Artigo Final Egehist
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Artigo Final Egehist
Resumo: O presente trabalho abordará as visões e as ideias que se tinham das “meretrizes”,
sendo estas as mulheres que fugiam do ideal feminino da época da Belle Époque, na Amazônia
(1870-1920). Nessa perspectiva, os objetivos serão analisar as “meretrizes” dentro do contexto
social do período; observar como elas estavam inseridas dentro do processo higienista em que
o país perpassava e verificar nos jornais, notícias relacionadas aos delitos aos quais eram
julgadas por meio de denúncias e queixas. Com isso, como podemos analisar essa chamada
“classe depravada” que “fazia” ofensas às famílias? O porquê das “meretrizes” serem alvo de
queixas e denúncias? Bem como, buscar entender, através dos padrões considerados corretos,
a ideia de mulher do final do século XIX e o início do XX na Amazônia, e quais as
diferenciações das mulheres que divergiam desse ideal. Para compreender essas questões, a
metodologia utilizada será uma abordagem qualitativa e o método crítico-dialético, valendo-se
das obras de Margareth Rago (1985) “Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar e a
resistência anarquista”, Cristina Cancela (2006) “Casamento e relações familiares na economia
da borracha (Belém, 1870-1920)” e Maria de Nazaré Sarges (1998) “Memórias do ‘velho’
Intendente: Antônio Lemos-1869-1973”. Assim, utilizando os procedimentos da pesquisa
bibliográfica, busca-se entender o papel imposto a essa classe feminina, a ideia do que era ser
“meretriz” e sua condenação moral por serem consideradas fora do padrão social. Ademais, o
artigo também baseia-se sua análise na coleta de dados de fontes primárias, como, por exemplo,
edições do jornal o Diário de Notícias do Pará - 1881-1898; onde por meio deste, houveram
registros das opiniões religiosas e morais sobre esse grupo e por vezes a resistência dessas
próprias mulheres contra esse modo de tratamento. Com isso, fora possível observar uma visão
negativa imposta ao grupo, onde tratadas à margem da sociedade, estas foram difamadas pelos
que não aceitavam sua condição, sempre na constante imposição e controle dos seus corpos
femininos. Devido a isso, elas foram estigmatizadas e vistas como corruptoras e perigosas às
famílias tradicionais, visto que as ações dos homens não eram julgadas, mas sim, a existência
dessa classe. Restando assim, que essas mulheres recorressem aos meios possíveis para
reivindicar uma vida mais digna, mesmo que por vezes não encontrassem apoio.
Palavras-Chave: Meretrizes; Jornais; Polarização Feminina; Belle Époque.
1Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História na Universidade do Estado do Pará, campi Belém (CCSE).
E-mail: [email protected]
2Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História na Universidade do Estado do Pará, campi Belém (CCSE).
E-mail: [email protected]
3Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História na Universidade do Estado do Pará, campi Belém (CCSE).
E-mail: [email protected]
4 Doutoranda em História Social da Amazônia pelo PPHIST da Universidade Federal do Pará. Mestrado em História
Social da Amazônia pelo mesmo Programa (PPHIST), com bolsa Capes. Possui graduação em História (Licenciatura
e Bacharelado) pela UFPA. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Inserido no contexto da Belle Époque que ocorre na cidade de Belém do Pará, a partir
do ano de 1870, o presente trabalho busca analisar a relação de uma das principais
características do período, o processo higienista, com os grupos que são sujeitados pelas ações
tanto governamental quanto pela sociedade civil. Nessa perspectiva, a cidade de Belém passava
por diversas modificações estruturais, derivadas das novas necessidades em transformar a
região metropolitana em um local agradável e belo para a população estrangeira, e assim como
modificações em sua própria sociedade e costumes, que detinham nos países europeus,
principalmente França e Inglaterra, grande admiração e base para espelhar seus costumes.
Além disso, a economia advinda do látex significava a principal fonte de renda para a
população de Belém no período, seja como trabalhadores ou como proprietários das fazendas
de borracha. Entretanto, apesar da imensa rentabilidade dessa prática o grupo que passava por
aumento de poder aquisitivo e prestígio eram, na maior parte, os grandes proprietários, sendo
assim, uma significativa parcela dos trabalhadores e da população residente da cidade
continuavam inseridos na classe pobre. Essa população, bastante heterogênea, era visada como
causadora das epidemias, que segundo Maria de Nazaré dos Santos Sarges (1998) no governo
do intendente Antônio Lemos, este responsabilizava as classes pobres e “perigosas” como
ameaça ao restante da população.
Dessa forma, uma das principais reclamações aplicadas contra os grupos de meretrizes
que estavam presentes na cidade é a propagação da sífilis para os indivíduos masculinos,
contexto que irá ser desenvolvido posteriormente no artigo, e além dessa queixa recorrente outra
reclamação era frequentemente associada aos comportamentos do meretrício era a quebra das
normas em relação tanto ao ideal de mulher quanto de sua conduta sexual. No livro Ordem
Médica e Norma Familiar (1989) é possível notar a chegada da concepção social de norma no
mundo moderno, que aliava o poder coercitivo semelhante à uma lei porém com características
voltadas a vida pessoal e aos costumes dos indivíduos e sociedade, e nesse sentido a norma
aplicada ao ideal feminino apresentava padrões ideais paras sua vida visando o seu principal
destino, o casamento, sendo assim a “melhor” idade segundo o higienismo era entre 18 a 20
anos, e esperava se que essa jovem e saudável mulher escolhesse seu marido segundo o poder
aquisitivo e também sua saúde.
Entretanto, não era esse o destino e o comportamento das jovens do meretrício, causando
na sociedade civil a reprovação e negação de sua presença no cotidiano, segundo Jurandir Costa
(1989) outra norma que esse grupo acabava por infligir era a concepção de sexo, que se
associava com as condutas da religião cristã católica, porém que divergia em certos aspectos.
Pois apesar de assumir como destino ideal feminino sendo o casamento, o sexo não era
permitido apenas na intencionalidade de reprodução, era concebido como base para o sucesso
de um matrimonio, contudo, poderia ser realizado apenas entre a esposa e seu marido, a prática
de adultério e o meretrício eram consideradas quebras com essa norma sexual e familiar. Assim,
para os indivíduos da sociedade belenense a presença das meretrizes possuía dupla
culpabilidade, por não está de acordo com a norma feminina e de ser responsável pelos
adultérios masculinos.
Nesse contexto da virada do século XVIII para o XIX, a prostituição recebeu novos
significados e passou a ser veiculada como um mal de corrupção para as moças de família.
Enquanto que essas eram recatadas no seio do lar, aquelas passaram a ser vistas como uma
ameaça à moralidade de “todas”, sendo estereotipadas pela sociedade e não idealizadas no
clássico padrão ideal imposto pelo sistema patriarcal. De acordo com Margareth Rago:
Dentre esses códigos morais, a ação mais incisiva fora delimitar a circulação das jovens
de família para lugares apenas permitidos e distantes das “devassas”. No entanto, em paralelo
à essas questões, o meretrício ia-se expandindo e diversificando sua cultura erótica. Segundo
Rago, “pela primeira vez, constituíam-se espaços destinados à fruição dos prazeres, como
cabarés, cafés-concertos, bordéis de luxo, ao lado dos restaurantes, teatros e music-halls”.
(RAGO,1993, p. 34).
Dessa forma, quando mencionadas nos jornais – identificadas em várias notícias – essas
mulheres geralmente eram definidas não apenas pelo conteúdo das notas em si, mas pelos
termos nada agradáveis (que já começavam desde o título) como:
Ademais, outro ponto notável dessas queixas jornalescas pauta-se no deboche que as
meretrizes faziam quando encontravam os homens “do lar” nas ruas. Certa notícia publicada no
Diário de Notícias do Pará, intitulado Mulheres Depravadas, reclama à polícia sobre as
meretrizes que moram na mesma rua do então Café Carneiro, onde pode-se perceber na imagem
abaixo:
MERETRÍCIO E A SÍFILIS
“O doutor Eduardo Chermont tem recebido nestes últimos dias reclamações por
escrito contra o fato da horizontal Annita de Sousa Brandão, residente à rua General
Gurjão, 46, canto da rua do Bailique, não ter sido identificada. Atribuem as
reclamantes seja isso devido à proteção que ela diz ter de pessoas altamente
colocadas” (Identificação..., 9 ago. Folha do Norte 1921, p.2)
Com isto fora possível observar que membros de grupos dominantes, os quais julgavam
e expunham essas mulheres pelos seus serviços, por vezes as contratavam na buscar de
satisfazer seus desejos carnais, visto que, devido os códigos morais da época, suas esposas
deveriam manter-se puras, pois “O amor dentro do casamento deveria ser casto e continente,
quanto fora dos laços matrimoniais, o amor era paixão.” (PRIORE, 1993, p.177). A autora
refere-se às relações no Brasil colonial, quando ao relacionar as mulheres deste período com o
ideal da “santa-mãezinha” (PRIORE, I993) inspirada na mãe de Jesus, esta deveria ser um alvo
para as mulheres de família, pois, as que destoavam desse modelo, eram fortemente
relacionadas a Eva, primeira mulher e responsável pela queda do homem. Contudo, apesar desse
estigma de pecadoras e persuasivas para o mal, elas continuavam sendo procuradas por estes
homens que as objetificavam, tornando-as alvos fáceis de uma sociedade patriarcal, que
impunha um controle rígido sobre as atitudes femininas.
RESISTÊNCIA
Também havia casos de mulheres que recorriam aos jornais para se defenderem de falsas
alegações, por exemplo, a Maria Baptista, por meio do jornal Diario de Noticias (PA):
“Veio hontem ao nosso escriptorio, Maria Baptista, declarar nos, que, procedendo
bem, como prova com o testemunho dos seus vizinhos, é, pois, infundada a
reclamação que ante-hontem nos trouxeram contra ella. Nos disse mais, que ella e
outras pessoas teem sido martyres das invectivas de um jornaleco que por ahi circula
com o titulo de Binoculo, cujo jornal não é impresso em nossas officinas, como outro
qualquer. No emtanto, á policia compete tomar medidas repressivas sobre publicações
pornographicas, evitando assim que seus proprietarios continuem a explorar a
infelicidade de algumas meretrizes, segundo temos sido informados.” (DIARIO DE
NOTICIAS, 1897, p. 2)
Por serem alguns jornais propriedades de homens de poder, e os mesmos julgarem essas
mulheres, não se sabe como elas tinham acesso a eles para expor suas queixas, além disso,
muitos homens não mediam esforços para esconder as relações com tais mulheres. No período
da borracha, Maria de Nazaré Sarges (2002) apud (HENRIQUE, M; AMADOR, L. 2016)
observa as relações públicas de homens abastados com mulheres dessa classe
“Os coronéis da borracha davam-se ao prazer de ter suas cocottes (prostitutas de luxo),
muitas delas europeias ... frequentadoras das sessões das sextas-feiras do Cinema
Olímpia, onde exibiam os vestidos luxuosos que mandavam buscar da Europa e joias
da Casa Krause”.(SARGES, 2002, p. 83)
Com isso, fora possível observar um rígido controle imposto a essas mulheres que
divergiam do ideal feminino da época. Aliado a pensamentos e politicas higienistas, elas goram
segregadas e controladas de modo a não perturbar a ordem moral da sociedade, muitas vezes
hipócrita, visto que os homens de prestigio social, os quais as julgavam também contratavam
seus serviços. Atrelado a isto, nos jornais apresentados encontrou-se uma breve visão da
sociedade em relação às essas mulheres, vistas como corruptoras, desordeiras e vadias,
agregando a isto a questão do gênero que por si só já trazia uma visão negativa, visto o peso
que recaía sobre a classe feminina no século XIX.
IMAGEM 1: Notícia extraída do Diário de Notícias do Pará, p.1. 21 jul. 1896. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=763659&pesq=meretrizes&pasta=ano
%20189&hf=memoria.bn.br&pagfis=14633
IMAGEM 2: Notícia extraída do Diário de Notícias do Pará, p.2. 25 out. 1888. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=763659&pesq=meretrizes&pasta=ano
%20189&hf=memoria.bn.br&pagfis=7581
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. In: Ordem médica e norma
familiar. 1989
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, In: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.
1988.
HENRIQUE, Márcio Couto; AMADOR, Luiza Helena Miranda. Da Belle Époque à cidade do
vício: o combate à sífilis em Belém do Pará, 1921-1924. História, Ciências, Saúde-
Manguinhos, v. 23, p. 359-378, 2016.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1985
SARGES, Maria de Nazare dos Santos. Memórias do" velho" Intendente: Antonio Lemos-
1869-1973. 1998.
TIM-TIM POR TIM-TIM. Folha do Norte, p.1. 13 mai. 1896. Disponível em:
http://memoria.bn.br/pdf/101575/per101575_1896_00134.pdf.