Goiânia A Capital Do Sertão (Nars Fayad Chaul, 2009)
Goiânia A Capital Do Sertão (Nars Fayad Chaul, 2009)
Goiânia A Capital Do Sertão (Nars Fayad Chaul, 2009)
Sobre a construção de Goiânia muito já se falou, mas nem tudo o que foi dito
expressa seu contexto em forma de história. Filha dos anos 30, mas pensada
numa lenta gestação de ideias dos séculos XVIII e XIX, a proposta de mudança
da capital do Estado de Goiás foi retomada por Pedro Ludovico, interventor
estadual em 1930, no início da década, como esperança de progresso e estratégia
de sobrevivência política. Uma estratégia política que renderia juros políticos
regionais e dividendos nacionais.
Transcorria o ano de 1932. A Informação Goyana trazia a seguinte nota em
suas páginas vivas de otimismo:
O assunto mais palpitante neste momento em todo o Estado é o da mudança
da sua capital, projectada pelo interventor Pedro Ludovico para outro local. No
interior do Estado reina um verdadeiro enthusiasmo pela idéia, sendo que a maio-
ria é pela transferência da séde do governo. Na Capital, entretanto, dous terços
são a favor, sendo a maioria contrária composta de grandes proprietários.
Pode-se observar, no entanto, que, no plano regional, o que andava nas cabeças
e nas bocas era a disputa, entre os próprios revolucionários, pelo controle político
do Estado. E uma antiga ideia, a mudança da capital, trazida dos séculos XVIII e
XIX, ressurgia por meio da habilidade política do interventor, no momento em
que viu ruir seu plano de controlar a política regional, com o plano de sanea-
mento e higienização, em razão da falta de apoio financeiro do governo federal.
Tal estratégia de poder tomaria conta da política goiana praticamente por toda
a década de 1930 e estaria na ordem do dia do Estado, fosse no desejo silente
do interior de Goiás, fosse no caldeirão efervescente da política da cidade de
Goiás, ainda capital.
Em 4 de julho de 1932, na cidade de Bonfim (atual minada cidade, a comissão definiu-se por um local de água
Silvânia), Pedro Ludovico fez a primeira declaração abundante, bom clima, topografia adequada e próxima à
pública sobre a mudança da capital, levando a população estrada de ferro. Tratava-se de Campinas e a escolha do
local a envidar esforços no sentido de situar, na referida local foi corroborada por um técnico de gabarito, com
cidade, a futura capital. Se Pedro Ludovico precisava de formação no exterior,Armando Augusto de Godói. Hoje,
um termômetro para medir as aspirações das cidades ao lado de Atílio Correa Lima, tem sido estudado a fundo
do interior goiano, quanto à mudança da capital, talvez o por obras importantes como Identidade art déco de Goiânia,
congresso de Bonfim tenha lhe dado mais do que apoio, de Wolney Unes, Goiânia, uma concepção urbana moderna
oferecendo-lhe condições de acirrar os ânimos das regi- e contemporânea, de Celina Fernandes Almeida Manso,
ões interessadas na mudança e de ocupar as páginas do e Goiânia, uma utopia européia no Brasil, de Tânia Daher.
dia na política regional. O apoio do sul e do sudoeste Estudos que aprofundam o olhar por sobre Goiânia à luz
aflorou com a mesma rapidez dos anseios de mudanças do olhar da Arquitetura, do Urbanismo e da Política, ou
na política econômica do Estado. ainda o trabalho sociológico de Genilda d´Arc.
Dividindo com o levante constitucionalista paulista de Após as eleições para a Constituinte terem con-
1932 as atenções políticas da época, a mudança da capital firmado a supremacia do Partido Social Republicano,
passou a ganhar cada vez mais espaço, à medida que os duas questões voltavam à baila: a mudança da capital e a
descontentamentos paulistas foram sendo resolvidos eleição para governador. Sem perder tempo, e fazendo
pelas armas e barganhas políticas. Em viagem ao Rio de com que a mudança da capital pesasse na balança elei-
Janeiro, em fins de outubro de 1936, Pedro Ludovico toral, Pedro Ludovico assina, em 18 de maio de 1933, o
tenta conseguir a aprovação e custeio do governo federal Decreto no 3.359, que estabelecia as bases para a edi-
para a concretização da mudança da capital. À imprensa, ficação da nova capital. Prometia uma capital moderna,
o interventor, questionado sobre a pretensão de mudar planejada, coerente com os novos tempos do Goiás que
a capital, disse:“Acho-me no Rio para resolver esse pro- se anunciava.
blema e tenho certeza que o meu Estado possuirá nova O decreto levava para o povo da cidade de Goiás
Capital...Todo o povo goiano tem confiança nesse empre- mais discussão do que crença em sua efetivação. Nesta
endimento que é uma velha aspiração geral” (Relatório cidade, a reação foi fulminante e tratou de expressar,
ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, D.D. Chefe do Governo por todos os meios, os interesses em preservar o título
Provisório, 1930-1933, p. 93). A prática de traduzir para ameaçado de capital do Estado. Naquela altura dos acon-
o geral as aspirações individuais será uma constante ao tecimentos, a maior parte dos habitantes da velha Goiás
longo do governo de Pedro Ludovico Teixeira. pensava tratar-se apenas de uma jogada política de Pedro
Três de janeiro foi o dia escolhido pela comissão Ludovico que não se efetivaria. Era, de fato, uma jogada,
nomeada por Pedro Ludivoco para a reunião que definiria mas que se efetivaria.
os locais a serem estudados. Após discussões, pressões Naquele momento da vida política nacional e esta-
políticas de prefeitos e predileções individuais por deter- dual, mudar a capital significava erguer uma bandeira de
Goiânia pode assim ser encarada como a imaginação utópica da época. Pers-
pectiva de uma nova vida, de um novo tempo, ideologicamente disseminado pela
Revolução de 30. Esperança de dias melhores, de ruptura com o passado, de
sonho a ser conquistado, enfim, de concretização de um projeto político.A velha
Goiás representava o exemplo de como não devia ser uma capital.A Goiás Velha
era vista como a antítese dos tempos, o buraco do sertão goiano, paciente em
fase terminal. A velha Goiás estava velha demais para uma plástica eficiente. Suas
rugas no espelho do tempo serviam de demonstração não valorativa.
Em suma, Goiânia pode ser considerada um fruto do Estado Novo, uma vez que
a construção e, principalmente a transferência da capital dependeu basicamente
do regime instaurado em 1930 e que culminou na ordem imposta por Vargas em
1937. Para o regime que se instaurava, o inverso era também verdadeiro: Goiânia
era a representação maior do nacionalismo, do bandeirantismo, da sagacidade do
brasileiro, termos cantados e decantados pelos ideólogos do estadonovismo.
Capital das necessidades de desenvolvimento interno, Goiânia já não cabe em si, nasceu para ser plural. GYN
trampolim para Brasília, glória do sul e sudoeste do Estado, é apenas sua forma embriagada de preguiça interiorana.
marcha obrigatória da Marcha para Oeste, Goiânia não Goiânia veio para inserir definitivamente Goiás no
respondeu aos gritos alarmados dos antimudancistas em cenário nacional, no projeto nacionalista da Era Vargas,
1933/34. Pedro usava seu saber médico para tratar Goiás, a a região na nação. Goiânia veio também para Pedro ter
velha capital, não tratar para curar, mas para sepultar, filho planos de voo político, engenharia medicinal, quando o
que nega a própria terra em nome do novo.A velha capital, Interventor sentiu seu saber médico insuficiente para
representação de nosso espelho imemorial de ouros colo- sanear o Estado no começo dos anos 30. Goiânia veio
niais, não resistiu aos apelos da ciência médica. Colocada para empurrar Goiás no rumo da modernidade, por
na UTI do capitalismo de seu tempo estava condenada isso é também filha dos anos 20, do desenvolvimento
a perder seu posto de primeira dama de nosso passado goiano da Primeira República, de trem-de-ferro e trem-
administrativo. Goiânia não projetava gastos e sim calculava bão demais da conta. É preciso não cortar o tempo da
investimentos. Filha capitalista do sertão, modernidade história com a faca afiada do desconhecimento. Por isso
no planalto central das ambições de desenvolvimento do Goiânia é Ludovico, mas é também Caiado.
Estado, era pouco ambiciosa em seu crescimento. Proje- Goiânia é bonita e perigosa. Agora aos 75 anos, mais
tada para pouco mais de 50 mil habitantes não pensou em astuta, cada vez mais experiente, mesmo sem dar conta
ter milhões de pessoas em sua volta, multiplicando casas, das rugas violentas que o tempo moldou a contragosto
vilas, prédios e pressões urbanas. em sua face mais real e menos poética. A capital se porta
Goiânia viva, country, countrypira, sertaneja, carnava- com elegância e destaque na paisagem de eterna primavera
lesca, nenhum rótulo é maior que sua dimensão histórica, de suas praças e jardins suspensos de outras babilônias.
permeada de heterogêneas faces de um mesmo rosto. Senhora entre lindas mulheres, caminha na multiplicação
Qualquer rótulo será mera expressão de um mero pedaço de seus problemas, quase que indiferente às mudanças
de seu todo, de suas mesclagens culturais, de suas simbio- de suas ruas e trajetos, quase que ignorando seus passa-
ses geradoras de talentos de sua gente. Goiânia tem útero geiros políticos, quase sem notar a onda de cultura que
macunaímico, formação geral entre o urbano e o rural, art transforma seu sertão em mar. Goiânia hoje é também e,
déco, berrante sampliado em múltiplos tons. sobretudo, a criatura que sobrevive aos criadores.