34830-Texto Do Artigo-117218-1-10-20120924
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1- Considerações Iniciais
é um fenômeno distinto, cuja a duração pode ser longa, como foi a Grande
Depressão algumas décadas atrás.
A Grande Depressão da década de 1930 foi um dos eventos históricos
que marcaram o século XX e que cujos efeitos estenderam-se até o século
atual. Essa crise continua sendo associada ao crash da bolsa de Nova York
em 1929. Mas a questão principal a ser explicada não é o estouro da bolha
especulativa no mercado de ações, um fenômeno conhecido e bem estudado,
mas como a recessão de 1929 transformou-se na depressão da década de 1930,
que se espalhou pelo mundo, gerando pânicos bancários, como o de 1931,
gerando crises políticas em vários países e, finalmente, mantendo uma taxa
de desemprego sem precedentes por cerca de uma década, até o advento da
Segunda Guerra Mundial.
Esse fenômeno teve conseqüências no desenvolvimento da Teoria
Econômica e na criação da ordem econômica internacional do pós-guerra. Por
ocasião de sua eclosão, o que é hoje chamado de macroeconomia resumia-se
a dois temas pouco integrados teoricamente: a teoria monetária e a teoria dos
ciclos econômicos. Uma primeira conseqüência dos estudos sobre a Grande
Depressão foi o surgimento da Macroeconomia, que integrou esses temas,
e formulou modelos teóricos para mensurar o desempenho da economia,
que agora são de conhecimento corrente inclusive do público em geral, sem
qualquer formação em economia, como PIB, Renda Nacional, Balanço de
Pagamentos e outros.
O debate econômico no século XX foi pautado por questões trazidas
pela Grande Depressão. Problemas econômicos revelados pela depressão
levaram ao surgimento da Revolução Keynesiana na década de 1930 e 1940.
Essas questões alimentaram os debates entre os Keynesianos e os Monetaristas
nas décadas de 1950 e 1960. Elas foram importantes para o surgimento da
corrente de Expectativas Racionais na década de 1980, que se opunha aos
instrumentos de gestão da economia keynesianos, e para os debates entre os
Novos-clássicos e Novos-keynesianos na década de 1980. Finalmente, na
última década do século, o liberalismo voltou a ter a mesma proeminência, na
academia e no governo, que tinha antes da Grande Depressão.
Apesar da década de 1990 não ter sido desprovida de crises
financeiras, os efeitos desses novos fenômenos eram maiores nos países em
desenvolvimento do que nas economias industriais avançadas. Essas crises
eram vistas como problemas para o novo debate sobre Globalização Econômica,
e de uma Guerra Mundial. Mas, a crise atual, que não terminou, é uma grande
incógnita. Tal como a crise na década de 1930, embora originada nos EUA,
tornou-se uma crise mundial. A instabilidade econômica e financeira que vive
atualmente os países europeus, principalmente, mas não exclusivamente,
aqueles que participam da zona do Euro, é apenas um momento num processo
em que há mais dúvidas do que respostas.
No entanto, a crise econômica está, ainda, em andamento não
podemos determinar sua extensão, profundidade e duração. A história dos
fatos contemporâneos é sempre um desafio para os historiadores. Agnes
Heller define tempo como “a irreversibilidade dos acontecimentos” e tempo
histórico como “a irreversibilidade dos acontecimentos sociais.”910 Sendo dado
o passado, podemos estudá-lo, interpretá-lo, compreendê-lo. Mas o futuro só
pode ser inferido. E mesmo conhecendo-se o passado e estudando-se o presente,
nossa capacidade de projetar o futuro é limitada - e como descontinuidades
não podem ser previstas - o futuro é ontologicamente incerto. Portanto, ao
comparar a crise atual com a crise passada não pretende-se tirar conclusões
sobre o futuro, mas apenas interpretar o passado e refletir sobre o presente.
Portanto, o objetivo deste ensaio é singelo: discutir interpretações sobre crise
atual, comparando-as com as realizadas sobre a depressão da década de 1930.
Nesse sentido, pretende-se mostrar semelhanças e diferenças entre os dois
momentos históricos e trazer algumas reflexões sobre a dinâmica do processo
atual.
2122Esse tipo de crise econômica, embora possa ter semelhanças, não são idênticas as analisadas por
Minsky. No caso, essas crises assemelham-se a interessante extensão do modelo de Minsky realizada por
Palley, 2011, que propôs uma teoria de super-ciclos. No caso, o autor propõe um modelo em que as crises
financeiras são analisadas em um contexto de longo prazo, onde após uma sucessão de crises curtas,
aparecem condições econômicas e institucionais que produzem uma crise financeira de maior porte.
da década de 1930 foi limitada nos EUA, sendo que o New Deal não foi
formulado a partir de uma visão keynesiana do mundo. A principal diferença
da administração que sucedeu Hoover em 1933, não foi a menor preocupação
com o equilíbrio orçamentário, mas o compromisso da implementação de uma
agenda de reformas. O liberalismo reformista, termo cunhado por Roosevelt, é
a marca do governo liberal que até hoje influencia o debate político nos EUA.
As mudanças na política econômica no primeiro governo Roosevelt foram
motivadas por uma percepção da necessidade de reformas. Homem público
hábil e arguto, Roosevelt buscou alternativas econômicas para implementar
uma agenda que era associada ao movimento reformista, que tinha inspiração
mais institucionalista, particularmente vebleniana, do que keynesiana.4041
A influência de Keynes na interpretação da Grande Depressão e no
estabelecimento de políticas públicas no EUA só deu-se na sua plenitude
durante a Segunda Guerra Mundial, quando a obra de keynesianos norte-
americanos, como Hansen, ficaram populares. Mas o grande impacto do
pensamento Keynesiano foi na formulação da ordem econômica no pós-guerra.
A construção do sistema de Bretton Woods se dará a partir da interpretação
de que o sistema monetário internacional baseado no padrão ouro foi uma das
principais causas da forma, extensão e amplitude da Grande Depressão. O
impacto da crise teria afetado toda a economia mundial, contribuindo com a
desorganização das economias européias que levou a ascensão de governos
fascistas e ao acirramento das relações econômicas internacionais e das
rivalidades nacionais que contribuíram para a eclosão da Segunda Guerra
Mundial.
Por outro lado, as interpretações da Grande Depressão fornecem a
matéria prima do surgimento da macroeconomia moderna. A interpretação
de Keynes da depressão, no capítulo 22 da Teoria Geral, foi desafiada com
o livro de Friedman e Schwartz, que segundo Friedman pretendia resgatar
o monetarismo da atrofia e da caricatura de uma teria econômica que teria
4041A American Economic Association organizou em 1972 um debate com acadêmicos e ex-funcionários
públicos que participaram da formulação do New Deal e ocuparam postos públicos nesse período. Nesse
debate mostrou-se que a principal influência de idéias keynesianas no Federal Reserve foi Marriner
Ecles, que levou como assessor, vindo do Tesouro, Lauchlin Currie, um dos primeiros policy Makres
que percebeu as relações entre assuntos fiscais e monetários. Allan Sweezy e Keyserling, participantes
do debate, argumentaram que a influência das idéias de Keynes foi limitada, sendo que os chamados New
Dealers eram essencialmente funcionários públicos, muitos advogados, que eram pragamáticos e sensíveis
a questões políticas, seno que o aumento do gasto público era visto como um mecanismo de azeitamento da
máquina (na expressão da época: pump priming) e não um instrumento permanente de política econômica.
Este debate é descrito em detalhes em Prado, 2009.
5- A Grande Recessão
perdesse importância.
O sistema financeiro mundial caminhava de uma forma estranha.
Se por um lado havia a preocupação de aumentar a segurança dos bancos,
o que levou aos Acordos de Capital de Basiléia, por outro lado, pouco se
fazia para restringir as atividades das empresas financeiras não bancárias.5556
Mas, os bancos cada vez menos obtinham seus ganhos no spread na atividade
tradicional bancária de realizar empréstimos baseados nos depósitos de seus
clientes. O negócio evolui para os chamados full-Service banking, ou seja,
bancos universais com diferentes linhas de negócio - varejo, investimento,
seguro, gestão de ativos, gestão de fundo de pensão, operação com securities,
desenho e corretagem de lançamento de securities etc. Portanto, os bancos
tornaram os organizadores e formuladores de ativos financeiros que eram
vendidos no mercado de capitais para instituições bancárias e não bancárias,
ou seja, para investidores institucionais, para outros bancos, Hedge Funds,
Private Equity funds etc.5657
Essa nova forma de organização do negócio bancário tornou
vulnerável toda a estrutura financeira do país a um crash no mercado de
securities. Nessas condições, a bolha do subprime e seu estouro, em 2007,
desencadeou uma crise bancária em outubro de 2008, que afetou não apenas
a economia norte-americana, mas através dos mecanismos da globalização
financeira, a economia de todos os países industriais avançados.
Empréstimos subprimes podem ser definidos simplesmente como
aqueles com elevado risco de crédito. Enquanto que no mercado regular
tomadores de empréstimos hipotecários devem demonstrar capacidade de
pagamento e uma história de crédito positiva, os tomadores subprime são
aqueles que não têm esses predicados. Esse tipo de operação cresceu 25%
por ano entre 1994-2003, aumentando dez vezes em 9 anos, sendo que
mais da metade desses tomadores eram minorias, particularmente negros e
hispânicos57.58.
Esses empréstimos, muitas vezes realizados originalmente por bancos
locais, não eram mantidos na tesouraria dessas instituição. No passado, quando
um cliente ficava inadimplente, os bancos assumiam o risco da operação.
Portanto, operavam com a cautela necessária para evitar um crescimento da
5556Para uma discussão sobre os Acordos de Basiléia e sua aplicação no Brasil ver Prado e Monteiro filha, 2009.
5657Ver Silva et alli, 2010, pp.9-10.
5758Dados do Federal Reserve Bank, 2004.
5859Ou seja, não conseguem atender as chamadas Margin Calls, fenômeno similar ocorrido em muitos
empréstimos para aplicação na Bolsa de Valores no caso do crash de 1929.
5960Ver Morris 2008, p.ix.
7 - Conclusão
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