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Margarida Maria Ferreira (Magal)

Mestre de Pesquisa em Saúde


CRP: 15/0248

Curso de Formação em Psicoterapia Breve –

Módulo IX

2021
Trabalhando os Sonhos em Psicoterapia Breve

A interpretação dos sonhos em Psicoterapia Breve não segue uma


determinação única de critério, parte do profissional interpretar ou não o
conteúdo onírico trazido pelo paciente/cliente. Apesar da interpretação dos
sonhos, assim como na Psicanálise, possuir o risco de estimular excessivamente
a produção de fenômenos regressivos no paciente, pode ser relevante ao
trabalho terapêutico, pois consiste num meio de acessar e identificar pontos de
urgência. O Psicoterapeuta deve considerar os sonhos como um produto da
atividade psíquica, interpretando-os na medida em que entenda ser relevante,
considerando quando, o que e como interpretar.

O trabalho com os sonhos deve ser regido pelas mesmas regras gerais
da técnica em Psicoterapia Breve, considerando o material onírico interpretável
quando pertinente à clarificação da problemática focal, em outras palavras, os
sonhos devem ser interpretados caso contenham material focal, do contrário,
deverão ser negligenciados após uma análise inicial de seu conteúdo. A
avaliação do conteúdo do sonho facilita o reconhecimento e a compreensão
acerca da dinâmica do paciente/cliente.

O material a ser interpretado deve estar relacionado ao foco, o profissional


atua dirigindo o cliente em direção ao conflito central, reconduzindo-o à realidade
de sua vida cotidiana, evitando fenômenos regressivos. Em geral faz-se
necessário evitar relacionar as interpretações a desejos infantis inconscientes,
em vez disso, deve-se remeter às ideias latentes pré-conscientes. Dentro do
conflito a solucionar, deve-se priorizar os conteúdos mais nítidos ao paciente,
considerando que um maior aprofundamento pode alongar o tempo de
tratamento.

Numa interpretação dos sonhos, o Psicoterapeuta deve levar em


consideração duas questões: O método de análise dos sonhos e o conteúdo das
interpretações. Os métodos utilizados na análise dos sonhos são os da
Psicanálise, com o auxílio da associação livre, onde o profissional pode pedir
associações a partir de diversos elementos. O trabalho interpretativo em
Psicoterapia Breve é psicanaliticamente orientado, no que se refere à
focalização e à transferência.

No trabalho interpretativo do material onírico, o Psicoterapeuta deve


adaptar os elementos técnicos da Psicanálise às técnicas psicoterapêuticas
breves, evitando o excesso de referência às situações transferenciais, na busca
de um equilíbrio entre a transferência e a contratransferência. Se faz necessário
um autocontrole, por parte do profissional, na utilização de interpretações
“transferenciais”.

Além das interpretações, o profissional dispões de diversas técnicas


verbais dentre elas: Os assinalamentos, intervenções indispensáveis em
terapias de insight pois facilitam o trabalho interpretativo; As perguntas, estas
podem ser utilizadas durante o diagnóstico e durante o levantamento de
informações sobre o paciente, acentuando o papel ativo do profissional que se
coloca como figura não-onipotente e interessado no paciente; O fornecimento de
informações pertinentes ao cliente; As sugestões, que põem ser de diversas
tendências; os comentários, com a finalidade de estimular a comunicação;
Reforço, promovendo o fortalecimento e ativação as funções egóicas; as
indicações, se necessário o acompanhamento de um profissional da Psiquiatria;
os concelhos, usado esporadicamente, exceto em casos de apoio.

A seguir caso clínico retirado do livro O Psicólogo e o Hospital:

Admitindo a Morte

Um paciente com leucemia aguda, 40 anos de idade, desquitado, de nível


superior e bastante diferenciado enquanto pessoa. Seu atendimento inicia
exatamente na fase de confirmação de diagnóstico e se encerra com seu óbito.
O paciente já havia realizado vários exames, mas não confirmara ainda
sua patologia até quando se submeteu a um mielograma. Nessa fase havia tido
uma sessão inicial onde não queria admitir a possível seriedade da doença. Após
o resultado do exame o médico passa à psicóloga a confirmação da leucemia
em estado agudo e de mau prognóstico, podendo levá-lo à morte em poucos
meses. É janeiro há essa confirmação. Começa então o processo de
acompanhamento psicológico.

Primeiro Atendimento:

O paciente sente que esse contato com a psicóloga significa definição de


seu diagnóstico. Inicialmente cogita a possibilidade de não querer saber e de
simplesmente continuar vivendo como está, para ver o que acontece. Depois
prefere saber logo, porque pode ele próprio definir sua situação através da
liberdade que sente de “tirar sua vida” e não ter que se submeter a penosos
tratamentos, “com insucessos”. Afinal, foi conduzido a sentir que não era em si
mesmo o diagnóstico que ele temia, mas com o que ele teria que se defrontar,
pela fatalidade do diagnóstico. O paciente confirma que não fazia parte daquele
momento de sua vida ter que se deparar com a morte, e através de tanto
sofrimento, como é o caso do portador de um câncer no sangue. Esta era a
hipótese fatal que ele aguardava e que acabava de confirmar no atendimento
psicológico.

No entanto, ainda mantém a dúvida se vai tentar tratamentos dolorosos


ou se vai antecipar a própria morte. É questionado sobre sua covardia da vida
naquela circunstância, e induzindo a voltar a trazer esse assunto nos
atendimentos subsequentes.
Segundo Atendimento:

Paciente incrédulo quanto a seu diagnóstico, preferindo manter o mesmo


ritmo de vida no trabalho e na vida social, alimentava novos projetos na profissão
e afirma que não se internará. Se for o caso, montará um esquema completo em
casa.

O paciente, embora com todas as evidências da doença, prefere negar a


seriedade do quadro, defendendo-se na manutenção de um desafio a sua saúde
precária, exigindo-se cumprir carga horária normal de trabalho e viver situações
sociais de rotina. Após alguns atendimentos, com a doença em ritmo acelerado,
entra em depressão, sofre bastante. Ocorre uma mudança em suas atitudes.
Após a fase depressiva, passa a encerrar a vida e a morte de forma bem próxima,
através de muito material escrito, criado por ele. Seus atendimentos nessa fase
o conduzem ao contato com seus limites reais e com as energias com as quais
ainda poderá renovar-se e viver.

(...)

Oitavo Atendimento:

Já é março, o paciente se encontra em fase equilibrada de saúde e


doença, preparando-se para comemorar o aniversário que, segundo ele próprio,
poderá ser o último. Escreve bastante nessa fase e também produz com
qualidade seu trabalho.

Os atendimentos deixaram a ser semanais e passaram a ocorrer


quinzenalmente e, depois, mensalmente, ficando o paciente à vontade para
solicitar sessão quando sentir necessidade. Cumpre todo o tratamento, conforme
prescrição médica.

(...)
Décimo-quinto Atendimento:

Esse foi o primeiro atendimento de agosto e o paciente se encontra


bastante decaído fisicamente. Como era sua intenção, monta toda uma
estratégia para o tratamento em sua própria casa. Já não pode trabalhar, salvo
algumas horas em dias alternados. Fica mais evidente o conteúdo de morte em
suas sessões. Trabalho sonhos de simbolismo bem claro.

Primeiro sonho: “eu me encontrava com pessoas queridas, mas que já


haviam morrido. Elas me falavam da terra em que viviam. Me contavam como
tudo era tão calmo e como tudo tinha ordem. Me convidavam para visitá-las, e a
condição era ter que levar minhas malas, com tudo que era meu e, uma vez lá,
não poderia mais voltar”.

T- Como termina o sonho?

P- Termina eu me negando a ir, embora ficasse atraído para conhecer o lugar.

T- Como você se sente em relação a esse sonho?

P- Como se tivesse sido convidado a morrer e acompanhá-los para sempre, e


isso me assusta.

T- Em que, especialmente, lhe assusta esse convite?

P- Em não poder voltar, em ter que deixar tudo.

T- Que tal você fantasiar? Como seria poder levar tudo quando a morte
chegasse, e o que fazer desse tudo após a morte?

P- (Chora bastante, demora e afinal fala.) Não precisa... De nada vale esse tudo,
e para nada vai servir quando a morte chegar.
Décimo-sexto Atendimento:

O paciente relata, bastante curioso, um sonho que tivera em continuação


ao anterior.

Segundo sonho: “estava num trem em viagem, parecia ir ao encontro


daqueles familiares e amigos. De repente, esse trem entra num túnel, vai
enveredando pela terra cada vez mais, parecendo até que o subterrâneo não
tem mais fim. Depois chega o fim da linha e eu me vejo de pé, com malas nas
mãos, olhando para os lados e em todas as direções.”

T- E como termina?

P- Eu ali de pé, esperando ver o que devo fazer.

T- E como você se sente, olhando em todas as direções, sem saber o que fazer?

P- Começando tudo de novo.

Como a crescente fragilidade de seu organismo, o paciente entra em


contato de perto com a morte, em sonhos muito terapêuticos. No primeiro, entra
em contato com o desapegar-se da vida material e de suas relações, sofrendo e
enfrentando essa realidade. No segundo, enfrenta a morte, descobrindo nela um
novo começar. Ele se projeta ativo nesse processo, não numa anulação, mas
numa criação.

No final do mês de agosto, já muito fragilizado, aceita ter que se internar.


E, antes que termine setembro, chega o dia.

Fase Final de Atendimentos:

Seus últimos atendimentos eram curtos e se resumiam a toques-


massagens nas extremidades, onde sentia dormências e muito desconforto.
Também aproveitou para definir seu funeral, o cemitério onde seria sepultado,
tudo muito simples.

Numa manhã, com a presença apenas da psicóloga, ocorre o seu óbito.


O paciente não mais falava só se comunicava com o olhar. A respiração, muito
curta, superficial. A mão direita mexeu, como se procurasse outra mão. Ficamos
de mãos dadas.

T- Estou com você como de costume, vou ficar aqui.

P- (Cerra os olhos que estavam entreabertos.)

T- Mantenha-se calmo, relaxe, se desligue de tudo ao seu redor. Sinta só sua


respiração. Ela está cada vez mais lenta.

P- (Entre uma respiração e outra o intervalo aumenta, o paciente está no fim.)

T- Seu corpo já não tem mais força, sua missão nesta vida está acabando. Você
é muito curioso, vai ter muito o que descobrir.

P- (Está ofegante, está morrendo.)

T- Siga em frente, não olhe par trás, esse corpo não lhe serve mais. Caminhe,
liberte-se, você morreu. (Uma pausa, me emociono, choro.) Você está livre
agora, vá em paz.

Referência:

BRAIER, E. Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica. Martins Fontes,


2008.

LEITÃO, M. S. O Psicólogo e o Hospital. Sagra – DC Luzzatto Editores, 1993

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