Apostila Etica Crista Ead SPRBC 2013
Apostila Etica Crista Ead SPRBC 2013
Apostila Etica Crista Ead SPRBC 2013
ANÁPOLIS
2013
Seminário Presbiteriano Renovado
Brasil Central
www.sprbc.com
2013
Sumário
1 Apresentação do Professor ......................................................................................... 4
2. Apresentação da Disciplina ....................................................................................... 5
3 Conteúdo da Disciplina .............................................................................................. 6
1 Apresentação do Professor
Espero que a nossa matéria traga um grande impacto sobre a sua vida família
e ministério, e que ela nos conduza a exposição da Palavra de Deus sobre todos os
temas abordados.
sua importância para quem está preparando ou exercendo ministério na Igreja de Cristo.
Definição e conceituação da ética e moral, sua relação com outras disciplinas, a sua
necessidade e relevância no contexto cristão. São vistos sob uma panorâmica ampla:
Os slides das aulas estarão disponíveis aos alunos, bem como, outros textos.
MÓDULOS Tema
Opções Éticas
1º Mód. - Aula 1 Introdução Geral a matéria e apresentação bibliográfica.
1º Mód. - Aula 2 Opções Éticas
1º Mód. - Aula 3 Estágios Éticos e a busca do valor
Questões Éticas
2º Mód. - Aula 1 Aborto, Infanticídio e Eutanásias
2º Mód. - Aula 2 Questões Biomédicas
2º Mód. - Aula 3 Pena de Morte e Guerra
2º Mód. - Aula 4 Desobediência Civil
Questões Éticas
3º Mód. - Aula 1 Sexo
3º Mód. - Aula 2 Homossexualidade
3º Mód. - Aula 3 Casamento e Divórcio
3º Mód. - Aula 4 Ecologia e Direito dos Animais
Ética Ministerial
4º Mód. - Aula 1 A vocação ministerial e as escolhas morais do líder
4º Mód. - Aula 2 A vida pessoal do líder e os seus liderados
4º Mód. - Aula 3 Um código de ética ministerial
4º Mód. - Aula 4 Tomando decisões éticas
Material de Apoio – Guia de Estudos
LIVROS
A VIDA COMO DECISÃO
FORELL, George W. Ética da Decisão. Rio Grande do Sul: SINODAL, 1999.
Uma das mais antigas discussões entre filósofos, psicólogos e teólogos trata do
problema da liberdade humana. É o ser humano livre para escolher a vida boa? É ele o
“senhor de seu destino e comandante de sua alma”? Ou foi ele moldado por forças além
do seu controle para ser o que é? Gostaríamos de introduzir nessa discussão uma afirmação
muito autocontraditória e paradoxal, a saber, que a liberdade do ser humano é sua servidão.
Ele pode realmente ser livre para tomar muitas decisões importantes a respeito de sua vida.
Pode opinar na escolha de seu trabalho, seu cônjuge, seus amigos ou do tipo de vida que
deseja levar. Mas existe uma escolha que ele não pode-fazer-não pode deixar de escolher.
Não pode “fugir” de sua liberdade. Está fadado á ser livre. Quer goste, quer não, quer
acredite, quer não, ele tem que viver tomando decisões constantes e inevitáveis.
Permita-me ilustrar. É noite. Um homem está em um barco que está sendo levado
lentamente pela corrente em direção a uma cascata. Esse homem, que está bem acordado
em seu barco, não pode escapar de fazer uma opção. É verdade que todas as suas opções
podem no final ser sem sentido. Ele pode começar a remar furiosamente e ainda assim ser
levado pela corrente por sobre a borda para a destruição. Pode não fazer absolutamente
nada e a corrente pode prender o barco contra uma rocha, conservando-o em segurança até
o amanhecer. Mas esse homem não sabe qual é a decisão adequada, e percebe que não
fazer nada também é uma decisão. A corrente está levando seu barco, quer ele goste, quer
não. Ele não pode pedir tempo para ponderar as alternativas possíveis. Lá está ele sentado
no barco, e tudo o que faz ou deixa de fazer o compromete. Não tomar uma decisão
também é uma decisão. Ele não pode escapar de sua liberdade; está condenado a ser livre.
Qualquer indivíduo — você ou eu — é tal pessoa em um barco na corrente do
tempo. A corrente permanece em movimento. Nada podemos fazer a respeito disso. Não
a podemos parar. Na verdade vivenciamos esse “tempo”, que medimos tão apuradamente
em segundos e minutos, horas e dias, meses e anos, de uma maneira bem menos
confortável. Todos sabemos que o tempo é vivenciado como “relativo”, não como
“absoluto”; um minuto que se passa na cadeira do dentista parece mais longo do que uma
hora que se passa conversando com uma pessoa atraente do sexo oposto. Essa relatividade
do tempo, da qual alguns aspectos podem até mesmo ser medidos, toma nossa viagem na
corrente do tempo ainda mais desconfortável. Entre outras coisas, a velocidade da corrente
parece aumentar à medida que envelhecemos. Quanto mais velhos ficamos, mais depressa
passa o tempo, e espaço de tempo que vai de 30 de novembro até 25 de dezembro, p. ex.,
que parece uma eternidade quando temos 6 anos, parece incrivelmente mais curto
quando temos 30. Nota- se também que pessoas idosas têm uma tendência de se referir
a todo tempo passado como “ainda ontem” ou “no outro dia”. Essa aceleração que faz o
tempo fluir cada vez mais depressa é particularmente desagradável porque nos dá cada
vez menos tempo para tomar nossas decisões.
A vida não apenas exige decisão; a vida é decisão. O próprio ato de permanecer
vivo implica decisão diária, e até mesmo suicidar-se exige decisão. O ser humano não
pode evitar, as decisões. Não pode escapar de sua liberdade.
Mas agora surge a pergunta importante: existe algo que possa nos guiar nessas
decisões que têm que ser tomadas todos os dias, horas, minutos de nossas vidas? Existe
algum critério ou padrão com o qual se possa medir o valor dessas decisões, sua boa ou
má qualidade? Se quisermos saber a distância de nossa casa à rua, existe um modo
bastante simples de descobri-lo. Podemos pegar uma trena e medir a distância exata.
Podemos quantificá-la em metros e centímetros. A distância assim estabelecida estará
fora de dúvida; qualquer pessoa que duvide de nossa palavra poderá tomar o mesmo
instrumento de medição e verificar por si. O padrão que estamos usando é a trena, que
está dividida em unidades universalmente aceitas. Parece ser um padrão absoluto, e seus
resultados estão fora de dúvida.
De modo semelhante podemos estabelecer o peso de um carro, a velocidade de
um avião e muitos outros fatos. Temos padrões: a libra ou o grama, a milha por hora ou
o quilômetro por hora; com a ajuda desses padrões e de instrumentos de medição
comumente aceitos, os fatos que buscamos podem ser estabelecidos com exatidão.
Mas e as decisões que temos de tomar a cada minuto de nossa vida? Existe algum
padrão pelo qual possam ser medidas com precisão? Por exemplo, você pode apresentar
razões para sua decisão de ler estas páginas? Por que é que você está lendo uma
introdução à ética ao invés de um romance policial? Por que você está lendo ao invés de
ir ao cinema ou ver televisão? Como foi que você chegou a esta decisão? Houve algum
critério importante que você usou para se orientar? Igualmente, quando você escolhe
uma pessoa como amiga, em vez de outra, sua decisão é guiada por algum critério de
atratividade?
Acredito que poucos de nós diriam que tomamos essas decisões por puro acaso,
como resultado de um “acidente”. Diríamos, antes, que temos certos critérios ou padrões
do que é importante ou não, do que é atraente ou não, do que é certo ou errado. Mas que
espécie de critérios são esses? Podem resistir à luz de um exame sóbrio e minucioso?
Para os que ainda estejam confusos com esta discussão sobre nossos critérios para
decisão, permitam-me outro exemplo. A pele de um homem — chamemo-lo de A —
está sendo penetrada por uma faca segurada por um homem a quem chamaremos B. O
resultado é a morte de A. Seria possível descrever este evento simples fisiologicamente,
do ponto de vista de A ou B. Ele poderia ser descrito fisicamente, do ponto de vista da
força dispendida e das calorias gastas por B. Existem muitas maneiras de descrever
cientificamente o que aconteceu. Mas para que possamos saber se a ação de B sobre A é
um assassinato ou, digamos, uma operação malograda, precisamos fâzer uma inves-
tigação detalhada dos motivos de B. Em outras palavras, temos de lidar com as decisões
que induziram sua ação e aplicar algum critério a essas decisões.
A diferença entre uma ação boa e uma ação má parece depender quase
inteiramente dos motivos que guiam a decisão da pessoa atuante, e não de qualquer
descrição, científica ou de outro gênero, da ação em si.
A grande confusão de nossa época parece ter sua origem em nossa capacidade de
descrever cientificamente quase todos os processos que ocorrem, e em nossa incapacidade
de entender as razões pessoais subjacentes a todas as nossas ações. Vemos ao nosso redor
pessoas tomando decisões, mas temos dificuldades em encontrar algum modo de medir o
valor das decisões que elas tomam.
Na área mais importante de nossa vida, onde diariamente estamos envolvidos em
decisões, somos singularmente incapazes de descobrir quaisquer regras ou critérios bem
definidos que pudessem ser comparados às regras e critérios objetivos que governam o
comportamento dos elementos do universo físico. Conhecemos a lei da gravidade, que
funciona conforme as previsões; mas temos dificuldade de encontrar uma lei
similarmente confiável no campo da decisão. Que devemos fazer?
Neste ponto algumas pessoas lançam suas mãos para o alto, horrorizadas, e dizem:
“Não façamos nada. A situação é desesperadora. Não existe resposta para o problema.
Vamos ignorá-lo; vamos continuar vivendo sem fazer perguntas embaraçosas sobre os
motivos e decisões implicadas em nossa vida”.
Algumas pessoas ficam muito zangadas quando se tenta interrogá-las acerca de
seus motivos/ Mesmo pacifistas manifestam um surpreendente espírito combativo quando
sua motivação e seus critérios éticos são questionados. Não existe ninguém que goste de
ser interrogado acerca dos assuntos que considera evidentes por si mesmos a todas as
pessoas de boa vontade, o que geralmente quer dizer: todas as pessoas que casualmente
concordam com ele. O filósofo grego Sócrates descobriu que pessoas gentis e liberais
como seus compatriotas atenienses, quando questionadas com suficiente persistência
acerca de suas suposições básicas, não hesitariam em matar seu questionador. Isto deveria
servir de aviso para nós. É um assunto delicado. Sempre é perigoso fazer perguntas,
mesmo a nós próprios, naquele aspecto da vida que está atulhado com preconceitos e
superstições que mantivemos por tanto tempo, que sua própria idade lhes deu autoridade.
No entanto, se desejamos avançar para uma compreensão mais clara da vida cristã,
teremos de procurá-la em meio à vida e sempre sobre o pano de fundo de outras tentativas
de entender o sentido da vida.
Devemos sempre ter em mente que os critérios ou padrões usados para avaliar
decisões estão baseados num compromisso com alguma fonte básica de valor. Veremos
que há muita discordância quanto à natureza dessa fonte básica. Alguns a vêem no ser
humano, outros na natureza, outros no processo dialético, outros no princípio da
sobrevivência dos mais aptos, outros ainda na verdade. Alguns a chamam de Deus.
Observaremos que o caráter dos critérios vai variar muito conforme a natureza dessa fonte
básica, ou “deus”. Mas em todos os casos lidamos com um compromisso inicial.
Obviamente, existem pessoas em nossa época que acreditam poder posicionar-se
à.margem da corrente da vida e ser espectadores descomprometidos. Mas parece óbvio
que assumir essa posição também é o resultado de uma decisão baseada em um critério
de avaliação. Ninguém pode escapar desse compromisso fundamental.
Qual é o compromisso subjacente à presente investigação? Seria realmente uma
tolice sustentar a necessidade de compromisso e então proceder como se a necessidade se
aplicasse apenas aos outros, e não a nós. Nossa investigação sobre a vida cristã está
baseada no compromisso com Jesus Cristo como o critépo absoluto para as decisões. O
significado concreto desse compromisso com a pessoa de Jesus Cristo deveria se tomar
mais claro no curso de nossa exposição.
A vida cristã como resposta à procura do ser humano por um critério para a decisão
só é significativa se tomarmos o tempo de investigar a questão de maneira profunda e
completa. A vida cristã como resposta à procura do ser humano por uma vida significativa
não tem valor para a pessoa que nunca procurou. A vida cristã é uma cura para a doença
da falta de sentido, mas, para avaliar a cura — para que estejamos dispostos a tomar o
medicamento — é essencial que reconheçamos nossa doença. Parece, de fato, que um dos
grandes problemas com que se defronta o cristianismo em nossa era é que ele oferece
uma cura radical a pessoas que nem mesmo acreditam estarem doentes. Não é de admirar
que elas não dêem valor à cura!
Nada é mais inútil do que a resposta a uma pergunta que nunca foi feita. Para que
a resposta tenha importância, teremos de colocar a pergunta cuidadosa e
conscienciosamente. A pergunta que teremos de fazer estará centrada no assunto da ética.
Que é certo e que é errado? Existem critérios para as decisões que o ser humano deve
tomar, ou são suas decisões igualmente sem sentido e sua vida, uma grande piada cósmica
onde afinal tudo é inútil?
ESTÁGIOS PRÉ-ÉTICOS
Neste ponto pode ser necessário lembrarmos que, em todos os lugares onde
viveram, os seres humanos diferenciaram entre o certo e o errado, entre o bom c o mau.
Não existe língua que não tenha palavras para designar “certo” c “errado". Não existe
povo que não faça distinção entre o que é aprovado e o que é desaprovado. Tanto o ser
humano mais primitivo quanto o mais civilizado julgam as decisões e as agrupam em
decisões “boas” e “más”. No entanto, deveríamos dar-nos conta também de que existe
algo assim como um comportamento pré-ético. Em certos casos limítrofes da existência
humana é possível agir sem qualquer percepção clara do sentido das decisões que
tomamos.
Tal como Emil Brunner, eu gostaria de denominar a um desses estágios pré-éticos
de estágio de imediação. Trata-se do estágio do comportamento no qual nossas ações
parecem não ser guiadas por nenhum tipo de premeditação ou preocupação prudencial,
mas no qual seguimos uma inclinação natural. Um bebê, com uma semana ou duas de
idade, age e toma decisões. Mas, em verdade, elas não são decisões. Quando um bebê
chora ou ri, a ação não é o resultado de alguma decisão intelectual, mas sim um reflexo
imediato a algum estímulo. Chorar ou rir, no caso de um bebê, não constituem ações
“boas” ou “más”, e não as podemos chamar propriamente de ações éticas.
De modo semelhante, as ações de uma pessoa muito idosa e senil estão
frequentemente no nível da imediação. Também aqui parece não existir um processo
intelectual consciente ou mesmo claramente subconsciente; parece, antes, tratar-se de
simples reações a simples estímulos. Aqui se nos depara a própria fronteira da vida ética
ou da vida de decisão. Qualquer pessoa que aja genuinamente nesse nível de imediação
não é uma pessoa ética em sentido estrito. Mera reação a um estímulo não é ação ética,
porque é ação que não implica decisão. Se fecho meus olhos quando um cisco entra em
um deles, não estou fazendo nada que seja moralmente bom ou mau. Estou meramente
reagindo a um estímulo. Se me esquivo quando um objeto é jogado em minha direção,
estou “reagindo” de modo semelhante. O meu comportamento em tais situações pode
indicar o estado dos meus reflexos, mas certamente não diz nada acerca de meus critérios
éticos. Pessoas que em todas as situações agem dentro da estrutura da imediação não são
propriamente matéria para quem estuda a ética.
Entretanto, é necessária uma palavra de advertência. Houve sistemas e mestres de
filosofia que proclamaram esse estágio de imediação como o estágio ideal da vida humana
e tentaram ensinar o ser humano a viver constantemente neste nível particular. Em muitos
movimentos de “volta à natureza” existe um esforço deliberado para estabelecer
artificialmente um critério ou padrão de conduta que é encontrado naturalmente no
estágio de imediação. Mas tal tentativa artificial de sermos o que não somos, com ò
auxílio de uma decisão intelectual deliberada e laboriosa, não tem nada a ver com o
estágio de imediação que descrevemos até agora. Ser um bebê é bem diferente de
comportar-se como um bebê quando já se é adulto. O importante acerca do estágio de
imediação é que ele não é fruto da vontade, não é resultado da nossa decisão de viver
neste nível; simplesmente existe. Neste estágio, a pessoa vive sem ter consciência do nível
de decisão. É impossível querer-se sem a vontade. É igualmente impossível decidir viver
sem decisão. Essas tentativas artificiais de retomar a um estágio de existência que já
ultrapassamos são esforços patéticos de nossa época para escapar aos rigores da decisão.
São reflexos significativos do caráter de nosso tempo. Deveríamos revelá-los
implacavelmente como o que são: tentativas de esquivar-se de ser o que não podemos
deixar de ser, tentativas de escapar de nossa responsabilidade como seres humanos.
Mas, antes de pormos de lado o estágio de imediação como um estágio que
ultrapassamos e que já não nos diz respeito, deveríamos lembrar-nos de que há muitas
decisões cotidianas que não são tomadas num nível mais elevado do que este. Todos nós,
de certa forma, continuamos com parte de nosso ser no estágio sub-humano da imediação.
O segundo estágio do comportamento humano que também pode ser descrita
como pré-ético é o estágio do costume. Muitas pessoas tomam quase todas as suas ditas
decisões não como resultado de qualquer esforço de inteligência, mas meramente como
tentativa de conformar-se ao costume predominante. Em muitas sociedades e entre
inúmeras pessoas de nossa própria sociedade, a pergunta não é: “Esta ação é boa ou má?”,
ou: “Esta decisão está certa ou errada?”, mas: “E isto o que todos fazem?” Boa parte do
que passa por bom poderia ser descrito mais adequadamente como sendo a coisa
costumeira em nossa sociedade específica. Há certa quantidade de decisão implicada
aqui, a saber, a decisão de obedecer ou desobedecer aos costumes. Essa decisão, no
entanto, não é tomada num nível elevado, pois nós não avaliamos os costumes, mas os
aceitamos sem questioná-los seriamente.
Obedecer ao hábito é, obviamente, com frequência muito útil e inteligente. Em
muitos casos o costume é o bom senso e a experiência acumulados de nosso grupo social,
e quem segue o costume em geral se beneficia inconscientemente das percepções de seus
ancestrais. Seria de fato tolice rejeitar todos os costumes apenas porque foram aceitos
sem crítica em outros tempos. Sua aceitação ou rejeição por outros não deveria de modo
algum validar ou invalidar os mandamentos do costume. No entanto, um dos pontos
fracos básicos da ação no nível do hábito, do ponto de vista da vida cristã, é que muitas
vezes assuntos muito importantes e assuntos absolutamente sem importância são de igual
modo costumeiros. O costume em si não nos fornece os critérios que nos capacitariam a
distinguir entre o que se situa na periferia da vida e o que é verdadeiramente essencial.
Em certas partes dos Estados Unidos é hábito ir à igreja aos domingos. Qualquer
pessoa que seja alguém vai à igreja. De outra forma, entretanto, a vida da comunidade
não indica que o amor de Cristo é uma influência dominante. Ir à igreja se tomou um
hábito social, em vez de ser a adoração do Cristo vivo. Mas, nas mentes das pessoas que
agem no nível do hábito, a obediência ao costume de ir à igreja se identifica com a fé
cristã. Dessarte um aspecto marginal da vida cristã se toma o critério pelo qual se mede a
saúde desta vida. Como resultado, frequentemente vivemos em um paraíso ilusório,
porque confundimos obediência ao costume com vida cristã.
Uma situação similar prevalece no campo da política. Certas afirmações a
respeito da liberdade e igualdade dos seres humanos são costumeiras neste país. Sem
qualquer reflexão, a maioria dos americanos afirmará que acredita que os seres humanos
são iguais e livres. Todavia, para muita gente tal afirmação não é o resultado de nenhuma
decisão ou convicção pessoal, mas meramente a repetição de expressões aceitas, ditadas
pelo hábito. Sempre que tentarmos medir a saúde de nossa democracia simplesmente
pelo número de pessoas que usarão as costumeiras expressões democráticas da boca para
fora, estaremos confundindo costume com decisão pessoal, e nossa avaliação será
extremamente imprecisa.
Visto que muito de nossa moralidade cotidiana não é resultado de decisão ética,
mas mera imitação do comportamento observado em outros, vivemos grande parte de
nossa vida moral em um estágio pré-ético. Precisamos nos dar conta de que todos nós
continuamos nesse estágio do costume, mesmo que tenhamos tentado conscientemente
levar a sério a vida cristã.
Existem numerosos exemplos notáveis do poder do hábito na vida do cristão. Por
exemplo, a maioria dos protestantes, depois de assistir a um ofício em uma igreja católica
romana, dirão que não gostaram da celebração. Quando tentarmos chegar à raiz dessa
antipatia, aqueles de nós que têm algum interesse em teologia em geral ficarão
gravemente decepcionados. Usualmente as objeções principais à missa católica romana
têm a ver com o uso do latim, o ajoelhar-se, as vestes, o incenso ou os acólitos. Algumas
ou todas essas práticas podem ser contrárias a nossos costumes, mas elas estão na
periferia da teologia. Suponhamos que um sacerdote católico romano, usando as vestes
próprias a nosso grupo particular, pregasse do púlpito de uma de nossas igrejas e
exaltasse a salvação pelas obras e a necessidade de nossa cooperação em nossa salvação.
A maioria dos fiéis ficaria menos chocada do que se ouvisse um sermão completamente
evangélico sobre a salvação pela graça somente, feito por um pregador que então
passasse a usar um incensório.
Isso pode ajudar-nos a compreender quanto de nossa vida diária, mesmo na
Igreja, é vivida no nível do costume. Em um estudo da vida cristã, devemos perguntar
constantemente se estamos falando a respeito do evangelho de Cristo ou a respeito dos
costumes e hábitos do nosso grupo social. Frequentemente, c em especial no campo da
ética, os costumes morais do nosso grupo se confundiram completamente com o
evangelho do Senhor Jesus Cristo. Dizemos “comportamento cristão” e muitas vezes nos
referimos ao comportamento de americanos brancos, da classe média. Esquecemo-nos
de que nosso Senhor Jesus Cristo questionou e derrubou muitos dos mais venerados
costumes de seu tempo.
O Cristo que comia com traidores e prostitutas, que desrespeitou as leis religiosas
protegendo o sábado é, se levado a sério, um inimigo perigoso de todos os nossos
costumes e preconceitos morais. Perante ele nossas ações não podem ser defendidas
meramente apelando para precedentes. Deste ponto de vista torna se claro i|iie o estágio
do costume, como o estágio de imediação, é um estágio pré ético.
ÉTICA PRUDENCIAL
A ética como esforço inteligente para descobrir critérios ou padrões para
descobrir critérios ou padrões para decisão, principia quando os indivíduos começam a
refletir sobre seus conceitos de certo e erradp. As pessoas estão constantemente fazendo
julgamentos morais relacionados com as atividades de sua vida cotidiana. Mais cedo ou
mais tarde elas podem perguntar-se: “Por que considero esta ação certa e esta outra
errada? Que valores pessoais me fazem decidir dessa maneira?” Sempre que esta
pergunta é feita pessoalmente e com seriedade, o nível do costume foi ultrapassado. A
ação não é mais meramente uma tentativa de conformar-se a critérios existentes que são
aceitos sem hesitação. A ação agora é o resultado da reflexão baseada em critérios
conscientes de valor.
Na maioria dos esforços para descobrir uma base significativa para a vida, a
pergunta fundamental é: “Para que estou vivendo?” A resposta a esta pergunta determina
o caráter de nossa ética. Um sistema ético pode ser chamado, de prudencial se seus
critérios básicos são selecionados com o olhar voltado para o futuro. A qualidade boa ou
má de uma ação depende, aqui, do fim bom ou mau que se espera que ela produza. Este
sistema avalia todas as decisões pelas consequências que podem ser esperadas como
resultado. Existem vários tipos de ética prudenciál.
Hedonismo — Um hedonista é uma pessoa cujo critério ético supremo é o prazer.
Ele acredita que a bondade de uma ação depende inteiramente da quantidade de prazer
que ela venha a assegurar. O bem é identificado com aquilo que dá prazer, e o mal com
aquilo que causa dor.
A dificuldade deste sistema é evidente. Prazer é o tipo de palavra que significa
um milhão de coisas para um milhão de pessoas. O que é prazer para uns é dor para
outros. Algumas pessoas encontram prazer em serem giradas em uma maquineta de um
parque de diversões até que suas entranhas estejam em um estado de completa
desorganização. Elas se dispõem até a pagar por esse privilégio duvidoso. Outras
pessoas, sentem dor até mesmo ao pensarem em ser submetidas a tal tratamento. Além
disso, há pessoas que dizem que ler livros e ouvir música clássica são atividades
realmente dolorosas para elas, mas que dão a outras um grande prazer.
Exemplos da ambiguidade do conceito de prazer poderiam facilmente ser
multiplicados. Uma coisa está clara: muitas pessoas são guiadas em suas decisões
pessoais pela busca do prazer. Seja o que for esse prazer, ele é o valor supremo da vida.
Se tentamos avaliar as consequências de tal critério ético para a vida humana, é
importante distinguir entre dois tipos principais de hedonismo. Chamamo-los de
individualista e universalista. O primeiro grupo, representado por homens como Epicuro
e Orrçar Khayyam, afirma que cada indivíduo, a fim de alcançar uma vida significativa,
deve buscar seu próprio prazer. É inútil e na verdade perigoso tentar adivinhar o. que dará
sentido às vidas dos outros. Por isso, nossas ações deveriam ser guiadas inteiramente pelo
que trará prazer a nós como indivíduos. Qualquer esforço para adivinhar o que poderia dar
felicidade a outros apenas conduzirá à infelicidade geral.
Podemos reconhecer um elemento de verdade nesta posição se nos lembrarmos de
todos os esforços patéticos com os quais tentamos fazer outras pessoas felizes. Percebemos
que às vezes as pessoas que estão constantemente tentando “tomar todo o mundo feliz” se
transformam em pessoas terrivelmente importunas e maçantes. Reconhecendo a futilidade
de tais esforços, o hedonista individualista os abandona inteiramente e advoga uma busca
de felicidade clara e interesseira.
Não é verdade que isso exclua todo serviço prestado a outros. O hedonista
individualista sabe que fazer certas coisas para outros pode lhe trazer felicidade. Porém
ele sempre está consciente de que não faz isso para tomar outros felizes, mas porque fazer
coisas para os outros traz felicidade a ele. O objetivo último é sempre seu próprio prazer
pessoal.
Mesmo que o prazer fosse um conceito claro e constante, o que não é, esta seria
uma fundação muito vacilante para a vida humana. Tal individualismo coloca todo homem
contra todos os outros, e assim rompe e atomiza a sociedade humana. Historicamente, o
hedonismo deste tipo tem sido acompanhado do agnosticismo. Se as pessoas não crêem
em uma vida após a morte, se o prazer é o único bem, elas têm que evitar tudo o que lhes
possa trazer conflitos com outros e causar dor. Muito logicamente os grandes
representantes do hedonismo individualista defenderam que a pessoa ficasse fora da
política e da vida pública, e em geral que se afastasse da maioria das pessoas, exceto de
uns poucos amigos selecionados.
Deste ponto de vista, o casamento e a constituição de uma família também eram
censurados. O estado de solteiro seria o ideal, implicando o menor desprazer. E é verdade
que todo envolvimento com pessoas é uma fonte de dor em potencial. Se você tem uma
esposa e três filhos, tem cinco pessoas com as quais se preocupar; se você é solteiro, tem
apenas uma.
Os hedonistas individualistas finalmente perceberam que a vida, mesmo vivida só,
à parte da dor que outros possam injetar nela, ainda consiste de mais dor do que prazer.
Assim, do ponto de vista dos hedonistas individualistas, a vida simplesmente não vale a
pena ser vivida. Pensando segundo esta lógica, muitos filósofos desta escola advogaram
o suicídio, e não poucos o praticaram. Se tudo o que faz com que a vida valha a pena é
o prazer que podemos espremer dela, e se essa vida tem que terminar com a morte,
simplesmente não vale a pena viver. E como a maioria das mortes naturais é mais
dolorosa e desagradável do que certos tipos de suicídio, pode-se facilmente demonstrar
que a partir uma adesão lógica aos princípios do hedonismo individualista o suicídio e
aconselhável. Jesus estabeleceu a lei da vida espiritual: “Aquele que encontrar a sua vida,
perdê-la-á”; e os hedonistas individualistas não foram exceções a esta regra.
Os hedonistas universalistas (J. S. Mill, Bentham, Locke e outros) operam com
uma premissa básica diferente. Conhecidos também como “utilitaristas”, seu lema é “o
maior bem para o maior número”. Aqui todas as pessoas estão incluídas na busca do
prazer. Se meu próprio prazer entra em conflito com o prazer do grupo, tenho que estar
disposto a sacrificar meu prazer pessoal pelo prazer maior da maioria.
Este sistema tem vantagens óbvias como método ético para a organização da
sociedade. Ele é inclusivo, tomando possível considerar não apenas todas as pessoas
vivas hoje, mas também as gerações vindouras. Mas a grande dificuldade que surge
também aqui é a dificuldade de estabelecer o que esse “maior bem para o maior número”
poderia significar em qualquer caso particular. É fácil ver que o comunismo e o nazismo,
com todos os seus campos de concentração e câmaras de gás, poderiam ser justificados
do ponto de vista de um hedonista universalista. Se seis milhões de pessoas são
asfixiadas e cremadas, que importa? Existem dois bilhões de habitantes no mundo, e se
posso convencer-me de que minha ação é para o bem dessa esmagadora maioria, meus
crimes deixam de ser crimes e se justificam imediatamente.
O maior bem para o maior número é um princípio tão vago para a ética, que seus
resultados em termos de ação dependerão inteiramente da interpretação que ele receber
em qualquer época específica. Os defensores deste sistema, como todos os outros que
fazem do prazer o bem último, têm dificuldade em encontrar um critério que possibilite
ao homem distinguir entre vários tipos e espécies de prazer. A única distinção que pode
ser feita por um hedonista que deseja ser coerente é a distinção entre mais prazer e menos
prazer — uma distinção quantitativa. No momento em que tenta avaliar os prazeres
qualitativamente, afirmando que alguns prazeres são melhores do que outros, ele deixa
de ser um hedonista verdadeiro. Está injetando uma forma diferente de valor em sua
ética. Isso foi feito por alguns utilitaristas, mas só demonstra o caráter insatisfatório do
“prazer” como o valor básico da vida.
Antes de abandonarmos o exame do hedonismo, individualista e universal, será
bom para nós lembrar-nos que muitas de nossas ações são na verdade guiadas por um
hedonismo secreto. Mesmo que conscientemente rejeitemos o hedonismo como fonte de
uma norma válida para decisões, ele é a base da decisão em muitas de nossas ações.
Apesar de pensarmos que não deveríamos agir neste nível, fazemo-lo em mais ocasiões
do que gostaríamos de admitir. Mesmo por trás de nossos mais nobres motivos existe
frequentemente um desejo secreto de prazer. Os hedonistas que tentam justificar essa
fonte de nossa ação podem estar errados, mas aqueles de nós que negam a existência
efetiva dessa fonte estão igualmente errados e, além disso, são menos honestos.
Os cristãos tendem a confundir a vida cristã com alguma forma de hedonismo
sobrenatural. Pois, quer você espere o prazer aqui na terra, quer em uma vida vindoura,
se suas ações são orientadas por seu desejo de prazer e suas tentativas de evitar a dor,
você é um hedonista, mesmo que o prazer seja esperado no céu e a dor no inferno. Uma
filosofia cristã que for dominada por uma tentativa de alcançar prazeres no céu e evitar
os sofrimentos do inferno é hedonismo puro e simples. Mesmo o fato de que alguns pais
da Igreja gastaram muito tempo e papel descrevendo os prazeres dos santos no céu
enquanto observam o sofrimento dos condenados no inferno não justifica tal hedonismo
“cristão”. A principal característica de todo hedonismo religioso é que ele destrona Deus
e faz da felicidade eterna do indivíduo o verdadeiro bem de sua vida. Deus, então, se toma
um meio para fins humanos. Utilizamos Deus e a Igreja para obter nossa própria
felicidade. O amor por nosso semelhante é reduzido a um meio para acumular méritos
que nos levarão ao céu. Uma parte substancial da teologia cristã tem sido dominada por
esse tipo de hedonismo religioso. Para muitos cristãos, a religião pode tomar-se a forma
mais sutil de egoísmo, de obter o prazer etemo e evitar a dor etema. Ao prosseguirmos
nossa procura pela vida cristã, também precisamos ter em mente essa forma de hedonismo
individualista, camuflado superficialmente por conceitos e ideais cristãos.
Naturalismo — Se o prazer é um critério ou padrão tão incerto e ambíguo para
decisões, por significar tantas coisas diferentes para tantas pessoas diferentes, surge a
pergunta se não seria possível descobrir em algum lugar um padrão mais objetivo, que
fosse verdadeiro para todas as pessoas em todas as épocas. A ética naturalista propõe que
esse padrão pode ser encontrado na natureza. O homem é considerado um produto da
natureza; alguns talvez o chamem de desenvolvimento supremo do processo evolutivo.
Esse processo evolutivo, que produziu todas as diferentes formas de vida, também nos
fornece o padrão para avaliar toda ação. Como é o propósito da natureza que o apto
sobreviva, tudo o que contribui para a sobrevivência do mais apto é bom, e tudo o que
dificulta sua sobrevivência e ajuda o inapto a sobreviver é mau.
A vantagem da ética naturalista sobre o vago apelo ao prazer é a relativa
objetividade do apelo à sobrevivência. Mas, enquanto sobrevivência é um conceito
compreensível e isento de ambiguidade, a palavra “apto” tem geralmente significado
“forte”; assim os padrões da selva são defendidos como adequados para o comportamento
humano. Antes de tentarmos investigar as consequências práticas desta posição,
deveríamos imediatamente reconhecer sua suposição oculta. Ela supõe que o processo
evolutivo seja bom. É a suposição otimista da maioria dos naturalistas biológicos que os
aptos sobrevivem, que de alguma forma o processo de seleção natural seleciona os bons.
Quais são as consequências da ética naturalista em nossa vida diária? A primeira
é a rejeição de todos os esforços para proteger os fracos. O naturalista argumenta que é
mau interferir na natureza encorajando a sobrevivência dos inaptos que ela quer eliminar.
Longe de elogiar as pessoas por cuidarem dos dementes, por exemplo, deveríamos
condenar nossa sociedade e aqueles dispostos a dispender tempo e esforço para preservar
o que a natureza não deseja preservar. Somente as pessoas doentes cuja recuperação
pudesse trazer alguma vantagem para a sociedade deveriam receber assistência médica.
As outras, especialmente as velhas, deveriam ser destruídas ou “liquidadas”.
Outra consequência é que a noção de evolução é aplicada à raça. Supõe- se que
certas raças estejam situadas em um nível evolutivo baixo. Como toda raça tem um lugar
no processo de evolução gradual e constante, existem algurrjas raças que são inferiores a
outras, que ainda não atingiram o nível evolutivo de outras. Ou elas são consideradas
mutações inaptas, becos sem saída da evolução. E deste ponto de vista que a ideia de
“raças de senhores” e “raças de escravos” se toma compreensível. E podemos ver também
por que o tratamento das “raças de escravos” pelas “raças de senhores” é tão terrível de
um ponto de vista cristão. Ele é considerado “natural”. Não existe simpatia por sapos
entre as cobras-ou por moscas entre os sapos. O mais forte se nutre do mais fraco. Tal
cpmportamento é natural e, de acordo com a ética naturalista, proporciona também o
padrão-adequado para o comportamento humano.
Essa ética naturalista também encontra expressão na economia. Aqui encontramos
as pessoas que acreditam que o que é natural é bom defendendo o que é comumente
chamado de economia do laissez-faire. Caveat emptor, acautele-se o comprador, é seu
lema. Na luta econômica pela sobrevivência é o forte, o apto que deveria sobreviver.
Mesmo não sendo estritamente verdade que se precise tomar determinada marca de
uísque para ser uma pessoa de distinção, negócios são negócios, e isso é justificativa
suficiente até mesmo para as falsidades dos anúncios. De fato, se um anúncio ajuda uma
empresa a sobreviver na luta pela existência, é um bom anúncio, mesmo que seja engana-
dor e perigoso. Esforços para regular os preços, controlar os salários, proporcionar
previdência social e assistência médica para os improvidentes constituem uma
interferência na lei econômica natural, sendo por isso maus e fadados a levar ao desastre.
Um esforço por parte do governo no sentido de dar às pessoas uma oportunidade de
encontrar emprego independentemente da sua raça ou cor é errado do ponto de vista dessa
ética naturalista. Isto porque se alega que tais regulamentações obstroem a liberdade — a
liberdade dos economicamente fortes, é claro, a liberdade daqueles que empregam ou
daqueles que controlam os sindicatos segregados de trabalhadores que também se opõem
a tais regulamentações. O fato de que a discriminação racial também obstrói a liberdade,
a liberdade do indivíduo de encontrar um emprego, é considerado irrelevante do ponto de
vista desse naturalismo.
Em todas as épocas a ética naturalista tem encontrado muitos defensores
eloquentes. O sofista Trasímaco, contemporâneo de Sócrates, a defendeu, assim como o
fez Maquiavel dois mil anos mais tarde. Nos tempos modernos, o propagandista mais
declarado do naturalismo na ética foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Ele disse,
por exemplo: “A exploração não é própria de uma sociedade primitiva depravada ou
imperfeita, mas faz parte da natureza do ser vivo, como uma função orgânica primária;
ela é uma consequência da Vontade intrínseca de Poder, que é precisamente a Vontade
de Viver.” E ele advogou uma moralidade de senhores ao invés da moralidade de servos
prevalecente no cristianismo. A aspereza, o egoísmo e a agressividade são aqui as
verdadeiras virtudes; o amor, a piedade e a humildade aparecem como vícios. No
território inglês e americano Nietzsche sempre foi muito impopular por causa da maneira
lógica e fria com que apresentou seu naturalismo. O naturalismo anglo-saxão sempre foi
muito mais cauteloso, circunspecto e desonesto. Mas Herbert Spencer, Julian Huxley e
muitos outros devem ser contados entre os naturalistas biológicos.
Em anos recentes vimos a ética naturalista em ação na Alemanha nazista. A
destruição dos doentes mentais e a esterilização daqueles que eram considerados
biologicamente inaptos para propagar a espécie foram bons exemplos desse tipo de ética
em ação. Assim como a ética naturalista do nazismo tratava o homem como um animal,
também o faz a do comunismo. O processo dialético é considerado o processo natural, e
o Partido Comunista é a organização que tenta auxiliar esse processo natural em sua
marcha. Também aqui as pessoas são apenas meios para o fim evolutivo, e os valores são
pretensamente tomados da própria natureza.
Nos Estados Unidos também se ouvem vozes em defesa da ética do naturalismo.
Alguns dos mais ruidosos oponentes do comunismo concordam com Stalin que devemos
tomar nossa ética da natureza. Enquanto para os comunistas a “natureza” é o “processo
dialético”, para outros ela é um retomo aos dias de um capitalismo laissez-faire
desimpedido e natural. As “leis econômicas da natureza” são boas, dizem eles, e nenhum
homem ou organização humana deve interferir nelas, a menos que deseje provocar um
desastre. Todos os defensores da ética naturalista concordam que aquilo que é conforme
a natureza é bom, apesar de discordarem a respeito do que é a natureza.
Do nosso ponto de vista como cristãos, é preciso certa cautela. Muitas vezes na
história a ética cristã teve um quê de naturalismo. Em sua busca da vida cristã, os cristãos
frequentemente tentaram identificar o status quo, o estado natural das coisas, com a
vontade de Deus. Especialmente quando pessoas “cristãs” do mundo tiveram poder,
tenderam a substituir o direito pelo poder. Alguns dos mais eloquentes porta-vozes da
ética naturalista do poder foram homens do clero. O ídolo de Maquiavel, por causa de sua
devoção absolutamente implacável ao poder, foi o papa Alexandre VI. Richelieu, o
estadista todo-poderoso sob Luís XIII da França, era um cardeal da Igreja Romana. Os
conquistadores da América do Norte usaram seu conhecimento do Antigo Testamento
para justificar o tratamento cruel que dispensaram à população índia nativa. Eles
identificavam a si mesmos com os israelitas e os índios, com os cananeus, que Deus
entregara em suas mãos para serem completamente destruídos. Sem, Cão e Jafé têm sido
usados por teólogos cristãos para justificar a escravatura, e o Novo Testamento, para
justificar o anti-semitismo.
Hoje muitos cristãos, tanto aqui quanto no exterior, perfeitamente satisfeitos com
sua ética naturalista, tentam encobri-la apenas com um tênue véu de trivialidades
piedosas. A ética do naturalismo não é meramente o inimigo fora dos portões da Igreja
cristã; ela tem estado confortavelmente instalada como parasita no próprio centro da
cristandade. A busca da vida cristã não deve ignorar os perigos que ameaçam o
cristianismo da parte dos cristãos que aceitaram a ética naturalista, identificando o que é
com o que deveria ser.
Relativismo — A dificuldade de estabelecer um critério ou padrão ético inteligível
que seja aceitável para todos deveria estar evidente agora. Conceitos como o prazer ou a
natureza, apesar de não serem igualmente ambíguos, ainda assim têm um grande número
de sentidos. E por causa dessa dificuldade óbvia que os relativistas em termos de ética
afirmam que é inútil tentar descobrir um padrão significativo para o comportamento ético.
É impossível, dizem, encontrar um método que nos possibilitaria descobrir se qualquer
decisão específica é certa ou errada. Não existe uma abordagem experimental para a ética,
pois cada situação é única. Em uma situação específica podemos ter a opção entre salvar
uma vida ou dizer a verdade. Mas o que pode ser correto nesta situação pode ser
irremediavelmente errado em outra. É impossível fazer experiências, pois situações
idênticas não podem ser produzidas.
Em vista dessas dificuldades, os relativistas em termos de ética sugerem com
Protágoras, um sofista grego, que o “homem é a medida de todas as coisas”. Uma opinião
é tão boa quanto outra, e cada pessoa tem de estabelecer seus próprios padrões éticos, que
então serão verdadeiros para ela e mais ninguém. Em outras palavras: certo é o que eu
considero certo, e errado o que eu considero errado. Existem tantas “éticas” quanto
existem pessoas, e não há maneira de julgar objetivamente qual de todos esses sistemas
seja mais correto do que qualquer outro.
Essa abordagem é extremamente popular em nossa época, e tem a vantagem de
ser considerada culta e objetiva. Ela é esposada por todos aqueles que afirmam estarem
tentando ser imparciais e sem preconceitos. Vilfredo Pareto, na sua obra Mind and Society,
diz: “O termo ‘deveria’ não corresponde a nenhuma realidade concreta.” E em outra
passagem: “Dizer que a ‘injustiça’, quer praticada contra uma pessoa ou muitas, implica
uma ofensa igual contra a justiça, é dizer algo que não tem sentido. Não existe a pessoa
“Justiça”, e não se pode imaginar que ofensas poderiam ser praticadas contra ela.”3 Esta
é uma ilustração da tentativa dos defensores do relativismo ético de desmascarar todos os
valores como irrelevantes e sem sentido. Os termos bom ou mau, certo ou errado não têm
sentido, e espera-se do intelectual que opere sem eles. Juízos de valor por parte do
historiador, sociólogo, psicólogo ou filósofo o tomam suspeito entre seus pares e
indiscutivelmente “não-científico”. Se um sociólogo como P. A. Sorokin transgride esse
código, ele cai no ostracismo e é chamado de charlatão, ainda que seja chefe do
Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard.
É importante demorarmo-nos por um momento nesse aspecto da ética relativista,
pois os estudantes hoje estão sendo treinados para aceitar o relativismo ético como dogma
infalível. A autocontradição implicada neste ensinamento é óbvia. Em defesa de uma
postura de mente aberta, confrontamo-nos com pessoas de mente totalmente fechada, que
afirmam dogmaticamente a verdade absoluta de que não existe verdade absoluta.
Novamente é importante perceber que a Igreja cristã não tem estado imune ao
relativismo ético. A afirmação: “O homem é a medida de todas as coisas”, expressa em
temos religiosos, tem significado que não existe verdade ou falsidade religiosa, que todas
as religiões são igualmente boas se professadas com sinceridade. Não importa o que você
creia; tudo o que você precisa é alguma espécie de crença: lei seca, a cruz, pacifismo, são
todas iguais. Não existe algo assim como a heterodoxia, pois qualquer pessoa sincera é
também ortodoxa. Em linguagem popular isso significa: “Estamos todos indo para o
mesmo lugar”, mesmo que alguns pensem que é o nirvana, o céu, o inferno, o purgatório
ou uma época de ouro.
Para os relativistas éticos existe uma exceção a essa regra na religião. A pessoa
que insiste na existência da verdade e, portanto, na existência da falsidade; na existência
do bem e, portanto, também na existência do mal; a pessoa que insiste que aquilo que se
crê faz uma diferença é considerada “intolerante”.
Também aqui, como todo homem é seu próprio papa infalível e sua própria
Escritura inspirada, a heterodoxia se tomou ortodoxa; e as pessoas que não se conformam
à heterodoxia ortodoxa por causa de sua ortodoxia heterodoxa colocam em risco sua
aceitação no círculo eleito dos tolerantes e liberais. Novamente vemos que o relativismo
ético afeta a cristandade tanto quanto a todos os outros setores de nossa sociedade. Como
os cristãos não vivem em isolamento, os padrões de pensamento que dominam nossa
cultura nunca deixam de influenciar a Igreja cristã.
ÉTICA ESTÉTICA
Enquanto a ética prudencial está sempre voltada em direção ao futuro, existem
outros esforços para tomar a vida significativa aqui e agora áem considerar qualquer coisa
que o futuro possa trazer ou tirar. A pessoa que acredita em qualquer tipo de ética
prudencial vê todo ato justificado pelo que poderiam ser seus resultados futuros. É o
resultado do ato que o toma bom ou niuu, e não o ato em si. Por exemplo, os assassinatos
cometidos pelos nazistas cm seus campos de concentração eram considerados “bons” por
muitos nazistas sinceros porque se supunha que resultariam no triunfo de uma raça
biologicamente superior sobre raças biologicamente inferiores. De modo semelhante, mas
em roupagem eclesiástica, o bispo de Verden disse em 1411: “Quando a existência da
Igreja está ameaçada, ela é liberada dos mandamentos da moralidade. Com a unidade
como fim, a utilização de qualquer meio é santificada, mesmo que seja dissimulação,
traição, violência, simonia, prisão, morte. Pois toda ordem visa o benefício da
comunidade, e o indivíduo deve ser sacrificado pelo bem comum.” É muito possível que
a pessoa comprometida com tal sistema ético passe a vida toda fazendo coisas
desagradáveis, ou mesmo coisas más, para a obtenção de algum bem que se acredite ser
o resultado que Nohovirá como consequência. Esse bem pode nunca ser de fato atingido.
O In ui está sempre no futuro, e o mal presente é apenas um meio passageiro para alcançar
o bem.
Todos conhecemos pessoas que durante toda a sua vida fazem um trabalho do qual
realmente não gostam, mas que é lucrativo, para que no final possam, por algum tempo,
fazer as coisas das quais gostam. O problema é que muitas vezes uma pessoa assim se
aposenta aos 65 anos de idade, para fazer o que quer, e então morre aos 66. Durante 50
anos essa pessoa fez coisas que lhe pareciam maçantes ou mesmo más, de modo que
pudesse fazer o que era agradável e bom durante alguns meses apenas.
Em virtude desse aspecto frustrante do método prudencial de conduzir a vida,
algumas pessoas sugerem um caminho diferente. Esqueça o passado e o futuro, é o que
elas dizem. Viva agora! De que adianta trabalhar para prazeres futuros ou preocupar-se
com dores futuras? E por que preocupar-se com a natureza? A natureza não se preocupa
com você. Tente tomar sua vida significativa apesar de em última análise ela não ter
sentido. Tente desfrutar a vida, n u m i m que a dor sobrepuje o prazer. E se é para existir
a dor, talvez você possa aprender a desfrutar até mesmo a dor. Não tente dar ao universo
um sentido que ele não tem. Não tente encontrar para sua vida um propósito situado
no futuro. Encare a desesperança de sua situação e então tente tirar o melhor partido
possível dela.
Escreve Bertrand Russel:
Breve e impotente é a vida do homem; sobre ele e toda a sua raça a ruína, lenta e
certa, cai negra e sem piedade. Cega para o bem e o mal, sem se importar com a
destruição, a matéria onipotente rola no seu curso incansável; para o homem, condenado
hoje à perda de seus entes mais queridos, amanhã a passar ele próprio o limiar da
escuridão, resta apenas acalentar, ainda antes que desça o golpe, os elevados pensamentos
que enobrecem seu curto dia; desdenhando os terrores covardes do escravo do destino,
adorar no santuário que suas próprias mãos construíram; sem se intimidar com o império
do acaso, preservar uma mente livre da arbitrária tirania que rege sua vida exterior;
desafiando orgulhosamente as forças irresistíveis que toleram, por um instante, seu
conhecimento e sua condenação, sustentar sozinho, um Atlas cansado mas pertinaz, o
mundo que seus próprios ideais modelaram, apesar da marcha esmagadora do poder
inconsciente.
Compare isto com sua imagem favorita de Jesus, e pergunte a você mesmo: estarei
envolvido em uma fuga estética da decisão? Quero uma alternativa diferente de “Cristo
crucificado” ou “ausência de sentido”? Na maioria dos casos de fato queremos uma
alternativa diferente. A cristandade tem sempre estado em perigo de escapar do
discipulado do Cristo vivo para a adoração de algum belo salvador.
Agora, porém, algumas breves palavras sobre dois tipos específicos de ética
estética. A ética estética pode se ocupar do ser, da pessoa ou personalidade e seu
desenvolvimento; ou pode se ocupar da existência, ação e decisão. Para fins de
classificação, daremos à primeira o nome de ética de auto-realização. Aqui o bem é aquilo
que ajuda a produzir o desenvolvimento mais completo da personalidade. O “eu” não é
apenas o corpo, mas também a mente; ele inclui também nossos amigos, colegas e todas
as coisas e acontecimentos ao nosso redor que fazem de nós o que somos. Quanto mais
eu compreender esse ser na medida em que toca minha personalidade, tanto maior será
meu eu. Minha tarefa ética é aumentar e integrar meu eu tanto quanto possível. Quanto
mais eu souber, tanto maior se tornará meu eu e tanto mais significativa se tomará minha
vida. A meta da ética de auto-realização é o desenvolvimento da personalidade, i. é, uma
personalidade mais inclusiva, que exista em harmonia com todas as outras
personalidades. O indivíduo deve se perder no eu universal. A pergunta sobre o sentido
último da vida e personalidade é ignorada.
Um tipo diferente de ética estética é sugerido pelo modemo existencialismo ateísta.
Esse movimento enfatiza a liberdade e responsabilidade do homem e encontrou seu mais
famoso porta-voz no francês Jean Paul Sartre. Embora os existencialistas protestassem
com veemência se fossem classificados como defensores de uma ética estética, tal
classificação parece justificável por uma série de razões. Os existencialistas não creem
que suas ações tenham algum sentido último, porque a própria vida não tem sentido
último. Como diz Simone de Beauvoir: “O homem se realiza dentro do transitório, ou não
se realiza.” Em outras palavras, nossas ações devem ter sentido para nós agora; não existe
outro lugar, infemo ou céu, após a revolução ou após a aceitação mundial da livre
iniciativa, onde tudo correrá bem.
As pessoas que acreditam em um futuro no qual todas as dificuldades
desaparecerão podem justificar suas aflições e sacrifícios como meios para esse futuro
glorioso. O existencialismo nega completamente tal futuro. Não existe meta na vida,
exceto a vida como é vivida agora. Diz Madame de Beauvoir: “Se divisão e violência
definem a guerra, o mundo sempre esteve e sempre estará em guerra; se o homem está
esperando pela paz universal a fim de estabelecer sua existência de modo válido, vai
esperar indefinidamente: nunca haverá nenhum outro futuro.” O bem é ação, a afirmação
da liberdade humana sobre tudo o que tenta bloqueá-la. A vida ética é “querer liberdade”
para si e para todos os homens. É vivendo ao máximo que vivemos melhor. A decisão e
a ação são autojustificadoras. Madame de Beauvoir diz mais:
Qualquer homem que tenha conhecido amores verdadeiros, revoltas verdadeiras,
desejos verdadeiros e vontade verdadeira sabe muito bem que não necessita de qualquer
garantia externa para estar seguro de suas metas; sua certeza vem de seu próprio impulso.
Existe um provérbio muito antigo que afirma: “Faça o que você precisa fazer, aconteça o
que acontecer.” Isso equivale a dizer de forma diferente que o resultado não é exterior à
boa vontade que se realiza na tentativa de atingi-lo. Se ocorresse que cada homem fizesse
o que deve fazer, a existência estaria salva em cada um, sem que houvesse qualquer
necessidade de sonhar com um paraíso no qual todos seriam reconciliados na morte.
O certo e o errado não dependem da humanidade, mas do homem como indivíduo,
que sozinho faz com que qualquer coisa seja certa ou errada. Certo é agir; errado é vegetar.
Antes de abandonarmos a ética da auto-realização e do existencialismo, devemos
novamente lembrar-nos que essas idéias também podem ser encontradas na cristandade.
Existem muitos pretensos cristãos que descartam a verdade última do cristianismo e o
usam meramente como meio para uma vida mais plena. Eles precisam de paz de espírito;
querem parar de se preocupar e começar a viver aqui e agora. Não estão preocupados com
o futuro, mas o cristianismo lhes parece uma forma de viver agora a vida esteticamente
válida. Seu suposto cristianismo se expressa num amor por hinos, especialmente canções
natalinas, apesar de não acreditarem no Cristo. Expressa-se no amor por igrejas góticas
suavemente iluminadas, que criam uma atmosfera esteticamente satisfatória. A verdade
última de Cristo não lhes interessa. O cristianismo é apenas uma muleta psicológica.
Similarmente, existem pessoas que dissolvem a essência do evangelho cristão
transformando a Igreja num meio de ação por amor à ação. Elas não querem perguntar se
o cristianismo é verdadeiro; querem fazer coisas. Algumas, das coisas que querem fazer
são muito elogiáveis: querem eliminar favelas, construir hospitais, reabilitar alcoolistas,
abolir o alcoolismo e o crime. Mas no lufa-lufa de todas as suas atividades elas nunca
encontram tempo para perguntar: por quê? Por que trabalhar pela justiça social? Essas
perguntas elas ignoram. Fogem da decisão para a ação. A atividade – qualquer atividade
– se torna a substituta da decisão responsável. Em consequência, essas pessoas
confundem o importante com o sem importância, e perdem toda a oportunidade de viver
uma vida cristã significativa. Estão tão ocupadas em toda parte que nem mesmo podem
ouvir o que Cristo está tentando lhes dizer em sua palavra.
A ética da auto-realização e da atividade pela atividade podem ser encontradas
bem no coração da cristandade.
ÉTICA IDEALISTA
Além dos proponentes da ética prudencial e da ética estética, há aqueles que
procuram seus critérios ou padrões de certo e errado não no homem ou na natureza, não
na personalidade ou na ação, mas em um ideal fora do homem e da natureza. Eles propõem
uma ética idealista, acreditando que esse ideal pode ser encontrado e que é dever do
homem agir de acordo com ele. Mas como pode esse ideal ser descoberto? Aqui as
opiniões divergem.
Ética da Intuição — Há pessoas que acreditam que todos os homens têm um
conhecimento “intuitivo” de certo e errado como parte de sua própria constituição. Assim
como os homens têm olhos e assim podem ver e têm ouvidos e assim podem ouvir, da
mesma maneira todos têm um senso moral que lhes possibilita distinguir o certo do
errado. Esse senso moral é comumente localizado na consciência, mas até os defensores
desta teoria discordam quanto ao conteúdo exato da consciência. Existem alguns que
acreditam que a consciencia diz a todos os homens que é errado matar, mentir, enganar,
roubar ou cometer adultério, e que é certo ser honesto, cortês, corajoso e justo. Quem quer
que negue um fato tão óbvio, dizem, é moralmente cego.
Certos filósofos tentaram dar uma descrição mais sofisticada dessas regras que
todos sabemos por intuição serem corretas. O filósofo inglês Henry Sidgwick afirmou
que existem três regras ou máximas óbvias as quais sabemos por intuição serem
verdadeiras e razoáveis. À primeira regra ele dá o nome de Máxima da benevolência. Ela
diz: “Não devo preferir meu bem menor ao bem maior do próximo.” A segunda é a
Máxima da Prudência: “Um bem presente não deve ser preferido a um bem futuro, maior.”
(Levando em consideração a certeza e a possibilidade de obtê-lo.) A terceira regra é a
Máxima da Justiça: “O que eu julgo certo deve, a menos que eu esteja errado, ser julgado
certo por todos os seres racionais que julguem verdadeiramente o assunto”.
Mesmo um exame muito superficial dessas máximas revela que elas são vagas e
sujeitas a um Sem-número de interpretações. Ainda que duas pessoas aceitassem esses
critérios, sua interpretação dessas regras gerais tomaria seus critérios pessoais bem
diferentes.
Apesar de todas as dificuldades óbvias da “ética intuicionista”, mesmo um filósofo
como Henri Bergson acreditava que existem experiências suprain- telectuais que estão na
base dos juízos morais de heróis e santos. No entanto, o caráter inconstante da consciência
humana e sua sensibilidade variável tomaram difícil a defesa do ponto de vista dos
intuicionistas. Mesmo que concordássemos com os críticos do intuicionismo de que tais
regras de certo e errado que são acessíveis a todos os homens através da consciência são
difíceis de estabelecer, isto ainda não significaria que essas regras não existam. Há uma
diferença importante entre a afirmação de que existe algo assim como certo e errado
independentemente dos desejos e opiniões humanas e a afirmação dos intuicionistas de
que esse conhecimento do certo e errado é facilmente acessível e pode ser obtido com a
ajuda do senso moral.
Ética Racionalista — Além do intuicionismo, existe um outro tipo de ética idealista
que afirma que o critério ou padrão básico para o certo e o errado pode ser encontrado
mediante o uso exato da razão.
Talvez o mais famoso representante de tal ética racionalista tenha sido o filósofo
alemão Immanuel Kant. Em sua famosa Crítica da Razão Prática ele sugeriu que um
exame cuidadoso da mente humana revela no âmago um senso de dever que é a base para
toda ação ética. Todos temos em nós um “senso do deveria”. Todos sabemos que existe
uma diferença entre o que gostamos de fazer e o que deveríamos fazer. Com frequência
sabemos muito claramente que gostaríamos de fazer uma coisa, mas deveríamos fazer
outra; e muito frequentemente fazemos o que deveríamos ao invés do que gostamos. Se
há um incêndio em uma casa e, passando perto, ouvimos alguém gritar no interior,
gostaríamos de ficar fora, na calçada, onde é seguro; mas muitos de nós, cristãos e pagãos,
tentaremos entrar e ajudar — não porque queremos, mas porque sabemos que deveríamos.
Há alguns anos atropelei um homem com meu carro. Estava chovendo muito, era
uma hora da manhã, e não havia vivalma por perto. Meu carro não ficou danificado, o
homem estava inconsciente e, pelo que pude observar, morto. Meu impulso imediato foi
entrar no carro e me afastar. Isso era o que eu queria fazer; em vez disso, corri ao telefone
mais próximo e chamei uma ambulância e a polícia, porque sabia que isso era o que eu
deveria fazer — e o deverá foi mais forte que o queria.
Kant diz que uma lei moral não é uma afirmação de como os homens se
comportam, mas de como eles deveriam se comportar. Uma lei moral é sempre um
imperativo. Todos sabemos que um homem inocente não deveria ser punido pelos atos
de um homem culpado. Um homem não deveria pagar o bem com o mal.
Foi sobre esse “senso do deveria”, que a razão pode descobrir e analisar, que Kanl
construiu seu famoso “imperativo categórico”. Diz o seguinte: “Aja de tal forma que as
regras que governam sua ação pudessem se tomar a lei universal” lista é, obviamente, a
Regra Áurea em terminologia complicada: Faça aos outros o que você gostaria que
fizessem a você.
Kant acreditava que com isso tivesse descoberto o fundamento de uma ética
racional. Não eram necessárias a fé ou a intuição, mas apenas raciocínio lógico para
chegar a essa posição e perceber sua sensatez.
Para nós permanece a dificuldade representada por aquelas pessoas dispostas a
deixar o assassínio ou o adultério se tornar a lei universal. Sua ação será correta porque
concordam em deixar todos os demais agir da mesma forma? Por mais atraente que seja,
a ética kantiana não fornece a fundamentação firme para a vida boa que ele esperava dela.
Também no intuicionismo e no racionalismo vemos tentativas de encontrar
padrões para viver que afetaram seriamente a cristandade. Muitos cristãos consideram
certo aquilo que sabem intuitivamente ser certo. Essas são as pessoas que afirmam terem
uma ligação particular com Deus e por isso tomam suas decisões éticas não imitando o
Cristo, mas baseadas em suas próprias percepções intuitivas. Em toda geração, em toda
congregação cristã existem alguns entusiastas que tentam conduzir os cristãos por sua
própria trilha inspirada.
De modo semelhante, é possível mostrar que o racionalismo não deixou de
influenciar a ética cristã. Os esforços de atenuar as exigências absolutas do discipulado
cristão geralmente se baseiam na alegação de que as leis éticas precisam ser razoáveis e
que algumas ordens do Novo Testamento simplesmente não se ajustam a esta
especificação. Por exemplo, durante toda a Idade Média fizeram-se esforços teológicos
para provar que amar ao próximo significa, primeiro, amar a Deus; segundo, amar a si
próprio; terceiro, amar pessoas naturalmente próximas de nós, nossos parentes e amigos;
e somente em quarto lugar, todas as outras pessoas. Esse conceito de amor ordenado foi
um esforço para atenuar as exigências do evangelho que são “não-razoáveis” do ponto de
vista da competência e razão humanas. Repetidamente são pregados sermões em que se
faz a tentativa de tomar o “amarás ao inimigo” mais razoável — atenuando-o por meio
de explicações. O Sermão da Montanha é uma passagem favorita daqueles que gostariam
de tornar o modo de vida cristão mais aceitável para a razão humana. Durante toda a
história da Igreja cristã pode-se observar a influencia da ética racionalista sobre a vida
cristã.
Aqui, como em todos os outros esforços para encontrar padrões para as decisões
da vida, descobrimos que tentativas filosóficas de fundamentar a ética exerceram grande
influencia sobre a Igreja cristã. Deve estar claro, a esta altura, que a vida cristã não pode
ser entendida à parte dos esforços do homem de dar sentido a suas decisões. O
cristianismo sempre existiu em conflito e tensão com todos os outros sistemas éticos. Esse
conflito não apenas mudou o mundo, mas também influenciou a Igreja.
Antes de abandonarmos o exame dos esforços filosóficos de encontrar padrões
para as decisões com que se confrontam os homens, é necessário destacar uma distinção
básica entre todos os sistemas éticos. Todos eles são ou formalistas ou teleológicos. Isto
é, estão centrados ou no motivo ou na meta da ação humana. Uma abordagem formalista
da ética enfatiza a importância da intenção. Uma mentira não é a afirmação de uma
inverdade, mas uma tentativa de enganar. Se eu lhe disser que Nova Iorque é a capital dos
Estados Unidos, isso não será uma mentira se eu honestamente acreditar que é este o caso.
Para que essa afirmação seja mentirosa, ela deve ser o resultado de minha intenção de
enganar. Se eu lhe disser a verdade por engano, mas a minha intenção era lhe mentir, de
acordo com o formalismo estarei realmente mentindo.
Por outro lado, podemos julgar as ações por seus resultados, ao invés de julgá-las
por suas intenções. Se eu dirigir meu carro de maneira imprudente, mesmo não tendo
intenção de matar ninguém, não estarei livre de culpa, se isto acontecer. Um médico que
por seu descuido dá a um paciente uma droga errada não está livre de culpa só por não ter
tido a intenção de fazê-lo. Aqui vemos claramente uma abordagem teleológica da ética:
o que conta é o resultado e não o motivo.
Apesar de ser importante distinguir entre essas duas abordagens éticas,
deveríamos lembrar-nos que a maioria de nós usa ambas simultaneamente. Mesmo os
tribunais levam em consideração tanto o motivo quanto a consequência. E significativo,
entretanto, que o cristianismo afirme que em todas as decisões éticas importantes o
motivo é o aspecto significativo. É a árvore que produz os frutos. Se ela é má, nenhum
dos resultados pode ser bom, do ponto de vista da ética cristã. Neste sentido, a ética cristã
é mais formalista do que teleológica.
A BUSCA RELIGIOSA DE VALOR
LEGALISMO
Todos sabemos o que é a religião “legalista”. O Novo Testamento a descreve para
nós como a religião dos escribas e fariseus. Mas ela não se encontra apenas entre os
judeus. Entre todos os homens religiosos há alguns que tentam atingir o objetivo da vida
por meio da lei.
O legalista acredita que a vontade de Deus foi expressa na forma de mandamentos
ou leis que o homem pode e deve cumprir. Fazer o bem é viver de acordo com essas leis;
fazer o mal é transgredir qualquer uma delas.
Sabemos como era importante, para os judeus do tempo de Jesus, a “Tora”, a Lei.
Parecia-lhes tão importante que acrescentaram às leis do Penta- teuco toda sorte de
explicações e comentários que visavam tomar mais fácil para os homens agir de acordo
com elas. Construíram, como diziam, uma cerca em torno da “Tora”.
Sabemos, por exemplo, como eles ampliaram a lei do sábado. Em Êxodo 31.14-
15 lemos: “Portanto guardareis o sábado, porque santo é para vós outros: aquele que o
profanar, morrerá; pois qualquer que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do
seu povo. Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do repouso solene, santo
ao Senhor; qualquer que no dia do sábado fizer alguma obra morrerá.”
Esta era uma das leis da aliança de Deus, e a relação do homem com Deus
dependia da obediência a essa lei. Por essa razão os rabinos judeus logo começaram a
estabelecer interpretações dessas leis que visavam impedir a transgressão do
mandamento. Por exemplo, um judeu, ortodoxo não viaja no sábado. Mesmo que a
jornada seja claramente um passeio, ela é proibida, porque constituiria uma quebra do
mandamento do sábado. Da mesma forma, um judeu ortodoxo não liga uma luz elétrica
no sábado, pois mesmo esse ato simples é considerado trabalho, sendo, portanto, proibido.
Ele não carrega nada, nem mesmo um lenço, no sábado, pois isso também seria trabalho
e uma transgressão da lei.
Ilustrações semelhantes poderiam ser dadas com referência a todos os outros
mandamentos. O aspecto importante de que devemos nos lembrar é que certo é errado
aqui são determinados “legalmente”. Conformidade com a lei divina é certo, sua
transgressão é errado. E essa lei é um código acessível a todos os homens. Para o legalista
o problema: “Que é certo?” não existe. Seu problema principal é, antes, o da observação
exata das leis que estão estabelecidas como certas. Considera-se óbvio que os homens
podem observar essas leis. Além disso, “advogados religiosos” desenvolvem sistemas
que tomam a observância dessas leis um pouco menos dificultosa. Por exemplo,
inventaram- se maneiras de viajar mais do que a distância permitida no sábado. De modo
semelhante, é possível carregar um lenço atando-o ao redor do pulso, onde constitui uma
peça de vestuário, e assim contornar a proibição da lei do sábado, caso se necessite de um
lenço.
A religião judaica do tempo de Jesus tinha formalizado completamente a vida
ética. A obediência a um código havia tomado o lugar de qualquer preocupação
verdadeira com a justiça e retidão. Dava-se mais atenção à observância do sábado do que
ao amor e à misericórdia, e nosso Senhor foi criticado severamente por curar doentes no
sábado.
Mas o legalismo judeu é apenas uma das formas de legalismo religioso. Os
ensinamentos de Confúcio, a autodisciplina dos estóicos, as observâncias rituais dos
maometanos — tudo isso são tentativas de viver a vida boa através da obediência à lei.
Para nosso estudo da vida cristã é da maior importância lembrar que tal legalismo também
pode ser encontrado na Igreja cristã. Menos de um século depois de S. Paulo, a Igreja
cristã começou a ser dominada por uma mentalidade que reduzia o evangelho a uma nova
lei. Ser cristão significava obedecer às leis da Igreja. Sempre houve vozes proféticas que
protestaram contra essa codificação da vida cristã, mas eram vozes que clamavam no
deserto. A cristandade acabou desenvolvendo um sistema legal de certo e errado que
tornou possível Catalogar cada ação como virtuosa, indiferente, pecado venial ou pecado
mortal. Novamente os teólogos se degeneraram, transformando-se em legisladores, e os
grandes papas deidade Média eram quase todos advogados brilhantes e não teólogos
criativos. Eles conheciam a lei e sabiam como aplicá-la. Na sua opinião, o cristianismo
era lei. O cristão era a pessoa que obedecia essa lei, e, se a desobedecesse, era informado
dos procedimentos legais necessários para corrigir seus erros e pagar as penalidades
devidas.
Apesar de a Reforma ter sido essencialmente uma revolta contra esse conceito
legalista de cristianismo, as igrejas reformatórias logo se viram envolvidas em uma
espécie semelhante de legalismo. Além do mais, se inquirirmos uma pessoa comum, hoje,
acerca do sentido do cristianismo para ela, ela pensará, quase invariavelmente, em leis e
regras. Se você segue essas regras e cumpre essas leis, presume-se que você seja cristão;
se não obedece às leis, você não o é. Essas regras podem tratar da sua dieta na sexta-feira,
ou do conteúdo alcóolico de suas bebidas em qualquer dia da semana. Mas onde
encontrarmos a obediência a regras como o critério da vida cristã, estaremos tratando com
legalismo, a tentativa de encontrar o sentido religioso último da vida através da vontade.
MISTICISMO
Há também aquelas pessoas que acreditam poder encontrar o sentido último da
vida mediante exercícios da alma. Para viver a vida boa, para viver em contato com Deus,
elas sugerem o treinamento das emoções religiosas. Para elas a religião e o valor religioso
são essencialmente o âmbito dos sentimentos, e não da vontade. Schleiermacher, o
famoso teólogo alemão do século XIX, descreveu a religião como o “sentimento de
dependência absoluta”. Assim, podemos aproximar-nos de Deus cultivando nossos
sentimentos religiosos.
As duas características essenciais do misticismo religioso são: primeira, ele apaga
qualquer distinção clara entre Deus e o homem, identificando o melhor do homem e o
melhor de Deus; segunda, existe um método que os homens podem usar para enfatizar o
aspecto divino neles e, assim, se unir com Deus.
Mais uma vez, é possível encontrar tal busca mística de valor em todas as
religiões; mas é no Oriente que o misticismo chegou a seu mais completo
desenvolvimento. Talvez um exemplo ajude a ilustrar essa típica auto identificação com
Deus que caracteriza o místico. No misticismo persa de Rumi Jalaluddin encontramos o
seguinte:
Eu sou a poeira na luz do sol, sou o círculo do sol; à poeira eu digo: fique, e ao
sol: continue.
Sou a névoa matinal. Sou o suspiro do poente. Sou o sussurrar do bosque, a onda
crescente do mar.
Sou o mastro, o leme, o timoneiro e o barco. Sou o recife de coral sobre o
qual ele soçobra.
Sou a árvore da vida e o papagaio em seus galhos, silêncio, pensamento, língua
voz.
Sou o sopro da flauta, o espírito do homem, sou a centelha na pedra, o reflexo de
ouro no metal.
A vela e a mariposa volitando ao seu redor, a rosa e o rouxinol ébrio de sua
fragrância.
Sou a cadeia do ser, o círculo das esferas, a escala da criação, a ascensão e a
queda.
Sou o que é e não é. Eu sou — ó Tu que sabes, Jalaluddin, ó dize-o — sou a alma
em tudo.
Que a alma e Deus são o mesmo na crença do místico, é ilustrado ainda pelo hindu
Acharya Sankara. Comentando os Upanixades, diz:
Atman (alma ou deus, identificados por Sankara), a quem conhecer é salvação, a
quem não conhecer é servidão ao mundo, que é a origem do mundo, que é a base de toda
a criação, através de quem tudo existe, através de quem tudo é concebido — o não-
nascido, o imortal, o destemido, o bom, sem par — Ele é o Verdadeiro. Ele é o seu ser.
E, portanto, isso é você.
Mais tarde:
Mais precioso do que o precioso, eu sou ainda o maior, sou o Todo em sua
completa plenitude; sou o mais antigo, o Espírito, o Senhor Deus. De brilho ilourado sou
e divina forma, sem pé nem mão, rico em poder inimaginável. Visão Nem olhos, audição
sem ouvidos, livre de toda forma, eu conheço mas a mim ninguém conhece. Pois eu sou
Espírito, sou Ser.
RACIONALISMO
É crença característica dos racionalistas que “o bem” ou “Deus” pode ser
alcançado pelo método do pensamento racional, pela lógica e pelo processo dialético. É
pela razão, e não pela lei ou pelo sentimento, que a vida significativa, i. é, a vida boa,
pode ser atingida.
Por causa dessa insistência no pensamento claro e na lógica, o caminho
racionalista para Deus nunca foi tão popular como o “caminho do sentimento” ou mesmo
o “caminho da lei”. Qualquer pessoa pode ficar emocionalmente intoxicada, sob
orientação adequada; e quase qualquer pessoa pode obedecer a certas leis, se elas forem
suficientemente simples; mas nem todas podem pensar corretamente ou mesmo seguir
uma argumentação lógica. É este fato que sempre fez do racionalismo religioso o método
de uma minoria.
Assim como os judeus fornecem um exemplo de legalismo e os hindus um
exemplo de misticismo, da mesma maneira os gregos podem ser descritos como um povo
particularmente dedicado à senda da razão. Foi Sócrates, o grande mestre grego, que
acreditou ser o mal essencialmente o mesmo que a ignorância. Isso significa que as
pessoas poderiam ser libertadas do mal se pudessem apenas ser libertadas de sua
ignorância. Durante toda a sua vida, Sócrates tentou pôr em prática essa crença ensinando,
fazendo a seus contemporâneos perguntas destinadas a revelar e desfazer a ignorância
humana. Ele acreditava sinceramente que a maldade é prejudicial a quem a pratica.
Reduzida a suas implicações mais simples, essa opinião era o resultado do seguinte
processo de raciocínio: o homem mau toma más as pessoas em seu redor. São as pessoas
más, e não as boas, que lhe fazem mal. Se você toma maus aos que o cercam, essas pessoas
que você perverteu irão, no fim, lhe causar dano. Assim, sendo mau, a longo prazo você
prejudica a si mesmo. Como Sócrates explicou em vão a seus juízes em sua Apologia,
simplesmente não é inteligente tomar más as pessoas.
Para Sócrates e outros pensadores gregos Deus era o intelecto supremo, a razão, o
logos do universo. Tomando-nos racionais é que nos tomaríamos semelhantes a Deus; a
filosofia seria a estrada para a bondade. Os pensadores gregos acreditavam firmemente
que a virtude poderia ser ensinada. Tanto Platão quanto Aristóteles, apesar de
discordarem em muitas coisas, acreditavam que a existência de Deus podia ser
demonstrada racionalmente, e desenvolveram provas intelectuais intricadas que deveriam
demonstrá-la. Logo que a existência de Deus ficasse estabelecida, a natureza da vida boa
e a necessidade de vivê-la seguir-se-iam logicamente.
O intelectualismo dos gregos penetrou no cristianismo. Muitos dos grandes
teólogos da Idade Média foram profundamente influenciados por Platão e Aristóteles.
Eles (aceitavam o caminho da razão como um caminho válido para chegar a Deus. No
século II Justino Mártir disse: “Aqueles que vivem conforme a razão são cristãos, mesmo
que sejam considerados ateus. Assim eram Sócrates e Heráclito entre os gregos, e outros
como eles”. Essa noção tinha sido assumida por dois grandes teólogos cristãos de
Alexandria no Egito, Clemente e Orígenes. Essa linha de raciocínio levou os grandes
teólogos escolásticos Anselmo de Cantuária, Pedro Abelardo e Pedro Lombardo a
construir sistemas teológicos firmemente baseados na razão. Esse desenvolvimento
atingiu seu clímax com o fílósofo-teólogo Tomás de Aquino, do século XIII.
Tomás de Aquino, que sempre falava de Aristóteles como o filósofo, como se não
houvesse outro, adotou a ideia de que Deus pode ser alcançado por meio do intelecto. Ele
sugeriu cinco provas da existência de Deus que visavam tomar Deus intelectualmente real
para nós. Para ele, uma pessoa que não crê em Deus é essencialmente uma pessoa que
não pode seguir uma argumentação lógica. Essa concepção nos remete a Sócrates, para
quem o mal e a ignorância pareciam o mesmo. Existe na escolástica até uma tendência de
fazer da ignorância uma virtude salvadora. Se um homem é ignorante, ele não pode ser
considerado responsável, e assim esses teólogos afirmavam que as pessoas que são pagãs
e heréticas honestamente, porque não conhecem algo melhor, podem ser salvas fazendo
o que, apesar de falso, elas acreditam ser correto.
Isso indica quanta ênfase a escolástica cristã dava à razão e a seu uso correto.
Como diz Tomás de Aquino: “Existem certas coisas que mesmo a razão natural pode
alcançar, como, por exemplo, que Deus existe, que Deus é uno e outras como estas as
quais os filósofos demonstraram a respeito de Deus, guiados pela luz da razão natural.”
A senda racionalista para uma vida significativa pode ser encontrada não apenas
na escolástica católica romana, mas também em muito do que passa por calvinismo ou
luteranismo. Sempre que o caminho para Deus como fonte de todo valor for
essencialmente o caminho da razão, estaremos lidando com o racionalismo. Em toda parte
onde o cristianismo é concebido como um conjunto de proposições lógicas às quais
assentimos, a razão reina soberana. Por exemplo, existem muitos luteranos que acreditam
que ser luterano é essencialmente esposar certas opiniões, aceitar certas proposições a
respeito do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ou esposar certa doutrina acerca da
inspiração das Escrituras. Especialmente no que em geral é chamado de “ortodoxia
luterana” deparamo:nos com um conceito de Deus e de sua verdade que deve muito aos
gregos e aos escolásticos medievais.
Em questões de ética, esta abordagem sempre leva a uma retirada do mundo de
conflitos. O bem e o intelectualmente correto são identificados, e o discipulado do Cristo
vivo é reduzido ao assentimento intelectual a seu nascimento milagroso, aos milagres por
ele operados e a sua ressurreição. O homem bom é o homem que tem a crença certa —
que conhece as coisas certas para crer compreende o que está em jogo e então crê nelas.
Sempre que se supõe que o sentido último da decisão seja uma decisão intelectual,
estamos lidando com racionalismo.
Destacamos que a busca religiosa de valor pode tomar o caminho da vontade no
legalismo, o caminho das emoções no misticismo e o caminho do intelecto no
racionalismo. Talvez seja conveniente lembrarmo-nos a esta altura que essas diferentes
abordagens de fato nunca estão tão claramente separadas como neste estudo.
Encontramos tanto o misticismo quanto o racionalismo na religião judaica, o legalismo
no hinduísmo. Para o bem da classificação, entretanto, podemos dizer que esses são os
caminhos básicos que o homem usa para encontrar em Deus a fonte de todos os valores.
Nossa própria seleção é determinada por nossa constituição emocional e intelectual, bem
como pelo espírito da época na qual vivemos. Mas é indubitavelmente verdade que, se
somos pessoas religiosas, estamos empenhados em ascender a Deus pela disciplina de
nossa vontade, pelos exercícios de nossas emoções e/ou pelo cultivo de nosso, intelecto.
Podemos até tentar combinar os três métodos.
Apesar de haver muitas definições diferentes de religião, no contexto de nosso
estudo a religião pode ser definida como a busca humana de critérios ou padrões de valor.
Temos que enfatizar que a religião, como a vemos agora e a conhecemos ao longo da
história, é busca humana. O homem tenta encontrar a vida boa — aproximar-se do
Movedor Não-Movido, como Aristóteles chamou a Deus, ou do Arquiteto do Universo,
como os maçons gostam de chamá-lo. E o homem que usa açoites e.encantações místicas,
em jejuns e danças frenéticas, para unir-se ao Uno, à Alma do Mundo, como os místicos
vêem a Deus. E o homem que pensa que a mais rigorosa obediência à lei divina força
Deus, o Juiz justo dos legalistas, a declará-lo apto para o reino dos céus. Em toda busca
religiosa.de valor Deus é muito real, mas o caminho para Deus é um caminho humano.
Depende do homem se ele vai ou não viver a vida plena de sentido. É o homem que tenta
salvar-se. Mesmo na religião o homem permanece mestre de seu destino e comandante
de sua alma. Apesar de a meta ser Deus, é o homem que por seus esforços toma possível
atingir essa meta.
T ODAS AS OPÇÕES
Definições de ética
Como a ética considera o que é moralmente certo ou errado, numerosas teorias
têm sido propostas com a finalidade de discernir o que é uma ação moralmente boa
(ver cap. 8). Mas, aqui, é suficiente observar as características distintivas da ética
cristã. Cada uma delas será discutida neste capítulo, de forma bem sucinta.
Duas ilustrações servem para esclarecer o que estamos dizendo. Um homem tenta
socorrer uma pessoa que está se afogando, mas fracassa. De acordo com uma forma
de ética teleológica, a atitude desse homem não foi um ato bom porque não produziu
bons resultados. Uma vez que os resultados determinam a bondade do ato, e os
resultados não foram bons, então, segue-se que a tentativa de resgate não foi um ato
bom.
No entanto, uma forma mais sofisticada de ética teleológica (o utilitarismo)
poderia argumentar que a tentativa foi boa — apesar de ter falhado — porque teve
um bom efeito na sociedade. Pessoas ouviram falar a respeito dessa tentativa e foram
encorajadas a ajudar a salvar outros no futuro. Mas mesmo assim o ato de tentativa
de resgate que falhou não era bom em si mesmo. Pelo contrário, tal ato só teria sido
bom se — e somente se — tivesse produzido algum resultado bom para a pessoa que
estava se afogando ou para qualquer outra pessoa.
Em contrapartida, a ética cristã é deontológica e insiste em que alguns atos,
mesmo falhando, são bons. Os cristãos acreditam, por exemplo, que é melhor ter
amado e perdido do que não ter amado. Os cristãos não acreditam que a cruz falhou
simplesmente porque apenas alguns serão salvos. Ela foi suficiente para todos, apesar
de ser eficiente somente para aqueles que creem. A ética cristã insiste em que é bom
lutar contra a intolerância e contra o racismo, mesmo que alguém venha a fracassar.
Isso acontece porque as ações morais que refletem a natureza de Deus são vistas como
boas, independente de serem ou não bem-sucedidas.
Apesar disso, a ética cristã não negligencia os resultados, pois o simples fato de
eles não determinarem o que é certo não significa que seja incorreto consi- derá-los.
De fato, os resultados dos atos são importantes na ética cristã. Por exemplo, um
cristão precisa calcular em que direção uma arma está apontando antes de puxar o
gatilho. Motoristas precisam estimar as possíveis consequências da velocidade em
que se encontram com relação a outros objetos. Preletores são responsáveis por
avaliar os possíveis efeitos que suas palavras podem produzir em outras pessoas.
Cristãos não estão livres das consequências de não terem se imunizado contra uma
doença séria, e assim por diante.
Em todas as ilustrações apresentadas, há uma diferença importante entre os usos
deontológico e teleológico dos resultados. Na ética cristã, esses resultados são todos
avaliados dentro de certas regras ou normas. Isto é, nenhum resultado antecipado
como tal pode ser usado como uma justificativa para quebrar qualquer lei moral dada
por Deus. Utilitaristas, por sua vez, usam resultados antecipados para quebrar regras
morais. Na verdade, eles usam os resultados para fazer as regras. Regras existentes
podem ser quebradas se o resultado esperado exigi-lo. Por exemplo, a ética cristã
permite a imunização visando à prevenção de doenças, mas não admite o infanticídio
visando à purificação da linhagem genética da raça humana; neste último caso o
resultado final é usado para justificar o uso de meios perversos. Em suma, o fim pode
justificar o uso de meios bons, mas não justifica o uso de quaisquer meios,
principalmente o uso de meios perversos.
1. Mentir não é nem certo nem errado: não existem leis. O antinomismo assevera
que mentir para salvar vidas não é nem certo nem errado. Ele afirma que não
existe princípio moral objetivo que possa julgar se essa questão é certa ou
errada. A questão precisa ser decidida com base em princípios subjetivos,
pessoais ou pragmáticos, mas não em algum princípio moral objetivo. Não
temos, literalmente, um princípio moral para decidir essa questão.
2. Mentir é normalmente errado: não existem leis universais. O generalismo
reivindica que mentir é normalmente errado. Como regra, mentir é errado;
mas, em casos específicos, essa regra geral pode ser quebrada. Como não
existem leis morais universais, delimitar se uma mentira está correta é algo
que dependerá dos resultados. Se os resultados forem bons, a mentira terá sido
a atitude certa. A maioria dos generalistas acredita que mentir para salvar uma
vida é uma atitude correta, visto que, nesse caso específico, o fim justifica os
meios. No entanto, a mentira, de modo geral, é considerada errada.
3. Mentir é certo algumas vezes: existe somente uma lei universal. O situacionismo
reivindica que existe somente uma lei moral universal, e que falar a verdade não é
essa lei. O amor é a única lei absoluta, e mentir pode ser a atitude de amor que tem
de ser tomada. De fato, mentir para salvar uma vida é o ato de amor a ser feito.
Nesse caso, a mentira, em algumas situações, é um procedimento correto. E não
somente a mentira, mas qualquer regra moral — exceto o amor — pode e deve ser
quebrada em consideração ao amor. Tudo é relativo; somente uma coisa é absoluta.
Assim, o situacionismo acredita que mentir para salvar vidas é um ato moralmente
justificável.
4. Mentir é sempre errado', existem muitas leis não conflitantes. O absolutismo não
qualificado acredita que existem muitas leis morais absolutas e que nunca
nenhuma delas deveria ser quebrada. A verdade é uma dessas leis. Desse modo, a
pessoa precisa falar a verdade sempre, mesmo que alguém venha a morrer como
resultado disso. A verdade é absoluta, e absolutos não podem ser quebrados.
Assim, não há nenhuma exceção quanto a falar a verdade. Resultados nunca podem
ser usados como um meio racional para se quebrar regras, mesmo que eles sejam
desejáveis.
5. Mentir éperdoável', existem muitas leis conflitantes. O absolutismo conflitante
reconhece que nós vivemos em um mundo mau em que leis morais absolutas,
algumas vezes, entram em conflitos inevitáveis. Nesses casos, é nosso dever moral
escolher fazer o mal menor. Nós precisamos quebrar a lei menor e implorar por
misericórdia. Por exemplo, devemos mentir para salvar uma vida e, em seguida,
pedir perdão por termos quebrado uma lei moral absoluta de Deus. Nossos dilemas
morais, em alguns momentos, são inevitáveis, mas mesmo assim somos culpados
diante de Deus. Deus não pode mudar suas prescrições morais absolutas por causa
de nossa fraqueza moral.
6. Mentir é certo algumas vezes\ existem leis maiores. O absolutismo graduado entende
que existem muitas leis morais absolutas e que, algumas vezes, elas conflitam.
Entretanto, algumas leis morais são maiores que outras. Nesse caso, quando há um
conflito inevitável, é nosso dever seguir a lei moral mais elevada. Deus não nos
acusa por aquilo que nós não podemos evitar. Dessa forma, ele nos exime da
responsabilidade de seguir a lei inferior, tendo em vista a obrigação prioritária de
se obedecer à lei maior. Muitos absolutistas graduados acreditam que a
misericórdia para com os inocentes é um dever moral maior do que falar a verdade
para os culpados. Assim, os que defendem o absolutismo graduado estão conven-
cidos de que é certo, em casos específicos, mentir para salvar uma vida.