Livro Professor Vidal Vol02 BAIXA

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VOL 2 - ECONOMIA

FAERJ – Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Estado do Rio de Janeiro

PENSANDO
O LEITE
Vidal Pedroso de Faria
VOL 2 - ECONOMIA
FAERJ – Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Estado do Rio de Janeiro

PENSANDO
O LEITE
Vidal Pedroso de Faria
INSTITUIÇÕES EXECUTORAS Maria Cristina Teixeira de Carvalho
Tavares – Superintendente
FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA,
PECUÁRIA E PESCA DO ESTADO DO REVISTA BALDE BRANCO
RIO DE JANEIRO Nelson Rentero – Editor Chefe
Rodolfo Tavares – Presidente
ORGANIZADOR
SEBRAE-RJ – SERVIÇO DE APOIO ÀS Artur Chinelato de Camargo
MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
DIAGRAMAÇÃO E PROGRAMAÇÃO
Angela Costa - Presidente do Conselho
VISUAL
Deliberativo Estadual
Estúdio Hibrido
Cezar Vasquez - Diretor Superintedente
Armando Augusto Clemente - Diretor IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Evandro Peçanha Alves - Diretor Print Karioca Serviços Gráficos

INSTITUIÇÕES PARCEIRAS REVISÃO


Raquel Oliveira Lima
SENAR-AR/RJ – SERVIÇO NACIONAL
DE APRENDIZAGEM RURAL DO RIO
DE JANEIRO

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Faria, Vidal Pedroso de


Pensando o leite, vol. 3 : manejo / Vidal

colaborador]. -- Rio de Janeiro : FAERJ -
Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do
Estado do Rio de Janeiro : SEBRAE-RJ, 2015.

ISBN 978-85-87533-14-2 (FAERJ)

1. Alimentos 2. Leite - Indústria - Brasil


3. Leite - Produção 4. Leite - Qualidade 5. Manejo
animal I. Camargo, Artur Chinelato de. II. Título.

15-09278 CDD-637.181
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Leite : Engenharia de produção :
Tecnologia 637.181
Sumário
CAPÍTULO 1 - Consumo e defesa do leite

Em defesa do leite 10

E você ainda bebe leite? 12

Consumo de leite 13

A imagem do leite 16

Um fato curioso 18

Leite para matar a fome 20

Sinal de evolução 22

Um fluido insalubre chamado leite 24

O leite denegrido 26

Sabor de leite 29

Preço acessível ou injusto? 31

Cura de câncer com ou sem lácteos 33

Agricultura industrial na berlinda 36

A ameaça da importação 38

Falta de notícias 40

Questionamentos sem sentido devem ser rebatidos 43

Leite adulterado 45

Disponibilidade do leite de vaca 48

Por que o homem bebe leite? 50


CAPÍTULO 2 - Economia

O fantasma da cota 54

E a tal política do leite? 56

Uma questão de gosto e de bom senso 58

Leite com café e açúcar 60

Dúvidas e certezas 62

Pensando no futuro 64

O custo de produção de leite 66

Leite como meio de vida 68

A marcha do leite 70

Leite em São Paulo 72

A estabilidade da produção leiteira 74

Acredite se quiser 76

Liquidação dos plantéis leiteiros 78

Mais um produtor de leite 80

Leite como negócio 82

Leite e pobreza 84

O enigma do leite 86

Vontade de parar 88

Desativação de fazendas leiteiras 90

A volta do velho problema 92

Discordâncias sobre o leite informal 94

Uma moeda chamada leite 97

O Brasil no mundo do leite 99


Os estrangeiros estão chegando 101

Ganhar dinheiro no leite 103

Venda de leite 105

Enfim, o otimismo 108

Desempenho de fazendas leiteiras 110

Leite para a China 112

Entre a carne e o leite 114

O meio rural que não se vê 117

Leite empresarial 119

A magia do leilão 121

Sucesso de fazendas pequenas 124

Tecnologia e a geração de renda 126

O preço do leite na montanha russa 128

Investimento no leite 131

Significado de um litro de leite 133

Para onde vai o preço do leite? 135

Expectativa e realidade 137

Carne de vaca 139

O ano que se inicia 141

Comércio de gado leiteiro 144

E a agropecuária, como é que fica? 146

O patinho feio 148

Prejuízos na produção 151

Competitividade do leite brasileiro 153


Falsas expectativas 156

Animais silvestres nas fazendas 158

Comercialização de bovinos leiteiros 160

CAPÍTULO 3 - Qualidade

O novo produtor de leite 164

Que o hoje nos prepare para o amanhã 166

Leite de qualidade 168

Como mudar uma realidade 170

Conceitos distorcidos 172

Atualização do setor leiteiro 174

In51: realidade por trás da prorrogação 176

CAPÍTULO 4 - Recursos humanos

O problema insolúvel 180

Administrador de fazenda de leite 182

Por algo melhor que ser produtor? 184

Qualificação para o trabalho 186

Mão de obra para fazenda de leite 188

Crescimento da produção: um desafio 190

Entraves na produção de leite 193

Produtividade da mão de obra 195


1.
Consumo e defesa do leite
Em defesa do leite
Revista BALDE BRANCO - nº 348 - outubro de 1993

O leite tem sido utilizado desde os primórdios da civilização e sua


10 importância para a humanidade tem referência na própria Bíblia,
que define a Terra Prometida como farta de leite e mel. É conside-
rado um alimento de alto valor nutritivo, apresentando caracte-
rísticas insubstituíveis para a nutrição de crianças, jovens e ido-
sos. Por ser natural, é rico em proteínas, energia, minerais e vita-
minas e sua importância esta relacionada, principalmente, com o
fato de conter aminoácidos essenciais, não sintetizados pelo or-
ganismo do homem, e cálcio e fósforo de fácil e pronta absorção.

Além de nutritivo, o leite pode ser usado para a fabricação de outros ali-
mentos muito apreciados como queijos, manteiga, iogurte e serve de base
para a produção de sorvetes, chocolates, balas, pudins e outras sobremesas.
O setor leiteiro é também muito importante sob o ponto de vista social,
pois reconhecidamente é gerador de empregos na roça e nas cidades, onde
se constitui em matéria prima para várias atividades industriais. Na forma-
ção da renda bruta da agricultura tem sempre um grande destaque, ocu-
pando os primeiros lugares.

Pelos motivos expostos, não seria admissível supor a existência de propa-


ganda orquestrada contra o leite, seus subprodutos e, até mesmo, o setor
leiteiro, mas infelizmente, teorias desconexas e com falsa base científica
têm sido utilizadas na tentativa de substituir o leite por outros alimentos.

Técnicos da área de saúde e consumidores das mais diferentes posições so-


cioeconômicas ficam impressionados com a retórica que o leite não deve ser
usado por adultos e, até mesmo, por crianças, pois pode ser prejudicial por
trazer malefícios como alergias, constipação intestinal, digestão difícil, irri-
tação dos tecidos e órgãos, e provocar baixos teores de minerais no sangue.

Livros de grande tiragem no Brasil e no exterior dedicam capítulos inteiros


para denegrir o leite e seus subprodutos, e atacam o setor produtivo por
gerar um alimento prejudicial à saúde humana. Toda essa insensatez e ig-
norância pode se tornar um dogma difícil de ser quebrado, pois, na opinião
de um dos promotores da campanha difamatória, “quando se conta uma
mentira muito grande, em voz alta e muitas vezes, mais cedo ou mais tarde
as pessoas acreditarão nela”.

O movimento de desestímulo ao consumo de produtos lácteos está ga-


nhando força na época em que o leite entra na economia de mercado e 11

experiências vividas no mundo todo têm mostrado que a lei da oferta e da


procura não pode ser revogada. Assim sendo, mais do que nunca o setor
precisa reconhecer no consumidor o agente determinante não só do preço,
mas também da absorção do produto. A procura favorece a expansão do
mercado, ao passo que a rejeição concorre para o desmoronamento dos
preços e cria dificuldades operacionais aos laticínios que serão obrigados a
praticar estocagem em períodos de inflação crescente.

Falta de esclarecimento pode levar as pessoas a aceitarem ou não o falso


como verdadeiro. Não existe preocupação de divulgar conceitos corretos
sobre nutrição humana e dificilmente as campanhas promocionais fazem
referências sobre a qualidade dos alimentos. Por esse motivo, o leite é ataca-
do sem defesa, havendo na realidade certa apatia por parte dos ouvintes ou
leitores que, se não aceitam os conceitos distorcidos, também não se preo-
cupam em argumentar a favor ou denunciar o problema que a campanha
pode trazer a um País que luta para exterminar a fome.

Em defesa do leite deve-se levantar também o produtor, que precisa adqui-


rir consciência, produzir um produto de boa qualidade e, sobretudo, criar o
hábito de promover o consumo em seu lar, entre seus amigos e na comuni-
dade onde vive. Essa atitude sempre existiu nos países desenvolvidos onde
frases, atitudes, demonstrações e propagandas procuram colocar o leite no
seu verdadeiro lugar. Defender o leite significa na realidade garantir o mer-
cado e assim criar mecanismos para o desenvolvimento de um setor leiteiro
forte, competitivo e atuante. Assumir a luta é importante, porque não se
pode tirar o leite das crianças.
E você ainda bebe leite?
Revista BALDE BRANCO - nº 393 - julho de 1997

“Você ainda toma leite? Acontece que o consumo frequente de lei-


12 te de vaca e seus derivados - iogurte, coalhada e principalmente
queijos - está associado à asma, urticária, rinite alérgica e a aler-
gias em geral, à artrite, inflamação intestinal, problemas renais,
diabetes, insulino-dependência, à linfoma não Hodgkin e ao cân-
cer, especialmente de pâncreas, dos pulmões e ovários. A questão
é a proteína do leite, dificílima de digerir, que sobrecarrega o sis-
tema imunológico e a três por dois inflama amígdalas e adenoides,
causa sinusite, catarro, resfriados constantes, gases e prisão
de ventre. Para piorar, essa proteína, destinada a construir chi-
fres, pelo e rabo num animal de meia tonelada, chega a nossa mesa
acompanhada de uma quantidade absurda de hormônios e antibió-
ticos que as pobres vacas tomam para produzirem mais leite e não
ficarem doentes. Já notou como as meninas de hoje desenvolvem
seios mais cedo, menstruam logo e tem muito mais displasia mamá-
ria? Se você tem algum dos sintomas descritos acima, faça a prova
dos nove: uma semana sem laticínios! Ah! Mas e o cálcio? De onde
você vai tirar o cálcio para não ter osteoporose se não tomar lei-
te nem comer queijo? Dos vegetais! Ora essa!”

O que vocês acabaram de ler não é ficção, pois se encontra inserido na “Agen-
da Livro da Tribo”, bastante popular entre os universitários e secundaristas do
País, de autoria de Sônia Hirsch. O mais grave é que as referências sobre o leite
como alimento não estão restritas a folhetins, mas também aparecem em livros
de grande circulação em todo o mundo. Anthony Robbins, um dos “papas” da
neurolinguística, também fez referências pouco recomendáveis sobre o leite e
seus subprodutos em seu livro “Poder sem Limites”, atribuindo ao leite pro-
blemas digestíveis graves, alergias e até mesmo deficiências de cálcio. Escreve
absurdos como ““os fortes hormônios de crescimento no leite das vacas desti-
nam-se a fazer um bezerro crescer de 40 kg ao nascer até 450 kg na maturidade
física, dois anos mais tarde. Em comparação, uma criança humana nasce com
cerca de 2,8 a 3,5 kg, atingindo a maturidade física de 46 a 90 kg, 21 anos mais
tarde”. Há uma grande controvérsia sobre o efeito que isso tem na população.
Com toda certeza, técnicos e cientistas que trabalham com nutrição huma-
na tomariam toda essa baboseira como piada de mau gosto, mas os mem-
bros da cadeia produtiva do leite devem levar a sério e entender que existe
no mundo uma campanha contra o leite e seus subprodutos. Em várias
regiões evoluídas, o setor leiteiro estabeleceu campanhas publicitárias so-
13
bre a qualidade e o valor do leite como alimento para o homem, não só
para combater a ação difamatória, como também para elevar o consumo,
que mostrava sinais de declínio. Especialistas em “marketing” no País têm
sugerido que “se os produtores de leite sempre reclamaram das dificuldades
que caracterizam o negócio, daqui para frente irão à loucura”.

A razão, segundo os analistas, é muito simples: uma parcela expressiva do


mercado de lácteos está sendo gradativamente substituída pelo suco de
laranja, cujo consumo está em ascensão, devido ao fato de se tornar um
produto muito acessível para a população, sendo hoje encontrado em qua-
se todos os lugares, inclusive na beira das estradas. Tal fato não deveria
merecer uma atenção toda especial por parte da cadeia produtiva do leite,
que vai caminhando para o terceiro milênio com problemas e dificuldades?

Repensar a oferta e a distribuição, sugerir mudanças de hábitos e usar da-


dos científicos e corretos sobre o leite poderiam sem dúvida, ajudar o pro-
dutor a vender melhor e mais facilmente um produto difícil de produzir e
insubstituível para a saúde desde os primórdios da civilização humana.

Consumo de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 413 - março de 1999

O leite tem sido considerado como um dos alimentos mais impor-


tantes para a humanidade, por ser rico em energia, fornecer pro-
teína de alto valor biológico e ser rico em cálcio e vitamina A. É
apontado como um complemento alimentar insubstituível para a
dieta de crianças e idosos, por apresentar princípios nutritivos
de boa digestibilidade e absorção. Trata-se de um alimento bas-
tante palatável e é usado para a confecção de vários produtos
apreciados pelo homem como queijos, sorvetes, doces, iogurtes,
etc. Constitui-se, também, em complemento importante para a
culinária de alguns países como a França, que utiliza leite, creme
de leite e outros produtos lácteos para a elaboração de pratos
considerados inigualáveis.

14 Nas regiões desenvolvidas, a disponibilidade e o consumo de leite e produtos


lácteos são elevados. Entretanto, algumas tendências de redução foram obser-
vadas no passado por mudanças nos hábitos alimentares, propaganda contra
produtos de origem animal e, algumas vezes, alterações no sabor devido a pro-
blemas na fonte produtora e no processamento. Apesar de tudo, o consumo
continua alto e, por tradição, os povos desenvolvidos consideram o leite e os
produtos lácteos como iguarias e imprescindíveis para uma dieta equilibrada.

No Brasil, por outro lado, verifica-se que a produção é pequena para a po-
pulação existente. Estimativas indicam uma disponibilidade teórica de so-
mente 135 litros por habitante por ano, quando se considera nesse cálculo
os produtos importados. O País tem sido um ativo importador de lácteos,
comprando leite em pó integral e desnatado, longa vida, queijos, manteiga e
outros produtos. As crises periódicas de excesso são aparentes e provocadas
por períodos de retração de consumo, produção desequilibrada no decor-
rer do ano e importações injustificadas para determinadas épocas. Como
consequência da concentração da produção e da renda nas regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Sul, no Norte e Nordeste a disponibilidade e o consumo de
leite e derivados são muito baixos e comparáveis àqueles observados nos
países muito pouco desenvolvidos dos continentes africano e asiático.

O baixo consumo médio de produtos lácteos no Brasil não pode ser atri-
buído somente à pequena produção, nem tampouco ao problema da into-
lerância ao leite, observada em grupos étnicos africanos, asiáticos e medi-
terrâneos. Estudos indicaram que uma grande parcela dessas populações
apresenta dificuldade para a digestão da lactose por herança ou lesões in-
testinais, mas o problema é desconsiderado, como consequência da peque-
na ingestão de leite e subprodutos.

Sem dúvida, existem outros fatores determinantes do baixo consumo como


a concentração de renda, pois é reconhecido que a compra de produtos de
origem animal cresce com a elevação do poder aquisitivo. Estudos realiza-
dos no passado, na cidade de São Paulo, indicaram que as famílias que rece-
biam até 3,5 salários mínimos adquiriam somente 1,7% do leite disponível,
apesar de representarem quase metade do universo pesquisado. A estabili-
dade econômica e a recuperação do poder de compra, após a implantação
do Plano Real*, levaram a um aumento significativo no consumo de leite
e seus derivados, principalmente iogurte, que passou a ser adquirido pelas
15
classes mais pobres da população.

Indiscutivelmente, hábitos culturais também contribuem de maneira mar-


cante para o baixo consumo. A maioria dos brasileiros bebe diariamente so-
mente uma xícara de leite fervido, servido quente em mistura com café ou
chocolate, o que representa a ingestão de 130 a 170 mililitros. Não existe o
hábito de beber leite gelado sem açúcar, mas é muito interessante verificar
o comportamento dos brasileiros em visita a países evoluídos, quando des-
cobrem o sabor inigualável do leite pasteurizado. Num voo doméstico nos
Estados Unidos, a aeromoça ficou intrigada quando a maioria dos partici-
pantes de um grupo de 48 produtores e técnicos solicitou leite com o lanche
oferecido. Também para os produtos lácteos, os hábitos dos brasileiros levam
à utilização como complemento para o café da manhã e ao consumo esporá-
dico como sobremesas. Na culinária pouco se usa, a não ser para a confecção
de pizzas, sanduíches e outros pratos que tem o queijo como base.

O estímulo ao consumo deveria ser parte integrante do setor leiteiro, não


só pelo fato de contribuir para uma melhor nutrição dos brasileiros, mas
também porque não existe sentido em produzir se não houver consumo. O
crescimento e a estabilidade de preços no setor, antigas aspirações dos pro-
dutores, dependem, sempre, da colocação de produtos com preços compa-
tíveis com a renda da população num mercado apto a crescer e se fortalecer
com o tempo.

NOTA DE RODAPÉ: *Plano Real - programa com o objetivo de controle da hiperinflação,


estabilização e reformas econômicas, mais eficaz da história brasileira, sendo lançado
em junho de 1994.
A imagem do leite
Revista BALDE BRANCO - nº 436 - fevereiro de 2001

Em boa hora, de maneira muito adequada e oportuna, parece que o


16 momento vivido no final do século XX, criou um ambiente propício
para se propor algo diferente em relação ao leite. A divulgação
insistente da necessidade de se estabelecer um esforço concen-
trado para uma atividade de “marketing” institucional, visando
aglutinar os segmentos do agronegócio em torno da promoção do
produto e não de marcas, é uma ideia muito feliz, pois o objetivo
será promover o crescimento e a estruturação do setor, asso-
ciando sob uma mesma bandeira, os interesses convergentes dos
componentes das cadeias de produção, transformação, comercia-
lização, fornecedores de insumos e serviços.

Existe a proposição de incrementar a imagem de um produto alimentar in-


substituível e de matéria prima para atividades industriais fora do campo da
alimentação humana, com grande destaque na formação da renda bruta da
agricultura nacional, sendo um dos setores mais importantes na absorção de
mão de obra rural e urbana. Apesar de todas essas qualidades incontestáveis,
o consumo de leite e produtos lácteos é muito baixo, mesmo considerando
o incremento aparente apontado para a última década. O produtor, princi-
palmente ele, deve reconhecer a importância da proposta, pois não adianta
produzir para um mercado modesto, flutuante e de comportamento difícil
de ser previsto, muitas vezes, incapaz de absorver pequenos incrementos que
levam ao aparecimento repentino de excedentes teóricos ou reais.

O tema, “consumo de leite”, já foi comentado em artigos anteriores, onde


se discutiu que o hábito de tomar uma pequena xícara de café com leite ou
chocolate pela manhã, leva o brasileiro médio a consumir, quando muito,
cerca de 150 mililitros do produto fluido por dia. O que chama a atenção é
quando o consumo é zero, como ocorreu recentemente em um café da ma-
nhã de uma reunião de família composta por dez adultos e duas crianças.
Houve ingestão de sucos de frutas, chá, café, refrigerantes, mas o leite ficou
intocado. Uma observação nos hotéis brasileiros revela a mesma tendência
na escolha dos alimentos oferecidos para a refeição matinal.
Fatos dessa natureza são facilmente detectáveis em outras situações, pois, duran-
te as refeições, não existe tradição de consumo, como demonstra o fato de que
em almoços oferecidos por cooperativas ou fazenda produtoras, o único líquido
ausente na mesa farta é o leite, e qualquer solicitação leva ao constrangimento,
por não estar disponível. É fato reconhecido que o consumo de produtos de ori-
17
gem animal depende do poder aquisitivo da população, mas esforços devem ser
dirigidos no sentido de mudar a cultura dos brasileiros em relação ao consumo
de lácteos, tirando-os da incomoda posição de produtos com características de
supérfluo, ou seja, só são consumidos em condições especiais de preço ou con-
veniência, e não porque são importantes para uma dieta equilibrada.

Dentro da promoção, as propostas devem também fortalecer a imagem do leite


como alimento e atividade econômica e social. Em programas matinais e ves-
pertinos de televisão é muito frequente o depoimento de pessoas bem concei-
tuadas no meio artístico, apresentando longas justificativas sobre a necessidade
de eliminação do leite e derivados das dietas, por representarem riscos graves à
saúde. Esses absurdos, que também aparecem em revistas, são assimilados por
donas de casa e crianças, que na realidade são os formadores de opinião dentro
das residências, e a repercussão não é pequena como pode se pensar, pois inú-
meros são os questionamentos apresentados a quem trabalha no setor leiteiro
e com nutrição humana e, surpreendentemente, acatados por alguns médicos.
O fato não é novo, mas nunca houve um esforço institucional para combater as
calúnias apresentadas contra o mais nobre de todos os alimentos.

A mídia também apresenta uma imagem negativa do setor, pois em novelas


de grande audiência, já ocorreu a manifestação de que a atividade não seria
viável, e, portanto, sem importância no meio rural. Atualmente, a produção lei-
teira está presente em uma novela que mostra uma fazenda utilizando animais
não especializados, velhos e mal alimentados, instalações caindo aos pedaços e
ordenha manual com bezerro ao pé. Como mostrado, tudo parece uma brin-
cadeira, sem objetivos definidos. O pior da estória são o incentivo para o con-
sumo de leite cru e a produção de queijo informal em condições deploráveis.
Está sendo vendida uma imagem deturpada do produtor, pois os habitantes
das grandes cidades e principais consumidores, não sabem como é uma produ-
ção racional de leite e derivados de qualidade e a necessidade de investimentos,
esforços e empenho para o sucesso de uma atividade difícil e complexa, que
merece reconhecimento e respeito.
Um fato curioso
Revista BALDE BRANCO - nº 451 - maio de 2002

Dentre os fatores que possibilitaram o crescimento e sedimenta-


18 ção da pecuária leiteira no mundo desenvolvido, a associação de
produtores, indústrias, sociedade e governos para estimular o
consumo de leite e derivados foi um dos mais significativos.

As fazendas visam explorar o produto dentro de conceitos econômicos e,


por esse motivo, têm grande interesse em aumentar a produção e a venda.
Os laticínios, com objetivos empresariais, almejam matéria prima abun-
dante, de boa qualidade, para a obtenção de rendimento e garantia de ven-
da de produtos superiores dentro do mercado competitivo. Os membros
conscientes da sociedade promovem o consumo de um alimento de valor
nutritivo incomparável para crianças e idosos, e os empresários do ramo da
alimentação esperam contar com um ingrediente que entra em quase to-
das as receitas de pratos de grande aceitação e de sobremesas inigualáveis.
Os governos sérios e preocupados com problemas de subnutrição devem
dar prioridade ao leite e derivados para a complementação de dietas para
crianças em qualquer fase do crescimento, criando programas que facilitem
a obtenção dos produtos pela comunidade.

Na entrada do século XXI, alguns membros bem intencionados ligados ao


setor lácteo brasileiro passaram a divulgar a necessidade de se estabelecer
um “marketing” institucional do leite, visando aos mesmos objetivos men-
cionados, colocando ênfase nas crianças por serem os grandes beneficiários
do consumo e também porque serão os formadores de opinião das novas
gerações. O trabalho é bem estruturado, dentro dos limites de apoio que
conseguem, e merece ser divulgado e ampliado por todo o País, para que
não se transforme em mais um acontecimento que poderá, no futuro, vir a
se constituir num fato histórico com início e, muitas vezes, sem justificativa
de ter se perdido no tempo.

Poucas pessoas ligadas ao setor lácteo ouviram falar que a Federação Pau-
lista de Criadores de Bovinos propôs criar, em setembro de 1927, o “Conse-
lho do Leite” que deveria ser composto por criadores, industriais, técnicos
ligados à atividade, professores e senhoras da sociedade, com o objetivo de
“promover a produção intensa do bom leite higiênico ou sanitário e propa-
gar o seu uso como bebida e como alimento incomparável que é, desper-
tando assim, entre nós, o hábito de cada pessoa tomar por dia, no mínimo,
meio litro de leite, e ainda mais, o hábito de tomarem o queijo, a manteiga e
o creme como alimentos e não como accessórios de refeições e sobremesas”.
19

Os produtores da época ficaram impressionados com os resultados con-


seguidos por um órgão similar criado em 1917 nos Estados Unidos que
conseguira, em um ano de trabalho consciente, elevar em 33% o consumo
de leite fluido. Deve-se mencionar que, em 1925, o americano médio já
ingeria mais de 700 gramas de leite por dia, mas levantamentos nas escolas
da Califórnia indicaram que 41% das 55 mil crianças pesquisadas não con-
sumiam leite. O estudo americano revelou, para os políticos, que a distri-
buição de leite nas escolas promovia ganho de peso, poder físico, atividade
mental, progresso escolar, resistência a enfermidades, sociabilidade, e as
crianças que recebiam o alimento nobre terminavam a 8a. série dois anos
mais cedo. Esse fato tinha um significado muito grande para a sociedade
já que, considerando-se o custo de cada estudante nas escolas públicas, a
economia era considerável e os benefícios sociais imensuráveis. Após as
conclusões obtidas com o estudo, que durou oito anos, ecoou por todo o
território americano a mensagem de que o leite gratuito aos escolares era
tão necessário e benéfico quanto os livros.

O documento que divulgou a mensagem 75 anos atrás terminava di-


zendo que a Federação Paulista de Criadores de Bovinos receberia com
muito prazer, em sua sede social, as sugestões e adesões de todas as
pessoas que desejassem cooperar na organização do Conselho do Leite.
Como não se tem notícia de que a proposta se transformou em realida-
de, pode-se imaginar que não recebeu nem sugestões, nem apoio e que
a produção cresceu consideravelmente, mas com uma estrutura frágil,
pouco organizada e com problemas crônicos. Como o desempenho das
crianças que bebem leite na escola nunca foi avaliado, a sociedade con-
tinua pagando pelos males nem sempre visíveis, mas significativos, da
subnutrição. Os governantes, não tendo ideia do que significa o leite
para o País, consideram o setor uma atividade agrícola que não merece
atenção especial, nem mesmo para promover o consumo em benefício
da geração que poderia tornar o Brasil desenvolvido.
Leite para matar a fome
Revista BALDE BRANCO - nº 460 - fevereiro de 2003

Matar a fome não significa simplesmente ter o que comer. Entre as


20 propostas do governo que se inicia, o programa de disponibilizar
alimentos para a população vem recebendo destaque e é conside-
rado prioritário para desenvolvimento do bem estar de uma gran-
de parte de brasileiros. Mas, ênfase deveria ser dada ao fato de
que, mesmo comendo, é possível que exista nutrição inadequada,
que leva a uma série de problemas sérios, identificados há muito
tempo, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.

Estudos publicados na metade do século XX caracterizavam subnutrição


como uma cadeia de eventos capaz de contribuir para condições inadequa-
das de vida, afetando também a possibilidade de se obter desenvolvimento
econômico e social. Nutrição deficiente em adultos provoca fraqueza, fadi-
ga, incapacidade de desenvolver bem o trabalho, falta de ambição, depres-
são, irritabilidade, instabilidade emocional, perda de resistência a enfermi-
dades infectocontagiosas e, também, aumento dos acidentes de trabalho.

Existe consenso de que nutrição inadequada de crianças, associada à falta


ou educação deficiente, é o grande entrave para o desenvolvimento de qual-
quer país. O desempenho escolar está relacionado não só com a qualidade
do ensino, mas também com o fato de as crianças subnutridas apresenta-
rem problemas de desenvolvimento mental, que pode afetá-las para o resto
da vida. As mazelas podem ter início com a subnutrição do feto, que poderá
afetar, se grave, o desenvolvimento físico e mental dos recém-nascidos e
elevar a taxa de natimortos. Crianças que sobrevivem a períodos de subnu-
trição apresentam crescimento retardado, alterações no desenvolvimento
da cabeça e do cérebro e, em certos casos, retardamento mental.

Deficiência severa de proteína no período infantil pode promover o apare-


cimento do Mal de Kwashiorkor, caracterizado por perda de apetite, apatia,
alterações na pigmentação da pele e cabelos, crescimento físico e mental
retardado, problemas digestivos e edema abdominal pronunciado. Geral-
mente, associada com falta de energia (conhecida como marasmo), mine-
rais e vitaminas, provoca também anemia, cegueira, papo e possibilita efei-
tos deletérios de verminoses e diarreias, causando elevação na mortalidade
infantil e os outros problemas já mencionados.

Considerando todos esses fatos é que, no programa Fome Zero*, o leite


deve receber uma atenção toda especial, por ser considerado um ali-
mento de valor nutritivo excepcional, insubstituível para a nutrição 21

adequada de crianças e idosos. Em adição ao elevado valor calórico, o


leite contém proteína de alta qualidade sendo também rico em minerais
e vitaminas e, por isso, possibilita nutrição adequada. Por apresentar
uma das melhores fontes de cálcio de elevada biodisponibilidade, o leite
é considerado indispensável para crianças e adultos e o consumo diário
de um litro fornece todo o cálcio necessário.

Sabe-se, hoje, que o leite também contém fatores nutricionais que benefi-
ciam vários aspectos relacionados com a saúde humana como peptídeos
bioativos, componentes importantes na gordura como CLA (Ácido Li-
noleico Conjugado), vitaminas, ácidos graxos essenciais ao organismo,
Omega 3, etc. Acima de tudo, é uma fonte importantíssima de proteína de
elevado valor biológico, sendo um líquido que contém proteína não dis-
solvida, mas, sim, na forma de micélio (caseína). Além de todas as qua-
lidades mencionadas, o leite pode ser usado para produção de alimentos
de grande aceitação como queijos, iogurtes, sorvetes e outros produtos
doces e salgados, todos bastante apreciados por crianças e adultos.

Na época em que os países desenvolvidos ainda estavam em desenvol-


vimento, havia fome nutricional e todas as consequências já enuncia-
das. Estudos revelaram que a distribuição de leite nas escolas contribuiu
para melhoria do crescimento, desempenho escolar, redução nas taxas
de reprovação e economia para os governos por redução nos índices
de doenças e aproveitamento escolar. Uma simples medida de com-
plementação nutricional com um alimento de elevado valor nutritivo
contribuiu para criar o alicerce sobre o qual foi possível promover o
crescimento de várias nações.

Considerando a realidade sobre o leite e os fatos históricos, a proposta


de combate à subnutrição não poderá deixar de lado programas de dis-
tribuição e incentivo ao consumo de leite, fato que beneficiaria também
outra prioridade anunciada, que é a criação e manutenção de empregos,
já que a atividade absorve grande contingente de mão de obra, além de
contribuir para reduzir a migração de pessoas para os centros urbanos.
Se o combate à subnutrição for deflagrado, e não a simples distribuição
de alimentos, o setor leiteiro será beneficiado e terá de ser mais uma
prioridade do governo que se inicia.
22

NOTA DE RODAPÉ: *Fome Zero - programa do governo federal brasileiro criado em 2003 para
o enfrentamento da fome e da miséria.

Sinal de evolução
Revista BALDE BRANCO - nº 508 - fevereiro de 2007

O consumo de leite está relacionado com o desenvolvimento eco-


nômico, cultural e social, pois sociedades mais evoluídas são as
que bebem mais leite, consomem mais queijos e uma infinidade de
produtos lácteos, e apresentam uma indústria de laticínios de-
senvolvida e sofisticada para a produção de produtos variados e
de boa qualidade.

Além disso, encontra-se também nessas regiões a utilização de compostos


obtidos pelo fracionamento do leite numa infinidade de moléculas ou subs-
tâncias usadas para elaboração de remédios, produtos diversos e alimentos
chamados funcionais. Por exemplo, a indústria de cosméticos descobriu as
propriedades das proteínas lácteas para embelezamento e preservação dos
cabelos, pele e unhas, e as utiliza na fabricação de sabonetes, xampus e cre-
mes hidratantes. Este é um setor em expansão e pode abrir perspectivas para
incrementar o uso do leite e também divulgar as qualidades de características
desconhecidas do produto para um segmento industrial em franca expansão,
que cuida da beleza e investe em propaganda de maneira contínua e intensa.

Outro setor também em expansão é o do fracionamento do leite para iso-


lamento de minerais, proteínas e outros componentes para uso em suple-
mentos alimentares, devido à grande digestibilidade dos compostos lácteos,
sobressaindo-se o cálcio, que tem reconhecida importância no combate à
osteoporose, um problema que se torna preocupante por causa dos hábitos
de vida sedentária da atualidade.
É preciso lembrar que, durante o desenvolvimento das civilizações, os ha-
bitantes da região norte da Europa sempre tiveram contato próximo com
vacas leiteiras, consumindo grandes quantidades de leite fresco e produtos
lácteos que aprenderam a fazer em épocas muito remotas. Por esse motivo,
apresentaram muito cedo capacidade de digestão de lactose na idade adul-
23
ta, contrastando com o ocorrido com povos que habitavam regiões onde o
consumo de leite de bovinos era inexistente, pequeno ou irregular.

Resultados de estudos recentes revelaram que a seleção natural ocorrida


também na espécie humana favoreceu os indivíduos que, por mutação ge-
nética, adquiriram a capacidade de digerir lactose na idade adulta, passan-
do a ser tolerantes ao leite com o avançar da idade. A mudança ocorreu há
muito tempo nas populações que utilizavam produtos lácteos regularmente
e em grande quantidade, como os povos nórdicos que habitavam regiões do
sul da Noruega até a Áustria e da Holanda até a Ucrânia. Estudos genéticos
indicaram que a mutação conferiu grande vantagem seletiva, permitindo
que pessoas portadoras de tolerância ao leite deixassem dez vezes mais des-
cendentes do que as não portadoras de genes para manter ativa a capacida-
de de digerir a lactose, pois 99% da população apresenta essa característica.

Pesquisando a ocorrência de mutações genéticas na África, os estudiosos


descobriram que os povos pastores, que sempre mantiveram uma associa-
ção íntima com os bovinos, também apresentavam tolerância à lactose e
adquiriram a capacidade em épocas remotas, gerando também maior nú-
mero de descendentes. Por outro lado, populações que não apresentavam
o hábito de consumo de lácteos, como índios americanos, tribos africanas,
povos asiáticos e habitantes de áreas mediterrâneas da Europa, revelam
grande concentração de indivíduos com características de intolerância ao
leite e, por tradição, não mantiveram com a vaca leiteira uma relação de
dependência. Os geneticistas que conduziram os estudos afirmaram que a
mutação ocorrida para permitir o consumo de leite sem restrições com o
avançar da idade foi uma das mais vigorosas assinaturas genéticas da sele-
ção natural por que passou a humanidade em sua evolução ao longo de um
grande período de tempo.

Deve-se também considerar que, na opinião de historiadores, o hábito de


consumo de lácteos, como consequência da domesticação dos bovinos, foi
o alicerce que possibilitou a sobrevivência do homem no clima inóspito
do hemisfério norte, garantindo alimento, couro para vestuário e instru-
mentos de trabalho, e também força motriz importante para trabalhos e
locomoção na época.
24 Além desses aspectos, o fato de o leite ser um complemento alimentar de
qualidade inigualável pelo valor energético, protéico, mineral e vitamíni-
co, criou possibilidade para o desenvolvimento não só físico, mas também
mental, como mostram estudos feitos no início do século XX com crianças
em idade escolar, caracterizando a importância do produto para a alimen-
tação de jovens na fase de crescimento. Desde longa data, se sabe que a
desnutrição, principalmente, a protéica, causa problemas no crescimento,
na aprendizagem e até retardamento mental.

Reconhecer a importância da ingestão de leite para a evolução da sociedade


brasileira certamente contribuiria para aumentar o consumo e, talvez, criar
a consciência da importância da distribuição do mais nobre dos alimentos
em escolas públicas, com programas que têm início, não são ampliados e,
muitas vezes, são descontinuados.

Um fluido insalubre chamado leite


Revista BALDE BRANCO - nº 511 - maio de 2007

Campanhas contra o consumo de leite não são novidade. Já fo-


ram comentadas em artigos anteriores, mas estão se tornado
mais frequentes, e os absurdos ficam cada vez maiores e inveros-
símeis. O início da doutrinação começa sempre com a proposta de
que o leite não é necessário, porque nenhum animal adulto se
alimenta do líquido que se destina somente ao recém-nascido.

Essa argumentação, que ainda é divulgada pela mídia e comentada por


pessoas que acreditam em dogmas sem comprovação científica, carece
de fundamento porque, quando disponibilizado para animais adultos, é
avidamente consumido, como acontece com caninos, felinos, bovinos,
equinos, etc. O que na realidade acontece é que falta aos animais adultos
oportunidade de encontrar à disposição o alimento palatável e nutritivo.
Em trabalhos científicos conduzidos no passado com vacas leiteiras, os ani-
mais foram induzidos a se alimentar com leite colocado em mamadeiras e
a visão de bovinos adultos sugando avidamente o leite era, além de interes-
sante, bastante pitoresca. Quem foi criado em fazendas leiteiras pode ter
visto alguma vez, um boi de carro adulto, grande e chifrudo, que todas as
25
vezes que encontrava uma vaca velha e dócil mamava com a sofreguidão de
um bezerro. A cena é sempre engraçada, pois o animal assume uma pos-
tura inusitada para conseguir sugar as tetas cheias de leite, muitas vezes, se
ajoelhando para mamar.

Causa espanto e indignação encontrar na mídia artigos, supostamente escri-


tos por médicos, apresentando afirmações de que “o leite é um fluido insalu-
bre de animais doentes que contém uma gama ampla de substâncias perigosas e
causadoras de doenças, e que tem efeito cumulativo prejudicial sobre todos que
o consomem. Não é natural para seres humanos beber leite de vaca. O leite hu-
mano é para seres humanos. O leite de vaca é para bezerros. Você precisa tanto
de leite de vaca quanto precisa de leite de rata, leite de égua ou leite de elefante.
O leite é um fluido com alto teor de gordura, projetado para transformar um
bezerrinho recém-nascido de 35 kg em uma vaca de 200” (sic).

A argumentação inusitada continua relatando que “todo leite de vaca con-


tém 59 hormônios ativos, vários alérgenos, gordura e colesterol. A maior par-
te do leite de vaca contém quantidades mensuráveis de herbicidas, pesticidas,
dioxinas, até 52 antibióticos poderosos, sangue, pus, fezes, bactérias e vírus. O
leite de vaca pode conter resíduos de tudo o que a vaca come, inclusive, restos
radioativos de testes nucleares”.

Outra afirmação descabida é que “o leite pode, se considerado carne líquida


por causa de seu alto conteúdo de proteína, em conjunto com outras proteí-
nas, na verdade, tirar cálcio do corpo. Países que consomem dietas ricas em
proteína (carne, leite e laticínios) têm as taxas mais altas de osteoporose”.

A longa lista de bobagens contém uma relação de problemas atribuídos ao


leite, como câncer, doenças infecciosas, etc., mas uma pérola merece des-
taque, se referindo à caseína como “um aglutinante poderoso, um polímero
usado para fazer plásticos, e uma cola ótima para mobílias resistentes e para
colar rótulos de cerveja. É um alérgeno poderoso, uma histamina que cria
grande quantidade de muco”.
As considerações poderiam fazer parte de um texto cômico, considerando
os fatos criados com grande imaginação, falta de fundamentação científica
e uma dose elevada de radicalismo absurdo. Mas qual seria o objetivo para
que o leite sofra tanta difamação? Certamente, a ignorância ocupa posição
de destaque, mas deve-se também considerar má fé para induzir à doutri-
26
nação de que, na alimentação vegetariana, devem ser eliminados da dieta
os produtos de origem animal.

Alguns textos justificam que os herbívoros crescem vigorosos sem o consu-


mo de produtos de origem animal e que, por isso, a carne e o leite podem e
devem ser eliminados. Não se menciona, entretanto, que esses animais são
incapazes de digerir completamente os vegetais e que só sobrevivem por-
que possuem aparelhos digestivos complexos em que microrganismos se
alimentam das plantas e se multiplicam rapidamente, e os herbívoros então
se alimentam dos diminutos seres vivos, dos compostos orgânicos que ela-
boram, sendo capazes de transformar plantas em aminoácidos essenciais e
outros produtos, típicos dos alimentos de origem animal.

A vaca leiteira, um animal herbívoro ruminante, vive em simbiose com mi-


crorganismos que fornecem ao animal proteínas, cuja composição em ami-
noácidos é muito semelhante à do leite. Todos os herbívoros se alimentam
de produtos semelhantes aos de origem animal. O homem, por ser onívoro,
não tem um aparelho digestivo especializado no consumo exclusivo de ve-
getais, como o elefante, a égua, a girafa, e tantos outros.

Desmentir afirmações caluniosas sobre o leite não deve ter como objetivo
somente eliminar barreiras que possam reduzir seu consumo, mas também
difundir conceitos corretos de nutrição para o bem estar da humanidade.

O leite denegrido
Revista BALDE BRANCO - nº 518 - dezembro de 2007

Uma série de desenhos mostrando piadas sobre leite adultera-


do está sendo difundida pela internet, revelando que a fraude
detectada e intensamente divulgada pelos meios de comunicação
teve repercussão ampla, afetando sem dúvida a imagem do leite,
um alimento que sempre foi considerado de valor nutritivo incom-
parável e insubstituível na alimentação de crianças e idosos.

Insinuações sobre problemas para a saúde mostram, num desenho bem


feito, o médico examinado a radiografia de um intestino com problemas,
dizendo ao paciente que deveria parar de beber, e recebe a resposta de que 27

agora só bebe leite. Outra charge mostra uma jovem morena bebendo leite
no primeiro quadro e, no segundo, ela se transforma em loura, e o texto diz
““o Ministério da Saúde adverte que beber leite com água oxigenada pode
fazer você demorar a entender essa piada”. Uma empregada com um frasco
de produto de limpeza na mão dizendo para a patroa que acabou a água
sanitária recebe como resposta de que pode utilizar leite para a limpeza,
porque o efeito é o mesmo.

Os desenhos bem feitos e sugestivos não pouparam nem os políticos que uti-
lizaram bovinos para justificar o injustificável, pois em um deles, uma vaca
malhada e chifruda diz que depois da boiada de Alagoas, da bezerra de Bra-
sília e da fraude do leite, a reputação da categoria está abalada em todo o País.

Na imaginação dos piadistas, nem os produtores foram poupados, pois fo-


ram retratados promovendo adulteração no leite durante a ordenha, apesar
de o problema levantado e amplamente debatido ter sido atribuído somen-
te ao segmento industrial. Esse fato indica que a imagem de toda a cadeia
produtiva foi afetada, criando uma reputação incompatível com a realidade
do setor produtivo e industrial.

Condenar o todo pela exceção parece fazer parte da natureza humana e,


por isso, existe a necessidade de revelar ao grande número de consumido-
res o que realmente é, e como funciona a atividade leiteira, mostrando que
a maioria dos produtores e laticínios trabalha adotando princípios éticos.
A urbanização da população brasileira fez com que a maioria dos consumi-
dores não tenha a menor ideia do que acontece da ordenha até o processa-
mento final do produto, desconhecendo que a entrada do leite no rol dos
produtos exportados pelo Brasil, prova que qualidade também faz parte do
setor lácteo, pois ninguém exporta o que não é adequado para o consumo.

Fraude é um crime praticado com objetivo econômico por indivíduos ga-


nanciosos e desprovidos de conceitos éticos, sendo identificada em vários
produtos para o consumo humano. Adulterações detectadas em produtos
como mel, doces e bebidas alcoólicas são comuns, mas nem todos têm re-
percussão, porque, muitas vezes, não se trata de alimentos essenciais, como
no caso do leite. Agricultores podem ser prejudicados por adulterações em
adubos, sais minerais, ingredientes para rações e remédios para animais.
28

O relato de adulterações em medicamentos importantes como antibióticos


configura um crime hediondo, responsável pela morte de um grande número
de pessoas, como já ocorreu na África com produtos fabricados clandestina-
mente na Suíça por indivíduos inescrupulosos. O problema é antigo, existindo
relatos de adulteração de leite para consumo em 1850, na cidade de Londres
na Inglaterra, fato que forçou a promulgação de leis para coibir práticas ilícitas,
ocorrendo o mesmo problema em Boston, nos Estados Unidos, em 1856.

A vigilância sanitária também não foi poupada nas caricaturas, apesar de


não ser possível condenar um segmento importante para o setor lácteo por
fatos isolados. Considerando todas as deficiências de pessoal e dificuldades
de apoio, os fiscais sempre tiveram um papel importante na modernização
e melhoria da qualidade do leite e dos produtos derivados no Brasil, mas
como resultado da repercussão do fato para a população que compra pro-
dutos lácteos nas cidades brasileiras, mais um setor foi maculado.

A configuração de ato criminoso em casos graves e o rigor na punição são


as maneiras de reduzir a tentação de ganho ilegal e fácil com produtos ali-
mentícios ou farmacêuticos. Atenas e Roma, em tempos remotos, tinham
leis severas sobre a adulteração de alimentos. Em 1872, a legislação inglesa
impunha multas pesadas pela primeira infração e, no caso de reincidência,
seis meses de prisão em regime de trabalho forçado.

Se o consumidor tivesse certeza de que os fraudadores seriam exemplar-


mente punidos por atos conscientes e premeditados para tirar proveito em
benefício próprio, certamente os casos como o do leite não seriam comen-
tados por tanto tempo, nem promoveriam tanta desconfiança nos consu-
midores, pois fatos isolados serviriam de exemplo para poucos com cora-
gem de enfrentar as punições. Como consequência, os agentes da cadeia
produtiva que atuam dentro da lei não seriam denegridos como foram num
episódio isolado em que párias da sociedade agem, mesmo sabendo que
cometem delitos graves.
Sabor de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 528 - outubro de 2008

Quem viveu ou passeou na roça na época em que a ordenha era so-


mente manual e teve oportunidade de tomar leite puro e quente 29

ao pé da vaca, conheceu uma bebida diferente, peculiar e agradá-


vel, por ingerir um líquido espumoso que se obtém quando os ja-
tos da ordenha são vigorosos. No passado distante, quando ainda
se viajava de trem movido a vapor, era também possível encontrar
nas pequenas estações de abastecimento de água e lenha, vacas
prontas para fornecer leite aos viajantes, e sempre se formavam
filas de pessoas que apreciavam o leite tirado na hora.

Mais recentemente, com a expansão das rodovias asfaltadas, surgiram as pa-


radas de leite ao pé da vaca, que muito sucesso faz entre crianças e adultos,
pois no local existem, além de animais, também queijos caseiros, manteigas,
doces e guloseimas. Apesar do sucesso, poucas pessoas experimentam o sa-
bor verdadeiro do leite fresco e quente pela tradição de sempre se adicionar
açúcar, café, chocolate ou, algumas vezes, até conhaque, quando o tempo está
frio. O gosto e o aroma, apesar de agradáveis, não podem ser caracterizados
como típicos do produto ordenhado, por conter as substâncias flavorizantes.

O hábito antigo e arraigado de ferver o leite assim que chega às cozinhas,


para evitar que fique azedo em tempo relativamente curto, ainda se man-
tém, mesmo quando não há necessidade. A prática passou a fazer parte do
cotidiano, e produtos de melhor qualidade, como leites tipo A ou tipo B,
também são, muitas vezes, fervidos, pois existem pessoas que se acostu-
maram e, por isso, preferem o sabor levemente caramelizado do produto
superaquecido, não característico de leite de vaca.

Com o surgimento do leite longa vida, um produto esterilizado que se man-


tém à temperatura ambiente, a fervura nem sempre foi abandonada, até
mesmo por fazer parte da tradição. O tipo longa vida ingerido sem fervura
também não tem sabor característico do leite puro, devido ao aquecimento
industrial, mas o fato nunca chamou a atenção, porque também recebe adi-
ção dos produtos que tradicionalmente são misturados ao leite.
As características de cheiro e gosto do leite podem ser alteradas por ativi-
dades relacionadas com o manejo das vacas leiteiras. Esse problema não é
discutido em nosso meio porque raramente se toma leite puro, mas é perce-
bido facilmente por pessoas que reconhecem o gosto característico do leite
puro de boa qualidade. Sabor de oxidação pode ser percebido quando o lei-
30
te entra em contato com recipientes de cobre, ferro ou exposição excessiva à
luz, ou quando as vacas passam por problemas de deficiências nutricionais.

O gosto ligeiramente rançoso aparece quando ocorre quebra dos glóbulos


de gordura por uso de bombas centrífugas ou furos nas tubulações para
transporte de leite nos equipamentos de ordenha mecânica. Alimentos ofe-
recidos aos bovinos, que apresentem cheiro forte, podem conferir ao leite
sabores não característicos. Por esse motivo, surgem recomendações de
fornecimento de forragens conservadas bem antes da hora da ordenha, ou
logo em seguida, e é preciso tomar certos cuidados com polpa cítrica fresca
ou outros subprodutos que tenham cheiro forte.

O sabor salgado pode aparecer como consequência de mastite ou leite ob-


tido no final do ciclo de lactação; e sabor ácido, como resultado da ação de
bactérias sobre os compostos orgânicos do leite. A exposição do leite ao ar
em estábulos fechados, sem ventilação, pode promover o aparecimento do
cheiro e gosto característicos do ambiente, fato identificado por estrangei-
ros que visitam o País e percebem o odor desagradável, quando a produção
não é conduzida de maneira higiênica e cuidadosa.

O leite em pó, condensado ou fermentado para a produção de iogurtes,


perde o sabor característico. O mesmo acontece quando é usado na confec-
ção de doces, sorvetes ou na culinária, mas a presença sempre confere sabor
inigualável, seja na forma integral, como manteiga ou proteína coagulada.
O leite e seus subprodutos fazem parte dos ingredientes considerados es-
senciais para o preparo de alimentos finos.

Sabor e aroma característicos de leite só são notados quando o produto in-


gerido é de boa qualidade, pasteurizado, contendo teor normal de gordura
e sólidos totais. Percebe-se gosto adocicado, odor suave e sabor muito agra-
dável, quando ingerido gelado. Se a gordura é homogeneizada no produto
integral para que fique incorporada ao líquido, na deglutição se sente uma
sensação aveludada.
A única maneira de definir o sabor de leite puro, de boa qualidade, é dizer
que tem sabor de leite, porque não existe nada tão agradável ou compará-
vel. Se ocorrerem mudanças nos hábitos alimentares da população, cheiro
e gosto serão variáveis importantes que poderão contribuir para o aumento
do consumo, como ocorre na maioria dos países em que, por tradição, a in-
31
gestão de leite se faz sem adição de outros produtos, e as pessoas aprendem
a apreciar o verdadeiro sabor de leite.

Preço acessível ou injusto?


Revista BALDE BRANCO - nº 538 - agosto de 2009

Mais uma vez, canais de televisão e jornais voltaram a destacar que


o preço do leite ao consumidor teve aumento e, como sempre acon-
tece, aparecem também depoimentos de donas de casa lamentando o
fato e oferecendo receitas caseiras para preparar salgados, doces
e bebidas sem a utilização do produto.

Esta é uma rotina que se repete desde a metade do século XX, quando o governo
brasileiro, em 1945, passou a tabelar o preço de aquisição e venda do produto,
visando fundamentalmente atender à expectativa do consumidor por preços su-
postamente compatíveis com o nível de renda da população. Durante os 46 anos
de intervenção, as donas de casa acompanharam com grande interesse as inter-
mináveis discussões que se estabeleciam entre produtores, indústrias e governo.

Para garantir o abastecimento, que periodicamente se mostrava deficiente, o


poder público passou a ser grande importador, fato que tinha relevância no co-
mércio internacional e ocupava a mídia, ora sob o ponto de vista do produtor
e quase sempre sob o do consumidor, pois tinha relação com abastecimento.
Com o longo período de exposição na mídia, o preço do leite ao consumidor
passou a ser fato de destaque e de atenção, e criou a cultura do preço acessível,
que permanece até hoje, favorecendo o aparecimento de notícia de destaque,
principalmente nos telejornais.

Esta situação não é favorável ao setor leiteiro, pois o produto passa a ser
uma espécie de vilão e é sempre motivo de críticas e reclamações, sem ha-
ver uma tentativa de caracterização de fatores que determinam elevação
de preços ao consumidor. Na economia de mercado o preço do leite, como
também de outros produtos agropecuários, são frequentemente determi-
nados por fatos e fatores desvinculados da atividade produtiva e as oscila-
ções são normais e características do modelo econômico prevalecente.
32 Numa época em que campanhas bem orquestradas contra o consumo de
leite e derivados, apontados como alimentos desnecessários e até mesmo
“venenos mortais” em livros, revistas e TV, a insatisfação de ter havido ele-
vação de preço pode ser um componente perigoso para estímulo ao aban-
dono do leite como alimento. Deveria existir uma reação esclarecedora
para a população sobre os fatores determinantes da elevação de preços no
varejo e, ao mesmo tempo, um reforço na imagem do leite como alimento
de qualidade inigualável e essencial para a humanidade.

Se para o consumidor o controle governamental criou a expectativa de pre-


ços baixos e acessíveis, fazendo com que em qualquer elevação fosse ime-
diatamente discutida nos meios de comunicação, para o setor produtivo
a política intervencionista inadequada introduziu a expectativa de preço
injusto, motivo de reclamações e fonte de desânimo. No período de contro-
le, as demandas por preço ao produtor eram confrontadas com as planilhas
simuladas de custo, gerando então a cobrança por valores compatíveis com
os números apresentados.

Como o casamento de interesses era difícil, e as planilhas, nada realistas, os


produtores de leite viviam insatisfeitos, porque o governo se mostrava mais
interessado em não permitir aumentos grandes ao consumidor, visto que
o produto tinha participação efetiva no cálculo da inflação mais ou menos
acelerada da época. Outro destaque era a variação sazonal determinando
valores específicos para cota e extracota, num período em que os fazen-
deiros enfrentavam grandes dificuldades para produzir em determinadas
épocas, porque adotavam práticas rudimentares de produção extrativa e
desconheciam tecnologia de produção de suplementos volumosos.

O clima se encarregava de oferecer condições favoráveis para produção em


“excesso” nas águas, fato que desestabilizava o mercado devido à entrada
de leite proveniente de sistemas extrativistas que só tinham possibilidade
de contribuir efetivamente nesse período do ano. A discrepância de preços
sempre foi motivo de controvérsia, revolta e desânimo e insatisfação no
setor produtivo, que considerava a política orientada somente para as in-
dústrias e o consumidor. Todos esses fatos criaram a mentalidade do preço
injusto, ao qual são atribuídas todas as dificuldades para a produção de
leite, mesmo com a entrada do mercado regulando o preço recebido pelo
produtor e pago pelo consumidor.
33

O conceito arraigado de preço acessível ao consumidor e injusto ao produtor


está, hoje, sedimentado tanto na população urbana como entre os produtores
de leite, a ponto de pessoas totalmente desvinculadas da atividade, emitirem
opiniões sobre o fato. Por força da constante exposição em meios de comuni-
cação e da permanência nas intermináveis discussões e análises sobre o setor
leiteiro, existe a certeza de que o preço é o grande obstáculo para evolução da
pecuária leiteira, com a argumentação de que, sendo injusto, impede a ado-
ção de tecnologia, impossibilita investimentos e pode, até mesmo, inviabili-
zar a atividade. Assim sendo, são desconsiderados pelos produtores aspectos
importantes que efetivamente afetam a produção e, consequentemente, a
economia do processo produtivo nas fazendas leiteiras do País.

Cura de câncer com ou sem lácteos


Revista BALDE BRANCO - nº 539 - setembro de 2009

Questionamentos frequentes sobre a cura do câncer de mama e


próstata pela eliminação de alimentos lácteos da dieta, certa-
mente têm como origem mensagens anônimas transmitidas pela
internet, que descrevem situações vividas por pessoas que, em
desespero, passaram a procurar formas alternativas de cura e,
segundo relatos, encontraram. As mensagens são redigidas com
intuito de dar veracidade ao fato e citam instituições ligadas à
saúde pública de outros países, colocam junto aos nomes das pes-
soas envolvidas o título de cientista e descrevem o desenrolar da
luta e a alternativa salvadora. A mensagem geralmente atinge um
número grande de pessoas, nem todas aptas a elaborar uma análi-
se crítica sobre o assunto, que passam, o que é mais preocupante,
a revelar medo de um alimento criminoso.
Uma dessas investidas contra os lácteos relata que uma senhora sofreu ci-
rurgia, fez quimioterapia e radioterapia e, quando estava a ponto de desis-
tir, descobriu que os chineses são incapazes de tolerar o leite e, portanto,
consomem pouco ou nada na forma fluída, nem subprodutos e alimentos
preparados com lácteos. Deduziu, então, que aí estava a explicação para o
34
fato de que as taxas de câncer de mama e próstata são consideravelmente
mais baixas que as observadas em países onde o consumo de lácteos é alto.

A ideia é simplista, mas pode ser impactante quando a argumentação é aba-


lizada pelo surpreendente desaparecimento total dos tumores seis semanas
após a retirada de leite e alimentos lácteos da dieta. A justificativa para a
cura seria o fato de que 70% da população mundial são intolerantes ao leite,
o que indica que a natureza, sendo sábia, tenta avisar que se trata de um ali-
mento inadequado e perigoso para a humanidade. Para completar o ataque,
a pessoa que descobriu a cura do câncer faz uma proposição contundente
ao afirmar que, sem dúvida, a relação entre os produtos lácteos e o câncer
de mama é similar à que existe entre o tabaco e o câncer de pulmão.

O problema da intolerância ao leite está relacionado com o desenvolvimen-


to da pecuária leiteira em épocas remotas, pois os povos nórdicos, que de-
pendiam das vacas para sobrevivência numa condição de clima agressivo,
historicamente sempre foram grandes produtores e consumidores, e entre
eles a taxa de intolerância é muito baixa. O habito chinês de consumir pou-
co ou não consumir leite de vaca deve ser atribuído ao fato de não existir
no passado, e mesmo no presente, boa disponibilidade do alimento. De
acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura), a China produziu em 1977 menos de um bilhão de litros para
uma população colossal. Em épocas mais recentes, as importações e um
grande esforço nacional para produzir e promover o consumo resultou em
grande mudança nos hábitos alimentares e a China passou a ser o terceiro
produtor mundial com cerca de 35,5 bilhões de litros, quantidade ainda
muito pequena para a população existente. O chinês da atualidade aprecia
alimentos lácteos e existe uma grande propaganda para estimular a utiliza-
ção das inúmeras possibilidades oferecidas no varejo.

O mais interessante de toda essa história é que, na mídia, encontram-se in-


formações que o consumo de cálcio do leite e seus subprodutos com baixo
teor de gordura é reconhecido como fator favorável para redução dos riscos
de câncer do cólon, que se constitui na terceira maior causa de mortes nos
Estados Unidos, por auxiliar na redução do crescimento de células epite-
liais e, portanto, de pólipos. Por esse motivo, o consumo de lácteos passou
a ser estimulado na China, onde a ocorrência deste tipo de câncer é elevada
35
entre as mulheres.

Fica assim caracterizada uma polêmica pró e contra o leite como agente
causador ou benéfico para a solução de uma das mais temíveis doenças da
humanidade. Entretanto, a divulgação maciça das forças que se aglutinam
contra o consumo de produtos animais tem um poder de convencimento
maior pela frequência com que são veiculadas na mídia eletrônica. Deve-se
atentar para o fato de que a redação das mensagens é simples, despretensio-
sa e contundente, talvez procurando sensibilizar pessoas de todos os níveis
culturais. Resta saber a quem interessa denegrir, com tal intensidade, o leite
ou se o conceito faz parte de uma ideologia fundamentalista de pessoas que
se aglutinam contra o uso de animais para a produção de alimentos.

Somente a ciência poderá revelar com propriedade o efeito de alimentos


sobre doenças e distúrbios, e hoje, existe uma grande preocupação com os
chamados alimentos ou nutrientes funcionais. O leite faz parte destes estu-
dos, pois contem um número muito grande de moléculas que são estudadas
e avaliadas, existindo, hoje, processos industriais para o desdobramento do
leite em substancias utilizadas na indústria farmacêutica, de alimentos, de
cosméticos, e também empregados em outros usos.

Observações de ocorrências de problemas ou soluções, sem auxilio de me-


todologia científica, não podem ser levadas a sério, porque muitas vezes,
a observação correta conduz a uma conclusão errada, que não se repete
quando é novamente testada.
Agricultura industrial na berlinda
Revista BALDE BRANCO - nº 541 - novembro de 2009

A denominada agricultura industrial não é bem avaliada pelos


36 defensores da agricultura orgânica, pelos vegetarianos, pelos
defensores dos direitos dos animais, pelos simpatizantes de or-
ganizações de esquerda e, no Brasil, pelos que se auto proclamam
“movimentos sociais”.

Os defensores de uma forma mais artesanal de produção de alimentos são


geralmente indivíduos urbanos, que se impressionam com livros e artigos
revelando supostos malefícios dos conceitos empresariais para o meio am-
biente, para a ética e para a saúde humana, pois o alimento disponível não
seria seguro. Muitos aceitam os princípios proclamados como dogma de fé,
sem estudar o assunto, por ficarem sensibilizados por filmes que mostram
matança de animais para produção de carne, galinhas poedeiras em gaiolas
ou bezerros criados longe da vaca, bem como de outras práticas comumen-
te utilizadas nas fazendas produtivas.

Surgem, assim, recomendações de produção de alimentos sem adubação


química, banimento de criação de animais confinados, reprodução natural
em vez de inseminação artificial e eliminação de pesticidas usados para
o controle de pragas e de doenças. Alimentos chamados transgênicos são
considerados maléficos, perigosos e antinaturais, porque não foram criados
pela natureza, mas sim pelo conhecimento cientifico. A proposta para uma
agricultura moderna, porém, baseada em conceitos tradicionais e pouco
intensificados, certamente atende às expectativas dos que são contra a ati-
vidade empresarial.

Deve existir entre agricultores profissionais que dependem da atividade


para sobrevivência, formação de poupança e progresso de vida, um senti-
mento de perplexidade pelo fato de muitos dos que condenam seus méto-
dos de trabalho, nunca terem se dedicado ao cultivo, nem criado animais
domésticos. Por isso, não têm ideia das dificuldades, dos entraves e riscos
envolvidos, nem como solucionar problemas inesperados que podem com-
prometer seriamente a economia do processo produtivo.
Mesmo assim, criticam a maneira como o agricultor trabalha e, com isso,
sugerem que o agricultor industrial é irresponsável por não praticar agri-
cultura sustentável, agredindo o meio ambiente, que é cruel por não tratar
com humanidade seus animais, e inconsequente, por não se preocupar com
a saúde de sua família e dos habitantes da cidade. Cogitam, então, ditar re-
37
gras de conduta e ensinar a maneira de conduzir a atividade com métodos,
considerados por eles, mais adequados.

A agricultura conduzida com fundamentos técnicos, objetivando maximi-


zar o uso de recursos produtivos para viabilizar economicamente a ativi-
dade, não pode ser considerada nociva e taxada pejorativamente. Sob o
ponto de vista da sustentabilidade, deve adotar práticas com fundamento
científico visando à preservação dos recursos naturais porque a manuten-
ção de produtividade é um pilar fundamental para a obtenção de resultados
econômicos, e quem conhece tecnologia agrícola sabe disso.

Se as práticas de manejo para a exploração econômica dos animais não


forem fundamentadas no conhecimento cientifico, os índices de produti-
vidade e a qualidade do produto serão comprometidos, e assim a atividade
não será capaz de garantir um resultado econômico compensador. Quem
conhece o efeito do estresse sobre o desempenho dos animais domésticos
entende que o resultado mostra como o animal se comporta na condição
oferecida, em vez de se considerar a simples aparência dos sistemas de pro-
dução ou o desejo de ver os animais vivendo em condições naturais.

Argumenta-se que a agricultura industrial prevalece porque é mais fácil de


ser conduzida, sem considerar os malefícios decorrentes do uso de práticas
antinaturais ou nefastas. Entretanto, produzir alimento é mais complica-
do do que parece quando questões morais, filosóficas ou dogmas de fé são
apresentados. As dificuldades são as mesmas em qualquer modelo de pro-
dução, já que é imprescindível nutrir a planta e o animal, combater doenças
e pragas, contar com a sorte quando se depende da chuva para florescimen-
to, frutificação e colheita.

O que diferencia as propostas é a maneira como o alimento é produzido, e


não a qualidade dos alimentos, como atestam trabalhos de pesquisa condu-
zidos no mundo todo. De um lado, existem as restrições impostas por dog-
mas; do outro, a observância na aplicação de conceitos científicos desenvol-
vidos e testados por meio de trabalhos experimentais. Se o modelo permitir
ao produtor auferir resultados econômicos satisfatórios, nada impede que
seja adotado por quem pratica a atividade com conceitos empresariais. O
que não tem sentido é proclamar, como acontece entre os detratores, que a
agricultura não pode ter somente objetivo econômico.
38

O agricultor industrial não propõe normas de conduta ou práticas para


os que defendem outro modelo de produção e não produz artigos, li-
vros e filmes difamando o que é realizado. Deve-se entender que o
fazendeiro empresarial tem uma razão bem definida para adotar um
determinado conceito de produção.

A ameaça da importação
Revista BALDE BRANCO - nº 553 - novembro de 2010

De tempos em tempos, o setor leiteiro nacional se sente ameaçado


pela importação de lácteos. A ocorrência concorre para desesta-
bilizar o preço do leite pago aos produtores nacionais, que pas-
sam, então, a demandar medidas governamentais protecionistas
para impedir a entrada de produtos de outros países.

Com a valorização do real aparecem dificuldades para a exportação do pe-


queno excedente nacional e os preços dos produtos brasileiros no merca-
do externo perdem competitividade, atraindo, dessa forma, o interesse das
empresas processadoras locais por leite de outros países. Com a entrada de
matéria prima do exterior, diminui a procura e, consequentemente, o preço
pago ao produtor brasileiro.

Por ser complexo e estratégico, o setor é muito protegido no mundo, haven-


do países que impõem barreiras à importação, subsidiam de várias manei-
ras, garantem preço mínimo, e também, fazem intervenções para tornar o
preço de exportação competitivo.

No período em que o setor era regulado, existia no País um preço mínimo e a


importação era feita somente pelo governo em épocas de desabastecimento,
mas mesmo naquela situação, ocorriam também reivindicações fortes para
impedir a importação de produtos lácteos, com a mesma argumentação atu-
al, mas as condições de mercado eram bem diferentes das de hoje em dia.

O movimento reivindicatório é justo e as entidades representativas dos


produtores têm feito um trabalho sério e persistente para a defesa do setor
produtivo, que se sente ameaçado por uma concorrência que, algumas ve- 39

zes, pode ser desleal. Os órgãos governamentais devem considerar as solici-


tações apresentadas para a introdução de mecanismos de proteção porque
a desestabilização de um setor com ciclo produtivo longo, como é o caso do
leite, demandará tempo e recursos financeiros vultosos para recuperação.

Além desses aspectos, deve-se considerar que as empresas processadoras


atuam dentro dos princípios de mercado e, se tiverem liberdades de opção
e escolha, vão adquirir matéria prima onde está mais disponível, barata e
de melhor qualidade. Dados recentemente publicados mostraram que, a
partir de 2009, os preços médios pagos aos produtores do Brasil ficaram
consistentemente mais elevados do que os praticados na Nova Zelândia e
Argentina, como consequência da valorização do câmbio.

O problema da importação não é novo e cria apreensão no setor leiteiro


nacional desde longa data. Medidas como barreiras não tarifárias são cria-
das, revertidas ou reformuladas porque o Brasil está inserido no mercado
internacional, que é regulado por normas que devem ser respeitadas para
que não surjam retaliações.

Assim sendo, essas medidas, tomadas isoladamente, não serão capazes de


eliminar definitivamente a ameaça, a não ser que haja uma ruptura com o
convencional e o setor passe a ser protegido por legislação especifica. Como
essa possibilidade não tem sido cogitada se torna necessário repensar a estra-
tégia de luta para fortalecimento interno do setor, fato que contribuiria para
reduzir os impactos da importação sobre os preços pagos aos produtores.

É fato reconhecido que o consumo de lácteos por habitante sempre foi mui-
to pequeno no Brasil, bem abaixo do que seria necessário para atender às
recomendações para uma nutrição saudável. Por isso, o País consegue ter
excedente mesmo com produção pequena em relação à população, pois a de-
manda é restrita e está estagnada num patamar pouco recomendável. Para se
ter uma ideia real do significado desse fato, se o brasileiro médio consumisse
mais 40 kg de leite por ano, que não seriam suficientes para atingir o nível
recomendado, haveria, talvez, um déficit de 7 a 8 bilhões de litros. Com isso,
para atender a população, o País seria importador e, nessas condições, o leite
local, com certeza, não seria facilmente desvalorizado. Estímulo de consumo
deveria ser um tema incluído nas reivindicações dos produtores para a defesa
40
do leite nacional, como, por exemplo, lutar pela introdução obrigatória do
leite na merenda escolar, fato que traria benefícios reais e mensuráveis para a
população jovem, como comprovado em outros países.

A redução na carga tributária seria outro fator importante para estimular o


consumo no País, porque se sabe que havendo elevação de renda aumenta
o consumo de lácteos. A redução de preço tem um efeito similar ao da ele-
vação de renda, porque com o mesmo dinheiro, é possível comprar mais
de um mesmo produto. Não se divulga a magnitude do imposto que incide
sobre os produtos lácteos e com que intensidade inibe o consumo.

Com o conhecimento, se torna possível estabelecer um movimento reivin-


dicatório porque os produtos são considerados essenciais e insubstituíveis
para a nutrição adequada de jovens e idosos, e o beneficio social da medida
seria difícil de ser questionada. O movimento atual de restrição à importa-
ção procura atacar os efeitos do problema, mas seriam necessárias também
medidas que cuidassem das causas.

Falta de notícias
Revista BALDE BRANCO - nº 566 - dezembro de 2011

O leite andou sumido das manchetes dos jornais e dos noticiários


da TV no ano de 2011, a não ser por poucas notícias referentes à
elevação na quantidade de lácteos importados, um fantasma que
surge, desaparece e volta novamente, estimulado por taxa cambial
e falta de competitividade no seu sentido mais amplo. A atividade é
sempre desencorajada por ações das entidades representativas
dos produtores e por medidas restritivas de órgãos governamen-
tais, porque a maior oferta no mercado pode interferir nos pre-
ços pagos pelo produto. E por isso aparece nos noticiários.
O bom comportamento dos valores praticados nas principais regiões pro-
dutoras no correr do ano, até a primavera, certamente contribuiu para que o
setor produtivo ficasse fora do foco das notícias. Dados referentes a preços do
leite indicam que o valor deflacionado ficou acima do conseguido em 2010 e
bem superior à média dos últimos 10 anos nas principais regiões produtoras.
41

Assim sendo, movimentos reivindicatórios por melhor remuneração, que


ocupam, em épocas de crise, espaço na mídia, não apareceram em 2011. Em
2010, houve queda precoce e bastante acentuada nos preços a partir de maio,
que se prolongou até o mês de agosto, fato inusitado para o período da seca,
chamado entressafra, resultando em reclamações por um longo período.

No final do ano de 2011, notícias sobre a elevação dos preços da cesta bási-
ca, outro fantasma, associado ao monstro da inflação, que novamente ron-
da e apavora a sociedade brasileira, elegeram a carne, o pão, o café e o óleo
de soja, como os vilões dos aumentos detectados nas pesquisas do DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
Ficando fora da lista, o leite mais uma vez não participou das manchetes,
apesar se ser integrante da citada cesta básica dos brasileiros.

No passado, na época da inflação galopante, os reajustes nos preços dos


lácteos colocavam sempre o setor leiteiro em evidência, não só pela sua
participação na composição da cesta básica, mas também pelo fato de que
são reconhecidos como essenciais para a nutrição humana. Naquela épo-
ca, o leite fazia parte do noticiário dos jornais, televisão e revistas, sempre
como um dos principais vilões responsáveis pela alta da cesta básica e da
inflação, e as reportagens geralmente mostravam donas de casa relatando
a necessidade de reduzir a compra do alimento essencial para as crianças
devido ao preço considerado “exorbitante”.

Levando em conta as tendências inflacionárias e a opinião sombria dos


analistas sobre o rumo da economia, é bem provável que o cenário futuro
volte a colocar o leite de novo no noticiário, com comentários pouco favo-
ráveis, desconsiderando elevações rápidas nos custos durante os períodos
inflacionários. Assuntos que normalmente colocam o leite na mídia, sem
uma imagem positiva, são comentários de protesto por parte dos produto-
res por recebimento de preços considerados baixos e reclamações das do-
nas de casa quando ocorrem elevações nos preços ao consumidor.
Além disso, problemas como as fraudes detectadas no passado pela incor-
poração de soda ao leite e suspeitas de colocação de soro no leite fluido
engrossam as notícias pouco favoráveis ao setor. Em paralelo, existe uma
campanha bem orquestrada, na internet, televisão e outros órgãos de di-
vulgação sobre supostos malefícios da ingestão de lácteos, com ênfase no
42
aparecimento de doenças, além de algumas bobagens, como a defesa dos
bezerros, que deveriam consumir, só eles, o leite produzido pelas vacas.

Por outro lado, parece ser uma constante a não divulgação de fatos enalte-
cendo o setor que produz matéria prima para elaboração de grande núme-
ro de produtos bastante apreciados pela população e, sobretudo, alimentos
considerados insubstituíveis para a nutrição adequada de crianças e pesso-
as idosas, e também adultos, que necessitam de alimentação balanceada.
Também não é divulgado com frequência, o papel social do setor oferecen-
do empregos no campo e na cidade, e meio de sobrevivência para peque-
nos proprietários rurais, que, muitas vezes, dependem da produção de leite
para a sobrevivência da família no meio rural.

A falta de organização do setor, com empresas compradoras focadas na


captação, os produtores interessados em resolver seus problemas particula-
res em curto prazo e os fornecedores de insumos máquinas e equipamen-
tos preocupados com vendas, coloca a produção de leite numa situação de
anonimato perante a crescente população urbana do País. As tentativas de
criação de entidades para divulgar o setor, enaltecer as virtudes dos lácteos
como alimento e difundir uma imagem favorável do produto, nunca deram
certo, por falta de estruturação da cadeia produtiva.

Quem visita países com tradição na produção de leite pode verificar que
noticias positivas sobre o leite sempre fazem parte do noticiário, porque o
setor é organizado e existem órgãos representativos poderosos, financiados
pelos elos da cadeia produtiva para cuidar da imagem do leite como ali-
mento e como atividade digna e importante do agronegócio.
Questionamentos sem sentido
devem ser rebatidos
Revista BALDE BRANCO - nº 568 - fevereiro de 2012

43
Recentemente, uma consulta feita em voz baixa e reservada, reve-
lou que um dos alimentos considerados mais importantes para a
humanidade continua ameaçado por infâmias, que têm por objeti-
vo denegrir sua imagem para que seja banido do consumo diário. A
pergunta apresentada por uma senhora de meia-idade era rele-
vante, porque dizia respeito à preocupação atual sobre fatores
que desencadeiam a doença de Alzheimer*, e ela tivera conheci-
mento de que o consumo de leite de vaca estava relacionado com
o mal, que assusta por suas consequências e gravidade. A infor-
mação foi obtida em um longo artigo postado na internet e, como
sempre acontece, escrito com um linguajar pseudocientífico, re-
velando nomes e lugares para conferir credibilidade ao assunto.

O impulso imediato de responder que tudo não passa de uma grande bo-
bagem deve ser substituído por uma resposta mais consistente e baseada
no argumento de que não se sabe ainda o que desencadeia tal doença, que
os artigos escritos na internet não sofrem nenhuma análise crítica de espe-
cialistas e que somente artigos científicos, publicados em revistas especia-
lizadas, devem ser considerados, porque são revisados por cientistas reno-
mados antes de serem publicados. A defesa do leite deve ser levada a sério
porque a propaganda contrária é grande e se renova sempre.

Ao longo dos anos, a associação do leite com enfermidades que afligem


e assustam as pessoas tem sido uma constante, apesar de cientificamente
nada ter sido provado sobre as matérias publicadas na internet. Artigos
postados com o objetivo de denegrir o alimento e promover o seu aban-
dono são convincentes para quem não possui formação cientifica e fica
realmente impressionado com os relatos de consumo de leite e casos de
câncer, distúrbios hormonais graves, deficiências nutricionais, e outras
tolices sem nenhum fundamento.
Em alguns relatos, consta que a interrupção no consumo de leite foi sufi-
ciente para eliminar enfermidades graves, inclusive câncer. Os problemas
reais relacionados com o consumo de leite são bem conhecidos e estudados,
e dizem respeito ao distúrbio da intolerância, promovido por incapacidade
adquirida com o envelhecimento do organismo, de digerir no intestino o
44
açúcar do leite, e aos casos de alergia à fração protéica do alimento, que
pode ser grave em crianças recém-nascidas.

Assim sendo, deve-se retrucar com veemência a tentativa de relacionar o


leite com outras enfermidades, principalmente, câncer, com a argumenta-
ção de que a ciência não reconhece os casos relatados na mídia eletrônica
como conclusivos ou verdadeiros. São, na realidade, meras suposições apre-
sentadas com boas ou más intenções, mas sempre desprovidas de realidade.

Dúvidas sobre o leite como alimento também foram externadas por uma jo-
vem mãe que ficou muito preocupada com o que acabara de ler na caixa de
leite longa vida: “Aviso importante: este produto não deve ser usado para ali-
mentar crianças, a não ser por indicação expressa de médico ou nutricionis-
ta. O aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os
dois anos de idade ou mais”. Ao ler a mensagem, ela teve a certeza de que não
deveria alimentar seu filho com leite de vaca porque o mesmo poderia desen-
cadear infecções na criança e que só em casos excepcionais, sob orientação,
poderia fazer uso do alimento. A dúvida, advinda da mensagem impressa, era
se o mesmo problema existiria para o leite de cabra, pois a produção de leite
materno era insuficiente, havendo, então, a necessidade de suplementação.

A informação, sem sentido lógico, não estava publicada na internet, onde


é possível escrever qualquer coisa sem que haja consequências, mas era,
sim, uma recomendação oficial de órgão governamental, com o objetivo
de estimular o aleitamento materno, mas, que na realidade, pode levar à
interpretação errada quando a frase é considerada ao pé da letra. Não exis-
te uma justificativa racional para a mensagem, que deveria ser substituída
pela afirmação de que o leite materno é muito importante para o bem estar
da criança, que seu consumo deve ser sempre estimulado, e que na primeira
fase da vida deve ser considerado importante.

Não existe no setor leiteiro a preocupação de refutar informações deturpa-


das sobre o leite como alimento perigoso e impróprio para o homem, nem
sobre a má fama da atividade sob o ponto de vista econômico. O que se
nota, é certa passividade frente à crescente campanha difamatória feita com
o objetivo de sensibilizar as pessoas para interromper o consumo de leite
e de produtos lácteos, fato que poderia trazer consequências indesejáveis
para os produtores, com redução na compra e utilização de leite fluido.
45

Campanhas bem orientadas deveriam ser uma constante na mídia, e textos


sem autor reconhecido e sem referências bibliográficas de periódicos cien-
tíficos teriam de ser refutados de maneira incisiva. Também programas de
televisão de grande audiência que veiculam, algumas vezes, informações
deturpadas e inverídicas sobre o leite devem ser questionados para que seja
possível manter uma atividade economicamente viável no campo e adequa-
da à nutrição de jovens e idosos.

NOTA DE RODAPÉ: *Doença de Alzheimer - declínio adquirido, persistente, em múltiplos


domínios das funções cognitivas e não cognitivas. O declínio das funções cognitivas é carac-
terizado pela dificuldade progressiva em reter memórias recentes, adquirir novos conheci-
mentos, fazer cálculos numéricos e julgamentos de valor, manter-se alerta, expressar-se na
linguagem adequada, manter motivação, etc. Perder funções não cognitivas significa apre-
sentar distúrbios de comportamento que vão da apatia ao isolamento e à agressividade. A
causa da doença é desconhecida.

Leite adulterado
Revista BALDE BRANCO - nº 584 - junho de 2013

Uma vez mais, o leite é destaque na mídia por conta da adição de pro-
duto químico a um alimento considerado importante e insubstituí-
vel na alimentação de crianças e idosos, pelo alto valor nutritivo.

Quando a fraude é caracterizada em uma determinada região, todo o leite


comercializado no País se torna suspeito, como indicam indagações de do-
nas de casa, preocupadas com o bem estar da família. Nem os produtores
são poupados, apesar de o problema ter sido atribuído somente ao segmen-
to de coleta e transporte do produto para os laticínios.

Com isso, mesmo sendo um fato isolado, toda a cadeia produtiva, de certa
forma, é afetada, pois condenar o todo pela exceção parece fazer parte da
natureza humana. Seria recomendável que se divulgasse aos consumidores
dos grandes centros urbanos o que realmente é, e como funciona a ativida-
de leiteira, e que a maioria dos produtores e laticínios trabalha com serie-
dade, adotando princípios éticos para a produção de um alimento saudável.

A adulteração de alimentos por fraude é um crime praticado com objetivo


econômico por indivíduos gananciosos, desprovidos de ética, e pode ser
46 constatado em vários produtos para consumo humano.

O problema da fraude no leite é antigo, existindo relatos históricos de adulte-


ração em Atenas e Roma, e também na época da Revolução Industrial, quando
foi realmente iniciada a comercialização do leite em grande escala nas cidades
europeias e dos Estados Unidos. Há cinquenta e poucos anos, levantamentos
feitos na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, indicavam que
cerca de 20% do leite comercializado cru era inadequado por ser adulterado.

Com certa frequência, se encontra em nosso meio, adulterações no mel,


doces e bebidas alcoólicas, mas esses casos não têm grande repercussão
porque não são alimentos considerados essenciais, como é o caso do leite.
Além disso, fraudes podem atingir também os produtores de leite ao serem
prejudicados por adulterações em adubos, sais minerais, ingredientes para
rações e remédios para os animais.

O relato de fraudes em medicamentos importantes para a humanidade,


como antibióticos, configura um crime hediondo, responsável pela morte
de um grande número de pessoas na África, com produtos fabricados clan-
destinamente na Suíça por indivíduos inescrupulosos, que também atuam
com menor intensidade em outras regiões do globo terrestre.

Em 2007, os meios de comunicação divulgaram com grande ênfase a colo-


cação de água oxigenada e soda cáustica visando à conservação do leite por
um período maior, causando comoção entre consumidores pela intensida-
de com que os meios de comunicação trataram do assunto.

A mídia não divulgou, mas outros conservantes, como antibióticos venci-


dos, foram utilizados em leite cru vendido nas ruas de pequenas cidades do
interior, fraude detectada pela incapacidade de azedar o leite para confec-
ção de coalhada. O acontecido ficou restrito ao local, porque os fraudado-
res eram pessoas importantes na comunidade.

A mais recente fraude do leite registrada no Rio Grande do Sul tinha como
objetivo mascarar a adição de água ao leite pela colocação de ureia, produto
comumente encontrado em pequenas quantidades no leite e de difícil de-
tecção pelos laticínios, por não existirem testes rápidos. Adição de água é a
fraude mais comum e antiga porque o produto é vendido por volume e, no
caso detectado, existe a estimativa de ganhos de 10% na comercialização de
47
100.000.000 de litros, possibilitando ganhos fáceis e substanciosos. Relatos
da investigação revelaram que a fórmula para a adulteração era vendida
por R$ 10.000,00*, indicando que pessoas com conhecimentos de química,
também participavam, possibilitando ganhos aos transportadores.

Se no País houvesse rigor na punição e configuração de ato criminoso em


casos graves, poderia haver redução nas tentativas de ganho ilegal e fácil
com produtos alimentícios como o leite, ou farmacêuticos como os antibió-
ticos. Atenas e Roma, em tempos remotos, tinham leis muito severas sobre
a adulteração de alimentos. Em 1872, a legislação inglesa impunha multas
pesadas pela primeira fraude no leite e, no caso de reincidência, seis meses
de prisão em regime de trabalho forçado.

Se houvesse certeza de que fraudadores seriam exemplarmente punidos


por atos conscientes e premeditados para tirar proveito em benefício pró-
prio, certamente os casos como o do leite não seriam comentados por tan-
to tempo, nem promoveriam tanta desconfiança nos consumidores. Além
disso, os casos isolados, severamente punidos, serviriam de exemplo para
poucos com coragem de enfrentar as consequências dos atos.

Dessa maneira, os agentes da cadeia produtiva que agem dentro da lei não
seriam denegridos em episódios isolados em que párias da sociedade atu-
am, mesmo sabendo que cometem delitos graves que podem comprometer
a saúde da população.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.06.2013 cotado a R$ 2,1349.


Disponibilidade do leite de vaca
Revista BALDE BRANCO - nº 591 - janeiro de 2014

O consumo de produtos lácteos começou com a domesticação dos


48 bovinos, pois se admite, com base em estudos do período neolítico,
que esses animais não eram criados pelo homem primitivo para a
produção de carne, mas, sim, para trabalho e fornecimento de lei-
te. Nas regiões nórdicas da Europa existe longa tradição no uso do
alimento por seu valor nutritivo, sabor agradável e possibilidade
de utilização para culinária e produção de queijos e manteiga.

Para os habitantes das regiões tradicionais em produção de leite, onde o


consumo de alimentos lácteos sempre foi alto, a incidência de intolerância
à lactose sempre foi muito baixa, mas nos originários da região Mediter-
rânea, o índice é alto, como também ocorre entre os africanos, asiáticos e
índios americanos, que tradicionalmente nunca foram produtores impor-
tantes nem tinham tradição de consumo.

Apesar desse tipo de intolerância em algumas populações, a procura de leite


e produtos lácteos faz parte, hoje, das aspirações dos habitantes de todas as
regiões do mundo. A elevação da produção e do consumo na China e nos paí-
ses africanos justifica a proposição de que havendo disponibilidade e recursos
financeiros, o homem procura o leite como alimento de alto valor nutritivo.

A propaganda contrária à ingestão de leite por adultos, baseada na propo-


sição de que na natureza somente os recém-nascidos consomem o produto
não tem fundamento, porque havendo disponibilidade, todos os animais,
independentemente da idade, ingerem avidamente o saboroso líquido.

De acordo com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimen-
tação e Agricultura) de 2011, existe um grande déficit de leite no mundo, pois,
considerando o volume produzido por todas as espécies, a disponibilidade teó-
rica, segundo o mais recente levantamento, é de somente 106 litros por habitan-
te, valor muito abaixo do que se considera adequado para o consumo humano.

Do total de leite disponível, 83% são produzidos pelos bovinos, o que mos-
tra a importância da espécie para a oferta do produto no mundo; 13% pelos
bubalinos; 2,3% pelos ovinos; 1,3% pelos caprinos, e somente 0,3% por ca-
melídios, principalmente na região norte da África. A quantidade de leite
de éguas e jumentas, que é utilizada em determinadas regiões da Ásia, não
foi relacionada nos dados publicados.

Calcula-se que 97% do leite de búfala do mundo foi produzido e consu-


mido na Ásia, e que somente a Índia e o Paquistão foram responsáveis por 49

92%, sendo, então, uma atividade bastante restrita a uma região. O mesmo
ocorre com o leite de cabras e de ovelhas, porque 82% e 68% do total foram
produzidos na África e na Ásia, respectivamente.

A disponibilidade de leite de vaca no mundo é de somente 88 litros por ha-


bitante por ano, existindo grande disparidade nesta oferta, porque nas áre-
as desenvolvidas sob o ponto de vista da economia e da agricultura (União
Europeia e America do Norte), com tradição antiga em produção de leite, a
quantidade produzida por habitante está acima de 280 litros por ano.

Na África, a disponibilidade é de 93 litros; na Ásia, 40 litros, e na Amé-


rica Central, sem tradição em pecuária leiteira, de somente 90 litros. Na
América do Sul, a produção por habitante é de 165 litros por ano. Na Nova
Zelândia e a Austrália, uma região especifica do Pacífico com produção
tecnificada e pequena população, a disponibilidade salta para 1.009 litros
por ano, o que justifica a vocação exportadora de lácteos para o mundo.

Quando se considera o panorama nos maiores produtores de leite de vaca, o


destaque é da França, com 372 litros por habitante por ano, seguida da Ale-
manha, com 370; dos Estados Unidos, com 285; da Rússia, com 215; do Bra-
sil, com 162; da Índia, com 47, e da China, com somente 27, apesar do grande
esforço feito em produção, anulado pela imensa população, o que faz com
que o país se torne um grande importador por conta do estimulo ao con-
sumo e da mudança nos hábitos alimentares, com destaque para os lácteos.

Na América Latina, o pequenino Uruguai exibe uma produção elevada


para a população, o que resulta em 607 litros por habitante por ano, fato
que justifica as exportações; na Argentina, a disponibilidade de 275 litros
também possibilita vendas para o exterior. Na Venezuela e no México, tra-
dicionais importadores, a quantidade de leite por habitante por ano não
chega a 90 litros, enquanto em Cuba, país com sérias dificuldades em pro-
dução agrícola, somente 53 litros.
Uma maior disponibilidade teórica de leite produzido por habitante por
ano possibilitaria ao Brasil se credenciar como exportador, como é o caso
da Nova Zelândia, com 4.061 litros; da Holanda, com 696 litros, ou da pe-
quena Dinamarca, com 876 litros. Além disso, se tornaria possível esta-
belecer critérios mais rigorosos de qualidade para a compra interna, sem
50
riscos de desabastecimento, e também, redução no custo de coleta de leite
de melhor qualidade, por não haver necessidade de compra em regiões dis-
tantes que adotam sistemas extrativistas. A elevação da produtividade dos
rebanhos brasileiros para a produção de pelo menos 50 bilhões de litros por
ano, daria ao País a oportunidade de se tornar um importante produtor e,
talvez, exportador para um mundo com pequena disponibilidade de leite.

Por que o homem bebe leite?


Revista BALDE BRANCO - nº 594 - abril de 2014

Existe um movimento bem organizado que tenta demonstrar que


o ser humano não deveria consumir leite. A principal razão apre-
sentada é a de que somos o único mamífero que faz uso do alimento
na idade adulta. Associam o leite a doenças graves e dizem que os
bezerrinhos ficam prejudicados, pois recebem quantidades res-
tritas na amamentação ou, então, sucedâneos.

Citam ainda que as vacas viveriam 25 anos se não produzissem leite, mas,
por conta da atividade são abatidas com cinco ou seis anos, fato incompa-
tível com o “sagrado direito dos animais”. Além disso, mencionam que a
produção de metano é muito grande nas fazendas leiteiras e que, por este e
os demais fatos citados, a produção de leite deveria ser banida.

Se a inadequação do uso do leite como alimento fosse real, seria o caso de se


especular porque o homem primitivo domesticou o bovino cerca de 10.000
anos atrás e logo iniciou a extração de leite, como afirmam pesquisadores
do continente europeu que estudam as condições de vida em épocas remo-
tas, quando os humanos deixaram de ser nômades e se estabeleceram em
comunidades agrícolas. Existem alguns, que até sugerem que a principal
razão da domesticação foi a produção de leite.
É vasto o conhecimento sobre a origem e o desenvolvimento da pecuá-
ria leiteira, e pesquisas interdisciplinares envolvendo arqueólogos, quí-
micos e geneticistas possibilitaram esclarecer um fato intrigante sobre
o consumo de leite pelo homem. Admite-se que a intolerância à lacto-
se, que atualmente afeta 65% da população adulta do mundo, existia
51
no homem primitivo e, assim, a ingestão seria muito desagradável pelo
desconforto provocado por dores abdominais e diarreia intensa. Entre-
tanto, estudos arqueológicos e químicos revelaram que os criadores de
bovinos primitivos aprenderam muito cedo a reduzir a lactose para ní-
veis toleráveis, por meio de fermentação, produzindo iogurte e queijo. A
descoberta de cerâmicas produzidas 8.500 anos atrás, que apresentavam
pequenos furos e possuíam resíduos de gordura de leite, mostrou que o
homem primitivo, usando o artefato, conseguia drenar o soro depois da
coagulação. Esta foi considerada a mais antiga evidência da fabricação
de queijo e uma indicação de que o leite fazia parte da dieta do homem
primitivo, sem provocar os efeitos desagradáveis.

Descobertas científicas indicam que uma mutação genética ocorrida 7.500


anos atrás nas planícies férteis da Europa Central conferiu ao homem a
habilidade de digerir lactose na idade adulta, mas a disseminação do gene
não foi rápida, pois este foi detectado somente em amostras do homem
primitivo de 6.500 anos atrás na Alemanha. Entretanto, os movimentos
migratórios dos agricultores em direção ao norte do continente possibi-
litaram a difusão dessa característica, provavelmente, porque pessoas com
a habilidade apresentavam vantagens como, por exemplo, a produção de
descendentes mais férteis, de acordo com os estudos publicados.

O homem passou então a contar com uma nova fonte de alimento de alto
valor nutritivo que podia ser utilizada sem restrições. Assim, os produtos
lácteos podiam ser armazenados para garantir a sobrevivência nos inver-
nos longos e rigorosos, e a vaca se constituía num depósito vivo de alimento
fornecendo leite e, se necessário, era abatida para fornecimento de carne.

Alguns pesquisadores sugerem que os produtores do norte da Europa fo-


ram beneficiados pelo fato de o leite ser um alimento rico em vitamina D,
um nutriente fundamental para os habitantes do hemisfério norte duran-
te o inverno. As populações apresentando o gene mutante foram as que
se estabeleceram nas regiões nórdicas e nas ilhas britânicas e, atualmente,
90% possuem a habilidade de digerir lactose na idade adulta. Sabe-se que a
mutação também ocorreu isoladamente no oeste da África, Oriente Médio
e sul da Ásia, regiões em que a pecuária leiteira não teve grande expansão.
52 A associação do homem com a vaca foi também muito importante para a
conquista e colonização da América do Norte, pois os imigrantes enfrenta-
ram sérias dificuldades no primeiro inverno, quando ocorreu grande mor-
talidade por carência alimentar. As lideranças do movimento migratório
decidiram, então, que todos os colonos vindos da Europa deveriam obriga-
toriamente trazer vacas, e a medida se mostrou muito efetiva, contribuindo
não só para o estabelecimento, mas também para a conquista do oeste, pois
se sabia da importância da vaca, do leite e dos subprodutos para a sobrevi-
vência nas longas marchas e nas comunidades.

O consumo de leite contribuiu para o estabelecimento do homem em re-


giões inóspitas do hemisfério norte, e as fazendas mistas, que garantiram
a sobrevivência e o desenvolvimento econômico, se transformaram no ali-
cerce para o desenvolvimento de nações que, hoje, apresentam sistemas de
produção muito evoluídos. A Europa, considerada o berço da civilização,
ensinou ao mundo o valor do leite como alimento, a usar a fermentação
para reduzir a lactose na produção de iogurte, a coagular e drenar o soro
no preparo de queijo, e a utilizar o leite na culinária para a elaboração de
comidas, pães, bolos e sobremesas, muito apreciados em todo mundo.
2.
Economia
O fantasma da cota
Revista BALDE BRANCO - nº 343 - maio de 1993

Com a chegada do outono, o meio rural começa a se preparar para


54 a época da entressafra. Após o trabalho intenso na primavera e no
verão, o resultado da colheita pode indicar o sucesso ou o fracasso
de um planejamento cuidadosamente executado, ou de uma simples
tentativa de obtenção de resultados na atividade agrícola. O simbo-
lismo da colheita é muito forte para a humanidade, pois o mês dos
casamentos é, no mundo todo, estabelecido no outono, época em
que os agricultores do passado tinham certeza de que teriam con-
dições de estabelecer família, obterem dinheiro para o restante do
ano, e era o início de um período relativamente calmo no campo. Ao
mesmo tempo, as chamadas festas caipiras, sempre organizadas no
período frio, têm também o objetivo de comemorar a safra colhida
e o curto período de descanso para os agricultores.

Para a pecuária leiteira o outono pode trazer prenúncio de mudanças e de


definições importantes, ditadas por uma escassez de leite que todos os anos
aparece quando os pastos começam a mostrar que o frio está chegando.
A queda das temperaturas noturnas e o encurtamento dos dias mudam a
fisiologia das plantas forrageiras, que produzem nessa época somente de
10 a 30% do total acumulado no ano. Como consequência, o alimento fica
escasso, permanecendo nas pastagens, apenas a forragem madura, passada,
seca e de baixo valor nutritivo que restou da época do crescimento ativo,
quando havia sobra. Deixado por conta da natureza, o gado emagrece, a
produção cai e o abastecimento pode ficar comprometido, se o estoque
acumulado na época das vacas gordas não for utilizado.

Às vezes, é necessário importar leite para garantir a demanda dos habi-


tantes das cidades, fato esse que pode trazer prejuízos aos produtores,
eliminando a força positiva da procura aumentada. A entressafra da
produção leiteira revela o fracasso da tentativa de produzir sem critério
ou planejamento. Os prejuízos causados pela imprevidência são muito
grandes, e o maior, talvez, seja o acúmulo de produção em poucos me-
ses, onde a oferta maior que a procura pode determinar preços baixos e
insatisfatórios. O descontentamento do produtor é geral, e toda a culpa é
então jogada sobre os laticínios, que são obrigados a processar e estocar
produtos com custos financeiros muito altos. Se a capacidade industrial
trabalha a pleno vapor na época da safra, passa ociosa no restante do ano,
o que pode trazer prejuízos operacionais.
55

Como a demanda é relativamente constante, a cota foi criada para estabelecer


um mecanismo compensatório, de maneira a que o leite excedente pode ser
processado e estocado, porque tem um preço mais baixo. Se a produção fosse
constante, a cota não teria sentido de existir, pois havendo um equilíbrio entre
a produção e a demanda, os preços poderiam ser mais facilmente negociados.

Para haver produção equilibrada, o planejamento da entressafra deve come-


çar na primavera, já que reservas forrageiras são imprescindíveis, e a distri-
buição dos partos deve ser estabelecida nove meses antes do evento, garan-
tindo disponibilidade planejada de leite. Assim, o outono vai mostrar ao bom
produtor o significado do trabalho correto e estruturado, no sentido de ga-
rantir um volume de leite equilibrado por todo ano. Para ele a cota representa
um prêmio e, por esse motivo, deve lutar para que seja respeitada, defendida
e aplicada, ou ser um mecanismo forte, capaz de estruturar o setor.

A cota assusta, amedronta e revolta o fazendeiro que viu sua produção de


verão ser paga a preços baixos, porque não conseguiu um equilíbrio de pro-
dução. O extrator que retira leite de acordo com a disponibilidade, que nunca
planejou a estrutura do rebanho ou fez qualquer investimento, perturba o
mercado, encarece o transporte, dificulta o planejamento e prejudica o bom
produtor. Adotando a “Lei de Gérson*”, procura produzir somente na época
de custos baixos e, mesmo o “vilão da estória”, engrossa o coro dos insatis-
feitos quando o leite extracota recebe o preço que merece. Para os safristas
e oportunistas, a cota continuará sempre como um mecanismo repressor e
injusto e se transforma no grande fantasma da fazenda leiteira do Brasil.

NOTA DE RODAPÉ: *A expressão originou-se em uma propaganda de 1976 criada pela Caio
Domingues & Associados, que havia sido contratada pela fabricante de cigarros J. Reynolds,
proprietária da marca de cigarros Vila Rica, para divulgação do produto. O vídeo apresentava
o meia-armador Gérson, jogador da seleção brasileira de futebol como protagonista finali-
zando com a frase: “Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um
bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve
Vila Rica!” Mais tarde, o jogador anunciou o arrependimento de ter associado sua imagem
ao anúncio, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome na
expressão Lei de Gérson.
E a tal política do leite?
Revista BALDE BRANCO - nº 351 - janeiro de 1994

Baixos índices de produtividade, insatisfação com preços, produção


56 pulverizada e estacional, oscilações bruscas no mercado consu-
midor e desânimo são problemas detectados no setor leiteiro, fre-
quentemente, atribuídos à inexistência de uma política oficial.

Argumenta-se que a falta de uma diretriz clara, precisa e definida por parte
do governo impede a estruturação das fazendas produtoras de leite. Entre-
tanto, parece também existir unanimidade na afirmação de que as tentati-
vas governamentais de intervir no setor criaram problemas adicionais ou
trouxeram resultados desastrosos.

A visão populista do tabelamento de preços criou dificuldades e traumas


ainda não superados, que deixaram os produtores inseguros para enfrentar
a economia de mercado.

A introdução do abecedário do leite dificulta a explicação de como, no final


do século XX, o País comercializa um leite cuja produção seria impossível
na maioria das fazendas de primeiro mundo, ao lado de um produto coleta-
do e transportado “quente”, sem nenhum controle do segmento produtivo.

O grande volume de crédito subsidiado oferecido pelo governo na épo-


ca do milagre brasileiro (início dos anos de 1970) atingiu uma minoria,
incentivou investimentos em recursos não produtivos e talvez tenha
possibilitado prêmios na loteria. Os empréstimos da época do Plano
Cruzado (1985) quebraram alguns pecuaristas e contribuíram para o
desequilíbrio de muitas fazendas.

As licenças de importação de leite, num período em que o mercado mostra


sinais de retração, confirmam a certeza de que as ações governamentais
podem atrapalhar mais do que ajudar o setor leiteiro.

A fracassada política agrícola dos países socialistas nunca trouxe resultados


porque os burocratas nem sempre conhecem a realidade e raramente apre-
sentam medidas racionais. Apesar de todo o esforço, de planos minuciosos
e de programas de estímulo, a produção de leite nunca foi boa.
A política de incentivo de produção, através da distribuição gratuita de al-
guns alimentos concentrados por governos da África socialista, não foi ca-
paz de garantir leite para as populações carentes. O mundo, hoje, acompa-
nha com entusiasmo a desregulamentação da economia, a transformação
de estatais improdutivas em empresas viáveis e a sinalização clara de que
57
no setor produtivo podem ser encontrados os mecanismos para o estabele-
cimento de políticas de racionalização.

Na economia de mercado, a oferta e a procura determinam o comporta-


mento dos preços. Todos os anos, na primavera e no verão, ocorre tendên-
cia de redução de consumo de leite e derivados, associada a aumento na
disponibilidade, pois nessa época os oportunistas começam a tirar mais
leite, aproveitando a melhoria dos pastos.

Esses indivíduos trazem perturbações sérias, já que o leite produzido a


custo “zero” chega ao mercado num momento desfavorável. Com isso, o
produtor que investiu em alimentação na seca, que usa tecnologia e que
tem custos mais elevados percebe que os preços começam a desmoronar
e que a atividade fica difícil de ser administrada. O sentimento de revolta
pelo recebimento de preços baixos é dirigido contra todos os componentes
do setor, menos aos responsáveis pelo desequilíbrio na oferta do produto.

Na realidade, daqui para frente, qualquer fator de retração de consumo ou


excesso de oferta irá afetar o mercado e, assim, a única maneira de proteger
o verdadeiro produtor seria o estabelecimento de uma cota real, formada
no período de oferta reduzida.

Não faz sentido dividir o esforço com o oportunista, que espera ver solucio-
nado o seu problema através de preços compostos de leite cota e extracota,
mesmo com prejuízos para quem garantiu o mercado na época de escassez.

Deve-se criar agora a consciência de que existe um problema estrutural na


atividade leiteira e lutar para que a cota seja respeitada e mantida, pois só
assim poderá haver planejamento e administração na fazenda e a colocação
do leite extra no lugar a ele destinado numa economia de mercado. Essa se-
ria uma boa política para o leite e estaria na dependência exclusiva da ação
empresarial do setor leiteiro do País.
Uma questão de gosto e de bom senso
Revista BALDE BRANCO - nº 355 - maio de 1994

Gosto não se discute, porque nele estão embutidos conceitos sub-


58 jetivos ditados pela paixão, tradição, percepção e outros senti-
mentos característicos da natureza humana. Gostar de vacas de
leite parece ser, entretanto, um sentimento comum ao homem, tal-
vez desenvolvido após milhares de anos de convivência com esse
animal, que, domesticado, passou a ter um significado muito gran-
de para a humanidade. Historiadores afirmam que o homem não te-
ria se estabelecido em regiões inóspitas, frias e difíceis da Terra,
se não tivesse se associado à vaca para obtenção de alimento no-
bre, vestuário, conforto e meios de trabalho. O seu papel na colo-
nização e expansão de fronteiras agrícolas sempre foi reconheci-
do, e monumentos, pinturas e literatura não deixam de enaltecer
o animal que foi batizado como “ama de leite” do homem e serviu,
simbolicamente, como apoio ao nascimento do Messias em Belém.

A paixão pelas vacas de leite pode ser facilmente detectada nos indivídu-
os que, iniciando a atividade, aprendem a conhecer um animal de fácil e
agradável convivência. A aprendizagem lenta e detalhada do tipo leiteiro,
da base anatômica e fisiológica da lactação, geralmente desperta interesse
e satisfação. As grandes multidões urbanas que frequentam as exposições
ficam maravilhadas com a docilidade, beleza e elegância da vaca, capaz de
encher baldes de leite puro, palatável e nutritivo.

Muitas pessoas, desvinculadas do meio rural, sonham com a implantação de


uma fazenda leiteira e fazem planos detalhados, mesmo antes da aquisição do
imóvel. A grande maioria dos compradores de terra pensa, em primeiro lugar,
na aquisição de vacas para iniciar a produção de um leitinho na fazenda.

O gosto pela atividade leiteira talvez tenha sido o fator responsável pelo de-
senvolvimento do setor nos países evoluídos, onde o dono trabalha a terra,
tira o leite, não tem folga e executa tarefas rotineiras e inesperadas 365 dias
por ano. Se não apreciasse o que faz, seguramente mudaria de atividade,
pois quem planta milho, trigo ou soja trabalha duro num período limitado
de tempo e pode programar férias para a entressafra.
O produtor de leite, que gosta do que faz, considera-se recompensado pelo
nascimento de uma bezerra trazendo esperança, pelo desenvolvimento do
amojo na novilha criando expectativa e pelo parto confirmando a certeza
de uma boa produção. Apesar de tudo, os produtores conscientes sabem
que a atividade leiteira é, na realidade, um negócio e, portanto, não basta
59
simplesmente gostar da atividade: é preciso também ganhar dinheiro.

A análise do setor leiteiro de qualquer país desenvolvido mostra que tem


havido uma redução drástica no número de produtores de leite. O aban-
dono da atividade acontece porque leis da economia ou da razão acabam
prevalecendo sobre as do coração. Certamente muitos sentiram abandonar
as vacas de leite, mas foram obrigados a procurar uma atividade na qual pu-
dessem ter certeza de sobrevivência econômica. Com isso, a responsabili-
dade de produzir passou a ser de um número reduzido de fazendeiros que,
além de gostarem do setor, são também capazes de gerenciar propriedades
que precisam ter resultado.

No Brasil, continua ainda a tendência de crescimento horizontal do setor


leiteiro, porque alguns fazendeiros argumentam que não contam com outra
opção, outros resolvem experimentar e muitos, simplesmente, sentem-se
atraídos e gostam de vacas de leite.

Com isso, algumas distorções aparecem e dificultam o equacionamento


de conceitos corretos para a atividade leiteira. Um técnico americano,
que visitou o País no início de 1994, ficou chocado ao ouvir um fazen-
deiro afirmar que não ganhava dinheiro na produção de leite, e que só
permanecia na atividade porque gostava de vacas leiteiras. O gosto, um
tanto duvidoso, mas frequentemente proclamado em nosso meio, leva
à ideia de que tirar leite é simplesmente uma brincadeira. Talvez, por
isso, os brasileiros causem tanta perplexidade nos produtores profissio-
nais de outros países, quando perguntam se leite é um bom negócio. A
indagação, feita com a melhor das intenções, sugere que o produtor ou
é pouco inteligente ou muito incompetente.
Leite com café e açúcar
Revista BALDE BRANCO - nº 358 - agosto de 1994

Esse trio representa a base do desjejum da grande maioria das


60 famílias brasileiras, mas pode também ser um fator complicante
para o turista brasileiro que nem sempre encontra, em outros pa-
íses, leite quente para o preparo do tradicional pingado de todas
as manhãs. Para a economia do País, leite, café e açúcar são pro-
dutos de grande importância para a formação da renda bruta da
agricultura dos Estados líderes da Federação. Para o agricultor
pode representar segurança na exploração racional das fazen-
das, pois, a diversificação é sempre uma boa alternativa em épocas
de crise, quando ocorre desequilíbrio entre a oferta e a procura
de produtos agrícolas. A associação de atividades produtivas pode
ser muito interessante quando existe a possibilidade de aprovei-
tamento racional dos recursos e de uma interação perfeita dos
fatores produtivos disponíveis no solo, na mão de obra, nos insu-
mos, nas máquinas, etc.

A associação de leite com café é muito antiga e possibilitou, no passado, o es-


tabelecimento de uma oligarquia que governou o Brasil antes do chamado Es-
tado Novo*, quando mineiros e paulistas se alternavam no comando, ditando
os destinos da nação. Na região paulista do Vale do Paraíba, a combinação das
duas atividades permitiu na virada do século XIX para o século XX, a manu-
tenção da economia, quando a cafeicultura estava em decadência e o leite apa-
recia para reorganizar o setor agrícola, substituindo pouco a pouco os cafezais
improdutivos, assumindo papel de destaque na região. O desenvolvimento foi
tão grande que criou bases para o estabelecimento de associação de produtores,
passo inicial para a organização da primeira cooperativa de laticínios do País.

Posteriormente, na bacia leiteira do sul de Minas Gerais, a cultura do café fino


nas regiões mais altas possibilitou a manutenção dos retiros nas baixas, e o ca-
samento das duas atividades trouxe grandes benefícios. Para uma cultura bia-
nual sujeita a geadas e preços flutuantes, o leite representava o ponto de equi-
líbrio da fazenda, garantindo fluxo de caixa para as atividades de manutenção.
O esterco, produzido pelo gado, utilizado na adubação dos cafezais, garantia
produções melhores e economia. O aproveitamento de uma mão de obra rela-
tivamente abundante e ociosa em determinadas fases da produção de café sem-
pre foi considerado como importante, sob o ponto de vista social e econômico
das regiões onde as duas atividades tiveram convivência longa e produtiva.

A grande expansão da cultura canavieira, a partir da década de 1970, foi 61

feita principalmente pela ocupação de áreas destinadas à exploração de


pastagens, e, em algumas regiões leiteiras, a produção diminuiu considera-
velmente. Esse fato tem sido, às vezes, usado para caracterizar um problema
que, analisado com critério, pode revelar, na realidade, um potencial muito
favorável ao setor leiteiro.

O casamento da cana-de-açúcar com o leite é fácil de ser realizado, con-


siderando a possibilidade de introdução de sistemas de confinamento nas
fazendas canavieiras, capazes de aproveitar recursos imensuráveis, que não
são explorados rotineiramente. Cerca de 20 a 30% das glebas cultivadas com
cana-de-açúcar ficam vazias de setembro a fevereiro, objetivando atividades
de renovação dos canaviais. Nessa época, utilizando toda a infraestrutura de
máquinas, mão de obra e “know how” agrícola das fazendas canavieiras, seria
possível produzir silagem para o gado que, juntamente com a cana-de-açú-
car, poderia servir de base para a alimentação dos rebanhos. Ocupando uma
área física muito pequena, a atividade leiteira seria capaz de contribuir com
grande quantidade de esterco e garantir fluxo de caixa para a entressafra agrí-
cola. Com a somatória de tantos fatores favoráveis, seria fácil estabelecer no
País fazendas de produção de leite dentro de padrões empresariais, ou seja,
capazes de garantir volume, qualidade, equilíbrio, boa rentabilidade através
de escala e proximidade dos centros consumidores.

A dificuldade real para realizar o casamento do leite com a cana-de-açúcar re-


side na má fama do setor leiteiro, no que diz respeito à economia. A divulgação
constante de planilhas de custo de fazendas ineficientes e improdutivas deturpa
a imagem da produção leiteira, impedindo que empresários rurais diversifi-
quem suas atividades agrícolas com sucesso.

NOTA DE RODAPÉ: *Estado Novo - nome do regime político fundado pelo presidente Getúlio
Vargas em 10 de novembro de 1937 que durou até 29 de outubro de 1945, caracterizado pela
centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo.
Dúvidas e certezas
Revista BALDE BRANCO - nº 364 - fevereiro de 1995

Dúvidas sobre a economicidade da produção leiteira não são no-


62 vas, pois documentos muito antigos já falavam de abandono da ati-
vidade e de dificuldades para o pagamento de custos operacionais.

Sempre existiu a preocupação de se associar a produção de leite com ou-


tras atividades rurais e urbanas, já que a profissionalização parece difícil
e temerária. Invariavelmente, as dificuldades do setor são atribuídas ao
preço do produto que, aparentemente, está sempre desatualizado, se com-
parado ao custo de produção publicado periodicamente como referência.
Nessas discussões intermináveis, são deixados de lado, dados muito im-
portantes para que qualquer atividade econômica, inclusive a leiteira, seja
analisada e entendida. São desconsideradas escala de produção e eficiên-
cia do uso de recursos produtivos, e nunca publicados índices que pos-
sibilitem a caracterização da fazenda que deu origem à referência usada
para configurar um problema aparentemente insolúvel no País.

Um estudo superficial do perfil médio das fazendas brasileiras pode


levar à certeza de que produzir leite não pode mesmo ser um bom negó-
cio. O vendedor médio de leite para as maiores empresas do setor lácteo
entrega por dia cerca de 60 litros e dificilmente terá recursos suficientes
para saldar compromissos inerentes a qualquer atividade que não seja
meramente extrativa. No segmento do leite B, a escala de comercializa-
ção também é pequena, não ultrapassando 400 litros diários na fazenda
média, que está localizada em terras mais valorizadas, apresenta reba-
nho grande, usa grandes quantidades de concentrados, faz investimen-
tos elevados em construções, máquinas e equipamentos e utiliza maior
volume de mão de obra.

Será que com essa quantidade de leite vendida existiriam recursos sufi-
cientes para cobrir custos e ainda sobrar dinheiro para remunerar o ca-
pital e a administração da empresa? Escala pequena indiscutivelmente é
um problema crônico do setor leiteiro no País. Ninguém tem dúvida de
que receita é fundamental à empresa para pagar custos e obter sobras que
justifiquem o empreendimento. Quando as margens são pequenas, como
acontece com frequência na exploração leiteira, a magnitude da receita
passa a ser a base da sobrevivência da empresa, que poderá assim esperar
por dias melhores no futuro.

Geralmente, a venda de leite representa de 80 a 90% da receita total das


fazendas leiteiras, sendo o restante proveniente da comercialização de ani- 63

mais e de outras vendas eventuais. Nas poucas fazendas que se dedicam


à criação dos animais de elite, a venda de reprodutores pode perfazer até
50% da receita, mas quando a atividade é profissionalizada, grande ênfase
é colocada no leite, pois existe a consciência de que deve ser a base da eco-
nomia, por ser planejado mais facilmente e, portanto, uma fonte mais con-
fiável de recursos para o caixa. Produzir leite deve ser o objetivo da fazenda
que procura explorar o leite como negócio.

Sabe-se que produzir leite não é uma tarefa muito fácil. Exige administra-
ção e manipulação de fatores que afetam o potencial produtivo, visando à
produção por área, por vaca do rebanho, por unidade de mão de obra, por
real investido, etc. Aumentos substanciais de 30 a 40% na produção, inde-
pendentemente do nível de produção das matrizes, podem ser obtidos se
85% das vacas participarem efetivamente do processo produtivo.

Vendas de 2 litros a mais de leite por dia para cada vaca do rebanho podem
se conseguidos através da racionalização do aleitamento de bezerros, o que
representaria 200 litros para qualquer rebanho de 100 matrizes.

Racionalização nos descartes, na ordenha, no controle de doenças e para-


sitos, na nutrição, no conforto, no uso do solo, na produção de alimento,
etc., podem promover incrementos consideráveis na capacidade produtiva
de qualquer fazenda produtora de leite.

Nas regiões de pecuária profissionalizada, não existem dúvidas de que leite


é um péssimo negócio para os produtores que são obrigados a abandonar
a atividade, por não serem capazes de trabalhar com racionalidade. Os que
ficam procuram administrar o custo de produção e elevar a receita, para
que possa existir a certeza de um bom negócio no leite.
Pensando no futuro
Revista BALDE BRANCO - nº 369 - julho de 1995

O momento atual de economia de mercado, com tendência de glo-


64 balização, concorrência e inflação controlada, certamente cria-
rá novos desafios aos produtores de leite do Brasil. O impacto tal-
vez não seja sentido em curto prazo, como consequência da estru-
tura de produção, mas é indiscutível que chegará a hora em que
será necessário encarar a atividade como um negócio, e então, o
produtor terá que se profissionalizar para sobreviver e progre-
dir. A tendência mundial de ampliação de escala por fazenda, re-
dução no número de produtores, pagamento de leite por proteína
e gordura e compra de produto com baixa contagem de microrga-
nismos certamente exigirá novos conceitos, posturas e métodos
de produção. A visão de que terra é o principal investimento para
a produção levará à certeza de que os retornos da atividade de-
verão ser analisados por unidade de área, e a escassez e custo da
mão de obra exigirão produtividade e racionalização.

Pressões econômicas do futuro, sem dúvida, criarão sistemas agrícolas


mais produtivos, mas as preocupações com o ambiente exigirão manu-
tenção de fertilidade do solo, controle efetivo da erosão e da poluição de
fontes de água. Técnicas de cultivo mínimo, práticas de conservação do
solo, proibição do revolvimento de terras sem estrutura física ou decli-
vosas, com toda certeza serão regulamentadas por legislação específica,
como acontece, hoje, em vários países, visando à preservação da base
física, evitando o assoreamento de rios, lagos, açudes e represas. Algu-
mas tecnologias usadas há longo tempo, como aplicação de pesticidas,
deverão sofrer reformulações profundas, devido ao custo e à poluição.
Sistemas integrados de controle de pragas de culturas, já em uso em vá-
rias regiões do planeta, permitirão o estabelecimento de programas que
integram medidas químicas, culturais e biológicas, visando à resultados
sem riscos de contaminação do ambiente e à preservação dos recursos
naturais. A produção de leite sem resíduos orgânicos e químicos, prin-
cipalmente antibióticos, terá como objetivo atender à demanda indus-
trial mais exigente e a um consumidor cada vez mais preocupado com
a qualidade do alimento. Tudo isso exigirá aplicação de tecnologia, e o
setor passará por profundas modificações, saindo do modelo atual, de
subdesenvolvimento, para o adotado em regiões de pecuária evoluída.

A postura do produtor de leite do futuro deverá ser empresarial e exigi-


rá controle efetivo e manipulação de recursos produtivos em sistemas 65

compatíveis com as forças de mercado. Ênfase deverá ser colocada na


proposição de que receita com venda de leite deve ser o fundamento
da atividade, e que existe necessidade de se obter um retorno aceitável
para o capital investido. O planejamento da produção, através da estru-
turação racional dos rebanhos em relação à área, à disponibilidade de
equipamento e mão de obra, permitirá estimativas realistas de fluxo de
caixa, de potencial e viabilidade do empreendimento. A introdução do
conceito de terceirização será necessária para enfrentar a redução na
disponibilidade de mão de obra, melhorar a eficiência e reduzir custos.
O modelo empresarial urbano deverá ser gradativamente transportado
para o campo, procurando a transformação do setor através de bases
sólidas, compatíveis com as necessidades que certamente surgirão.

A modificação do setor leiteiro do País exigirá também uma mudan-


ça na atitude do produtor com relação ao cooperativismo. No mundo
todo, a união dos produtores, a conjugação de esforços e a escala criada
pelo grupo são fatores importantes em regiões de mercados abertos e
competitivos. A ilusão do preço do momento deve ser substituída pela
fidelidade aos valores recebidos ao longo dos anos, principalmente, nas
épocas de depressão.

Participação, determinação, procura de racionalização e, sobretudo,


compreensão de que a cooperativa é parte do patrimônio da fazenda
podem criar uma base sólida para o produtor do futuro.

O cooperativismo pode contribuir efetivamente para a introdução dos ins-


trumentos necessários ao entendimento, à adaptação e execução dos con-
ceitos profissionalizantes que inevitavelmente serão exigidos no futuro.
O custo de produção de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 380 - junho de 1996

A grande frustração do produtor é verificar não ser possível o pa-


66 gamento das contas quando o balanço da atividade leiteira indica
resultado negativo. Esse acontecimento pode ser muito sério para
os profissionais que passaram a vida trabalhando duro e, de repen-
te, verificam não ser viável continuar. Relatos dos países desenvol-
vidos mostram que tratamentos psiquiátricos são muitas vezes ne-
cessários para solucionar a decepção, o sentimento de fracasso e a
forte depressão que aparecem com a constatação de que os custos
não podem ser cobertos, que a atividade precisa ser descontinuada
e que os vizinhos obtêm sucesso. A vida depois do leite tem sido tema
de estudos e artigos, mostrando o esforço na readaptação do fa-
zendeiro e a preocupação com apoio e orientação.

Quando não vive exclusivamente do leite, a impossibilidade de pagamento das


contas não tem a gravidade mencionada e, nessas condições, o abandono da
atividade pode até ser motivo de alívio e grande satisfação. Raramente aparece
o sentimento de fracasso, pois os problemas são atribuídos ao preço do leite, à
falta de estímulo, à inexistência de subsídios para o setor e à insensibilidade do
comprador. Custos elevados são usados para indicar a impossibilidade de pro-
dução com os preços pagos pelo produto, e, nunca, para caracterizar possíveis
dificuldades administrativas no seu sentido mais amplo.

Problemas de custos de produção elevados indicam, na realidade, que os in-


vestimentos e a condução da atividade não são compatíveis com o que se
produz na fazenda, pois, no cálculo do custo por litro, dividem-se reais pela
quantidade de leite. A interpretação deveria, então, ser orientada no sentido
de que o sistema implantado não tem viabilidade, ou então, está sendo con-
duzido de maneira inapropriada. Nas regiões de pecuária evoluída, os mode-
los de produção são muito semelhantes, indicando que as propostas devem
ser adaptadas às condições do local. Por exemplo, quem visita uma fazenda
leiteira da Nova Zelândia, viu todas, pois as diferenças são irrelevantes em
sistemas que só podem operar com custos muito baixos. A mesma sensação
de homogeneidade aparece em sistemas da Dinamarca, da Califórnia, de Is-
rael ou em qualquer região onde o leite é considerado negócio e os produto-
res profissionais. Sempre existe um potencial definido para o sistema, a fim
de caracterizar a situação do produtor, que passa então a ter consciência de
sua capacidade para gerenciar o modelo de produção adotado. Índices capa-
zes de caracterizar eficiência no uso de recursos produtivos como produção
67
por vaca do rebanho por ano, número de vacas em lactação por hectare ou
leite produzido por unidade de área, são empregados para indicar se o leite
produzido é compatível com o sistema estabelecido. Os fazendeiros não im-
provisam nem tentam usar conceitos diferentes, porque existe consciência
de que os custos precisam ser adequados às receitas oriundas da venda do
leite e dos animais. Escala de produção e eficiência máxima no uso da vaca,
do rebanho, do solo, da mão de obra e de outras variáveis importantes para
a formação da receita devem ser cuidadosamente monitoradas na fazenda.

Diminuições na quantidade de leite para a venda, provocadas por proble-


mas de manejo precisam ser caracterizadas e analisadas para viabilização de
qualquer proposta de produção. Deficiências na reprodução e vacas de per-
sistência baixa promovem reduções significativas no potencial do sistema,
com consequências bastante sérias para a economia do processo produtivo,
pois faltará leite para a diluição dos custos. A administração consciente dos
recursos produtivos poderá viabilizar a atividade no contexto dos preços e
das receitas a serem obtidas no sistema adotado.

Custo como reflexo da administração e do conceito de produção empregado


representa uma mudança de postura e transfere a responsabilidade do sucesso
ou fracasso para o produtor, que certamente irá buscar na tecnologia disponí-
vel os instrumentos para a elevação da eficiência, da produtividade e da econo-
micidade da produção leiteira. Assim sendo, será possível saber com detalhes
não só quanto custa produzir leite no sistema adotado, mas também, por que.
Leite como meio de vida
Revista BALDE BRANCO - nº 381 - julho de 1996

Na década de 1970, grandes investimentos foram feitos para o es-


68 tabelecimento de fazendas leiteiras através de projetos elabo-
rados, analisados e aprovados por equipes técnicas credenciadas
pelos agentes financiadores. O crédito disponível era volumoso,
estimulava e permitia montar uma exploração leiteira onde só
existia gado de corte ou atividades agrícolas de diferentes natu-
rezas. Surgiam assim, de uma hora para outra, fazendas relativa-
mente grandes para a época, bem equipadas, às vezes, com gado e
máquinas importados, edifícios novos e tudo que se julgava impor-
tante para produzir leite para uma população que crescia rapi-
damente, e para a qual os governantes queriam oferecer o mais
nobre de todos os alimentos, sem importação.

Apesar de toda a euforia, do crédito subsidiado e vantajoso, do projeto deta-


lhado e das facilidades oferecidas, inúmeras fazendas planejadas não tiveram
o sucesso esperado. Estudos analíticos em algumas propriedades indicaram
que muitas vezes detalhes pequenos, mas significativos, foram deixados de
lado nos planejamentos e desconsiderados na execução. Por não terem sido
detectados a tempo, acabaram contribuindo para o insucesso e o descrédito
da tecnologia aplicada para a produção de leite. A equipe de trabalho para
conduzir a atividade leiteira nunca mereceu a devida atenção nos projetos
elaborados com grande minúcia de informações e detalhes. Quando as fa-
zendas eram conduzidas por indivíduos que não gostavam, não tinham ne-
nhuma afinidade ou não conheciam gado leiteiro, o projeto ia mal.

Numa das fazendas planejadas e instaladas com requintes, o administrador


solicitou à equipe técnica, encarregada pelo agente financiador para identi-
ficar os problemas, para usar como argumento para convencer o patrão, que
produção de leite era a pior coisa do mundo. Indivíduo criado em fazen-
da de gado de corte, não tinha nenhuma afinidade com a atividade leiteira.
Desejava voltar à lida com gado de corte, ao laço, às longas cavalgadas, ao
divertimento da marcação, castração, apartação, etc. Transmitia a seus su-
bordinados sua antipatia pela pacata e inexpressiva vaca de leite e detestava
a rotina contínua, monótona e, segundo ele, malcheirosa da sala de ordenha.

Em muitos projetos, os trabalhos de rotina foram entregues a indivíduos


despreparados que, em pouco tempo, passavam a considerar a atividade
inviável, por não serem capazes de entender, equacionar ou solucionar as
dificuldades que apareciam. Com isso, o desânimo tomava conta de todos, 69

as expectativas eram frustradas, os prejuízos acumulados e a fama de que o


leite era péssimo negócio ampliada e difundida por todo o País.

Na formação cultural do brasileiro, a vaca de leite nunca teve uma posição


de destaque, capaz de estabelecer um envolvimento emocional, intelectual,
atávico do homem com a atividade leiteira. Por falta de empatia, o trabalho
repetitivo, constante e imprevisível geralmente leva a uma sensação de in-
felicidade, algumas vezes de desespero e vontade de abandono da atividade.
Por isso, é muitas vezes difícil conseguir pessoas que se disponham a tra-
balhar em produção de leite, que passa a ser considerada como um castigo,
e o trabalhador, um sofredor. Logicamente, os sentimentos negativos asso-
ciados ao desinteresse e à falta de conhecimento prejudicam e dificultam o
estabelecimento do profissionalismo no setor leiteiro.

Entre os povos com tradição na atividade leiteira, o trabalho com as vacas


é sempre considerado agradável, gratificante, e os fazendeiros, com muita
frequência, dizem que leite tocado como um negócio é o melhor meio de
vida que pode existir, pois, além de possibilitar ganhos, oferece um esti-
lo de vida incomparável. Por esse motivo, falam que não trocariam o leite
por nenhuma outra atividade agrícola. Na realidade, estão indicando que o
gosto pela produção de leite tem de fazer parte da rotina e contribuir para
o interesse e a dedicação ao trabalho complexo exigido pela vaca leiteira.
Entretanto, todos sabem nos países de pecuária evoluída, que a fazenda
leiteira, conduzida apenas como um meio de vida qualquer, pode se tornar
um péssimo e difícil negócio a ser tocado.
A marcha do leite
Revista BALDE BRANCO - nº 386 - dezembro de 1996

Análises recentes tem dado ênfase ao aumento da produção de lei-


70 te nas áreas dos cerrados e, frequentemente, o que está aconte-
cendo no Estado de Minas Gerais é usado como referência. No maior
produtor do Brasil, as regiões planas do Oeste estão coletando
mais leite que as tradicionais, localizadas na Zona da Mata e no Sul
do Estado. O fato é também caracterizado no Centro-Oeste brasilei-
ro, onde ocorre estruturação de coleta de leite e investimentos
em instalações industriais para processamento do produto.

A marcha do leite para o Centro, Oeste e Norte do País é, hoje, uma realida-
de, mas a tendência não é nova. No Estado de São Paulo, o maior consumi-
dor, a pecuária leiteira já havia migrado na década de 1970 para os cerrados
e regiões mais planas, pois o Vale do Paraíba, a grande bacia do passado,
contribuía na época com somente 13% do total. Com a mudança, a ativida-
de atingiu áreas remotas, e, hoje, o maior volume de leite se concentra na
região de São José do Rio Preto. Antigamente, era inconcebível imaginar
pecuária de leite no Centro, Norte ou Oeste do Estado de São Paulo.

A ampliação e o melhoramento do sistema viário nos últimos 30 anos possi-


bilitaram o estabelecimento de linhas de coleta e transporte para os grandes
centros de consumo, abrindo perspectivas para a produção de um produto
perecível em regiões de difícil acesso no passado. Criada a infraestrutura, o
leite passa a ser um grande atrativo para os criadores de gado de corte, uma
atividade extrativista, de baixa rentabilidade. Produzir leite sem nenhum in-
vestimento, usando mão de obra ociosa e com custo “zero”, é um bom negó-
cio para quem tem possibilidade de gerar receita apenas com o bezerro.

Estruturada a coleta, o interesse leva à procura de cruzamentos do Zebu


com raças europeias e de oportunidade para o surgimento de “fazendas
leiteiras”. A história do desenvolvimento do setor se repete em cada nova
região, e com isso o leite vai se afastando das cidades, conquistando seu
espaço nas regiões tradicionais de pecuária de corte.

No passado, a produção ficou restrita às regiões montanhosas, próximas


dos grandes centros consumidores, geralmente impróprias para agricul-
tura. Nessas bacias, somente 10 a 15% das áreas podem ser trabalhadas,
apresentando, então, um potencial muito baixo para qualquer atividade
agrícola, inclusive a pecuária de leite. Na época em que foram estabelecidas
condições para a mudança, as terras das fazendas antigas já estavam exau-
71
ridas por sistemas extrativistas e, com isso, a marcha do leite foi iniciada
para regiões que apresentavam vacas de cria e potencial latente para coleta.

Apesar de se tornarem polos importantes de produção, a produtividade


média continuava tão baixa como nas regiões tradicionais, pois os sistemas
estabelecidos eram também extrativistas. Os extrativistas produzem com
estacionalidade, criando problemas de comercialização na safra, fato que
perturba o segmento com produção estruturada. Como a capacidade de
produzir leite nas fazendas continuava baixa, o crescimento da coleta para
atender à demanda crescente só pode ser realizado pela ampliação no nú-
mero de produtores.

O modelo empregado no País é preocupante quando se considera os pro-


blemas da produção pulverizada, em contínuo crescimento horizontal.
Estimativas indicam que a coleta de leite no Brasil envolve uma distância
equivalente a 3,5 a 4 voltas por dia no globo terrestre, que somada ao per-
curso para os centros de consumo e distribuição nas cidades, assume cifras
fantásticas, inacreditáveis. Como a maior parte do leite é transportada sem
refrigeração em sistemas que permitem contaminação, é inevitável o apa-
recimento de problemas de qualidade após longa viagem.

Qualquer empresa impossibilitada de acompanhar a marcha para coleta do


leite mais barato passa a enfrentar uma concorrência difícil. Finalmente,
a produtividade do setor continua no patamar subdesenvolvido do início
do século XX e dificilmente mostrará sinais de evolução. Com isso, será
impossível detectar no País a curto, médio ou longo prazos, a tendência de
redução no número de produtores e profissionalização do setor.
Leite em São Paulo
Revista BALDE BRANCO - nº 388 - fevereiro de 1997

No início de 1997, em boa hora, a Secretaria da Agricultura e Abas-


72 tecimento do Estado de São Paulo reuniu um grupo de pessoas in-
teressadas para analisar a cadeia produtiva do leite. Dentre os
itens discutidos, chamou a atenção o fato de que o Estado é grande
importador devido à demanda crescente, e também, porque a pro-
dução está caindo. A queda na produção paulista era esperada,
porque, de início, se estabeleceu nas regiões montanhosas, onde
se torna difícil restituir a fertilidade do solo por longos perí-
odos de extração e, com isso, em longo prazo era de se esperar
decadência da atividade. A produção de leite no Brasil está muito
associada à cria de gado de corte, que saiu de São Paulo pelo va-
lor das terras, e ao estabelecimento de culturas como a cana-de
-açúcar e a laranja. Assim, o leite acabou acompanhando o gado de
corte para fora do Estado.

Não existe tradição no País de se discutir o potencial produtivo das dife-


rentes regiões, nem analisar possíveis pontos de estrangulamento. Estudos
sérios conduzidos em fazendas paulistas localizadas em terras boas revela-
ram indicadores de rentabilidade que causariam inveja em qualquer pro-
dutor estrangeiro: R$ 908,00* de lucro por ha por ano e R$ 578,00 de lucro
por vaca do rebanho. Esse resultado foi obido em instalações simples, sem
sofisticação, mas com aplicação de conceitos corretos de tecnologia.

Ouros casos analisados confirmam a indicação de que o leite pode se trans-


formar num dos melhores negócios da agricultura paulista, quando condu-
zido com propriedade. Infelizmente, resultados bons, obtidos com a explo-
ração leiteira, não são divulgados, prevalecendo a promoção de que a ativi-
dade é ruim. Ênfase é dada às dificuldades do produtor, mas as causas são
sempre omitidas. As liquidações de plantéis de gado fino são usadas como
indicadoras de problemas para quem tenta produzir com sofisticação. Da-
dos mostrando a viabilidade e os bons resultados são postos em dúvida,
desconsiderados e raramente comentados. A bem orquestrada campanha
contra o leite leva o empresário a não considerar o leite em seus negócios, a
não ser montar uma fazenda para o fim de semana.

Havendo interesse na produção de leite em São Paulo, haveria necessidade


de discussões sérias sobre falsas tecnologias, sobre aplicação de recursos fi-
nanceiros em atividades produtivas, intensificação do uso do solo e mostrar
como é simples produzir com eficiência e custos mais reduzidos. Elucidar 73

conceitos reais de produtividade poderia mostrar ao produtor que a manipu-


lação correta dos fatores produtivos pode trazer resultados surpreendentes.
Existe necessidade de banir da mídia e das conversas, os índices promocio-
nais que estimulam o ego, mas ocultam, às vezes, uma realidade diferente.

O Estado de São Paulo apresenta uma situação privilegiada para produzir lei-
te, porque apresenta uma agricultura estruturada e, no mundo todo, as duas
atividades estão sempre juntas. Além disso, a introdução do leite nas fazen-
das de cana-de-açúcar cria uma situação extremamente favorável, pelo uso
das terras de reforma para o plantio de milho, o uso de máquinas que estão
paradas, mão de obra abundante e tradição em agricultura. A área física ocu-
pada pelo leite pode ser pequena, mas a operação é grande, para que a escala
possa contribuir para a economicidade. Um número relativamente pequeno
de grandes fazendas poderia abastecer a cidade de São Paulo. Modelos em
funcionamento podem atestar o potencial que está sendo perdido.

Na realidade o que falta no Brasil e em São Paulo é a aceitação de que o leite


conduzido com critério, usando princípios tecnológicos, pode até se tornar
uma boa opção para a agricultura, principalmente para fazendas de 100 a
200 hectares. Dentro dessa conceituação, torna-se muito importante enten-
der que fazendas que criam animais finos, para exposição, têm objetivos e
propostas diferentes que não podem servir de modelo a quem tem como
objetivo produzir leite. Se houver interesse, o Estado de São Paulo poderá
se transformar em um polo significativo como produtor de leite.

NOTA DE RODAPÉ: *Cotação do dólar em 03.02.1997 igual a R$ 1,0450.


A estabilidade da produção leiteira
Revista BALDE BRANCO - nº 397 - novembro de 1997

Existem fatos muito interessantes no setor leiteiro do Brasil. Du-


74 rante um longo período de tempo, a produção era fortemente es-
tacional e a cota sempre foi usada como instrumento para estímulo
da produção nas épocas de escassez. Nesse sentido, infindáveis dis-
cussões, com prós e contras à medida adotada pelos laticínios, eram
ouvidas nas comunidades rurais das, então, chamadas “bacias leitei-
ras”. Já nos últimos anos, tem havido certa estabilidade de produ-
ção e, por isso, a questão volta a ser calorosamente analisada e dis-
cutida, mas de forma diferente, pois foi necessário adotar o que se
convencionou chamar de “cota colocada”, porque o consumo passou
a ser flutuante e a entressafra deixou de ser evidente, mesmo em
regiões remotas, onde, no passado, as indústrias ficavam ociosas, de-
vido à queda de até 70% da produção no período desfavorável do ano.

As mudanças ocorridas podem ter sido causadas por vários fatores como:
invernos menos rigorosos, sem geadas fortes; secas mais brandas, com al-
gumas chuvas nos meses reconhecidamente secos; tendência de abandono
da capineira de capim-elefante em detrimento do uso de recursos forragei-
ros de melhor qualidade; coleta de leite em novas regiões, etc. Qualquer que
seja a razão, a verdade é que o equilíbrio aparente da produção leiteira trou-
xe novos e complexos problemas para os produtores e indústrias que não
estavam preparados para manipular excesso de leite, enfrentar estocagem
por longos períodos, e tampouco, a entrada de produtos lácteos do exterior
numa época considerada desfavorável e difícil.

A importação de lácteos quando existe excesso de leite, consumo estabili-


zado ou em baixa, não pode ser justificada, ainda mais numa fase em que o
País enfrenta problemas considerados graves no desequilíbrio da balança de
pagamentos. Com tudo isso, a antiga e característica estacionalidade da pro-
dução de leite, que por muito tempo foi marca registrada da atividade leiteira,
deixou de ser um dos principais problemas, para fazer, no momento atual,
por mais paradoxal que pareça, muita falta como mecanismo para o equilí-
brio do setor. No início da década de 1950, se falava que, havendo produção
mais equilibrada de leite nas estações da seca e das águas, haveria estabilidade
econômica da indústria e da própria produção leiteira. Se o fato ocorresse,
seria iniciada uma fase de expansão industrial e aprimoramento técnico, em
que apareceriam várias características diferenciadas para o setor. A produção
de leite seria conduzida com bases mais racionais e econômicas, ocorrendo
75
menor quantidade e melhor qualidade das vacas leiteiras, que receberiam um
trato mais adequado e apresentariam maior produção.

Para tanto, seria necessário investir na formação de retireiros através de cur-


sos exclusivamente práticos, em locais que simulassem as características de
trabalho, a fim de evitar o desvio de vocações. Simultaneamente, deveria
existir maior amparo e prestígio aos técnicos, oferecendo-lhes, antes de tudo,
uma aprendizagem prática e objetiva com aplicação real em nosso meio. Fi-
nalmente, deveria haver propaganda, esclarecendo aos consumidores sobre
as qualidades do bom leite e produtos lácteos, como veículos de saúde.

As mudanças ocorridas na economia com a introdução do Plano Real che-


garam num momento em que os produtores começaram a enfrentar pro-
blemas que desconheciam e não esperavam. Elevando o volume produzido
no País, trabalhando para melhor qualidade do leite e mudando sistemas de
produção, certamente esperavam as perspectivas mencionadas há quarenta
anos. De repente, o setor começa a ficar perplexo com a redução do preço,
com a falta de colocação do produto, que era muitas vezes escasso, e com a
insensibilidade dos responsáveis pelas políticas de importação.

Assim sendo, o equilíbrio da produção, que era por muitos considerado


como fundamental para a reestruturação do setor, passou a ser mais um
pesadelo entre os inúmeros enfrentados pelo produtor de leite no Brasil.
Talvez todos esses fatos, que ocorrem junto com a criação da Associação
dos Produtores de Leite Brasil, possam unir os produtores em torno de uma
decisão, a de pôr ordem num setor que sofre oscilações grandes e profun-
das que desestimulam o trabalho, visando eliminar a escassez, banindo a
importação para abastecimento de um País com potencial inquestionável
para produção de leite.
Acredite se quiser
Revista BALDE BRANCO - nº 399 - janeiro de 1998

É muito difícil para o homem aceitar o que não consegue fazer


76 ou visualizar, a não ser que tenha fé. De acordo com preceitos
religiosos, a crença existe quando fatos e acontecimentos são
acatados sem contestação. O indivíduo é, então, levado a acei-
tar o conceito, mesmo que não seja possível justificá-lo quando
existe uma prova cabal que possa provocar uma dúvida no que
acredita. Juntamente com esse sentimento, a natureza humana
é estimulada, muitas vezes, a distorcer os fatos para que sua
convicção seja mantida, mesmo que evidências, reconhecida-
mente válidas, mostrem outra realidade. Por esses motivos, se
torna difícil, em países emergentes, divulgar conceitos de tec-
nificação do setor leiteiro, porque existe a convicção arraiga-
da de que a atividade é ruim sob o ponto de vista econômico e que
a aplicação da tecnologia eleva custos de produção.

Ao culto do custo elevado introduzido pelas planilhas se somam outros,


criando uma fé inabalável de que o preço é a única saída para o fazendeiro
que não consegue entender que custo é um problema administrativo, que a
margem líquida depende de dois fatores (custo e receita), e não somente de
um (custo) e que o preço é ditado pelo mercado. O grande problema, em
situações como a descrita, reside na dificuldade do ajuste das variáveis por
fazendeiros que consideram tecnificação como investimento elevado em
construções, máquinas e equipamentos ou em aplicação de recursos finan-
ceiros quando a relação custo-benefício é inexistente ou duvidosa.

Alguns produtores acreditam que aquele que procura mostrar o outro lado
da medalha, utilizando argumentos sobre eficiência de produção e redução
de custos através de tecnificação, esteja trabalhando contra o fazendeiro,
pois fornece argumentos fortes para que os compradores de leite pratiquem
preços mais baixos. Aparecem também insinuações de que os técnicos são
comprados pelos laticínios para facilitar a queda dos preços através de ar-
gumentos considerados teóricos. A falta de julgamento adequado, a inca-
pacidade gerencial ou a fé inabalável de que o custo obtido, sempre elevado,
se constitui no problema principal da fazenda leiteira, leva ao estabeleci-
mento de dogmas difíceis de serem quebrados. Reduzir o preço do produto
tem o mesmo significado para a empresa que elevação do custo, ou seja, a
margem líquida é reduzida ou fica negativa se nada mudar na fazenda.

Os produtores de regiões desenvolvidas entenderam a problemática num 77

passado distante, quando o preço do produto era ditado pelo mercado,


ocorrendo, por isso, variações, às vezes, não justificadas para os fazendei-
ros no valor recebido pelo leite. Entenderam, também, que a lei da oferta e
da procura não pode ser revogada por decreto, como propôs, certa vez, de
acordo com o folclore político, um governante do País.

Analisando o que ocorreu, por exemplo, na Nova Zelândia, se observa que


de 1975 a 1995 o preço médio do leite foi de US$ 0.12* por litro, mas os
limites atingiram US$ 0.08 a US$ 0.18 por litro. Os fazendeiros entenderam
a necessidade de criar um modelo adaptado ao país e, por isso, sempre tra-
balharam considerando o valor mínimo pago pelo leite, ou seja, com custos
compatíveis com os valores mais baixos. Assim sendo, conseguem resulta-
dos mesmo quando o mercado internacional, que regula os preços, força o
valor para baixo. A mesma metodologia pode ser observada na costa oeste
dos Estados Unidos, onde o preço é praticamente a metade do valor pago
na Flórida, sem deixar de conseguir resultados econômicos melhores.

No momento atual, se torna imprescindível trabalhar no sentido da verda-


deira tecnificação adotada em todo o mundo desenvolvido como referência
para a obtenção de resultados positivos. Duvidar é permanecer no passado,
onde as reclamações eram ouvidas pelo governo que contribuía com preços
e margens maiores, de tempos em tempos. As expectativas de ajuste pelo
mercado são difíceis de serem ouvidas por contradizerem leis naturais, di-
fíceis de serem modificadas. Eleger o técnico como um dos responsáveis
pelo que está ocorrendo é, na pior das hipóteses, procurar encobrir a inca-
pacidade na condução da atividade leiteira.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 02.01.1998 cotado a R$ 1,1160.


Liquidação dos plantéis leiteiros
Revista BALDE BRANCO - nº 404 - junho de 1998

Todos os anos, na época da formação de cotas, aparecem as


78 liquidações de plantéis, ocasião em que algumas fazendas
são totalmente desmanteladas, com a venda de animais, equi-
pamentos, implementos e tudo que existir relacionado com a
atividade leiteira. Esses acontecimentos provocam em muitas
pessoas a certeza de que o setor vai muito mal, que foi iniciada
a redução de fazendas leiteiras e que algo precisa ser feito
para reverter a situação. Aproveitando o momento, fazem uma
análise pessimista, argumentando que o País necessita urgen-
temente de uma política clara, definida e compatível com as
necessidades dos produtores. Enquanto tudo isso acontece,
o dono da propriedade, que tomou a decisão de se ver livre da
atividade que exercia por vários anos, sente um grande alívio
de acabar com algo que vinha incomodando-o e que não tinha
mais esperança de modificar com o correr do tempo.

A falta de esperança e de perspectivas são os fatores que acabam contri-


buindo para a tomada de decisões drásticas com relação ao abandono da
atividade, trazendo certo sentimento de frustração pelo desaparecimento
de algo que trouxe no passado um sentimento de euforia e certeza de resul-
tados positivos. Um fato interessante a ser caracterizado nas liquidações de
plantéis é que, na maioria dos casos, os produtores não possuem uma longa
tradição na atividade, e é muito difícil ver um acontecimento dessa nature-
za ocorrer em fazendas tradicionais, que atuam por períodos muito longos
de tempo, a não ser que, com a morte do patriarca, os herdeiros decidam
acabar com a produção de leite. Geralmente, nessa situação, os proprietá-
rios tem um apego sentimental muito grande às vacas leiteiras e uma visão
diferenciada, que os levam a analisar o setor num longo período, e não se
deixam abater por problemas momentâneos, que muitas vezes são reverti-
dos em pouco tempo. Na realidade, entendem que problemas são cíclicos
e ocorrem em qualquer atividade econômica que se estabelece dentro ou
fora da agricultura. Os produtores com essa visão conseguem contabilizar
o que já foi conseguido com o leite e procuram evoluir esperando a volta
de dias ou épocas melhores, incrementam a venda de gado para melhorar
a receita, e muitas vezes procuram evoluir para sistemas mais eficientes e
compatíveis com a realidade do momento e da situação que se desenrola,
provocada por uma crise.

Para quem faz uma análise mais detalhada e atenta, o significado das liqui- 79

dações de plantéis pode ter outro sentido, pois o que foi vendido no leilão
poderá ir para fazendas tradicionais, ou então, para o estabelecimento de
outras fazendas que estão se adaptando para o início da produção leiteira.
O problema poderia realmente ser sério, se ninguém se interessasse pelo
plantel, que tomaria, então, o destino dos matadouros.

Na realidade, a saída de um produtor pode resultar, muitas vezes, no iní-


cio de novas fazendas, contribuindo assim para a tendência histórica de
aumento no número de produtores no País. Apesar de existirem opiniões
de que, muito em breve, começará a haver redução no número de vende-
dores de leite, a expansão horizontal é, hoje, uma realidade. A existência
de pequenas fábricas de queijo, a entrega de leite quente e novas linhas
de coleta são fatos inquestionáveis nos dias atuais. É possível, mas pouco
provável, que num futuro próximo, mudanças na legislação, na fiscalização
e nos conceitos gerais possam reverter a tendência da entrada de novos
produtores e venham acabar com o chamado leite informal, que contribui
decisivamente para a ampliação de novas áreas de produção e captação de
produto de baixa qualidade para o mercado consumidor.

O motivo real do fechamento de algumas fazendas jamais será conhecido.


Pode ser que a mudança seja motivada simplesmente pelo desejo de se tentar
outras atividades agrícolas, mas pode-se especular que deficiências técnicas,
administrativas ou financeiras levaram o fazendeiro a tomar uma decisão
drástica. As dificuldades de condução da atividade são claras quando a região
não é favorável, por causa do relevo acidentado, mercado restrito para o pro-
duto ou mesmo condições climáticas adversas. Investimentos exagerados em
recursos não produtivos, adoção de falsas tecnologias ou mão de obra des-
preparada são fatores que também acabam desmantelando a perspectiva de
sucesso. É também bastante provável que índices de produtividade capazes
de garantir eficiência e rentabilidade não sejam alcançados pelos administra-
dores. Durante os leilões são apresentados valores de lactações encerradas,
pedigree e, algumas vezes, classificação pelo tipo, informações que não con-
tribuem para o entendimento do que aconteceu na fazenda.

80 Mais um produtor de leite


Revista BALDE BRANCO - nº 408 - outubro de 1998

Em quase todas as análises feitas ultimamente sobre o futuro do


setor leiteiro do Brasil, existe a expectativa de redução no núme-
ro de produtores, com o provável desaparecimento dos pequenos.
As justificativas para a previsão são baseadas no fato de que essa
tendência esteve sempre presente no desenvolvimento da ativida-
de em outros países, na impossibilidade de operacionalizar coleta
a granel e nas dificuldades e custos de captação quando o setor
é pulverizado, esparramado.

Entretanto, uma observação mais detalhada poderá indicar que o número


de produtores está aumentando e que grande parte dos novos poderia ser
incluída na categoria pequeno, pelo baixo volume produzido e pelas práti-
cas empregadas. A mídia tem relatado que nos assentamentos de reforma
agrária, por exemplo, parece existir uma preferência generalizada pela ex-
tração de leite, fato também observado em algumas fronteiras agrícolas. A
expansão horizontal do leite no território nacional é inegável, tanto que os
cerrados são encarados como regiões típicas de produção atualmente.

Iniciar a produção de leite no País é muito simples, já que não existem,


como em outras regiões, normas, critérios ou exigências para o estabeleci-
mento da atividade. Havendo uma linha de coleta e procura pelo produto,
estão criadas as condições básicas para o surgimento de produtores. Em áre-
as onde não existem laticínios regularmente estabelecidos, as queijarias e as
pequenas indústrias caseiras não inspecionadas, que utilizam o leite como
matéria prima, se encarregam de estruturar o setor, fato que concorre para
a contínua expansão da atividade e para aumentar, na estatística oficial, o
chamado leite ilegal ou clandestino, que segundo estimativas, perfaz cerca de
50% do total. Geralmente, os produtores envolvidos nessa atividade não são
especializados, extraem leite de vacas sem aptidão leiteira, e o produto, orde-
nhado à mão, é transportado quente, caracterizando um processo primitivo
e rudimentar, em que a qualidade do leite deixa muito a desejar.

Recentemente surgiu mais uma fazenda produtora de leite na bacia leiteira


do Sul do Estado de Minas Gerais, uma região tradicional, que vem en-
frentando problemas na manutenção dos rebanhos especializados, em pro- 81

priedades montadas especificamente para a pecuária leiteira. O novo entre-


gador de leite foi, no passado, produtor especializado, desistindo de atuar
no setor por uma série de motivos, relacionados ou não com a complexa e
difícil tarefa de produzir leite. Passou, então, a criar gado de corte por exigir
menos trabalho e oferecer maior flexibilidade nas decisões administrativas.
Como as vacas, com sangue europeu, apresentavam visivelmente excesso
de leite no início da criação dos bezerros, o fazendeiro descobriu que pode-
ria extrair um pouco, em uma ordenha, e com a quantidade produzida ser
capaz de pagar a mão de obra da fazenda. Nesse tipo de atividade se produz
leite com custo “zero”, pois o vaqueiro, normalmente ocioso em fazendas
de gado de corte, pode executar facilmente a nova tarefa e nada muda na
propriedade, nem aparecem gastos adicionais. Como na região existem li-
nhas de coleta, foi fácil iniciar a atividade no início da entressafra e, nessa
situação, os problemas de cota e preço são irrelevantes, por ser o leite um
subproduto e não o objetivo principal da fazenda. O importante, na reali-
dade, é a simples colocação do produto, fato que pode explicar aconteci-
mentos aparentemente incompreensíveis, como elevação da produção em
épocas de preços comprimidos. Pode também justificar a ideia de que para
alguns o leite é sempre um bom negócio, criando novas perspectivas sem a
pressão de se preocupar com a economia do processo.

O aparecimento e a sedimentação dos tiradores de leite acabam criando


uma estrutura de produção problemática, já que concorrem no mercado
com os produtores mais especializados. Adquirem também uma força
muito grande, como consequência do número elevado e do volume sig-
nificativo em regiões onde o setor está se estabelecendo. Havendo “ex-
cesso” de leite, a oferta proveniente dos chamados extratores afetará o
mercado dos produtores que exploram o produto com objetivos econô-
micos. Por outro lado, para o produtor não especializado, as oscilações
de mercado serão sempre reclamadas, mas não afetarão o desenrolar de
uma atividade que não é o objetivo principal da fazenda. Assim, acabam
sendo pouco afetados pela conjuntura, e o produtor especializado, per-
plexo, passa a considerar o futuro incerto para a atividade leiteira.

82 Leite como negócio


Revista BALDE BRANCO - nº 416 - junho de 1999

Certa vez, um grupo de produtores e de técnicos brasileiros foi


aos Estados Unidos para conhecer o setor leiteiro de um país de
pecuária evoluída. A expectativa e a curiosidade eram grandes e na
primeira fazenda visitada, depois de ouvir o relato sobre o reba-
nho, a produtividade, as metas a serem alcançadas e o lucro, um
dos brasileiros indagou se o leite ali era bom negócio. O produtor
surpreso e sem entender bem o sentido da pergunta respondeu:
“Se não fosse, eu não estaria trabalhando, pois produzir leite é
um negócio como outro qualquer, e eu vivo disso”.

Infelizmente essa postura nem sempre é encontrada no Brasil, onde, muitas


vezes, se ouve o produtor argumentar que só continua porque gosta da ati-
vidade, dando a entender que se trata de um mero passatempo. É também
fato comum o fazendeiro não elaborar planilhas de custo e, mesmo assim,
reclamar que a atividade não é boa. Os prejuízos operacionais são invaria-
velmente, atribuídos ao preço baixo do produto mesmo sem uma análise
detalhada do que realmente está acontecendo na fazenda.

Quando estudos econômicos da atividade são realizados, nem sempre se


consideram os índices de produtividade nem o potencial dos fatores pro-
dutivos, que poderiam talvez explicar o sucesso ou o fracasso do empreen-
dimento. Por isso, se torna imperativo que estudos econômicos e zootéc-
nicos sejam realizados em conjunto para se ter uma ideia mais realista do
que está acontecendo nas fazendas produtoras e para que no País o leite
também possa ser considerado um negócio. Dentro dessa concepção, as
análises já realizadas de sistemas que usam o pastejo rotativo como base da
alimentação volumosa dos rebanhos, foram caracterizadas, como era de se
esperar, com resultados negativos e positivos.
Detectaram-se, em várias fazendas, investimentos exagerados em relação
à produção e à renda bruta, o que colaborou para inviabilizar a atividade
que também revelava índices baixos de produtividade dos fatores terra, re-
banho e mão de obra. Constataram-se casos em que na planilha de custo
a remuneração do capital correspondia por volta de 15% da renda bruta
83
e a mão de obra a 30%. Com grande frequência, o potencial do empreen-
dimento não era conhecido, e por isso, trabalhava-se num patamar muito
baixo de eficiência e capacidade produtiva, se tornando difícil operaciona-
lizar a atividade. Por outro lado, resultados surpreendentes foram detecta-
dos com custo total de R$ 0,20* para um produtor que recebia R$ 0,25 por
litro de leite. A margem de R$ 0,05 por litro possibilitou um lucro médio
de R$ 3.353,00 por mês, numa fazenda de 85 vacas e 58 hectares, isso, por-
que o empresário era capaz de administrar bem os recursos produtivos e a
operação como um todo.

Estudos em outras localidades também revelaram um quadro favorável,


pois, custos de R$ 0,17 a R$ 0,25 por litro resultaram em rendas líquidas
de R$ 49.000,00 a R$ 54.000,00 por ano, em fazendas de porte médio com
boa administração e índices de produtividade compatíveis com o sistema
adotado. Em todos os casos, os técnicos que acompanhavam o estudo pro-
curaram observar como eram manipulados os recursos produtivos e se o
potencial estava sendo considerado na avaliação do sistema empregado.

Ficou bem caracterizada a importância da assistência técnica para orientar


a tomada de decisões e, sobretudo, intensificar o uso do solo, do rebanho e
da mão de obra e para impedir investimentos em atividades que não iriam
contribuir para a renda bruta, mas, sim, colaborar para a elevação dos cus-
tos. O aproveitamento de recursos existentes e indevidamente explorados
seria outra colaboração valiosa para a sedimentação do conceito de que
leite é um negócio como outro qualquer.

Os estudos analíticos propostos não teriam sentido em propriedades onde a


atividade se caracteriza como uma simples extração de leite de rebanhos com
todas as características de gado de corte, porque nessa situação a produção
não é planejada e não tem uma conotação empresarial, apesar de apresentar,
algumas vezes, uma contribuição muito importante para a renda de famí-
lias que vivem à margem da pobreza. Também não faria sentido analisar as
fazendas de fim de semana, onde investimentos consideráveis são feitos em
recursos não produtivos, e a atividade também não possui uma conotação
empresarial, sendo na realidade um capricho de pessoas urbanas, desvincu-
ladas do setor, que procuram fazer tudo certinho de maneira errada.
84 O entendimento real da situação do leite no País dependerá de estudos con-
duzidos em propriedades leiteiras que investem no setor e procuram tecni-
ficar a atividade, administrando os recursos produtivos com o objetivo de
lucro por um negócio considerado no mundo todo como bom.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar cotado em 01.06.1999 a R$ 1,7330.

Leite e pobreza
Revista BALDE BRANCO - nº 417 - julho de 1999

É inquestionável a importância econômica do setor leiteiro den-


tro do agronegócio no Brasil. O leite sempre ocupou posição de
destaque entre os principais produtos formadores da renda
bruta da agricultura e, considerando o sistema agroindustrial,
sua importância passa a ser também evidente nas comunidades
urbanas, já que se constitui em matéria prima para indústrias
químicas e de alimentos.

O volume de dinheiro movimentado pelo setor é de tal magnitude em deter-


minados Estados brasileiros, que governadores considerados populistas não
concordaram com a retirada do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mer-
cadorias e Prestação de Serviços) que incide sobre um alimento considera-
do insubstituível para a humanidade. Sob o ponto de vista social, o sistema
agroindustrial possibilita um grande número de empregos tanto no campo
como nas cidades, e oferece alimentos relativamente baratos, de alto valor
nutritivo e muito apreciados pelo ser humano.

O interessante é que, apesar dos fatos apontados, a produção de leite é mui-


tas vezes relacionada com a pobreza no meio rural de determinadas regiões
do País. As antigas bacias leiteiras de São Paulo e Rio de Janeiro são exem-
plos característicos, porque estão localizadas em áreas montanhosas, onde,
realmente, o tempo parece ter parado, e a falta de perspectivas é evidente.
Geralmente o leite é a principal, senão a única, atividade, e dificilmente são
encontradas glebas cultivadas, a não ser em escala de subsistência. As práti-
cas agrícolas e de criação de animais são tradicionais, não se conhece, nem se
adota tecnologia, e os pequenos produtores vivem à margem da pobreza. Os
85
pastos degradados e sujos, a baixa capacidade de lotação, o gado feio e magro
e o aspecto de abandono conferem à região uma paisagem triste e vazia.

O leite entrou naquelas regiões, outrora ricas e prósperas, para substituir o café,
que cultivado de maneira imprópria, com conceitos meramente extrativistas,
exauriu o solo e teve de se mudar em busca da fertilidade natural de outras
paragens. O que restou não oferecia condições, na época, para o estabelecimen-
to de outras atividades agrícolas, seja pela baixa fertilidade ou por limitações
impostas pelo relevo acidentado. Para agravar a situação, as glebas que vinham
sendo exploradas por um longo período foram então subdivididas por herança
em famílias numerosas. Com isso, passou a haver predominância de pequenas
propriedades, difíceis de serem exploradas economicamente.

Então, a única atividade possível de ser implementada foi a criação de gado


Zebu, rústico e capaz de se adaptar a longas caminhadas pelos morros à procura
de capim escasso e de baixo valor nutritivo. A exploração de bovinos para cria é
considerada no mundo todo como atividade de baixa eficiência, porque a úni-
ca fonte de receita é o bezerro e, nessas condições, os problemas de reprodução
irregular, mortalidade alta e crescimento muito lento criam dificuldades para
uma atividade de subsistência. Por esse motivo, o leite passou a ser produzido,
com gado azebuado, ou com mestiços de raças leiteiras, mas a atividade sem-
pre mantinha características de exploração de gado de corte, ou seja, utilizava
animais de baixa persistência, criava o bezerro ao pé da vaca, a reprodução era
aleatória e a produção estacional, não programada. De atividade secundária, a
produção de leite assumiu papel importante para a economia regional, apesar
da pequena escala que não possibilitava recursos para investimentos.

O conceito, outrora generalizado de que onde existe vaca aparece a pobreza, pas-
sou a ser cada vez menos considerado quando a produção de leite migrou para
as regiões planas do cerrado, apesar de serem as condições de estabelecimento
semelhantes, ou seja, iniciou-se com a exploração de gado de corte em terras
de baixa fertilidade. Entretanto, existia um grande potencial agrícola em gle-
bas maiores e, sobretudo, disposição de fazendeiros em aceitar novos conceitos.
Com isso, a atividade leiteira de subsistência perdeu significado, e surgiram fa-
zendas maiores, onde a venda do leite passou a ter outro significado econômico.

Sob o ponto de vista de quantidade de leite coletado no setor formal, as pe-


86 quenas fazendas típicas do processo extrativo perderam a posição que ocu-
pavam no passado. Com as exigências de granelização e eliminação de postos
de coleta, os produtores tradicionais são empurrados para o setor informal,
criando instabilidade e problemas para os especializados. Seria importante
reconhecer os problemas socioeconômicos dos pequenos produtores das
regiões montanhosas e tentar direcioná-los para outras atividades que po-
deriam substituir, talvez com vantagem, a simples extração de leite, que não
oferece muitas perspectivas para o futuro.

O enigma do leite
Revista BALDE BRANCO - nº 425 - março de 2000

Recentemente um periódico destinado a divulgar fatos e coisas re-


lacionadas com a agricultura apresentou dois artigos revelando
a grande insatisfação de produtores com a atividade leiteira e, ao
mesmo tempo, outro no qual o fazendeiro se mostrava satisfeito
com o negócio. Esta aparente incoerência tem sido uma constante,
e aparece também nas liquidações de planteis, onde a insatisfação
do proprietário é usada para justificar a venda dos animais e a de-
sativação da fazenda, e mesmo assim, atrai compradores que dispu-
tam os animais com o objetivo de continuar na produção leiteira.

Não dá para entender porque muitos produtores afirmam que o leite sempre
deu prejuízo e, mesmo assim, continuam no processo produtivo, quando a ló-
gica indicaria a procura de outras atividades para obtenção de bons resultados
econômicos. O enigma do leite no Brasil fica mais difícil de ser desvendado
quando se constata que o eminente colapso do setor sempre foi anunciado,
mas, na realidade, o que houve foi um crescimento muito significativo nas últi-
mas décadas, com o aparecimento de novos polos de produção em áreas onde
a pecuária leiteira nunca teve no passado, condições de estabelecimento.
Esses fatos contraditórios são agravados pelas análises sobre economia de
produção leiteira, pois resultados muito discrepantes são apresentados em
estudos ou informações divulgadas pela mídia. Como seria de se esperar
em qualquer atividade econômica, os custos estimados para a produção
são muito diferentes de fazenda para fazenda, mas, no setor leiteiro, o fato
87
tem sido motivo de discussões intermináveis e levantamento de dúvidas
sobre a seriedade de estudos realizados sobre o tema. Em vez de estimular
a curiosidade e a análise do que causa a diferença, o tema provoca, muitas
vezes, revolta e descrédito.

Recentemente um produtor insatisfeito com a atividade declarou que “toda vez


que especialistas apresentarem custos de produção para produtores eficientes
completamente fora da realidade das fazendas, é preciso reagir mostrando os
custos reais”. Essa informação é muito interessante, porque se tem divulgado
que ações de especialistas foram capazes de mudar de maneira radical a econo-
mia de produção de muitas fazendas leiteiras, através de racionalização e mu-
danças na concepção de uso de recursos produtivos. Com toda polêmica exis-
tente e informações muito discrepantes, fica realmente difícil saber se produzir
leite pode ou não ser uma atividade viável sob o ponto de vista econômico.

Para agravar ainda mais o amontoado de dúvidas sobre a produção de


leite no País, a atividade sempre teve fama de não ser um bom negócio e
apesar disso nunca foi desprezada. Informações desfavoráveis são apre-
sentadas em novelas, revistas, conversas informais, artigos de jornais e,
até mesmo, os habitantes das grandes cidades que nunca estiveram em
uma fazenda leiteira são capazes de dizer que o leite não é um bom negó-
cio. Apesar de toda a propaganda contrária, fica difícil entender porque
novos produtores continuam surgindo e porque proprietários de fazen-
das sempre pensam em produzir um leitinho, se existir coleta na região.

Quando se ouve na televisão entrevistas com os aspirantes ao prêmio


máximo das loterias, é comum a declaração de que parte do dinheiro
seria aplicada em uma fazenda com vaquinhas de leite. Qual a razão da
escolha de uma atividade duvidosa, se não existe, hoje, nenhum incenti-
vo ou linha de crédito especial para a atividade? É fácil entender que na
época do crédito subsidiado e farto, muitos fazendeiros foram atraídos
pela oportunidade, mas, hoje, existe somente vontade própria, com inves-
timentos significativos. Muitas vezes, se fala que pessoas sem experiência,
que nunca enfrentaram o problema entram com entusiasmo na atividade,
mas acabam se arrependendo em pouco tempo. Esses acontecimentos,
sempre bem difundidos, não deveriam servir de alerta para os que estão
planejando iniciar uma fazenda leiteira?
88

O enigma da produção de leite no País precisa ser elucidado, pois existe


há muito tempo e cria descrédito e menosprezo da atividade. Estudos
já publicados não oferecem elementos para responder às várias contra-
dições caracterizadas e, por isso, talvez seja imperativo introduzir um
levantamento socioeconômico, tentando caracterizar aspectos culturais,
sociais, econômicos e, até mesmo, políticos, que possam auxiliar no en-
tendimento das razões que levam uma atividade tão mal afamada con-
tinuar crescendo e despertar o interesse tanto de empresários urbanos
quanto de produtores rurais bem sucedidos, que poderiam trabalhar em
outros ramos do setor agrícola e nem sempre abandonam a atividade ape-
sar de todas as dificuldades e problemas.

Vontade de parar
Revista BALDE BRANCO - nº 427 - maio de 2000

Nos últimos cinquenta anos, nos países de pecuária evoluída, um


número muito grande de fazendeiros deixou de produzir leite. Os
pequenos produtores abandonaram a atividade porque, com o de-
senvolvimento econômico, surgiram nos centros urbanos opor-
tunidades de trabalho, garantindo ganhos superiores aos que
eram capazes de auferir produzindo pouco leite. Alguns não con-
seguiam resultados satisfatórios e também deixaram o setor.

Fazendas foram vendidas e incorporadas a outras que tinham como objetivo


continuar produzindo, e, para isso, precisavam aumentar a escala e se adaptar
às novas realidades de um setor que se modernizava rapidamente. Alguns
rebanhos de boa qualidade foram transferidos para outras fazendas, mas a
maioria foi enviada para abate. Inúmeras propriedades passaram a ser utili-
zadas como hotel de cavalos pertencentes aos habitantes das cidades, outras
como produtoras de feno, de hortaliças, de frutas, etc., pois, os donos podiam
associar a nova atividade com a que exerciam nos centros urbanos.

Alguns casos foram de paralisação traumática, pois os produtores não que-


riam interromper uma atividade familiar de três ou quatro gerações, mas
foram obrigados por contingências alheias à vontade. Foi, por exemplo, o 89

caso de uma família inglesa, cujo filho único decidiu trabalhar na cidade,
e os pais velhos não tinham mais condições de tocar a fazenda leiteira. O
fato foi apresentado com emoção e lágrimas, pois todos os animais seriam
enviados para o abate, e as terras ocupadas com o cultivo de grãos. Em
qualquer circunstância, fechar uma fazenda leiteira não é fácil. Existem re-
latos de problemas psicológicos, depressão, complexo de incapacidade e
desajuste em outras atividades. Afinal, encerra-se com a atitude, um estilo
de vida e de trabalho e, muitas vezes, o sonho de uma existência.

No Brasil, o abandono da atividade leiteira segue um curso diferente, pois, os


pequenos produtores que vivem à margem da subsistência, não estão aban-
donando a produção leiteira por falta de opção de trabalho ou de substituição
por outra atividade agrícola e, sobretudo, por não serem alijados do mercado
pelo crescimento do setor informal. Além disso, a produção extrativa não exi-
ge investimentos nem conhecimento técnico, sendo, por isso, bastante atra-
tiva e difundida, garantindo um acréscimo importante para a renda familiar.
Por esses motivos, a tendência observada nos países de pecuária evoluída de
redução no número de pequenos produtores está longe de se tornar realidade
no País, e o que está acontecendo é o abandono ou a vontade de encerrar a
produção leiteira por parte de alguns que tentaram estabelecer fazendas mais
especializadas, e não conseguiram alcançar os resultados esperados.

Quando a decisão é tomada e implementada, se nota um sentimento de alívio


no estabelecimento de outra atividade. Entretanto, alguns entraves podem
dificultar a definição porque, no Brasil, a fazenda nem sempre é a única fonte
de renda, os investimentos são grandes e recentes, e as terras podem estar lo-
calizadas em áreas sem aptidão agrícola ou não possuem dimensão apropria-
da à criação de gado de corte. A indecisão pode, então, estabelecer um cami-
nho que tentará, através de medidas paliativas, protelar a decisão inevitável.

De início, o descontentamento vai sendo estimulado pela mídia e por outros


produtores e, quando vem a vontade de parar, surge sempre a dúvida do que fa-
zer com as instalações e os equipamentos, mas o impasse se estabelece quando
fica claro que o preço de mercado dos animais não corresponde às expectativas.
Nem sempre podem ser caracterizadas alternativas viáveis para a fazenda e, se
isso acontecer, surge o desânimo, que leva a uma fase de estagnação e tomada
de decisões difíceis de serem entendidas. Na maioria dos casos, a primeira é a
90
de colocar touro Zebu na vacada, visando à volta ao gado não especializado.

Essa atitude parece trazer, não se sabe por que, uma espécie de alívio, mas
não irá alterar a situação atual, e os resultados só podem ser mensurados
de três a quatro anos depois, quando as novilhas completarem a primeira
lactação. Medidas complementares de mudanças no manejo podem levar a
alterações nos índices reprodutivos com reflexos bem definidos na capaci-
dade produtiva da fazenda. A redução da produção leva a uma renda bruta
menor, e os problemas não são solucionados ou podem ser agravados.

O produtor que deixar de produzir leite deveria analisar, em detalhes, as razões


do descontentamento para a tomada de uma decisão, que não passasse pela incô-
moda situação de continuar desanimado, o que leva a um sentimento de revolta
e insatisfação, que não traz benefícios à sua empresa nem ao setor leiteiro do País.

Desativação de fazendas leiteiras


Revista BALDE BRANCO - nº 433 - novembro de 2000

A fazenda leiteira estabelecida numa das regiões tradicionais do


centro-norte dos Estados Unidos estava para ser desativada por-
que os resultados obtidos não eram considerados bons pelo pro-
prietário. Por esse motivo, a visita de um técnico brasileiro ao lo-
cal foi programada para enfatizar alguns problemas que levaram
ao insucesso, como baixa produtividade, investimentos pesados em
recursos não produtivos, problemas na produção de alimentos,
manejo falho dos animais, ordenha malfeita e mortalidade alta
de bezerros por uso de instalações inadequadas. A indignação do
produtor, após a análise crítica feita pelo técnico americano foi
de tal magnitude, que resultou na expulsão dos visitantes, com
ameaças de agressão física.
Esse acontecimento, vivido no início dos anos de 1980, mostra que a verda-
de pode machucar e que é muito difícil admitir erros cometidos inconscien-
temente. O fazendeiro saiu da atividade algum tempo depois porque tinha
certeza de que poderia ganhar mais dinheiro com outros negócios, opinião
contestada por um de seus vizinhos que considerava a produção de leite
91
como a melhor opção para aquela região e, muito satisfeito, mostrava seu
rebanho de alta produtividade, instalações e equipamentos muito simples,
manejo adequado e investimentos orientados para os recursos produtivos.

De maneira semelhante à descrita anteriormente, a visita de um técnico


americano a uma fazenda brasileira planejada para produzir de 2.000 a
3.000 litros por dia, com incorporação da chamada tecnologia moderna,
foi programada porque o produtor também não estava muito satisfeito com
a atividade. Após a verificação cuidadosa dos fatores produtivos, incluindo
uma inspeção de madrugada na atividade de ordenha, nas áreas de pro-
dução e na qualidade do volumoso, a sugestão oferecida, depois de uma
longa conversa, foi para a desativação imediata da atividade. A reação do
fazendeiro não foi de indignação, tanto que o jantar ocorreu em clima de
confraternização, pois a opinião do americano foi atribuída ao desconheci-
mento da realidade do Brasil.

Desconsiderou-se assim a afirmação de que as terras não tinham vocação


agrícola, que as instalações estavam prejudicando a saúde e o manejo, que
o volumoso de baixa qualidade requeria o uso excessivo de concentrados,
que a mão de obra era desqualificada, que a produtividade do rebanho (não
a produção por vaca) era muito baixa e que os investimentos feitos em re-
cursos não produtivos, jamais seriam pagos e oneravam o custo de produ-
ção. Alguns anos depois, a produção foi finalmente desativada, mas com a
argumentação de que não era viável a produção de leite no País.

Ao que tudo indica, a verdade nem sempre causa indignação, mas, certa-
mente, não é aceita por falta de uma visão crítica, contrária à crença de
que o melhor estava sendo feito, numa fazenda considerada moderna,
com um rebanho de qualidade controlado por computadores, conduzida
por um capataz de larga experiência e confiança e, além de tudo, locali-
zada em uma região tradicional da atividade leiteira onde existe mercado
para leite e reprodutores.
O problema de fazendas que apresentam dificuldades técnicas, administra-
tivas e financeiras não é exclusivo de sistemas de produção ou localização
geográfica, mas sim de condições desfavoráveis existentes na propriedade,
que não são devidamente caracterizadas, analisadas e resolvidas. A ideia
generalizada de que investimentos vultosos em instalações, animais, equi-
92
pamentos de ordenha, máquinas e implementos são pré-requisitos indis-
pensáveis para o sucesso de propriedades leiteiras no Brasil e no exterior, é
falsa e pode concorrer para que os problemas reais sejam deixados de lado.

Frequentemente, o planejamento é realizado tomando como modelo fa-


zendas que não apresentam condições favoráveis, e com isso, as dificulda-
des são perpetuadas, sendo muitas vezes de difícil solução. Sem dúvida,
administração inadequada também não tem pátria, sendo decorrente da
incapacidade de reconhecer, analisar e resolver os entraves ou as limitações
existentes. Quando a fazenda é estabelecida em um local unanimemente
reconhecido como totalmente inadequado para a atividade leiteira, nem
mesmo investimentos de grande vulto são capazes de solucionar as dificul-
dades de produção, mesmo que a aparência da fazenda de confinamento
seja moderna e suntuosa. A manipulação correta dos fatores produtivos,
o uso de mão de obra capacitada, o controle dos custos e a eliminação de
investimentos em recursos não produtivos são, na realidade, os fatores es-
senciais para a exploração racional de vacas para a produção de leite em
qualquer lugar do mundo ou em qualquer sistema de produção.

A volta do velho problema


Revista BALDE BRANCO - nº 434 - dezembro de 2000

A escassez fez com que o preço pago pelo leite tivesse no meio do
ano 2000 uma elevação considerável, trazendo de novo ao setor
estímulo e esperança de dias melhores. Uma série de fatores in-
ternos e externos fez com que a lei da oferta e da procura mais
uma vez mostrasse sua eficácia, levando inclusive ao reapareci-
mento do leilão para a obtenção de preços mais significativos.

Notícias veiculadas pela mídia, por analistas do setor e eficazmente passa-


das de boca em boca por produtores nos tradicionais pontos de encontro
das cidades do interior, certamente facilitaram a negociação de preços e a
decisão de mudar a entrega do leite para quem pagasse melhor. Tudo pa-
recia favorável até que as chuvas inesperadamente precoces da primavera
revelassem que os problemas estruturais da produção de leite no Brasil
93
ainda estavam vivos, apesar das avaliações de que setor está passando por
profundas modificações. O leite que faltava apareceu repentinamente, e
o mercado voltou a ser afetado pelos excedentes teóricos, influenciado
também pelo consumo retraído de produtos lácteos, por algumas impor-
tações e pela tendência de redução no preço do leite longa vida, que hoje
tem grande influência sobre o valor pago ao produtor.

O aumento de produção pelos pequenos extratores e a retirada de leite


de gado de corte pelo estímulo do preço perturbaram o mercado e, mais
uma vez, impediram a tão almejada estabilidade, com alterações de pre-
ços mais fáceis de serem absorvidas pelo setor produtivo e condições
adequadas para o planejamento industrial. A produção estava latente,
à espera de condições climáticas e preços favoráveis para novamente
voltar a mostrar a sua presença.

Durante o episódio recente de escassez de leite, ficou bastante evidente


um fato que tem passado despercebido das análises feitas sobre o setor
leiteiro e que mostra a possibilidade de os extratores continuarem a in-
terferir decisivamente no mercado. Ocorreu de maneira mais acentua-
da a venda de leite resfriado por laticínios, que coletam leite quente na
beira da estrada, para empresas que fizeram programas bem sucedidos
de granelização. Assim sendo, pequenas cooperativas esparramadas pelo
interior do País e laticínios familiares que utilizam as conhecidas linhas
de leite passaram a ser fornecedores importantes para o preenchimento
de uma demanda mais ou menos constante de matéria prima.

Uma análise, mesmo superficial do perfil dos produtores dessas empresas,


irá revelar que podem ser caracterizados como extratores, pois não usam
tecnologia, revelam índices baixos de produtividade, e o leite ordenhado
à mão, muitas vezes em currais abertos, é de baixa qualidade e tipicamen-
te estacional. Dentro desse contexto antigo e persistente, os produtores de
leite informal, que na maioria dos casos são também extratores, podem
fazer parte do mercado formal, pois a qualquer momento se transformam
em fornecedores, devido ao preço mais elevado do produto e à abertura
de novas linhas para aumento da captação.

Por ocasião da escassez, não existe o pagamento reduzido pelo excesso,


94 o que estimula o extrator de gado de corte, que é sempre oportunista e
tem mercado garantido. Esse cenário permanece imutável, sendo carac-
terístico de problemas estruturais e, sobretudo, socioeconômicos do meio
rural. Como tem sido comentado há longo tempo, o processo extrativo de
leite é muito atrativo para produtores rurais que não conseguem absorver
tecnologia nem programar outras atividades para a fazenda.

Além desses aspectos, historicamente a pecuária leiteira na região Sudeste


do Brasil está localizada em regiões montanhosas, onde culturas de plantas
anuais são difíceis de serem implantadas. Na região dos cerrados, apesar do
relevo favorável, a fertilidade do solo dificulta o cultivo sem tecnologia, e
mais uma vez a pecuária de leite passa a ser a única opção para as proprie-
dades consideradas pequenas. Com a produção de leite existe uma renda
mensal que contribui para o sustento da família em nível de subsistência,
com a convicção de custo “zero” e lucro na venda do bezerro.

Nos últimos anos, a influência do setor não especializado sobre o comércio


de leite não foi muito nítida, pois importações, dificuldades climáticas na
primavera e início de verão, preços pouco convidativos e esforço de grane-
lização pelas maiores empresas compradoras de leite não revelaram evidên-
cias claras como as de agora. Entretanto, o problema permanece latente, e
sua solução se manifesta sem previsão, afetando não só o produtor que vem
procurando meios e caminhos para se especializar - e para isso precisa de
certa estabilidade de preços - mas também o parque industrial, que enfren-
ta flutuações imprevisíveis na oferta de matéria prima no mercado.

Discordâncias sobre o leite informal


Revista BALDE BRANCO - nº 435 - janeiro de 2001

Todo mundo concorda que existe leite clandestino no Brasil, como


nos outros países em desenvolvimento onde a economia informal
tem importância socioeconômica. A presença de camelôs urbanos,
por vezes encontrados nas portas das Secretarias da Fazenda, de-
legacias de polícia e tribunais, atesta a complexidade de se elimi-
nar a economia informal, que garante a subsistência de famílias
por falta de outras opções ou oferece ganhos sem muito esforço.
95

No campo, o leite informal contribui de maneira significativa para a renda


familiar de pequenos agricultores (no sentido de produção de baixa escala)
e, quase sempre, é a única opção para quem não quer, não consegue ou
desconhece a possibilidade de aplicação de tecnologia. Na realidade não
se trata de uma atividade ligada ao tamanho da propriedade, ao sistema de
produção, à localização geográfica, à condição socioeconômica e cultural
do produtor ou qualquer outra característica, mas, sim, de uma postura de
comercialização ditada por interesses de preço ou falta de opção de venda
para o mercado formal.

Os produtos informais são livremente comercializados em todo o País,


apesar de proibidos por legislação, havendo preferência pelo produto
fresco e puro da fazenda, apesar das fraudes esporadicamente relatadas.
Recentemente, o jornal O Globo reproduziu uma notícia de 1950 sobre
inspeções realizadas na capital do País, revelando muitos produtos in-
formais impróprios para o consumo já naquela época, mas o fato parece
não ter provocado repercussão.

Apreensões esporádicas dos produtos aparecem em destaque na mídia,


mas, não solucionam o problema. Nas feiras livres, nos mercados muni-
cipais, nas padarias, nas pizzarias, nos bares, nos postos de gasolina, nas
barracas ou nas lojas na beira das rodovias e em hotéis de bom padrão
é possível identificar o produto sem origem. No final do milênio, numa
visita a uma loja de produtos naturais no bairro de Copacabana na cida-
de do Rio de Janeiro, verificou-se que os principais produtos de venda
eram derivados de leite sem inspeção.

As discussões sobre o leite informal não levantam dúvidas de sua exis-


tência, da evasão fiscal e dos riscos para a saúde humana, mas, sim,
sobre o volume produzido e a interferência no mercado formal. As
divergências ocorreram porque metodologias diferentes de análise e
interpretação dos dados estatísticos publicados pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) levaram a resultados discrepan-
tes. Leite não vendido e cálculo de autoconsumo foram os itens que
provocaram as diferenças entre os estudos realizados, mas talvez a falta
de interpretação desses termos seja o fato mais importante a ser consi-
derado. No caso em que se estimou que o leite informal representava
96
15% do total, desconsiderou-se que os produtores informais vendem
pouco leite fluido, comercializando derivados, principalmente queijo, e
o autoconsumo calculado em 20% é irrealista, principalmente quando
se atribui um consumo anual de 513 litros por membro da família, o que
está muito acima do valor “per capita” estimado em cerca de 130 a 150
litros por habitante por ano.

Nessa suposição, não foi sequer comentado que o consumo brasileiro, prin-
cipalmente no meio rural, é muito baixo, devido ao hábito e ao fato de
o leite ser fundamental para a formação da renda familiar. Corrigindo a
metodologia, o autoconsumo passou a representar pouco menos que 3%, o
que significa 250 a 300 litros, mas esses valores devem estar também supe-
restimados. Surge então a dúvida do que seja autoconsumo. Estaria inclu-
ído nesse item o leite gasto também com a alimentação dos bezerros, leite
desprezado por mastite, colostro, doação ao vizinho por serviços prestados,
troca na aquisição de outros alimentos ou outros destinos não imaginados?

Levantamentos realizados em fazendas mais especializadas indicaram que,


muitas vezes, do total de leite produzido, somente 70 a 80% eram comer-
cializados, sendo a maior parte gasta na alimentação dos bezerros e des-
prezada por impossibilidade de venda ou consumo. Por todas as dúvidas
sobre a interpretação dos fatos, não seria mais adequado alertar, com base
nos cálculos mais realistas, que mais de 40% do total produzido no País
não entram no mercado formal, o que é espantoso, independentemente das
suposições sobre o seu destino?

Como ninguém conhece o mundo da informalidade trabalhando somente


com dados estatísticos e especulando sobre a utilização do leite, não seria
mais racional considerar algumas evidências que mostram que a produção
é grande e tende a crescer se a nova legislação for implementada?

A questão crucial da informalidade não tem sido discutida: como acabar


com o camelô de leite no País, pelo tamanho, pelo significado socioeconô-
mico, pelas dificuldades para fiscalização, pelo impacto no mercado formal
e, sobretudo, pelo o que acontecerá se desaparecer?

Uma moeda chamada leite 97

Revista BALDE BRANCO - nº 447 - janeiro de 2002

A tradição faz com que toda avaliação econômica da atividade lei-


teira seja expressa em custos definidos em reais por litro pro-
duzido. Talvez isso ocorra porque, na época (final da década de
1980 e início da década de 1990) em que o governo estabelecia o
preço ao produtor, as planilhas montadas para negociação eram
também assim definidas. Esse critério não oferece oportunidade
de se avaliar o que está acontecendo na fazenda, qual a efici-
ência do processo adotado e por que resultados favoráveis ou
desfavoráveis são obtidos.

Como acontecia no passado, são números frios que podem ser mani-
pulados, dependendo dos critérios adotados para o cálculo, servindo
ainda para demonstrar que a atividade não é viável e assim solicitar
reajustes periódicos dos preços pagos pelo produto. Na época das bem
estruturadas negociações, a sistemática era válida, efetiva e sempre
trazia resultado, mesmo que os valores não fossem os desejados, pelo
simples fato de que a boa ou má vontade dos agentes governamentais
estabelecia os valores a serem pagos pelo leite.

Com a liberação, não mais existe um preço mínimo imposto e aplicado,


e o mercado passou a definir as regras do jogo. Portando, seria aconse-
lhável que novos critérios fossem adotados para avaliação do que ocor-
re na fazenda, mesmo que as análises fossem utilizadas somente para
uso interno, em que a realidade dos fatos, e não a necessidade de de-
monstração de problemas deve prevalecer para que fracasso ou sucesso
sejam caracterizados, analisados e solucionados.

Uma metodologia de avaliação econômica bastante empregada em ou-


tros países, que possibilita analisar também a eficiência da atividade,
utiliza o leite como moeda para o pagamento dos custos. Sabe-se que,
geralmente, a renda proveniente da venda de leite representa de 80 a
90% da receita nas fazendas de produção e, por esse motivo, a transfor-
mação da venda de animais em equivalente-leite criará a oportunidade
de se avaliar os recursos disponíveis para pagamento dos custos da
atividade como um todo.
98

Com essa concepção, se torna evidente o motivo porque não se con-


sidera, em nenhuma região evoluída, média de curral como índice de
produtividade, por que os valores obtidos não caracterizam a capacida-
de do rebanho como um todo, de participar do esforço para a geração
de “moeda”. Torna-se, então, possível entender que cabe à vaca a tarefa
de pagar as contas da fazenda, porque, além de produzir leite, também
gera animais para reposição e venda.

O custo deve, então, ser transformado em litros por vaca e, concomitan-


temente, a avaliação da produção por vaca do rebanho por ano passa a
ser importante para se ter uma ideia da eficiência do mesmo na geração
de “moeda” para pagamento dos custos. As análises feitas em fazendas
brasileiras mostram que somente 50 a 70% das matrizes (todas as fême-
as que já deram cria) participam do processo produtivo, ao passo que
nas propriedades bem administradas, os valores serão de 83 a 86%.

Assim, pode-se ter uma ideia real do que se perde de receita por falhas
no manejo, problemas de reprodução e, sobretudo, uso de vacas sem per-
sistência de produção. Se for levado em consideração que somente a vaca
em lactação, que para tanto já deu cria, gera renda, fica evidente a impor-
tância de se preocupar também com a estrutura do rebanho, pois todas as
outras categorias de animais somente promovem gastos, sem participar
do esforço para produzir “moeda” na situação em que se encontram.

Um exemplo característico de desperdício é a criação de machos que


mamam durante a ordenha, pois consomem de 500 a 600 litros e não
conseguem pagar, se vendidos na desmama, o que gastaram de leite,
que sem dúvida fará falta para os pagamentos a serem efetuados. O
potencial de geração de recursos financeiros da fazenda é definido pelo
número de vacas em lactação por hectare por ano, um índice que rara-
mente é caracterizado em nosso meio, e define com precisão o uso de
dois dos mais importantes fatores produtivos: a vaca que gera receita e
o solo que fornece o suporte para a manutenção do rebanho produtivo
e improdutivo, partícipes dos sistemas aqui utilizados.

A comparação de custos em R$ por litro geralmente concorre para au-


mentar o grau de insatisfação e o sentimento de incapacidade, sem re-
velar se a atividade apresenta em si alguns problemas a serem sanados. 99

Por esse motivo, raramente, mesmo para dentro da porteira, somente


para seu uso, o produtor consegue enxergar com clareza as razões dos
resultados obtidos. Talvez, por esse motivo, sempre a culpa do insu-
cesso é atribuída ao governo, ao comprador, ao preço dos insumos, à
variação do dólar, etc. Dificilmente se encontra alguém que admita,
para si mesmo, que o seu sistema de produção pode também ser parte
integrante da dificuldade de produzir leite.

O Brasil no mundo do leite


Revista BALDE BRANCO - nº 453 - julho de 2002

Dados recentemente publicados pela FAO revelam que existe um


grande déficit de leite no mundo, com uma disponibilidade de so-
mente 96 kg por habitante por ano, considerando a produção to-
tal de todas as espécies animais. Este número poderia ser maior se
fosse levado em consideração que éguas, jumentas, iaques e ou-
tras espécies exóticas também fornecem leite para populações em
áreas remotas do Oriente, mas os valores não são computados, por
se tratar de volume pequeno, ocorrências isoladas e hábitos ali-
mentares típicos de determinados agrupamentos populacionais.

Estima-se, então, que do total de leite produzido no mundo as vacas fornecem


84,5%; os búfalos, 11,9%; as cabras, 2,1%; as ovelhas, 1,3% e os camelos, 0,2%.
Os maiores produtores de leite de búfalo são Índia (66%), seguida por Paquis-
tão, Egito e China. Os indianos também têm destaque na produção de leite de
cabra (28%), vindo a seguir Bangladesh, Sudão e Paquistão. A China aparece
como maior produtora de leite de ovelha (12%), seguida de Itália, Turquia e
Grécia. O leite de camelo é consumido na África e países árabes e os maiores
produtores são Somália (64%), Arábia Saudita, Mali e Emirados Árabes Unidos.
A importância da vaca, como fornecedora de alimento de reconhecido
valor para o homem, pode ser atribuída ao fato de produzir quantidades
elevadas, ter sido um dos primeiros animais domesticados e de ter tido um
papel fundamental na expansão das populações para o hemisfério norte.
Mas, mesmo assim, em 2001, a produção mundial de leite de bovinos pos-
100
sibilitou uma disponibilidade de somente 81 kg por habitante. Outro fato
significativo é que os países considerados desenvolvidos produziram 69%
do total, abrigando somente 22% da população mundial, fato indicativo de
que existem excessos e faltas acentuadas.

Deve-se considerar que as regiões carentes, além de não serem capazes de


produzir, também não possuem recursos para compra. Os que produzem
quantidades significativas, como a Índia, que é a maior produtora conside-
rando o leite de todas as espécies, e imensa população, tem disponibilidade
também pequena, considerada insuficiente para fornecer alimentação sau-
dável para crianças e idosos. A China, que congrega o maior contingente
populacional, produz quantidades muito pequenas de leite de vaca e de
outras espécies, e tem feito esforços para aumentar a disponibilidade.

O Brasil tem destaque no cenário mundial pela quantidade produzida,


ocupando a sexta posição, ficando atrás dos Estados Unidos, Índia, Rússia,
França e Alemanha. Chama atenção pelo número de vacas que produzem
leite, pois possui o segundo rebanho (16 milhões), sendo ultrapassado so-
mente pela Índia (37 milhões). Na América do Sul produz 54% do leite e,
considerando o continente americano, perde para o maior produtor mun-
dial em quantidade, mas contribui com de 32% do total.

Apesar dos números significativos, a disponibilidade teórica para os bra-


sileiros é baixa, característica de regiões em desenvolvimento. Nos últi-
mos 40 anos, a produção teve grande expansão, passando da 5,2 para 22,5
bilhões de kg/ano, o que possibilitou um incremento na disponibilidade
de 80 para 127 kg/habitante/ano. Em termos percentuais, o aumento foi
considerável, mas significa um avanço de somente 1,2 kg/ano no período
considerado. Essa é uma característica dos países que não usam tecnolo-
gia, pois o pequeno crescimento da produção ocorre concomitantemente
com o rápido aumento do rebanho e, assim, não existe possibilidade de
melhorar a oferta de leite para a população. Como o poder aquisitivo e o
consumo são baixos, a falta não é caracterizada, a ponto de se propor a
exportação como forma de enxugar o mercado.

Outro fato significativo é que a contribuição da vaca média para o total


de leite produzido no Brasil continua baixa, cerca de 1.407 kg/ano, va-
lor próximo da média dos países em desenvolvimento. Existem afirma- 101

ções de que o aumento percentual nos últimos 40 anos foi significativo


(100%), mas o fato é que houve um incremento de somente 4,6 kg por
vaca/dia, o que não indica melhoria. Poucos entendem o significado real
do índice kg/vaca do rebanho/ano, que caracteriza a eficiência do uso de
todas as vacas de um país para a produção.

Na realidade a vaca brasileira deve produzir cerca de 2.600 a 2.800 kg por


lactação, mas problemas reprodutivos e persistência baixa reduzem a con-
tribuição para o total de leite do País. Isto é típico de explorações extrati-
vistas e, por esse motivo, não consegue sair do rol dos países de pecuária
leiteira atrasada, fato que deve ser reconhecido e analisado para que não se
considere que esteja ocorrendo evolução significativa no setor produtivo
do Brasil, como tem sido afirmado nos últimos anos.

Os estrangeiros estão chegando


Revista BALDE BRANCO - nº 456 - outubro de 2002

Desde a época do descobrimento, o Brasil tem sido considerado um


País com potencial para atividades agropecuárias por seu imenso
território, sua diversidade de clima, solo e relevo. O desenvolvi-
mento histórico da atividade leiteira não teve projeção, talvez de-
vido ao fato de a colonização ter sido realizada por povos que não
tinham tradição e baseada no modelo fundiário de grandes ses-
marias, na monocultura para exportação e no trabalho escravo.

O modelo de agricultura familiar, característico dos habitantes do norte da


Europa, transferido para o continente norte americano, serviu de base para
o estabelecimento de fazendas leiteiras, que criaram sistemas de grande efi-
ciência. A evolução da estrutura fundiária norte americana revela crescente
concentração de área, com diminuição contínua de propriedades rurais.
Na década de 1930 existiam cerca de 7 milhões de fazendas, e no final do
século XX menos de 1,8 milhão, mas persiste ainda o conceito de explo-
ração familiar, pois o número de assalariados no meio rural é pequeno.
No caso das fazendas leiteiras também se observa tendência de redução no
número de propriedades, ampliação das áreas, elevação da produção por
102
fazenda e manutenção da característica de atividade familiar, pois os donos
e os membros da família continuam participando ativamente do trabalho
rotineiro, mesmo nas grandes fazendas do oeste.

No Brasil, os conceitos de pecuária leiteira com trabalho familiar foram


introduzidos com imigrantes das regiões com tradição leiteira da Euro-
pa, mas geralmente, em minifúndios localizados em regiões de solos e
relevos inadequados. Apesar disso, algumas colônias tiveram destaque e
criaram fama na atividade leiteira.

Existem comentários e evidências de que, recentemente, estrangeiros têm


demonstrado interesse em instalar fazendas leiteiras no Brasil, depois de
conhecer o potencial de algumas regiões com características muito favorá-
veis de clima, solo e relevo no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul. São atra-
ídos também pela possibilidade do estabelecimento de unidades de grande
porte, considerando o preço das terras, em função da desvalorização da
moeda, custo da mão de obra e, algumas vezes, facilidades oferecidas por
órgãos públicos municipais ou estaduais. É provável que vislumbrem, no
futuro, um mercado consumidor de grande potencial, considerando a po-
pulação, a produção pequena e as condições favoráveis para o crescimento
econômico e a elevação da renda “per capta”.

Existe também perspectiva de exportação de produtos diferenciados como,


por exemplo, queijos produzidos com custos baixos para mercados mais exi-
gentes no exterior, se o problema da qualidade da matéria prima for solu-
cionado com produção suficiente para os objetivos propostos. De qualquer
maneira, a imigração já foi desencadeada e produtores da Nova Zelândia, dos
Estados Unidos, da Itália e talvez outros países, já compraram terras, e alguns
iniciaram projetos ambiciosos para produção de leite, apesar da fama nada
favorável do setor entre os produtores nacionais. O interessante é que a ênfase
tem sido direcionada no sentido do potencial imenso dos pastos, ainda não
explorado e de condições consideradas muito boas para a atividade.
Seria de grande utilidade para o País, se os conceitos de trabalho familiar
fossem introduzidos em fazendas de grande porte, pois a ideia existente é
de que o modelo funciona somente para pequenas propriedades. Por tra-
balho familiar subentende-se que o dono e os demais membros da família
participam ativamente dos trabalhos rotineiros, mudando assim a impor-
103
tância da mão de obra assalariada. Por exemplo, um fazendeiro americano
que visitou o Brasil e possui 500 vacas em lactação, comentou que durante
18 anos seguidos, quando o rebanho estava em crescimento, participou de
todas as ordenhas, mas que agora seu filho assumiu a posição, trabalhando
junto com pessoal contratado, sempre orientado e fiscalizado pelo dono.

Outra lição importante de um conceito diferenciado é a programação e o


controle do processo produtivo, com ênfase em eficiência e aplicação de
recursos em atividades produtivas, eliminando as dificuldades encontradas
no País de se analisar índices de produtividade, dificilmente aceitos como
importantes para avaliação da fazenda. Com toda certeza, os estrangeiros
não darão ênfase ao custo como verdade absoluta para caracterizar a ati-
vidade, que será analisada através da eficiência do uso dos recursos pro-
dutivos. O tempo dirá se os imigrantes serão capazes de revelar um novo
caminho, contribuindo, assim, para a introdução dos conceitos de profis-
sionalização e tecnificação na pecuária leiteira do Brasil.

Ganhar dinheiro no leite


Revista BALDE BRANCO - nº 471 - janeiro de 2004

Foi sem dúvida, estimulante e promissor o concorrido debate que


aconteceu durante a Expomilk, evento realizado em São Paulo (SP)
em novembro de 2003, para discutir como ganhar dinheiro no leite.
Trata-se de uma proposta considerada, desde o início do século XX,
como impossível de ser debatida em público, pois sempre perma-
neceu a certeza de que, dizendo o contrário, seria possível obter
preços melhores para o produtor.

Todas as vezes que se demonstrava com dados reais que o tema agora
discutido era viável, havia uma reação muito grande, com manifesta-
ções curiosas e incompreensíveis. Talvez, uma das mais expressivas para
demonstrar a atitude dos que não admitiam a divulgação da possibili-
dade de que produzir leite era viável economicamente, seja a afirmação
extraída de um importante veiculo de comunicação na virada do século
XX: “Toda vez que especialistas apresentarem custos de produção para
104
produtores eficientes, completamente fora da realidade das fazendas, é
preciso reagir mostrando os custos reais”.

Uma planilha sem fundamentação técnica, elaborada nos anos de 1960,


como demonstrado em 1994, em um seminário realizado em Belo Ho-
rizonte (MG), mostrava que o leite dava prejuízo e os técnicos das uni-
versidades, serviços de extensão e consultores eram considerados, em
declarações públicas ou veladas, como “comprados” pelas cooperativas
e pelos laticínios, porque diziam que era possível obter bons resultados
produzindo leite, desde que aplicados conceitos de eficiência, como tec-
nologia e atitude empresarial.

Apesar da pressão, das afirmações desabonadoras e do uso da mídia para


caracterizar o produtor como sofredor, infeliz e sem futuro, os técnicos
nunca desistiram, e até hoje, provam que existem boas possibilidades no
leite, já que o objetivo nunca foi caracterizar o fazendeiro como incompe-
tente, mas, sim, revelar caminhos desconhecidos para mudar o conceito
sobre a atividade e, então, contribuir para que pudesse ser viável para
pequenos ou grandes produtores, usando qualquer modelo de produção.

O conceito de eficiência em produção de leite não é bem compreendido, pois,


envolve alerta sobre o uso de pseudotecnologias como o milho forrageiro,
sêmen de touros nacionais sem prova, desidratação artificial de leguminosa
tropical, gado de baixo potencial em confinamento, uso de plantas milagro-
sas, combate sistemático para acabar com carrapatos, rações desbalanceadas,
etc. Além disso, preconiza o uso de índices realistas de avaliação do uso dos
recursos produtivos, mostrando que instalações suntuosas, máquinas sofis-
ticadas, média alta de curral, produção por lactação significativa, grandes
volumes de leite e custo expresso em R$ por litro, não indicam eficiência de
produção. Os princípios de eficiência são usados em todos os sistemas de
produção do mundo desenvolvido e devem ser considerados como modelos
universais para ganhar dinheiro no leite, não podendo ser confundidos com
modelos operacionais, que não podem ser nunca utilizados como receita.

Nas discussões sobre viabilidade econômica de produção, grande destaque


foi dado para o volume de venda. Ao que tudo indica, não se consegue
distinguir bem a diferença entre pequeno produtor e extrator de leite, um 105

conceito introduzido nos anos de 1970, para caracterizar o indivíduo que


ordenha vacas se existe parto, nunca programando a atividade ou usando
tecnologia. Com essa visão, não se atenta para o fato de que em todos os
países, com exceção da Nova Zelândia, o rebanho médio é pequeno.

Nos Estados Unidos, a fazenda média tem, hoje, cerca de 100 vacas; em
1980, por volta de 32; em 1950 somente 6. No mundo desenvolvido a
pecuária de leite foi estruturada e ainda é dependente da pequena pro-
priedade. O que está acontecendo é um crescimento gradativo e aumento
na quantidade de leite vendida por dia nas fazendas, como se observa nos
EUA, com 2.500 kg nos dias atuais e somente 477 kg em 1980. Um fazen-
deiro americano que em 1950 tinha somente 18 vacas e tem hoje 4.000
é exemplo de que, quem não nasceu grande pode crescer se dedicando
exclusivamente ao leite.

Hoje, é possível ganhar dinheiro sendo pequeno, usando eficiência, como


também é verdade que o grande decida liquidar o plantel por perdas acu-
muladas. O ganho do pequeno pode não satisfazer a aspiração quantitativa
do grande, mas cria possibilidades reais de crescimento e satisfação com
a atividade. Pode-se afirmar que o leite não é necessariamente um bom
negócio, mas, sim, que pode se tornar competitivo com culturas anuais ou
perenes, abrindo perspectivas muito favoráveis para quem ambiciona ga-
nhar dinheiro no agronegócio trabalhando com racionalidade e eficiência.

Venda de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 473 - março de 2004

O setor leiteiro foi surpreendido por problemas surgidos em de-


corrência das dificuldades da compra de leite por uma das maio-
res empresas do Brasil, fato que chegou a promover reuniões de
órgãos governamentais, manifestação de autoridades e depoimen-
tos comoventes de pequenos produtores que deixaram de receber
um dinheiro importante para a sobrevivência, em locais onde pou-
cos compradores podem absorver o produto.

106 Ao longo dos anos, um número relativamente grande de laticínios fechou


as portas, muitos deles repentinamente, sem haver tal impacto. A razão
é que os volumes não eram tão significativos, o problema era regional e
outras empresas foram capazes de absorver, em curto prazo e sem grande
desvalorização, o produto oferecido pelo mercado. Apesar dos prejuízos
e das perturbações, a turbulência era controlada e a atividade continuou
em sua marcha tradicional.

Quando dificuldades na comercialização envolvem grandes volumes de


leite distribuídos por todo o território nacional, chegando a afetar a dis-
ponibilidade para o consumidor, com alteração de preços por oferta re-
duzida, o impacto tem outro sentido. Todos torcem para que apareça uma
solução para que desemprego, dificuldades econômicas para os produto-
res, redução do preço pago pelo produto e elevação para o consumidor
sejam solucionadas, e que o setor leiteiro continue com seus problemas
relativamente simples, compreensíveis, e de certa maneira, aceitos por to-
dos, porque sempre existiram.

A realidade é que, administrar pequenas quantidades regionais de leite


não é muito difícil, mas assumir rapidamente as atribuições de um gigan-
te é desafio complexo e exige medidas acertadas, gerenciamento profis-
sional e, sobretudo, cautela.

No mundo todo, existe uma proposição que vem sendo repetida ao longo
dos anos em todos os países desenvolvidos: produzir leite não é tarefa mui-
to complexa quando se aplica conceito tecnológico objetivando eficiência e
gerenciamento. O difícil é vender um produto perecível que exige tecnolo-
gia para processamento, transformação e comercialização eficientes. Além
disso, é necessário enfrentar não só a concorrência de outros laticínios, mas
também o poder crescente das redes distribuidoras que dominam os gran-
des mercados consumidores.

Este fato não é bem entendido no Brasil, onde a comercialização de leite in-
formal parece simples por falta de fiscalização e, também, pela aceitação por
parte da comunidade, mas, na realidade, o que possibilita sucesso é o fato
de pequenos volumes serem vendidos em locais próximos à produção, num
período de tempo relativamente curto, de maneira a garantir certa qualidade.
Por esse motivo, a atividade não apresenta expansão rápida e generalizada, ou
107
é facilmente adotada por produtores maiores, apesar de ser sempre atrativa a
perspectiva de ganhar a parte do “leão”.

Um exemplo característico da ideia da facilidade de venda foi bem eviden-


ciado na visita de brasileiros ligados ao setor lácteo a uma fazenda america-
na que produzia 150 mil litros diários, porque todos ficaram surpresos com
o fato de não existir no local um laticínio. Quando a dúvida foi apresentada,
o proprietário respondeu que sabia produzir, mas não tinha qualificações
para processar ou vender os produtos, devido à complexidade da tarefa. Por
esse motivo, entregava a produção para a cooperativa que possuía profissio-
nais especializados para transformação, distribuição e comercialização em
regiões distantes e em mercados capazes de absorver quantidades significa-
tivas não só de leite, mas também de outros produtos lácteos.

A proliferação e desaparecimento rápido de muitas das chamadas miniusi-


nas é outro exemplo significativo das dificuldades inerentes ao comércio de
leite. De maneira semelhante, nem sempre a produção de leite tipo A é viá-
vel, apesar da técnica aparentemente ter sido introduzida no País em 1925.

Espera-se, e é necessário, que o problema surgido no final do ano de 2003,


possa ser solucionado de maneira racional, objetivando manter a estabi-
lidade do setor leiteiro. Medidas simplistas, muitas vezes fundamentadas
em boas intenções, mas sem embasamento empresarial, poderão dificultar
o fortalecimento do setor, criar novos problemas e desestabilizar um seg-
mento do agronegócio, que não conseguiu ainda criar uma estrutura sólida
como aconteceu com outros que avançam, crescem, evoluem, melhoram a
produtividade e criam mecanismos de gerenciamento compatíveis com os
melhores existentes nos chamados países desenvolvidos.

A crise talvez possa servir para mostrar como é importante para produto-
res, e também, consumidores, a existência de várias empresas que se encar-
regam de industrializar e comercializar produtos lácteos. Por outro lado,
para a indústria deve interessar o fortalecimento do setor produtivo, pois
só a união dos segmentos consegue criar um todo harmônico, semelhante
ao que existe para o setor lácteo em várias partes do mundo, objetivando a
venda de produtos de boa qualidade.


108

Enfim, o otimismo
Revista BALDE BRANCO - nº 475 - maio de 2004

A participação do PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio na


economia do Brasil, o significado das exportações agrícolas para
a balança de pagamentos, o desenvolvimento de regiões remotas
e a criação de empregos diretos e indiretos, o crescimento nas
vendas de máquinas e veículos, a redução no preço dos alimentos,
a diminuição na oferta estacional de frutas, hortaliças e outros
alimentos, a transformação de cidades do interior em locais com
qualidade de vida, e inúmeros outros benefícios, transformaram
os empresários rurais em pessoas respeitadas e admiradas.

Há muito tempo atrás, antes da industrialização dos centros urbanos, a ca-


feicultura também conferia aos proprietários de terra um papel significati-
vo na economia, política e posição social, porque era capaz de gerar riqueza
e de contribuir decisivamente para a economia do País. Posteriormente,
existiu um período em que a posse da terra estava também associada com a
riqueza conquistada nas grandes cidades e transportada para o setor rural,
com o objetivo de conferir “status”, oferecer local para lazer e garantir um
bom investimento nos períodos de inflação galopante. Foi uma época em
que a agricultura, apesar da importância de alguns setores como o do café
e o da cana-de-açúcar, não empolgava a mídia, nem levantava a autoestima
de quem trabalhava no campo.

Hoje, a situação é diferente, pois as culturas de soja, laranja, cana-de-açú-


car, café, frutas e a criação de gado de corte, frangos e suínos passaram a
ter importância não só para a economia do País, mas também no âmbito
mundial, sendo, em alguns casos, referência para o mercado internacional.
É fato conhecido que agricultores americanos, que sempre tiveram papel de
destaque no setor agrícola, acompanham com atenção e respeito o que está
acontecendo no Brasil, que tem condições de competir e conquistar mer-
cados produzindo quantidade e qualidade para afetar as cotações de vários
produtos no mercado mundial.

Estrangeiros que visitam áreas agrícolas ficam impressionados com o que


observam e, sobretudo, com o potencial ainda não explorado na forma de 109

abertura de novas fronteiras e de maior ganho de produtividade. Em palestra


apresentada na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, o professor
Norman Borlaug - Prêmio Nobel da Paz em 1970, por ter desencadeado o
que se chamou de Revolução Verde na agricultura dos países subdesenvolvi-
dos nas décadas de 1960 e 1970, disse, após visitar várias regiões, que tinha
certeza que o país modelo de agricultura no século XX havia sido os Estados
Unidos, e que o Brasil será o modelo do século XXI.

O clima de entusiasmo que existe no meio rural brasileiro parece ter tam-
bém contaminado o setor leiteiro, pois já é possível encontrar na mídia,
manchetes dizendo que o número de vacas e a produção continuam cres-
cendo, que é possível vislumbrar autossuficiência, que os sinalizadores eco-
nômicos apontam para uma provável estabilização de preços e que o País
começa a se firmar como exportador, com condições boas para competir
no mercado internacional.

A reorganização do setor, com o fortalecimento das cooperativas, tem sido


motivo de conversas e negociações. O trabalho consciente e persistente do
“marketing” institucional sobre o leite e derivados começa a mostrar resul-
tados animadores e, com isso, o pessimismo histórico e permanente que
acompanhava as notícias sobre a produção de leite tem sido pouco detecta-
do nas notícias divulgadas pela mídia.

Não é possível pensar em desenvolvimento da atividade leiteira sem um


pouco de otimismo e sem a consciência de que é viável, sim, incluir o leite
como negócio no agronegócio brasileiro, porque importância econômica
sempre existiu, mas entusiasmo, realismo e, sobretudo, autoestima do pro-
dutor, fazem falta para alavancar o setor para uma posição que ele merece e
tem condição de conquistar.

A divulgação de resultados favoráveis em fazendas que adotam mo-


delos de produção diferentes, também auxilia no desenvolvimento de
expectativas positivas, mesmo havendo descrédito quanto às informa-
ções. No meio de regiões cultivadas com soja, existem indivíduos que
se dedicam ao leite, porque dizem ser real a possibilidade de ganhar
mais dinheiro explorando vacas do que cultivando soja, leguminosa
que é estrela da agricultura do País.
110

É estimulante encontrar miniprodutores que conseguem renda suficiente


para ter uma vida digna, recebendo uma remuneração condizente com
suas aspirações e suficiente para mantê-los trabalhando no campo, em vez
de migrar para os centros urbanos. Todos os fatos levam à conclusão de que
pode estar perto do fim, a constância e a persistência do discurso pessimis-
ta sobre o leite, e que, talvez, algum dia, o produtor deixe de ser caracteri-
zado como pobre sofredor.

Desempenho de fazendas leiteiras


Revista BALDE BRANCO - nº 476 - junho de 2004

Muitas propriedades que encaram a atividade leiteira com visão em-


presarial executam algum tipo de controle, objetivando entender
os resultados alcançados no sistema de produção trabalhado.
Sem dúvida, trata-se de um avanço considerável, que, associado à
utilização de alguns conceitos modernos de nutrição, manejo re-
produtivo, uso de touros provados e cuidados com fatores estres-
santes, revela que existe processo de evolução no setor produtivo.

Entretanto, ainda permanece arraigada a ideia de utilizar o custo por litro


para caracterizar o resultado definitivo do sistema implantado. Esse ín-
dice, utilizado em larga escala na época de negociação do preço do leite,
não oferece elementos para um julgamento preciso e criterioso do que está
acontecendo e pode mascarar até mesmo resultados positivos alcançados.
Por exemplo, em fazendas que colocam ênfase na venda de animais para
reprodução, porque considera a despesa total dividida apenas pelo volume
de litros vendidos, sendo o resultado, sempre comparado com o preço rece-
bido pelo leite. No mundo todo, o recurso proveniente da venda de animais
é parte integrante do processo, mas no cálculo do custo por litro vendido,
esta parcela da renda não entra na avaliação por desconhecimento do signi-
ficado ou por ser uma estratégia usada para reclamar preços mais elevados
para fazendas consideradas tecnificadas por utilizarem práticas, máquinas
e conceitos rotulados como modernos e evoluídos.

Um caso real poderá ilustrar o problema e mostrar como o custo em R$ por 111

litro pode revelar uma situação que não era de todo desfavorável: a compa-
ração entre o custo de produção e preço do leite em uma fazenda indicou
resultado negativo de R$ 0,035* por litro, mas quando a renda de animais foi
computada como equivalente-leite (divide-se o valor das vendas pelo preço
do leite) e o valor obtido somado à produção, houve reversão, obtendo-se um
resultado positivo de R$ 0,021, de maneira que a atividade não era o que po-
deria parecer à primeira vista. Esse fato acontece quando a renda proveniente
da venda de leite não é suficiente para pagar o custo de produção, e parte dos
recursos originários da venda de animais é usada para cobrir o déficit, e o re-
sultado final pode não ser bom, apesar de positivo. Em casos como o descrito,
a fazenda não tem o perfil característico do que deve ser uma propriedade
leiteira, pois depende da venda de animais para sobrevivência.

Situações diferentes são encontradas em inúmeras fazendas que, na reali-


dade, são produtoras de leite, pois existe uma margem positiva quando o
preço por litro é maior que o custo por litro, possibilitando margem de pelo
menos 10 a 15%. Nessa situação, as vacas seriam capazes de pagar o custo
total da atividade, e parte da receita auferida com a venda do leite ainda
passaria a compor com a venda de animais, os recursos que possibilitariam
lucro, muitas vezes, bastante atraente, a ponto de ser posto em dúvida.

As distorções apontadas permanecem inalteradas com o passar dos anos


porque, infelizmente, existe tendência de se considerar resultado econômico
desvinculado do zootécnico. Somente pela associação de índices de produti-
vidade e econômicos se torna possível entender as razões e os fatores que le-
varam ao sucesso ou fracasso, porque, isoladamente, a comparação do custo
por litro e do preço por litro não revelam pontos de estrangulamento ou uso
inadequado de fatores produtivos. O que interessa realmente é o resultado
final caracterizado por lucro e retorno sobre o capital empatado na atividade.

A falta de padrões ou indicadores que possibilitem uma visão do con-


junto e que permitam uma avaliação da atividade, independentemente
do modelo de produção adotado em cada fazenda, dificulta a mudança
de conceitos estabelecidos pela tradição e contribui para que a atividade
leiteira seja considerada como um dos poucos negócios ruins dentro do
agronegócio brasileiro, apesar de se ter, hoje, resultados muito bons em
fazendas que usam estruturas de rebanho compatíveis com objetivos de
112
lucro, vacas que, independentemente da produção individual, garantam
volume de venda para cobrir custos e melhorar os lucros, e indicadores
de uso eficiente do solo, mão de obra e outros fatores produtivos.

Por desconhecimento, não se tem ideia de qual seria um lucro razoável


ou bom por vaca do rebanho, qual o lucro adequado por hectare para
garantir competitividade do leite com outras atividades rurais e o que
fazer para alterar uma situação aparentemente desfavorável, que não
seja a simples mudança de rumo com a venda do rebanho e abandono
da atividade, sem uma análise realista que justifique tal decisão.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.06.2004 cotado a R$ 3,1300.

Leite para a China


Revista BALDE BRANCO - nº 477 - julho de 2004

A China vem conquistando, há algum tempo, um espaço reserva-


do na mídia. O maior destaque ficou por conta da missão brasi-
leira, que recentemente viajou à procura do maior mercado do
planeta, um país que cresce a ritmo acelerado e vem trocando
hábitos milenares por conceitos de vida mais próximos de paí-
ses do ocidente. Do ponto de vista comercial, a ênfase foi dada
à soja, às carnes, aos produtos manufaturados, entre outros.
O leite, no entanto, não mereceu menção no rol dos produtos
a serem negociados, apesar de o potencial da atividade no Bra-
sil ser reconhecidamente muito grande e de apresentar preço
competitivo para o mercado internacional.

Historicamente, o leite e os produtos lácteos não fazem parte da dieta dos


chineses, talvez, porque grande parte dos orientais apresente intolerância à
lactose. Não existem dados no país, mas estudos feitos nos Estados Unidos
mostraram que, entre as pessoas de origem asiática, cerca de 90% mostram
esse tipo de distúrbio, uma característica de populações que nunca foram
consumidoras de lácteos, como os africanos, os índios americanos e os ha-
bitantes dos países banhados pelo mar Mediterrâneo.
113

Além desse aspecto, não existe tradição de produção de leite, e os proble-


mas de transporte, armazenamento e poder aquisitivo da população tam-
bém criam barreiras para a expansão do setor. Admite-se que a estrutura
fundiária introduzida pela revolução comunista na China, caracterizada
por pequenas propriedades e deficiências tecnológicas no uso de recursos
forrageiros, como já foi relatado em trabalhos publicados pelos chineses,
seja também um fator limitante para a evolução do setor.

Apesar de a produção de leite na China ter praticamente dobrado de 1997


a 2002, a quantidade é muito pequena para a imensa população de mais de
1,3 bilhão de pessoas. Em 2003, de acordo com a FAO (Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o país produziu cerca de
18,3 bilhões de litros, dos quais, 72,3% foram provenientes de vacas leitei-
ras. O leite incluído nas estatísticas é também oriundo de ovelhas (maior
produtor mundial), cabras, búfalos e camelos.

Apesar de não haver estatísticas, sabe-se que o leite de éguas e de outros


animais, como os iaques, também pode ser utilizado em algumas regiões.
Estimativas oficiais revelam disponibilidade teórica de oito litros por habi-
tante por ano. Somente esses dados já indicam que existe grande carência
do produto num país que evolui, muda de hábitos e aumenta a renda per
capita da população num ritmo sem paralelo no mundo.

Entre as mudanças observadas na China, o consumo de leite e derivados


tem sido apontado como uma das atividades facilmente identificáveis, a
ponto de criar grandes surpresas para viajantes que receberam, em ban-
quetes, copos de leite como bebida para brinde de boas vindas. Além disso,
como parte do aumento do poder aquisitivo de uma classe média urbana
em expansão, existe um mercado crescente para academias de ginástica,
alimentação saudável e, neste contexto, o leite e seus subprodutos tem sido
procurados para o fornecimento de cálcio, proteínas, vitaminas e energia.
Assim, leite fluido, iogurtes, e outros produtos passaram a fazer parte do hábito
alimentar de populações urbanas, mas no campo, o consumo ainda é muito
baixo. Se, no passado, o leite era considerado alimento de crianças, pessoas do-
entes e idosas, hoje, existe o reconhecimento entre os habitantes e o governo,
no sentido de que problemas de osteoporose, crescimento e desenvolvimento
114
intelectual podem ser resolvidos pelo estímulo ao consumo de lácteos.

O mercado chinês tem merecido atenção dos principais países exportado-


res, pelo significado que poderá ter no futuro. Apesar do esforço, a produ-
tividade do rebanho ainda é baixa (cerca de 2.000 kg/vaca/ano) e existem
problemas climáticos, tecnológicos e, sobretudo, falta de tradição de pro-
dução de leite com características evoluídas. Tradicionalmente, os chineses
não apreciam produtos lácteos, o setor é desestruturado e existem relatos
de fraudes muito sérias em relação ao leite em pó infantil (cujas punições
são severas), fatores que indicam que o país levará um tempo relativamente
grande para ter um setor leiteiro estruturado.

Os produtores brasileiros deveriam estar cientes da possibilidade de contri-


buir para o abastecimento de lácteos no mercado chinês, se houver, como
se espera, uma demanda. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que
existe um controle sanitário rigoroso - vide o recente caso da soja brasileira
contaminada - e a necessidade de adaptação às particularidades dos produ-
tos procurados por um mercado não convencional.

Entre a carne e o leite


Revista BALDE BRANCO - nº 481 - novembro de 2004

Alguns fatos interessantes e muito significativos encontrados no


setor leiteiro nacional passam despercebidos por falta de divul-
gação, desinteresse ou desconhecimento. Um exemplo típico dis-
so é a “evolução” encontrada em algumas fazendas que produzem
leite com rebanhos de gado de corte, utilizando propostas dife-
renciadas para a obtenção de resultados econômicos muito bons,
sem perder a característica de uma atividade complementar.
Alguns anos atrás, a visita de um técnico especializado em bovinocultura
leiteira, a uma fazenda de extração de leite resultou na proposição de que a
atividade estava com os dias contados, pois não era possível continuar com
uma exploração extensiva, na qual não se produzia matéria prima de boa
qualidade, nem se usava tecnologia para a exploração leiteira. O comen-
115
tário tinha como base a iminente publicação de normas elaboradas pelo
Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e usava também o ar-
gumento que a exploração não poderia ter resultado satisfatório, pois era
necessário mudar para um conceito moderno, com o estabelecimento de
fazenda leiteira convencional, uso de gado de boa qualidade, equipamentos
adequados e rotinas de trabalho de atividades especializadas. O fazendeiro
não conseguiu entender o comentário, porque os resultados que ele obti-
nha eram muito bons, sob o ponto de vista econômico.

O que ocorria na fazenda era exatamente o oposto do que estava sendo


comentado, pois ele estava ganhando dinheiro, sem investimentos especí-
ficos, conseguindo pagar todo o custo da criação de gado de corte, e ainda
sobrava uma parcela significativa. Depois de vários anos, a fazenda “pro-
grediu” introduzindo técnicas que independem do objetivo de produzir
leite ou bezerros, permaneceu em atividade, aumentou a produção e o leite
continua a ser vendido para o mercado formal, fato que estimula e favorece
a proposta de exploração extensiva.

A produção de leite de rebanhos de gado de corte é uma realidade em vá-


rias regiões, trazendo vantagens incontestáveis para quem a pratica, pois
os custos são pequenos e, algumas vezes, considerados inexistentes, já que
o processo se resume numa simples extração, e a mão de obra utilizada
na ordenha é a mesma empregada para o manejo do rebanho de corte. O
processo sofreu evolução porque algumas propriedades usam hoje tanque
de resfriamento, apesar de a ordenha ser realizada em currais abertos, com
bezerro ao pé da vaca e ordenha manual.

A qualidade do produto obtido melhorou, a composição de sólidos é boa, a


contagem de células somáticas está dentro do desejável, havendo somente
uma tendência de se obter um número relativamente mais elevado de uni-
dades formadoras de colônias (UFC), indicando contaminação durante a
ordenha e nos recipientes.
Novos conceitos de produção intensificada, como o uso de pastagens rotacio-
nadas, têm sido empregados por produtores de gado de corte e, com isso, os
extratores de leite empregam técnicas modernas para elevar a lotação e, assim,
também aumentar o volume de produção. Existem propriedades que elaboram
planilhas, calculando somente o custo operacional efetivo, já que o empresário
116
reconhece que o leite é simplesmente um subproduto da atividade de cria de
gado de corte. Por isso, não faria sentido levar em consideração a depreciação e
a remuneração do capital investido na atividade leiteira, pois eles não se consi-
deram leiteiros, como acontece com os produtores especializados.

O interessante é que, algumas vezes, pagam pela assessoria de veterinários


e agrônomos, utilizam inseminação artificial e conhecem conceitos relacio-
nados à eficiência do processo produtivo. Análises de índices zootécnicos
cuidadosamente elaborados recentemente em uma fazenda mostraram o
que se esperava com o uso de animais não especializados: 55 a 65% de vacas
em lactação e produção de 3 a 4 litros de leite por vaca por dia. Esses fatos
não afetam o desempenho da propriedade, pois o leite se constitui num
simples complemento da renda.

No caso mencionado, a utilização de um rebanho de 700 vacas possibilitou


cerca de 2.400 litros diários, o que representava R$ 37.000,00* líquidos por
mês, porque os custos operacionais foram estimados em R$ 0,22 por litro.
Deve-se considerar também que a renda mensal proveniente da venda de
animais teve um valor aproximado de R$ 7.500,00, o que garantia uma si-
tuação invejável para a empresa.

Não é possível justificar, sob o ponto de vista técnico, modelos rudimenta-


res, em que a contaminação do leite é uma certeza e o compromisso com
a produção inexiste. Entretanto, não existem argumentos para contestar o
fato de que, com as regras atuais do mercado, os extratores acabam benefi-
ciados caso utilizem algumas práticas para melhorar a qualidade e produ-
zirem volumes relativamente grandes.

A aceitação pelos laticínios, a inexistência de legislação, a comercialização de pro-


dutos informais e a falta de leite criam condições favoráveis para a manutenção
de uma atividade extrativa antiga, e muito interessante para alguns “produtores”.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.11.2004 cotado a R$ 2,8590.


O meio rural que não se vê
Revista BALDE BRANCO - nº 482 - dezembro de 2004

Refletir sobre os problemas e as desigualdades observadas no


meio rural de um País em desenvolvimento não são fatos rotinei- 117

ros, quando existe euforia sobre o setor agrícola por parte dos
habitantes da nação, como também por residentes de outras re-
giões do planeta. Dados de produção e produtividade de grãos, ci-
tros, volume de carne produzida e exportada, revelam que o agro-
negócio brasileiro avança e que o meio rural, indiscutivelmente,
atingiu uma posição de progresso e de maturidade.

Relatos na mídia indicam que nas áreas mais pujantes não existe desemprego,
que a renda per capita é alta e que a venda de máquinas e insumos assume
proporções impressionantes. Comenta-se também que os visitantes de ou-
tros países ficam impressionados com a possibilidade de se estabelecer duas
ou mais culturas anuais como consequência de condições climáticas favorá-
veis. O desenvolvimento de variedades de plantas adaptadas, o conhecimen-
to e o combate de fatores limitantes, a existência de técnicos competentes e a
atitude profissional e arrojada de empresários modernos e eficientes colocam
o Brasil em posição de destaque como potência agrícola atual e do futuro.

Por outro lado, uma parcela muito grande das propriedades rurais, indepen-
dentemente do tamanho, não consegue participar do cenário descrito, como
sendo resultado de desinformação sobre tecnologia agrícola, falta de recursos
ou de ambição, se mostrando incapazes de se integrar, por não ter possibi-
lidade de produzir produtos de qualidade, de gerar excedentes em grandes
quantidades para a comercialização, nem de aproveitar os recursos existentes
que se encontram inexplorados.

Essa situação cria um conjunto de produtores que, a cada dia, mais se afasta
do mundo moderno da agricultura competitiva, fato facilmente caracteriza-
do em regiões que estão em declínio mostrando, na paisagem, nas cidades e
na atitude das pessoas, o resultado da estagnação. Áreas relativamente gran-
des apresentam características de subdesenvolvimento, e o que é pior, a falta
de perspectiva para o futuro ou para uma reversão na tendência estabelecida.
Considerar que esse segmento não é importante porque o progresso continua
e as perspectivas de aumento de safras são inegáveis não faz sentido, pois ele
representa uma parcela importante para a formação da renda bruta de agri-
cultura, principalmente, no caso dos produtos animais. Além desse aspecto,
contribuem para colocar as produtividades médias dos produtos brasileiros
118
num patamar típico das regiões subdesenvolvidas.

Na realidade, existem no País, duas situações distintas, pois as culturas de


grãos, cana-de-açúcar, citros, algodão, café e outras se desenvolvem rapida-
mente, ao passo que no setor animal, principalmente, na produção de leite,
as condições e as perspectivas nem sempre são motivo de euforia, apesar das
melhorias inegáveis observadas em alguns locais. Basta lembrar que atual-
mente, a vaca média explorada para produção de leite no País contribui com
menos de 1.500 kg de leite por ano, ou seja, cerca de 4 kg por dia.

Esses valores são resultado de nutrição inadequada, reprodução irregular,


ocorrência de doenças e parasitos, e de fatores estressantes, como também
do uso de matrizes não especializadas, fato que leva a um baixo percentual
de vacas em lactação por ano nos rebanhos. O contraste entre índices médios
de produtividade do setor leiteiro e da cadeia da soja, por exemplo, mostra a
diferença de estrutura existente entre setores da agricultura brasileira, carac-
terizando as diferenças típicas do subdesenvolvimento.

Observar, no início do século XXI, ao final do período de estiagem, vacas


esqueléticas tentando obter comida entre carcaças de gado morto por fome,
a venda clandestina de leite na beira da estrada por caminhões transportado-
res de latões, a ordenha a céu aberto, a comercialização de gado tuberculoso
ou com brucelose, os touros Nelore cobrindo vacas leiteiras, os proprietários
de lotes de assentamentos de reforma agrária perdidos por não saberem o
que fazer e, por isso, tentando tirar leite para sobrevivência em condições
precárias, além de inúmeras outras ocorrências, revelam um Brasil rural que
não é divulgado nas estatísticas, não se vê na mídia e permanece oculto, por
desconhecimento ou interesse em escondê-lo.

Os serviços de extensão rural, que na história da agricultura moderna tiveram


papel significativo para a difusão de tecnologia, melhoria do nível de vida dos
agricultores e abertura de novas oportunidades para o proprietário rural, fo-
ram relegados a um plano secundário no País, quando não deixaram de existir.
Orientação técnica abalizada, opções novas para exploração do solo, planeja-
mento, controle econômico e financeiro, e auxílio na organização do lar são
trabalhos que fazem parte da rotina do trabalho dos extensionistas. Quando
esse serviço essencial não existe, o meio rural que não é visto, fica numa posição
desfavorável e não consegue contribuir para a intenção de colocar o País num
119
processo irreversível de desenvolvimento do setor agrícola como um todo.

Leite empresarial
Revista BALDE BRANCO - nº 486 - abril de 2005

Na interminável discussão sobre modelos de produção mais ade-


quados para o Brasil, surgem questionamentos interessantes,
como, por exemplo, por que sistemas que adotam pasto não se
tornaram vigentes nas fazendas mais empresariais do Brasil? A
mesma ideia tem sido usada para apontar vantagens dos modelos
de confinamento, caracterizando a fazenda empresarial como a
que apresenta grandes investimentos em instalações, máquinas
e equipamentos, revelando o mesmo conceito das que se dedicam
à produção de “commodities” agrícolas exportáveis, ou seja, tra-
balham com grandes volumes, margens reduzidas e remuneração
satisfatória do capital investido.

Ao que tudo indica, está se confundindo a atividade empresarial com a


exercida por empresa capitalista, ou seja, uma unidade de produção com
elevado nível de capital, natureza intensiva de exploração por aplicação de
tecnologia, mão de obra formada por trabalhadores assalariados, produção
especializada e volumosa, e ainda, se revela característica muito apreciada
no setor leiteiro, que é a produção diária elevada por vaca em lactação.

Como no País existem propriedades meramente extrativas, que não usam


tecnologia, apresentam baixo nível de capital de exploração, têm predo-
minância de trabalho familiar não remunerado e quantidade pequena de
produtos comercializados, representados por sobra da subsistência, se torna
possível entender a relação que se estabelece entre poderio econômico, volu-
me de produção e prestígio com fazendas caracterizadas como empresariais.
Pelo exposto, tem-se a impressão de que fazendas empresariais seriam so-
mente as que apresentam porte e investimentos grandes, um fato que mere-
ce reflexão, por não ser realidade em nenhuma região do mundo. Existem
empresas leiteiras menores, com boa rentabilidade, caracterizadas como
familiares, que também apresentam nível elevado de capital exploração
120
proporcional ao tamanho, predominância de trabalho não assalariado, vo-
lume de produção elevado em relação ao tamanho da área e do rebanho, e
a produção também destinada ao mercado.

Nessas condições, o uso de tecnologia permite conseguir produtividade


comparável à obtida pelas grandes empresas, mas o montante do lucro, lo-
gicamente, é menor. Entretanto, como acontece em todos os segmentos da
economia, existe espaço para empresas grandes, médias e pequenas, e o con-
ceito empresarial é, em qualquer situação, lucro e remuneração do capital.

No mundo dos negócios, nem todos os empresários herdaram áreas gran-


des, acumularam fortuna em outros ramos para aplicação na agricultura,
possuem prestígio político, facilidade para obtenção de crédito ou ambição
e perfil para grandes empreendimentos. Por outro lado, empresas familia-
res bem administradas permitem ganhos satisfatórios, compatíveis com os
objetivos do proprietário, e muitas conseguem crescer até atingir um nível
em que podem ser caracterizadas como empresas capitalistas.

A situação descrita não é comum no setor leiteiro do País, mas existem


atualmente modelos familiares nos quais se obtém de R$ 1.000,00* a R$
1.500,00 de lucro por hectare por ano, valores que tornam o leite a melhor
opção para a exploração econômica do solo. Esses resultados estão sendo
obtidos com vacas especializadas, com produção adequada e compatível
com o modelo usado, garantindo ao empresário que explora uma área me-
nor um ganho mais do que compensatório.

No mundo todo, a exploração do leite é uma atividade que se enquadra


muito bem em áreas relativamente pequenas, devido ao fato de possibili-
tar ganhos maiores do que com outras atividades agrícolas. Por exemplo,
nos Estados Unidos, o maior produtor de leite do mundo, a fazenda mé-
dia tem 100 vacas; na França, 37 e na Nova Zelândia 270. Levantamentos
feitos por aqui, indicam que nos Estados de Goiás e Minas Gerais, a fa-
zenda leiteira tem em média e 100 ha a 120 ha, sendo áreas inadequadas
para a produção de grãos ou gado de corte.

Além desses aspectos, atividades empresariais em outros países que tem


prestígio como produtores de leite, como Nova Zelândia, Austrália, Irlanda
e outros, apresentam competitividade para exportação e exploram vacas
que contribuem com 2.800 a 5.000 kg de leite, o que significa produções 121

entre 7,7 e 14,0 kg de leite por dia, indicado que o conceito divulgado no
Brasil não é correto e contribui para o desestímulo do setor.

Por que razão se associa leite empresarial com tamanho, grandes inves-
timentos, modelos sofisticados, e por que ligar essas características com
tecnologia, como faz a mídia? A distorção perde sentido quando se analisa
o fato de que fazendas que se enquadravam nesse perfil deixaram de pro-
duzir, por causa de resultados negativos. Empresas leiteiras independem
de modelos, tamanho de área, investimentos em sofisticação ou volume de
produção, mas, sim do conceito de administração dos recursos produtivos.
Analisando a produção de leite no mundo, se vê que não é só nas grandes
fazendas dos Estados Unidos, com vacas de alta produção, que se produz
visando ao lucro e à remuneração do capital.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.11.2004 cotado a R$ 2,6542.

A magia do leilão
Revista BALDE BRANCO - nº 488 - junho de 2005

A comercialização de animais realizada por meio de competição


pública entre compradores que oferecem lances depois de inspe-
ção, escolha e avaliação é muito antiga, sendo praticada na Europa
desde épocas remotas. A negociação facilita tanto a venda como
a compra, pelo fato de que, num mesmo local e dia, são ofertados
e adquiridos matrizes, reprodutores e outras categorias de bovi-
nos em quantidades relativamente grandes.

Os primeiros regulamentos e leis para a realização de leilões foram estabeleci-


dos em 1845 na Inglaterra, objetivando controlar o comércio e evitar fraudes
e abusos por ambas as partes: compradores e vendedores. A partir de 1927 se
tornou obrigatória a apresentação, nos recintos de remate, dos regulamentos
que, entre outras normas, proibiam a formação de acordos entre compradores.

Para a realização de leilões públicos no Brasil, os vendedores devem divulgar


num catálogo, com antecedência mínima de 20 dias, a relação dos animais, o lo-
122 cal, o horário e as condições de venda. A atividade passou a ser largamente rea-
lizada a partir da década de 1980, com inovações importantes como a realização
dos eventos em fazendas, ao invés de recintos oficiais, como se fazia no passado.

A comercialização em leilões pode trazer resultados inesperados para o vende-


dor, seja no sentido da supervalorização como também de decepção quando
os animais ofertados não alcançam o preço que se imaginava justo. Este fato
acontece porque sempre se idealiza um valor alto, que promova o rebanho e
traga resultados satisfatórios para a elevação da renda da fazenda.

A expectativa é sempre acima do mercado e, por esse motivo, são executadas


uma série de atividades visando à valorização do animal, como divulgação
de dados zootécnicos, tosquia, preparo de cascos, colocação de cabrestos,
adestramento de animais para condução e apresentação, e até a contratação
de pessoal com bom visual para a condução das atividades. Oferta de ani-
mais de boa qualidade, lotes homogêneos, estudo da ordem de oferta e leilão
em parcelas são também fatores considerados no preparo do remate, porque
podem auxiliar o ritmo do evento, o entusiasmo do público e a obtenção de
resultados mais significativos.

Não é raro oferecer bebidas alcoólicas para provocar euforia em alguns parti-
cipantes, o que pode estimular a disputa e a consequente elevação dos preços.
A venda em leilão público assume características interessantes, quando dois
ou mais indivíduos disputam um mesmo animal, movidos por sentimentos de
vaidade, determinação ou desejo de conseguir o que consideram ser o ideal.
Nessas condições, o proprietário atinge seus objetivos e a plateia aplaude quan-
do preços recordes são obtidos.

Sob o ponto de vista do comprador, a participação no evento tem outra conota-


ção, ou seja, a compra de reses de qualidade para o seu plantel pelo menor pre-
ço possível ou, no máximo, pelo valor de mercado. Assim sendo, ele se dirige
ao local com a esperança de que o número de compradores seja reduzido, que
o tempo fique fechado e chova, ou que o evento tenha sido pouco divulgado.
Na inspeção cuidadosa do plantel ofertado, a escolha é feita com antecedência,
muito influenciada por características de tipo que conferem beleza ao animal.

Outros fatores que podem despertar o desejo de possuir determinados animais


são pedigree, índices de produção, situação reprodutiva e, sobretudo, a inexpli-
cável atração que certos animais exercem sobre a pessoa. A qualidade do plan- 123

tel, a habilidade do leiloeiro e o clima de competição que se estabelece durante


o remate podem levar o comprador a pagar um preço fora da realidade. Por
exemplo, a quantidade de leite necessária para pagar uma vaca arrematada por
R$ 20.000,00* seria de aproximadamente 40 mil litros, o que torna difícil ou
impossível de se obter retorno razoável sobre o capital empatado com a venda
do leite, mesmo que a produção por lactação seja elevada, pois haveria necessi-
dade de se considerar a disponibilidade líquida da renda obtida.

Geralmente, matrizes que alcançam preços elevados são arrematadas para


produção de embriões, mas não se tem garantia de que as crias obtidas sejam
de boa qualidade, por não existir possibilidade de se saber, pelo tipo ou pela
produção, se a matriz pode transmitir aos seus descendentes suas qualidades.
Como não existe no País um programa de estimativa do mérito genético das
fêmeas, nunca se sabe o seu provável valor como reprodutora, e mesmo com
essa informação, os resultados seriam imprevisíveis.

A complexidade da genética de produção de leite é grande, pois nas provas de


touros em países desenvolvidos, as melhores vacas por mérito genético são aca-
saladas e somente 10 a 15% dos filhos são aproveitados para comercialização de
sêmen, por serem avaliados como bons reprodutores.

Para não ser enfeitiçado pela magia do leilão, o comprador deve ser racional,
estipulando o preço com antecedência e dando lances até o ponto em que a
aquisição possa ser considerada, em qualquer situação, um bom negócio.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.06.2005 cotado a R$ 2,4278.


Sucesso de fazendas pequenas
Revista BALDE BRANCO - nº 495 - janeiro de 2006

Cada vez mais, a produção de leite em fazendas pequenas é co-


124 mentada, discutida e analisada, pois resultados econômicos muito
bons, provenientes de acompanhamentos criteriosos, têm sido di-
vulgados. A constatação desperta reações controversas, já que
existe a concepção generalizada de que volumes elevados de pro-
dução, também chamados inapropriadamente de escala, são apon-
tados como fatores muito importantes para a economia da ativida-
de. Entretanto, é fato reconhecido que lucro só é obtido quan-
do os recursos existentes no sistema são explorados de maneira
correta, independentemente do modelo adotado para produção,
possibilitando custos compatíveis com os ganhos.

Comentário feito por um especialista americano, no período em que a pro-


dução de leite estava se estruturando em bases modernas, dava ênfase ao fato
de que o tamanho da atividade era importante, mas apenas um grande vo-
lume de produção não solucionava problemas econômicos das propriedades
leiteiras. Dizia-se que a receita para o sucesso era aprender a ser eficiente,
antes de se estruturar para ser grande.

A mensagem transmitida aos produtores, na época, era que fazendas com


grandes volumes de produção têm maiores oportunidades de resultados me-
lhores, mas à medida que a operação cresce, se torna mais complexa a ad-
ministração dos recursos, podendo surgir condições que favorecem perdas
maiores, se medidas de manejo, gerenciamento e controle do processo pro-
dutivo não forem adequadamente equacionadas e implementadas.

No nosso País, o pequeno produtor é geralmente caracterizado pela quan-


tidade de leite produzido, e não se leva em consideração o uso dos recursos
produtivos existentes na fazenda. Propriedades com áreas e rebanhos gran-
des, investimentos altos em construções, máquinas, equipamentos e terras,
gastos elevados com mão de obra e insumos, podem apresentar produções
pequenas em relação à estrutura montada.

Um caso real pode servir de exemplo para justificar a proposição de que uma
fazenda produzindo 895 litros por dia, um volume considerado grande para
o País, na realidade, deveria ser rotulada como pequena, quando se considera
o aproveitamento dos recursos produtivos. Com área de 700 hectares, um
rebanho de 467 cabeças, ordenha mecânica e boa localização, apresentava
45% de vacas, das quais, somente 55% produziam leite durante o ano, o que
125
significava que apenas 24,75% do rebanho eram de vacas em lactação, sendo
a produtividade da fazenda de 466 litros de leite por hectare.

Considerar somente as informações sobre a quantidade comercializada por


dia, sem uma análise de outros fatores envolvidos com o processo produti-
vo, leva à constatação de não se encontrar uma relação direta entre o que se
chama “escala” e resultado econômico. Ouve-se, com frequência, a afirma-
ção de que, muitas vezes, quanto maior a produção, maior o prejuízo, um
conceito oposto à ideia de que existe necessidade de volume ampliado para
a viabilização da atividade.

Outro fato que distorce a compreensão do significado de produção é a di-


vulgação do volume associado com média por vaca em lactação. Essas in-
formações também não indicam de que maneira os recursos são utilizados e
qual é a eficiência do sistema estabelecido. Uma fazenda com 417 vacas, que
liquidou o rebanho, produzia por dia 8.176 litros, com média de 28 litros por
vaca, mas trabalhava com 70% de vacas em lactação, 0,83 vacas em lactação
por hectare por ano e produzia somente 8.109 litros por hectare por ano.

Perguntava-se, na época, como uma fazenda tão boa (considerando o vo-


lume de leite), bem equipada (com confinamento em free-stall), grande
(com 900 cabeças) e com bom rebanho (em termos de média por vaca
em lactação|) não mostrava rentabilidade, já que tinha todas as caracte-
rísticas supostamente consideradas ideais para produzir leite de manei-
ra adequada. O desconhecimento de padrões que caracterizem fazendas
ineficientes, geralmente leva a conceitos distorcidos e dificuldades no
entendimento das razões do sucesso ou insucesso na produção de leite,
independentemente de como é montada a fazenda.

O estudo detalhado dos bons resultados econômicos que têm sido obtidos
em fazendas pequenas revela que isso é consequência, não só de um plane-
jamento adequado do uso dos fatores de produção, como também da estru-
turação dos rebanhos, visando à obtenção de um volume elevado de leite
para o sistema proposto. Na realidade, o que se deve almejar é uma quanti-
dade de leite compatível com o potencial instalado, e não o valor absoluto.

O gerenciamento dos recursos produtivos associados com a venda racional


de animais excedentes possibilita o estabelecimento de uma relação ren-
126 da:custo, favorável à obtenção de lucro satisfatório. Os fundamentos para o
sucesso em produção de leite são sempre os mesmos, e não se encontra no
País uma relação nítida entre lucro e volume, como se apregoa.

A caracterização de padrões para diferentes sistemas é fundamental para o en-


tendimento do resultado de algumas fazendas pequenas, considerando, para
tanto, que as propriedades estejam operando próximo do potencial estabelecido.

Tecnologia e a geração de renda


Revista BALDE BRANCO - nº 496 - fevereiro de 2006

No início do ano, o produtor fez um balanço das despesas e das


receitas obtidas na fazenda e teve, então, a possibilidade de
quantificar o que já desconfiava, mas não tinha ideia da magnitu-
de. O ganho obtido durante o ano passado não foi suficiente para
pagar as contas e, por isso, ficou decepcionado com a atividade
leiteira, apesar de se identificar e gostar imensamente da cria-
ção e do manejo de vacas.

Lembrou-se dos comentários que sempre ouviu de amigos que, também atra-
ídos pelo feitiço do leite, amargaram decepções investindo em fazendas e que,
depois de alguns anos, mudaram de atividade. As opiniões divulgadas pelos
meios de comunicação foram, na maioria das vezes, desfavoráveis, e a situação
geral sempre foi utilizada para predizer um futuro sombrio, que parece estar
cada vez mais sufocado por falta de condições adequadas para a produção.

O sentimento de frustração é sempre grande quando existe a certeza de que


tudo foi feito de maneira correta, dentro das recomendações divulgadas para a
atividade, como uso de sêmen de touros provados, índices de reprodução e de
mastite normais, boa média por vaca em lactação, pastos adubados e bem ma-
nejados, milho para ensilagem semeado por plantio direto e silagem considera-
da de qualidade, alimentação balanceada, plano sanitário executado com rigor,
criação de novilhas possibilitando obtenção de animais saudáveis e instalações
bem planejadas dentro de padrões divulgados como modernos para uma pecu-
ária de leite especializada. Além desses aspectos, recebeu preços médios anuais
razoáveis de leite e de venda de animais, e também não ocorreram problemas
127
durante o ano, que foi bom em termos de chuvas e temperaturas.

Procurando manter um sistema bem administrado, investiu na mão de


obra por meio de treinamento, motivação com bons salários, casas confor-
táveis e estímulos financeiros por alcance de metas pré-estabelecidas. Com
tudo isso, o leite produzido sempre foi de boa qualidade, a mortalidade
baixa, a reprodução normal, e a fazenda considerada um modelo no que diz
respeito à aplicação de tecnologia.

A propriedade chamava atenção pelo capricho visto nas cercas bem feitas,
estradas conservadas, galpão de máquinas para abrigo, e boa manutenção,
organização e limpeza de todos os setores. Enfim, era uma fazenda admi-
rada e citada como modelo para toda a região, e, muitas vezes, usada para
demonstrações do manejo bem feito de vacas leiteiras.

Dúvidas surgiram não só sobre a viabilidade da atividade, como também


em relação ao uso de tecnologia em fazendas de produção de leite. O pro-
dutor lembrou-se de um artigo escrito no passado, afirmando que a apli-
cação de tecnologia aumenta os custos de produção e, assim, a atividade
chamada de “especializada” não seria rentável no País. Ele pensou, então, se
não seria mais sensato mudar para um sistema de gado mestiço, mais rús-
tico, objetivando custos mais baixos e a venda de machos, com resultados
melhores do que normalmente se divulga. Mas como ter certeza de resul-
tados favoráveis, se um de seus conhecidos trilhou exatamente esse mesmo
caminho e continua achando que produção de leite é inviável? Como en-
tender e acreditar em resultados surpreendentes de algumas fazendas con-
sideradas eficientes, que usam vacas especializadas e, aparentemente, não
são tão tecnificadas?

Por falta de compreensão do que seja um sistema estruturado, os produ-


tores podem ficar confusos sobre a atividade leiteira. Aplicar na fazenda
técnicas avançadas não significa que o modelo implantado seja tecnificado,
pois existe a necessidade de se manipular adequadamente os fatores pro-
dutivos visando à obtenção de rendimentos compatíveis com a estrutura
montada e com os investimentos realizados.

Quando ocorre um número excessivo de animais em crescimento e um


número baixo de vacas em lactação por ano, existe pequena capacidade de
128 geração de renda e custos elevados, e não se percebe o problema oculto pela
aparente normalidade. Se as vacas não conseguem pagar o custo de manu-
tenção do rebanho, a fazenda não pode ser considerada como leiteira. Com
grande frequência, são encontrados rebanhos apresentando somente 35 a
55% de vacas, quando a relação deveria ser 60 a 70%, e, do total de vacas,
83% em lactação.

O conceito de tecnologia é deturpado por investimentos em recursos não


produtivos, ou seja, atividades ou práticas que não alteram a geração de
renda, mas aumentam o gasto ou o capital investido na atividade e, por-
tanto, o balanço econômico da atividade. Esse problema pode ser de difícil
entendimento, pois técnicas importantes podem se tornar fatores improdu-
tivos, como, por exemplo, inseminação artificial com falhas na detecção de
cio ou reduzida taxa de prenhez.

Produzir leite com sucesso depende do conhecimento sobre o potencial


de geração de renda, compatível com os custos do modelo estabelecido,
usando para tanto, conhecimento técnico-científico para a obtenção de re-
sultados sempre satisfatórios.

O preço do leite na montanha russa


Revista BALDE BRANCO - nº 497 - março de 2006

O ano de 2005 será lembrado como problemático para o produtor de


leite porque, depois de seis meses de preços em elevação, houve uma
queda brusca e repentina, ocorrendo, do meio para o final do ano,
uma redução de praticamente 28%, considerando o preço médio pra-
ticado no País. A situação se tornou preocupante, porque, de janei-
ro a junho, houve elevação do preço de cerca de 11%, fato que vinha
estimulando o setor e provocando aumento contínuo da produção.
Durante todo o ano de 2004, os preços ficaram sempre acima da média his-
tórica, mesmo considerando um pequeno declínio de agosto a dezembro,
com recuperação e crescimento no início do ano seguinte (2005). O setor
havia entrado em euforia, não só por causa dos preços maiores, mas tam-
bém pelo fato de que havia sido admitido no seleto clube dos exportadores
129
do agronegócio, com um crescimento significativo em termos percentuais,
porque partira de uma base muito baixa.

Estima-se que, no primeiro semestre de 2005, as exportações cresceram


cerca de 27%, perfazendo um aumento de praticamente 52% em relação a
2004. Mas do meio para o final do ano, houve queda de 6%, considerando
a venda para outros países no mesmo período do ano anterior, apesar de
serem contabilizadas receitas maiores.

Existe preocupação no setor, porque a conjuntura não parece muito favorá-


vel, desde que houve em 2005 um crescimento muito grande na produção,
acima de 13%, redução no ritmo das exportações e consumo interno estag-
nado num patamar muito baixo, como vem ocorrendo historicamente, ape-
sar de ter havido queda de cerca de 3% no preço dos produtos lácteos. Para
completar o quadro desfavorável, houve aumento de 44% nas importações.

Além disso, a ocorrência de febre aftosa também serviu para deprimir os


preços em várias regiões. Todos esses fatores se associaram para elevar a
oferta e, inevitavelmente, o resultado foi a redução de preços na ponta da
cadeia, um fato difícil de ser solucionado em curto prazo, quando somente
cerca de 2,5% do leite se destinam à exportação e a taxa cambial permanece
desfavorável para vendas externas, mas estimulante para importações.

O comportamento oscilante dos preços pagos aos produtores pode ser atri-
buído principalmente a fatores essenciais para o mercado, como baixo consu-
mo, produção em crescimento, queda no volume de exportações e aumento
das importações. Quando foi abruptamente inserida na economia de mer-
cado, a lei da oferta e procura passou a determinar o valor do produto. Até a
época em que o governo estabelecia preço mínimo, chamado de tabelamento
ou intervenção, o efeito favorável da medida para o produtor não era perce-
bido por causa dos índices elevados de inflação e pelo resultado da planilha
de negociação que superestimava custos e criava a ideia de preços injustos.
Terminada essa fase, os produtores não tiveram tempo, conscientização, nem
disposição de compreender as implicações do fato e também não entenderam
que os preços oscilantes são uma realidade para os produtos agrícolas, e que,
na globalização, estes são afetados também pelo comportamento do mercado
externo. Fato semelhante ocorreu nos Estados Unidos, pois até 1989, o governo
130
determinava um preço de garantia relativamente elevado e o preço real do lei-
te numa série histórica mostrava um comportamento de relativa estabilidade.
As análises mostram que, após a medida, o produto praticamente entrou na
economia de mercado e a variação média dos preços passou a ser oscilante
e afetada pela oferta e procura. Por exemplo, o ano de 2002 foi problemático
porque o preço efetivamente recebido pelos produtores ficou o ano todo abaixo
da média histórica e os fazendeiros não conseguiram cobrir depreciações, juros
sobre o capital empatado, nem a remuneração do empresário.

A recuperação americana veio no final de 2003 e, durante 2004 e 2005 hou-


ve melhoria com preços bem acima da média histórica, mas os produtores
sabem que quedas serão inevitáveis no futuro, com a elevação da oferta.
Com o leite na economia de mercado, deve-se esperar preços oscilantes e,
no Brasil, a valorização do produto provoca um aumento considerável na
oferta pelo incremento da produção em rebanhos de corte. Leite vendido
a R$ 0,62* o litro, como no período favorável de 2004 e 2005, é um grande
estímulo para sua extração.

Trabalhar com a expectativa de preços com quedas e elevações mais ou me-


nos acentuadas é essencial para a sobrevivência em anos ruins. Os produto-
res eficientes que conseguem utilizar somente 50 a 70% da renda para pagar
custos operacionais totais têm reservas para a crise, mas os que despendem
90 a 95% serão obrigados a trazer dinheiro de fora para manter a atividade.

Aceitar e se preparar para preços com comportamento de “montanha rus-


sa” não é fácil, mas pode ser viável com mudanças de atitude, para que haja
renda compatível com os custos de produção. Incremento de renda, usando
eficientemente os recursos existentes, é o segredo para que exista lamenta-
ção ao invés de desespero em épocas de crise.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.03.2006 cotado a R$ 2,1181


Investimento no leite
Revista BALDE BRANCO - nº 504 - outubro de 2006

Levantamentos de fazendas em diferentes épocas têm revelado


que um dos problemas críticos para a economia da atividade é o 131

fato de que o capital investido nem sempre é compatível com a ren-


da, porque o volume de leite é geralmente pequeno. A pouca capa-
cidade produtiva dos sistemas é consequência do uso de animais
não especializados que determinam uma pequena porcentagem de
vacas em lactação e da estrutura do rebanho pela existência de
poucas vacas. Nessas condições, se torna evidente que o investi-
mento para produção não terá boa remuneração.

Por tais motivos, a atividade leiteira é, de maneira geral, considerada como


um negócio pouco atrativo ou mesmo ruim, como, muitas vezes, é caracte-
rizado. No caso de explorações extensivas, a maior parte do capital inves-
tido é representada pela terra, que, em nosso meio, é sempre considerada
como investimento, em vez de recurso produtivo, tanto que 60 a 80% do
capital alocado em fazendas mal conduzidas dizem repeito à área que, com
frequência, é também utilizada pela reria de machos.

Por tradição, certamente estimulada pela abundância e facilidade de ob-


tenção de crédito subsidiado, que existiu no passado para edificações e
aquisição de máquinas e equipamentos, geralmente as fazendas leiteiras
consideradas mais organizadas investem muito, sem uma análise mais de-
talhada dos benefícios. Esse fato resulta em alocação exagerada de recursos
em infraestrutura em relação à produção, o que onera de maneira decisiva
os custos totais de produção.

Observando análises econômicas de propriedades leiteiras, é possível veri-


ficar que as depreciações de máquinas, equipamentos e pastagens podem
representar, em alguns casos, 30% ou mais do custo de produção. Além
disso, a remuneração do capital investido também afeta de modo decisivo
as avaliações econômicas, porque sempre o custo está relacionado com a
produção, que sendo baixa, não dilui o peso da remuneração do capital
investido sobre o custo total.
Inúmeras fazendas possuem mais edificações, máquinas e equipamentos
que os necessários, porque existe também a tendência de começar peque-
no para estabelecer um crescimento lento, se a atividade for interessante,
criando assim a desproporção observada com frequência. Em outros casos,
o rebanho é diminuído por causa das crises, quando o pagamento das dívi-
132
das é realizado com a venda de matrizes ou novilhas que possuem grande
liquidez e, assim a produção é reduzida, mas a infraestrutura não é modifi-
cada, pela esperança de voltar a crescer, o que nem sempre acontece.

A incapacidade de dimensionar corretamente as necessidades reais do sis-


tema promove o uso de edificações grandes e desnecessárias, um problema
encontrado com frequência e, em alguns casos, o desconhecimento de re-
comendações técnicas leva também a problemas sérios para os animais, que
são prejudicados por condições impróprias. Um exemplo característico é a
construção de bezerreiros totalmente fechados, que, além de caros, resul-
tam em índices mais elevados de doenças respiratórias e em mortalidade.

O investimento no rebanho é muito importante para a correção da despropor-


ção existente entre produção ou renda e capital empatado na fazenda inteira.
O rebanho pode representar uma parcela significativa do investimento e, por
esse motivo, a qualidade e a capacidade produtiva assumem importância muito
grande para a economia da atividade. Por esse motivo, é preciso dar ênfase ao
número de vacas em lactação por hectare por ano, que caracteriza não só es-
trutura do rebanho, mas também o acerto nas práticas de manejo empregadas.

Para aumentar a produção de leite, não basta ter vacas com produção diária
elevada, sendo também essencial aproveitar efetivamente o potencial produ-
tivo instalado (terra e rebanho), para que seja possível haver compatibilidade
entre o capital empatado e a renda, porque cerca de 80 a 90% são provenien-
tes da venda de leite em fazendas cujo objetivo maior seja a produção.

Infelizmente, pouca ou nenhuma ênfase é dedicada à importância de se


considerar o investimento feito nas fazendas leiteiras. Não existe a preocu-
pação de saber o quanto é investido por vaca, a relação entre renda bruta
e o capital empatado, e quanto seria adequado investir por hectare para se
obter condições apropriadas para a produção. Com o gerenciamento pro-
fissionalizado, começa a existir no País a preocupação com avaliações mais
criteriosas do leite como atividade econômica.
Significado de um litro de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 514 - agosto de 2007

Não existe no meio rural brasileiro preocupação com pequenas


quantidades de leite, talvez, porque grande parte das vacas ter- 133

mine a lactação produzindo muito pouco após sete ou oito meses


de produção e o acontecimento não recebe a devida atenção. Tam-
bém não se atenta para o fato de que, em casos de ordenhas mal
conduzidas com vacas de boa capacidade produtiva, pode perma-
necer no úbere o leite residual que representa uma perda diária
considerável, se o rebanho for grande.

Ao mesmo tempo, a ordenha com bezerro ao pé da vaca, uma prática gene-


ralizada, indica que não existe interesse no controle da quantidade ingerida
e há o desconhecimento do que foi usado na alimentação da cria. Técnicas
de desmama precoce com fornecimento de leite por somente 40 a 45 dias,
sem prejuízo para a bezerra, raramente são empregadas em sistemas que
adotam aleitamento artificial, apesar de serem usadas por mais de 50 anos,
visando à economia. A utilização de sucedâneos de boa qualidade, uma
técnica pouco adotada, dispensa o emprego de leite na criação de recém-
nascidos, com economia e resultados favoráveis comprovados por pesqui-
sas antigas e aplicação em várias regiões do mundo.

Um litro de leite contém uma quantidade pequena de nutrientes, porque de


86 a 88% do produto é água. Entretanto, a porção sólida tem valor nutriti-
vo incomparável e também preço elevado. Considerando que um litro pode
valer ao produtor atualmente R$ 0,65*, o valor de um quilo de sólidos seria
algo em torno de R$ 5,00, o que torna o leite um alimento muito caro para ser
usado indiscriminadamente na alimentação das crias. Um litro de leite fluido
não chama a atenção no dia-a-dia das famílias, quando comparado com a
quantidade de outros produtos, porque o hábito se restringe geralmente a um
pingado ou a uma pequena xícara em mistura com café na refeição matinal
de cada pessoa. Entretanto, no mês, o litro representa 16% do salário míni-
mo** da atualidade, o que o torna significativo como alimento.

Aumentos de produção de um litro de leite por vaca do rebanho por dia po-
dem ter um impacto muito grande na economia do processo de produção,
apesar de a quantidade parecer pequena. O fato não desperta curiosidade
porque o número de vacas nas fazendas não é grande e o conceito de pro-
dução por dia de vida útil raramente é utilizado. Entretanto, para fazendas
com 3.000 matrizes, como ocorre em outros países, o incremento anual de
produção seria de 1.095.000 litros. Por essa razão, os estrangeiros adotam
134
práticas para incrementar a produção em pequenas quantidades porque a
relação custo-benefício é favorável. Quando conceitos corretos de avaliação
de produtividade são adotados, se torna possível entender o significado de
não perder ou de ganhar um litro por vaca, desde que a consideração seja
feita em relação ao total de vacas existentes no rebanho.

Para o Brasil que tem fixação pela quantidade produzida e pretende ser ex-
portador, um litro de leite a mais por vaca do rebanho por dia teria um sig-
nificado surpreendente. O aumento de um simples litro resultaria em uma
elevação anual de 7,5 bilhões de litros, uma quantidade próxima da produção
da Argentina. Com 2 litros, o aumento ultrapassaria a produção da Nova
Zelândia, revelando um potencial imenso e inexplorado. A tarefa não é fácil
porque existe a necessidade de modificar conceitos tradicionais de manuten-
ção de rebanhos desestruturados e porcentagens baixas de vacas em lactação
por ano nas fazendas, fatores pouco alterados com o correr dos anos.

Considerando os índices de produtividade médios do rebanho brasileiro


de 2000 a 2005, período em que o total de leite cresceu 26%, a produção
da vaca média do rebanho aumentou somente 53 g por dia no período,
indicando que a tão proclamada melhoria do rebanho nacional precisa ser
revista, porque não é fácil, como pode parecer à primeira vista, conseguir
por dia um litro de leite a mais por matriz usada na produção de leite.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.08.2007 cotado a R$ 1,8856.


**Salário Mínimo vigente de abril de 2007 a fevereiro de 2008, equivalente a R$ 380,00.
Para onde vai o preço do leite?
Revista BALDE BRANCO - nº 517 - novembro de 2007

O preço pago pelo leite em agosto de 2007 foi o maior obtido nos
últimos anos, ultrapassando em mais de 30% o pico do valor médio 135

deflacionado, observado desde o início do século XXI. O fato, na-


quela época, estimulou o setor produtivo, colocou a atividade em
destaque e levantamentos mostraram que a maioria dos agentes do
mercado acreditava em acréscimos ou estabilidade. Somente uma
parcela diminuta dos entrevistados admitia possibilidade de queda,
revelando característica histórica de otimismo e expectativa de es-
tabilização num patamar elevado, o que para muitos representa um
resgate histórico das injustiças por que passou o setor produtivo.

Conjuntura internacional favorável, carência de leite no mercado interno es-


timulando a competição entre compradores e resultados muito bons em inú-
meras análises econômicas de fazendas em diferentes regiões criaram um cli-
ma de expectativas favoráveis. Em todos os Estados do Brasil, o leite passou
a ser visto com otimismo, o que promoveu elevação no preço dos animais,
surgimento de novos produtores e a volta de muitos que haviam abandonado
a produção por considerá-la um negócio pouco atrativo e rentável.

Apesar de todo o panorama favorável, existe sempre dúvida sobre qual será
o preço de venda no futuro e o que esperar em curto, médio e longo prazo?
Essa insegurança preocupa agricultores no mundo todo porque produtores
de leite enfrentam riscos econômicos devido a mudanças consideráveis, às
vezes, bruscas, nos preços do produto e dos insumos. No ano de 2005, con-
siderado problemático, a diferença entre o preço médio mais baixo e o mais
alto, praticados durante o ano, atingiu cerca de 30%. Valores semelhantes fo-
ram relatados para anos difíceis nos Estados Unidos, como 1990.

Flutuações nos preços dos insumos dentro do ano podem também atingir
valores significativos, fato que se configura como um desafio na conjuntura
atual. Como oscilações fazem parte do jogo de preços sujeitos à lei da ofer-
ta e da procura, seria interessante, para fins de planejamento, que houvesse
consciência do que é um preço suficientemente elevado para que haja proba-
bilidade de recuo em curto prazo ou o que seria muito baixo para estimular
a elevação em função de retrações na produção, que se observa em situações
de oferta deprimida, quando existe desânimo no setor.

A variabilidade nos preços do leite é determinada por flutuações normais


do mercado, forças advindas da sazonalidade da produção, variações de
136 longo prazo caracterizadas por tendências estabelecidas e também por
acontecimentos ou fatos imprevisíveis e inesperados que ocorrem no País
ou fora dele. A complexidade torna difícil uma previsão baseada no “eu
acho”, suposição típica de discussões estabelecidas entre grupos de indiví-
duos, quando cada um emite uma opinião ou expectativa. Normalmente,
essa postura não contribui para solucionar uma das grandes dúvidas exis-
tentes na atualidade.

Certeza sobre comportamento de preços é impossível de ser estabelecida,


considerando o grande número de variáveis que afetam o mercado, mas
existem instrumentos relativamente simples, que podem ser utilizados para
auxiliar em uma avaliação baseada em dados estatísticos, que poderá su-
gerir uma provável faixa em que os valores poderiam estar localizados no
futuro. Usando a série de dados sobre preços de vários anos, se calcula a
média histórica e o desvio padrão para desenhar um gráfico que mostra o
que se chama de “faixa de expectativa”, estabelecida para todos os meses, de
modo a incluir também a tendência de preços sazonais.

Quando se soma ou subtrai da média o desvio padrão, é possível carac-


terizar uma faixa na qual, sob o ponto de vista estatístico, existe a proba-
bilidade de os preços estarem inseridos 68% das vezes. Preços que não se
enquadram na faixa têm probabilidade menor de permanecer por períodos
mais longos. A informação também é útil para caracterizar o que é um va-
lor muito alto ou muito baixo para o leite, de uma maneira mais racional.

Deve-se, entretanto, considerar que as informações somente indicam o que


se chama variabilidade de preço e não garantem informações definitivas.
O método é útil para comparar o preço atual com a expectativa futura,
baseado não somente no preço histórico, mas também em probabilidades
estatísticas acumuladas com o decorrer dos anos. A proposta é válida para
que o preço seja interpretado de maneira mais consciente e realista do que
com o uso do método do “eu acho” ou “eu penso”.
A metodologia pode ser empregada para definir uma expectativa de preços
de alimentos, margem bruta ou qualquer outra informação que possa levan-
tar dúvidas para saber se os valores obtidos ou praticados estão dentro ou
fora de uma expectativa, possibilitando uma interpretação mais realista do
que acontece no mercado, auxiliando tomadas de decisão e preparação para
137
o futuro, porque valores oscilantes de preço são variáveis importantes para
a economia nos negócios.

Expectativa e realidade
Revista BALDE BRANCO - nº 524 - junho de 2008

Uma característica do brasileiro é ser otimista sempre que o ven-


to é favorável ou quando as expectativas crescem com a esperança
de resultados animadores. Nos dias atuais, em que acontecimentos
futebolísticos são usados para justificar fatos e ilustrar ideias,
nada mais apropriado para exemplificar a postura típica dos patrí-
cios, do que relembrar o desempenho medíocre e decepcionante
da “melhor” seleção já montada para ganhar facilmente a Copa
do Mundo de 2006. Fama, supervalorização e certeza antecipada de
sucesso obscureceram as evidências de que a expectativa não era
condizente com a realidade, quando existe euforia.

Atualmente, o entusiasmo com a produção de leite é muito grande, porque é


verdade que “nunca, antes, na história deste País”, o setor leiteiro viveu um pe-
ríodo tão favorável como o de agora, pois a demanda continua forte, os preços
internacionais estão elevados e os preços pagos aos produtores permanecem
muito acima da média do mesmo período em anos anteriores, se mantendo em
um patamar considerado satisfatório, com tendência ascendente.

Informações divulgadas revelaram que a rentabilidade em 2007 possibili-


tou ganho real de 28%, que na análise do rendimento líquido sobre o patri-
mônio, a pecuária leiteira conduzida com racionalidade teve lugar de des-
taque, revelando valores melhores que os de outras atividades agropecuá-
rias e até de aplicações no mercado financeiro. Houve superávit recorde na
exportação de lácteos, aumento próximo de 5% na produção e a demanda
se manteve aquecida, mesmo em regiões sem grande projeção.

O crescimento do leite nas regiões Norte e Nordeste revela expansão para novas
áreas, e a constatação da presença de grandes empresas comprando em rincões
remotos, competindo com pequenos laticínios regionais, cria uma nova e ines-
138 perada perspectiva, onde o leite era somente uma alternativa por falta de outras.

A conjuntura atual permite que se comemore a ascendência da atividade


leiteira para um patamar de projeção no agronegócio, fato que levou em-
presas de alimentos a investirem muito na indústria de laticínios, prevendo
um futuro promissor, acirrando a competição, promovendo o lançamento
de novos produtos para atrair consumidores e também participar do espe-
rado incremento das exportações.

Assessores técnicos são sempre valorizados quando existe expansão; fornecedo-


res de insumos, máquinas e equipamentos ficam entusiasmados; o comércio de
matrizes fica aquecido, e os fazendeiros que tinham algum complexo de inferio-
ridade no agronegócio recuperam a autoestima e se sentem estimulados a inves-
tir. O sentimento geral é de euforia, com um cenário projetado como favorável
para o futuro e a perspectiva de mudanças para transformar o País de grande,
em bom produtor, e consolidar seu papel de destaque no mundo.

O momento é propício para reflexões mais aprofundadas sobre a estagna-


ção da produtividade do rebanho em patamares muito baixos, apesar de
análises indicarem aumentos percentuais que, transformados em valores
absolutos, revelam ganhos decepcionantes, com o decorrer dos anos. A
atitude cultural prevalecente leva à expectativa de um salto significativo
de produtividade em curto prazo, com adoção de tecnologia, de modo a
transformar o Brasil em potência exportadora.

Apesar de progressos indiscutíveis em alguns segmentos, a produção conti-


nua supervalorizada e a visão da produtividade se mantém focada na ideia
de que a qualidade da vaca é ruim e a alimentação é fraca. Desconsidera-se
que as baixas produtividades por matriz e por área são determinadas pela
pequena porcentagem de vacas em lactação nas fazendas (55 a 65%) e pela
diminuta proporção de animais produzindo nos rebanhos (20 a 30%), índi-
ces influenciados pelos fatores considerados preponderantes, mas também
por conceitos distorcidos na atividade. Se a porcentagem de vacas em lac-
tação for realista, somente de 12 a 13 milhões de matrizes dão leite, produ-
zindo por ano cerca de 2.000 litros. Pode-se inferir que, no rebanho médio
mineiro de 2004, as vacas que efetivamente produziram deram 2.956 litros
por ano, indicando que não são tão ruins como se pensa.

A importância da produtividade para que a situação almejada atinja a ex- 139

pectativa pode ser revelada pelo fato de que em 2006, de acordo com a
FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), as
produções da França e do Brasil não foram muito distantes (25,3 e 24,2 bi-
lhões de litros, respectivamente). Entretanto, se o rebanho nacional tivesse
o tamanho do rebanho francês, o Brasil produziria cerca de cinco bilhões
de litros anualmente, uma quantidade menor do que a obtida em Minas
Gerais. O gigantismo do rebanho de vacas distorce a realidade, mas são
necessários mais esforços para que se reconheça que muito ainda deve ser
realizado para a solução de problemas relativamente simples, responsáveis
pela perpetuação de uma situação difícil de ser comemorada.

Carne de vaca
Revista BALDE BRANCO - nº 526 - agosto de 2008

Dizer carne de vaca em vez de bovino é um hábito arraigado na cul-


tura brasileira, talvez, porque antigamente nas pequenas cidades
do interior, quase sempre, os animais abatidos nos pequenos fri-
goríficos municipais eram vacas velhas. Naqueles tempos, a migra-
ção para os grandes centros urbanos era restrita, de maneira
que a expressão era usada por grande número de pessoas, difun-
dida por todo o País, e prevaleciam costumes e linguajar típicos do
interior, que estão aos poucos desaparecendo.

Entretanto, nos dias atuais, a carne de vaca ainda é encontrada e conhecida nas
pequenas comunidades isoladas do Brasil e continua com essa denominação
entre os mais velhos, que, mesmo migrando para as metrópoles, continuam
interioranos na maneira de falar. Quem nunca ouviu alguém com um pedaço
de carne de novilho na mão dizer que, de todas as carnes, a única que não
enjoa quando consumida todos os dias é a de vaca. Existem casos verídicos de
patrícios que se encontraram no exterior e usaram martelo para amaciar carne
de Angus, objetivando fazer um bom bife acebolado de carne de vaca, acompa-
nhado de arroz e feijão, para matar a saudade da comida de casa.

Na atualidade, a carne passou a ter a denominação de bovina. O Brasil se


140 tornou produtor importante e exportador de um produto que está escasso
no mundo e é bastante valorizado. O número de cabeças abatidas cresce a
cada ano e o setor adquiriu posição de destaque no agronegócio brasileiro,
pois o valor da carne exportada é significativo. A elevação recente do preço
da arroba trouxe de volta o estímulo necessário para o crescimento, inves-
timento e expectativas favoráveis para o futuro.

Com esse cenário, a ênfase é sempre atribuída às fazendas de criação de


gado de corte, e não se fala que uma boa parte das cabeças abatidas deve
ser do rebanho que produz leite. Não se tem ideia da participação dos
animais do chamado rebanho leiteiro para o total de carne produzida no
País. O fato é desconsiderado, nunca comentado, e, simplesmente, igno-
rado. Por isso, a ideia que se tem é que o produto é proveniente somente
de pecuaristas de gado de corte.

É fato comentado e conhecido que grande parte do rebanho leiteiro brasi-


leiro é de “dupla aptidão”, sendo muito difícil separar o que é gado de leite
e de corte. Foi publicado que Minas Gerais, um Estado com destaque pelo
tamanho do rebanho bovino, possuía, na virada do milênio, 7.000.000 de
vacas, dos quais 5.000.000 eram animais cruzados e participavam da pro-
dução de leite. Por outro lado, um relatório sobre a estrutura das fazendas
de leite indicou a existência de 35% de vacas no rebanho médio mineiro.
Juntando as duas informações, se pode supor que o chamado rebanho lei-
teiro talvez seja composto por cerca de 15.000.000 de cabeças, o que signifi-
ca algo em torno de 65% do total do Estado. Que quantidade de carne pode
ser obtida desse plantel significativo, se a proposição for verdadeira?

Analisando o que ocorre no mundo, se verifica que rebanhos leiteiros têm


participação importante na produção de carne dos países desenvolvidos,
mesmo não sendo de primeira. Por exemplo, nos Estados Unidos, maior
produtor mundial de carne, se estima que aproximadamente 15% do gado
abatido (5.000.000) seja oriundo do rebanho leiteiro para produção de
hambúrguer e embutidos, e que cerca de 2.000.000 de machos sejam abati-
dos como novilhos terminados em confinamento com idade de 13 a 14 me-
ses. Existe também aproveitamento de bezerros para a produção de vitelo,
uma carne especial de grande valor no mercado.

O exemplo mais significativo da participação de rebanhos leiteiros na


produção de carne pode ser encontrado na Nova Zelândia, que tem um 141

plantel pequeno, de aproximadamente 9.600.000 de cabeças, das quais as


raças de corte representam somente 40% do total, mantidas geralmente
em áreas de relevo acidentado e nas encostas das montanhas. Os ma-
chos provenientes do rebanho leiteiro são criados exclusivamente a pasto
e abatidos com idade próxima de dois anos. No fim da estação de monta,
as vacas leiteiras vazias são encaminhadas para os frigoríficos. Com uma
estrutura pequena, a Nova Zelândia é o sexto país exportador de carne no
mercado internacional, mesmo não tendo um rebanho grande de animais
criados exclusivamente para corte.

Inexistência de dados estatísticos, dificuldade de separar rebanhos de cor-


te e leite e falta de curiosidade impossibilitam conhecer qual é a contri-
buição da atividade para a produção de carne no Brasil e o que representa
realmente o setor leiteiro como atividade econômica para o agronegócio.
Com toda certeza, esta não é pequena, e a carne provavelmente é utilizada
para abastecimento interno e confecção de produtos industrializados. A
atividade leiteira está contribuindo para que o Brasil tenha excedente de
carne bovina, avance nas exportações e tenha projeção no cenário inter-
nacional. A participação do setor leiteiro na produção de carne deve ser
reconhecida como relevante.

O ano que se inicia


Revista BALDE BRANCO - nº 544 - fevereiro de 2010

O início do ano não é época de programação de atividades ou tra-


balho concentrado na fazenda porque as principais decisões
e ações devem ser tomadas na primavera, quando se inicia o ano
agrícola. No Brasil Central, o final do ano velho e o começo do
novo coincidem com o auge da estação das chuvas, época em que os
campos estão semeados, os pastos vigorosos e a fazenda funcio-
nando a pleno vapor.

Entretanto, quase sempre é o período em que existe certo pessimismo,


porque os preços pagos pelo leite estão deprimidos; as chuvas, quando
142 excessivas, podem gerar problemas complicados; as mastites aparecem
com frequência, e o calor se torna insuportável. Para acentuar o cli-
ma desfavorável, os feriados prolongados do Natal, passagem do ano e
carnaval criam, às vezes, dificuldades operacionais sérias em atividades
que não podem ser interrompidas, suprimidas, nem postergadas numa
fazenda produtora de leite.

Na passagem do ano, geralmente se faz um balanço do ano encerrado, tanto


para a vida particular como para os negócios. A euforia está presente em
todos os lugares, pois é época de férias, de praia, de compras, de alegria e de
esperança. Entretanto, o período não é muito adequado para a avaliação da
produção de leite, porque a série de eventos desfavoráveis, que foram men-
cionados, não permite um julgamento isento, nem sentimento de satisfação
com a atividade nem, muito menos, proposições otimistas.

Existe a tendência de se considerar o momento como representativo da ati-


vidade leiteira e, assim, fica no esquecimento o que aconteceu no restante
do ano. O sentimento de desânimo e revolta leva à certeza de que a ativida-
de é ruim ou mesmo inviável, geralmente por quem não mantém controle
contábil e não sabe, portanto, com certeza, o que realmente aconteceu ou
está acontecendo. O julgamento se baseia na dificuldade de, naquele mo-
mento, pagar contas e honrar compromissos eventualmente assumidos no
início do ano agrícola.

O clima de insatisfação ocorre também entre os produtores que anotam


dados sobre produção, gastos, receitas e ocorrências zootécnicas, com pos-
sibilidade de controlar a atividade por meio de planilhas, porque o foco
também é dirigido para o período pouco favorável. Não é incomum des-
considerar o resultado anual em detrimento do fluxo de caixa da atualidade
e, assim, o descontentamento toma conta e se sobrepõe a evidências razoá-
veis reveladas pela consolidação do ano físico.

Uma análise da evolução dos preços do leite revela que, historicamente, os


menores preços pagos são para o final e o início de cada ano e, então, o fato
que perturba os produtores deveria ser esperado, porque, sendo o preço re-
gulado pelo mercado, está sujeito a variações sazonais. Preço oscilante é uma
realidade desagradável que faz parte da atividade leiteira, principalmente se
observada reversão na tendência de alta no meio do ano, nas curvas que re-
143
presentam o comportamento histórico dos preços pagos ao produtor.

O planejamento da fazenda leiteira deve ser realizado considerando a pos-


sibilidade de redução de receita no período crítico, pois o fato pode ser
agravado pela concentração de parições e maior produção no período de
preços não tão bons. Se essa prática for adotada, o planejamento financeiro
deve ser cuidadoso visando á disponibilidade de recursos suficientes para
pagamentos no final e no início do ano. Mas esta proposição fica na depen-
dência de sobras suficientes nas épocas favoráveis.

Assim sendo, é necessário conduzir a atividade sempre com eficiência


e procurar maximizar a produção, aproveitando o potencial instalado
no sistema para geração de renda. Este é o conceito de intensificação do
processo produtivo que vem sendo aplicado com sucesso, possibilitando
obtenção de resultados muito bons com a atividade leiteira. Análises de
planilhas de fazendas familiares de destaque do projeto Balde Cheio, que
conseguiram utilizar adequadamente os fundamentos para obtenção de
resultados, revelaram renda bruta por hectare entre R$ 11.500,00* e R$
12.000,00, e margem bruta por hectare entre R$ 6.400,00 e R$ 8.000,00
para o ano encerrado de 2009.

A sustentabilidade da produção de leite depende de uma relação adequada


entre custo e renda, para que seja possível ter margem positiva, mesmo
no período em que o preço despenca. Uma fazenda real que despendeu
em média 52% da renda bruta para pagar o custeio nos cinco meses de
preço mais elevado do ano (R$ 0,64/litro) passou a empregar 68% em um
período equivalente de preços menores (R$ 0,46/litro). Em contraste, outra
propriedade que empregava uma média de 76% da renda para gastos com
custeio no período de preços altos (R$ 0,73/litro), teve prejuízo operacional
quando o valor pago despencou (R$ 0,53/litro), porque seriam necessá-
rios 103% da renda bruta para manter a fazenda. Somente com a aplicação
de conceitos tecnológicos corretos, a produção de leite será uma atividade
sempre viável sob o ponto de vista econômico.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.02.2010 cotado a R$ 1,8765.


144

Comércio de gado leiteiro


Revista BALDE BRANCO - nº 546 - abril de 2010

A perspectiva de vender bem animais sempre desperta entusiasmo


entre os produtores de leite. Não há quem não fique deslumbra-
do e também esperançoso com os preços de venda conseguidos
nos leilões chamados “de elite”. As informações se transformam
em combustível para alimentar o sonho de ganho extraordiná-
rio, que não se consegue com a comercialização do leite, mesmo
admitindo a possibilidade de venda por uma simples fração do re-
latado com destaque na mídia.

Se num período de valorização, vacas e novilhas são comercializadas por


preços acima da média, a esperança aflora e, com frequência, surge a ex-
pectativa de se dedicar com mais intensidade ao comércio de gado. Pode
existir, então, iniciativa de compra de novilhas que, incorporadas ao re-
banho, contribuirão para aumentar a oferta futura de animais para venda.

Nestas ocasiões, cálculos feitos com vários cenários de preços podem indicar a
tão sonhada viabilização da atividade leiteira. Vender bem um animal é motivo
de grande satisfação porque representa para o vendedor o reconhecimento da
qualidade do rebanho, e também, demonstra habilidade de negociação.

Aparentemente, vender animais sempre foi importante para manter a ati-


vidade porque, historicamente, somente 20 a 40% dos animais mantidos
na fazenda produzem leite durante o ano e, como o uso do solo não é
intensificado, ocorre, então, um número muito pequeno de vacas em lac-
tação por unidade de área.

Assim, a capacidade de geração de renda pela venda do leite é muito pe-


quena quando se considera o potencial instalado, e o produtor passa, en-
tão, a depender do patrimônio acumulado como gado, que representa
uma reserva de poupança, para aumentar a renda.

Nas planilhas de acompanhamento econômico de fazendas localizadas


em regiões mais atrasadas, onde existe predominância de sistemas pou-
co intensificados, se observa que de 25 a 35% da renda são provenientes
da venda de gado. Esses números contrastam com valores próximos de 145

10% caracterizados para fazendas mais tecnificadas dos principais Esta-


dos brasileiros, como revelaram informações publicadas recentemente
no Boletim do Leite. O estudo de propriedades participando do projeto
Balde Cheio com bons resultados econômicos indicou que, na média, so-
mente 16,5% da renda das fazendas era proveniente da venda de animais
e que, em 45% delas, o índice era menor que 10%.

Outro fator que estimula a comercialização de gado nas fazendas brasileiras


é a possibilidade de venda de animais sem aptidão leiteira comprovada.
Não é incomum a procura de fêmeas com determinado grau de sangue,
escolha de reprodutoras por tipo e vacas caracterizadas como de 15 ou 20
litros por terem produzido uma vez, no início da lactação, tais volumes.

Nas negociações não se analisa a persistência de produção e a vida repro-


dutiva, que são os fatores que realmente caracterizam uma boa vaca de
leite. Observa-se que a preocupação é mais com o animal em si e seu valor
futuro de venda do que com a capacidade de produzir leite. Essas distor-
ções deturpam o conceito de fazendas produtoras de leite que, no mundo
todo, priorizam a produção para garantir renda, sendo a comercialização
de animais uma consequência da atividade, e não seu objetivo.

A importância da venda de leite para a formação da renda bruta de fazendas


leiteiras tecnificadas pode ser observada no mundo todo. Por exemplo, um
estudo realizado na Nova Zelândia para verificar o resultado econômico de
sistemas que utilizavam matrizes Holandesas, Jersey e mestiças indicou que
a renda proveniente do leite representava entre 92 e 94% do total. A venda
de gado era representada pelo valor da carne produzida por hectare, mes-
mo para os rebanhos de Jersey puros, porque nas regiões mais evoluídas os
animais descartados das fazendas leiteiras são destinados ao abate.

Em condições brasileiras existe comércio de refugos, com a justificativa de


que o comprador está adquirindo genética. Assim, vacas com peito per-
dido, cascos detonados, problemas reprodutivos são ofertadas e vendidas
porque os compradores estão focados na possibilidade de conseguirem
crias de melhor qualidade. O valor do animal não está necessariamente
condicionado à sua capacidade de contribuir com leite.
146 Colocar muita ênfase em comercialização de gado, com grande propor-
ção de animais improdutivos, resultando em rebanhos desestruturados,
não é uma proposta adequada para fazendas leiteiras porque os mesmos
não geram renda e aumentam os custos. A manutenção de uma cabeça
em sistemas de produção não é desprezível e o fato pode contribuir para
deteriorar as contas.

Deve-se procurar obter o máximo possível da comercialização de ani-


mais, mas considerá-la como atividade secundária da fazenda leiteira,
onde a ênfase deve sempre ser dada à produção da maior quantidade de
leite possível por unidade de área, caracterizando sistemas intensificados
de produção com objetivos econômicos.

E a agropecuária, como é que fica?


Revista BALDE BRANCO - nº 554 - dezembro de 2010

A posição da agropecuária perante a sociedade brasileira merece


atenção e análise, porque se trata de um setor de enorme impor-
tância econômica e social, que não é reconhecido quando se dis-
cute o futuro do País, como ocorreu na longa campanha eleitoral
vivida nos últimos quatro anos.

Os grandes temas focados, além dos utilizados para desestabilizar candida-


tos como, por exemplo, privatizações e aborto, foram econômicos e sociais
e, até por isso, um setor que contribuiu para um terço do PIB (Produto
Interno Bruto) e com US$ 55 bilhões* para o saldo na balança comercial
em 2009, participando decisivamente no equilíbrio das contas, não poderia
ser deixado de lado. Sob o ponto de vista social, a produção de alimentos
gera um grande número de empregos e, hoje, garante produtos variados, de
qualidade, ajudando a manter baixos os preços dos alimentos básicos e a
inflação, garantindo assim a melhoria das condições de vida.
Apesar desses fatos, quase nada foi discutido na campanha eleitoral so-
bre a solução de problemas que afligem ou afetam a agropecuária bra-
sileira. Na primeira fala da presidente eleita, a agropecuária esteve au-
sente e nenhum de seus problemas maiores foi mencionado, a não ser
a valorização do real, que está afetando tanto a exportação de produtos
147
manufaturados como as “commodities”.

Quando, ocasionalmente, o tema da agropecuária era focado pelos polí-


ticos, as discussões se concentravam numa proposição de apoio ao setor,
fortalecimento da agricultura familiar, reforma agrária, código florestal e
outras generalidades constantes nos discursos das pessoas normalmente
desvinculadas do meio rural.

Foi surpreendente ver no programa de um candidato a propositura de eli-


minação de grandes fazendas, quando relatos da China e Rússia aponta-
ram a política distributiva de terras como fortemente prejudicial ao setor
agrícola, e as dificuldades enfrentadas até hoje, para eliminar um problema
criado por ideologia. Não menos preocupante foi a insistência no discurso
de que o setor agrícola é o responsável por problemas ambientais, trabalho
infantil e escravo, quando se sabe que o meio urbano participa muito ativa-
mente dos problemas mencionados.

Entre os grandes entraves apontados como limitantes ao desenvolvimento


pleno do País, alguns dizem respeito também à agropecuária. A política de
juros e câmbio afeta o meio rural por sua vocação exportadora e a importa-
ção de produtos agrícolas pode desestabilizar setores como o de produção
de leite, frutas e gêneros de primeira necessidade. Ao mesmo tempo, difi-
culdades relacionadas com infraestrutura de transportes, armazenamento,
escoamento em portos e impostos são apontadas como responsáveis pelo
chamado “custo Brasil”, que sendo elevado, dificulta uma competitividade
mais decisiva no cenário internacional.

Existe consenso de que as defesas vegetal e animal necessitam de investi-


mentos, estruturação e atuação, deixando de ser vulneráveis, e que possam
contribuir para a estabilidade de setores importantes como, por exemplo,
o de produção de carnes. Admite-se que os recursos destinados à pesquisa
agropecuária são escassos e incompatíveis com a importância e o significa-
do do País, como um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
A lista adicional de entraves a serem sanados para atender antigas reivindi-
cações dos agropecuaristas é longa, mas somente alguns foram menciona-
dos nos discursos recheados de promessas eleitoreiras, visando mais o meio
urbano, onde se concentra a maioria dos eleitores. Temas relacionados com
o Código Florestal, muito apreciado por habitantes das grandes cidades,
148
receberam algumas análises e proposituras, mas poucas fora do contexto
teórico e ideológico da preservação do meio ambiente, sem referência ao
custo e a dificuldade de se atender às exigências legais. A insegurança no
campo, relacionada com a invasão de terras produtivas não foi discutida
com profundidade, já que o tema poderia ser eleitoralmente desfavorável,
e nem se mencionou a crescente onda de assaltos às propriedades rurais,
que ficam desprotegidas longe das cidades e das forças de segurança que
policiam os conglomerados urbanos.

A ausência do meio rural no discurso dos políticos em época de eleição


pode ser atribuído ao fato de que os habitantes das cidades representam
hoje, talvez 85% da população, e esses indivíduos, na maioria das vezes, não
possuem vínculos com o setor produtivo ou ignoram fatos relacionados
com o local onde são produzidos os alimentos que consomem. Na década
de 1970, um autor americano escreveu que os agricultores se tornando efi-
cientes, capazes de produzir, com um pequena população rural, alimentos
para a grande massa urbana, seriam considerados minoria sem importân-
cia e, no futuro, não teriam mais voz ativa. Como resultado, os habitantes
das cidades passariam a ditar normas, regras e leis para o agronegócio.

Numa situação como a prevista, somente a união dos agricultores e a mobi-


lização da sociedade serão capazes de colocar o setor na posição que merece.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.12.2010 cotado a R$ 1,7044.

O patinho feio
Revista BALDE BRANCO - nº 557 - março de 2011

Pode ser irrelevante, mas merece reflexão a pergunta feita re-


centemente por uma pessoa desvinculada do setor leiteiro, de-
pois de tomar ciência da falência de mais uma empresa de laticí-
nios: “por que razão as atividades relacionadas com leite são sem-
pre problemáticas sob o ponto de vista econômico?”.

O questionamento foi sucedido por relatos de fatos publicados pela mí-


dia, relacionados com problemas enfrentados por multinacionais, la- 149

ticínios, cooperativas de produtores espalhadas pelo País e inúmeras


fazendas consideradas de elite, muitas delas, produtoras de leite tipo A,
que foram desativadas ao longo dos anos sob o argumento de apresen-
tarem prejuízos operacionais.

Necessidade de subsídios aos produtores, preços baixos do leite ao consu-


midor, e políticas governamentais de crédito e estímulo ao setor foram tam-
bém apontados como indispensáveis ao fortalecimento e à viabilização da
atividade leiteira no Brasil, pois sem auxilio, a cadeia entraria em colapso.

É fato também discutido com frequência que o setor está relacionado com
pobreza, porque o meio rural das antigas bacias que abasteciam as metró-
poles de São Paulo e Rio de Janeiro está em decadência, uma vez que, nelas,
o leite ainda é a principal atividade econômica.

A associação do leite com a realidade de algumas regiões não leva em con-


sideração o fato de que geralmente as glebas não são grandes, o relevo é
desfavorável para a agricultura, os solos de baixa fertilidade se mostram
exauridos por práticas extrativistas, e os rebanhos não são adequados para
a produção de leite.

Assim, a imagem pouco favorável foi mostrada em novela que retratava


também a fabricação informal de queijo como atividade imprescindível
para a sobrevivência, e a proposta de agregar valor ao produto pela “indus-
trialização” é sempre apresentada como alternativa para melhorar a renda.
Ao longo dos anos, propostas de miniusinas, fabriquetas de queijo, doces e
mesmo a venda direta ao consumidor, têm sido discutidas e tentadas para
solucionar problemas econômicos, considerados crônicos e inevitáveis.

A fama de espécie de “patinho feio” do agronegócio brasileiro, que acom-


panha a produção de leite, não é nova e persiste ao longo do tempo apesar
do crescimento contínuo. Parece haver, na realidade, pouco interesse dos
agentes envolvidos com a atividade, no sentido de tentar reverter o con-
ceito, porque existe a ideia de que a declaração de sucesso pode promover
redução nos preços praticados para o produto.

Assim, a tentativa de esclarecer a razão da falência de uma empresa de


laticínios por gerenciamento deficiente, fraudulento, ou falta total de
150 profissionalismo, não satisfaz os incrédulos, mesmo com o argumento de
que em outras cadeias produtivas o problema também aparece. O mais
complicado é convencer o interlocutor de que podem existir proprieda-
des de produção de leite lucrativas, se estas adotarem conceitos corretos
de tecnificação e gestão de recursos financeiros, porque o fechamento de
fazendas consideradas de elite, que dizem utilizar tecnologia de ponta,
acontece com frequência, e a justificativa é, invariavelmente, a falta de
condições adequadas para a atividade.

Distorções sérias sobre o conceito de tecnologia levam à proposta de se atri-


buir níveis tecnológicos altos para propriedades que adotam técnicas consi-
deradas evoluídas e modernas, que investem em instalações e equipamentos,
mas não conseguem racionalizar a administração dos recursos produtivos.
Assim sendo, quando os resultados da atividade são decepcionantes, se co-
menta que nem com tecnologia é possível obter rentabilidade, e o setor fica,
então, em desvantagem nítida em relação a outros do agronegócio.

Parece existir a ideia de que fazendas consideradas de nível tecnológico


“alto” são sempre bem administradas, mas na realidade ocorrem, com
grande frequência, gastos elevados em atividades não produtivas, que ele-
vam os custos sem aumentar a renda. Deficiências de gerenciamento, ou
mesmo a ausência total de controle, independem da estrutura física ou do
modelo de produção adotado pelas fazendas de produção de leite ou de
outras atividades do agronegócio.

A observação atenta da planilha de custo, das práticas de manejo e dos in-


vestimentos pode revelar distorções sérias em muitas unidades produtivas.
Por exemplo, gastar de 98% da renda para pagar despesas de custeio não
faz sentido para nenhuma atividade do agronegócio; ter gastos com mão de
obra representando 30% ou mais do custo operacional revela irracionali-
dade, e investir o equivalente a 50% da renda, sem alterar a produção ou a
produtividade, leva invariavelmente, a problemas de fluxo de caixa.
Gastos com atividades que não trazem retorno em renda devem ser sem-
pre analisados com cuidado, pois distorcem os esforços feitos para me-
lhoria na eficiência do processo produtivo. A aplicação de tecnologia deve
ser complementada com a administração racional dos recursos financei-
ros. Só assim, a pecuária leiteira pode mostrar resultados e perder a fama
151
de “patinho feio”.

Prejuízos na produção
Revista BALDE BRANCO - nº 567 - janeiro de 2012

Quando se fala em prejuízo na atividade leiteira, devem ser toma-


dos cuidados na interpretação do fato, porque o interlocutor
pode estar falando uma coisa, e o ouvinte considerando outra. Foi
o que aconteceu com produtores brasileiros em visita a uma fa-
zenda na Califórnia, nos EUA, que produzia 75.000 litros de leite
por dia, que ficaram chocados quando receberam a informação de
que aquele era o segundo ano de prejuízo. Com a ideia muito di-
fundida no Brasil de que quanto maior a produção, maior o rombo,
se espantaram quando o jovem produtor afirmou que não exercia
outra atividade econômica, e que iria, sim, continuar produzindo
porque, alguns anos ruins são seguidos por outros bons, e o que
deve ser considerado em produção de leite é o resultado do ba-
lanço após um longo período.

Para muitos produtores brasileiros, prejuízo significa não conseguir pagar


as contas da atividade e colocar dinheiro de fora na atividade, mas para
o americano, prejuízo significava não conseguir sobras operacionais sufi-
cientes para cobrir valores estimados para depreciações e para remunerar o
capital empatado e a administração.

Na realidade, quando a produção é profissionalizada e o controle econô-


mico é rotineiro, prejuízos operacionais não são tolerados e, por isso, o
conceito de prejuízo tem outra conotação, sendo, então, necessária, uma
definição precisa do que está sendo apresentado oralmente, pois o ouvinte
pode tirar uma conclusão não condizente com a realidade.
Dados econômicos podem ser manipulados e, portanto, não deve causar es-
panto o fato de que prejuízo também pode ser deliberadamente provocado para
evitar pagamento de impostos elevados, quando tributos incidem sobre o lucro
da atividade, como relatado por um produtor americano que recebia a visita de
outro grupo de brasileiros. Quando indagado sobre a economia da atividade, o
152
produtor profissional relatou que em sua planilha particular ia muito bem, mas
na elaborada para fins fiscais, havia prejuízo dentro do conceito econômico.

O fato foi recebido com espanto, mas esclarecido com a apresentação de


duas planilhas, e a explanação de que, alertado pelo contador dos bons
resultados conseguidos, fez uma manobra, aceita pelo fisco, comprando
e estocando, sem necessidade, quantidades muito grandes de alimentos e
trocando alguns equipamentos que estavam gastos, mas não em estado crí-
tico, com o objetivo de aumentar significativamente as despesas. A medida
foi implantada após estimativa do valor a ser gasto, do cálculo do resíduo
disponível para remunerar o capital, as depreciações e a administração, e
do resultado final da nova planilha. O fazendeiro que controla a atividade
de maneira profissional sabe distinguir prejuízo real, do provocado, e fazer
um julgamento acertado da produção de leite como atividade econômica.

Quando ocorrem, os prejuízos operacionais são problemáticos e inviabi-


lizam a atividade, porque não há possibilidade de pagar todas as despesas
do sistema. São, muitas vezes, aceitos por fazendeiros que possuem outras
atividades econômicas na cidade, e se aventuram na produção de leite por
gosto, empolgação ou necessidade de ter algo diferente para preencher o
final de semana. Geralmente, são pessoas de posse, fazem grandes inves-
timentos, adotam técnicas chamadas “de ponta”, adquirem animais regis-
trados e, quase sempre, se aventuram no mercado de reprodutores de elite,
por considerar que o leite não é bom negócio, mas a venda de animais, sim.

Visitando uma fazenda no Brasil com este perfil, o estrangeiro ficou cho-
cado com a afirmação do dono, de que os prejuízos operacionais não iriam
promover a desistência, pois produzir leite era uma espécie de terapia con-
tra o estresse provocado pela atividade urbana. Algum tempo depois, a fa-
zenda liquidou o plantel com a justificativa de que produção de leite com
“alta tecnologia” era inviável no País, devido ao preço pago pelo leite, à falta
de apoio governamental, etc. Nada foi comentado sobre resultados zootéc-
nicos e econômicos desfavoráveis.

Prejuízos operacionais não são difíceis de ser detectados em fazendas que


podem até apresentar bons resultados zootécnicos, mas são mal adminis-
tradas porque gastam em recursos não produtivos, sem planejamento e
sem controle, provocando elevação nas despesas sem alterar a renda. 153

O conceito de retorno após gastos efetuados na propriedade pode não ser


considerado na condução do sistema de produção estabelecido por desco-
nhecimento, empolgação, por propaganda bem orquestrada de vendedores
ou falta total de controle, fato que resulta em surpresas desagradáveis após
algum tempo. Por exemplo, análises de fazendas revelam que, muitas vezes,
a estrutura do rebanho afeta o resultado da atividade, porque havendo uma
concentração grande de animais improdutivos, os gastos aumentam muito,
mas a renda não é alterada.

Para que não ocorra prejuízo operacional, é necessário, além de controle,


também conhecimento sobre fatores produtivos, análise de resultados e,
sobretudo, planejamento correto dos gastos no sistema de produção.

Competitividade do leite brasileiro


Revista BALDE BRANCO - nº 580 - fevereiro de 2013

Dentro da atividade agrícola do Brasil, as produções de soja e de


milho são, hoje, admiradas pelas quantidades produzidas, pelas
melhorias gradativas nos índices de produtividade, pelas contri-
buições à economia do País e por serem consideradas fundamen-
tais para disponibilizar alimento para o mundo.

O Brasil, atualmente, é um exportador importante de cereais e de oleagi-


nosas, porque a produção é suficientemente grande para garantir o abaste-
cimento interno e gerar excedentes para o mercado internacional. Argu-
menta-se que as culturas são fontes importantes de receita para o superávit
no comércio externo e que contribuem para a sedimentação da avicultura,
suinocultura, produção de leite e de carne com bovinos confinados.

Teve participação de destaque no desenvolvimento do setor de produção


de máquinas agrícolas e caminhões, e também, no crescimento do mer-
cado de fertilizantes e insumos para a agricultura. Foi importante para o
desenvolvimento de regiões remotas com geração de renda e criação de
postos de trabalho. Tudo isso aconteceu porque a produção cresceu em
volume e em produtividade, e passou a ser competitiva no mercado inter-
154
nacional por preços e qualidade.

O bom desempenho da atividade deve ser atribuído ao uso de tecnologia


universal para a agricultura avançada, empregando conceitos científicos
de fertilidade e conservação de solos, sementes selecionadas de variedades
produtivas, controle efetivo de pragas e doenças, mecanização eficiente e,
quando viável, irrigação.

Por outro lado, a produção de leite se destaca pelo crescimento contínuo,


emprego de mão de obra e contribuição para a formação da renda bruta da
agricultura, mas não tem participação destacada em exportação pelo fato
de que a produção é relativamente pequena para a população brasileira e,
reconhecidamente, existem problemas de qualidade de matéria prima.

Os excedentes eventuais acontecem por consumo baixo de produtos lácteos.


A estrutura de produção de leite no País não cria condições para que o setor
seja competitivo, trazendo como consequência, produtos lácteos caros para a
renda “per capta” média e concorrência contínua de outros países.

Análise de outubro de 2012 relata que o preço médio do queijo mussarela


importado foi 30% mais barato e para o leite em pó integral a diferença para
o nacional foi de 32%. No período, o preço do leite pago ao produtor no
Brasil esteve entre 20 e 30% acima dos praticados na Argentina e Uruguai,
favorecendo as importações que desestabilizam o setor produtivo, como
tem sido apontado pela mídia.

Para efeito de comparação, os preços líquidos recebidos em setembro de


2012 pelos produtores da Califórnia, o principal estado produtor norte-a-
mericano, foi de R$ 0,765* por litro, e em Minas Gerais, o principal Estado
produtor de Brasil, o valor médio foi de R$ 0,820 por litro, de acordo com o
CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) vinculado
à ESALQ (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) da USP (Uni-
versidade de São Paulo) em Piracicaba (SP).
A falta de competitividade do leite brasileiro e os problemas de quali-
dade média do produto produzido aparentemente não são motivo de
preocupação para o setor, que permanece muito mais focado em me-
canismos de restrição à importação e obtenção de preços maiores aos
produtores. Talvez, esta postura seja devida ao fato de o País não ter
155
participação efetiva no mercado internacional, produzindo, quase que
exclusivamente, para o mercado interno.

No que diz respeito à situação da pecuária leiteira, ênfase muito grande


é direcionada às taxas altas de crescimento que colocam o País entre os
maiores produtores mundiais, sem considerar que o incremento tem sido
causado pela abertura de novas áreas de produção em território tradicional
de gado de corte, e que o rebanho de vacas passou de 19 milhões de cabeças
em 1990 para 23,5 milhões atualmente.

Nas análises sobre o setor, se procura demonstrar ganhos de produtividade,


mesmo com um aumento muito pequeno de somente 27,8 kg de leite por
vaca do rebanho por ano nos últimos 20 anos. Não se discute o fato de o
rebanho leiteiro ser provavelmente constituído por 67 milhões de cabeças,
considerando a hipótese de que as vacas perfazem somente 35% do reba-
nho, fato que exigiria um capital muito grande empatado em terras e ani-
mais para produção de pouco leite, e gastos consideráveis com equipamen-
tos e insumos. O problema é agravado pela probabilidade de somente 25%
do rebanho produzir leite efetivamente durante o ano, ficando o restante na
fazenda sem gerar renda, mas elevando os custos.

De maneira contrária à observada para o cultivo de grãos, a pecuária lei-


teira média não emprega conceitos universais de produção tecnificada, e os
índices de produtividade indicam características de exploração extrativista,
sem gerenciamento do processo produtivo.

Se a realidade for analisada sem ufanismos, medidas efetivas poderão ser


preconizadas para mudar a situação, pois não é difícil a obtenção de valores
de produtividade e economicidade comparáveis aos de regiões avançadas,
e o leite brasileiro poderia ser, quem sabe, competitivo.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.02.2013 cotado a R$ 1,9838.


Falsas expectativas
Revista BALDE BRANCO - nº 581 - março de 2013

Prever o futuro é impossível, como atesta a impossibilidade dos vi-


156 dentes, pais de santos e pessoas sensitivas em oferecer uma cer-
teza do que acontecerá pela frente, apesar de alguns acertos
devidos a coincidências ou mesmo a previsões generalistas, onde
os acontecimentos se encaixam com facilidade. Não é incomum en-
contrar expectativas baseadas em suposições, sem um embasamen-
to sólido que justifique a proposta do que se acha que acontece-
rá, como se o futuro dependesse da vontade de fazer acontecer.

Ter esperança de conseguir ou encontrar algo mais à frente, mesmo que


não existam perspectivas, ou as que se apresentam não sejam animado-
ras, é uma postura típica de produtores que, simplesmente, tiram leite,
ou seja, conduzem a atividade sem controle ou planejamento e, assim,
vivem de expectativas sobre o futuro.

Quando a coleta de leite se instala em regiões de gado de corte e os fazen-


deiros começam a auferir uma receita mensal, ficam estimulados a com-
prar matrizes com sangue europeu, esperando com isso aumentar con-
sideravelmente nos anos seguintes, a capacidade de produção, fato que
não acontecerá com animais ruins ou se o manejo permanecer o mesmo
utilizado com o gado azebuado.

Outro exemplo de falsa expectativa de futuro promissor ocorre quando o


produtor espera solucionar os problemas econômicos que enfrenta com
a parição das novilhas, expectativa descabida, porque sempre existiram
novilhas na fazenda e o problema de má gestão não será solucionado com
a entrada de novas unidades produtivas no rebanho.

O futuro não pode ser previsto, mas com toda certeza pode ser programado,
visando à mudança no sistema de produção, à evolução na rentabilidade,
ou à manutenção da boa situação em que se encontra o empreendimento.

Quando o resultado da atividade é satisfatório, mas a conjuntura come-


ça a sinalizar problemas que podem permanecer ou se agravar, como
elevação dos custos da mão de obra, redução no preço pago ao produ-
tor, tendência para elevação no preço de insumos, etc., é o momento
exato de analisar a situação e planejar, a fim de encontrar soluções para
enfrentar dificuldades futuras.

Quando a inflação começa a se destacar no noticiário econômico e os


analistas independentes apresentam projeções diferentes das alardeadas 157

pelo governo, é hora de se precaver e buscar eficiência na utilização dos


recursos produtivos. Os produtores de leite são muito afetados pela ele-
vação contínua de preços, por que além da elevação dos custos, recebem
o valor da produção com preços defasados e raramente corrigidos, já que
o valor pago ao produtor depende do mercado.

Esperar elevação no preço do leite como medida salvadora numa conjun-


tura pouco favorável é uma expectativa nem sempre realista, mas sempre
frustrante, porque se a esperança não se concretizar os problemas não
serão devidamente equacionados.

A procura constante de racionalização da exploração dos recursos produ-


tivos da fazenda não deve ocorrer somente quando o cenário futuro é, por
algum motivo, sombrio. Na época das “vacas gordas”, uma administração
consciente garante ganhos maiores, e na de “vacas magras” possibilita a
manutenção da atividade com ganhos reduzidos, mas suficientes para
possibilitar uma margem positiva, visando garantir a sustentabilidade do
empreendimento. Nessas condições, a margem é menor, mas a situação é
bem melhor do que ter prejuízo operacional, que não pode ser tolerado
em nenhuma empresa bem administrada.

A análise de planilhas de fazendas leiteiras revelou que quando se gastava


até 65% da receita para pagar o custo operacional efetivo, como foi ob-
servado em propriedades com bom gerenciamento, a redução durante o
ano de 23% do preço do leite possibilitou a condução da atividade com
margem reduzida. Por outro lado, quando se despendia de 75 a 98% da
receita para pagar o custeio, a redução no preço pago pelo leite promoveu
prejuízos operacionais consideráveis durante o período de preços baixos.

Pensando no futuro, os produtores conscientes devem se preocupar


com o hoje, procurando racionalizar a atividade, porque só assim será
possível manter a produção leiteira tanto nas épocas favoráveis como
nas problemáticas. Controlar gastos em atividades não produtivas é
uma maneira de possibilitar uma relação favorável entre receita e custo
operacional efetivo, porque dinheiro empregado sem retorno aumenta
os gastos e reduz o ganho.
158 Existem atividades implantadas na fazenda que darão resposta em prazo
longo e, por isso, em épocas críticas, uma atenção especial deve ser diri-
gida para evitar redução da margem. O conhecimento técnico pode ser de
grande valia, também, em períodos problemáticos, quando associado a
uma administração consciente da fazenda. Se o momento é preocupante,
racionalizar a atividade por meio de análise do que está sendo feito, pro-
mover mudanças e planejar a produção é a única maneira de garantir que
o sistema será sustentável, e o futuro, um pouco mais previsível porque
não depende de falsas expectativas.

Animais silvestres nas fazendas


Revista BALDE BRANCO - nº 587 - setembro de 2013

O número de animais silvestres no Brasil cresce devido à legis-


lação que proíbe a caça e configura o abate como crime inafian-
çável. A ação da polícia ambiental tem sido rigorosa, e casos re-
centes relatados pela mídia indicaram que mesmo existindo jus-
tificativas, como o abate de animais para consumo em situações de
dificuldade financeira, os infratores podem ser punidos na for-
ma da lei. Recentemente ocorreu a prisão de um idoso que sempre
viveu em área remota e tinha como tradição a caça de aves, mamí-
feros, animais ungulados e tatus para consumo familiar, agindo
com absoluto desconhecimento da lei, como ficou provado pelo
forte impacto emocional demonstrado pelo preso e sua família.

Outro fator propício ao aumento na quantidade de animais silvestres é a


multiplicação de áreas de reserva, criando condições favoráveis para repro-
dução, alimentação e sobrevivência de diferentes espécies.

O desenvolvimento do setor agrícola nas últimas décadas é outro fator po-


sitivo dessa tendência, disponibilizando grande quantidade e variedade de
alimentos cultivados em áreas extensas por todo o País e, sobretudo, garan-
tindo alimentação adequada em períodos desfavoráveis, como os de seca
prolongada ou ocorrência de geada.

A inexistência de predadores, o desenvolvimento das espécies em novas


regiões e a eliminação da caça não possibilitam um balanço populacional 159

adequado e as espécies prolíficas e bem nutridas passam a apresentar cres-


cimento numérico exponencial.

Como consequência das condições favoráveis, a fauna silvestre se espalha


também pelos centros urbanos e reações de júbilo surgem com a visuali-
zação de tucanos, maritacas, capivaras, pacas, tatus e outros animais nas
cidades. Algumas vezes, onças, tamanduás, jiboias, e outros animais de
maior porte e raros, também são detectados nas rodovias. A proliferação
de pássaros nos centros urbanos pode promover, além de euforia, também
problemas sérios como transmissão de doenças que afetam os humanos e
até colisão com aeronaves nos aeroportos.

No meio rural, animais que praticamente haviam desaparecido, passaram


a ser visualizados com maior frequência, e as populações de algumas espé-
cies nativas, como capivaras e queixadas, ou introduzidas, como javalis e
javaporcos, cresceram consideravelmente e passaram a causar prejuízos aos
agricultores. Existem relatos de ataques a culturas de milho, sorgo, cana-de
-açúcar, arroz, banana, feijão, soja, mandioca, abóbora, melancia, legumes,
verduras e pastagens, com destruição parcial ou total da área cultivada.

Os prejuízos podem ser consideráveis, mas os órgãos ambientais não ofe-


recem uma solução para o conflito que se estabelece entre a preservação
e a sobrevivência econômica dos agricultores. A aparente insensibilidade
das autoridades encarregadas da preservação das espécies, talvez se deva
ao fato de não existirem estimativas e, portanto, consciência dos prejuízos
causados nos casos de desequilíbrio na população dos animais selvagens
nas fazendas e nas cidades.

Quanto ao prejuízo gerado pela fauna silvestre aos agricultores em ou-


tros países, levantamentos indicam que algumas vezes as perdas financei-
ras sofridas são muito grandes. Estimativas indicaram prejuízos de US$ 2
bilhões* por ano devido ao ataque de animais silvestres nas fazendas dos
Estados Unidos e que os predadores carnívoros matam meio milhão de
animais e aves nas fazendas. Somente os pássaros são responsáveis por US$
100 milhões por perdas anuais, havendo levantamentos de que, nas fazen-
das leiteiras, 1.000 passarinhos consomem por dia 18 kg de concentrado
nos cochos dos confinamentos. Levantamentos de campo indicaram que
160
os cervos promoveram prejuízos para os agricultores de US$ 58,800,000.00
em 2002 e já provocaram no país, um milhão de colisões com carros. Em
adição à preocupação econômica, estuda-se também a disseminação de
várias doenças da fauna silvestre para o homem e animais domésticos, e
existem programas de testes de tuberculose e brucelose nas manadas de
possíveis vetores das doenças erradicadas nas fazendas de ruminantes.

Nos países evoluídos existem programas destinados a identificar e priorizar


estudos e ações para solucionar conflitos entre a preservação e os prejuízos
nas fazendas, bem como entre a relação da fauna silvestre com a segurança e
a saúde das pessoas. Controle de populações por meio de desbastes rigoro-
samente programados, relocação de rebanhos em áreas isoladas e compen-
sação financeira por perdas de produtos agrícolas e animais domésticos são
medidas que possibilitam manter a harmonia entre os objetivos da preser-
vação, da saúde e segurança do homem, e da sobrevivência dos agricultores.

A necessidade de uma proposta realista para o programa conservacionista


em vigor no Brasil deve ser considerada urgente e prioritária, pois o con-
flito está se alastrando, sem que haja medidas racionais de proteção aos
agricultores e habitantes do meio rural e urbano.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.09.2013 cotado a R$ 2,3637.

Comercialização de bovinos leiteiros


Revista BALDE BRANCO - nº 595 - maio de 2014

Comércio de gado é uma atividade antiga porque os bovinos sem-


pre foram valorizados e considerados, muitas vezes, como uma das
mais valiosas possessões do homem nos primórdios da história da
humanidade. O negócio envolve interesses conflitantes porque
uma das partes quer receber o máximo possível na venda e a outra
espera a melhor compra.

Quem quiser ter sucesso como vendedor deve ter reputação de seriedade,
possuir um bom rebanho, administrar uma fazenda bem estruturada e di-
vulgar resultados para promover seu trabalho como criador, se esforçando 161

para ser reconhecido. O comprador, por outro lado, está sempre à procura
de matrizes de qualidade a preços razoáveis e recebe estímulos do que vê,
ouve, imagina, e da expectativa de possuir os animais escolhidos.

No passado, a compra de bovinos leiteiros era feita quase que exclusiva-


mente nas fazendas, havendo, então, o contato direto de compradores e
vendedores. Os meios de comunicação eram precários, existiam poucas
informações sistematizadas sobre o comércio de vacas e novilhas e os in-
teressados na compra, visitavam inúmeras fazendas a procura de animais.

Negociar bem era uma arte, porque dependia de conhecimento, de poder


aquisitivo, de oportunidade, de simpatia, de convencimento e, sobretudo,
de percepção das reações da outra parte. Alguns fazendeiros tradicionais
eram hábeis em negociar animais, e muitos proprietários foram, na reali-
dade, mais comerciantes que produtores, apesar de cuidarem bem do gado,
das lavouras e da aparência do local onde viviam, pois com a “noiva enfei-
tada era mais fácil arranjar casamento”, como diziam os antigos.

Uma característica típica do fazendeiro comerciante era a hospitalidade,


oferecendo almoços típicos com sobremesas fartas de doces caseiros ou
lanches muito elaborados com guloseimas da roça. Além disso, uma boa
prosa, a gosto do freguês, sempre desvinculada da compra, permitia a per-
cepção das preferências, anseios e objetivos do interlocutor.

Encantar e conquistar o comprador e sua família criava um clima favorável


para que os negócios fossem bons e a fama se espalhasse. O “marketing
caboclo” criou em todo o Brasil, mestres na venda de gado, numa época em
que comprar era também muito prazeroso.

O comprador podia levar desvantagem por desconhecer as manhas e as


sutilezas empregadas na negociação, e normalmente ficava impressionado
com a fidalguia, como no caso de receber a informação de que não existiam
animais à venda, por serem todos reserva da fazenda, mas depois de boa
conversa, o proprietário acabava “cedendo” algumas cabeças, como se esti-
vesse fazendo um favor, mas, por isso, pedia valores mais elevados.

A inclusão supostamente inadvertida de animais especiais nos lotes esco-


lhidos, que em “hipótese nenhuma” estavam à venda, mas que depois de
162 protestos permaneciam entre os escolhidos, era uma oportunidade adicio-
nal para agradar o freguês, que acabava pagando mais para levar as “joias
raras” da fazenda e a certeza de que recebera uma deferência especial.

A partir da década de 1980, os leilões passaram a ser usados na comerciali-


zação, com organização de eventos em fazendas, geralmente, para a venda
de animais de vários criadores, mas não acabaram com a negociação direta,
que ainda é praticada em todo o País. A inovação facilita para o comprador
que encontra num só local, um número grande de cabeças, pode consul-
tar a lista de animais ofertados com antecedência e tem maior garantia de
sanidade. A técnica para impressionar os compradores é diferente porque
não existe necessariamente contato com o dono, a propaganda é feita na
mídia, são postadas fotos de animais selecionados, é efetuada a descrição
do rebanho das fazendas vendedoras, e os locais da venda são públicos.
Procurando valorizar os animais, dados zootécnicos são publicados, efe-
tua-se a tosquia, o preparo de cascos, a colocação de cabresto, e até mesmo,
o adestramento para desfile na pista.

O clima festivo nos leilões, as competições acirradas, as disputas individuais


por um mesmo animal movidas por sentimentos de vaidade e a habilidade
do leiloeiro podem levar o preço para fora da realidade. Nessas ocasiões, a
plateia de compradores, estimulada pelo apresentador, aplaude o feito, que
sem dúvida concorre para elevar o valor dos outros animais ofertados. A
participação em leilões é agradável e o ambiente muito estimulante, a ponto
de levar alguns indivíduos a agir por impulso.

Para não ser enfeitiçado pela magia do “marketing caboclo” ou pelo clima dos
leilões, o comprador deve ser racional, reconhecendo que o valor a ser pago
por um animal deve ser estabelecido em função do retorno esperado pelo in-
vestimento feito na unidade produtora. Por isso, é preciso ter sempre em mente
que a vaca só é eficiente na geração de receita se reproduzir regularmente e se
possuir persistência na produção de leite. E que a probabilidade de novilhas se
tornarem boas matrizes é maior quando são filhas de touros provados.
3.
Qualidade
O novo produtor de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 398 - dezembro de 1997

A modernização da pecuária de leite do Brasil deve, obrigatoria-


164 mente, passar por uma série de medidas de maneira a formar um
conjunto harmônico, onde todos os aspectos são considerados em
conjunto, visando à solução dos problemas crônicos provenientes
do atraso conceitual em que se encontra. Medidas isoladas podem
não trazer os resultados esperados e, muitas vezes, criar dificul-
dades novas, que antes não existiam ou eram detectadas.

Assim aconteceu com a introdução do confinamento total, trazendo pro-


blemas de casco, acidose, deslocamento de abomaso e outros distúrbios
desconhecidos no País. Até mesmo a obesidade, resultado de alimentação
excessiva e desequilibrada, chegou a afetar, de maneira grave, um dos pri-
meiros rebanhos colocados em “free stall” com resultados desastrosos e
grande mortalidade de animais.

As tentativas de se utilizar o pasto para produções mais intensivas provo-


caram perda de recursos financeiros devido à degradação rápida das glebas
recém-formadas, produções reduzidas no sistema e dificuldades imensas
para coordenar o manejo do solo, da planta e do animal. Pelos motivos
expostos, pode-se explicar o número relativamente diminuto de produto-
res capaz de manter, operar e conseguir resultados significativos usando
sistemas modernos e adaptados ao final do século XX. As dificuldades en-
contradas pelo setor são as medidas de grande impacto para produtores,
indústrias e, sobretudo, para os consumidores, que podem não ser bem en-
tendidas, aceitas ou caracterizadas, se tornando algumas vezes verdadeiros
problemas para todos.

Existe, portanto, a necessidade de se estabelecer uma uniformização de


conceitos, práticas e atividades, visando à introdução da concepção tecni-
ficadora de maneira suave e adequada. Por exemplo, onde se pretende in-
troduzir a coleta a granel, considerada por muitos como a indicação real do
início da modernidade do setor, não apenas pela eliminação do latão, uma
peça de museu em regiões avançadas, mas, sobretudo, pelo desaparecimen-
to da coleta, armazenamento e transporte de leite quente, que não poderia
ser aceita sob o ponto de vista da saúde humana. A medida pode demorar
um tempo relativamente longo, mas certamente virá.

A coleta a granel funciona onde as fazendas são iguais em termos de quali-


dade, composição e temperatura de armazenamento. Assim sendo, a qua-
lificação do tanque depende da ocorrência ou não, nos refrigeradores, de 165

contaminação bacteriana, de produtos químicos, da contagem de células


somáticas e outros parâmetros indicativos de leite saudável e de bom ren-
dimento industrial. Apesar de a proposta a princípio parecer boa, racional
e moderna, poderá gerar problemas para todos. Por exemplo, se sabe que
uma linha de coleta de leite não é sempre uniforme em termos de quanti-
dade e, sobretudo, qualidade. Um caminhão que recebe leite excelente de
quase todos os produtores, ao pegar o produto contaminado de uma só
origem, irá estragar ou comprometer todo o tanque. O acidente poderia ser
contornado se existissem testes rápidos para serem executados na fazenda,
mas não existem, fato que compromete decisivamente o trabalho de coleta.
Algumas observações em cooperativas indicam que de 80 a 85% das fazen-
das de leite tipo B podem produzir com excelente qualidade, porém, o leite
levado ao laticínio, resultante da mistura de todos os outros é de qualidade
baixa e as perdas econômicas muito grandes para serem desconsideradas
em laticínios de qualquer porte.

Nos países aonde a medida vem sendo adotada há anos, tudo funcio-
na harmonicamente porque fatores como indenização de toda carreta
contaminada, multa e, até mesmo, expulsão do quadro social, já estão
incorporados à cultura do produtor de leite. A nova concepção requer
tecnificação para auxiliar na eliminação de problemas de qualidade, no
manejo correto da retirada de leite, nas flutuações acidentais, na manu-
tenção consciente das ordenhadeiras, etc.

Ao produtor resta, a partir de agora, entender que todos passaram a fazer


parte de uma família e que precisa mudar para não transferir aos outros as
suas deficiências e ter consciência de que não pode reduzir os ganhos de
seus parceiros e da cooperativa. Consciência e hombridade devem ser as
palavras de ordem nos tempos que estão chegando, para garantir ganhos
significativamente maiores para quem produz um produto branco, com
gosto de leite, reconhecido pela grande maioria dos brasileiros.
Que o hoje nos
prepare para o amanhã
Revista BALDE BRANCO - nº 400 - fevereiro de 1998

166
É bem evidente na atualidade o fato de que o parque industrial de
laticínios está cada vez mais procurando obter leite de boa qua-
lidade. A tendência pode ser atribuída à competição crescente, à
exigência de consumidores mais conscientes, ao maior rendimento
industrial e, até mesmo, às condições para exportações futuras
para o grande mercado latino-americano. Pagamento de leite pela
qualidade é a palavra do momento, e tecnologias desconhecidas
para a maioria dos fazendeiros são, de certa maneira, impostas
através do pagamento diferenciado do leite resfriado, com baixa
contaminação bacteriana e composição físico-química compatível
com o que se considera leite em qualquer local do mundo.

Paradoxalmente, as empresas de laticínios estão investindo mais na forma-


ção de técnicos aptos a auxiliar ao produtor na mudança da capacidade pro-
dutiva, eficiência, mas não em conceitos efetivos que contribuam para uma
matéria prima que possa ser considerada de boa qualidade. É fato notório e
reconhecido que as universidades e escolas técnicas não preparam indivídu-
os aptos a desempenhar um papel importante para o mercado atual e futuro.

As transformações estão ocorrendo de maneira rápida e irreversível e,


por isso, tem despertado entre alguns fazendeiros, principalmente pro-
dutores de leite tipo C, um sentimento de desconfiança, perplexidade e
revolta, pois sempre produziram o mesmo produto sem reclamações num
passado não muito distante, fato que também ocorreu com os seus ances-
trais. Por que, então, de repente a maneira como produzem leite perde
sentido e aparece a necessidade de alguns investimentos que muitos não
podem fazer, usar práticas que desconhecem e alterar todo o conceito
até então adotado? Por outro lado, produtores de leite tipo B descobrem
que instalações e equipamentos sofisticados de ordenha, uniforme branco
para os ordenhadores não são capazes de garantir leite de boa qualidade,
pois nessas fazendas também existe a necessidade de mudanças que são
desconhecidas e, portanto, não adotadas.
O que está ocorrendo no Brasil neste final de século XX já foi motivo de
preocupação para os fazendeiros das regiões, hoje, consideradas evoluídas.
Escrevendo suas memórias, um produtor norte-americano descreveu as
desventuras por que passou quando não existia cooperativa em sua região:
“tinha que ordenhar à mão, tentar esfriar o leite nos latões mergulhando-os
167
na água do córrego e transportá-los em carroça até o laticínio”. Tudo isso
ocorreu na década de 1930, e ele fez então uma pergunta que ficou sem
resposta: “como era possível produzir leite de qualidade?”.

Na Inglaterra de 1939, 85% dos rebanhos eram ordenhados à mão, o leite


transportado quente em latões por distâncias relativamente longas, o que
com toda certeza, prejudicava a qualidade do produto. Falta de eletricida-
de no meio rural, rebanhos pequenos que não possibilitavam investimen-
tos, trabalho humano barato e, principalmente, desconhecimento, foram
fatores responsáveis pela manutenção de métodos que provocaram a saí-
da em massa de produtores para outras atividades agrícolas. Atualmente,
os fazendeiros recebem preços diferenciados de acordo com o destino
do leite (consumo ou indústria), mas todos produzem com as mesmas
características bacteriológicas e físico-químicas. Com a entrada de regu-
lamentos sobre a contaminação com resíduos químicos, o conceito de
qualidade foi então novamente alterado.

A verdadeira revolução por que passa o setor leiteiro do Brasil deve pro-
vocar, em vez de revolta, um alerta para que o produtor se prepare para o
futuro. Quem não se adaptar para o amanhã certamente terá dificuldade
de permanecer no setor, por pressões dos laticínios e dos outros fazendei-
ros, que terão consciência de que alguns podem estragar o seu esforço de
produzir com qualidade. A mistura nas plataformas de recepção e nos ca-
minhões-tanque nivela o leite por baixo e, com isso, a remuneração final ao
fazendeiro é penalizada por aqueles que, mantendo práticas tradicionais,
não conseguem alterar a qualidade do produto produzido.
Leite de qualidade
Revista BALDE BRANCO - nº 415 - maio de 1999

“Como era possível produzir leite de qualidade naquelas condi-


168 ções?” Essa foi a pergunta apresentada por um bem sucedido pro-
dutor americano ao relatar, em seu livro de memórias, o desenvol-
vimento da fazenda estabelecida por seu avô, no início do século XX.
Ele lembrou que, quando era criança, o leite era ordenhado à mão
em um pequeno curral sem cobertura e, por isso, os encarrega-
dos pelo serviço almejavam um local fechado, onde teriam abrigo
e conforto para a execução de um trabalho rotineiro e cansativo.

Mais tarde, mesmo com a mudança das vacas para outra fazenda, onde exis-
tia um estábulo, a ordenha continuava manual, não havia eletricidade, res-
friadores, e o leite tinha de ser transportado “quente” em uma carroça até o
laticínio, dentro de latões. Nos dias mais quentes, se tentava resfriar o leite
colocando os latões dentro de recipiente contendo água retirada de um poço,
através de bomba manual, mas o esforço nem sempre era recompensado. O
trabalho executado pelos proprietários da fazenda era consciente, dedicado,
mas as condições existentes não ofereciam oportunidade para a produção de
um leite que pudesse ser, nos dias atuais, considerado de boa qualidade.

Refletindo sobre os fatos relatados, pode-se perguntar se podem ser en-


contradas, hoje, no Brasil, condições para produzir um leite que pudesse
ser analisado por padrões internacionais e considerado de boa qualidade.
Não existem informações sobre as fazendas produtoras, mas é certo que
são poucas as que apresentam uma infraestrutura básica capaz de garantir
vacas saudáveis e bem nutridas, ordenha higiênica para evitar a contamina-
ção bacteriana e de corpos estranhos, recipientes limpos para manipulação
e transporte e, sobretudo, resfriamento rápido do leite produzido até 4ºC.

O manejo do rebanho deve também ser adequado para que o leite não con-
tenha antibióticos, pesticidas, micotoxinas e sabor e odor estranhos. Infra-
estrutura não significa a existência de prédios, instalações, equipamentos
de ordenha, roupa branca para os ordenhadores, azulejos nas paredes, mas,
sim, uma concepção correta do que é produzir leite de qualidade. A orde-
nha mecânica não garante, por si só, a obtenção de leite livre de contami-
nação, pois a limpeza, a operação e a manutenção dos equipamentos e a
maneira de ordenhar podem afetar a qualidade do leite produzido.

No início do estabelecimento do leite tipo B, algumas fazendas só conse-


guiam atingir o padrão exigido quando utilizavam a ordenha manual, fato
que causou perplexidade nos produtores que fizeram investimentos em 169

equipamentos e não contavam com conhecimento nem pessoal habilitado


para executar a tarefa. A contaminação bacteriana do leite produzido em
ordenha mecânica pode ser atribuída à limpeza e à manutenção inadequa-
das, ocorrência de surtos de mastite e operação malfeita. A presença de
coliformes fecais pode ser consequência da lavagem da vaca e do úbere,
possibilitando o escorrimento de água suja para dentro das teteiras.

Muito leite é diariamente contaminado por mangueiras e bombas sujas,


usadas na coleta a granel. Uma fazenda que entrega leite de baixa qualidade
pode contaminar todo o carregamento de um caminhão tanque, anulando
assim o esforço feito por outras para produzir um produto de qualidade.
O fator humano é sem dúvida, o que falta para que muitas fazendas bem
estruturadas possam também produzir leite de qualidade.

O que comentar sobre a maioria dos produtores do Brasil, que além de não
terem a concepção correta para obtenção de leite de qualidade, também
não possuem nenhuma estrutura? Levantamentos realizados em Minas
Gerais, o Estado líder na produção, revelaram que só 6% das fazendas usa-
vam ordenha mecânica, e que os indivíduos que cuidavam da atividade não
tinham conhecimentos básicos.

Muito leite é produzido em currais de terra com ou sem cobertura, o que


possibilita, além de contaminação bacteriana, também a presença de im-
purezas, detectadas nos filtros dos laticínios e nos testes de lactofiltração.
Desde o início do século XX, sabe-se que a refrigeração na fazenda colabo-
ra para que o padrão do leite produzido seja mantido, mas os tanques de
expansão não serão capazes de melhorar o produto. Se não for produzido
de maneira adequada, o leite nunca atingirá padrões de alta qualidade.

Os fatos relatados podem ser importantes quando se consideram os estudos e


as propostas que estão sendo apresentados para mudar o padrão do leite pro-
duzido no Brasil. Deve-se ter consciência de que somente legislação não será
capaz de criar as condições indispensáveis, havendo necessidade de se inves-
tir também em infraestrutura e no treinamento de todos os envolvidos com
o processo de produção. Só com pessoas conscientes será realmente possível
produzir nas fazendas brasileiras um leite de boa qualidade.
170

Como mudar uma realidade


Revista BALDE BRANCO - nº 440 - junho de 2001

A expectativa que seja aprovado o Programa de Melhoria da Quali-


dade do Leite e Derivados é muito grande. Espera-se que assim possa
haver benefícios para os produtores mais especializados, por se-
rem capacitados a atender muitas das exigências que serão estabe-
lecidas e quem sabe, seria introduzido no Brasil o pagamento dife-
renciado, desejado por um número significativo de fazendeiros.

Os anseios dos laticínios também são evidentes, já que teriam possibili-


dade de contar com uma matéria prima capaz de melhorar o rendimento
industrial, o tempo de armazenamento e a qualidade do produto ofertado.
O desejo dos consumidores mais esclarecidos é de que os produtos lácteos
sejam saudáveis, nutritivos e saborosos, como devem ser todos os alimen-
tos consumidos pelo homem.

Por tudo isso, nos últimos tempos, mesmo sem a legislação aprovada, esfor-
ços têm sido dirigidos no sentido de antecipar alguns acontecimentos. Por
exemplo, a coleta de leite resfriado em tanques de expansão é, hoje, imposta
por muitos laticínios, que não mais coletam leite quente, armazenado em
latões. O transporte a granel passou a ser rotina em muitas linhas de regiões
tradicionais, e a mídia tem mostrado sinais de dar um pouco de atenção à
qualidade, um problema que tem preocupado muitas pessoas num longo
período de tempo.

Como parte dessa nova consciência, que parece estar ganhando corpo,
muitos laticínios têm procurado coletar informações sobre o leite produzi-
do por seus fornecedores, visando estabelecer novos programas industriais,
estratégias de “marketing” e, quem sabe, uma base realista para o pagamen-
to por qualidade, como o adotado nos países de pecuária leiteira evoluída.
O banco de dados existente é significativo e pode dar uma ideia realista
do que está acontecendo. A contaminação com corpos estranhos é alta.
Quando se faz o teste de lactofiltração, a contaminação bacteriana, como
consequência, é também muito grande, enquanto a contagem de células
somáticas se mostra elevada. Preocupa também o fato de que a composição
171
química do leite, muitas vezes, não pode ser considerada normal, quan-
do comparada com o padrão estabelecido pela legislação e desejado pela
indústria. Ao que tudo indica, o País ainda enfrenta problemas reais na
qualidade do leite disponível para o processo industrial.

A contaminação do leite é resultado da falta de conceito de higiene na or-


denha, no manuseio e da inexistência de recursos na grande maioria das
fazendas, apesar da ordenha mecânica não garantir qualidade. A solução
exige treinamento, educação e mudança na postura, e ação dos ordenha-
dores. A contagem de células somáticas é um reflexo do tipo de rebanho,
da introdução de gado especializado e de ordenhadeiras mecânicas sem
pessoal capacitado. A existência de leite com composição anormal ocorre
em rebanhos de gado especializado ou não, fato facilmente identificável em
várias regiões do globo terrestre.

Um pesquisador cubano apresentou o conceito de Síndrome do Leite Anormal,


um fato que, observado em seu país, foi considerado novo no Brasil, apesar de
sempre ter existido. Basta lembrar que o fato afetou produtores de leite tipo
B no início do estabelecimento do programa, porque muitos não conseguiam
produzir dentro dos padrões estabelecidos. O problema foi de tal magnitude, a
ponto de se propor mudanças nos padrões qualitativos para adoção, como se
dizia na época, de padrões realistas com a realidade nacional.

As dificuldades, hoje, caracterizadas, também existiram em larga escala nos


Estados Unidos nos anos de 1950, pois se obtinha com frequência leite com
gordura e proteína fora dos padrões, baixos teores de sólidos totais e não
gordurosos, pequena estabilidade, alterações na qualidade da proteína e ín-
dice de crioscopia alterado, a ponto de se pensar em fraudes por adição de
água. Eram relatados também efeitos bem definidos da época do ano sobre
a composição do leite comercializado.

A dificuldade era generalizada, pois se dizia que poucos eram capazes de


produzir um produto adequado para o mercado. A tecnologia acabou mos-
trando que subnutrição, no seu conceito mais amplo, promove alterações
significativas nos componentes do leite, e a imposição de medidas enérgi-
cas resolveu as dificuldades de contaminação bacteriana, produtos quími-
cos e contagem de células somáticas.
172 Deve-se refletir sobre a situação atual e pensar que existem inúmeros fato-
res a serem trabalhados para que se produza um leite passível de ser enqua-
drado em novos padrões. Conhecimento técnico existe, não é complexo,
mas, o que fazer para que mudanças nos conceitos de produção de leite
sejam implementadas na maioria das fazendas brasileiras?

Conceitos distorcidos
Revista BALDE BRANCO - nº 441 - julho de 2001

A consciência da fragilidade do ecossistema em que vivemos é,


hoje, uma realidade e esforços têm sido dirigidos no sentido de
preservar o solo, o ar, as plantas, os animais e o homem, objeti-
vando manter o Planeta habitável para as gerações futuras. Den-
tro desse contexto, ênfase tem sido dada à produção de alimento
saudável e nutritivo. O objetivo é garantir uma vida longa e praze-
rosa, livre de riscos de contaminação com produtos prejudiciais,
tóxicos ou potencialmente perigosos para o desencadeamento de
doenças difíceis de serem vencidas.

O movimento ganha corpo. São criadas associações e organizações não go-


vernamentais, a mídia dedica um espaço considerável às reivindicações e
aos protestos, e o comércio de produtos rotulados como naturais é uma re-
alidade econômica inquestionável. Trata-se de uma visão correta, que deve
ser estimulada e apoiada. Ninguém discute a validade do ambiente saudá-
vel para o ecossistema do Planeta Terra.

Entretanto, evidências indicam que existe um risco muito grande de conceitos


distorcidos, errados e sem fundamento prevalecerem por ação de grupos fanáti-
cos que, com a melhor das intenções, podem prejudicar a humanidade, desvian-
do a atenção para fatos sem muita importância, em detrimento de outros que são
realmente preocupantes e merecedores de atenção e, sobretudo, solução.
Um exemplo característico é o corte de árvores isoladas que podem desenca-
dear reações histéricas, sem justificativa, pois outra pode ser plantada no local,
às vezes, com vantagens para o ambiente. Por outro lado, a aração e o cultivo de
terrenos inclinados, no sentido morro abaixo, promove uma perda irreparável
e significativa de solo, sem que haja movimentos de alerta, protesto ou pressão.
173

Estimativas antigas indicaram que sistemas de plantio no sentido da de-


clividade provocavam perdas anuais de 26 toneladas de solo por hectare,
que concorrem para assoreamento de rios e lagos, alterando de maneira
irreversível o ambiente. Apesar disso, ainda não existe legislação para o uso
adequado e racional do solo, que nos Estados Unidos, por exemplo, foi es-
tabelecida no início do século XX.

Nos países considerados desenvolvidos, o setor leiteiro sofre um contro-


le muito grande devido ao grande poder poluidor de vacas confinadas. O
acúmulo e a distribuição de quantidades maciças de esterco no solo, o pe-
rigo de contaminação do lençol freático, dos cursos de água e dos lagos são
reconhecidos e, por isso, regulamentados. Também a emissão de metano
para a atmosfera por parte dos ruminantes é assunto estudado e recebe
atenção em várias partes do mundo.

A vigilância sanitária exerce um controle efetivo sobre a qualidade de


leite, carne e outros produtos de origem animal, sendo bem conhecidos
os casos de contaminação radiativa devido a problemas com usinas nu-
cleares, por resíduos de pesticidas nas pastagens e, por dioxina, pelo uso
da polpa de laranja. Todas essas medidas são necessárias, mas por outro
lado, os produtores também enfrentam pressões injustificáveis por parte
de populações urbanas que mudam para condomínios no campo e pro-
cessam as fazendas por poluição olfativa, um fato que existia no local há
várias décadas, mas é considerado intolerável pelos ambientalistas.

Fatos dessa natureza se constituem em distorções sérias sobre o conceito


de preservação do ambiente e podem prejudicar seriamente a agricultura.
No Brasil, as fazendas leiteiras ainda não sofrem pressões, como agentes
poluidores ou capazes de ameaçar o ambiente, porque os sistemas predo-
minantes utilizam pastagens com baixa lotação e a consciência dos riscos
da produção extrativa para ambiente não recebeu ainda a devida atenção.
Entretanto, estão sendo apresentados fatos, sem embasamento científico,
apontando o leite e seus derivados como alimentos de risco, impróprios
para uma dieta natural e saudável.

Por outro lado, o movimento para a produção do leite chamado orgânico,


também distorce a realidade propondo medidas desprovidas de raciona-
174 lidade ou embasamento científico, em nome de um princípio que toda a
humanidade procura e não somente alguns. As normas proíbem o uso da
ureia, que no rúmen se transforma em amônia, um componente natural
e importante para os micro-organismos, mas permitem o uso de tortas
oleaginosas que frequentemente estão contaminadas por toxinas de fun-
gos, que saem no leite, são perigosas e prejudiciais para a saúde humana.
Outras distorções podem ser apontadas, como o uso de farinha de ossos
autoclavada, por ser uma fonte mineral orgânica, e de pastagens naturais
que fornecem alimento deficiente para vacas leiteiras, por serem cultiva-
das em solos de baixa fertilidade.

Espera-se que conceitos racionais sejam aplicados para a produção de leite


orgânico no País, de maneira a atender um segmento que procura alimen-
tação tão saudável quanto à oferecida pela produção tecnificada, que tam-
bém se preocupa com qualidade.

Atualização do setor leiteiro


Revista BALDE BRANCO - nº 470 - dezembro de 2003

Fatos muito significativos para o setor leiteiro têm ocorrido ulti-


mamente, trazendo a certeza de que mudanças deverão aconte-
cer, se algumas barreiras fortes e sólidas forem ultrapassadas. A
coleta de leite refrigerado nas fazendas foi o primeiro passo, se-
guido do estabelecimento de laboratórios para monitoramento da
composição e qualidade do produto. A entrada em funcionamento
de equipamentos para caracterizar a contaminação bacteriana, ad-
quiridos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
veio completar o arsenal de instrumentos para oferecer aos bra-
sileiros a oportunidade de, no início do século XXI, ter a oportuni-
dade de consumir leite e produtos lácteos de melhor qualidade.
Apesar de todas essas medidas estarem chegando com quase 50 anos de
atraso em relação aos países desenvolvidos, isso deve ser motivo de júbilo e
de reconhecimento ao grupo de pessoas que lutou contra tudo e todos para
introduzir conceitos de modernidade, a fim de garantir alimentos adequa-
dos para a população, abrir perspectivas para exportação e colocar o País
175
no contexto de nações desenvolvidas.

O foco de resistência para o que pode ser considerada atualização do setor


leiteiro, e não modernização como tem sido propalado, está concentrado
na concepção de que as medidas necessárias promoverão a exclusão dos
pequenos produtores, ideia alimentada mais por conceitos ideológicos do
que reais ou racionais. Na maioria dos países desenvolvidos, a fazenda mé-
dia ainda é pequena (em área e número de animais), mas quando as me-
didas em discussão atualmente por aqui foram implementadas naquelas
regiões, meio século atrás, as propriedades produziam muito pouco leite
em relação à situação atual.

A redução no número de produtores, observada em várias nações, não tem


sido atribuída necessariamente ao tamanho, apesar de se reconhecer que
escala promove um problema econômico em qualquer atividade produtiva
rural ou urbana. O fato é devido também a fatores desvinculados de tama-
nho relativo, como renda maior em outras atividades agrícolas, falta de ap-
tidão, gerenciamento deficiente, desejo de viver em comunidades urbanas,
desinteresse dos filhos em continuar no meio rural, pressão urbana com
valorização das terras para loteamentos, etc.

Leite de boa qualidade, sob o ponto de vista de contaminação bacteriana e


ausência de corpos estranhos, está relacionada com práticas de higiene, que
independem de tamanho da propriedade rural e do sistema de ordenha.
Composição química depende da raça e nutrição, mas com animais de bai-
xa produção, os efeitos são imperceptíveis, a não ser em casos de deficiên-
cias muito sérias que ocorrem tanto em fazendas grandes como pequenas.

Estudos mostram que a contagem de células somáticas não é um problema


atual, como consequência do baixo potencial produtivo do rebanho médio
encontrado no País. A disseminação de tanques de expansão pode ser mais
limitada por deficiências de eletrificação no meio rural do que pelo tama-
nho das fazendas. Estudos sérios já mostraram que existe viabilidade de
tanques comunitários, e um pouco de imaginação e vontade poderá, quem
sabe, criar perspectiva de financiamento para os lacticínios visando à colo-
cação de equipamentos na forma de comodato em determinadas fazendas,
como acontece em outros países, fato que, além de garantir qualidade, con-
tribuiria para introduzir o conceito de fidelidade.
176

O que não pode continuar acontecendo é ouvir um produtor dizer que é


bom quando ocorre seca prolongada ou geada, porque nessas condições
tudo o que é branco vira leite, ou ainda, ouvir de um fazendeiro que ferve
o leite que consome, logo depois da ordenha, para garantir qualidade na
geladeira de sua residência, e afirma não se preocupar com o fato do pro-
duto que vende em latões ficar sem fervura e refrigeração até o meio do dia,
quando chega ao posto de recepção para, então, ser processado.

Com toda certeza, as pessoas resistentes às medidas que visam obter matéria
prima de melhor qualidade nunca viram o filtro dos postos de recebimento de
um alimento que será consumido por seus familiares. A boa qualidade do leite
possibilitaria maior rendimento industrial e maior duração dos produtos comer-
cializados, além de sabor mais agradável e característico de produtos lácteos.

Quem já visitou fazendas pequenas no mundo desenvolvido sabe que qua-


lidade de leite nada tem a ver com suntuosidade, grandes investimentos ou
sofisticação. Trata-se, na realidade, da aplicação de conceitos desenvolvidos
no passado para o consumo de lácteos de boa qualidade nos dias atuais.

In51: realidade
por trás da prorrogação
Revista BALDE BRANCO - nº 562 - agosto de 2011

Desde 1o de julho de 2011, o Brasil deveria iniciar a produção de lei-


te de padrão internacional com a entrada em vigor da terceira fase
da Instrução Normativa no 51, determinando que a matéria prima
para processamento nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apre-
sentasse redução significativa nos índices de CBT (Contagem Bacte-
riana Total) e CCS (Contagem de Células Somáticas), considerados
referência em sistemas de produção bem estruturados e compatí-
veis com os encontrados na Europa, América do Norte e Oceania.

O mesmo padrão deveria ser aplicado nas regiões Norte e Nordeste um ano de-
pois, banindo, assim, definitivamente do País, o leite sem qualidade. A medida
também exigia que o produto ficasse armazenado nas fazendas em temperaturas 177

de até 70C, para garantia do padrão microbiológico e, assim, todas as proprieda-


des deveriam refrigerar o leite após a ordenha. A mudança proposta seria a tercei-
ra e final etapa do processo iniciado em 2005, com base nas instruções editadas
em 2002, com o objetivo de promover a melhoria na qualidade do leite no Brasil,
desde a ordenha na fazenda, até a chegada à indústria para o processamento.

No entanto, nove anos após a edição e seis anos depois da implantação da pri-
meira etapa, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento prorrogou
por seis meses a entrada em vigor das novas exigências de qualidade para a pro-
dução de leite, acatando argumentação das entidades de classe e da indústria.
Se aplicada, a medida retiraria do mercado um número muito grande, mas não
especificado, de produtores, por não serem capazes de atender às exigências
estabelecidas. Este fato traria problemas de abastecimento, porque a produção
brasileira de leite não é grande, quando se considera a população.

A disponibilidade teórica de leite por habitante no Brasil é pequena, atin-


gindo valores pouco acima de 150 litros por habitante, que contrastam com
números acima de 500 litros encontrados em algumas regiões desenvolvi-
das. Supondo que, com a introdução da medida houvesse redução signifi-
cativa na captação de leite, a disponibilidade teórica por habitante cairia, e
não haveria condições para atender à demanda interna, mesmo conside-
rando que o consumo de lácteos não é grande.

A saída forçada de produtores da atividade seria também problemática, porque


é fato reconhecido, que a produção de leite tem no meio rural brasileiro um pa-
pel social muito importante, por ser, muitas vezes, a única atividade econômica
e, assim, contribuir decisivamente para a formação da renda familiar de grande
número de produtores. Além desse aspecto, deve-se também considerar que
a atividade leiteira emprega muitas pessoas no campo e a redução no número
de fazendas produtoras poderia provocar desemprego e êxodo rural. Por fim,
a menor captação de leite traria também problemas sérios para as empresas
processadoras com aumento ou aparecimento de ociosidade nos laticínios.
Considerando todos os problemas reais que a implantação da medida po-
deria trazer, a prorrogação do prazo foi correta, mas será o prazo de seis
meses suficiente para mudar uma realidade que não foi alterada em cinco
anos? É difícil acreditar que sim, considerando dados obtidos nos últimos
anos em levantamentos sobre a situação da pecuária leiteira em diferentes
178
Estados da região Sudeste, que mostraram um panorama médio de pro-
dução com características extrativistas. As fazendas produzem pouco leite,
possuem um número pequeno de vacas em lactação por ano e a utilização
do solo é precária, quando se considera a manutenção de menos que 0,5
vaca em lactação por hectare.

Além disso, a maioria das fazendas faz uso de ordenha manual, e a porcen-
tagem das que adotam uma ordenha diária é alta, mesmo nos estratos de
produção mais elevados. Os rebanhos não são adequados para a produção
de leite, como consequência do elevado grau de sangue zebuíno das matri-
zes que são servidas por touros também não qualificados. Em resumo, não
existem dados indicativos de que a produção de leite seja uma atividade
bem estruturada ou organizada em bases empresariais.

Ao que tudo indica, a cadeia do leite se encontra, no momento, em uma en-


cruzilhada. Ninguém discute a necessidade de se encarar com seriedade o
problema da qualidade do leite, mas como propor uma mudança que exige
profissionalismo nas fazendas leiteiras? A expansão da produção de leite,
com a abertura de novas regiões produtoras, tem sido feita em fazendas de
criação de gado de corte, e o conceito extrativista que ainda existe em áreas
consideradas leiteiras se expande, mas o setor não evolui no tempo.

Não seria o caso de atender à demanda do setor produtivo para mudan-


ça lenta, mas com seriedade e firmeza, porque somente com orientação e
determinação será possível iniciar a reestruturação do setor para produzir
leite de padrão internacional. O longo prazo de adaptação concedido pela
IN 51 não surtiu efeito, porque não havia consciência de que a estrutura
produtiva era problemática e precisaria ser revista.

NOTA DE RODAPE: Em dezembro de 2011, o Ministério da Agricultura publicou a IN ( Instru-


ção Normativa) 62 que substituiu a IN51, alterando o cronograma para alcançar os parâme-
tros de qualidade do leite.
4.
Recursos humanos
O problema insolúvel
Revista BALDE BRANCO - nº 368 - junho de 2015

Existem, às vezes, problemas que se arrastam por longos perío-


180 dos de tempo, aparentemente sem solução. Qualquer conversa no
setor leiteiro invariavelmente termina nas dificuldades impostas
pela mão de obra desqualificada, escassa e considerada respon-
sável por muitos dos grandes problemas da atividade. Escritos
antigos, de diferentes épocas, já apontavam a força de trabalho
como um dos entraves para o desenvolvimento de uma pecuária
leiteira desenvolvida e estruturada.

As dificuldades e preocupações permanecem inalteradas até hoje, mas a


barreira parece crescer com a rápida urbanização do País e a permanência
no campo de poucos indivíduos, aparentemente desqualificados para um
trabalho tão sério, difícil e produtivo.

Qualquer análise do desenvolvimento histórico da pecuária leiteira dos pa-


íses considerados desenvolvidos mostra que a mão de obra nunca foi consi-
derada empecilho para o setor. A explicação reside no fato de que a ativida-
de foi estabelecida com base no trabalho familiar, no qual o dono, a esposa
e filhos executam com interesse e determinação um trabalho que deveria
remunerar o capital e deixar sobras. Até hoje, é possível ouvir dos produ-
tores a afirmação de que tiram leite por gosto e, sobretudo, por dinheiro.

Com o estabelecimento de grandes rebanhos, os produtores do mundo de-


senvolvido foram obrigados a contratar funcionários fixos para a execução
de atividades que não eram mais capazes de cumprir. De início, apareceram
problemas como maior mortalidade de bezerros, deficiências na detecção
de cio, etc., mas a seleção e o pagamento de melhores salários ajudaram a
solucionar as dificuldades encontradas da época.

Um produtor americano que visitou o Brasil revelou que teve que execu-
tar em sua fazenda cerca de 6.000 ordenhas e tratos sem uma falta sequer.
Então, numa determinada época, decidiu expandir a escala, ampliando o
rebanho para um nível onde sentiu necessidade de contratar mão de obra
permanente. Seus empregados, todos mexicanos, de nível cultural baixo e
considerados muitas vezes trabalhadores preguiçosos, ruins e desprepara-
dos em seu país de origem, são produtivos e determinados na fazenda ame-
ricana. Na avaliação do fazendeiro, existe necessidade de seleção, acom-
panhamento e orientação, e o fato de sua família continuar trabalhando
ativamente cria uma escola permanente de ações e atitudes corretas para
181
com a atividade leiteira. A postura do empregado em relação ao trabalho
foi atribuída ao ambiente e à remuneração.

Quantos trabalhadores rurais que mudaram para as grandes cidades brasi-


leiras conseguiram sucesso na execução de tarefas desconhecidas e comple-
xas para o seu nível cultural? Certamente muitos, porque o desenvolvimen-
to de vários setores da economia se fez com grande transferência de mão de
obra do campo. Depois que abandonaram o meio rural, os migrantes tive-
ram que passar por períodos de adaptação, onde as atitudes e posturas fo-
ram reformuladas. Treinamento, acompanhamento constante, orientação,
cobrança de resultados e, sobretudo, ajuste ao novo emprego possibilitaram
a antigos retireiros, tratoristas e trabalhadores braçais alcançarem não só
melhores salários, como também maior satisfação. Muitas vezes, o trabalho
realizado com objetivos definidos estimula e promove novos conceitos e
atitudes, e desperta interesse e dedicação.

Esperar que indivíduos despreparados, desmotivados e sem conhecimento


executem tarefas operacionais e administrativas, tomem decisões e pro-
curem eficiência e produtividade no trabalho é utópico e contribui para
perpetuar o problema da mão de obra nas fazendas brasileiras. A inexis-
tência de um padrão de trabalho a ser seguido dificulta o equacionamento
de atitudes racionais, e a monotonia da atividade contínua e sem sentido
impede dedicação, determinação e consciência da necessidade do trabalho
bem feito. Não seria o caso de se repensar seriamente sobre o modelo que
prevalece na maioria das fazendas brasileiras e procurar, através do treina-
mento e motivação, um padrão empresarial para resolver o grave e insolú-
vel problema da mão de obra do setor leiteiro?
Administrador de fazenda de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 466 - agosto de 2003

No meio rural brasileiro, manejar o rebanho tem o significado


182 de executar atividades visando à aplicação de práticas, técnicas
e ações com objetivo de manter a atividade funcionando satisfa-
toriamente. Por esse motivo, se fala em manejo de bezerros, no-
vilhas, vacas, pastos, etc. como se fossem atividades separadas
e estanques, já que cada uma tem suas peculiaridades. As ações
são especificadas e se espera que sejam seguidas em cada um dos
segmentos, pois os conceitos tecnológicos podem ser conhecidos,
uma vez que existem, hoje, conhecimentos para equacionar pro-
postas para cada atividade a ser desenvolvida na fazenda.

Entretanto, é comum encontrar problemas e resultados insatisfatórios como


consequência de enganos conceituais, mesmo em fazendas que possuem pro-
jetos minuciosamente elaborados, porque não cabe ao administrador, dentro
do conceito usado em nosso meio, visualizar no dia-a-dia e no tempo a ope-
ração como um todo, mas, sim, fiscalizar que atividades são executadas. O
manejo do rebanho tem que ser encarado sob outro ponto de vista, ou seja,
como uma atividade integrada de tomada de decisões técnicas e administra-
tivas. Ao administrador, cabe um papel diferenciado na condução da fazenda
leiteira, vista agora como uma atividade empresarial e complexa.

Manejo, de acordo com os dicionários brasileiros, significa administração, ge-


rência ou direção de uma determinada atividade, ao passo que em regiões de
pecuária evoluída, o termo pode ser definido em função de fazendas e caracte-
rizado como operação, manuseio, utilização de meios, direcionamento, avalia-
ção, prudência e tomadas de decisão na condução de atividades com animais.

Para o gerenciamento efetivo de fazendas produtoras de leite, há, então, a


necessidade de se considerar o custo e o risco da tomada de decisão, o grau
de complexidade para a aplicação dos conceitos preconizados, o tempo ne-
cessário para obtenção de resultados favoráveis, a veracidade e a credibili-
dade das recomendações recebidas, a validade da proposta em relação às
condições existentes na fazenda e a compatibilidade da técnica recomenda-
da com as condições existentes no local.
O termo, na realidade, significa uso consciente de princípios técnicos, mão
de obra, recursos naturais e ação administrativa, alocando as ferramentas
disponíveis para atingir metas definidas explorando rebanhos estabelecidos
com a finalidade de obter bons resultados zootécnicos e econômicos. Sob o
ponto de vista empresarial, o que se espera do administrador é a capacidade
183
de identificar e avaliar problemas e de, com critério, estudar e propor alter-
nativas analisando a relação custo benefício da ação a ser implementada,
tomando decisões acertadas para a solução das dificuldades caracterizadas.

Além desses aspectos, caberá a ele as decisões relacionadas com a determi-


nação de objetivos, alocação de recursos, planejamento e implementação de
ações, avaliando metas a serem estabelecidas. Assume também importância
a atitude de procurar a solução das dificuldades ao invés de caracterizar as
razões que não podem ser suprimidas, se tornando assim parte da solução,
em vez de se incorporar ao problema. Determinar prioridades para ações
corretivas, trabalho rotineiro ou incorporação de novas ações pode contri-
buir para que as metas e os resultados sejam mais facilmente atingidos.

A complexidade de uma fazenda leiteira e a interação entre os seus diferentes


segmentos exigem ações integradas, e não faz sentido introduzir uma sim-
ples atividade para melhorar o todo, nem experimentar propostas sem fun-
damento técnico para ver o que acontece. O administrador deve ter vivência
para enxergar o todo, mas também conhecimento teórico ou ser capaz de
entender o significado de tecnologia para manejar o rebanho. É essencial que
seja pessoa qualificada, com escolaridade e apta a desenvolver programas de
manipulação integrada de fatores produtivos dentro da propriedade.

Vários artigos foram publicados no passado caracterizando que a falta de


técnicos e de administradores de fazenda preparados para assumir a dire-
ção dos negócios (quando o dono não trabalha no local) são entraves sérios
para a introdução de tecnologia em regiões em desenvolvimento, porque
poucos resultados podem ser obtidos na implementação de planos bem
elaborados. Proprietários desvinculados do meio, sem conhecimento técni-
co científico, contribuem pouco, como também técnicos de boa formação,
mas incapazes de enxergar o conjunto e as interações podem não oferecer o
que seria necessário para uma fazenda leiteira ser bem administrada.
Por algo melhor que ser produtor?
Revista BALDE BRANCO - nº 510 - abril de 2007

A produção de leite nem sempre foi considerada atrativa por ser


184 típica de regiões pobres, onde existem pequenas fazendas fami-
liares com baixa capacidade de geração de renda, sendo manti-
das para garantir a sobrevivência da família e complementando
ganhos auferidos em trabalhos externos. Por outro lado, está
também associada à riqueza e ao poder, pois propriedades dife-
renciadas pertencentes a indivíduos com negócios nas cidades
formam fazendas com investimentos muito elevados, sendo con-
sideradas como de “alta tecnologia”.

Resultados econômicos desfavoráveis para os dois modelos, conceitos de


preços injustos implantados pelas planilhas de negociação com o governo,
destaque na mídia como atividade com dias contados e convicção de in-
viabilidade criaram, no passado, uma concepção nada favorável ao setor.
Com racionalização das ações em unidades familiares e empreendimentos
grandes e bem estruturados, o discurso e a mídia passaram a apresentar a
produção de leite como viável, seja em pequenas unidades formadas com
simplicidade ou em fazendas grandes e sofisticadas.

Apesar dos conceitos recentes, a certeza de resultados insatisfatórios sedimen-


tados, discutidos e repetidos com intensidade criou uma barreira difícil de ser
ultrapassada, mesmo que evidências contrárias, obtidas em fazendas acompa-
nhadas por longos períodos sejam contraditórias, porque o sentimento de in-
satisfação, acrescido de evidências vividas, acaba falando mais alto.

É interessante ouvir produtores tradicionais contestarem dados reais com a


argumentação de que os resultados apresentados são uma venda de ilusão
para os menos avisados. Apesar da constatação cada vez mais frequente de
que leite produzido com vacas persistentes, bem nutridas, sem estresse e
saudáveis, de acordo com normas universais de produção tecnificada, pode
ser interessante sob o ponto de vista econômico, a atividade parece não ser
muito atrativa, apesar de largamente utilizada em todas as regiões do País.

No diagnóstico da pecuária leiteira de Minas Gerais, publicado em 2006,


chama a atenção o fato de que metade dos produtores entrevistados acredi-
tava que os filhos não continuariam na atividade: 53% dos filhos e 70% das
filhas tinham emprego na cidade, e raramente, as esposas participavam dos
trabalhos. Formação cultural à parte pode-se depreender, depois de verifi-
car que somente 4,4% dos produtores consideravam a atividade lucrativa,
185
que o leite não tem uma imagem muito favorável, porque 19% produziam
por não saber fazer outra coisa; 11% porque consideravam que combina
com outras atividades, e outros 11% pretendiam abandonar a atividade.

Essa visão prevalece no meio rural, mas nunca afetou o crescimento acele-
rado da produção, porque o leite é fonte de renda mensal e adotada espon-
taneamente quando existe possibilidade de captação do produto em regiões
afastadas. Por ser conduzida de maneira extrativa, vem a ideia de que é fácil
de ser executada, não exigindo nenhuma qualificação, a não ser a posse de
vacas que reproduzem. Taxas de crescimento muito altas na região norte
do Brasil revelam que continua a expansão com conceitos extrativistas em
regiões típicas de gado de corte, seja por falta de outra opção ou por proble-
mas de deficiências tecnológicas para implantação de outras atividades. O
leite se estabelece quando surgem nas fronteiras unidades de compra para
o processamento do produto.

A pesquisa mineira revelou que a média de idade dos produtores é de 52 anos,


e estes exerciam a atividade há quase 20 anos. Os dados indicam, como sugere
o estudo, envelhecimento do produtor e pequena substituição por pessoas mais
jovens. Outra interpretação seria que produzir leite não atrai os que procuram
possibilidades de ascensão econômica e social, com trabalho mais remunera-
dor. A condução de fazendas sem aplicação de tecnologia leva à produção de
quantidades pequenas de leite, que não remuneram o trabalho nem o capital,
fato que pode ser agravado pela subdivisão das glebas por herança.

Um cenário desestimulador não motiva o jovem a se aventurar em pro-


dução de leite e, assim, a atividade fica restrita aos mais idosos, aos que
não tem capacidade de mudar e aos acomodados. Índices de produtividade
muito baixos, incapacidade de planejar e aceitar tecnologia para alterar a
situação existente, e resistência a inovações são fatos que tornam a pro-
dução de leite pouco atrativa e contribuem para manter a crônica e baixa
produtividade dos rebanhos.
O panorama reflete deficiências advindas da falta de oportunidade de
mostrar para crianças e jovens, por meio de casos reais, que a atividade
pode ser atrativa para o meio rural, e que os métodos usados pelos ances-
trais, se deram algum resultado no passado, não são viáveis para caracte-
rizar um negócio. Por falta de consciência e interesse, os jovens passam a
186
procurar algo melhor que a produção de leite, que não trouxe satisfação
aos pais ao longo dos anos e não desperta confiança nos que têm ambição
por uma vida melhor.

Qualificação para o trabalho


Revista BALDE BRANCO - nº 513 - julho de 2007

O ambiente exerce efeito pronunciado sobre a produtividade do


rebanho leiteiro, quando se considera sobrevivência, cresci-
mento de animais jovens, reprodução e produção das vacas. Os
efeitos podem ser caracterizados pela maneira como o animal
interage com outros membros do rebanho, com o homem e sua
maneira de trabalhar, e também, com as condições encontradas
nas instalações, ou determinadas pela movimentação, disponibi-
lidade de alimento e água e condições climáticas.

Quando existem fatores desfavoráveis, os animais entram em estresse, o que


influencia o bem estar e o desempenho, interferindo na capacidade de expres-
são de suas qualidades. Modo de manejar, maneira de agir, planejamento de
instalações, localização e uso de pastos, escolha de relevo, técnicas de ordenha,
formação de lotes, controle de parasitos e doenças são fatores importantes con-
trolados pelo homem e responsáveis pelo sucesso nas fazendas leiteiras.

Na análise de fatores ambientais influenciando a produção de leite, raramen-


te se dá ênfase à maneira como as pessoas se comportam em relação aos
animais, apesar de se saber desde tempos imemoriais, que os bons pastores
tinham características distintas no que diz respeito ao modo de agir, atenção,
cuidados, poder de observação aguçado, e, sobretudo, interesse e dedicação.

Estudos realizados na Inglaterra revelaram haver correlação entre a perso-


nalidade de quem cuidava do rebanho e a produção de leite. Observaram
também que pessoas que mostravam autoconfiança e temperamento mais
introvertido conseguiam obter produções mais altas de leite. Foi sugerido
que indivíduos autoconfiantes conseguiam transmitir tranquilidade aos
animais e, assim, interagir com eles pela força da personalidade. Indivíduos
mais qualificados eram quietos, atentos e tinham disposição para tratar as
187
vacas com atenção e gentileza, e conduzir as operações de ordenha de ma-
neira cuidadosa. Bovinos leiteiros especializados são dóceis, aceitam bem
a aproximação com o homem e respondem favoravelmente quando existe
rotina, tranquilidade e gentileza no convívio diário com as pessoas.

Uma pessoa qualificada para o trabalho se movimenta silenciosamente


entre os animais, evita movimentos bruscos ou barulhos altos e mantêm
postura sempre alerta para a identificação de atitudes que fujam de um
padrão normal, indicando problemas de saúde, desconforto ou medo. A
aproximação não promove reações bruscas ou fuga do animal e, na reali-
dade, homens e mulheres que agem de maneira adequada passam a ‘fazer
parte do rebanho’ e são aceitos sem restrições.

Com posturas inadequadas, se percebe reação adversa dos bovinos e desconfor-


to na presença de humanos, fatos que indicam maus tratos, comportamento rís-
pido, gritos e outras atitudes inconvenientes de quem trabalha com o rebanho.

Interesse, poder de observação, cuidados com higiene e também instinto


maternal foram argumentos usados para justificar os resultados mais signi-
ficativos obtidos por mulheres que cuidavam de bezerros recém-nascidos
em estudos realizados em inúmeras fazendas. Os resultados mostram que
índices de mortalidade eram menores quando pessoas do sexo feminino
ficavam encarregadas de alimentar, cuidar e fiscalizar os bezerreiros, reve-
lando assim a importância do trabalho mais cuidadoso e dedicado para o
sucesso do empreendimento. Existe também a percepção de que limpeza
de equipamentos e execução de ordenha pode ser melhorada com a utiliza-
ção de mulheres, mas homens com as atitudes corretas, também trabalham
com sucesso em qualquer atividade.

Com paciência e cuidados, a adaptação das novilhas à rotina da ordenha


pode preparar o animal para uma experiência totalmente desconhecida e
estressante. Várias vezes, antes do parto, deve-se conduzir a novilha para
dentro da sala de ordenha, enquanto o equipamento está ligado, passar a
mão suavemente no úbere, nos tetos, nas pernas e falar gentilmente, mos-
trando que nada acontecerá.

Após o parto, para a primeira ordenha, não amarrar as pernas, pois a ação
causa estresse, devendo-se trabalhar com movimentos suaves e calmos.
188 Normalmente com esses cuidados, o animal poderá aceitar a ordenha sem
o bezerro, não mostrará reações de medo e a descida do leite será normal.
Esta ação, raramente utilizada, poderá revelar que estabelecendo uma inte-
ração amistosa com o animal, se consegue resultados muito favoráveis no
manejo, com reflexos favoráveis na produção.

Nem todas as pessoas possuem personalidade adequada para manejar o


rebanho, e é comum encontrar nas fazendas, práticas oriundas da lida com
gado de corte como movimentação rápida, gritos e contenção violenta, to-
das inapropriadas ao manejo de animais especializados para leite. Por isso,
treinamentos podem e devem ser feitos para difundir conceitos de compor-
tamento animal, sinais visíveis de desconforto por doença ou estresse e rea-
ções que indiquem interação amigável e positiva entre o homem e o animal.

Mão de obra para fazenda de leite


Revista BALDE BRANCO - nº 542 - dezembro de 2009

É bem provável que quase todos os proprietários de fazendas pro-


dutoras de leite considerem mão de obra como um dos principais
entraves para o estabelecimento de uma atividade bem estrutu-
rada, produtiva e econômica. Com o desenvolvimento de unidades
maiores e mais sofisticadas, existe uma preocupação muito grande
com a capacitação de funcionários por meio de treinamento espe-
cífico, bonificação por resultados obtidos e, sobretudo, motiva-
ção e estabelecimento de trabalho em equipe.

Artigos, palestras, livros e cursos são oferecidos aos donos de fazenda para
que possam entender conceitos filosóficos, se adaptar e aplicar métodos
para a obtenção de resultados, de forma que possam estar na propriedade
sem se aborrecer com fatos inesperados e irritantes. Muitas vezes, as decep-
ções estão relacionadas com irresponsabilidade, falta de comprometimento
e desonestidade, razões muito fortes para desencadear desânimo.

Não é incomum produtores abandonarem a atividade argumentando que


sempre ofereceram condições dignas de vida e trabalho e que, talvez, o pro-
blema esteja relacionado ao fato de os indivíduos mais capacitados irem
trabalhar nas cidades e, somente os ineptos, permanecem no campo. A vi- 189

são pouco favorável sobre a atuação do trabalhador rural não deve ser de
todo inapropriada, porque vários técnicos estrangeiros de renome interna-
cional que vieram ao Brasil observaram o mesmo em fazendas de elite visi-
tadas. Confessaram, sem nenhum questionamento a respeito, que notaram
problemas sérios na condução dos trabalhos e que tal fato comprometeria
seriamente e eficiência do processo produtivo.

O problema não é mencionado para as grandes fazendas americanas apesar


de, muitas vezes, empregarem hispânicos, que têm nível cultural não muito
alto, desconhecem conceitos tecnológicos e são rotulados genericamente
como preguiçosos. Na opinião de produtores americanos, os trabalhadores
podem ser considerados bons, mas como é de se esperar, existe sempre
necessidade de dispensar alguns que não se adaptam à rotina estabelecida.
Como justificar as diferenças apontadas se vários trabalhadores são imi-
grantes, de regiões pouco desenvolvidas, e certamente, apresentam conhe-
cimento cultural e atitudes semelhantes às de operários brasileiros?

A diferença fundamental se baseia no fato de que por lá sempre algum


membro da família trabalha junto com o contratado, exercendo a mesma
atividade, orientado, ensinando e, ao mesmo tempo, fiscalizando. Não exis-
te naquelas condições a figura do dono que possui o negócio principal na
cidade e deixa a condução da fazenda nas mãos de empregados.

As preocupações e os problemas apontados anteriormente inexistem tam-


bém nas fazendas brasileiras em que o dono e sua família conduzem a ati-
vidade e são assistidos por técnicos sérios e eficientes em projetos de via-
bilização econômica da atividade. Quando o resultado auferido paga todas
as despesas e a sobra é farta, o indivíduo aceita, procura e faz o impossível
para manter a eficiência elevada, adota propostas tecnológicas e entende o
significado real do trabalho sério e comprometido. Mesmo o produtor cria-
do dentro de sistemas tradicionais de extrativismo, adota novos conceitos
e procura, por iniciativa própria, o aprimoramento. Certamente, enfren-
ta dificuldades por decisões erradas, mas quando orientado, rapidamen-
te muda a postura de trabalho. Existe um caso relevante, de um produtor
analfabeto que procurou mudar por perceber que não poderia conduzir de
maneira acertada uma atividade em crescimento, se estava incapacitado de
controlar efetivamente o processo. Aprendeu a ler e a escrever, continua
190
progredindo e está feliz.

A viabilização econômica do leite em fazendas familiares contribuirá para


mudar conceitos tradicionais sobre a mão de obra do setor leiteiro e, como
ocorreu no mundo civilizado, estará também preparando pessoas quali-
ficadas para trabalho em grandes fazendas, porque labutando duro para
prosperar, melhorar de vida e manter a produtividade elevada por meio de
tecnologia, os indivíduos conseguem absorver o conceito correto do que
é produção de leite. O pequeno produtor familiar, que usou a concepção
tecnológica correta, poderá crescer ou mudar de atividade para se empre-
gar nas grandes fazendas. Ele saberá então trabalhar com seu empregador
ou usar o aprendizado para atuar em uma empresa. Este fato de grande
significado não está sendo valorizado, mas deverá contribuir, e muito, para
o desenvolvimento da pecuária leiteira do País.

Crescimento da
produção: um desafio
Revista BALDE BRANCO - nº 560 - junho de 2011

Aumentar a produção deve ser o foco do produtor. Isso porque, no


mundo todo, de 85 a 95% da renda de uma fazenda leiteira é prove-
niente da venda do leite, e a renda é fundamental para o pagamen-
to dos custos de produção, para a remuneração do capital e para
a garantia de sobras, a fim de que o negócio seja atraente.

O desenvolvimento da pecuária leiteira em regiões evoluídas revelou que,


com o correr dos anos, houve aumento no número de matrizes por proprie-
dade e na produção por vaca do rebanho, trazendo como consequência ele-
vação significativa na produção das fazendas e dos países. Para se ter uma
ideia mais concreta da tendência, basta observar que, entre 1970 e 2006,
nos Estados Unidos, o maior produtor mundial de leite, o número médio
de vacas por propriedade passou de 19 para 120, a produção por vaca do
rebanho por ano aumentou de 4.426 litros para 9.057 litros e a produção di-
ária média por fazenda foi elevada de 230 litros para 2.977 litros, indicando
evolução significativa.
191

Mudanças na estrutura produtiva de fazendas leiteiras são geralmente feitas


de maneira gradativa, porque requerem adequação ao trabalho, que pas-
sa a ser mais intenso e, em alguns casos, complexo. Fazendas pequenas,
com poucas vacas e produção diária baixa, são fáceis de serem conduzidas,
porque os problemas são facilmente detectados e a mão de obra atuante
é geralmente familiar e, portanto, mais comprometida com os resultados.

Com o crescimento, aparece a necessidade de se contar com conceitos mais


sólidos de administração financeira, distribuição de serviços rotineiros,
aproveitamento mais racional do tempo e, acima de tudo, planejamento do
sistema com base em conceitos técnicos bem fundamentados.

A rotina de trabalhos precisa ser adaptada à nova demanda de tempo adi-


cional para cada atividade e, para tanto, se torna importante a disposição
para análise e abertura a mudanças conceituais. Por exemplo, a ordenha
manual com o bezerro ao pé, uma atividade quase generalizada no Brasil,
não interfere muito com a ordenha de 19 vacas, mas promoveria caos quan-
do 120 matrizes fossem ordenhadas mecanicamente.

O resultado da divisão do plantel em vários lotes de animais visando à dis-


tribuição de misturas diferenciadas de concentrado para rebanhos grandes,
certamente, não compensa a demanda extra de trabalho e tempo. O pas-
tejo rotacionado com um só grupo de animais, em vez de subdivisão em
lotes, contribui para economizar tempo, facilitar o trabalho de preparo de
piquetes, uniformizar o estande de plantas após o pastejo, as adubações, a
irrigação, e também, a distribuição de água para os animais, sem alterar
significativamente a produção, se a oferta de alimento for adequada para o
grupo que pasteja.

Com a ampliação da estrutura produtiva surgem tentações de diferentes


naturezas que poderão influenciar o desempenho da atividade. A primei-
ra diz respeito à contratação de mão de obra porque, o trabalho adicional
mais intenso, pode se tornar um fator limitante, mas a medida pode afetar
a economia do processo se o aumento de produção não for suficiente para
cobrir as despesas adicionais.

Nesse caso, devem ser feitas análises a fim de quantificar o volume de leite
192 necessário para pagar o salário e os encargos sociais, e também, visando à
estabelecer critérios de avaliação do impacto do trabalho contratado so-
bre a produção e a produtividade. Estudos norte-americanos da década de
1970, quando mudanças estruturais dos rebanhos começaram a se tornar
evidentes, revelaram que apareceram problemas de mortalidade de bezer-
ros, elevação no índice de mastite e piora na reprodução, indicando que o
preparo e o comprometimento dos funcionários são fatores muito impor-
tantes para a manutenção de condições favoráveis ao sucesso.

A ampliação do rebanho exigirá investimentos adicionais em animais e


mecanização, e a elevação da produtividade e da renda poderão contribuir
para outras tentações que levarão a decisões equivocadas, se não for realiza-
do um estudo mais detalhado do investimento. Por exemplo, a aquisição de
novilhas para aumentar o rebanho promove elevação nos custos operacio-
nais sem alterar a renda e, assim, o fluxo de caixa pode ficar comprometido.

A compra de máquinas e implementos, além da necessidade, sem análi-


se do custo-benefício, por conta do poder de persuasão dos vendedores,
pode não ser um bom negócio. Técnicos do exterior que visitam o País se
mostram surpresos com a inadequação das máquinas e dos equipamentos
ao tamanho da operação instalada nas fazendas brasileiras, revelando um
problema conceitual grave, que pode afetar a economia.

Nem sempre o crescimento resulta em sucesso. Não é válida a ideia de que a


escala de produção, que em nosso meio significa de produção elevada, seja
garantia de resultados satisfatórios, visto que inúmeras fazendas considera-
das grandes liquidaram os seus planteis. Sem tecnologia, racionalização e
planejamento, o crescimento pode se transformar num problema.
Entraves na produção de leite
Revista BALDE BRANCO - nº 577 - novembro de 2012

Quando se discute problemas relacionados com a pecuária lei-


teira, com certeza, ganham destaque o preço pago ao produtor, 193

a falta de política definida para o setor e a capacitação da mão


de obra, pois, historicamente, esses fatores têm sido apontados
como pontos de estrangulamento no desenvolvimento do setor.

O preço, independentemente do valor atribuído, com frequência é conside-


rado como o mais significativo, visto que interfere decisivamente na econo-
mia, apesar de existirem estudos mostrando que isoladamente não justifica
sucesso ou fracasso na tarefa de produzir leite porque, apesar de importan-
te, é apenas uma das variáveis componentes da equação de resultado.

A mística do preço surgiu na época do tabelamento e negociação, pois as


estimativas não realistas sempre apontavam prejuízo na atividade, criando
a expectativa da necessidade de um valor sempre maior e considerado jus-
to. Com frequência, a tradição de atribuir ao governo a tarefa de colaborar
por meio de políticas de apoio, como crédito subsidiado, restrições à con-
corrência externa e estabelecimento de preço mínimo, promove frustração,
porque as reivindicações não são atendidas no momento da queixa, apesar
de terem sido implementadas no passado, sem resultados palpáveis.

A política de tabelamento era, na realidade, de estabelecimento de preço


mínimo, porque não era permitido pagar menos que o valor determinado,
e os programas de crédito subsidiado foram instituídos no passado, por
meio de empréstimos de longo prazo com juros muito abaixo dos pratica-
dos pelo mercado. Políticas de restrição à importação de produtos lácteos
acontecem de tempos em tempos, quando os preços externos são competi-
tivos e se repetem ao longo do tempo.

A mão de obra contratada, que pode realmente ser considerada restritiva,


não recebe destaque nas regiões de pecuária de leite evoluída, porque o
trabalho é executado pelo dono e seus familiares, sendo a atividade profis-
sionalizada de maneira a que a fazenda é a fonte de renda da família. O que
se comenta com frequência é a capacitação para conduzir a atividade sob o
ponto de vista do manejo do rebanho, planejamento e gerenciamento.

Nas grandes fazendas que contratam funcionários para viabilizar a opera-


ção, os proprietários continuam trabalhando e, assim, exercem um controle
efetivo e avaliam com propriedade, o que está acontecendo, pois sabem
194 como e porque a atividade deve ser executada.

Um produtor americano, que visitou o nosso País, relatou que em sua fazenda de
600 vacas leiteiras não tinha problemas com funcionários contratados, porque
nunca a ordenha ou a rotina de alimentação eram executadas sem a presença
de um dos membros da família, que também participavam das atividades. Além
disso, a responsabilidade pelo controle da reprodução e por outros fatores es-
senciais para a atividade era sempre compartilhada com os membros da família.

No Brasil, como em outros países de pecuária leiteira pouco desenvolvida,


o modelo predominante depende de trabalho contratado para todas as ati-
vidades, e o dono, mesmo morando na fazenda, somente supervisiona os
acontecimentos. O problema é real porque, geralmente, o nível de escola-
ridade do funcionário é muito baixo, falta capacitação para a execução de
atividades importantes como ordenha, detecção de cio, preparo e distribui-
ção de alimentos, e também para a caracterização e solução de problemas,
apesar da vivência em fazendas.

Atualmente, a escassez de mão de obra, por conta do intenso êxodo ru-


ral, acrescenta mais uma dificuldade para as fazendas leiteiras e, assim,
a seleção passa a ser menos rigorosa e os problemas se intensificam.
Erros conceituais na execução de trabalhos importantes são detectados
com frequência, indicando que a delegação de autonomia para funcio-
nários sem conhecimento técnico do que executam, pode levar à difi-
culdades, às vezes, intransponíveis.

O pagamento da mão de obra é o grande desafio do produtor porque re-


presenta uma parcela considerável do custo operacional (12 a 20%). Ar-
gumenta-se, que os salários no meio rural são elevados e que a atividade,
considerada como problemática, tem de carregar um ônus muito grande.
Nesta percepção, não se considera a capacidade de geração de renda pelo
trabalhador, visto que a produção de leite por unidade de mão de obra em-
pregada é muito baixa no Brasil.
Este é um fator restritivo e determinado, entre outras coisas, por defici-
ências no manejo, estruturação inadequada do rebanho e uso de matrizes
desqualificadas. Quando a produção por funcionário é, por exemplo, de
5.000 litros por dia, como acontece em fazendas especializadas do exterior,
os funcionários podem receber salários acima de US$ 2,000.00* por mês, o
195
que representa somente de 8 a 10% do custo operacional. Uma mudança de
conceito sobre produção de leite, considerando a produção por funcioná-
rio, poderá contribuir para minimizar o problema do custo da mão de obra,
mas para tanto, há necessidade de intensificação da fazenda.

NOTA DE RODAPÉ: *Dólar em 01.11.2012 cotado a R$ 2,0306.

Produtividade da mão de obra


Revista BALDE BRANCO - nº 590 - dezembro de 2013

Produtividade é a relação entre a produção e o fator de produ-


ção. Para o caso da mão de obra utilizada na atividade leiteira é
definida como a relação entre quantidade de leite produzido e o
número de pessoas envolvidas na condução do sistema de produ-
ção, caracterizando o índice ‘litros por dia por homem’.

A produtividade é geralmente usada para avaliar o nível de eficácia e efici-


ência das pessoas encarregadas da execução dos trabalhos, ou seja, a capa-
cidade de alcançar os resultados pretendidos com os recursos disponíveis e
da melhor maneira possível.

Assim, seria esperado que quanto maior a produção de leite por dia por
homem, mais efetiva, consciente, comprometida e acertada seria a atuação
dos trabalhadores, provavelmente capacitados para o trabalho por meio de
treinamento específico, bonificação por resultados obtidos e, sobretudo,
motivação e trabalho em equipe.

Entretanto, a produção de leite que faz parte do cálculo do índice não está
na dependência única da qualidade do trabalho das pessoas encarregadas
de executar o manejo do rebanho, pois é fortemente influenciada pela qua-
lidade das matrizes, estrutura do rebanho e pelo uso intensificado do solo
para garantir produção de alimento e manutenção de grande contingente
de animais produtivos na propriedade.

Também interfere a complexidade do trabalho rotineiro exigindo tempo e


esforço em graus diferenciados, nível de mecanização e, no caso brasileiro,
196 até a legislação trabalhista, que é inadequada para o meio rural, requerendo
um contingente maior de pessoas para a execução do trabalho, consideran-
do que a atividade se desenvolve durante os 365 dias do ano, muitas vezes,
em horários não convencionais.

Na realidade, o índice ‘litros por dia por homem’ é um reflexo de como é


estruturado e conduzido o sistema de produção. No Brasil, as estimativas
mostram valores normalmente menores que 200 litros por homem por dia,
indicando que com pequena porcentagem de vacas no rebanho e em lacta-
ção, matrizes sem persistência de produção e lotação baixa, as fazendas têm
potencial produtivo reduzido.

O fato é agravado pela diversidade de atividades manuais a serem executa-


das na rotina diária, pelo uso de instalações pouco funcionais e, em alguns
casos, pelo desenvolvimento de trabalhos desnecessários. Por exemplo, a
opção pelo uso da cana-de-açúcar com corte manual exige, além da colhei-
ta, despalha, carregamento, transporte, descarregamento, moagem e distri-
buição manual no cocho, um trabalho muito intenso quando o número de
animais a serem alimentados é ampliado.

Os estábulos convencionais típicos da época áurea do leite tipo B são pouco fun-
cionais, pois exigem contenção de cada animal num mesmo ponto duas vezes
por dia, distribuição manual de alimentos e, com frequência, ordenha com bal-
de ao pé. Trabalhos desnecessários e prejudiciais, que tomam tempo e exigem
mão de obra, são comuns nas fazendas leiteiras, como lavagem de úberes e está-
bulos, colocação de água no cocho de ração, moagem de feno, aleitamento arti-
ficial prolongado, colocação de peia em vacas na sala de ordenha, entre outros.

Racionalização do manejo e do trabalho, mecanização, estruturação do re-


banho, intensificação da produção e uso de instalações funcionais criam
condições para se obter valores elevados na quantidade de leite por homem
por dia nas fazendas, fato que contribui para reduzir o peso da mão de obra
sobre os custos de produção.
Em algumas fazendas de regiões de pecuária evoluída é possível encontrar
propriedades apresentando até 5.000 litros por homem por dia, indicando
uma ação efetiva da mão de obra em sistemas de produção muito bem es-
truturados e conduzidos.

Três fazendas de produção de leite de um mesmo dono, estabelecidas em 197

sistemas de pasto irrigado com pivô central, no sul dos Estados Unidos,
ordenham, em cada uma delas, 600 vacas com uma força de trabalho com-
posta por quatro pessoas por fazenda, que se encarregam de todas as ati-
vidades, como ordenha, aleitamento de bezerros, inseminação artificial,
diagnóstico de prenhez, adubação dos pastos, tratamento de doenças e feri-
mentos, etc. Como a média das vacas em lactação é de 20 litros, a produção
de leite por homem por dia é de 3.000 litros.

Para alcançar os resultados mencionados, o produtor adaptou para sua fa-


zenda a proposta de produção da Nova Zelândia, que se caracteriza por
investimentos mínimos em construções e instalações; adota parição esta-
cional, utiliza salas de ordenha que permitem ordenhar 600 vacas com dois
homens em duas horas e meia, fornece leite para bezerros em aleitadores
mecânicos, utiliza trabalho terceirizado, se for necessário, e tem como ob-
jetivo a produção de leite de alta qualidade.

São fazendas leiteiras que buscam soluções simples e econômicas para esta-
belecer um sistema de produção em que a estrutura permite racionalização
do trabalho e economia de tempo e esforço, que, associados a um planeja-
mento efetivo das atividades, maximizam o desempenho da mão de obra.

A população urbana vem sendo, há muito tempo, alimentada por uma pe-
quena parcela da população que é capaz de produzir para o seu sustento e
para milhões de indivíduos que ganham a vida fora do campo, sem ter que
enfrentar o trabalho exaustivo vivido pelo agricultor, na difícil tarefa de pro-
duzir alimento cada vez melhor e mais barato. Membros bem alimentados da
sociedade não são capazes de imaginar o que significa escassez de alimento,
impossibilidade de escolha, ou mesmo, preços proibitivos por procura maior
que oferta e, mesmo assim, se acham no direito de ditar regras para uma mi-
noria de agricultores, que vai ficando cada dia mais insignificante, pelo uso
eficiente de tecnologia gerada pelo conhecimento científico.
Movimentos organizados para modificação de métodos e ações praticadas
pelos agricultores têm sido também dirigidos para a criação de animais do-
mésticos, visando impor condições consideradas naturais para os sistemas
de produção de todas as espécies domésticas. Os argumentos utilizados en-
contram eco emotivo na sociedade urbana, que gostaria de ver os animais
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vivendo como se estivessem em seu ambiente natural. Acreditam que só as-
sim, se sentiriam felizes e que o fazendeiro utiliza ambientes artificiais, que
não atendem às necessidades de uma vida saudável e prazerosa. Essas ideias
encontraram grande repercussão nos países desenvolvidos, com abundância
de alimentos, riqueza e, como no caso da Europa, onde existem restrições
para aumento da produção agropecuária. Entretanto, a ideia tem se espalha-
do pelo mundo, fato que pode provocar problemas em regiões onde ainda
existe deficiência de alimentos. O movimento está chegando ao Brasil.

Algumas propostas para garantir o bem estar dos bovinos são esdrúxulas,
porque procuram transferir para os animais o conceito humano de felicida-
de. Fala-se, por exemplo, que um dos aspectos mais cruéis observados nas
fazendas leiteiras é a separação do bezerro logo após o nascimento, contra-
riando o forte instinto maternal e privando a cria do contato com a mãe.
Surgem sugestões no sentido de que, se o fato acontecer, o homem deverá
procurar substituir o afeto materno, estabelecendo um contato mais íntimo
com o bezerro. Um fazendeiro americano que ouviu essa proposta em uma
reunião europeia achou graça e perguntou como acariciar e conviver mais
intimamente com o bezerro, quando se tem um rebanho de 9.000 vacas? O
aleitamento artificial tem sido aplicado há mais de 50 anos, visando grande
economia e facilidade operacional, sem prejuízo para o desenvolvimento
do bezerro ou da produção de leite.

Existe preocupação com vacas em confinamento, com base no argumento


de que o ambiente não é natural, de que o espaço é exíguo e os animais
sofrem e não são felizes. Comenta-se que bovinos podem viver 20 anos e
que, em sistemas confinados, permanecem produzindo por somente cinco
anos, fato que mostra que algo está errado. Para uma produção econômica,
é necessário descartar animais improdutivos e, assim, a média de idade de
participação no processo produtivo é menor.

O uso de pastagens rotacionadas também tem sido motivo de críticas, porque,


em rebanhos grandes, as vacas que ocupam uma posição inferior na escala so-
cial não teriam espaço para se alimentar ou descansar, e as de hierarquia mais
alta lutariam o tempo todo para manter a sua posição. O aumento de rebanho
é muito importante para economia da produção, e o sistema de pastagens rota-
cionadas é empregado com sucesso, desde a Primeira Guerra Mundial.
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Bovinos leiteiros necessitam de conforto, pois o animal não pode viver com
sede, fome, calor ou frio excessivos, dores, ferimentos, doenças e parasitos,
medo, angústia, e em ambientes úmidos. Existem métodos de avaliação de
estresse por alterações hormonais, mudança no comportamento, produção,
crescimento, susceptibilidade a doenças e, sobretudo, reprodução. Uma
vaca feliz consegue produzir bem, garantindo o sustento do fazendeiro e
alimentando populações urbanas que adquirem lácteos de boa qualidade,
embalados e a preços satisfatórios.

Quando a galinha era criada livre na natureza e o frango caipira era comida
de domingo ou de pessoas doentes, a época era de escassez, como lembram,
sem saudades, pessoas que viveram em tal época.
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