Brasil para Maiores #5: para Mulheres, Dinheiro. para Homens, Um Sonho: Como Nasce Um Ator Pornô

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BRASIL PARA MAIORES


BRASIL PARA MAIORES

Brasil Para Maiores #5: Para mulheres,


dinheiro. Para homens, um sonho: Como
nasce um ator pornô
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Do TAB
06/04/2023 04h00

Ouvir artigo59 minutos

Tony Tigrão começou a fazer pornô porque era seu sonho de infância. Já Fabi
Thompson topou fazer o primeiro filme de sexo explícito depois de receber
uma proposta irrecusável de um olheiro. Um teve o apoio da família, a outra
teve de aguentar comentários horríveis de conterrâneos.
Neste episódio de "Brasil Para Maiores", os repórteres Marie Declercq e Tiago
Dias conversam com atores e atrizes pornôs que já estavam na indústria antes
da entrada dos famosos, nos anos 2000, para entender como era a rotina e a vida
pessoal de quem fazia as engrenagens do mercado girar.
Você pode ouvir o podcast "Brasil para Maiores" em plataformas
como Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music e YouTube.
Confira abaixo o roteiro do episódio 5:

Brasil Para Maiores - Episódio 5: Operários do


sexo

AVISO: Este programa contém linguagem forte, descrição de cenas explícitas e


pode não ser adequado para todos os públicos. Não ouça ao lado de crianças.

Tiago Dias: Ela, começou como modelo no Rio Grande do Sul e nunca
imaginou fazer pornô

[Entrevista com Fabi Thompson]


É, eu topei, mas eu não sabia o que tinha topado
Marie Declercq: Ele quase virou jogador de futebol, teve grupo de pagode e foi
locutor de açougue. Isso mesmo, locutor de açougue.
[Entrevista com Tony Tigrão]
Meu pai tinha açougue. Aí eu que fazia a locução lá. Apresentando as ofertas.
Tiago Dias: A motivação dela foi a grana.

[Entrevista com Fabi Thompson]


Só que financeiramente aquilo me deixou pensativa e eu aceitei,
financeiramente.
Marie Declercq: Já a dele, foi a realização de um sonho de criança.

[Entrevista com Tony Tigrão]


É, a putaria falou mais alto. O meu pai era foda. Ele ia na locadora pegava de
20 filmes e era na época VHS e ele ia trabalhar e deixava as fita lá, aí eu me
acabava.
Tiago Dias: A gente já contou a história da Brasileirinhas, explorou a relação da
mídia com a pornografia e até revelou a trajetória de celebridades que nem
queriam falar sobre essa fase da carreira.
Marie Declercq: Mas quem faz rodar as engrenagens do pornô alimentando as
fantasias dos brasileiros em sites revistas e filmes, são, na prática as centenas de
atrizes e atores que trabalham na indústria.

Uma indústria que não era feita de Ritas e Frotas, mas sim por muita gente que
já tinha fama no meio antes das celebridades.
Uma indústria feita por quem trabalha na área por anos, entrando e saindo de
set, equilibrando a vida afetiva e a profissional e dando a cara pra bater em uma
sociedade onde o desejo e o desprezo andam lado a lado.

Tiago Dias: Nesse episódio, você vai conhecer o pornô como ele é.

Marie Declercq: E também como ele já foi. Eu sou a Marie Declercq.

Tiago Dias: Eu sou o Tiago Dias. E esse é o podcast Brasil para Maiores. Uma
reportagem em áudio do UOL TAB que resgata a explosão da pornografia
brasileira e o surgimento do pornô de celebridades.

Episódio 5: Operários do sexo


Foi com 16 anos que esse garoto chamado Antonio decidiu qual era o emprego
dos sonhos dele, e tudo por causa das fitas de vídeo que o pai trazia da locadora
do bairro pra casa. Mais especificamente os filmes pornôs.

Quando assistia a alguma produção, Antônio sentia que os caras não tavam
dando tudo de si, e achava que podia se sair melhor.

[Entrevista com Tony Tigrão]


Tony: Eu ficava bravo de ver às vezes o cara, tipo, não pegando a mina do
jeito que tinha que pegar. Às vezes dando uma brochadinha ali. Dando uma
entortadinha.
Tiago: Você já era crítico! Você assim e já fala "espera, mas..."
Tony: Ah, meu. Uma mina dessa e o cara dá uma entortadinha. Não pode ser?
Não pode ser normal isso com uma mulher dessa, o cara dá uma entortadinha
e tal. E aí hoje eu entendo, né? Como que às vezes a gente não tá num dia
muito bom e tal, mas assim, os caras eram muito bons na época, sim. Porque
na época também não tinha remédio, né?
Tiago: Pois é
Tony: A gente pegou a fase do natural mesmo, sem Viagra, sem nada.
Tiago: Enquanto a carreira dos sonhos não desenrolava, o Antonio dividia os
dias de adolescente na zona norte de São Paulo entre os treinos na base
do Corinthians e o pagode.
[Entrevista com Tony Tigrão]
Tiago: E como que a putaria bate na sua porta aí?
Tony: Então, aí músico dá sorte com mulher, né? Então, a gente tocava
razoavelmente bem então todos os shows que a gente ia fazer sempre tinha
umas meninas no nosso camarim querendo conhecer a gente. Então aí eu já
comecei a ter muito contato com mulher. Muitas namoradinhas e tudo assim.
Aí, eu assistia muito pornô e aí eu fiz 18 anos. Aí eu falei pro meu pai: "pai,
agora eu sei que eu quero ser mesmo, vou largar tudo". Largar, não, porque
eu ainda continuei ainda tocando e gravando ainda, sendo ator. Só depois que
aí eu parei de tocar e fiquei só nos filmes mesmo. Mas aí eu cheguei no meu
pai e falei que queria ser ator. Aí meu pai: "Cê que sabe, você quer, eu não
ligo não". Minha mãe não gostou, né. Minha mãe: "Não, pelo amor de Deus.
Eu quero que você vá estudar, faça uma faculdade. Filme pornô não, não..."
Tiago: Assim como o pai de um filho que quer ser jogador de futebol o pai do
Antonio acreditou tanto no sonho dele que ficava sempre de olho em como
impulsionar essa carreira. Nesse caso, foi pedindo o contato das produtoras pro
dono da locadora onde ele alugava os filmes adultos.

[Entrevista com Tony Tigrão]


Tiago: Quase "Dois Filhos de Francisco". O pai que batalhou.
Tony: "Ô, meu. Arruma aí pro meu filho. Dá uma oportunidade pra ele O
moleque é bom e tal"
Tiago: O que que ele fazia? Ele pegava o telefone que tava atrás dos filmes?
Tony: É, tipo. Tinha uma produtora que eu queria entrar, um exemplo, a
Buttman. Porra, a Buttman? Eu comecei na Brasileirinhas, era a única
produtora na época que dava oportunidade para gente nova. A Buttman não
pegava novato porque já estavam num patamar muito acima assim, né? Não
queria arriscar com novato. E aí, porra, meu pai como ele conversava melhor
que eu, aí ele que ligava. "Oi, tudo bem? Será que você não conseguiria
arrumar um espaço aí pro meu filho. Ele tá gravando é um? Ele é bom e tal."
Aí ficava tentando convencer os caras. Às vezes dava certo. Acabou dando
certo algumas vezes até.
Tiago: Foi assim que Antônio gravou o primeiro filme pra Brasileirinhas em
99, e de lá pra cá não parou mais. Ele está na ativa até hoje.
Os palcos perderam um pagodeiro, os gramados, um boleiro. E o pornô ganhou
um ator chamado Tony Tigrão.

Marie: Outra mudança de rota aconteceu três anos depois, em um shopping de


Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Foi lá que um cara simpático
abordou uma modelo de 22 anos com uma proposta imperdível, mas polêmica.
[Entrevista com Fabi Thompson]
Fabi: Ele falou "ah, a gente faz isso, eu tenho uma proposta". Ele já mandou
logo na... na lata. E eu me interessei. Eu não fazia absolutamente nada, nada,
nada relacionado aquilo. Nada. Tanto que eu não tinha a mínima noção que ia
sair em uma revista, e que tipo? Não tinha a mínima noção. Só que
financeiramente aquilo me deixou pensativa, e eu aceitei, financeiramente.
Marie: O cara era um ator da produtora Buttman, que fazia também as vezes de
olheiro, viajando pelo Brasil procurando garotas e garotos bonitos para atuarem
nas filmes.

Essa função era bastante comum nos anos 2000, mas hoje praticamente deixou
de existir por causa das redes sociais.

A proposta era muito boa para ser recusada e a jovem partiu pra São Paulo onde
gravaria uma cena pra Buttman.

Mal sabia ela que dali alguns anos ela seria uma das atrizes mais conhecidas do
pornô nacional, atendendo pelo nome artístico de Fabiane Thompson.

Mas outra coisa que a Fabi não sabia era o tamanho da bucha que ela iria
encarar.
[Entrevista com Fabi Thompson]
Fabi: É. Eu topei, mas eu não sabia o que eu tinha topado.
Tiago: Mas assim, eles explicaram o que era?
Fabi: É, só que na prática são outras coisas, né? Tipo, é bem diferente você
ouvir, aí você pensa no dinheiro, mas tudo o que você tem que fazer, você tem
que se expor, você tem que se sacrificar, então tipo? quando eu realmente
precisei fazer foi difícil, achei difícil. Fiquei, nossa, fiquei muito chocada,
fiquei arrasada, né?
Tiago: As histórias da Fabi e do Tony ilustram o início de carreira de 99% dos
atores e atrizes pornôs: eles seguindo um sonho, elas entrando pela grana.

Mas o que ninguém sabe é que, na real, é muito difícil ser ator pornô.

Não é só chegar e comer todo mundo, botar a roupa e ir pra casa. Tem que
saber a posição certa pro diretor filmar uma cena de penetração e tem saber
conduzir a transa sem se destacar mais do que a atriz. Além de tudo isso,
conseguir manter uma ereção por horas e, claro, ter presença de cena, ou seja,
um pau grande.

Marie: A gente foi até confirmar com o ex-diretor da Brasileirinhas, o M.Max,


que apareceu no segundo episódio, se precisa mesmo ter pau grande pra atuar.
Ele disse não era uma exigência só dele, mas também de quem tava assistindo.

[Entrevista com M. Max]


M. Max: Eu ouvia muita reclamação por um ator que mal tinha, não tinha um
pênis em um tamanho bom. Tipo 20, 20, 22. Tanto que quando eu comecei a
selecionar os rapazes, só procurava realmente de 20 para cima.
Marie: Nossa, eu achava que tipo podia ser a partir de uns 18, mas já é
pequeno pro pornô?

M. Max: É. Olha acho que a única pessoa que tinha 18 centímetros para
trabalhar comigo foi o Pikachu. O Big Mac e o Kid Bengala são 30
centímetros de piroca. Trinta, medido na Régua.
Marie: Mesmo com uma exigência física mais? rígida, os atores do pornô
hétero tendem a ganhar menos do que as atrizes. E é por um motivo bem
simples: o nível de exposição.

Pensa bem: muitas atrizes pornô fazem em um mês mais filmes que uma atriz
de Hollywood faz em um ano. Elas estão sempre na capa, no trailer, em 100%
das cenas. Sem as mulheres, não teria filme, não teria indústria, não teria nada.
Então faz sentido.

Essa ultraexposição foi exatamente o que aconteceu com a Mônica Mattos. A


Monica foi a única brasileira a conquistar um AVN, o Oscar do pornô, pela
atuação no filme "Devassa" e, por causa disso, ela virou uma sensação nacional.

[áudio do "Programa do Jô"]


Jô Soares: Monica Mattos, venha pra cá. Você está tão cheirosa.
Monica Mattos: Obrigada, você também.
Jô Soares: Obrigado. Aqui está o filme, tem mais de um filme?
Marie: A Monica tá afastada da indústria faz uns bons anos, e também não quis
muito trocar ideia com a gente sobre o assunto.
Isso mostra como a relação a relação de gênero na pornografia é complexa.
Porque pensa só: é uma indústria comandada por uma grande maioria de
homens, mas é uma das poucas em que as mulheres ganham mais.

E a gente não tá falando que a indústria pornô é um bastião do feminismo, pera


lá. Tem uma pegadinha aí, que o Tony Tigrão ajudou a gente a entender.
[Entrevista com Tony Tigrão]
Marie: É uma coisa que a gente percebeu assim conversando com, enfim, todo
mundo e tal, é que ator pornô ganha bem menos que a mulher, isso faz
sentido?
Tony: É. O ator, ele ganha menos, porém é mais chamado. Porque a carreira
de mulher é um pouco mais curta. Pode ver, a única atriz aí acho que durou
mais tempo no pornô até hoje, acho que ninguém ganhou da Monica Mattos,
eu acho. Acho que foi atriz que mais tem cena gravada. Porque geralmente o
telespectador que assiste, por mais que ele gosta da menina, ele quer ver
sempre menina nova. "Caralho, queria ver outras"
Tiago: Então não é só sobre idade, é sobre quantidade mesmo.
Tony: O punheteiro, ele quer ver ali toda semana uma mina diferente. Toda
semana uma menina diferente. Ator já é diferente.
Marie: Tipo, ele nem tá olhando muito pra você.
Tony: É, ator eles querem o mesmo porque ele é bom. "O Tony é bom eu gosto
da cenas dele. Porra, ah, essa cena vai ser com o Tony legal. Puta, já vi que
vai ser boa a cena". Aí não tem problema de repetir os atores. Que nem eu, tô
há 24 anos já e tô gravando bastante até hoje. Então assim, agora se fosse uma
mulher, eu acho que não duraria o tempo que eu estou.
Tiago: Segundo o Tony, o cachê pros homens nunca aumentou.
[Entrevista com Tony Tigrão]
Tudo sobe: gasolina sobe, o gás sobe, arroz, feijão. E o cachê nunca sobe.
Então, o cachê não mudou muita coisa não, viu? Desde essa época aí tá nessa
faixa de 300 a 500 reais, depende. Aí, superprodução eles pagam mil reais o
cachê.
Tiago: A diferença das últimas décadas para cá é que o número de gravação de
cenas caiu drasticamente.

[Entrevista com Tony Tigrão]


Nessa época, eu gravava praticamente todos os dias. Praticamente todos os
dias, de segunda a domingo. Às vezes eu ficava dois dias sem gravar, máximo.
Tiago: Mas hoje em dia, grande parte dos atores e atrizes não dependem mais
das produtoras. Agora, eles produzem e vendem o próprio conteúdo em
plataformas como OnlyFans e Xvideos.
O Tony Tigrão, por exemplo, montou um canal no XVideos para monetizar as
cenas que ele mesmo produz. Os trabalhos com as produtoras são muito mais
esporádicos desde o final dos anos 2000.

Tiago: O dinheiro e a longevidade são dois marcadores que diferenciam bem a


realidade entre homens e mulheres no pornô. Assim como as motivações que
levam cada um a trabalhar com isso, como no caso da Fabi e do Tony.

Com o Tony, a entrada no pornô não só foi a realização de um sonho, mas


também contou com o apoio do pai.

Agora, imagina se fosse o contrário? Uma adolescente conta para o pai o sonho
de ser atriz pornô e o pai não só apoia como sai ligando para as produtoras e
dizendo "olha só, minha filha quer ser atriz, ela é muito boa, dá uma chance pra
ela?" Cara, qual a chance disso acontecer?

Prova disso é a história do Pitt Garcia, galã do pornô dos anos 2000 que
também contou com o apoio familiar.

[Entrevista com Pitt Garcia]


Aí eu vim do interior, né, de Pacaembu, que eu passei parte da minha
adolescência em Pacaembu, e vim para Jundiaí. Quando eu cheguei em
Jundiaí, eu conheci meu tio que ele é penta campeão mundial de kick boxe, e
tal, ele namorava umas meninas que saía na Sexy e tal, que fazia um monte de
coisas assim, sabe, de stripper e tal, eu não entendia nada, isso eu moleque. Aí
ele me pegava e levava pros puteiros, né? Aí nesse trâmite de tudo, ele me
levava e falava assim: "Ó, meu sobrinho ali e tal, moleque tem mó pauzão, tal
não sei o que tananan, ele quer ser ator pornô tal", não sei o que contando
resumindo a minha história para vocês.
Tiago: Cara, com certeza, ele tem o maior ego entre os atores pornôs com quem
a gente conversou.

[Entrevista com Pitt Garcia]


Pitt: Não, é tipo assim, eu acho que foi uma coisa de Deus, né. O meu pau é
bonito, né? Eu tenho o pau bonito.
Marie: São quantos centímetros?
Pitt: 21.
Marie: Parabéns.
Marie: Para os caras, é um sonho. Pras mulheres, é uma chance de mudar de
vida. Foi exatamente o que rolou com a Marcia Imperator, com quem a gente
falou no episódio anterior.
[Entrevista com Marcia Imperator]
Marcia: Ninguém sabe o porquê que eu fiz os filmes.Quer dizer, todo mundo
sabe. Quem pesquisa a minha história sabe o porquê que eu fiz.
Marie: Por que que você fez?
Marcia: Porque eu já vim lá da pobreza extrema que a gente vivia saí da roça,
fui faxineira, fui babá, fui garçonete de bingo, eu tinha três filhas para criar.
Eu trabalhava no Teste de Fidelidade, eu passava fome, cachê de televisão
vocês sabem como é. Eu não era contratada da RedeTV, eu era contratada por
trabalho do Teste de Fidelidade.
Tiago: Para Fabi Thompson, o problema mesmo veio depois de fazer pornô,
bateu aquele sentimento de culpa.

[Entrevista com Fabi Thompson]


Fabi: Quando eu realmente precisei fazer foi difícil, achei difícil. Fiquei,
nossa, fiquei muito chocada, fiquei arrasada, né? Aí depois minha cabeça foi
moldando. É porque você já tem na sua cabeça que aquilo ali é uma coisa
horrível. Nossa, se eu tivesse outro pensamento como eu tenho hoje talvez eu
teria relaxado, entendeu?
Tiago: O pensamento da sociedade você diz, né?
Fabi: O pensamento da sociedade, total. Então, se eu não tivesse isso, talvez
hoje eu teria? fuck you.
Marie: Sim, sim.
Fabi: Mas aquilo ali que vai te martirizando, às vezes não é você mesmo.
Marie: É tipo uma culpa católica que fica ali, tipo: "Ai, nossa tô maculada",
né?
Tiago: Pra vocês terem uma ideia, a estreia da Fabi no pornô saiu na capa da
revista Buttman, uma publicação muito popular na época, e foi parar nas bancas
de jornal do país todo. O pessoal da cidade dela ficou revoltado.
[Entrevista Fabi Thompson]
Fabi: Não, eu não tinha noção de que tipo, isso fosse uma coisa que atingisse?
Não, na verdade eu não tinha noção de que tanta gente gostava de putaria,
entendeu?
Tiago: "Não, quem gosta vai ver"
Fabi: Falei: não, imagina, é só quem gosta vai procurar. Só que todo mundo
gosta
Tiago: Como foi essa descoberta, de que todo mundo gosta, quando você falou
"caramba tá todo mundo sabendo, o pessoal em Canoas", como é que foi?
Marie: Alguém te ligou? "Fabi! Meu Deus?", tipo, eu sei que não é seu nome,
mas?
Fabi: Não, todo mundo. E meus vizinhos ficaram doidos, né? Eles queriam
fazer cartaz, nossa, eles queriam me zoar, me zoando, tipo, as pessoas são
terríveis. Todo mundo falava, todo mundo, parente. Nossa, as pessoas queriam
acabar com a minha raça.
Tiago: Isso literalmente ou teve um certo carinho da galera?
Fabi: Não, de conhecidos, parentes, as pessoas ficavam, elas estavam vendo
assim, mas ela ficaram horrorizadas, né?"Meu Deus, como que você tá
fazendo isso aqui que eu tô vendo?"
Marie: Mas foi ver?
Fabi: É, mas foi ver? Lógico.
Tiago: Foi ver e depois criticar
Fabi: Foi ver e depois foi fazer também
Marie: O pornô sempre foi visto como um submundo sujo, cheio de drogas e
criminosos, e mesmo com milhares de brasileiros alugando ou comprando
filmes a rodo, o público não tinha ideia de quem eram as pessoas que atuavam
nos filmes.
Por isso que quando as celebridades entraram no pornô, quem já trabalhava
com isso viu com bons olhos essa fase. Era como se o mercado fosse pela
primeira vez valorizado.

A Fabi, por exemplo, tava no auge da carreira dela e não achou ruim ter que
contracenar com famosos bem menos experientes do que ela. E não só pela
visibilidade, o cachê dela aumentou junto.

[Entrevista Fabi Thompson]


Fabi: Eu acho que foi bom. O que eu vejo, foi pelo lado positivo, porque outras
pessoas puderam se valorizar também. Eu, por exemplo, já que eles davam
valor a essas pessoas que, teoricamente, falavam que não eram atores, embora
o Frota seja um ator. Mas, né, de repente podia rolar aquela coisa, "ah, tá
tirando trabalho de alguém, tá pagando." Mas pra gente acho que valorizou,
valorizou porque teve muito mais visualizações, aí foi para programas de tevê.
O Frota mesmo ia em muitos lugares e, querendo ou não, ele levava o nome do
trabalho, ele levava o nome das Brasileirinhas. E a gente estava ali, então isso
não tem como ser uma coisa ruim, né? E aí você pode se valorizar muito mais.
Eu, a partir desse momento, senti que poderia ter um pouco mais de valor.
Marie: Fazer pornografia não é exatamente um trabalho registrado CLT. Então
não existe piso salarial no pornô. Por isso, o valor do cachê dependia
basicamente da negociação individual.

Foi meio difícil conseguir um valor exato que pagavam pras mulheres na época.
Ninguém fala até hoje, talvez até para não causar um climão. Mas a gente sabe
que pelo menos até o ano passado participar da "Casa das Brasileirinhas"
variava entre 3 mil a 5 mil reais. Isso para um pacote de cinco dias, sendo
filmada 24 horas por dia.
A Belinha Baracho, atriz que estava no dia que visitamos o reality das
Brasileirinhas, trabalha há mais de 21 anos na indústria. Ela disse que quando
entrou em 2005 recebia um cachê bem mais alto e tinha muita cena pra gravar.

[Entrevista Belinha Baracho]


Belinha: O cachê era muito bom. Fazia cinco ou seis cenas em um dia só. Já
gravei fui pra fora do Brasil. Gravei fora também. E quando a gente tem um
nome no mercado. A gente tem mais valor em casas de shows, né. Pra fazer
strip. O cachê hoje em dia diminuiu bastante, né. O pornô de antigamente era
mais valorizado. Era mais assim, tinha mais? ganhava mais, né, tinha mais
cenas. Hoje tá meio parado um pouco.
Tiago: Uma coisa importante sobre fazer pornô, aqui no Brasil especificamente,
é que ele sempre serviu como uma vitrine para que as atrizes pudessem
inflacionar o valor do passe delas em outros trabalhos. O mais comum são as
apresentações em casas de show de strip tease, que nem a Belinha comentou.

Para as que fazem programa, a pornografia também serve para aumentar o valor
cobrado dos clientes.

Acho que vale dizer aqui que é muito difícil encontrar uma atriz novata que
acha que vai ficar rica fazendo pornô no Brasil, especialmente o mais
tradicional, aquele dentro das produtoras. Isso deixou de ser um plano de
carreira, agora é mais marketing mesmo.

Mas assim, sendo celebridade ou não, todos os atores e atrizes com quem a
gente conversou falam de umas regras básicas de trabalho: respeitar horários,
não usar drogas. E indo contra o que muita gente fantasia, todos relatam a
mesma coisa: o set, no fim, tem clima familiar.
Marie: De firma mesmo.

[Entrevista Fabi Thompson]


Fabi: Porque são pessoas comuns, são pessoas normais.
Tiago: Você tinha essa troca com as pessoas, também?
Fabi: Com certeza. Tinha muitos amigos, muitas pessoas que eu gostava.
Muitas, muitas. Assim, poxa, vamos para Guarujá, "ah, vou no carro do
fulano, aí a gente passa na padaria e tomar um cafezinho." E é essa coisa de
família mesmo. Era legal.
Tiago: Esse clima continuava nas festas e eventos que os produtores agitavam
pra comemorar cada filme lançado. Mas neles, o objetivo era outro: chamar o
público pra interagir com as estrelas. Os eventos de locadora eram os que mais
atraíam os fãs.

A Bruna Ferraz, outra atriz pornô com quem a gente bateu um papo, lembra
dessa época com saudade:
[Entrevista Bruna Ferraz]
Bruna: Eu fui em várias locadoras para dar autógrafos? Foi muito legal, os
caras iam na locadora, se escondiam lá pra tirar foto e a mulher também
estava no carro, era uma curió também. Era uma coisa assim muito, muito
glamurosa, foi muito glamour a pessoa? Imagina, as pessoas vendo naquele
VHS a atriz e a atriz podendo ir lá naquela locadora do bairro. Aí vê a pessoa?
Nossa, era tanta fila? Era tanta foto? Era tanta coisa.
Tiago: Uma das coisas mais importantes nas gravações era garantir que todo o
elenco estivesse com os exames em dias. Isso era primordial em todo trabalho.
Sem exame para detectar ISTs e HIV, ninguém gravava.
[Entrevista Fabi Thompson]
Fabi: O exame era bem rotineiro mesmo. Para tudo o que você fosse, era
gringo, tinha laboratórios específicos que a gente ia. Que você já podia ir.
Tinha produtoras que pegavam a turma toda e ia fazer, você esperava todo
mundo junto receber o seu exame. Tudo junto. E tinha uma coisa que era, as
pessoas pareciam que elas eram mais profissionais, tipo os atores levavam
bem a sério.
Tiago: é um teste muito amplo na verdade, né?
Fabi: Isso, de muitas coisas, exatamente. Várias doenças, de tudo o que for
possível detectar ali para você.
Marie: É uma prática comum no mercado. Até hoje, as produtoras pagam todos
os exames dos atores e todo mundo confere o resultado antes de gravar.
Inclusive, eu vi isso acontecendo na Casa das Brasileirinhas: todo mundo ficou
em volta de uma mesa conferindo o resultado dos testes antes de assinar o
contrato.

Mas não é infalível. Em 2004, caiu uma bomba no pornô, quando a atriz
brasileira Bianca de Biaggi foi acusada de contaminar um ator norte-americano,
causando todo um efeito dominó que levou a outras 6 pessoas contraírem HIV.

A Bianca sumiu de cena logo depois que as denúncias estouraram, mas segundo
uma reportagem da Revista Época, a transmissão rolou por causa de uma
exigência da indústria americana de gravar as cenas sem camisinha. Numa
dessas, algum ator deve ter furado a entrega de exames e deu merda.

Usar ou não camisinha nos filmes pornôs é uma questão complicada. Nos
Estados Unidos, chegaram a banir a gravação de filmes sem preservativo em
Los Angeles, mesmo sob protestos dos trabalhadores da indústria. No Brasil, as
autoridades não têm nenhuma preocupação em saber se tão usando camisinha
ou não num filme pornô - mas, é um item mais comum de aparecer.
A própria Brasileirinhas, por exemplo, exige o uso em todas as produções desde
2014. Eles ainda pedem os exames, mas, pra evitar estresse, tem que usar
camisinha.

Tiago: Em fevereiro de 2022, a indústria brasileira teve que parar mais uma
vez. Segundo reportagem do Ricardo Feltrin pra Folha, três atrizes descobriram
que estavam com HIV. Quando a notícia saiu, todo mundo teve que parar e
revisar os cuidados e exames antes das gravações.

O caso nunca foi esclarecido, mas em off nós ouvimos de gente da área que é
muito mais provável que as atrizes tenham contraído HIV fora da pornografia
ou trabalhando em paralelo, pra pessoas que têm canais no XVideos.

Fora os exames, tem outra coisa super importante que precisa estar em dia pra
todo mundo: a higiene. E claro, as exigências são muito maiores para as
mulheres: tem que se depilar inteira, fazer a unha, a ducha vaginal e anal, a
famosa chuca. Já o homem você sabe como é.

[Entrevista Fabi Thompson]


Tiago: Só precisa parecer que está limpo, né?

Fabi: É, o cara só precisa de um pau, literalmente. E que seja grande. É isso


que os caras exigem. Ninguém falava: "pô, você toma um banhinho, faz isso
aqui". A mulher tinha que ter mil coisas, tinha que fazer bronze, tinha que
fazer unha, tinha que fazer não ser o que...
Marie: Tem que estar magra
Fabi: Ducha. É, você tem que fazer mil coisas
Tiago: São cuidados que servem para deixar a vida de todos mais fácil durante
as filmagens, mas claro, acidentes acontecem. Às vezes o cara ejacula e voa
esperma na câmera ou no diretor, ou alguém escorrega e cai durante uma
posição mais complicada. Enfim, pode acontecer de tudo.

A Marcia Imperator contou pra gente uma história? eletrizante. Aconteceu


durante uma cena com o Mateus Carrieri:

[Entrevista Marcia Imperator]


Marcia: Com o Mateus, primeiro que ele gostava que eu ficasse lá no furico
dele. Segundo que a gente gravou num lugar que tinha uma escada de metal,
uma escada de ferro, e caía água nessa escada, né? Tinha uma água caindo e
tal. E aí eu tinha feito clareamento no dente e o Mateus encostou nessa escada
e eu fui fazer oral nele e eu senti um negócio no meu dente. Eu pensei: "é do
clareamento, né?" Senti um choquinho no dente, falei "é do clareamento". Mas
beleza, eu, ah que horror, que coisa ruim, e eu ia chupar ele, meu dente dava
choque. Eu falei "mas que merda, mas beleza". Aí pegamos, e estávamos ali no
rala e rola e tal. E aí eu fiquei de quatro e o Mateus estava transando comigo
de quatro e ele colocou o dedo no meu cu. Ele colocou o dedo no meu cu e ele
levou choque.
Tiago: Meu Deus.
Márcia: Aí ele falou assim: "teu cu tá elétrico". Aí eu falei: "como assim, eu tô
sentindo choque desde a hora que a gente chegou aqui, tô sentindo choque até
no meu dente, tô sentindo alguma coisa." A gente foi ver que na escada estava
passando uma corrente elétrica, a gente podia ter morrido. A gente podia ter
morrido. E aí eu lembro que eu coloquei um sapato, eu peguei o sapato e daí
coloquei na escada, então eu segurava o sapato para ficar de quatro, para ele
transar comigo de quatro?
Tiago: E você não encostar, né?
Márcia: E eu não encostar. E nisso ele deu uma metedinha, o sapato foi e eu
encostei: "AAAI", dei um grito e tipo, a cena acabou virando risada, né? Aí a
gente teve que mudar?
Marie: O set
Marcia: O set, porque ali estava perigoso, na verdade, quando eles
perceberam que a gente estava levando choque, mas até então já tem, se
pesquisar na Internet agora vai ter "o cu elétrico da Márcia". Tava dando
choque, vai fazer o que, né? A rola dele estava dando choque também.
Marie: Olha, não tem um dia depois que eu ouvi esse depoimento da Marcia
que eu não pense na história do 'cu elétrico'.

Já essa outra história do Tony Tigrão contou pra gente, eu tenho certeza que
representa o pesadelo de 10 entre cada 10 homens sexualmente ativos, e acho
que mostra também que transar pode ser um esporte radical:

[Entrevista Tony Tigrão]


Marie: Então isso que eu ia perguntar. Se existem acidentes, tipo, que podem
acontecer com seu pau gravando assim? Se esfola, se quebra?
Tony: Já aconteceu.
Tiago: Quebrou?
Tony: Uma vez a menina sentando em cima na maior força e pa pa pa. Meu,
escapou e pegou na bunda da menina, assim, entortou. Não chegou quebrar,
mas começou a sangrar, a jorrar sangue eu falei puta 'fodeu, quebrei meu pau,
velho'.
Tiago: No meio da gravação
Tony: Que merda, no meio da gravação.
Marie: Ficou mole na hora, imagino.
Tony: Mole na hora. Uma dor.
Tiago: Não, e sangue, né?
Tony: Uma dor?.
Tiago: O negócio parece que foi decepado ali.
Tony: E detalhe, tive que terminar a cena depois.
Tiago: Ufa?. Depois dessa, vamos até fazer um intervalo pra eu dar uma
respirada, porque essa doeu em mim.

E, falando em dor, é muito comum que as atrizes tomem analgésicos durante as


cenas. A combinação de sexo anal e atores com mais de 20 centímetros de
instrumento pode ser bem complicada.

Se elas tomam um paracetamol, um dorflex ou uma aspirina pra aguentar todo


esse tranco, o coquetel deles sempre inclui um viagra. Não a kombi azul das
Brasileirinhas, o comprimidinho azul que facilita a ereção mesmo.
O Pitt Garcia, claro, não entrava em cena sem:

[Entrevista Pitt Garcia]


Pitt: É assim, olha, meu dia era assim? pessoal me chamava para gravar. "A
gente vai gravar segunda cena, beleza?" Fechou. Aí eu chegava? pegava a
minha roupinha ali e tal. Não sabia nem que horas que ia gravar, nada.
Chegava, eles montavam o cenário e tal, aí eles falavam "você vai gravar com
fulana" e tal, montavam o roteiro, eu tomava o meu viagra ali e tal, um cialis,
alguma coisa, já ficava ali já pensando no que ia fazer, já me davam o roteiro
e a gente gravava. Não tinha o que fazer?
Tiago: É, a vida na frente das câmeras não é fácil. Exames constantes,
preparação, cus que dão choque, paus entortados, remédios, isso sem falar em
todo o preconceito que eles sofrem.
Mas tem um outro obstáculo pra quem quer ganhar a vida transando que poucas
vezes é lembrado. O que acontece quando alguém se apaixona?

A Fabi construiu uma família. Já o Tony Tigrão, em 23 anos de carreira, parou


algumas vezes de trabalhar porque a vida dupla tava atrapalhando o
relacionamento:

[Entrevista Tony Tigrão]


Tony: É difícil a pessoa entender porque por ela, ela vai estar conhecendo o
seu, é, você inferior mesmo, lá dentro. A intimidade. Até porque a gente tem
que frisar sempre que nós, só porque fazemos filmes e tal, somos seres
humanos como todos. Nos apaixonamos normal é uma vida só uma profissão.
Marie - Amo tanto essa menina que vou parar. Rolou?
Tony - Já aconteceu. Meu, assim, não dá para a gente viver assim, porque se
você não confia em mim, se eu tô falando que eu tô indo gravar, não tô te
traindo. Não é uma traição, é um trabalho. E você não quer confiar, então se
todas as vezes que eu for chegar de gravação você ficar assim, então é melhor
a gente se separar, pô, porque eu quero uma mulher que entenda o que eu faço
que gosta de mim do jeito que eu sou. Você já me conheceu assim, entendeu?
Agora se você não me conhecesse assim, tudo bem, mas você me conheceu
assim. A primeira mulher sim. Ela ficou ferrada comigo porque ela não me
conheceu assim. Eu era músico e tal, jogava bola. Aí depois que eu fui fazer
filme, até escondi dela e foi um amigo meu que falou para ela. Porque eu
mentia para ela que eu ia fazer bico de segurança.
Marie: Caralho
Tony: Essa sim ficou mordida comigo ficou doido e um amigo meu que me
fodeu.
Tiago: Mas eu digo ao contrário assim, de uma mulher te botar assim na
parede e você falar aí "Eu vou ter que deixar de fazer filme".
Tony: Ah, aconteceu já também. Com esse meu segundo casamento de tanto
ela "ah, não tô aguentando mais", e eu gostava muito dela. "Então tá bom
amor, então vamos fazer assim, deixa aparecer um trabalho que eu vou ganhar
mais ou menos o mesmo que eu ganho...
Marie: Mesmo que eu ganho
Tony: Claro que vai ser um pouco menos até. Eu paro. Beleza eu vou parar.
Pior merda que eu fiz, vamos dizer.
Tiago: Parou?

Tony: Parei, fiquei dois anos sem gravar


Tiago: Foi fazer o que?

Tony: Fui trabalhar de motorista de caminhão, aí fui ganhava um salário mais


ou menos.
Marie: Acho que ficou clara a nossa intenção nesse episódio de mostrar que
trabalhar na indústria pornô não é uma putaria generalizada, mas também não é
um mar de flores. Não dá pra negar, a mulher que trabalha nesse mercado é
quase sempre o elo mais fraco dessa relação de trabalho.

Quando comecei a escrever sobre pornografia dez anos atrás, eu fui com a
cabeça muito focada em ouvir depoimentos de estupro e abuso nos sets de
gravações, mas eu sempre voltava das entrevistas com respostas muito mais
complexas vindas das atrizes.

O lance é que elas me descreviam uma rotina tediosa e normal de trabalho, com
dias bons e ruins. Os abusos rolavam em zonas cinzentas. Às vezes tava
rolando tudo normal no set, mas vinha um diretor ou produtor exigir coisas que
não estavam no contrato ou que simplesmente a garota não queria fazer.

Tiago: E tem o problema do "vício", um jargão comum no pornô. Vício é como


é chamada toda transa que rola fora das câmeras entras as gravações. Grande
parte dos diretores proibiam isso, não só porque atrapalhava a hora H, ou seja,
na hora do set, mas também porque era aí que podia rolar algo sem
consentimento.

[Entrevista Tony Tigrão]


Tony: Eles chegavam antes da cena, faziam uma reunião: "Ó, não quero
ninguém trepando fora de cena. Se eu pegar". Vício, né? Que a gente chama
isso de vício. "Não quero ninguém com vício aí, hein?"
E quanto mais novata ou novato você era na indústria, mais fácil de passar por
uma situação abusiva.

Uma história clássica que a Fabi contou pra gente é quando convenciam uma
garota a fazer pornô com a desculpa de que o filme só seria vendido em outros
países, mas na hora que o filme saía, era outra história.

[Entrevista Fabi Thompson]


Fabi: Eu tive muita sorte por ter conhecido pessoas muito legais, pessoas mais
velhas, sabe? Eu sempre fui muito quietinha, muito na minha, então eu gostava
de estar no meio de família. Então onde eu via pessoas mais assim, família, eu
me aconchegava ali. Aí eu conheci pessoas muito legais, muito, muito, muito.
Não cheguei nessa parte
Tiago: Então muitas coisas essas pessoas já foram te falando um pouco: "ó
cuidado?"
Fabi: Sim, sim. Já me botavam no trabalho certo. Tipo, isso aqui é assim. Eu
nunca precisei dar meu cachê para alguém. Muito pelo contrário. Mas rolava
demais. Tinha meninas achando que iam gravar para um país específico. Não
gente, é o mundo inteiro que vai te ver. E eles contavam essa história,
entendeu? Tipo, "ah não, isso não vai passar aqui"
Marie: Tem também as concessões que uma atriz novata faz e outra, já
estabelecida, não. Às vezes, para não ficar com fama de difícil, muita atriz em
começo de carreira acaba topando fazer coisas que não gosta. E essa conta vai
chegar lá na frente.

[Entrevista Fabi Thompson]


Fabi: Ai, eu não sei se isso existe para todo mundo, se as pessoas exigem. Eu,
durante um tempo, talvez também eu não exigia, eu fazia o que me.... Depois de
um tempo, eu não queria fazer tal coisa, eu não fazia. Se você exigisse muito
você era estrela, você queria, você tava dando show. Mas depois de um tempo,
eu tinha todas as minhas exigências e pessoas que eu não gravava, coisas que
eu não fazia, mas no começo, provavelmente, eu aceitei coisas que depois eu
não aceitaria.
Marie: Vamos deixar claro aqui, de novo, a indústria pornô é uma indústria
cheia de problemas e está longe de ser um paraíso.

A gente tá falando de um mercado informal. Não existe nenhum tipo de


associação ou sindicato para representar os interesses desses profissionais.

E não ter o reconhecimento de que o trabalho de uma atriz ou ator pornô é um


trabalho torna muito difícil que todo mundo consiga denunciar abusos. Ou era
na base do boca a boca ou elas ficavam quietas para não queimar o filme no
mercado, que sempre foi super pequeno e onde todo mundo se conhece.
Tiago: Mesmo que muitos achem que fazer pornô não é um trabalho, não dá pra
negar que uma atriz ou ator que vai fazer um filme estabelece uma relação
profissional entre ele e o contratante. O valor é negociado, um contrato é
assinado e o trabalho é entregue.

É por isso que o Clayton, dono da Brasileirinhas, diz que já se antecipa e tenta
desmotivar a garota que tá querendo entrar pro mundo do pornô.

Não, ele não é um cara bonzinho, é só alguém que quer evitar dor de cabeça
depois.

[Entrevista Clayton Nunes]


Clayton: É um trabalho de desconvencimento. Eu converso com todas as
meninas. Eu não deixo pra ninguém conversar. Quem conversa sou eu. Tenho
tudo explicado pelo WhatsApp, printado, eu anexo no contrato da menina de
que ela estava ciente do que ia acontecer. Explico, "seus pais vão ver, todo
mundo vai saber se vai ficar famosa. Vem dinheiro? Vem dinheiro. Mas saiba
que seu OnlyFans vai bombar, os seus programas vão bombar, seus shows em
boate vão bombar, mas o seu vizinho da padaria vai ficar olhando estranho
pra você e falando, te reconhecendo. Você tem que ter ciência disto."
Marie: Qual é a porcentagem que desiste nesse primeiro papo?
Clayton: Ah muitas, nossa. A maioria. Cara, em média eu recebo de dois a três
e-mails por dia e a gente grava cinco meninos por mês, entendeu? Então a
grande maioria. A mina acha que vai? Minha filha. "Eu vou botar uma
máscara. Sua mãe não te reconheceria se eu tivesse de máscara? Seu pai? É
sério mesmo? Você acha que não vão te reconhecer?" Não faz sentido.
Tiago: E os caras? Também desistem facilmente, assim?
Clayton: Não, o homem, o homem ele vem e não consegue, né? É o contrário.
O homem vem e não dá certo.
E isso aconteceu também na fase do pornô das celebridades. A gente ficou
sabendo que uma cantora de funk e um ex-jogador de futebol (pentacampeão,
aliás) chegaram a topar estrelar os filmes da Brasileirinhas, mas deram pra trás
de última hora.
[Entrevista Clayton Nunes]
Clayton: De chegar, combinar, vir pra assinar o contrato, chegou na hora e
falar ah, meu, puta desisto, desculpa. Várias pessoas, casos interessantes que
não podemos falar, obviamente, porque não assinaram o contrato. Não vou
prejudicar a vida de ninguém. As pessoas devem estar casadas hoje, nunca
mencionaram isso, mas teve um monte de gente.
Marie: Mas eram pessoas que estavam na mídia, né?
Clayton: Na mídia, né? Midiático, todo mundo. Teve ex-Big Brother. Teve
tudo.
Marie: Esse fantasma do "todo mundo vai saber o que você fez" assombra
homens e mulheres de formas diferentes. Enquanto muitas atrizes famosas são
reconhecidas e abordadas o tempo todo na rua, os caras não recebem a mesma
atenção.

O Tony, por exemplo, não é um cara que passa despercebido na multidão. Ele
tem 44 anos, é um cara alto, corpulento, sorridente e, né, ele tá mais de duas
décadas fazendo pornô. Mas ele não é reconhecido e tietado como as atrizes.

Tiago: É, exceto pelos gays. O próprio Tony falou pra gente que é o público
gay que não deixa essa memória morrer. E eles adoram.
Marie: Obrigada, gays.
[Entrevista Tony Tigrão]
Tony: Porra, demais. O que alimenta o nosso público. Nosso público é 100%
praticamente gay assim.
Marie: Você percebia isso porque isso aí sei lá para coisa de autógrafo em
locadora e era muito muito cara gay? Como é que você percebeu?
Tony: Exatamente. Eu percebi porque quando eu saia assim em algum lugar,
sempre eu era reconhecido mais por gay do que que por homem. Aí eu falava
meu como que era pros hétero reconhecer mais, né? Não os gays. E aí eu
percebi assim.
Marie: A Fabi também chama a atenção. Ela é um mulher bonita, morena de
cabelos longos, traços finos, super fitness. Mas ela faz o inverso do Tony. Hoje,
aos 39 anos, Fabi prefere se misturar na multidão, ser discreta mesmo.

Desde que parou de fazer pornô em 2018, ela diz que evita contato
desnecessário com homens que ela não conhece.

[Entrevista Fabi Thompson]


Marie: Você sentiu a diferença de você andar na rua? Porque eu vejo que você
é uma pessoa muito reservada, né? Imagino quando você falou que não gosta
de andar de Uber, seria porque você sente um pouquinho de receio do cara
saber quem você é e ficar te enchendo o saco, por exemplo?
Fabi: Eu já tenho receio de estar perto de homens. Aí você entra no Uber, você
tem que socializar, né? Aí, tipo, você é mulher, você está sozinha, o homem
sempre vai falar alguma gracinha, alguma coisa tipo, eu evito, sabe? Eu só
falo com homens que eu vejo que realmente não vai te encher o saco. Eu
andava muito com Uber que eu sempre andava, "ah, tem esse cara que eu sei
que é legal, se eu ficar quieta ele não vai falar comigo, se eu falar alguma
coisa?" Aí eu andava com esse Uber, mas eu prefiro evitar, em uma hora você
vai ter que falar com essa pessoa, né? Qual a minha garantia de que vai ser
um papo legal? Que eu não quero falar e vou poder ficar quieta?
Marie: Até hoje, a impressão que a gente tem é que o pornô é visto como o pior
dos pecados, o mais imperdoável de todos e, claro, o mais visível. E não
interessa se você fez uma vez ou mil vezes, o preconceito vai te acompanhar
pro resto da vida.

[Entrevista Fabi Thompson]


Fabi: Eu não faço mais nada, mas não interessa o que eu faça além disso. As
pessoas só querem isso aqui, só isso. Não interessa se eu virar Presidente da
República, vai ser "a ex-atriz pornô que virou Presidente da República", tipo,
não sai, as pessoas não querem seu lado bom, sabe? Elas sempre querem
buscar uma coisa ruim sua.
Marie: A Fabi tenta cair no esquecimento e deixar as memórias do pornô pra
trás. Mas tem quem não se desapegue das lembranças, porque elas são tudo que
restou de um passado glorioso.

Tiago: É o caso de um homem que construiu um império milionário que foi


reduzido a dívidas, divórcio e memórias esquecidas em uma sala empoeirada.

No próximo episódio, vamos contar da maior derrocada que o pornô brasileiro


já viu. A ascensão e queda do Império das Bundas.

[Créditos]
O podcast "Brasil para Maiores" tem apresentação, roteiro e pesquisa de
Marie Declercq e Tiago Dias. O roteiro também foi feito por Fernando
Cespedes que adaptou o projeto para podcast. O desenho de som e a
montagem são do João Pedro Pinheiro. A produção é da Marie Declercq, da
Natália Mota e do Tiago Dias. O design é do Marcos Antonio Alves de Lima
Júnior. A direção de arte é da Gisele Pungan e do René Cardillo. A
coordenação é da Juliana Carpanez e da Olívia Fraga. O projeto também
conta com Alexandre Gimenez e Antoine Morel, gerentes de conteúdo, e
Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

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