro doutorado de Ciência Política (UFRGS), a Antropologia
já contava com 6 e a Sociologia chegava a 14 doutorados. Em 2004, a Ciência
Política dobra sua oferta, para 6 doutorados, enquanto a Antropologia já che-
gava a 9 e a Sociologia alcançava 24.
Defasagem temporal igualmente separa a criação de associações cien-
tíficas de sociólogos e antropólogos, e de outro, a dos cientistas políticos. A
Sociedade Brasileira de Sociologia foi erguida em 1948, e a Associação Brasileira
de Antropologia data de 1955. Em 1966 é registrada uma primeira iniciativa de
formação de uma Associação Brasileira de Ciência Política, patrocinada pelo
Instituto de Direito Público e Ciência Política e presidida por Themístocles
Cavalcanti (ABCP, 1966). Em 1986, a ABCP é recriada e passa, efetivamente
a possuir dinâmica acadêmica e associativa. Análise sobre as gerações forma-
doras da disciplina no país extrapola o escopo deste trabalho e pode ser en-
contrada, entre outros, em Avritzer, Milani e Braga (2016) e Biroli et al. (2020).
O ponto aqui é que dos anos 1960 até o final da década 2010 pode-se
observar um predomínio da sociologia nas instituições universitárias, na for-
mação de doutores, no volume de produção acadêmica e na agenda pública.
Restou à reduzida comunidade epistêmica dos cientistas políticos brasileiros
o esforço de construção marginal de identidades disciplinares.
Revisitando a agenda da geração fundadora da Ciência Política brasi-
leira, destaca-se preocupação em dissociar-se de teorias sociológicas, identi-
ficando variáveis políticas capazes de explicar a configuração da ordem po-
lítica brasileira: a) a construção do Estado nacional no Brasil em perspectiva
1969-1989 6 - - -2 8
1990-2009 5 6
1 1 13
2010-2021
8 6 15 11 40
Materiais e procedimentos
Na sequência este trabalho pretende examinar a) a produção científica de
docentes e discentes; e b) o perfil e profissionalização dos titulados em Ciência
Política da disciplina no Brasil, buscando localizar pistas que permitam com-
preender as características deste desenvolvimento institucional e acadêmico.
Diversos trabalhos têm empreendido esforço em promover a revisão de
publicações acadêmicas, buscando analisar e classificar o perfil da produção
Resultados
O passo seguinte consistiu em realizar uma análise de conteúdo dos
artigos publicados, empregando, para isto, o software NVivo e os protocolos
de análise estabelecidos na literatura (RICHARDS, 2002; JACKSON, 2003;
JOHNSTON, 2006; HUTCHISON; JOHNSTON; BRECKON, 2009; BAZELEY;
JACKSON, 2013). Inicialmente foram identificadas as 50 palavras mais fre-
quentes nos títulos, resumos e palavras-chave dos 1.488 artigos examinados.
Na primeira rodada deste procedimento, verificou-se a necessidade de se ex-
cluir palavras com menos de 5 letras, bem como termos anódinos segundo os
propósitos desta investigação, seja de sentido geográfico (Brasil, Brazil, bra-
sileiro, brasileiros, América, latina, federal, nacional) ou genéricos (ciência,
agenda, estudos, crítica, debate, sobre, análise, resenha, entre, study).
Disto resultou a nuvem de palavras apresentada a seguir.
Figura 1: Nuvem de palavras, artigos publicados em periódicos A1, A2 e B1, Ciência Política e
Relações Internacionais/Capes, Quadrienal, 2017.
O achado mais significativo aqui parece ser a reduzida variação por di-
mensão temática, mesmo quando se considera a filiação institucional do pes-
quisador conforme as quatro subáreas que compõe a Área de Ciência Política
e Relações Internacionais da Capes. Com discretas oscilações, regras e pro-
cessos políticos respondem por mais da metade das palavras mais frequentes,
políticas públicas correspondem a aproximadamente 1/5 e política externa,
cerca de 30%, com uma participação mais modesta (24,9%) entre Programas
de Políticas Públicas.
Como pode ser explicada a homogeneidade temática transversal, mesmo
quando se considera diferentes vocações acadêmicas presentes em instituições
das 4 subáreas do campo disciplinar? Uma pista pode ser oferecida ao obser-
var-se a idade média dos Programas de Pós-Graduação da Área CP & RI, se-
gundo cada subárea, na Quadrienal 2017: 17,2 anos (Ciência Política), 7,2 anos
(Relações Internacionais), 3,7 anos (Defesa) e 1,6 anos (Políticas Públicas). Este
dado é consistente com a informação apresentada anteriormente no Quadro 1,
sobre os ciclos de expansão institucional da Ciência Política brasileira. Assim,
pode-se considerar que a maior longevidade temporal de PPGs de Ciência
Política tenha sido responsável pela formação acadêmica de docentes e pes-
quisadores que, mais tarde, formaram os cursos de Relações Internacionais e
os caçulas programas de Políticas Públicas e Defesa.
Embora útil, esta operação ainda deixa duas dúvidas em relação aos
achados: em que medida a contagem de palavras permite aferir a inclinação
predominante em cada publicação e, ainda, um ponto cego, localizado no foco
em analisar as conexões entre polity/politics e policies.
Para dar conta desta ambição não foi possível desviar-se do exaustivo
exercício de leitura de títulos, resumos e palavras-chave dos 1.488 artigos se-
lecionados. Saindo das palavras tomadas e contadas isoladamente, para os tex-
tos, o resultado apresentou moderadas alterações:
Construção 1 0,2
Alojamento e alimentação 0 0
Atividades imobiliárias 0 0
Serviços domésticos 0 0
Conclusão
O inventário realizado acima, sobre o core da Ciência Política brasilei-
ra, através de amostragem de artigos, teses, dissertações e o destino profissio-
nal de doutores egressos, revelou uma “zona de conforto” disciplinar, sob uma
bitola que consiste na reconstituição do jogo político desconectado de seus
resultados. Transmitida de modo intergeracional e reforçada pela endogenia
na profissionalização dos egressos dos cursos nacionais de Ciência Política,
seu efeito consiste na redução do potencial de impacto público da disciplina.
Mas, até que ponto a atuação no debate público, através de entrevistas
ou artigos na imprensa não indicaria a relevância da disciplina? A importân-
cia desta atuação pode ser observada na popularização de um conceito como
“presidencialismo de coalizão” junto ao mundo político e jornalístico. É pre-
ciso notar, contudo, que esta atividade reforça a “zona de conforto”, que con-
fere uma percepção naïve de relevância pública, sem instrumentos de medi-
ção efetiva de seu impacto, além da sazonalidade em sua demanda.
Referências
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Lots of ink, few results. Can Political Science explain who gets
what, when and how?
Abstract: The starting point of this article is the international debate
maintained by Sartori (2004), Laitin (2004), Colomer (2004), Rothstein (2015),
Stoker, Peters and Pierre (2015), among others on the public relevance of
Political Science. The argument that guides the study is that the answer lies
in the articulation between polity, politics, and policies, and between rules,
processes and their results. In order to evaluate the development of Brazilian
Political Science in relation to these ideas, data were extracted from the Sucupira
Platform, referring to a) the scientific production of professors and students, and
b) the profile and professionalization of Brazilian Political Science graduates.
The results showed a concentration of the research agenda around politics and
an endogenous pattern of professionalization of graduates.
Keywords: Political Science, professionalization, polity, politics, policy.