LUZ, Jurema Dos Santos

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O PRECONCEITO LINGUÍSTICO NO SOTAQUE E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA

VIDA DO INDIVÍDUO

LUZ, Jurema dos Santos

Curso de Bacharelado em Letras

Centro Universitário Internacional Uninter

ALMEIDA, Daiane Vithoft de1

Professora Orientadora

RESUMO

O sotaque de um indivíduo pode ser, em algumas ocasiões, considerado como um


cartão de apresentação a um novo interlocutor. No momento em que abrimos a boca
e iniciamos a falar já demonstramos várias coisas a nosso respeito: nossa cultura,
nossa educação, nossa origem geográfica e até, porque não dizer, nossas intenções.
Este trabalho está voltado para o preconceito que sofremos quando o nosso
interlocutor não pertence a nossa mesma classe social e geográfica e somos julgados
pela nossa pronúncia; o dano causado quando somos discriminados por nosso
sotaque, mas também o orgulho que temos de falar como falamos. A pesquisa está
calcada na opinião de doutores, mestres e na vivência de quem passou por situações
constrangedoras ou que foi preterido por seu sotaque. O preconceito pode ser de
várias formas, tanto social, como cultural, como racial, e, enfatizado neste trabalho, o
preconceito de sotaque. O sotaque, além de ser regional, também pode ser local e,
dentro de uma mesma localidade, pode acontecer de se ouvir palavras às quais não
estamos acostumados a ouvir.

Palavras-chave: Sotaque. Discriminação. Prejuízos. Traumas.

1 INTRODUÇÃO

Embora sejamos habitantes de um mesmo país, região ou até mesmo cidade,


muitas vezes a pronúncia – o que conhecemos como sotaque - de determinadas
palavras provoca no ouvinte discriminação, isto é, o falante acaba sendo rotulado pelo

1
Professora Daiane Vithoft de Almeida, Graduada em Letras no ano de 2005 na Instituição Santa Cruz,
pós- graduada em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Pós- graduada em Deficiências
Múltiplas. Professora Orientadora na Faculdade Uninter.
ouvinte como “diferente” por sua forma de falar. A forma de tratamento dada às
pessoas que falam diferente do que estamos acostumados a ouvir, pode traumatizar
de maneira indelével uma pessoa. Em um primeiro momento, as palavras proferidas
podem causam estranheza, levando muitas pessoas a rirem de seu interlocutor
apenas por ter pronunciado de maneira não habitual ao que o outro indivíduo está
acostumado a ouvir. E é essa discriminação social que sofre o falante ao se comunicar
com pessoas de fora do seu círculo geográfico, e porque não dizer familiar, que será
o tema deste trabalho. No entanto, é necessário tomar-se cuidado no momento de se
posicionar quanto ao preconceito para não ser tendencioso, para não correr o risco
de ser preconceituoso dentro do preconceito.
Como sabemos, para podermos nos posicionar – e por que não, criticar –
alguém ou um trabalho devemos ter um bom conhecimento para que tal crítica seja
construtiva. Daí a necessidade da leitura de vários livros e pensamentos de brasileiros
ilustres na área das Letras.
O posicionamento dos autores aqui citados dará um norte ao título deste
trabalho, que é o dano causado a um indivíduo por sua forma de falar. Algo que está,
intrinsicamente, ligado ao conhecimento da Língua Portuguesa e de sua, também,
transformação ao longo das gerações, fazendo com que o falante fique rotulado ou
como um iletrado ou como um pernóstico.
A metodologia empregada foi o sistema de pesquisa bibliográfica com
estudiosos do assunto enriquecendo de maneira significativa este trabalho.
Quais as consequências dessa discriminação? Até que ponto pode afetar
mental e psicologicamente o falante? O constrangimento causado pela forma de
falar/sotaque pode causar danos permanentes no indivíduo?
Até que ponto a utilização da Linguística e da Sociolinguística amenizaria esses
danos?

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na Moderna Gramática Portuguesa encontramos a seguinte definição de


Linguagem: “Entende-se por linguagem qualquer sistema de signos simbólicos

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empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e
sentimentos...”. (BECHARA, Evanildo; 2015; p. 30). Que continua:

Há de se distinguir o exemplar do correto, que é um juízo de valor ... (...) por


ele se deseja saber se tal fato está em conformidade com um modo de falar,
isto é, com a língua funcional, com a tradição idiomática de uma
comunidade ... (...) Frequentemente se ouve um falante nativo dizer que “isso
não é português”, ou “isso não se diz assim em português” ou “seria melhor
dizer assim em português”, o que demonstra que os aspectos de juízo de
valor devem merecer especial atenção do falante nativo, bem como do
linguista e do gramático normativo. Infelizmente, em vista de confusões que
Coseriu procurou ao deslindar o assunto tem sido mal posto em discussão e,
por isso, mal resolvido, de modo que as incoerências e os desencontros são
responsáveis pela ideia muito difundida, mas errada, de que o tema não é
científico, e fica sujeito ao capricho de pessoas despreparadas e
intransigentes.”

Bechara (2015, p. 30) também explica a importância da intercomunicação


social “porque a linguagem é sempre um estar no mundo com os outros, não como
um indivíduo em particular, mas como parte do todo social, de uma comunidade”. Para
ele a língua não é imposta,“...Trata-se de uma obrigação aceita livremente, e não de
uma imposição”. Ainda no entender do gramático, a semanticidade é a “differentia
specifica” da linguagem. E não a pronúncia.

2.1 LINGUÍSTICA

O que é e para que serve:

“Linguística é a ciência que estuda a linguagem verbal humana com


base em observações e teorias que possibilitam a compreensão da evolução
das línguas e desdobramentos dos diferentes idiomas. Ela é responsável
também pelo estudo da estrutura das palavras, expressões e aspectos
fonéticos de cada idioma”, conceitua Fabiana Dias, que continua: Trata-se de
uma ciência que se relaciona com outras áreas do conhecimento como
sociologia, psicologia, etnografia e neurologia. Desse modo, a linguística
expande os seus estudos, abordando conhecimentos da etnolinguística,
sociolinguística, psicolinguística e neurolinguística. Entre os campos que se
apoia estão a psicolinguística, que aborda as relações entre linguagem e
pensamentos humanos; e a sociolinguística, que compreende relações
existentes entre fatos linguísticos e fatos sociais”. (DIAS, Fabiana - Site
Educa+Brasil)

A primeira pessoa a cunhar o termo Linguística foi Ferdinand de Saussure.


Suíço, Ferdinand de Saussure, grande estudioso de línguas europeias, alternou seus
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estudos linguísticos entre Leipzig, Berlim, Paris e Genebra, tornando a Linguística
uma ciência. O reconhecimento de Saussure como o fundador da Linguística como
ciência só veio após sua morte. Aliás, Saussure publicou apenas um livro em vida,
quando ainda estudante. Porém, dois alunos: Charles Bally (franco-suíço) e Albert
Sechehayeque compilaram seus trabalhos e editaram junto com os de muitos outros
alunos todo o material de cursos e aulas dadas por Saussure e lançaram, três anos
após sua morte, um livro chamado Curso de Linguística Geral, que serviu de base
para o desenvolvimento da linguística atual.
Conforme Dilva Frazão escreve na ebiografia do linguista Ferdinand de
Saussure, a Linguística “é um sistema abstrato de relações diferenciais”. Em seus
estudos, ele estabeleceu uma série de definições e distinções sobre a natureza da
linguagem, voltando-se para o signo, fazendo uma distinção entre Langue e Parole,
isto é, Língua (psíquica) e Palavra ou Fala (psicofísica), argumentando que a Língua
é um produto social na mente do falante e a Parole = Palavra ou Fala é um ato
individual que sofre influência de fatores externos. Surgindo daí o Estruturalismo que
teve (e tem) como proposta o estudo de que a Linguagem tem um lado individual e
outro social.

É relevante destacar que na abordagem estruturalista, a língua passa


a ser o objeto da Linguística em decorrência de esta fazer parte da
coletividade e possuir um sistema homogêneo; ao passo que a fala não é
considerada passível de análise por tratar-se apenas de manifestações
momentâneas e individuais e por estar sujeita à influência de fatores externos,
os quais, na maioria das vezes, não são linguísticos. (ROSA, Eliana da.
Sociolinguística Histórica-Revista de Letras; 2015; v.17).

Para facilitar o estudo da Linguística, ela foi dividida em quatro grupos – as


variações linguísticas, que são: as sociais ou diastráticas; as regionais ou diatópicas;
as históricas ou diacrônicas e as estilísticas ou diafásicas.
A partir do momento em que houve essa dissecação da língua pela Linguística,
foi possível o surgimento da Sociolinguística, que nos traz de volta ao título deste
trabalho. Pois, com a ajuda destas duas ciências vamos trabalhar os diferentes
sotaques, as diferentes pronúncias e a razão destas diferenças.
Ainda segundo Eliana da Rosa...”Mais tarde, com a implementação do
Gerativismo e da Sociolinguística, o interesse pela investigação da língua falada se

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intensificou ainda mais”. Ela ainda continua, em seu trabalho denominado
Sociolinguística Histórica:
O Gerativismo surgiu com a publicação da obra Syntactic Structures
(1957) de Noam Chomsky, como oposição ao Estruturalismo vigente até
então. Este linguista propôs que a linguagem deveria ser considerada como
um sistema de conhecimentos inatos, geneticamente determinado,
inconsciente e modular, ou seja, a língua era formada por um sistema de
regras. Segundo as premissas desta teoria, o falante possuiria dois tipos de
gramáticas: a universal (GU) e a particular (GP). A Gramática Universal tratar-
se-ia do estado inicial da linguagem, ou seja, quando a criança começaria a
adquirir a língua, a qual está exposta. A evolução da GU resultaria na
Gramática Particular (GP), que corresponderia às características próprias de
cada língua. Desse modo, os elementos da língua fariam parte da GU, ao
passo que a forma e a ordem como esses elementos são organizados, no
sistema dessa língua, fariam parte da GP.

Na opinião de Noam Chomsky (2015), opositor de Ferdinand de Saussure, “a


capacidade de desenvolver a linguagem é uma habilidade inata do ser humano”.

2.2 SOCIOLINGUÍSTICA

O que é? É a ciência que estuda a relação da língua com a sociedade, suas


nuances, diferenças culturais e até diferenças geográficas. A sociolinguística estuda
o padrão de comportamento da língua dentro de uma determinada sociedade, como
vocabulário, pronúncia, morfologia e sintaxe, inserindo o falante em seu meio social
abrangente, cultural e financeiro, bem como a herança da fala (pronúncia) legada pelo
ambiente familiar.

3 O DIÁLOGO

Para Mikhail Mikhailovich Bakhtin, filósofo e pensador russo,“a alteridade define


o ser humano, pois o outro é indispensável para sua concepção. E é nesse momento
do diálogo que pode acontecer a discriminação, uma vez que como diz Bakhtin “é
impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro” (BAKHTIN apud
BRAIT, 1997, p. 35-36).
Ricardo Santos Davi em seu trabalho de filologia (vide Referências) Ideologia
e Dialogismo diz o seguinte sobre o Círculo de Bakhtin:

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Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin,
como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante
processo de interação mediado pelo diálogo - e não apenas como um sistema
autônomo. "A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não
conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças
aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação
efetiva com as pessoas que nos rodeiam", escreveu o filósofo. Segundo essa
concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou
escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações
(prosaicas ou formais) de comunicação.

3.1 SOTAQUE

“Chamamos de sotaque o tom, inflexão ou pronúncia particular de cada


indivíduo ou de cada região. Cada estado brasileiro apresenta peculiaridades na
sua fala, pois apesar de compartilharmos o mesmo idioma, seria quase impossível
que um país tão grande apresentasse uniformidade na fala”, assim escreveu Luana
Castro Alves Perez, em seu trabalho intitulado Sotaques brasileiros. (PEREZ, Luana
Castro Alves)
O sotaque dos estados do Sul, por terem sido colonizados por povos
europeus como os italianos e os alemães, também sofreu a influência dos vizinhos
países hispanos como o Uruguai, Argentina e Paraguay. Os estados do Norte,
povoados por indígenas, e os do litoral como Bahia, Maranhão e Sergipe e outros
tiveram forte influência dos holandeses, franceses e, é claro, portugueses, no Rio
de Janeiro. Assim, um brasileiro do sul do país ao falar com outro do centro e/ou
outro do norte e/ou do nordeste – no final, parecerá que os quatros são brasileiros
de diferentes países, o que seria uma incoerência, pois todos nasceram neste
imenso país chamado Brasil.

3.1.1 A confiabilidade do sotaque

Uma matéria apresentada no site da BBC News, assinado por Melissa


Hogenboom diz que: “Os humanos podem julgar muito rapidamente alguém com base
em sotaques e muitas vezes nem o percebem”. Melissa baseou seu texto em
informações obtidas junto à uma equipe de estudiosos, liderados por Katherine Kinzler,

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da Universidade de Cornell, nos EUA, que fez todo um trabalho junto a bebês, tanto
ainda em processo de gestação, quanto a recém-nascidos e concluí que:
... os bebês preferem a linguagem que mais ouvem quando ainda
estão no ventre da mãe. Em um estudo, os pesquisadores repetiram uma
palavra inventada várias vezes enquanto as mulheres ainda estavam
grávidas. Quando os bebês nasceram, exames cerebrais apontaram que
apenas os bebês que ouviram a palavra repetidamente responderam a ela.
Quando os bebês já têm vários meses de idade, eles podem
diferenciar idiomas e dialetos. Desde cedo, os bebês passam a ter afinidade
por outros que falam sua língua nativa. Em outro estudo, ela descobriu que
as crianças confiam mais em pessoas que falam a língua nativa do que os
que falam com sotaque estrangeiro. (HOGENBOOM, Melissa. BBC NEWS.
16/04/2018)

E Melissa continua:
No Brasil, os sotaques das regiões do Nordeste são os que
geralmente sofrem preconceito, o que ficou evidente quando a cearense
Melissa Gurgel foi coroada Miss Brasil 2014 e foi vítima de uma série de
ofensas na internet. Um dos comentários dizia "Miss Ceará: bonita até abrir
a boca e vir aquele sotaquezinho sofrível".

3.2 DIALETO E IDIOLETO

Estas duas palavras muito parecidas, cujas definições podem causar alguma
confusão, estão, de certa maneira, interligadas com a discriminação e o preconceito
linguístico.
3.2.1 Dialeto

A definição desta palavra no Google é a seguinte: “substantivo masculino –


conjunto de marcas linguísticas de natureza semântico-lexical, morfossintática e
fonético-morfológica, restrita a uma comunidade inserida numa comunidade maior de
usuários da mesma língua”.
Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa diz:
... há uma diversidade na unidade, e uma unidade na diversidade. Os
falantes dessas diversidades, por motivações de ordem política e cultural,
tendem a procurar, graças a um largo período histórico, um veículo comum
de comunicação que manifeste a unidade que envolve e sedimenta as várias
comunidades em questão ... um dialeto (...) como veículo de expressão e
comunicação, que paire sobre as variedades regionais ...

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A definição desta palavra no Google é a seguinte: substantivo masculino –
conjunto de marcas linguísticas de natureza semântico-lexical, morfossintática e
fonético-morfológica, restrita a uma comunidade inserida numa comunidade maior de
usuários da mesma língua.
Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa diz:

... há uma diversidade na unidade, e uma unidade na diversidade. Os


falantes dessas diversidades, por motivações de ordem política e cultural,
tendem a procurar, graças a um largo período histórico, um veículo comum
de comuniação que manifeste a unidade que envolve e sedimenta as várias
comunidades em questão ... um dialeto (...) como veículo de expressão e
comunicação, que paire sobre as variedades regionais ...

3.2.2 Idioleto

O idioleto é um vocabulário praticado de maneira individual ou familiar com


padrões de fala de uma pessoa específica. Conforme definição encontrada na
Wikipédia: “Cada indivíduo tem um idioleto; o arranjo de palavras e frases é único, não
significando que o indivíduo utiliza palavras específicas que ninguém mais usa. Um
idioleto pode evoluir facilmente para um ecoleto, uma variação de dialeto específica a
uma família de indivíduos”.

3.3 A DIFICULDADE DO DIÁLOGO E DA INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

Na visão de Marcos Bagno há uma crise no ensino brasileiro. Em seu livro


Preconceito Linguístico – o que é, como se faz(1999), o autor não só explica o porquê
da crise no ensino, como o resultado dessa crise. Embora o livro tenha sido escrito há
mais de 20 anos, até hoje, pouco ou quase nada foi feito para mudar esse quadro,
trazendo em seu bojo a dificuldade de expressão, tanto oral, quanto escrita, e os
famosos analfabetos funcionais, que são aqueles que não conseguem interpretar
coisas simples, como a leitura de um documento ou até mesmo uma receita de bolo.
Ele diz:
Uma coisa não podemos deixar de reconhecer: existe atualmente
uma crise no ensino da língua portuguesa. Muitos professores, alertados em
debates e conferências ou pela leitura de bons textos científicos, já não
recorrem tão exclusivamente à gramática normativa como única fonte de
explicação para os fenômenos lingüísticos. Por outro lado, sentem falta de
outros instrumentos didáticos que possam, senão substituir, ao menos
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complementar criticamente os compêndios gramaticais tradicionais. Muita
gente acredita e defende que é a norma culta que deve constituir o objeto de
ensino/aprendizagem em sala de aula. Mas o que é e onde está essa norma
culta? (BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico, pag. 85. Edições Loyola,
1999 – 49ª ed.).

3.4 POR QUE (NÃO) ENSINAR GRAMÁTICA NA ESCOLA

O autor deste título é Sírio Possenti. Ele justifica sua tese da seguinte forma:

Talvez deva repetir que adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase
evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez
mais exatameme, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer
outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese de que não se
deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem
e usam dialetos não padrões baseia-se em parte no preconceito, segundo o
qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso, tanto do ponto de vista da
capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto
padrão. As razões pelas quais não se aprende, ou se aprende, mas não se
usa um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm a ver em grande parte com
os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares
discutíveis. (POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola.
Pág. 16. Ed.Mercado de Letras – 1966).

Possenti admite de forma clara que há a necessidade, sim, de ensinar nas


escolas a língua padrão, ao mesmo tempo em que reconhece que há um preconceito
ao se impor normas de um grupo mais elitizado a alunos de menor conhecimento
cultural, porém que ao aprenderem essa nova (para eles) norma de falar e escrever
estarão apoderando-se de uma nova oportunidade cultural.

Dado que a chamada língua padrão é de fato o dialeto dos grupos


sociais mais favorecidos, tornar seu ensino obrigatório para os grupos sociais
menos favorecidos, como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência
cultural. Isso porque, juntamente com as formas linguísticas (com a sintaxe,
a morfologia, a pronúncia, a escrita), também seriam impostos os valores
culturais ligados às formas ditas cultas de falar e escrever, o que implicaria
em destruir ou diminuir valores populares. O equívoco, aqui, parece-me, é o
de não perceber que os menos favorecidos socialmente só têm a ganhar com
o domínio de outra forma de falar e escrever. Desde que se aceite que a
mesma língua possa servir a mais de uma ideologia, a mais de uma função,
o que parece hoje evidente

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4 PRECONCEITO LINGUÍSTICO

O preconceito linguístico não anda sozinho, ele sofre influência do preconceito


socioeconômico, do preconceito regional, do preconceito cultural, ou seja, há todo um
contexto que ajuda a produzir o preconceito linguístico. E isto que estamos nos
referindo apenas ao preconceito linguístico no sotaque.
Nildo Viana, Professor Universitário da UEG (Universidade Estadual de Goiás)
e Doutor em Sociologia pela UnB (Universidade de Brasilia) fala sobre o preconceito
linguístico:
A maioria das abordagens do preconceito linguístico se limita a
descrevê-lo e denunciá-lo sem apresentar suas raízes sociais e seu
envolvimento na dinâmica das lutas sociais, inclusive as travadas no interior
do sistema escolar... (...) Uma das condições de possibilidade do preconceito
linguístico se encontra na distinção na linguagem. É somente quando tal
distinção surge é que se torna possível esta forma de preconceito. ... (...)
preconceito originado da distinção entre a “língua culta” e a linguagem
coloquial, ou a normatização da linguagem e a distinção entre “certo” e
“errado”. Tal preconceito tem origem no processo de normatização da língua
feita pelo sistema escolar e pelos setores intelectualizados da sociedade. As
classes sociais privilegiadas incorporam a chamada “língua culta” e a tomam
como uma distinção social que reforça seu status privilegiado. (VIANA,Nildo.
Abril de 2004)

A doutora e professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de


Pernambuco (UFPE), Siane Gois explica o que é o preconceito para Wellington Silva,
do jornal Folha de Pernambuco:
Preconceito linguístico é o julgamento de valor que se faz em relação
a determinada maneira de falar, a determinada variante linguística de uma
comunidade.“Pessoas que residem nas regiões mais ricas do país acham que
as falas delas são mais belas e organizadas do que as falas das regiões
pobres. Quem está na capital acha que os moradores do interior têm uma fala
feia, engraçada, errada. E se você vai para o Interior, provavelmente, o
falante da cidade acha que moradores da zona rural têm uma fala diferente,
estranha, inferior. Isso mostra que o preconceito linguístico é, na verdade,
social. O grupo que está em uma situação mais favorecida vai se posicionar
de uma maneira preconceituosa em relação ao mais desfavorecido”, fala a
professora. (SILVA, Wellington. Folha de Pernambuco – 06/03/2021)

4.1 OS DANOS CAUSADOS PELO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Os danos causados pelo preconceito linguístico vão além de danos


psicológicos, podendo afetar, também, financeiramente alguém que é preterido em
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uma seleção de emprego por ter um sotaque acentuado. Uma jovem atriz, natural de
Recife, conta que para ser aceita nos testes para conseguir um trabalho passou a falar
com sotaque carioca, alegando que mantendo seu sotaque original haveria o
esteriótipo regional, isto é, dariam a ela um papel secundário por causa de seu
sotaque nordestino.

No site do jornal Folha de Pernambuco, Wellington Silva escreve:

Alguns especialistas destacam que o preconceito linguístico, fruto das


questões socioeconômicas, pode ser considerado o que promove as mais
graves consequências, pois integrantes de classes mais pobres acabam
dominando variedades linguísticas mais informais, devido ao pouco ou quase
nenhum acesso à educação formal. Por conta deste fenômeno, essa parcela
populacional é excluída de seleções de emprego e um ciclo de pobreza é
perpetuado. Pais e filhos sem acesso à educação acabam seguindo o mesmo
caminho de poucas oportunidades de mudança de classe social. (SILVA,
Wellington. Folha de Pernambuco)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Interessante a colocação de Evanildo Bechara (Moderna Gramática


Portuguesa, pag. 36) ao falor sobre Juízos de Valor “... Sendo (o português) uma
língua histórica ... um conjunto de várias línguas comunitárias, haverá mais de uma
norma de correção”, sendo que para ele o uso que fazemos das normas deveria ser
revisto, pois a palavra norma deriva de normal, o que pode provocar conflito na sua
interpretação. Então, o falante que pronuncia uma palavra acentuando o “e” no final
da palavra, muito comum no Sul, o famoso “leite quente” não deve, de forma alguma,
ser ridicularizado por isso. Da mesma forma quem pronuncia este mesmo “e” puxando
para o “i” – leiti quenti – não está, necessariamente, errado, porém esta pronúncia
diferente, causa muita dor de cabeça na hora da escrita, pois por sua excessiva
familiaridade com o som pode, por exemplo, escrever “iscola”. Sabemos que a
evolução da língua acontece dessa forma, mas enquanto os gramáticos não batem o
martelo, devemos escrever conforme as normas cultas.
O preconceito linguístico é, segundo o professor, linguista e filólogo Marcos
Bagno, todo juízo de valor negativo (de reprovação, de repulsa ou mesmo de
desrespeito) às variedades linguísticas de menor prestígio social. Porém precisamos

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ter cuidado ao dizer que uma classe social está sendo prejudicada em sua maneira
de ser em detrimento de outra, pois isto pode raiar ao preconceito também.
Que tal chegar a um concenso? As diferentes formas de falar do sul devem ser
tão aceitas e entendidas quanto as formas diferentes de falar do norte, ou do sotaque
caipira, ou do sotaque nordestino. Afinal somos um país de proporções continentais e
essa maneira diferente de falar acontece dentro de um espaço bem menor, como
nosso Estado, por exemplo, os falantes da Fronteira não só tem sotaque diferente
como muitas palavras de nosso dia a dia são diferentes das palavras pronunciadas
pela população que mora na Capital. Temos o “mondongo” que é o mesmo que
“dobradinha” na capital; ou a mandioca, que na capital é conhecida como aipim.
Temos a “piola” que é o mesmo que “barbante”, e por aí vai. Os fronteiriços falam
errado? Os demais é que falam certo? Não, cada um deve aceitar o modo de falar de
seu interlocutor. E por que não incorporar em seu conhecimento mais uma palavra?

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos – Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, (1999) Edições


Loyola.

BAKHTIN, Mikhail. Ideologia e Dialogismo. História e Conceitos que cabem na sala


de aula. Ricardo Santos David (UNIATLÁNTICO) [email protected].
Mikhail Mikhailovich Bakhtin (BAKHTIN apud BRAIT, 1997, p. 35-36). Acesso
17/03/2021

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa, p. 45/54/55 – 38ª ed. 2005.


Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.

CHOMSKY, Noam. https://www.infoescola.com/comunicacao/teoria-gerativa-de-


noam-chomsky/ . Acesso em 17/03/2021

DA ROSA, Eliana. Sociolinguística Histórica. (UFRGS) Revista de Letras - ISSN


2179-5282 - v.17, n. 21, jul./dez. 2015 – UTFPR – CURITIBA
http://periodicos.utfpr.edu.br/rl - Acesso em 17/03/2021

DIAS, Fabiana – site EDUCA+BRASIL – postado em 20/12/2018 – atualizado em


21/07/2020 – acesso em 16/03/2021

FRAZÃO, Dilva. https://www.ebiografia.com/ferdinand_de_saussure. Acesso em


21/03/2021

17
HOGENBOOM, Melissa. O que seu sotaque diz sobre você. BBC
NEWS.COM/PORTUGUESE (BBC FUTURE) 16/04/2018 – Acesso em 20/03/2021

PEREZ, Luciana Castro Alves. Sotaques Brasileiros.


https://www.portugues.com.br/gramatica/sotaques-brasileiros.html – Acesso em
14/03/2021

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP :


Mercado de Letras : Associação de Leitura do Brasil, 1996. (Coleção Leituras no Brasil)
ISBN 85 85725-24-9

SILVA, Wellington. Atualizado em 06/03/21 às 10H1. FOLHA DE PERNAMBUCO –


folhape.com.br – Acesso em 10/03/2021

VIANA, Nildo. Educação e Preconceito Linguístico. Revista “A PÁGINA DA


EDUCAÇÃO ONLINE”. Edição Nº 133, Ano 13, Abril 2004. Acesso em 08/01/2019

WIKIPÉDIA – Idioleto – acesso em 17/03/202

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