Relações Amorosas Nas Redes Sociais
Relações Amorosas Nas Redes Sociais
Relações Amorosas Nas Redes Sociais
Resumo: Atualmente, as formas de se relacionar vão além do mero contato face a face.
O indivíduo contemporâneo, apresenta um estilo de vida acelerado e busca existir em
um mundo virtual que lhe proporciona conexão a qualquer hora e lugar. Espaço e tempo
não são mais limites para a comunicação, as relações têm se constituído a partir de
aplicativos, causando uma transformação no modo de ser vistopelo outro. Este trabalho
busca proporcionar uma reflexão sobre essas transformações e como afetam as relações
do sujeito contemporâneo, a partir de um olhar fenomenológico-existencial para o
projetode ser. A partir de uma revisão bibliográfica, contextualiza-se o surgimento das
redes sociais e o indivíduo atual, e como ambos se relacionam ao produzir uma nova
possível forma de se relacionar amorosamente.
Palavras-chave: Redes sociais; Autenticidade; Relações; Existencialismo
Abstract: Presently, the ways of interrelate go beyond a simple contact face to face.
The contemporaneous individual, with a accelerated lifestyle, seek to exist in a virtual
world that provides ita conection anytime and anywhere. Where space and time are not
limits to communicate, relations have grown out of apps, technological networks,
causing a transformation in the human being’s way to be seen. This article seeks to
elucidate these transformations e how they affect the contemporaneous subject’s
relations through a existential-phenomenological view of the original project. Through
a literature review, we contextualized the outbreak of social networking and the current
subject, and how both relate when producing a new possible way of interrelate
amorously.
Keywords: Social networking; Authenticity; Relations; Existentialism
1
Acadêmica em Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR).
E-mail: [email protected]
2
Acadêmico em Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR). E-mail: [email protected]
3
Docente em Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR). E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
O sujeito contemporâneo depara-se com novas e modernas formas de se
relacionar e se comunicar, o que resulta em novas formas de ser. Através do uso das
ferramentas conhecidas como redes sociais, deixamos de conviver apenas em um espaço
físico para fazê-lo também – se não de forma mais frequente – nas redes tecnológicas.
Este trabalho busca compreender como esse indivíduo contemporâneo tem seu projeto
de ser afetado pelas novas formas de relacionamento e, em especial, como as relações
são mediadas pelas redes sociais, construídas, muitas vezes, em um paradigma frio,
individualista e permeado por inúmeras contradições.
A internet e suas ilimitadas possibilidades de comunicação abriram um amplo
leque de sites informativos, de busca e também de relacionamento. Há o surgimento
constante de novos aplicativos, recursos e tecnologias que se tornam parte do cotidiano
das pessoas, cujas presenças podem ser notadas na vida pessoal, acadêmica e
profissional, aparecendo, principalmente como meio intermediário de conexão e
relacionamento com o mundo e com os outros. Segundo Zahdi (2015) é por volta de
1970 que surgem sistemas simples de trocas de mensagens, mas por serem os
precursores de sua época, podem ser consideradas revolucionários. Em 1995 surgem
redes mais próximas às existentes hoje, entre elas o Classmates – criada para contatar
colegas de escola, trabalho ou de serviço militar e que permitia troca de músicas, filmes
e anuários escolares – e o Sixdegrees – voltada para a listagem de amigos, familiares e
conhecidos, permitindo troca de mensagens e publicações nos murais de amigos, o que
a faz ser semelhante às redes atuais. Ambas tinham como objetivo proporcionar a
reaproximação de pessoas conhecidas, possibilitando a manutenção ou reestruturação
do contato entre elas. Houve grande adesão da população a esses espaços virtuais, o que
impulsionou o surgimento de novasferramentas, que agora expandiram-se para além do
espaço pessoal e atingiram áreas diversas da vida cotidiana, como a profissional.
(ZAHDI, 2015)
É importante diferenciar dois importantes conceitos sobre o tema, já que o
significado adotado ao longo do trabalho restringe-se a um deles. As redes sociais dão
ênfase à interação social, permitindo um contato direto entre os usuários e,
consequentemente, favorece uma maior intimidade entre eles. Já mídia social é um
gênero, que comporta a espécie rede social, de tecnologias da comunicação que engloba
um contexto amplo de atuação, funcionando de forma descentralizada. (FERREIRA,
2011). Logo uma mídia social que conta com dispositivos que permitem uma interação
social pode ser também uma rede social, tendo um foco maior em um ou outro.
Segundo Ferreira(2011, p. 213):
Para a pesquisa foram utilizados artigos sobre as redes sociais, além de artigos e
livros que tratam sobre o sujeito pós-moderno e suas relações. O objetivo principal é
compreender o sujeito contemporâneo complexo, influenciado pelas redes sociais, e suas
relações amorosas através de uma visão fenomenológico-existencial, voltada para o
projeto de ser e sua constituição subjetiva em contato com o mundo virtual e o que este
lhe proporciona, discussão que não se esgota nas reflexões apresentadas. Nesse sentido,
o trabalho justifica-se pela necessidade de ampliar a compreensão das relações afetivas
e como a autenticidade pode ser influenciada pelas mudanças advindas de uma nova
forma de vida, permeada pelas redes sociais. O homem inserido no processo de
constituição de seu ser depara-se, cada vez mais, com uma dinâmica de relação
fundamentada em redes sociais, já que essas estão muito presentes no cotidiano. Nesse
contexto, o sujeito pós-moderno vê-se ilimitado quanto ao tempo e ao espaço
(PORTELA, 2008), porém, com o risco de desenvolvimento de dependência pelo
4
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
excessivo centramento delas em todas as áreas de sua vida. Dessa forma e pela crescente
expansão das relações virtuais na vida contemporânea, busca-se gerar uma reflexão
acerca das novas formas de relacionamento amoroso, a partir da influência das redes
sociais na vida do homem pós-moderno.
Estamos condenados a ser livres. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso
expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado,
porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi
lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. (SARTRE, 1987, p. 7)
Perdigão (1995) destaca que, ao ser objetificado pelo olhar do Outro, adquiro
conhecimentosobre mim, assim tudo o que sei sobre mim, passa pelo Outro. Este sendo
nosso mediador sobre nós mesmos, se estiver sozinho no mundo, o homem não poderia
aferir nada sobre si, o juízo do Outro é o que me apresenta ao meu ser objetivo. Sendo
assim, o reconhecimento sobre meu caráter e meu modo de ser dependem de um outro
olhar. Logo, o Outro faz-me capaz de ver o meu eu de uma forma que sozinho não seria
capaz. O autor afirma que, ao me reconhecer como Para-Si de projetos, o Outro mevê
como um Em-Si acabado e finito, objetifica-me ao mesmo tempo que me reconhece
como consciência. O olhar do Outro me limita, petrifica, coisifica e atribui
características Em-Si, e por isso detém o meu Ser objetificado, totalizado. O ideal Em-
Si-Para-Si – totalização que não me tira a capacidade de ser consciência (PERDIGÃO,
1995) – é inatingível, pois dependo do Outro para ser objeto, o que impede que o meu
Para-Si coincida com o meu Em-Si. Sendo assim “a multiplicidade das consciências
(alteridade) representa o inacabamento da realidade humana: a minha totalização como
Em-Si-Para-Si encontra-se à distância, inatingível, na subjetividade do Outro”
(PERDIGÃO, 1995, p. 145). Como Sartre (1944) afirma “o inferno são os outros”, pois
não posso me fazer como quero sem passar, primeiro, pelo crivo do olhar do Outro,
ficando a mercê de seus juízos e tendo minha liberdade, sobre mim e o sobre o mundo,
limitadas pela liberdade do Outro.
congelamos de frio. As redes sociais se apresentam como uma possível solução para os
impasses gerados pela relação com o outro, já que permitem certo controle sobre a
proximidade. Porém, ao mesmo tempo que a conectividade permite às pessoas
aumentarem seus contatos virtuais, pode causar um afastamento do mundo real
(KARNAL, 2018). Isso se confirma ao notar, no cotidiano contemporâneo, um número
maior de pessoas dispersando atenção a aparelhos eletrônicos do que mantendo contato
pessoal com outras pessoas, fenômeno que ocorre mesmo em lugares que deveriam
propiciar socialização.
Como Portela (2008) elucida, temos um novo sujeito formatado na pós-
modernidade, que caracteriza-se como sendo isolado e não-relacional. Este tem sua
identidade fragmentada e instável, pois segue um ritmo acelerado de vida em que é
bombardeado por estímulos de vários tipos, por vivenciar um ambiente global e local
intimamente ligados. Deste modo, a subjetividade do indivíduo é construída a partir do
mesmo movimento. Segundo o autor, nos deparamos com “Um sujeito imediatista e
hedonista, cada vez mais globalizado e mais desmaterializado, tornando-se cada vez
mais virtual, etéreo, a cada dia mais distante do outro concreto, da vida concreta, da
relação face a face” (p.133)
O autor ainda afirma que não há a construção de uma identidade estável, pois o
sujeitopós-moderno é líquido e desprovido da capacidade de se relacionar com o real, e
consequentemente de se construir a partir disso. Dessa forma, o ser acaba por construir-
se através de seu contato com recortesde informações, que logo se evanescem e têm seu
lugar tomado por outros conteúdos, ou seja, o ser nunca se detém a uma só realidade. O
ser humano, como ser gregário, sempre precisou do outro. Uma vez que existimos
através dele e é dele que precisamos para termos um referencial de mundo e uma
confirmação de nós mesmos, é a partir do encontro com o outro, da facticidade de um
para-si-para-outro, que um ser define quem é (PERDIGÃO, 1995). Entretanto, na
relação com o outro, há presença frequente de sentimentos como medo e angústia. Isso
ocorre pois relacionar-se com um Outro implica em se deparar com uma outra liberdade
que não a minha. Mesmo que o estudo da consciência aconteça de forma isolada, o para-
si, ela não existe sozinha no mundo mas sim “cada homem existe no mundo com outros
homens” (PERDIGÃO, 1995, p. 136). Sendo assim, existimos juntamente ao Outro e
somente com ele eu me objetifico, torno-me algo além de pura subjetividade e sou
definido.
Sem o Outro eu nada seria além de uma infinidade de possibilidades (ERTHAL
E VERÍSIMO, 2015). Esse processo materializa-se nas relações, inclusive nas amorosas,
quando o indivíduo busca completar-se através da escolha de estar com alguém que
preenche sua falta. Há uma dualidade contraditória na relação com o outro, pois ao
mesmo tempo que o Outro me define (gerando certa petrificação) e gera angústia em
mim por isso, sua ausência me gera falta e incompletude (PERDIGÃO, 1995). A
petrificação do ser no olhar do outro gera limitação e apreensão da liberdade. Dessa
forma o Outro me completa, mas ao mesmo tempo me apreende. Perdigão (1995) afirma
que o Para-Si-Em-Si que buscamos só é possível no olhar do Outro, pois, “o Outro, que
me constitui como sujeito-objeto, possui aquilo que me falta para totalizar meu Ser” (p.
145), já que o meu Em-Si depende de outra consciência que não a minha. É a partir disso
que Sartre (1944), na peça Entre quatro paredes, postula que o inferno são os outros. O
Outro me completa mas assalta o meu ser, limitando-o e me alienando de minha
transcendência. Para Perdigão (1995), é a alteridade de consciências que sustenta o
inacabamento do Ser. Portanto o Meu Para-Si-Em-Si só é alcançado através do Outro.
Como já explicitado, as relações produzidas entre o eu e o outro são afetadas pelo
novo meio pós-moderno, isso inclui as relações amorosas. Apesar de ser uma esfera
virtual, o indivíduo tende a procurar ser aceito por outros, e, buscando preencher sua
falta, pode recorrer a criação de um perfil nas redes sociais com certa modelagem de sua
imagem. Normalmente esse perfil (que também pode ser considerado um personagem)
tende a ser-para-outro, pois busca atender às expectativas que o sujeito acredita que o
outro tenha sobre ele ou atender a um ideal de aceitação construído socialmente. Em
diversos casos a pessoa busca satisfazer esse objetivo através de fotos editadas,
postagens e mensagens pensadas intencionalmente antes de serem enviadas ou uma
descrição biográfica forjada. O sujeito pode até satisfazer sua intenção de ser visto e
aceito, porém é necessário ressaltar que é um processo sintético, que acontece em um
virtual onde existem edições que na realidade face a face não existem. Neste processo
de esculpir um perfil na rede, o sujeito pode procurar reafirmar a importância de sua
existência, sua aceitação perante o outro (ERTHAL E VERÍSSIMO, 2015). Isso pode
ser desencadeado por uma escolha de ser-para-outro.
O sujeito contemporâneo vive cercado, mesmo que virtualmente, de pessoas. A
amizade tem um significado construído de acordo com o momento histórico, político e
cultural e, além disso, cada ser pode elaborar um sentido individual para a mesma. Dessa
forma, não existe um modelo de amizade correto, sendo o indivíduo responsável pela
moldagem da relação em que ele está inserido e vivenciá-la de acordo com tal. Isso
também acontece nas relações amorosas, pois, assim como a amizade, cada relação
amorosa possui características próprias e desencadeiam vivências que propiciam a
elaboração de um sentido individual. Karnal (2018, p.37) constata que, seja qual for
o cenário histórico, amizade requer tempo, já que “amigos demandam história,
repertório de casos, vivências em conjunto”. Porém, atualmente, há pouco dispêndio de
tempo nas relações, já que ele é gasto com outros estímulos próprios da
contemporaneidade. Isso gera uma superficialidade nas relações uma vez que não se
gasta o tempo necessário para seu aprofundamento. Vivemos cercados de pessoas, mas
não necessariamente estabelecemos laços duradouros.
mas, apesar disso, constantemente somos objetificados pelo outro, o que impede que ele
nos olhe como uma forma espontânea de nossa consciência (ERTHAL E VERÍSSIMO,
2015). Contudo o pensamento não é passível de análise a não ser que seja expresso.
Nas redes sociais, torna-se possível construir uma imagem que agrade o outro, já
que é possível a manipulação do ambiente virtual. Dessa forma torna-se simples fugir
de situações desagradáveis ou vergonhosas que não atendam às supostas expectativas
do outro. Porém, essa visão pauta-se na objetificação do outro, configurando-se como
um olhar petrificado e recortado dele (PERDIGÃO, 1995). A partir de uma fala, um
gesto de aprovação ou desaprovação, moldo-me para contemplar o lugar de amado ou
aceito. Barata afirma que
O outro é como um buraco negro enquanto o tenho como meu objecto, mas
um buraco negro que me sorve todo o domínio que tenho sobre o meu próprio
mundo de possibilidades a partir do momento em que é dele que parte a
atenção e em que sou eu que me deixo ser seu objecto de tematização
(BARATA, 2008, p. 306)
[...] a vida imaginária é uma ilusão perigosa que consiste em querer suprir a
falta de ser não por um retorno ao Ser mesmo e ao real, mas pela criação de
um pseudo mundo sem espessura, modelado por nosso desejo, distinto do
mundo real e de outra natureza. As duas grandes teses que Sartre chega na
"vida imaginária" são assim, de uma parte, que o imaginário é um irreal puro,
que não existe um mundo imaginário [...] e, de outra parte, que a via
imaginária é uma fuga e aqueles que a preferem o fazem por ódio ao real, por
medo de afrontar as resistências de uma transcendências efetiva [...]
(DUFOURCQ, 2010 apud CASTRO, 2012, p. 146)
essa forma de me ver através do outro não está correta ou completa. Apenas
me vejo através de como vejo que o outro me vê, da forma que ele externaliza.
Não posso conhecer como o outro me vê verdadeiramente. “Ele me vê
exteriormente e eu assisto a isso do meu ponto de vista” (ERTHAL E
VERÍSSIMO, 2015 p. 89)
Através das redes sociais, encontramos uma nova forma de existir na sociedade
contemporânea e de ser visto pelo outro, o que, segundo Ferreira e Amaral (2017, p.36),
têm acarretadoo surgimento de novas subjetividades, já que “são nas redes sociais, onde
o indivíduo vem se posicionando com o que é, ou aquilo que anseia ser”. A vida
profissional ocupa a maior parte do tempo cotidiano contemporâneo e, por isso, as
relações são, geralmente, relegadas a segundo plano. Nesse contexto, dispositivos
tecnológicos que se proponham a deixar as formas relacionais mais céleres tornam-se os
principais intermediários na relação com o outro, fazendo com que o meu existir para o
outro se dê primordialmente a partir deles. Além disso, mesmo que sobre tempo,
geralmente ele é utilizado para obtenção de satisfações instantâneas, o que corrobora a
premissa anterior. É possível notar certa efemeridade nas relações, já que há pouco
interesse e disposição em construir laços.
Ferreira e Amaral (2017) defendem que o crescimento das relações em ambientes
virtuais está fundamentado na forma prática, imediata e segura que esse tipo de
ambiente fornece. Além disso, através das tecnologias pode-se mascarar o que não gosto
em mim, os motivos de minha baixaautoestima ou o que não aceito em mim mesmo,
nesse momento estou escolhendo ser-para-outro. Segundo Erthal (2004,p.77), a
autoestima é a “parte afetiva do self”, que envolve o sentimento de contentamento do
sujeito consigo mesmo. Dessa forma, o controle de tempo e espaço, garantido por essas
ferramentas, possibilita que uma baixa estima seja mascarada, em atitudes de
inautenticidade. Assim, ao escolher ver-me como feio(a), burro(a), baixo(a) e gordo(a),
através das plataformas virtuais posso me fazer ser visto(a) como bonito(a), esbelto(a),
inteligente e magro(a). Na escolha de ser-para-outro (que engloba a tentativa de
mascarar um eu pouco estimado), busco capturar a liberdade do Outro.
Percebe-se que nas plataformas virtuais encontra-se o necessário para solucionar
o dilema do porco-espinho, nascente a partir da relação com o outro. Isso ocorre pois as
relações virtuais são facilmente controladas pelos envolvidos. Escolho quando quero,
quando não quero, quem quero e quem não quero; afasto-me ou me aproximo quando
e como quero; posso bloquear, deletar, ignorar e ter soberania. É possível, ainda, dosar
o contato com certa pessoa, podendo, inclusive, cortar completamente a existência
virtual dela na minha rede de contatos. Essas possibilidades de controle são mais
dificultosas nas relações físicas, pela ausência de uma tela que me permita esconder
minha real imagem. Contudo, essa sensação pode seduzir os indivíduos e fazer com que
eles se afastem do mundo real, utilizando a esfera virtual como refúgio dos espinhos
deste mundo. Os autores afirmam que
A designação “qualidade” para uma relação tem a ver com busca de encontro
que, por sua vez, implica diálogo, lidar com as diferenças, empatia. A
quantidade busca evitar o encontro através de paliativos, desespero por
segurança, evitação de riscos, negação da angústia e do sentido que está
abrigado pela existência de cada um, que reza: existir é engajar-se. (ERTHAL
e VERÍSSIMO, 2015, p.138)
comparação com as outras pessoas”. É desta maneira que as redes fornecem o necessário
para fazer com que o indivíduo seja visto da forma como ele se idealiza, como deseja
ser. Nesse contexto, ao formarem-se relacionamentos através das redes sociais que
permeiam também o espaço físico, proliferam-se relações conflituosas descartáveis e
pouco duradouras, que levam, inclusive, ao adoecimento do ser.
Ao utilizar o Tinder, a sensação de ser aceito (ou pelos termos do aplicativo, dar
“match”) tende a produzir bem-estar no usuário, por mais que a aceitação tenha sido por
conta da imagem idealizada que se construiu por meio do aplicativo. Essa dinâmica de
objetificação e aceitação pode gerar comportamento vicioso, que leva o indivíduo a uma
constante busca de repetição dessa sensação. Considerando que nas relações pessoais
reais há maior humanidade e, portanto, há diferenciação na lide com o outro – quando
considerada em relação ao aspectos virtuais –, os aplicativos podem promover uma
distorção da realidade concreta. Por conta disso, e pelas demais características da
virtualidade já citadas anteriormente, relacionamentos mediados por aplicativos
Estou condenado a existir para sempre além de minha essência, além dos
móveis e dos motivos de meu ato: estou condenado a ser livre. Isso significa
que não se poderia encontrar para a minha liberdade outros limites senão ela
mesma, ou, se prefere, não somos livres de cessar de ser livres. [...] O sentido
profundo do determinismo é o de estabelecer em nós uma continuidade sem
falha da existência em si. [...] Mas em vez de ver transcendências postas e
mantidas no seu ser por minha própria transcendência, supor-se-á que as
encontro surgindo no mundo: elas vêm de Deus, da natureza, da ‘minha’
natureza, da sociedade. [...] Essas tentativas abortadas para sufocar a
liberdade sob o peso do ser – elas desmoronam quando surge, de repente, a
angústia diante da liberdade – mostram bastante que a liberdade coincide no
fundo com o nada que está no coração do homem. (SARTRE, 2016, p. 515-
516)
amado.
Ser-Para-outro significa que reconheço que sou como o outro me vê. Para-si
se reconhece mediado pelo olhar do outro, através do qual se sente
surpreendido o tempo todo. Surpreendido, haja vista a visada de si, ou seja, a
vista de si a partir do olhar do outro. Esse estar diante do outro não quer dizer,
necessariamente, uma presença de outro factual, “aqui e agora”. Estar sob o
olhar do outro é estar em perspectiva de, o intencionar é temporal, ou seja,
radica-se numa biografia articulada à inscrição sociocultural desse sujeito.
(ERTHAL E VERÍSSIMO, 2015, p. 59)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da instauração da teoria fenomenológica e suas ideias por Husserl, Sartre
desenvolveu seu pensar a respeito do outro e do processo no qual os seres estão ligados
à má-fé e à liberdade. Sartre afirma que fazemos escolhas perante os outros. A
intersubjetividade possibilita a comunicação entre os indivíduos, construída na relação
do Para-si e Para-outro. No processo intersubjetivo o Outro me vê, objetifica-me e me
define, o que muitas vezes pode ser doloroso, pois sou visto como um objeto
determinado, acabado, negando minha característica de ser de possibilidade e de poder
de ação. Por isso, considerando o conceito de liberdade situacional e as possibilidades
de escolha individual, não há como afirmar que somos reféns do olhar do outro na
constituição de nossa imagem, mas o outro, através da minha objetificação, influencia
na constituição da minha imagem. Somos seres objetificados mas também ativos no
processo de individualização de nossa existência.
Nota-se um crescente adoecimento no mundo contemporâneo, dificultando a
manutenção de relacionamentos, principalmente pela constituição baseada,
prioritariamente, na má-fé e na inautenticidade. Ao criarmos um personagem
manipulado expomos ao mundo o que condiz com a ideiade par ideal, afastando-nos de
nossa própria liberdade e das possibilidades de escolha autênticas. Voltamos, grande
parte, da nossa existência para o outro, intensificando a angústia relacionada à liberdade.
O indivíduo se faz para-Outro, molda-se conforme o esperado pelo Outro,
consequentementepodem existir frustrações e fracassos na relação. Entretanto, por não
vermos a infelicidade com olhos de aceitação, passamos a expor as relações como
perfeitas nas redes, por mais que não sejam.
Embasado nas reflexões de Em-Si e Para-Si, somos objetos e consciência, porém,
não somos seres totalizados e sim estamos diante de um processo de vir-a-ser. Heráclito,
considerado o pai da dialética, afirma que nada é permanente, tudo está receptivo à
mudança, de forma contínua. Segundo Erthal e Veríssimo (2015, p.53) “De modo
diverso, o existente (Para-Si) é contingente: se ‘sou’ de maneira agora, não quer dizer
que sempre tenha sido assim, muito menos que vá ser tal como sou hoje no futuro. Não
está escrito nas estrelas uma linha de causalidade para o existente”. Ao determinar um
papel e um lugar para a imagem do outro e para a própria, há a restrição da liberdade e
das possibilidades envolvidas (tanto no outro, quanto em mim), já que há a objetificação
e direcionamento da imagem do indivíduo a uma percepção constituída de
intencionalidades.
O que leva as pessoas a buscarem se relacionar por redes sociais é a praticidade,
pois através dos recursos tecnológicos há ampliação das possibilidades para o
relacionar-se do ser contemporâneo, situado em uma realidade que lhe demanda tempo
e imediatismo. No meio virtual, é possível escolher quando e como interagir, situação
que não ocorre com tanta plenitude nas relações face a face, possibilitando um controle
da relação. Há uma segurança ilusória no contexto da intersubjetividade, mas que limita
as possibilidades do ser. A característica da ilusão, atribuída ao controle citado, advém
do fato que a relação é filtrada por recursos imediatistas e manipulados, o que gera mera
sensação de poder sobre o outro.
As divergências entre o mundo real e o virtual podem gerar choque no indivíduo
quando percebe que o outro não é exatamente como no perfil que ele ostentava, podendo
advir sensações e sentimentos de falso conhecimento e frustração. Isso ocorre,
principalmente, pois nas relações reais nãohá muitos recursos para filtrar ou manipular
a realidade, situação que causa angústia e desespero perante à relação. A angústia surge
pois os mesmos mecanismos utilizados para adentrar na relação, quais sejam a liberdade
e a possibilidade de escolha, deverão, também, permear a quebra dela.
ter sido mais explorados no trabalho, o que não aconteceu devido às discussões
tomarem rumos mais teóricos.O catfish não foi discutido neste trabalho devido à prazos
e limites de apresentação do artigo, o que poderia ter ampliado as discussões, sendo
importante um olhar fenomenológico-existencial para sua compreensão visto que é um
fenômeno que tem se tornado comum atualmente nas redes sociais.
REFERÊNCIAS
Resumen: Las formas actuales de relacionarse van más allá del mero contacto cara a cara.
El individuo contemporáneo, con un estilo de vida acelerado, busca existir en un mundo
virtual que le brinde conexión en cualquier momento y en cualquier lugar. Donde el
espacio y el tiempo no son límites para la comunicación, las relaciones se han formado a
partir de aplicaciones, redes tecnológicas,causando una transformación en la forma de ser
del ser humano. Este artículo busca dilucidar estas transformaciones y cómo afectan las
relaciones del sujeto contemporáneo, desde una mirada fenomenológica-existencial al
proyecto del ser. A partir de una revisión de la literatura, contextualizamos el surgimiento
de las redes sociales y el individuo actual, y cómo se relacionan entre sí al producir una
nueva forma posible de relacionarse con amor.
Palabras clave: Redes sociales; Autenticidad; Relaciones.