Ocupar, F (R) Iccionar, Artisar: Intersecções em Pesquisa
Ocupar, F (R) Iccionar, Artisar: Intersecções em Pesquisa
Ocupar, F (R) Iccionar, Artisar: Intersecções em Pesquisa
OC21
Livro em PDF
ISBN 978-65-5939-708-2
DOI 10.31560/pimentacultural/2023.97082
CDD 370
PIMENTA CULTURAL
São Paulo . SP
Telefone: +55 (11) 96766 2200
[email protected]
www.pimentacultural.com 2 0 2 3
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO
Doutores e Doutoras
Prefácio........................................................................................... 11
Fernando Pocahy
Capítulo 1
Capítulo 2
Diário íntimo(político)
de uma pesquisadora..................................................................... 34
Camila Santos Pereira
Capítulo 3
(Re)produções do conhecimento
sobre/ com lesbianidades.............................................................. 49
Jéssica Pereira da Silva
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 7
Tessituras de si (psicóloga)
no cotidiano da escola................................................................. 108
Thayz Conceição Cunha de Athayde
Capítulo 8
Produção de conhecimento
em educação e(m) saúde:
metodologias participativas,
coletivas e in(ter)ventivas................................................................ 122
Daniel Vieira Silva
Capítulo 9
Movimentos sociais,
envelhecimento e educação........................................................ 138
Beatriz Bloise Pereira Nunes
Capítulo 10
Temporalidades e dissidências
sexuais no cinema brasileiro
contemporâneo............................................................................ 153
Arthur Daibert Machado Tavares
Capítulo 11
Contra-cisnormatividade
e velhice no audiovisual .............................................................. 169
Izabel Armindo Mantovani
Capítulo 12
Capítulo 13
Fernando Pocahy
sumário 11
O projeto que abriga todos os estudos aqui publicados ocupa-se em
analisar o jogo agonístico da produção da identidade e da diferença
em torno de gênero, raça, sexualidade e geração. Buscamos através
desse arranjo compreender como se estabelecem tanto intersecções
de marcadores de diferença quanto os modos-práticas decorrentes
dessas a engendrar vulnerabilidades e precarização da vida. Não obs-
tante, estamos interessadas em conhecer como se agenciam modos
de resistência (produção de saúde, novos modos de ser-habitar a ci-
dade e a universidade, modos de participação política, invenções na
cultura das artes, entre outros movimentos que nos situam em proces-
sos de diferenciação e engajamento para a produção de margens de
liberdade).
sumário 12
moralismos e toda ordem de conservadorismo, o projeto político que
se firmou no Brasil depois do golpe civil, policial, confessional-funda-
mentalista, midiático e empresarial que vivemos tornou as questões
da diferença ainda mais letais. Não apenas deixa-se morrer, como fa-
z-se morrer. (MBEMBE, 2016) populações, culturas, patrimônio, meio
ambiente, às muitas gentes e suas coisas indesejáveis, a tudo isso,
deixa-se ou faz-se morrer em nome de deus, pátria, progresso e da
família, esses, apenas enunciados performativos da dominação, pois
acredito, trata-se de uma racionalidade que guarda muito de renova-
ção, mas igualmente de inusitadas formas de ressentimento. “Nós não
esperávamos”, quase sempre dizemos isso, mas, talvez, aqui, o sinal
da atenção ética seja fundamental, como nos alertou Michel Foucault:
“(...) é preciso a cada instante, passo a passo, confrontar o que se pen-
sa e que se diz com o que se faz e o que se é.” ([1984] 2004, p. 219).
sumário 13
O desenho da pesquisa apresentada ao CNPq previu a formu-
lação de entradas de problematização em um esquema multimétodos
e plurifases (como esquema pragmático e programático) tomando o
dentro-fora da escola como lócus privilegiado para as análises-in(ter)
venções. Ao assumir as (micro)políticas cotidianas educativas como
práticas de subjetivação, o estudo definiu como seu escopo as formas
de governamentalidade que emergem nas tramas complexas desde al-
guns espaços-tempos formativos públicos e/ou associativos. Para isso,
engajaram-se pesquisas de iniciação científica, mestrado, doutorado e
estágio de doutoramento no país, cada uma ao seu modo, ensaiando
suas próprias respostas, como pontos de conexão instalados em diver-
sos espaços-tempos da vida social que mobilizam conversas sobre os
sentidos da diferença na esteira do híbrido entre educação e saúde.
sumário 14
portanto, ocupar é efeito estético tanto quanto artisar é político e f(r)
iccionar, inflexão ética. Todos os textos desta publicação, cada um a
seu modo, ocupam, friccionam e se movem em artisagens de saber-
-fazer-pensar-sentir na pesquisa-mundo-vida. É, pois, sobre o que é
feito de nós e por nós e o que fazemos de nós mesmas/os/es, como
conduzimos a nós mesmas/os/es e como tentamos conduzir outrem,
o que se (des)arranja nessa forma de acomodar os textos.
sumário 15
Artisar é um neologismo forjado aqui para acionar sentidos dos
gestos de invenção que acompanham a estilização dos modos de vida
e suas práticas. Esta proposição segue o rastro do termo cunhado por
Sandra Corazza (2009) para dar conta das experimentações docentes
nos seus modos de agir-sentir o mundo na formação e propositura
curricular. Por aqui, e inspirado nessa afirmação, artisamos em busca
de sentidos outros para o exercício da sexualidade e erotismo, des(a)
fiando os termos da saúde e bem-estar, traçando um modo-estilística
de existência outra, uma estética dos desejos, sonhos, que passa e
perpassa a educação e os cotidianos da saúde, acionando igualmente
tantos modos outros e artesanias da vida cotidiana quanto possamos
viver-sentir na agonística da diferença. O acaso, a insubordinação, o
desvio, é escape aos regimes de tutela e controle dos corpos, confor-
me podemos acompanhar nos trabalhos que se seguem: na literatura,
no cinema, nas mídias digitais, movem-se desafios em experimenta-
ções que nos permitem entender o que fazemos ou o que não nos é
permitido em termos de condutas e (não-)liberdades, artisamos mo-
dos-mundos outros no encontro com estas cartografias artistas, ao
que corresponde afirmar que aos modos de pesquisa-ensinar trata-se
de modos de subjetivar. O que fazemos de nós com aquilo que se
convencionou ser o nós – a identidade, a doença, o comportamento, a
classificação etária – inscrevem, nessa seção, os traços da diferença
como relação, não objeto, não coisa, mas processo, fluxo, subjetiva-
ção; é disso o que se trata, é das muitas maneiras de fazer-sentir o
mundo na interpelação que paralisa, mas igualmente pode abrir-se à
produção de sentidos que expandem e reorientam as artisagens e “ar-
tistagens” da/na vida.
sumário 16
minorias sociais, não podemos deixar de nos pronunciar. Nossos tex-
tos testemunham analiticamente o rastro de devastação do governo
de extermínio que vivemos mais escancaradamente de 2018 a 2022.
Não estamos sós, “Não vão nos matar agora porque ainda estamos
aqui.”(MOMBAÇA, 2021, p. 10). Renovamos nestas páginas nosso es-
perançar, cientes de que muitos ainda serão os desafios e os riscos
devidos ao ressentimento colonial e ao desprezo neoliberal em suas
paixões letais.
REFERÊNCIAS
CORAZZA, Sandra Mara. O docente da diferença. Periferia, Rio de Janeiro, v.
1, n. 1, p. 91-110, 2009.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos. Ética, Sexualidade, Política. [1984]
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & ensaios, Rio de Janeiro, v. 2, n. 32, p.
122-151, 2016.
MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
POCAHY, Fernando. Os filmes que habito: cartogenealogias do presente.
Athenea Digital, Barcelona, v. 29, p. e2577, 2020.
sumário 17
1
Capítulo 1
Uma epistemologia
na solidão
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.1
Este texto-relato é uma reflexão dos caminhos e ponderações que
venho tomando na construção da pesquisa acadêmica no percurso de
doutoramento. Neste trabalho, começo apresentando meus passos de
pesquisa e impressões já adquiridas para a minha tese em construção;
bem como reflexões produzidas a partir de leituras e pesquisa de cam-
po, até o momento desta escrita. Descrevo o que acredito ser o melhor
caminho metodológico nesta pesquisa, como me situo enquanto pes-
quisadora e mulher negra pesquisando professoras universitárias tam-
bém negras, é uma pesquisa em que tenho nítido envolvimento político-
-afetivo, do qual não me esquivo de me pronunciar afetada. O foco da
pesquisa é como o corpo-negro/a é afetado, como afeta e as afeições
que produz nos espaços de poder-saber, ainda pensados no imaginário
de muitas pessoas como espaços para corpos brancos.
sumário 19
desvantagem social verdadeiramente relevante para a compreensão
dos atravessamentos que afetam os sujeitos de pesquisa.
sumário 20
Tanto no Brasil, quanto no mundo, existe uma variedade de inte-
lectuais que não estão centrados nos eixos Europa/Estados Unidos da
América. Aqui no Brasil, podemos e devemos acessar uma variedade
de referências não centradas nestes eixos. Temos muitas referências
para alicerçar a formação acadêmica, tais como: Virgínia Leone Bicudo
(São Paulo, 1910-2003); Lélia Gonzalez (Belo Horizonte, 1935-1994);
Nilma Lino Gomes (Belo Horizonte, 1961); Beatriz Nascimento (Ara-
caju, 1942-1995); Sueli Carneiro (São Paulo, 1950); entre outros, pois
ainda existe uma gigantesca lista de intelectuais negros/as. Como é
possível que gerações de intelectuais não tenham acesso a uma gama
de pensadores negros/as e indígenas?
sumário 21
até pela falta de esforço em pesquisar, o que colabora para perpetuar
imaginários em que não existimos no mercado de trabalho. Como se a
pouca representação fosse sinônimo de inexistência.
sumário 22
Tal episódio me faz refletir sobre a possibilidade destes discursos
produzirem solidão no espaço profissional, investigo esses discursos a
partir das falas de mulheres negras e professoras para maior compreen-
são do impacto na subjetividade e na saúde das intelectuais. Podemos
afirmar que mulheres representam uma minoria em sala de aula na uni-
versidade, cerca de 16%, e o percentual fica ainda mais ínfimo se con-
siderarmos as professoras que lecionam para a pós-graduação, então
teremos cerca de 3%, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2018).
sumário 23
Pensar na dor não se trata de pensar nos sintomas de doenças
que ocasionam dores, mas sobre como funcionam os engendramen-
tos que impulsionam as dores/gatilhos emocionais, e até físicos, em
decorrência do racismo estrutural. E, no caso das mulheres negras no
trabalho, são dores relacionadas à construção de saberes teóricos,
técnicos e acadêmicos, dores que diminuem e apagam corpos em um
espaço, sobretudo, neste caso, o espaço de trabalho. Mas também
espaço intelectual e de produção intelectual de saberes; de poder; no-
toriamente branco, mas com potencial para ser um espaço de saberes
diversos. Os mecanismos que produzem dor podem estar relaciona-
dos aos traumas produzidos antes e continuamente na vida profissio-
nal: medos, sensação de inadequação, desencaixe no espaço, falta
de afetividades no trabalho, deslegitimação de saberes adquiridos na
produção, ou mesmo falta de parcerias e alianças no ambiente acadê-
mico, fatores que levam também à solidão profissional.
sumário 24
(positivamente) a entender que pesquisar é trocar e se tocar. Pesquisar
sobre a minha prática docente, sobre a experimentação de meu corpo
negro em sala de aula e produzir esse trabalho me trouxe protago-
nismo, voz como intelectual, mais segurança na pesquisadora mulher
negra que sou. A interlocução é um passo importante para a pesquisa,
mesmo nas mudanças e alterações da escrita, do discurso. Ao invés
de me sentir castrada, senti-me incentivada a repensar. Para produzir
um trabalho de pesquisa que já carrega relatos de sofrimento é preciso
ter algum lugar de acolhimento.
sumário 25
distancio-me das mulheres brancas na questão racial; e dos homens
brancos nas questões de gênero e raça. São raros os momentos em
que, ao falar com algum aliado, pensar e produzir atividades, não me
sinto estranhada e por vezes, vista como exagerada O trabalho sobre
as relações étnico-raciais fica sempre na responsabilidade de pessoas
negras, como se fossem responsáveis pelo racismo ou pelo combate a
ele. E isso não fosse responsabilidade dos corpos brancos. Como des-
crevo em minha dissertação (MARTINS, 2019), ser engajado necessita
de resistência psicológica para lidar com o sufocamento e as inúmeras
tentativas de silenciamento diário.
sumário 26
de mulheres que pagam um preço muito caro pelo fato de não serem
brancas.” (GONZALEZ, 2020, p. 14). Para mim, considerar os relatos
das pesquisadas e escolher entender os processos de dificuldade e
dor que atravessam seus ambientes de trabalho é potente para produ-
zir um registro dessas resistências.
sumário 27
Sendo assim, acredito que pessoas negras nos espaços institu-
cionais tendem a tornar lugares Quilombos. Os corpos atraem e falam
por si, principalmente em um espaço de saber autorizado por corpos
e currículos brancos por muitos anos.
sumário 28
Pesquisar também é selecionar. Dentre algumas escolhas, inte-
ressa-me investigar se o espaço de trabalho na universidade traz a dor
do racismo. Os discursos que nos deslegitimam e nos diminuem já apa-
recem nas falas da pesquisa, afirmando a posição de Grada Kilomba
(2019, p. 14), “[...] a língua, por mais poética que possa ser, tem tam-
bém, uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder
e de violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma
identidade”. A dor pode ser recorrente, porque vivemos em uma socie-
dade em que o racismo é estrutural e, infelizmente, estruturante das re-
lações sociais. “O racismo é a supremacia branca. Outros grupos raciais
não podem ser racistas nem performar o racismo, pois não possuem
esse poder.” (KILOMBA, 2019, p. 76). O racismo mapeia as relações
no espaço e mostra como permanecer neste espaço, já que estamos
estruturados em uma sociedade racista e hierárquica. Como descreve
Silvio Almeida (2018, p. 25): “[...] é uma forma sistemática de discrimina-
ção que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de
práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens
ou privilégios, a depender ao grupo racial ao qual pertençam.”
sumário 29
também reflito e busco entender como se manter em um espaço de
poder/saber historicamente branco e cisnormativo?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sumário 30
que esta se expressa enquanto relação social objetiva torna o conceito
uma abstração vazia de conteúdo histórico.” (ALMEIDA, 2018, p. 145).
sumário 31
A sala de aula apareceu como um lugar que ameniza as pres-
sões e o impacto do racismo, mas também ver corpos negros, pe-
riféricos e pobres ocupando espaço funciona como recompensa da
trajetória de quem dedicou tanto tempo estudando. Ainda refletindo
sobre dor e forma de amenizar o racismo, particularmente, eu usei a
dor para produzir alguma forma de teoria, muito influenciada pela ideia
de que a teoria é curativa (hooks, 2013) e acredito que a teoria não é
intrinsecamente a cura de processos históricos e estruturais do racis-
mo, mas pode ser libertadora e até revolucionária as nossas vidas, já
que entendemos mecanismo da produção do sofrimento. A teoria tem
essa finalidade, ou seja, quando a usamos para elaborar a dor em suas
dimensões individual e coletiva – podemos ressignificar, mudar e criar
modelos que desestabilizem a produção de sofrimento.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte:
Letramento, 2018.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Diário Oficial República Federativa do Brasil:
seção 1, Brasília, DF, ano CXXXIV, n. 248, p. 27833-27859, 23 dez. 1996.
COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Tradução de Rane
Souza. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2021.
sumário 32
CRENSHAW, Kimberlé W. “Mapping the margins: intersectionality, identity
politics and violence against women of color”. In: FINEMAN, Martha
Albertson; MYKITIUK, Roxanne (ed.). The public nature of private violence.
Nova York, Routledge, 1994.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani.
São Paulo: Boitempo, 2016.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios,
intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2015.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2017.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA (INEP). Censo da Educação Superior 2016. Brasília: MEC, 2018.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano.
Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. 1. ed. 1 reimp. Belo
Horizonte: Autêntica, 2020.
MARTINS, Aline Correia. Experimentações interseccionais no ensino
de sociologia: marcas de um cotidiano. 2019. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
MBEMBE, Achille. A crítica da razão negra. Tradução Marta Lança. 3. ed.
Lisboa: Antígona, 2014.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução Renata Santini. São Paulo: N-1
edições, 2018.
PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Nós, 2017.
RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz
Nascimento. São Paulo: Instituto Kuanza/Imprensa Oficial, 2006.
sumário 33
2
Capítulo 2
Diário íntimo(político)
de uma pesquisadora
Diário íntimo
(político) de uma
pesquisadora
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.2
Este texto estabelece um diálogo direto com os resultados da
dissertação “Vozes que importam: mulheres negras na docência uni-
versitária”. O trabalho foi defendido em julho de 2022, por mim, no Pro-
grama de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ), com a orientação do professor Fernan-
do Pocahy. A pesquisa centrou-se em responder a seguinte pergunta:
como mulheres negras tornam-se professoras universitárias? Por meio
do método de conversas entre professoras, a utilização de metodo-
logias qualitativas e quantitativas, foi possível verificar e analisar as
múltiplas facetas do racismo institucional no ensino superior brasileiro.
sumário 35
para a investigação, produzida durante o distanciamento social devi-
do à pandemia do Covid-19.
sumário 36
preocupações que rondam um processo de tessitura científica e, ao
mesmo tempo, com as preocupações de se manter viva?
ESCREVIVÊNCIA: UM CONCEITO
QUE TECE AS LINHAS
sumário 37
negra, meu corpo e subjetividade, convida a uma partilha de saberes
no ato de escreviver as experiências compartilhadas comigo.
O DIÁRIO DE CAMPO
sumário 38
experiências e um novo começo acadêmico, proporcionado pela UERJ
e pelo geni - grupo de estudos de gênero e sexualidade.
sumário 39
Em março de 2020
4 PEREIRA, Camila Santos. Fazer Marielle Franco presente: história de vida, interseccionali-
dade e sociologia. ODEERE, v. 6, p. 386-398, 2021. Disponível em: <https://periodicos2.
uesb.br/index.php/odeere/article/view/8086>. Acesso em: 22 jun. 2022.
5 Na versão completa da dissertação apresento nos apêndices os primeiros rascunhos das
reuniões de orientação.
sumário 40
que surgiram durante nossa conversa refere-se ao foco nas experiên-
cias de pessoas brancas no cargo da docência universitária. Será que
já foram interrogadas sobre sua atuação acadêmica a partir de seu
pertencimento racial? Como responderiam a tais questionamentos?
Pessoas negras já não seriam corpos demasiado visados em análises
como esta? Quem sabe conversar com pessoas negras e brancas?
Em fevereiro de 2021
Em março de 2021
sumário 41
chamou atenção em um seminário da primeira semana de aula do ano
anterior. O docente me indicou o documento em que poderia encontrar
informações sobre os dados quantitativos do corpo docente: o Da-
taUERJ. Assim, começo um diálogo entre departamentos nomeados no
documento e referenciados entre si, para averiguar onde poderia encon-
trar as menções sobre a autodeclaração racial docente.
sumário 42
Em setembro de 2021
sumário 43
assunto do futuro é muito promissor para alguém que ainda tem muitos
capítulos para escrever e leituras para realizar.
sumário 44
Em fevereiro de 2022
sumário 45
institucional. Ora, se ninguém indagou sobre a falta de um dado possí-
vel de ser verificado em um arquivo de extrema importância para uma
instituição, quando tal falta seria questionada ou modificada? Surge,
para mim, um desdobramento fundamental da pesquisa científica em
educação e nas ciências humanas: a possibilidade de indagar práticas
do cotidiano que ainda não tinham sido interpeladas pelos sujeitos
praticantes das mesmas.
sumário 46
Percebe-se, no Brasil contemporâneo, a corrida produtivista que
muitas vezes acaba transformando ambientes acadêmicos em gran-
des feiras de venda em vez de perpetuar esses espaços como meios
de produção de conhecimentos coletivos. Em suma, para obtermos
estatísticas articuladas a partir de um viés crítico e situado nas discus-
sões democráticas sobre as desigualdades sociais emergentes, preci-
samos de sujeitos que tenham tempo e meios de realizar tais reflexões.
Quem pode pagar para dispor desse tempo?
sumário 47
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.
AZEVEDO, Luyanne Catarina Lourenço; SACRAMENTO, Ana Cláudia Ramos.
Mulheres negras professoras universitárias e suas trajetórias socioespaciais
no ensino de geografia. Caminhos de Geografia, 23(87), p. 53–69, 2022.
CACHADO, Rita. Diário de campo. Um primo diferente na família das ciências
sociais. Sociologia & Antropologia, v. 11, p. 551-572, 2021.
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento,
consciência e a política do empoderamento. trad. Jamille Pinheiro Dias. 1 ed.
São Paulo: Boitempo, 2019.
EVARISTO, Conceição. Becos da memória. 3 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2017.
EVARISTO, Conceição. A Escrevivência e seus subtextos. In: Constância
Lima Duarte, Isabella Rosado Nunes (org.). Escrevivência: a escrita de nós:
reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Ilustrações Goya Lopes. 1. ed.
Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France
(1975-1976). 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano.
Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
MARTINS, Aline Correia. Daria a minha vida a quem me desse o tempo:
pensando o corpo da negra e mulher no espaço público e escolar. Revista
Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 128-149, 2019.
SILVA, Joselina da. Doutoras professoras negras: o que nos dizem os
indicadores oficiais. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 1, p. 19-36, jun. 2010.
SOARES, Lissandra Vieira; MACHADO, Paula Sandrine. “ Escrevivências” como
ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social.
Revista Psicologia Política, Belo Horizonte, v. 17, n. 39, p. 203-219, 2017.
sumário 48
3
Capítulo 3
(Re)produções do conhecimento
sobre/ com lesbianidades
(Re)produções
do conhecimento
sobre/ com
lesbianidades
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.3
Com propósito de refletir sobre as (re)produções de conheci-
mento sobre/com mulheres lésbicas, sugiro iniciarmos essa conversa
da seguinte pergunta: que sentidos são atribuídos à palavra “lésbica”
quando você a lê/ouve ou pensa? Apesar de não tomar como fontes
de informações acadêmicas e/ou científicas, considerando sites de
busca e pesquisa como parte de um aparato cultural contemporâneo
partícipe da produção e reprodução de pedagogias e subjetividades,
pois movimentam determinadas redes de conhecimento amplamente
acessíveis e de alcance público, os excertos citados a seguir podem
ser facilmente encontrados quando se busca pela palavra “lésbica” na
internet. Segundo o dicionário Michaelis:
lés·bi·ca
O site Wikipédia, por sua vez, traz como definição para o termo
não só a atração física de mulheres por outras mulheres, mas inclui a
atração romântica e diz que o termo “também é usado para expressar
o relacionamento ou comportamento sexual ou romântico entre mu-
lheres independentemente da orientação sexual, como na expressão
‘casal lésbico’”. O site conta também qual seria sua origem:
A palavra “lésbica” vem do latim “lesbius” e originalmente refe-
ria-se somente aos habitantes da ilha de Lesbos, na Grécia. A
ilha foi um importante centro cultural onde viveu a poetisa Safo,
entre os séculos VI e VII a.C., muito admirada por seus poemas
sobre amor e beleza, em sua maioria dirigidos às mulheres. Por
esta razão, o relacionamento sexual entre mulheres passou a ser
conhecido como lesbianidade ou safismo. Até o século XIX, a pa-
lavra lésbica não tinha o significado que hoje lhe é dado, o termo
mais utilizado até então era “tríbade” (WIKIPEDIA, 2020, on-line).
sumário 50
relacionamento afetivo-sexual entre mulheres. Porém, saindo do cam-
po da classificação da diferença do que não é tido socialmente como
normativo, muitos são os atravessamentos e intersecções que com-
põem as (r)existências lésbicas enquanto constituição identitária no
Brasil. Como ressalta Suane Soares (2014, p. 1443), ao falarmos de
lesbianidade, é importante que esteja evidenciado o contexto em meio
ao qual essas experiências são produzidas (mas também travadas e
barradas) e que seja levada em consideração a “sociedade lesbofóbi-
ca e misógina brasileira”.
sumário 51
Porém, mesmo com o reconhecimento de seu trabalho, por ve-
zes literal sobre relações entre mulheres, e a classificação como uma
das melhores poetisas de todos os tempos, muitas são as teorias que
tentam invisibilizar parte de sua história argumentando que Safo seria
heterossexual. Não sendo possível apagar da história a importância
da produção literária de uma mulher lésbica, coube ao preconceituoso
meio acadêmico ignorar sua sexualidade e inventar teorias normativas,
tendo como a mais comum a de que sua poesia não seria autobiográfi-
ca e que ela teria inventado o “eu lírico”. (HÍBRIDA, 2018, on-line).
sumário 52
Pensando em formas de legitimação da norma que podem se
pôr de forma sutil e passar quase despercebidas no cotidiano, uma
questão que se põe a reivindicação da identidade sapatão é a própria
utilização do termo na resistência lésbica. Se apropriar da palavra sa-
patão enquanto identidade e existência é ressignificá-la e a deslocar
do lugar social depreciativo historicamente atribuído a ela ou mais uma
forma de legitimar a norma? É preciso considerar também que há mu-
lheres lésbicas que não reivindicam esse posicionamento identitário
e, ainda, aquelas que preferem se expressar sobre sua sexualidade
com outros termos, que não incluem ou estão diretamente ligados às
palavras lésbica, ou sapatão, o que nos leva a pensar sobre as múlti-
plas possibilidades de autogoverno da diferença e de como os sujeitos
se conduzem (ética, estética e politicamente) diante das interpelações
morais/sociais no contexto geracional em que estão inseridos, visto
que o plano da racionalidade político-econômica e as políticas de ra-
cialização dos corpos vigentes também movimentam as formas de
enunciação, tensões e produção de novos possíveis.
sumário 53
nossas corporalidades de forma localizada, percebendo que não
somos só sapatão, mas que esse estar sendo sapatão é agluti-
nado a outras definições de sexualidade, gênero, raça, classe,
religiosidade, territorialidade. (NUNES, 2018, p. 4).
sumário 54
Para pessoas à margem, como eu, me sentir menos “coisa”,
mais normal, fez a diferença entre manter a saúde mental e me
martirizar por gostar de mulheres, sem entender que estava
tudo bem. E finalmente estava. (NÃO ME KAHLO, 2019, on-line).
sumário 55
Não há como pensar identificação e existências lésbicas sem
pensar plural. Diversidade e interseccionalidade são a base para iniciar
qualquer conversa sobre as múltiplas camadas e intersecções que po-
dem compor e constituir cada vivência lésbica - cisgêneras, transgêne-
ras, binárias ou não, negras, indígenas, brancas, magras, gordas, que
performam ou não “feminilidade”, com maior passabilidade normativa
ou não - e, para além das características físicas que se expressam
visivelmente, a inserção nos mais diferentes contextos e recortes so-
cioculturais e de classe também atravessam, afetam e modulam seus
corpos. Porém, assim como é preciso pensar os matizes e interseccio-
nalidades dessa composição, é necessário também não esquecer que
múltiplas são as barreiras/obstáculos socioculturais que se impõem e
atravessam o caminho de chegada a identificação, assim como dife-
rentes são os recursos que cada mulher dispõe (ou não) para isso.
IN(CONCLUSÕES)
sumário 56
A intenção de aproximação do método cartográfico para realiza-
ção da pesquisa se dá por compreender a complexidade do campo,
que não se encontra pronto, mas atravessado por afetações, fluxos
múltiplos e contínuos, compondo um processo na qual a experimenta-
ção se torna agente criadora de novas formas de se vivenciar a reali-
dade. “Cartografar é o constante processo de mapear, é acompanhar
processos, na constituição de diagrama de forças, buscando entender
como estas se agenciam, de criar novas coordenadas de leitura da
realidade” (ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011 p. 457).
sumário 57
e com o compromisso ético-estético-político de uma pesquisa e escrita
que parte de uma posicionalidade implicada e que visa produzir uma
narrativa com e desde o lugar de mulher lésbica.
sumário 58
transdisciplinar em articulação com as perspectivas feministas inter-
seccional e pós-estruturalistas em suas análises.
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sumário 60
4
Capítulo 4
Lésbicas e professoras de
crianças: Travessia amparada
por mapas, guias, mãos dadas
Lésbicas
e professoras
de crianças:
travessia amparada
por mapas, guias, mãos dadas
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.4
Este texto parte da minha dissertação, desenvolvida em con-
texto pandêmico, “Memórias dissidentes de professoras de crianças:
episódios de lesbofobia cotidiana”, defendida em 2022, no Programa
de Pós-graduação em Educação da UERJ. Reescrevo, aqui, particular-
mente, o capítulo no qual exponho, em detalhes, a revisão de literatura
e os referenciais teóricos, tendo em vista a relevância da pesquisa bi-
bliográfica como componente metodológico.
7 AGÊNCIA ESTADO. Pai abraça filho e é agredido por homofóbicos em SP. G1. 2011.
Disponível em: . Acesso em: 30 mar.2021.
sumário 62
e acha certo arrancar a orelha de quem demonstra afeto por alguém
do mesmo sexo. O mais espantoso é que uma notícia como essa gera
muito mais comoção e perplexidade do que geraria se os agredidos
fossem um casal. Mas não. Eram pai e filho. Talvez parte das pessoas
que se acreditam “normais” pensem: “um casal de homens ser ape-
drejado é uma coisa, mas pai e filho? Podia ter sido qualquer um de
nós”. E podia ter sido. Pode vir a ser. Quem está a salvo dentro de um
sistema opressor como o em que vivemos?
sumário 63
VISIBILIDADE E IDENTIDADE:
CONVERSAS ENTRE PROFESSORAS
sumário 64
Outrossim, uma pesquisadora precisa de liberdade para ques-
tionar, sem receio de melindrar quem prefere que apenas o que já foi
mil vezes dito e repetido seja merecedor de espaço para seguir sendo
dito e repetido. Optamos “por uma pedagogia da cópia”, batendo nas
mesmas teclas, sem permissão para divergências, “ou por uma pe-
dagogia da potência, da diversidade, das diferenças”? (TRINDADE,
2002, p. 72). Às vezes, sim, é relevante dizer e repetir infinitamente,
porém, ao menos que sejam outras vozes a pronunciar as falas, outras
mãos a assinar o texto. Fundamental deixar de ser somente objeto de
pesquisa alheia e tornarmo-nos sujeitas produtoras de conhecimentos.
Levantamos esse debate sem o propósito de polemizar gratuitamente,
e sim o de sinalizar feridas, na intenção de saná-las. Ou seguiremos
abrindo-as indefinidamente?
sumário 65
ENTRE OBJETIVOS, TEORIAS E
ANSEIOS DE PESQUISA
sumário 66
aqui, em vez disso, queremos levantar questões, provocar pensamen-
tos, chacoalhar o que parece tão organizadinho em seu lugar.
sumário 67
privilégio de classificar significa também deter o privilégio de atribuir
diferentes valores aos grupos assim classificados” (SILVA, 2000, p. 69).
Em sociedades patriarcais, que objetificam mulheres, as que se recu-
sam a seguir a cartilha cisheteronormativa correm o risco constante
de ser invisibilizadas ou fetichizadas. Sendo assim, percebe-se que
ainda precisamos caminhar muito para que as trajetórias de professo-
ras, recheadas de demonstrações de afeto visíveis ou invisíveis, sejam
consideradas sem apelos sexualizantes.
sumário 68
tornaram nossas companheiras durante o percurso. Juntamente com
a leitura de teses e dissertações, me empenhei em encontrar capí-
tulos de livros e artigos que abordassem as questões presentes em
minha pesquisa, porém, são raros os trabalhos que tratam “exclusiva-
mente das especificidades das lesbianidades na escola. As vivências
lésbicas são muito pouco trazidas para o debate no meio acadêmico”
(OLIVEIRA; MATTOS, 2018, p. 21).
sumário 69
de refutar o padrão pode desconcertar de tal maneira quem o entende
como sagrado. Será que algumas das pessoas que se sentem ofendi-
das por atos alheios que não lhes dizem respeito, não se irritam justa-
mente por passar a questionar a “necessidade” de cumprir um modelo
que, quem sabe, tampouco as agrade?
sumário 70
marcou. Na Carta à edição brasileira, a autora expressa o seguinte:
“este livro é muito pessoal; escrevi-o para entender quem sou” (p. 13).
Minha nossa, pensei. Com direito a muitas exclamações. Então, isso
é possível? Produzir a dissertação após um mergulho profundo no tra-
balho da Grada Kilomba, que contou com uma visita à sua exposição
“Desobediências poéticas”, na Pinacoteca, em São Paulo, em 2019,
tem outro sabor para mim e um cheiro de liberdade. Somando esse
mergulho aos incentivos do orientador para inventar mundos e com os
in-mundos inventar palavras, para que nos in-mundicemos,10 sinto-me
inundada de possibilidades de criar.
sumário 71
exatamente o que reivindicamos combater, como nos ensinam Lélia
Gonzalez (2020) e Gayatri Spivak (2019).
sumário 72
que esse fator seja apagado”. Com Tatiana Nascimento (2014, p. 28),
respondo, como “alguma sapa poderia responder” à questão: “Por
que não dizemos simplesmente que somos pessoas que namoram
pessoas? Porque o imaginário que envolve o termo ‘pessoas’ ainda
não comporta pessoas como nós”. No entanto, seguindo com Gloria
Anzaldúa (2019), me parece difícil diferenciar entre o que herdamos, o
que adquirimos e o que nos é imposto.
sumário 73
negras e indígenas, pois é urgente que nós, pessoas brancas, benefi-
ciárias desse sistema tão injusto e violento, nos tornemos conscientes
de nossa própria branquitude e de nós próprias como perpetradoras
de práticas racistas (KILOMBA, 2019). Nossas pesquisas precisam pa-
rar de silenciar vozes que “têm sido sistematicamente desqualificadas,
consideradas conhecimento inválido” (KILOMBA, 2019, p. 51). Na me-
dida em que prosseguia com as leituras, comecei a perceber estreitas
relações entre os conceitos aprendidos e o tema que vinha alinhavando
no pré-projeto. Ampliavam meu olhar sobre as questões de gênero e
sexualidade conceitos criados pelos feminismos não hegemônicos, in-
teressantes demais para ficar circunscritos a uma única área específica.
sumário 74
Vale ter presente, também, que a interseccionalidade interage
fortemente nestas páginas, à medida que entendemos que trabalhar
com esse conceito, inicialmente proposto por Kimberlé Crenshaw, sig-
nifica “dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade
estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado” (AKOTIRE-
NE, 2019, p. 14). A nascente da reivindicação dessa inseparabilidade
acontece nas lutas, nas contestações e nas vidas de mulheres negras
e indígenas ao redor do globo. Ao constatar o silenciamento de suas
contribuições pelo meio acadêmico, intelectuais não hegemônicas se
propõem a combater e a evidenciar a exclusão de seus pensamentos
do que é considerado a “intelectualidade”. Não há argumentos para
refutar a existência de articulações entre raça, classe, gênero, sexuali-
dade e geração, no campo de disputas políticas. Salientamos o fato de
que o silenciamento mencionado, que recai sobre as contribuições de
mulheres negras, recai também sobre o que produzimos as pensado-
ras de sexualidades dissidentes, inclusive brancas, sobretudo negras,
indígenas e de outras etnias.
sumário 75
de pensadoras alheias às normatividades opressivas sejam levados
em consideração?
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sumário 79
5
Capítulo 5
Cultura popular
em questões
de gênero
e sexualidade
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.5
Ao abordar o potencial educacional da Cultura Popular, Patricia
M. Thompson (2007) afirmou que o primeiro passo a ser tomado é re-
conhecer a influência que essa cultura tem em nossas próprias vidas.
Esta é a postura e, consequentemente, o caminho trilhado durante o
capítulo iniciado aqui. Partindo da cultura popular e apresentando dis-
cussões sobre o papel dessa cultura dentro do âmbito da educação
através do conceito de Pedagogia Pública. A trajetória segue através
da abordagem dos conceitos e questões de gênero e sexualidade, a
confluência entre mídia e educação e o papel da cultura popular nessa
esfera. Para finalmente convergir no aspecto prático da aplicação da
Cultura Popular com propósitos educativos que é apresentado no final
do capítulo através de exemplos de iniciativas realizadas na educação.
sumário 81
se a cultura popular é uma expressão de resistência aos que estão no
poder e uma subversão dos modos hegemônicos de pensar e agir.
GÊNERO E SEXUALIDADE
sumário 82
de uma genitália feminina designa o que é ser uma mulher e a genitália
masculina designa o que é ser um homem. Partindo deste ponto, ca-
racterísticas psicológicas e comportamentais são atribuídas a homens
e mulheres com base nessas distinções biológicas, que também são
utilizadas para justificar os arranjos sociais e políticos na sociedade
(MIKKOLA, 2017).
sumário 83
masculino sobre elas (MILLETT, 1971). De tal forma que muito do que
parece ser biológico na diferenciação entre homens e mulheres pode ser
efeito de um extenso período de socialização coletiva.
sumário 84
Durante os anos 1970, Rubin (1997) formulou uma teoria crítica
que identifica um sistema hierárquico de relações entre homens e mu-
lheres ligando-o à teoria do patriarcado, à repressão das mulheres, às
diferentes identidades e sexualidades. Com isto, Gedro e Mizzi (2014)
afirmaram que a teoria feminista e a teoria queer são partes de uma
mesma roda epistemológica e Wittig (1997) assegurou que a opressão
da mulher só terminará quando a heterossexualidade como um siste-
ma social for superada.
sumário 85
destacou que os indivíduos são forçados a seguir um ideal de gêne-
ro através de normas de gênero que são traduzidas em legislação e
protocolos psiquiátricos, fazendo com que aqueles que não sigam a
norma sejam marginalizados e como resultado patologizados, crimina-
lizados e expostos à violência.
MÍDIA E EDUCAÇÃO
sumário 86
(ALVERMANN; HAGOOD, 2000). Luke (1994) apresenta as contribui-
ções do feminismo abordando a questão a partir de uma posição
subordinada na construção do conhecimento, onde se destacam a
distorção da mídia, os estereótipos e as exclusões dos desfavoreci-
dos ou marginalizados, enfatizando o perigo de mensagens naturali-
zadas e aceitas sem questionamento.
sumário 87
Tisdell (2008) destaca que não foi dada atenção suficiente à
mídia na educação até algumas décadas atrás e observa que não
estamos cientes dos estereótipos na mídia quando consumimos por
prazer. A isso a autora acrescenta que o mesmo se aplica ao discurso
normalizador sobre os papéis de gênero. Ela enfatiza o poder que a
mídia tem de desafiar suposições através da aprendizagem formal e
informal e o papel dos educadores em fazer perguntas e apontar que
há sempre um retrato de gênero, orientação sexual ou classe, mesmo
quando esse retrato é o dominante. Sendo então importante reconhe-
cer o potencial transformador na alfabetização crítica da mídia ao abor-
dar as questões de gênero, classe, raça e poder.
sumário 88
Indo além da relevância da alfabetização midiática, é crucial re-
pensar o conhecimento e fazer da cultura popular um objeto de aná-
lise social dentro das salas de aula. Como abordagem pedagógica,
isto envolve levar em consideração o que o estudante traz à classe
para fomentar múltiplas literaturas que permitam analisar estas mensa-
gens e ler o mundo criticamente. Robertson e Scheidler-Benns (2016)
apresentam uma abordagem alternativa à aprendizagem baseada nas
experiências anteriores dos estudantes. Eles a chamam de prática si-
tuada e afirmam que como educadores, nós precisamos considerar o
preço da ausência dessa educação crítica das mídias.
EXPERIMENTAÇÕES NA EDUCAÇÃO
sumário 89
Em termos de aplicação prática, Villate García (2013) usou a músi-
ca para aumentar a conscientização sobre a desigualdade e a violência
baseada em gênero durante as suas aulas na Índia. Os alunos ouviram
músicas para compreender e definir os conceitos usados e debatidos
sobre estereótipos de gênero e representação, assim como compara-
ram canções e as sociedades e a época em que foram produzidas.
Ao final, a autora concluiu que é essencial que os educadores abram
a mente dos alunos para novas possibilidades de viver em igualdade.
sumário 90
Santana, Santos e Vieira (2019) discutiram questões de gênero
com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e organizaram en-
contros com educadores nos quais discutiram sexualidade, feminismo,
sexismo, homofobia e violência de gênero. Abordaram também como
tudo isso se conecta com a educação usando curtas-metragens para
isso em um desses encontros. Já Carvalho, Eiterer e Oliveira (2013)
exploraram as práticas educacionais em EJA a partir da perspectiva
da cultura popular, analisando a experiência das Noites Culturais no
município de Guanambi. Enquanto Leal (2010), também trabalhando
com EJA, usou filmes para abordar questões de sexualidade.
CONCLUSÃO
sumário 91
cultura popular de forma centralizada no campo da educação. Entretan-
to, para que este processo de educação emancipatória ocorra, onde as
pessoas tomem consciência das condições em que vivem, é necessário
não apenas reconhecer a injustiça e a opressão, mas também posicio-
nar-se e agir (FREIRE, 1970) e assim realizar o percurso de deixar de ser
apenas moldado pela cultura popular para também começar a moldá-la.
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sumário 95
6
Capítulo 6
O gênero
do/no brinquedo:
interlocuções docentes
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.6
Entender como as relações de gênero se articulam e são instituí-
das no âmbito da educação infantil nos ajuda a perceber como certas
normas são afirmadas na sociedade e quais os efeitos e (dis)posições
de sujeito passam a se constituir. Desconstruir preconceitos, barreiras
e desigualdades também pode fazer parte da prática de educadores/
as; há no trabalho docente a possibilidade de perceber a sutileza dos
contextos nos quais essas limitações começam a aparecer na sala de
aula, espaço-tempo esse que permite refletir, junto com as crianças e
através dos cotidianos escolares, seus impactos. Os preconceitos de
gênero não devem ser abordados e combatidos apenas na escola. Eles
refletem as vivências das crianças também fora desse âmbito. Contudo,
segundo Scott, e acompanhamos isso em várias circunstâncias cotidia-
nas, não é de interesse político que ocorra essa desconstrução.
Para proteger o poder político, a referência deve parecer certa
e fixa, fora de toda construção humana, parte da ordem natural
ou divina. Desta maneira, a oposição binária e o processo social
das relações de gênero tornam-se parte do próprio significado
de poder; pôr em questão ou alterar qualquer de seus aspectos
ameaça o sistema inteiro. (SCOTT, 1995, p. 92).
sumário 97
políticos e morais, atualmente se vê em confronto com as políticas de
diversidade, atacando as demandas sociais das minorias. Estas que,
apesar de serem a maior parte da população, ainda se veem como o
outro, fora do padrão de normalidade. Aqui podemos refletir sobre qual
norma estamos falando, sobre que padrão é esse instaurado, como
se deu na construção social e a partir de que olhar conceituamos o
diferente. Conversando com educadoras, acompanhamos algumas
dessas tensões de como (algumas) escolas têm lidado com essas
relações com as crianças, suas relações entre pares distintos e uso
dos brinquedos como ferramenta pedagógica.
sumário 98
nas brincadeiras ou portam marcas que incidirão sobre os modos de
vida ou os disputarão. Nesta análise, marcamos a diferenciação das
vivências em determinadas culturas e formas de viver. Dependendo do
contexto em que estão inseridas, as crianças possuem possibilidades
diferenciadas, fazendo outros usos na criação da brincadeira e dos
momentos recreativos.
sumário 99
PEDAGOGIAS CULTURAIS: MODOS
DE CONDUZIR CONDUTAS
DENTRO-FORA DA ESCOLA
sumário 100
expectativas de um modo singular e unívoco de masculinidade e de
feminilidade em nossa sociedade,” (VIANNA; FINCO, 2009). Os termos
“coisas de meninas e de meninos” dividem nossas crianças e formam
cidadãos resistentes ao rompimento dessas percepções.
sumário 101
ou panelinhas, dificilmente encontrarão em outro tom além do rosa, já
que se acredita que brincadeiras com fins domésticos são destinadas
às meninas, que gostam ou usam apenas rosa. Se meninas querem bo-
las ou jogos de ação, encontrarão apenas na seção de brinquedos “de
meninos” que, por sua vez, estará na parte azul das lojas.
sumário 102
vivências e falas individuais que os/as estudantes traziam para a es-
cola e que enriqueceriam os processos das aprendizagens. É pre-
ciso entender que os/as estudantes são sujeitos ativos no processo
de aprendizagem, criando, a partir dessa perspectiva, currículos que
respeitem seus interesses e singularidades.
sumário 103
construção de uma sociedade outra, que possa desfazer os mecanis-
mos de desigualdade e exclusão. Além disso, concordamos com outras/
os autoras/es quando provocam que o conceito de gênero apresenta
uma potencialidade fundamental para se analisar as relações vigentes,
sendo ferramenta fundamental de qualquer práxis pedagógica.
OS CAMINHOS DA PESQUISA
sumário 104
simplesmente no nível de existência das palavras, das coisas
ditas. Isso significa que é preciso trabalhar arduamente com
o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que
lhe é peculiar. (FISCHER, 2001, p. 198).
sumário 105
outros âmbitos sociais tentam regular as imagens e a percepção das
crianças. As formas de leitura que elas fazem desses estímulos irão
determinar se os valores hegemônicos serão aceitos ou se haverá a
formação de um pensamento crítico que se atente à escuta, à empa-
tia e ao respeito às nossas vontades de ser/estar no mundo, havendo
resistência às imposições.
sumário 106
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sumário 107
7
Capítulo 7
Tessituras de si (psicóloga)
no cotidiano da escola
Tessituras
de si (psicóloga)
no cotidiano
da escola
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.7
Como pensar uma ética na/da prática em psicologia no contex-
to educacional? Essa pergunta me mobilizou durante a pesquisa da
minha tese de doutorado, mas para chegar em algumas respostas eu
precisaria antes saber fazer outras perguntas. Uma das questões que
apareceu durante a escrita da tese foi como contar do meu campo
de pesquisa que aconteceu em quatro escolas municipais do Rio de
Janeiro entre 2016 a 2018, em que atuei como educadora e psicóloga.
Foi a partir desse trabalho que me questionei como contar as expe-
riências e experimentações que vivenciei como psicóloga dentro-fora
da escola? Esta pergunta se tornou importante porque a psicologia
nasceu com vontade de administrar subjetividades dentro de várias
instituições disciplinares, entre elas, a escola. (ROSE, 2008).
sumário 109
uma ético-política para a prática psi no âmbito escolar. Se a psicologia
nasce de uma perspectiva disciplinar e para estudar o que está fora da
norma, se sujar é se associar com aquilo que gagueja, que borra as fron-
teiras do que é normal e anormal, limpo e sujo, bom ou mau. É com essa
tônica que me alio às teóricas feministas para dinamitar as certezas da
psicologia e também as minhas. Para (des)educar a minha experiência
como psicóloga que atua na educação. O que chamo de psicóloga de si
poderia ser pensada como um ato político para criar fissuras e abrir es-
paço para a discutir gênero e sexualidade. Poderia a psicologia, a partir
dessa ética, revisitar, renegociar e (trans)formar as formas com que tem
participado das regulações de gênero e sexualidade?
11 Priscila Nogueira, conhecida como Mulher Pepita, é dançarina e compositora. Ela foi uma
das primeiras mulheres trans* “funkeiras” e ficou muito conhecida pela música “Chifru-
do”, que canta junto com a drag queen Lia Clark.
sumário 110
não importa, porque não queremos ser “malandros”, nós somos ban-
didas, somos ciborgues, como disse Haraway (2009). Somos o imun-
do, o instável, o marginal, o monstruoso, o desvio. Isso significa que
sempre vamos tensionar os espaços que estamos, algumas pessoas
de forma mais transgressora, outras de forma mais híbrida.
sumário 111
[..]” (FOUCAULT, 2010, p. 173). Porém, Foucault rompe com a ideia de
que há uma verdade a ser descoberta, algo oculto que precisa ser con-
fessado. A proposta de Foucault sobre dizer a verdade tem a ver com
a estética da existência, o cuidado de si e sua ética. O que Foucault
propõe é pensar a vida como obra de arte e por isso o autor volta para
a Grécia antiga: “A antiguidade oferece um paradigma diferente para a
ética, a da estética em vez da ciência.” (2016, p. 94).
sumário 112
Faço essa aposta por entender que só é possível construir um
saber estético-político no campo psi se desafiarmos as bases que a psi-
cologia foi produzida. Não para eliminá-la, escondê-la ou anunciar seu
lado num lugar ruim, mas para revisitar sua história. Afinal, “Não se pode
simplesmente esquecer e não se pode evitar lembrar.” (KILOMBA, 2019,
p. 213). Para isso é necessário ouvir de forma ética as pessoas que a
psicologia patologizou, como mestres que enunciam a verdade sobre si,
sobre seus corpos, seus desejos e suas vidas.
sumário 113
da patologização dos nossos corpos, foram os grupos de “[...]cons-
cientização como uma prática de si que envolvia a transformação de si
como um objetivo de transformação social.” (MCLAREN, 2016, p. 204).
sumário 114
A (trans)formação feminista proposta pelas teóricas feministas
da SOS Corpo12 pode ser um espaço para pensar o cuidado de si e as
práticas de liberdade. Penso que ao mesmo tempo que essa prática
dá apoio às questões individuais de libertação, o que podemos pensar
aqui como a liberação, compreendida por (FOUCAULT, 2004), também
pensa os instrumentos para enfrentar de forma coletiva as explorações
contra as mulheres, as práticas de liberdade. A (trans)formação femi-
nista foi importante quando estava atuando nas escolas municipais do
Rio de Janeiro. Essas (trans)formações foram importantes para meu
processo como feminista e também para minhas próprias transforma-
ções pessoais e, portanto, políticas.
sumário 115
dizer verdadeiro, a prática radical do pensamento e o cuidado de si. A
psicóloga de si faz rupturas em si para “[..] vias possíveis de resistência
e de transgressão.” (PRECIADO, 2017, p. 9), na tentativa da psicologia
se reconhecer naquilo que ouve e vive para criar rachaduras no desejo
do saber psi em moldar a vontade de outras pessoas.
sumário 116
psicologia desloque seu interesse também para as pessoas que irá
atender e para isso, é necessário criar espaços para que se diga a sua
verdade, o dizer verdadeiro.
sumário 117
nossa atuação dentro das escolas municipais do Rio discutindo gê-
nero, sexualidade e raça. Nossas perguntas rondavam sempre nossa
prática, tentando compreender se o que estávamos fazendo tinha um
sentido ético. “Como podemos fazer com que a turma discuta mais
esse tema?” nos perguntávamos. Até que horas depois estávamos nos
perguntando se não deveríamos ouvir o que aquela turma tinha para
falar. Nós estávamos ouvindo? Como?
sumário 118
da turma, quando não encontramos apenas uma forma de abordar um
tema. Ela fala do medo de pessoas que não são brancas, incluindo
também as mulheres brancas nessa questão, de falarem aquilo que
pensam, por medo de serem julgadas. A autora ainda problematiza
que, ela já deu aula para pessoas não brancas que eram brilhantes,
mas não falavam em sala de aula. Muitas vezes me perguntei sobre
esse silêncio em sala de aula – o que precisaria fazer para criar um
espaço em que fosse possível emergir falas sobre si e, posteriormen-
te, articular isso às questões de gênero, sexualidade e raça? Isso não
significa criar um “espaço seguro”. O que desejei foi criar um espaço
em que o conflito seja possível.
sumário 119
a professora usualmente é punida se falar sobre tais assuntos na esco-
la, penso que a psicologia poderia construir espaços para falar sobre
gênero e sexualidade com a escola. Amizade como modo de vida,
como forma de invenções ético-estético e político-epistemológicas,
produzindo conhecimentos e afetos in-mundos. Com essa amizade psi
e docente, podemos re-criar mundos (im)possíveis. Aqui, a psicologia
e a escola se juntariam para dinamitar suas certezas e, quem sabe,
criar espaços com muitas vozes, sobretudo as mal-ditas.
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sumário 121
8
Capítulo 8
Produção de conhecimento
em educação e(m) saúde:
Metodologias participativas,
coletivas e in(ter)ventivas
Produção
de conhecimento
em educação
e(m) saúde:
metodologias participativas,
coletivas e in(ter)ventivas
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.8
Neste capítulo, apresentamos a experiência de extensão univer-
sitária intitulada Gênero, Sexualidade e Envelhecimento nos Cotidianos
da Educação e/em Saúde (GSE/UERJ), vinculada ao projeto de exten-
são “Gênero, Sexualidade e Envelhecimento: itinerâncias e interlocu-
ções entre saúde e educação na promoção da cultura da diversidade e
dos direitos humanos”. Dialogamos sobre (in)definições da educação
em saúde, e com o GSE contamos nossa aposta de in(ter)venção nes-
te campo. O grupo foi construído e realizado no ano de 2021, em sua
primeira edição, como mais uma frente extensionista do grupo de pes-
quisa geni - estudos de gênero e sexualidade, sendo uma experiência
formativa voltada a profissionais da saúde, educação e assistência
atuantes no campo das políticas-práticas do/com o envelhecimento.
sumário 123
escolhas saudáveis, os sujeitos saudáveis e as necessidades legíti-
mas. As ênfases são especialmente interessantes, e percebemos que
elas giram em torno de “ações de cuidado com o corpo e a saúde;
alimentação saudável e prevenção, e controle ao tabagismo” (BRASIL,
2006, p. 20). Quando o documento nos apresenta entre seus objetivos
a construção de políticas públicas saudáveis, há de se perguntar: o
que classifica uma política pública como saudável? Pois serão essas
políticas, as que se enquadrarem nas perspectivas de saúde da políti-
ca nacional, que serão implementadas.
sumário 124
com as noções científicas que irão, sem dúvida, influenciar e embasar
a produção de políticas públicas, as práticas profissionais, além, é
claro, de compor o repertório possível para os próprios sujeitos in-
terpretarem suas experiências de envelhecimento. Certas referências
apontam, por exemplo, que a velhice aposentada considerada inativa
seria a representação de decadência. Uma série de problemáticas
podem ser levantadas quando articulamos a produção de conheci-
mento e de políticas públicas.
sumário 125
vida ativa e produtiva, com forte base preventiva e prescritiva. Educa-
-se para evitar modos de vida considerados doentes e fomentar modos
de vida considerados saudáveis.
sumário 126
orientada pela pretensão de se poder determinar ‘de fora’ essa conduta,
isto é, pela possibilidade de dirigi-la, de governá-la para fins determina-
dos, como, por exemplo, a adoção de comportamentos que produzam
um modo de vida saudável” (CYRINO; TEIXEIRA, 2017, p. 189).
sumário 127
que estejam voltadas/os para a atuação e/ou pesquisa com pessoas
idosas, para pensar em coletivo sobre os significados produzidos so-
bre a velhice, especialmente em articulação com os marcadores de
gênero, sexualidade e raça.
sumário 128
O formulário de inscrição nos trouxe algumas informações que
nos ajudaram a visualizar os diferentes perfis, além de respostas sobre
o que levou as pessoas a se inscreverem que se baseavam em: “[...]
obter maiores conhecimentos teóricos e práticos factíveis que possam
ser aplicados em pesquisas e na assistência[...]”; “[...] aprender mais
sobre os diferentes tipos de gêneros e etc, para que eu possa ajudar
estes alunos em suas árduas lutas diárias e também com o conheci-
mento obtido de alguma forma contribuir para o melhor entendimento
sobre os temas [...]” , e “[...] ampliar o meu conhecimento, aprofundar
os meus estudos e buscar conteúdos [...]”. A maioria das/os inscritas/
os faziam parte da área da saúde (41,9%), havendo psicólogas/os, ge-
riatras, gerontólogas/os, enfermeiras/os e técnicas/os. Tal dado corro-
bora dados e análises anteriores (SILVA; POCAHY, 2021), que apontam
que a saúde tem sido o campo privilegiado de atuação e produção de
conhecimento sobre a velhice. Em seguida temos as áreas da educa-
ção (23,9%) e assistência social (20,5%) e áreas como: direito, jorna-
lismo, antropologia, turismo, história social, entre outras. Estes dados
nos ajudam a perceber que a velhice, e em especial suas articulações
com gênero e sexualidade, é objeto de interesse de uma gama variada
de profissionais, espalhadas/os pelo território nacional.
sumário 129
chamado Velhos são os outros (2018). A escolha da obra foi feita con-
siderando certos aspectos: primeiro, era uma obra literária, não acadê-
mica. Apostamos que este tipo de material convidaria mais à conversa,
colocando situações do cotidiano que provocam reflexões e análises,
em conjunto a outras leituras do campo acadêmico e a diversos re-
cursos audiovisuais, tais como trechos de filmes, séries, entrevistas,
curtas-metragens e fotografias.
sumário 130
constituiu-se como modo de transformar o que pensamos e dizemos
sobre a vida, em sua longevidade. Assim, as desconfianças que acom-
panham as curiosidades puderam ser colocadas em questão, analisa-
das por várias pessoas, do mesmo modo como agregou novas per-
guntas, aspectos antes não considerados. A estratégia extensionista,
desse modo, se constitui como espaço que consideramos articulador
na produção de subjetivações, compreendendo que a relação entre
os sujeitos que compuseram o grupo produziu conhecimentos acerca
da velhice e do envelhecimento a partir de algumas apostas analíticas,
que por sua vez produzem também rotas (im)possíveis nos percursos
destes sujeitos envolvidos.
sumário 131
A pesquisa-intervenção nos possibilitou produzir estratégias in-
teressadas em produzir outros modos de exercício profissional com a
velhice. São as angústias e dúvidas que nos motivam a intervir no per-
curso formativo dos sujeitos, do mesmo modo como compreendemos
que a experiência e a necessidade trazidas por eles/elas vão intervir nas
ideias e estudos que estamos produzindo em nosso grupo de pesquisa.
RESULTADOS EM ANÁLISE
sumário 132
pensei em todas as questões que vem junto a isso [...]. Eu entrei
no grupo por curiosidade, e tô saindo com muitas questões que
eu quero me aprofundar, quero pesquisar [...].. (Encontro do dia
9 de junho de 2021, p. 10).
Essa rota, por sua vez, possibilitou que até mesmo as formas
como lidamos com nossas sexualidades, como nos relacionamos co-
nosco e com outros/as, fossem compreendidas como participantes
14 No período do curso, B. era doutoranda, e por isso ministrava aulas em curso de gradua-
ção em enfermagem.
sumário 133
em nosso percurso. Em um espaço formativo voltado para a transmis-
são de informações e saberes, experiências como a relatada por B. e
sentida por todas/os nós seriam possíveis?
CONCLUSÕES
sumário 134
Do mesmo modo, a avaliação desse percurso apontou cer-
tas possibilidades que não foram tão consideradas e se configuram,
então, como indicativo de rotas que surgiram como desdobramento
do campo. Destacamos que a intergeracionalidade foi um elemento
pouco problematizado nesta experiência de formação. E isso aponta,
simultaneamente, para uma análise do próprio grupo, e um efeito inte-
ressante que pode ser mais aprofundado.
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sumário 137
9
Capítulo 9
Movimentos sociais,
envelhecimento e educação
Movimentos sociais,
envelhecimento
e educação
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.9
A realidade pandêmica que desde o ano de 2020 passa a compor
nossos cotidianos provocou uma reflexão em busca da ressignificação
das formas de elaboração do pensamento sobre a crise, bem como
também fez emergir a necessidade de encontrar novas formas de resis-
tência e lutas, objetivando alterar a dinâmica das relações de poder que
retiram direitos e expõe ainda mais aqueles que se encontram em si-
tuação de maior vulnerabilidade. Em diversas produções que objetivam
analisar as condutas dos movimentos sociais em momentos de crises
observam-se apontamentos de como as situações de calamidades e de
intensa repressão sobre as liberdades individuais e coletivas (PORTA,
2020) podem trazer à tona a potência dos movimentos sociais.
sumário 139
legislativos que apresentam políticas específicas destinadas a regular
os direitos que devem ser assegurados às pessoas com idade igual
ou superior a 60 anos.
sumário 140
propostas de políticas públicas por parte do Estado. A ênfase na
questão relacionada à aposentadoria pode ser amplamente justificada
já que conforme afirma Alain Touraine (apud DEBERT, 2020, p. 13),
pensar sobre longevidade nos convoca a observar a questão da apo-
sentadoria, ainda que ela tenha, de certa forma, se desvinculado da
associação direta com o envelhecimento ou com a maneira de garantir
a subsistência dos que já não querem ou precisam realizar atividades
que gerem renda, em função da idade que atingiram (idem, p. 16).
sumário 141
e tomando como foco a juventude negra, existe uma mobilização por
parte de diferentes segmentos dos movimentos sociais e grupos cul-
turais que se dedicam a denunciar a violência contra os jovens negros.
Nesse sentido, em um estudo sobre racismo e extermínio da juventude
negra, Gomes e Laborne (2018, p. 2) relembram que “quando se nega
o espaço, o trabalho, a saúde, a terra, o alimento, a educação, nega-se
o direito à vida.” Essas são violências cotidianas que acompanham e
afetam o direito à longevidade e a maneira como os processos de enve-
lhecimento se dão de forma desigual em nossa sociedade.
sumário 142
essenciais para a velhice, mas que, no entanto, durante os ano de 2018
e 2022 tiveram suas ações e participações praticamente inviabilizadas
pelas normativas, alterações de decretos e pela própria conduta do ex-
-presidente Jair Bolsonaro ao lidar com essas representações.
sumário 143
marcadores estão também vinculados ao aprofundamento das desi-
gualdades. As velhices são diversas, isso quando as resistências que
esses sujeitos são capazes de mobilizar os permite envelhecer. E aqui
é necessário enfatizar o papel das organizações coletivas empenhadas
pelos grupos que se associam aos movimentos sociais, pois ao analisar
documentos e diretrizes associados aos direitos das pessoas idosas
raramente observamos a preocupação em destacar a multiplicidade e
as singularidades de experiências que as pessoas idosas experimentam
levando em consideração suas subjetividades e os aspectos que os
atravessam de acordo com os recortes já citados. (SILVA, 2022).
sumário 144
essa situação: quais são as estratégias mais eficazes para disputarmos
um jogo de poder que vem favorecendo a perda de direitos essenciais?
Quais são os discursos que têm sido mobilizados no sentido de permitir
a defesa dessas políticas até mesmo por parte da classe trabalhadora?
Como os movimentos sociais podem articular ações e fortalecer a dis-
puta por manutenção e ampliação dos direitos essenciais?
sumário 145
em torno desse estatuto de verdade e de como ele dialoga com as
instabilidades sociais, econômicas e políticas (FOUCAULT, 2021).
sumário 146
No entanto, o que poderíamos dizer quanto às práticas curri-
culares, para além do que determinam os textos oficializados, e que
transitam no espaço escolar? Como essa encomenda chega ao co-
tidiano da escola? E, de que maneira ela é aceita (ou rejeitada) no
fazer pedagógico que ocorre diariamente nas salas de aula e demais
espaços dentro da escola? Em diálogo com tais questionamentos,
compreendo e aposto na presença de temáticas que se manifestam
como demandas sociais nas escolas para que se cumpram as premis-
sas regulamentares. Mas, justifico também o entendimento de que as
políticas públicas que envolvem tanto o texto do estatuto da pessoa
idosa, como a BNCC, estão, ainda que de forma latente, dando alguma
satisfação às demandas singulares (LACLAU, 2011) que são pautadas
pelos movimentos sociais e organizações.
sumário 147
(muitos deles, conservadores) que se engajam em disputar os discur-
sos (MACEDO, 2009) e elaborar narrativas de acordo com os interesses
específicos desses grupos.
sumário 148
ao longo da vida, compreendendo-as como um constante superar-se
a si mesmo (TÓTORA, 2003,p. 3), situada na dimensão política e im-
bricada em relações de poder que a atravessam. Portanto, para além
da encomenda curricular, considero que a escola pode participar (uma
vez que já participa) de outros modos discursivos sobre velhice e dos
regimes da vida longeva.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
sumário 149
práticas curriculares que possam se empenhar na valorização de
debates sobre os processos de envelhecimento que compreenda a
heterogeneidade da questão e a necessidade de ressignificarmos e
pautarmos relações mais equânimes e justas, com o intuito de proble-
matizarmos, por exemplo, a questão da longevidade e a preocupação
de que ela se torne possível para aqueles impedidos de vivenciá-la,
bem como para que esses processos de envelhecimentos sejam con-
siderados em sua complexidade.
sumário 150
velhice ativa, o que justifica a problematização desse paradigma, já
que esse discurso contribui para a produção de uma subjetividade que
narra os sujeitos velhos como pessoas produtivas e aptas a permane-
cer desempenhando as funções laborais que o mercado de trabalho
impõe, desconsiderando, por exemplo, o papel social da aposentado-
ria, duramente conquistada pelos movimentos sociais que defendem
os direitos dos idosos.
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sumário 152
10
Capítulo 10
Temporalidades e dissidências
sexuais no cinema brasileiro
contemporâneo
Temporalidades
e dissidências
sexuais no cinema
brasileiro
contemporâneo
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.10
“O despertar do desejo abastece a imaginação [...] a imagina-
ção abastece o desejo.” (BALDWIN, ano e página)
sumário 154
um espaço vago. Um dedilhado suave de guitarra começa no instante
em que surge Maicon (Rafael Theophilo), um homem mais jovem, loi-
ro descolorido com um bigode grosso, por quem Sandro já havia se
encantado, em outra ocasião, ao vê-lo apoiado em sua moto, vestido
de couro, com óculos escuros modelo aviador. Sandro se surpreende
quando Maicon, visivelmente tenso, se senta ao seu lado sem dar muita
atenção. Da primeira vez, há quase dois anos, lembro que ver o filme
me deixou em êxtase — não saberia descrever a sensação com outras
palavras. Estava acontecendo.
sumário 155
música acaba com o freio da máquina, as barras de proteção sobem e,
novamente sem olhar para o lado, Maicon desata suas mãos, fugindo da
cabine. Sua irmã o espera do lado de fora. Apenas Sandro permanece, os
olhos voltados para a própria palma. Outra música instrumental começa,
mais misteriosa e, ao mesmo tempo, triunfante. Sandro leva a mão ao ros-
to, aquela que tocava Maicon, cobrindo boca e nariz e fechando os olhos.
Otávio sorri para mim quando a cena acaba, falando que pa-
rece um clipe. A música é muito importante, ele diz, a iluminação
também, e a estabilidade da câmera — estamos do lado de dentro,
em frente aos dois personagens — faz com que a imagem se fixe
longamente neles, enquanto somente o fundo se movimenta, conver-
tendo a posição de quem assiste em um terceiro olho. Acho mística
essa expressão, gosto e registro. Poucos dias antes, em uma troca
de mensagens por rede social, um dos atores do filme — Allan Ja-
cinto Santana, que interpreta Ricardo — me disse que, desde que
lera o roteiro, falava ao diretor que essa seria uma das cenas mais
bonitas do cinema nacional daquele ano. Eu concordei. Ando muito
emotivo esses dias e isso certamente tem a ver com meteorologia.
Essa é uma das cenas que mais me seduz em Vento seco (NOLAS-
CO, 2020). Quero escrever um ensaio com esse filme. Quero habitar
a duração suspensa desses duzentos e trinta segundos.
TEMPORALIDADE HETEROCAPITALISTA
E DISSIDÊNCIAS SEXUAIS
sumário 156
Enquanto busco um livro na estante, lembro que Paula (Renata
Carvalho), uma amiga de Sandro, havia convidado todos os colegas
do local em que trabalham (uma empresa de fertilizantes para o agro-
negócio) para a comemoração do seu aniversário em uma casa em
Três Ranchos, cidade próxima a Catalão. Aperto novamente os botões,
avançando ao meio do filme para encontrar esse trecho. Cezar (Leo
Moreira Sá), amigo e colega da empresa, um homem baixo de cabelo
raspado, caminha com Sandro por uma estrada de terra, ao pôr do sol.
Em resposta a uma pergunta de Sandro, começa a contar uma história:
Quando eu comecei a namorar a Suzana, isso eu ainda era ado-
lescente, o pai dela não gostava de mim de jeito nenhum. Aí
aquelas coisas, né? Ela era uma Fayad e eu um pobretão que
não tinha onde cair morto. Para o pai, a Suzana só queria fazer
birra. Aí foi. Nós namoramos mais ou menos uns dois anos. Aí
chegou um dia, nós estávamos na casa do velho, lembro direi-
tinho como se fosse hoje, ele sentado no sofá e nós dois sen-
tados de frente para ele. Aí a Suzana falou: “Oh, pai, aconteceu
um imprevisto aí, nós vamos ter que casar urgente”. Nessa hora
a cara do velho já mudou. Aí ela continuou: “Sabe o que é, pai,
é que eu estou grávida, se a gente não casar logo, a barriga…”.
Sandro, eu só lembro que aquele velho levantou daquele sofá,
sem dizer uma palavra, e foi para o quarto. A Suzy olhou para
mim e falou: “Corre que ele vai pegar a arma!”. Eu saí correndo
que nem um doido para a porta da rua. Foi quando eu ouvi
os tiros e oh, caí no chão. Três tiros, dois pegaram. E aí nada,
fui parar no hospital, uai. Três semanas depois nós estávamos
casando, entrei na igreja de muleta. (VENTO SECO, 2020, 110
min).
Com seu mau humor quase constante, um pouco pior nesse dia,
Sandro pode ter achado idiota a história de Cezar, mas para mim ela
é instigante porque dá pistas de como uma certa versão do tempo or-
dena o curso da existência e das relações. No livro In a queer time and
place, Jack Halberstam (2005) escreve sobre como a respeitabilidade,
com suas noções de normalidade, é baseada na lógica burguesa de
uma temporalidade heteronormativa, que tem como marcadores para-
digmáticos o nascimento, o casamento, a reprodução e a morte. Ligada
aos conceitos de maturidade e responsabilidade, é essa linearidade do
sumário 157
tempo que o pai de Suzana defende, arma em punho. Há vários im-
perativos temporais que regulam a família, a reprodução e a herança
nessa direção, programando um projeto existencial que vai desde uma
sucessão correta para os acontecimentos (casar antes da gravidez) até
conselhos para a criação de crianças saudáveis (como dormir e acordar
cedo) e para a devida cautela contra episódios hipotéticos (poupanças,
testamentos). Essa seria a finalidade, esse seria o propósito, o sentido
da vida — sentido tanto como significado quanto como orientação do
movimento em uma determinada direção. O incômodo do pai de Suzana
com a classe social de Cezar fala também dos valores e bens que são
transpostos entre as gerações, conectando o sobrenome ao passado
histórico e à estabilidade futura da nação, além de apontar para ideias
coloniais e racistas sobre o que seria uma ascendência digna de produ-
zir descendentes. Forjada em meio às relações, como escreve o autor,
essa versão do tempo é vivida segundo uma lógica de acumulação de
capital — experimentada como natural e inevitável por aqueles que dela
se beneficiam, mas que se mostra como uma construção imposta para
aqueles que sofrem com a letalidade de seus efeitos.
15 Em 2018, ano em que Vento seco estava sendo filmado, foi eleito como presidente Jair
Bolsonaro, político de extrema-direita, declaradamente homofóbico, que foi tomado como
salvador da pátria por uma parte da população brasileira preocupada, diante da força
crescente dos movimentos LGBT, feministas e antirracistas, entre outros aspectos, com a
proteção da família, das crianças e do futuro — cisheteronormativo e branco — da nação.
Seu governo intensificou não somente a instalação de medidas neoliberais (precarizando
ainda mais as políticas públicas em geral, em particular as de incentivo à cultura), como
também a promoção de uma sensação de legitimidade das pautas reacionárias — algu-
mas abertamente fascistas — no país.
sumário 158
se articula a um futurismo reprodutivo, que afirma uma estrutura social
e uma maneira de viver higienizadas e heteronormativas que deve ser
indefinidamente transmitida. Avessa ao estranhamento, ao absurdo,
ao desencontro e ao vazio, a teleologia que sustenta essa narrativa
diz da crença na plenitude de uma sociedade a ser alcançada, mas
também de um percurso vital compulsório que culminaria na assunção
de uma identidade inteligível finalmente acabada. A seus desertores é
reservada a exterioridade da abjeção, do impensável, do impossível,
do inarticulável, do excedente — são vidas sem sentido. Desde muito
tempo, especialmente a partir da década de 1980, com a propagação
da pandemia de HIV/Aids, a figura do homossexual, para o autor, re-
presenta um dos maiores riscos à perfeição dessa realidade almejada.
Como o nosso gozo a princípio não procria, somos uma ameaça à
reprodutibilidade do próprio futuro — uma encarnação da morte.
sumário 159
Corta para o estacionamento, de onde Sandro vê o carro vermelho
de Ricardo se dirigindo à mata adjacente. Pouco depois, entre as árvores,
os dois se encontram e se aproximam, sérios. Sandro olha de perto a ja-
queta de couro de Ricardo. Ele cheira a jaqueta, devagar, e depois a lam-
be. Passam a se beijar com vontade. Em seguida, Sandro está no chão e
Ricardo de pé, segurando sua cabeça, cuspindo em sua boca. Os dois
aparecem nus, ajoelhados de frente um para o outro, quando Ricardo
lambe e beija a axila de Sandro, os uniformes da empresa espalhados
ao fundo. Agora Sandro está deitado de bruços — as folhas, os corpos,
a terra, o tesão — enquanto Ricardo lambe, beija e cospe em seu cu. Há
um barulho de insetos que se mistura aos gemidos. Ricardo agora está
comendo Sandro, metendo com força, e os grunhidos vão aumentando
com a velocidade da foda. Com o cotovelo esquerdo apoiado nas costas
de Sandro, Ricardo empurra sua cabeça para baixo, esfregando sua cara
na terra seca. Está deitado por cima dele, as mãos nos ombros, no pes-
coço, depois de volta na cabeça dele. A câmera vai se aproximando do
rosto de Sandro, não sei se ele sofre ou desfruta o momento, e o ritmo da
respiração diminui quando Ricardo chega ao orgasmo. Sandro desfruta,
sim — ele dá um sorriso quando fecha os olhos.
sumário 160
desejamos participar. O gozo estéril de Sandro e Ricardo interrompe
ou desvia seu curso.
sumário 161
filmes o afeta, produzindo dobras em seus pensamentos e modifican-
do seus modos de agir. Não interessa, para ele, fazer uma análise dos
filmes à distância, como meros objetos de estudo. O que o anima é
se deixar sujar pelo que deles transborda, forjar com eles um encontro
em que uma estilização da existência possa emergir — uma vibração,
um desatino, um trânsito, uma escrita de si: “Suaves e fortes, intensos,
esses filmes tratam de contracondutas e são eles mesmos já contra-
condutores de fluxos de subjetivação” (p. 11). Tais filmes seriam assim
como cartogenealogias do desejo, mapas processuais que problema-
tizam os jogos contemporâneos de produção da diferença em que nos
constituímos. O corpo faz parte desse experimento — eu fumo Vento
seco, trago e expiro, sentindo os efeitos da intoxicação. Talvez seja isso
o que estou fazendo — uma autoficção.
sumário 162
de conservadorismo e atraso, necessariamente hostil às dissidências
sexuais, em oposição ao vanguardismo dos grandes centros urbanos,
que seriam ambientes mais avançados e modernos, mais propícios às
pessoas desertoras de um projeto heteronormativo de vida. A narrativa
de Sandro sobre a morte de Lázaro, com o medo que ele sentiu de ir
ao velório, pode ser lida como a explicação de mais uma vida sozinha
e triste, carente de autoafirmação, que teria se curvado à ameaça des-
sa violência homofóbica. Sandro parece ser mesmo um personagem
solitário e, por vezes, amargurado. Não há nada de muito suspeito
na masculinidade que ele performa. Diante das tentativas de Ricardo
de apresentá-lo à irmã, na perspectiva de que eles oficializassem um
namoro, Sandro realmente recua, quase agressivamente, pedindo que
ele esqueça esse assunto. Não quer que sejam vistos se tocando na
arquibancada da quadra de futebol ou como um casal que vai junto
à pecuária (embora não haja no filme cena sexual alguma no interior
protegido do ambiente doméstico — a depender do momento, qual-
quer espaço para Sandro pode atiçar erotismo, desde um brinquedo
no parque de diversões até um curral, a mata do setor, o vestiário de
um clube, a garagem aberta de uma casa, um prédio em ruínas, a
delegacia de polícia). Ele cultiva à distância um intenso desejo por
Maicon — que a certa altura passa a trabalhar na mesma empresa
que eles — sem investir em qualquer abordagem direta que poderia
aproximá-los. Sua posição acaba afastando Ricardo, que se liga a Mai-
con, com quem começa a viver um romance que parece muito menos
preocupado com o olhar alheio. A leveza da sintonia entre os dois, da
qual se percebe excluído, gera em Sandro um ciúme avassalador que
vai escalando aos poucos até chegar à violência.
sumário 163
personagem bastante interessante. Sua recusa desafia a temporalida-
de das narrativas convencionais — e confessionais — sobre identida-
de e relacionamentos com a qual nos acostumamos a medir as sensa-
ções de liberdade e dignidade de nossas vidas sexuais. Por conviver
com pessoas aparentemente tão receptivas, seu silêncio parecia sem
sentido. Mas é justamente esse sem sentido que me incita — se dissi-
dências sexuais múltiplas e singulares podem coexistir com a identida-
de gay, talvez Vento Seco possa inventar maneiras de desestabilizar a
versão linear do tempo que ordena as hierarquias sexuais entre campo
e cidade, natureza e cultura. Do mesmo modo como as dinâmicas
da violência heteronormativa operam diferentemente em um pequeno
município do centro-oeste, a experimentação erótica também pode fer-
vilhar ali com uma outra criatividade.
sumário 164
dois anos, coincidentemente, um amigo que mora longe me perguntou
se eu já havia visto o filme. Começamos então a conversar. Agora eu
pego o celular e abro a rede social por onde nos comunicamos, percor-
rendo essas mensagens com calma. Gosto de voltar a elas por serem
um registro das minhas primeiras impressões, antes que eu pudesse
teorizar qualquer coisa a respeito. Gosto que Thiago tenha pensado
em mim. Vejo que contei a ele que tive insônia na mesma noite, ao que
ele concordou que esse é um filme que fica na cabeça, perturbador e
cheio de tesão. Falamos sobre como há coisas aparentemente fora de
lugar, sobre como os devaneios sexuais de Sandro nos fazem perder
o senso do que está de fato acontecendo. Principalmente, falamos
sobre um excesso, uma expansão que desperta desejos inusitados,
nos surpreendendo com a nossa própria excitação diante de elemen-
tos cotidianos que não sabíamos que poderiam ser tão sexy. Thiago
também disse algo sobre o filme parecer nos convidar a adentrar um
mundo paralelo. Gosto dessa expressão e registro.
sumário 165
Alcançando o controle remoto, retorno a uma conversa entre
Paula e Sandro, após a morte de Cezar, causada por um acidente de
trabalho, mais para o final do filme. “Não é bizarro”, ela pergunta, “você
acorda de manhã, vem para o trabalho, encontra as mesmas pessoas
de sempre, faz as mesmas coisas de sempre… Aí você entra naquele
inflável que você andou por mais de uma década e morre. É tudo muito
curto. É tudo muito frágil, Sandro”. Silêncio. “Não devia ser mais? A vida
não devia ser mais?”. “Mais o quê?”. “Sei lá, porra. Nós fomos as últimas
pessoas a conversar com o Cezar e agora ele está morto”.
sumário 166
no ritmo sugestivamente erótico do brinquedo. A cada volta, Maicon
cerra os olhos numa expressão de vertigem, abrindo e fechando a boca.
Sandro não sabe se mira as mãos ou o rosto dele, até que relaxa e
passa a olhar em volta, aproveitando o momento. Para Muñoz (2009),
o tempo do êxtase é uma interrupção da temporalidade heterocapita-
lista. Gritos, grunhidos de prazer e momentos de contemplação com-
partilhados são capazes de nos engajar em uma distorção temporal
coletiva, como uma sucção pela qual só podemos nos deixar levar —
em abandono de si. A temporalidade extática proporciona um senso
de movimento sem tempo, de um instante suspenso em que passado,
presente e futuro se unem ou se desfazem. Esse tempo de perdição
tem a habilidade de reescrever a vida cotidiana, como um convite a
desejar diferentemente: “Alguns dirão que tudo que temos são os pra-
zeres deste momento, mas nunca devemos nos contentar com esse
transporte mínimo; precisamos sonhar e performar prazeres novos e
melhores, outras formas de ser no mundo e, por fim, novos mundos”
(p. 1, tradução minha). “A vida não devia ser mais?”.
sumário 167
Ricardo o avista e acaricia Maicon. De repente estão todos nus, dei-
tados na terra. Sandro no meio dos dois, trocando seus beijos entre
Ricardo e Maicon. Os uniformes estão em volta, no chão, com a terra e
as folhas secas. Confusão de braços e pernas. Ao fundo é uma música
de Maria Bethânia. Eles se entrelaçam.
REFERÊNCIAS
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University Press, 2004.
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filme (110 min.). Disponível em: https://globoplay.globo.com/vento-seco/
t/5drTHjfK5J/
sumário 168
11
Capítulo 11
Contra-cisnormatividade e
velhice no audiovisual
Contra-
cisnormatividade
e velhice
no audiovisual
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.11
Nossos modos de con(viver) no mundo são, essencialmente,
produzidos em experimentações. Percebemos gostos, toques, afetos,
sensações e dores. Somos indissociáveis daquilo que nos constitui, in-
cluindo-se o que deixamos de ser. Mesmo que entendidas pelo senso
comum, muitas vezes, como unicamente individuais, as experiências
são movidas e compartilhadas por muitos e diversos dispositivos so-
cioculturais. Entre esses, gênero, sexualidade e geração se mostram
como atravessamentos que movem e instituem arranjos e interpretações
das realidades sociais. Nossas narrativas, portanto, surgem como um
campo instigante no que concerne ao contorno das subjetividades, ao
visualizarmos estas como um emaranhado de lãs, enovelados e envol-
vidos por infinitas linhas outras que podem vir a ser (des)trançadas ou
(des)emboladas. Tais linhas seriam o campo social e como nos consti-
tuímos dentro dele, de forma que beira ao impossível tentar distinguir o
individual do coletivo, ainda que efetivamente possamos acompanhar a
singularidade dos modos como cada um/a se relaciona com o social.
16 A presente escrita utiliza adjetivos gerais no pronome feminino em busca de uma (re)
territorialização de linguagem perante normas pré-estabelecidas.
sumário 170
de significações de narrativas engendradas por práticas performativas
que antecedem as noções mesmas de sujeito (BUTLER, 2018). Portan-
to, observa-se que se consolida o enquadramento e padronização de
vivências e de corpos a partir de normas que nos antecedem. Diante dis-
so, o escopo cisnormativo, em aproximação com aspectos biológicos
e dispositivos biopolíticos17, atravessa e constitui corpos idosos. Ideário
de uma saúde perfeitamente lapidada e de uma vida longeva, solidão,
enquadramentos frente ao considerado belo, íntegro e produtivo são
dispositivos que marcam o (auto)governo na velhice.
sumário 171
possibilidades de habitar obras fílmicas (POCAHY, 2020) que apresen-
tam rotas de dissidência de gênero em intersecção com a velhice20.
ASPECTOS METODOLÓGICO-TEÓRICOS
sumário 172
concepções, ideias e práticas. A produção cinematográfica, sob este
viés, produz e expande territórios, bem como os reconstrói, de modo a
(re)modificar os fluxos sociais em constante movimento e interlocução,
ao acionar e convocar performatividades e agenciamentos de sentidos.
sumário 173
Tal panorama acaba por guiar os mapeamentos e fluxos que
influenciam e participam das experiências idosas e dissidentes de
mulheres/vivências do espectro feminino à normatividade cisgênero.
Busca-se aqui seguir os rastros deixados nos mapas por essas expe-
riências, considerando suas (re)significações e (des)territorializações
perante os mecanismos de biopolítica e normatização. As relações de
norma são analisadas aqui pelos seus efeitos de contestação e coer-
ção; se passa a ser ininteligível e desviante, há um desencaixe, um
desalinhamento à certa medida de inteligibilidade de corpos.
sumário 174
A experiência do envelhecimento, por sua vez, se entrelaça nes-
te cenário. Entendida como uma experiência performativa (BUTLER,
2018; POCAHY; DORNELLES, 2017), a velhice é acompanhada por
um modelo territorializado(r) e fixado(r) de sentidos para determinadas
idades, encontrando-se fortemente relacionada à doença, falta de vi-
talidade e redução de seus contornos pulsionais (TÓTORA, 2013). O
que é, então, a saúde na velhice? Em uma tentativa de não buscar uma
resposta final para a norma, ou uma verdade verdadeira, poderia ser,
pura e simplesmente, fugir à expectativa de uma morte rondante, isto
é, viver novas experiências, sentir sexualidade(s), conjugalidade(s) e
gênero(s), visto que o processo de envelhecer é marcado pela crença
da ausência de tais aspectos. O envelhecimento, bem como o gênero,
acaba por ser reduzido ao caráter biológico, acreditando-se social-
mente que o tempo velho é um tempo-fim, ou tempo-passado, des-
considerando-se que “estar entre a vida e a morte não é somente ao
pé da letra estar próximo da morte, mas, sim, um entretempo durante
o qual tudo pode acontecer” (ibid., 2013, p. 17).
sumário 175
UMA PEDAGOGIA DA (DES)
TERRITORIALIZAÇÃO NO/COM
O CINEMA NACIONAL
sumário 176
mas, sim, como participantes do processo de produção de vida e de
corpos, adentrando-se na (re)significação de desalinhamentos e desar-
ranjos de sentidos do imaginário coletivo. A produção audiovisual tem a
capacidade de manejar o cenário de agenciamentos de desejo e sub-
jetivações, face a sua possibilidade de (re)criar moradas para vivermos
de modos outros, em planos de re-existências éticas, estéticas e polí-
ticas (POCAHY, 2020).
sumário 177
RESULTADOS PRELIMINARES
sumário 178
exualidade(s). Em conjunto com o discurso de Isadora, personagem
de “Bate Coração” (2019), vemos permeada pela veia social a noção
de uma veemente hierarquização de práticas a partir da idade, atribuin-
do-se o diário como um comportamento de adolescente.
sumário 179
CONCLUSÃO
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sumário 182
12
Capítulo 12
Uma Cartografia
da Sexualidade
e Velhice com
a Literatura
DOI: 10.31560/pimentacultural/2023.97082.12
A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo na vida de
grande parte da população brasileira, e, tendo em vista a necessidade
do distanciamento social, houve um movimento de construção e/ou
reaproximação com a literatura, visto que, de acordo com o 11º Painel
do Varejo de Livros no Brasil (2021), o crescimento em volume foi de
33% em comparação com o mesmo período de 2020. Além disso, a
pandemia trouxe consigo também o aumento do uso de plataformas
digitais, como o TikTok, e, dentro dele, foram surgindo diversas “comu-
nidades”, como o chamado BookTok, uma junção de “book”, ou “livro”
em inglês, e “tok”, advindo da palavra “tiktok”, que se tornou um lugar
de interação entre leitores do mundo todo dentro da rede social, incen-
tivando e disseminando o hábito da leitura, levando diversos livros à
lista de mais vendidos por sua influência (BOFFONE; JERASA, 2021).
sumário 184
Sendo obras literárias representações da realidade, em maior ou
menor grau, a depender do gênero, entendo que o estudo da literatura se
faz de suma importância também para a compreensão da forma como
determinadas questões são vistas e retratadas na sociedade, auxiliando
no entendimento das subjetividades que as perpassam e utilizando dis-
so para gerar novos questionamentos e ramificações. Ao tratar de enve-
lhecimento e da sexualidade, pode se mostrar um desafio representar a
velhice nos livros, principalmente se tratando de obras eróticas, já que
essa fase da vida é considerada por muitos como uma despedida da
vida, privando-os da oportunidade de experienciar o amor ou a sexuali-
dade (ALMEIDA; LOURENÇO, 2007), causando certa estranheza ou até
mesmo desprezo por livros que contenham tais elementos combinados.
sumário 185
valoriza o trabalho e condena o ócio, os velhos, sendo vistos como im-
possibilitados de realizar tal atividade, eram julgados como um peso.
Joel Birman (2015, p. 1276) diz:
Transformada que foi em um peso econômico para a família, pois
tinha que ser cuidada, abrigada e alimentada, mas sem conse-
guir produzir em contrapartida recursos econômicos para a famí-
lia, a velhice foi então considerada negativa, representação social
que permanecerá incólume por quase dois séculos no Ocidente.
Em decorrência disso, a inutilidade econômica e social foi trans-
formada ainda em inutilidade moral, pelo novo valor ético assu-
mido pela atividade do trabalho na qualificação da população, no
contexto da sociedade industrial no tempo de sua emergência
histórica. [...] Reduzida a família à escala de duas gerações, aos
pais e aos filhos, os velhos não tinham mais seu “lugar” de direi-
to no campo institucional da família, nela vagando de fato como
corpos que representavam um peso, uma vez que não tinham na
família uma “posição” efetiva, dos pontos de vista “funcional” e
“simbólico”. O que cabia aos velhos era a expectativa da morte
“real”, para materializar a morte simbólica que já acontecera no
espaço social, de forma a delinear o destino concreto e trágico
para o corpo estranho representado pela velhice.
sumário 186
principalmente considerando que o Brasil possui uma população de
maioria cristã (G1, 2020, on-line)
sumário 187
parte da cartografia justamente esse conceito de não neutralidade,
pautado nas sensações e percepções que são experienciadas no seu
campo (ROMAGNOLI, 2009).
sumário 188
É importante pensar, a partir dessa constatada dificuldade duran-
te a busca por obras que contenham a representação da performance
da sexualidade na velhice, o motivo que torna essa procura tão desafia-
dora. O que essa escassez tão clara de materiais que contenham esse
tipo de representatividade diz sobre a sociedade em que estamos inse-
ridos? Quem são as pessoas que produzem e consomem a literatura
e porquê do desinteresse tão evidente por consumir e desenvolver tal
temática? Não se produzem obras desse tipo por falta de demanda? Ou
não há demanda por ser um conteúdo tão escasso e difícil de acessar?
sumário 189
solitárias, que, após uma proposta que parte de Addie, decidem por
passarem as noites juntos, apenas para usufruir da companhia um do
outro, sem objetivos sexuais, segundo a própria, buscando suprir a
solidão que os aflige. Addie diz:
Não, sexo não. Não é essa a minha ideia. Acho que perdi todo
e qualquer impulso sexual já faz muito tempo. Estou falando de
ter uma companhia para atravessar a noite, para esquentar a
cama. De nós nos deitarmos na cama juntos e você ficar para
passar a noite. As noites são a pior parte. Você não acha? (HA-
RUF, 2017, p. 4).
sumário 190
espaço e real protagonismo, principalmente considerando se tratarem
de obras publicadas em épocas em que as mulheres não tinham per-
missão de ter voz, muito menos se fazerem presentes com seus posicio-
namentos e atitudes, ainda assim não é comum que essa característica
seja elaborada quando se trata de uma obra com o protagonismo de
uma mulher velha, ou, pelo menos, eu nunca havia tido contato com tal.
Foi trazida por mim para o grupo uma reflexão sobre a vida
sexual dos velhos e a suposta falta de interesse em sexo, buscando
entender se esse seria um desinteresse genuíno ou uma construção
social, baseada em uma lógica em que a velhice se encontra em um
lugar de sinônimo de privação de algo (TÓTORA, 2013, p.10), e, para
além disso, foi pensado também sobre a visão sexista acerca da se-
xualidade na velhice, e como ocorre um processo de descarte do cor-
po feminino conforme o processo de envelhecimento avança, levando
em consideração a sociedade patriarcal vigente e quão ordinário é ver,
principalmente na mídia, homens muito mais velhos mostrando um cla-
ro interesse em se relacionar apenas com mulheres muito mais novas.
sumário 191
durante as reuniões, identificar e diagnosticar a depressão em pessoas
velhas pode se mostrar um desafio, já que é normalizado que pessoas
velhas sejam mais inativas e reclusas. Ambos possuem filhos já adul-
tos, são viúvos e com um círculo de amizade muito ínfimo, acreditando
que não há mais novas experiências a serem vividas no momento da
vida onde se encontram.
Quem imaginaria que, a essa altura da vida, nós ainda podería-
mos ter algo desse tipo? Que afinal ainda existe, sim, espaço
para mudanças e entusiasmos na nossa vida. E que nós ainda
não estamos acabados nem física nem espiritualmente. (HA-
RUF, 2017, p. 99).
Ah, é?
sumário 192
Estou aproveitando a vida.
Mas, pai, isso não é certo. Eu nem sabia que você gostava da
Addie Moore. Não sabia nem que você a conhecia tão bem as-
sim.
Mas é constrangedor.
O que é, então?
sumário 193
Eu nunca agi assim quando era adolescente. Nunca desafiei
nada. Sempre fiz o que esperavam que eu fizesse. [...] (HARUF,
2017, p. 38-39)
sumário 194
velhice é essa, que é vista como incapaz de produzir. Qual o parâmetro
que permeia essa visão que recai sobre a pessoa idosa? É importante
pensar também o quanto essa perspectiva incapacitante da figura da/o
idosa/o esvazia a singularidade do sujeito, das mais diversas formas que
se é possível performar a velhice, colocando-o em um lugar restritivo e
aprisionador de indivíduo incapaz de existir para além da sua suposta
incapacidade de produzir. Indo ainda mais além nesse pensamento, po-
de-se indagar sobre o porquê da necessidade de se produzir algo para
que se conquiste algum tipo de valor perante a sociedade. É necessário
que, para se ver fora do conceito de inutilidade, deva-se permanecer
produzindo sem que exista uma linha de chegada?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sumário 195
tempo para que novas sensações, sentimentos e vivências possam ser
vividas na velhice. Os/as personagens principais são construídos para
serem imperfeitos, o que possibilita uma identificação ainda maior com
aquele que lê a obra, dando um ar mais realístico à história.
sumário 196
REFERÊNCIAS
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sumário 198
13
Capítulo 13
24 Este capítulo é uma apresentação do que tenho percorrido através da pesquisa de mes-
trado, ainda em andamento, que tem se contornado através de uma cartografia dos iti-
nerários e/em saúde e prazer de mulheres lésbicas com mais de sessenta anos em seus
cotidianos compartilhados com outras mulheres lésbicas idosas.
sumário 200
que a saúde tem fixado apenas como doença, dores e — em dege-
neramento (BIRMAN, 2016) — para viver e agenciar sua sexualidade?
Pode este corpo ser sexualizado, querido, desejado? Estas perguntas
me engolem, se achegam em minhas entranhas e causam, entre tantos
sentimentos, o medo de viver sob domínio de governos que me negam
a possibilidade do prazer e de exercer alguma agência em/como liber-
dade, assim como a de tantas outras pessoas. Seria então o meu futuro
ser uma idosa privada dessas potências?
sumário 201
diagnóstico de inautenticidade. A ausência do falo tornaria este, en-
tão, um processo não apenas de falta, como também de deslegitimi-
dade, o que nos circunscreve em um outro lugar distinto dos homens
gays. São essas legitimações sociais que compõem como pano de
fundo meus medos e minha (quase) coragem, que vem de muitas
outras mulheres lésbicas, para pensar os domínios nas formas de
narrar mulheres lésbicas 60+ que podem e devem ir além das dores,
dos medos e das angústias. Nesse sentido, abro o peito e as per-
nas25, para compreender, junto às interlocutoras, que redes de apoio
podem ser produzidas a partir de e para o prazer. Se a comunidade
LGBTQIA+ tem sido estudada, ouvida sobre suas dores, gostaria de
pensar quais itinerários terapêuticos, quais rotas de vida têm feito
e como a pedagogia do cuidado se faz presente na promoção do
prazer, logo, da saúde. Quais os marcos de cuidado em saúde das
mulheres lésbicas através de seus prazeres?
sumário 202
significativo ponderar que o campo da gerontologia social tendeu his-
toricamente a estudar grupos familiares, especialmente indivíduos he-
terossexuais, caucasianos, considerados através de ideais regulatórios
“bem-educados” e de classes médias. Indo a esse encontro e abordan-
do a constituição do campo de saber gerontológico na Índia, o antropó-
logo estadunidense Lawrence Cohen (1998), por sua vez, afirma que é
o aposentado do sexo masculino (e, poderíamos acrescentar, heteros-
sexual e cisgênero) que tende, de fato, a informar o “velho universal”
enquanto sujeito na/da gerontologia.
sumário 203
Ao citar as divisões por idade, Bourdieu (1983) afirma que é de-
ver do/a sociólogo/a demarcar que elas são uma criação arbitrária,
pois quando os indivíduos são enquadrados nessas categorias, elas
não são as mesmas em todas as sociedades, ou seja, elas represen-
tam uma realidade social específica, estabelecem direitos e deveres
diferentes em cada grupo, determinando o contato entre as gerações e
direcionando as relações de poder. Assim acontece com as categorias
da juventude, da infância, entre outros. Essas categorias são importan-
tes para manter ou modificar a posição dos indivíduos em seu espaço
social de convivência e também para pensar rotas de cuidado e assis-
tência por meio de políticas públicas e intervenções de um modo geral.
A idade cronológica não é o único marcador importante na vida dos
idosos, eventos relacionados a momentos em família ou a transforma-
ções mais gerais também são considerados marcos importantes para
mudanças na vida, afirma Guita Debert (1999).
TRANSFORMAÇÕES
NA CONCEPÇÃO DA VELHICE
sumário 204
sendo encarada como uma fase da vida que aspira cuidados, fardo
para os mais jovens. Sendo assim, estar velho pode ser sinônimo de
feiura, marcado pela ausência de possibilidades afetivo-sexuais e pela
proximidade com a morte. Essa estigmatização daquilo que seria cate-
gorizado como idoso serve como base para estes estereótipos negati-
vos que padronizam os sujeitos. É importante pensar que não estamos
recusando a realidade dos desafios das mudanças cognitivas, das ha-
bilidades físicas, etc. Mas que se está pensando, analisando como é
possível se mover diante desta trama que prende o sujeito apenas à
debilidade, doença, etc. Esforços têm sido reunidos para que haja uma
transformação radical na concepção da velhice naquilo que implica
efetivamente como condição concreta de possibilidade, um aumento
ostensivo da duração da vida, tanto para os homens quanto para as
mulheres, ainda que homens vivam menos por razões de gênero e/ou
pelo imperativo heteronormativo. A cada ano, as pesquisas epidemio-
lógicas, realizadas em escala internacional, indicam indiscutivelmente
essa tendência, de maneira segura e irreversível (BIRMAN, 2016). A
maior “longevidade” é certamente uma das marcas eloquentes das
melhores condições sociais na contemporaneidade — não apenas,
mas principalmente — no Ocidente, de maneira ampla e geral, mas
que não é irrestrita. No entanto, quais corpos têm vivido mais? Quem
tem podido desfrutar dessa longevidade? É indiscutível que as cama-
das sociais mais ricas das populações foram mais privilegiadas nesse
processo da longevidade, comparadas com as camadas sociais mais
pobres, mas e quanto às intersecções? Mulheres lésbicas têm tido
direito a envelhecer? Se considerarmos que pessoas LGBT passam
por ameaças, forte transfeminicídio e outras formas de violência letal
e exclusão, envelhecer é um desafio, o direito a uma vida longeva é,
por si só, um desafio. Recorro aos escritos de Fernando Pocahy (2011)
para pensar como as hierarquias têm criado terrenos propícios para a
produção de vida e produção de morte:
No plano das hierarquias sexuais e das relações de gênero, es-
sas interpelações se destacam a partir da heterossexualidade
compulsória e do seu calendário de reprodução (em que pese
sumário 205
as tecnologias reprodutivas) como uma finalidade e evidência
humana. Essa ficção biopolítica é explicitada sobretudo pelas
fartas representações e movimentos performativos que são
acionados exasperadamente no cotidiano social, expressos em
prescrições populares ou acadêmicas que precisam constante-
mente ser repetidas para a sua “garantia” – como a imposição
do regime familista ou das funções parentais como únicas for-
mas de inscrição do sujeito na cultura. No cotidiano das práticas
psi estas objetificações contam com a comoção interdisciplinar
de campos de saber normativos e moralidades canônicas, fa-
zendo proliferar em teorias e discursos de autoridade a maqui-
naria linguística que reforça o que Judith Butler denomina como
as vidas que valem a pena serem vividas e as vidas que não
importam. (p. 200).
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
O caminho no caminho
sumário 206
melhor qualidade de vida e de saúde? Em um primeiro momento, rea-
lizei uma pesquisa bibliográfica para começar a me inserir no campo
da produção acadêmica sobre a sexualidade de mulheres lésbicas e
como a saúde e o cuidado estariam articulados ou não a ela.
sumário 207
da mercantilização da saúde e da medicalização da vida. Como um
procedimento que visa à prevenção, ao diagnóstico, ao tratamento
de doenças e à reabilitação de pessoas foi agregado ao processo de
intervenção verticalizada e protocolada do médico especialista que,
usualmente, acaba desprezando os elementos de subjetivação do
adoecimento na busca do conhecimento técnico mais produtivo e efi-
ciente para o controle das enfermidades (AYRES, 2004).
sumário 208
Lésbicas), onde tenho podido percorrer espaços que pulsam dor, pra-
zer (saúde) e cuidado promovidos por mulheres lésbicas de diferentes
faixas etárias, que se contornam em uma interessante teia intergeracio-
nal de promoção em saúde. Se o Estado não promove ações de cuida-
do específicas para essa população que tem demandas singulares, há
espaços no que se tem considerado como “sociedade civil”, que tem
se organizado para acolher e produzir cuidados interpessoais na cena
lésbica. O que pretendo compreender com esta pesquisa são os itine-
rários de saúde e prazer nas/das mulheres lésbicas idosas, acompa-
nhando os modos e jeitos de experimentar a sexualidade e o erotismo
em lésbicas 60+ e quais pedagogias, currículos se produzem nestas
afirmações de desejo/cidadania. Há a produção de uma subjetivida-
de adoecida ou adoecedora? O quanto a lesbofobia contribui para o
adoecimento psíquico e social dessas pessoas e o que elas têm feito
como práticas de insurgência? Existe um desenho de saúde feito por
essas mulheres como práticas da pedagogia do cuidado?
sumário 209
maneira como esses corpos serão governados seja pela escola, seja
nos processos de promoção em saúde. O cuidado, ponto central deste
trabalho, tem enfrentado desafios no contexto dos avanços neoliberais
que, com o domínio da biomedicina, está posto em uma realidade da
mercantilização da saúde e da medicalização da vida, logo de nossa
sexualidade. Como um procedimento que visa a prevenção, o diagnós-
tico, o tratamento de doenças e a reabilitação de pessoas, foi integra-
do ao processo de intervenção verticalizada e protocolada do médico
especialista que, geralmente, acaba desprezando o elemento subjetivo
do adoecimento “na busca do conhecimento técnico mais produtivo e
eficiente para o controle das enfermidades”.
sumário 210
É neste sentido que compreendo as categorias gênero e sexuali-
dade, inspirada na sensatez de pensar os fenômenos para além do que
as categorias limitam e podem trazer de prejuízo para nossas análises,
uma vez que desejar não pode ser “apenas” um conjunto de hormônios
que reagem entre si ou produto das construções estéticas e políticas.
Amar, gozar, estabelecer relações afetivas com amigos, família, também
é exercer poder, o que pressupõe uma ética e estética. Não amamos
qualquer pessoa, não desejamos qualquer pessoa, existe um longo
processo social sobre nossos afetos, mas eles não atuam sós em nós.
Evoco a filosofia de Latour (1994) no intuito de recolher instrumentos
para pensar a invenção da oposição estabelecida entre os registros da
“natureza” e da “cultura”, na constituição evolutiva do ser.
sumário 211
mas também na incidência de processos degenerativos das raças e
das sociedades, que se desdobrariam na hierarquia evolutiva existente
nestas e naquelas (BIRMAN, 2015).
sumário 212
sim de entrevistas que, apesar de semiestruturadas e com uma inten-
ção de condução, darão espaço para que eu possa entender a partir
de suas trajetórias e de suas próprias elaborações sobre si e sobre
seus itinerários de prazer/saúde — como idosas lésbicas têm conse-
guido existir e insurgir através do que são e do que querem ser e fazer
com seus corpos, seus sentimentos, seus desejos.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Ludgleydson Fernandes; CARLOS, Karolyna. Sexualidade na
velhice: um estudo sobre o envelhecimento LGBT. Psicología, Conocimiento
y Sociedad 8(1), Montevideo, p. 218-237, 2018.
AYRES, José Ricardo. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as
práticas de saúde. Saúde Soc. São Paulo, 13(3), p. 16-29, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU,
Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.
BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco
Zero Limitada, 1983.
BIRMAN, Joel. Terceira idade, subjetivação e biopolítica. História, Ciências,
Saúde-Manguinhos (impresso), Rio de Janeiro, v. 22, p. 1267-1282, 2016.
DEBERT, Guita. A Reinvenção da Velhice: socialização e processos de
reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo: Fapesp, 1999.
DORLIN, Elsa. Sexo, gênero e sexualidades: Introdução à teoria feminista.
São Paulo: Ubu Editora, 2021.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Paris: Gallimard, 1976. .
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica.
Tradução de Carlos Irineu da Costa. 1°ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
NESPOLI, Grasiele et al. Por uma pedagogia do cuidado: reflexões e
apontamentos com base na Educação Popular em Saúde. Interface -
Comunicação, Saúde, Educação [online], Botucatu, 24, p. 1-14, 2020.
POCAHY, Fernando. A idade um dispositivo. A geração como performativo.
Provocações discursivo-desconstrucionistas sobre corpo-gênero-
sumário 213
sexualidade. Polis e Psique, Porto Alegre, Vol. 1, Número Temático, p. 195-
211, 2011.
RIBEIRO, Renata Correa; ABDO, Carmita Helene Najjar; CAMARGOS,
Einstein Francisco. Lésbicas, gays e bissexuais idosos no contexto do
envelhecimento. Geriatrics Gerontology and Aging, Vol. 10, Num. 3, p. 158-
63. Rio de Janeiro, 2016.
SOARES, Jhonson. Nada Continua Como Está. In: BRASIL. Ministério
da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento
de Apoio à Gestão Participativa. De sonhação a vida é feita, com crença
e luta o ser se faz: roteiros para refletir brincando: outras razões possíveis
na produção de conhecimento e saúde sob a ótica da educação popular
/ Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa,
Departamento de Apoio à Gestão Participativa. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2013.
sumário 214
Sobre o organizador
Fernando Pocahy
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
lotado no Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino da Faculdade de
Educação e vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd)
e ao Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (PPGPS); Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq (nível 2), Jovem Cientista do Nosso Es-
tado (FAPERJ) e Procientista (UERJ-FAPERJ). Coordenador do geni - estudos
de gênero e sexualidade.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7884-4647
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0341333007755425
E-mail: [email protected]
sumário 215
Sobre as autoras e autores
Aline Correia Martins
Cientista Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mestre e Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd/
UERJ) focando a pesquisa nas intersecções de gênero, sexualidade e raça em
espaços educacionais. Bolsista CAPES. Pesquisadora do geni - estudos de
gênero e sexualidade. Professora de Sociologia do Seeduc/RJ.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5114-1562
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2622116359010703
E-mail: [email protected]
sumário 216
Beatriz Penha França Gonzaga
Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Bolsista de Extensão - Proext-UERJ, vinculada ao grupo de estudos de gênero e
sexualidade (geni).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5342829462542525
E-mail: [email protected]
sumário 217
Jéssica Pereira Da Silva
Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mes-
tranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (PPGPS/UERJ). Atua como psicóloga clínica e
pesquisadora integrante do grupo de pesquisa geni - estudos de gênero e
sexualidade.
Orcid: https://orcid.org/0009-0007-4494-1063
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6387231589366944
E-mail: [email protected]
sumário 218
Índice Remissivo
C G
ciências humanas 19, 36, 46, 72 gênero 11, 12, 15, 19, 25, 26, 28, 30, 39,
corpos 15, 16, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 45, 54, 56, 65, 74, 75, 77, 80, 81, 82, 83,
27, 28, 31, 32, 41, 53, 54, 56, 75, 113, 114, 84, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 93, 94, 96, 97,
115, 142, 149, 150, 155, 160, 162, 166, 100, 101, 103, 104, 106, 107, 110, 111,
171, 173, 174, 176, 177, 180, 186, 200, 116, 117, 118, 119, 120, 123, 125, 126,
201, 205, 208, 210, 212, 213 127, 128, 129, 133, 134, 135, 136, 137,
cultura 12, 54, 81, 82, 86, 89, 90, 91, 92, 141, 143, 148, 158, 170, 171, 172, 173,
99, 100, 101, 107, 123, 158, 164, 177, 182, 174, 175, 178, 180, 181, 182, 185, 186,
202, 206, 210, 211 188, 196, 200, 203, 205, 209, 210, 211,
213, 215, 216, 217, 218
E
H
educação 11, 12, 13, 14, 15, 16, 32, 33,
35, 46, 56, 65, 66, 69, 73, 77, 78, 81, 82, heterocissexista 52
86, 88, 89, 91, 92, 93, 94, 97, 102, 103, heterossexual 51, 52, 53, 84, 85, 203
104, 106, 107, 110, 114, 118, 119, 121, L
122, 123, 124, 125, 126, 127, 129, 132,
lésbica 15, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 58,
135, 136, 138, 139, 142, 145, 146, 148,
59, 60, 70, 72, 73, 77, 78, 133, 200, 208,
150, 151, 152, 172, 181, 182, 198, 214
209
ensino superior 32, 35, 76
LGBTI+ 62, 64, 70
envelhecimento 15, 123, 125, 128, 129,
literatura 16, 57, 59, 62, 67, 70, 78, 184,
130, 131, 133, 136, 137, 138, 139, 140,
185, 187, 188, 189, 190, 195, 196
141, 142, 144, 145, 146, 148, 149, 150,
152, 171, 172, 175, 178, 179, 182, 185, M
187, 188, 189, 191, 195, 196, 198, 200, machismo 31, 106
202, 203, 204, 206, 207, 210, 211, 212, mulher 15, 19, 22, 25, 26, 31, 38, 48, 50,
213, 214 51, 52, 55, 56, 58, 70, 72, 83, 85, 90, 94,
étnico-raciais 21, 26 105, 114, 133, 171, 191, 193, 194
F mulheres lésbicas 50, 53, 56, 57, 58, 69,
200, 202, 206, 207, 208, 209, 212
feminismo 19, 22, 26, 33, 67, 74, 75, 77,
mulheres negras 20, 22, 23, 24, 26, 27, 30,
84, 87, 91, 111, 113, 114, 121
31, 32, 35, 37, 38, 40, 47, 75, 78
sumário 219
N 128, 129, 133, 134, 135, 136, 141, 143,
negra 19, 22, 25, 30, 33, 35, 36, 38, 44, 152, 170, 171, 172, 175, 178, 181, 182,
48, 77, 142, 151 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 194,
195, 196, 197, 198, 200, 201, 203, 204,
P 207, 209, 210, 211, 213, 214, 215, 216,
patriarcal 52, 55, 83, 87, 191, 194 217, 218
políticas públicas 27, 63, 64, 123, 124, social 12, 14, 19, 20, 31, 36, 50, 51, 52,
125, 130, 141, 144, 147, 148, 158, 204 53, 54, 60, 78, 83, 85, 89, 90, 92, 94, 97,
professoras de crianças 61, 62, 66, 73 98, 99, 106, 112, 114, 115, 120, 121, 123,
psicologia 60, 109, 110, 111, 113, 115, 124, 127, 129, 131, 140, 143, 144, 146,
116, 117, 119, 120 148, 151, 156, 158, 159, 165, 170, 172,
173, 174, 175, 179, 180, 181, 184, 185,
R
186, 187, 190, 191, 203, 204, 206, 207,
racismo 21, 23, 24, 26, 29, 30, 31, 32, 33, 208, 209, 211
35, 37, 48, 62, 74, 75, 77, 97, 121, 142,
151 V
racista 19, 29, 52, 74 velhice 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130,
reflexão 19, 20, 28, 38, 45, 104, 106, 133, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 140, 141,
139, 141, 144, 149, 175, 191, 195, 196 143, 145, 148, 149, 150, 152, 169, 171,
regionalidade 19, 25 172, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182,
185, 186, 187, 188, 189, 191, 192, 194,
S
195, 196, 198, 203, 204, 205, 211, 212,
sexismo 29, 31, 91 213
sexualidade 11, 12, 15, 16, 19, 25, 30, 36, violência 16, 29, 63, 64, 84, 86, 87, 90, 91,
39, 52, 53, 54, 55, 56, 65, 67, 73, 74, 75, 142, 143, 163, 164, 205
77, 80, 81, 82, 84, 91, 107, 110, 111, 113, vítimas 19, 31
117, 118, 119, 120, 121, 123, 125, 127,
sumário 220