7-3-2023 - Texto Básico - Cidadania para Todos - OABSP
7-3-2023 - Texto Básico - Cidadania para Todos - OABSP
7-3-2023 - Texto Básico - Cidadania para Todos - OABSP
1. Introdução
Vale lembrar que a cidadania, no dizer de Hannah Arendt [01], é direito a ter
direitos, e pressupõe a igualdade, a liberdade e a própria existência e dignidade
humanas. Este reconhecimento ainda não é o bastante para torná-la efetiva e
reconhecida entre seus titulares. Muitas discussões e estudos têm sido
realizados, especialmente em face das condições definidas como "pós-
modernidade" e "globalização", bem como das suas manifestações concretas: a
reconfiguração de classes, o aparecimento de novos regimes de governo
internacional, das racionalidades de governo e regimes de acumulação de
diversas formas de capital, novos movimentos sociais e suas batalhas por
reconhecimento e redistribuição. É importante ressaltar que essa articulação de
direitos como reivindicações por reconhecimento sempre evocou o ideal de
cidadania, o que tem exigido a redefinição e reconfiguração da cidadania em
suas três dimensões fundamentais, quais sejam, a extensão (regras e normas
de inclusão e exclusão), o conteúdo (direitos e responsabilidades) e a
profundidade (profunda ou superficial).
T.H. Marshall justifica seu interesse pela questão da cidadania e classe social em
razão da identificação de um problema: o impacto sobre a desigualdade social.
Em seus apontamentos, trata dos estudos do economista Alfred Marshall que
aceitava como certa e adequada a desigualdade quantitativa ou econômica, mas
condenava a diferenciação ou desigualdade qualitativa entre um cavalheiro,
ainda que por ocupação, e o indivíduo que não o fosse. Tomava como padrão
de vida civilizada as condições consideradas por sua geração como apropriadas
a um cavalheiro e reconhecia que a reivindicação de todos para gozar dessas
condições é uma exigência para serem admitidos numa participação na herança
social como membros da sociedade, isto é, como cidadãos. Mesmo ao postular
sobre uma espécie de igualdade humana básica associada com o conceito de
participação integral na comunidade (cidadania), afirmava não existir qualquer
inconsistência com as desigualdades que diferenciavam os vários níveis
econômicos na sociedade, uma vez que a desigualdade do sistema de classes
sociais poderia ser aceitável desde que a igualdade de cidadania fosse
reconhecida.
Quando os direitos políticos fizeram sua primeira tentativa de vir a tona (1832),
os direitos civis já eram uma conquista do homem e, tinham em seus elementos
essenciais a mesma aparência que têm hoje. Sobre aquela fundação sólida,
construíram-se todas as reformas subseqüentes. No início do séc. XIX, a
cidadania na forma de direitos civis era universal, os direitos políticos não
estavam incluídos nos direitos de cidadania e constituíam privilégio de uma
classe econômica limitada. Em sua formação os direitos políticos consistiam não
na criação de novos direitos para enriquecer o status já gozado por todos, mas
na doação de velhos direitos a novos setores da população, ou seja, nesta fase
os direitos políticos eram deficientes não em conteúdo, mas na distribuição
conforme os padrões de cidadania democrática.
Assim, o status diferencial, associado com classe e função, foi substituído pelo
status uniforme de cidadania que ofereceu o fundamento da "igualdade" (ainda
que apenas formal) sobre a qual a estrutura da desigualdade foi edificada. Esse
status era dominado pelos direitos civis que conferem a liberdade de lutar pelos
bens que o indivíduo gostaria de possuir, sem, no entanto, garantir nenhum
deles. Pode-se concluir que essas desigualdades gritantes não eram resultantes
das falhas dos direitos civis, mas à falta dos direitos sociais.
Vale lembrar que o liberalismo enfatiza o aspecto individual e a maior parte dos
direitos se baseia em liberdades inerentes a cada pessoa, com primazia dos
direitos legais e políticos, especialmente as liberdades civis e os direitos de
propriedade, contrabalanceados apenas por algumas obrigações básicas
limitadas ao pagamento de tributos, contenção de ataques e rebeliões e serviço
prestado às Forças Armadas. Diante disso, verifica-se que o liberalismo deixa
em segundo plano sua teoria ética e moral, ou seja, os direitos individuais
representam áreas de liberdades de ação, as obrigações impostas não
ultrapassam as mais básicas e os direitos sociais e de participação geralmente
não se incorporam à teoria, uma vez que requerem obrigações abrangentes para
que funcionem bem. A relação entre direitos e obrigações é contratual ou de
reciprocidade imediata, isto é, para cada direito há, via de regra, uma obrigação
correspondente.
A partir disso, pode-se compreender que a cidadania liberal é mais fácil de ser
adquirir e mais difícil de perder, e exige menos, tanto do indivíduo quanto do
Estado, do que outros tipos de cidadania. Talvez o maior desafio para o
liberalismo seja reduzir as desigualdades para níveis e classificações socialmente
aceitáveis e politicamente sustentáveis, ainda que não totalmente justas, de
modo a que a sociedade, especialmente aqueles grupos em desvantagem, possa
admiti-las e, ao mesmo tempo, mantenha o compromisso com a proteção das
liberdades individuais.
Essa teoria foi retomada pelas correntes neoliberais que, com o domínio nos
governos americano e inglês nas décadas de 70/80, a visão liberal de cidadania
tem triunfado.
Até certo ponto, o comunitarismo foi uma reação não ao liberalismo clássico,
mas a uma concepção de cidadania baseada nas dimensões, social, cívica e
política da comunidade política. Para os comunitaristas a cidadania refere-se à
participação na comunidade política, mas também está relacionada à
preservação da identidade, sendo, portanto, sempre específica para cada
comunidade. Participação na vida pública é a essência da coesão cívica nas
famosas teorias de Jean-Jacques Rousseau (Contrato Social), de Hannah Arendt,
no trabalho de Benjamin Barber, Quentin Skinner e J. Pocock.
4. A cidadania no Brasil
5. Considerações Finais