Conto - Até Que A Morte Nos Separe. Victoria Passos

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Conto – Até que a morte nos separe

Tinha vinte e dois anos quando se mudou para a minha rua. Se casou nova, não
tinha muita escolha, até gostava do seu namorado, mas não imaginava se casar assim, às
pressas. Vinha de uma família perturbada, seu pai bebia muito e sempre agredia sua mãe
e até mesmo batia nela. Já não aguentava mais viver naquela situação, mal imaginava o
que a esperava pela frente. Ela tinha pouco tempo que estava em um relacionamento,
mas não pensara viver uma vida igual a sua mãe.

Os primeiros indícios de abuso foi quando ele não a deixava trabalhar e nem
mesmo ir na minha casa que era ao lado. Comecei a observar mais, pois estava muito
preocupada com minha amiga. Pude ver ele chegando bêbado todos os dias, dava para
ouvir os xingamentos vindo de sua casa, não sabia mais o que fazer, pois já tinha dado
conselhos para ela o denunciar e sair desse relacionamento abusivo em que vivia, mas já
haviam colocado em sua cabeça que aquele era o seu papel, pois cresceu vendo aquilo
acontecer com sua mãe, e que tinha que servi seu marido. O lugar que lhe tinham
prometido não ia muito mais além das paredes da casa para onde fora viver ainda
jovem.

Alguns meses depois engravidou do seu primogênito, ficou mais difícil de vê-la,
já não saia mais na porta de casa para conversarmos igual antes. Ela sempre dizia que
não estava feliz naquele relacionamento, tudo tinha acontecido muito rápido, dissera
que sua mãe dava conselhos para não desistir do casamento, ainda mais agora que
estava gravida, algumas amigas de infância falava que ele era um bom homem, pois a
sustentava e não deixava nada faltar. Não conseguia entender em que mundo essas
mulheres viviam para ao menos mencionar esses absurdos.

Uma moça cheia de sonhos que fora tomada por um monstro em que dizia cuidar
e amar. A tortura diária, normalmente depois do mesmo chegar do trabalho bêbado. Ela
começou a falar de ir embora, que não aguentava mais aquela situação, ele não pensou
duas vezes e deu-lhe um murro em seu rosto e a ameaçou de matá-la se ao menos
tentasse fugir, ainda mais esperando por um filho dele. No dia seguinte, ele pediu
desculpas, e lá está ela com um olho roxo, cheio de hematomas e com a barriga enorme.
Deixou de perdoar o marido, não conseguia ter força para aguentar mais aquela
situação, decidiu que não ia ficar mais ali, mas ao mesmo tempo não tinha para aonde ir,
sua mãe sempre falava para não abandonar seu marido, suas amigas achara que ela
estava aonde tinha que está, vivia condenada pelo sociedade e pela igreja, pois
casamento para eles é para sempre, era disso que a sociedade a convencia. Tentei ajudá-
la de várias formas, mas ela tinha medo de denunciá-lo, ou até mesmo de ir embora.
Nesse mesmo dia decidiu que não ficará mais ali vivendo tudo aquilo, ainda mais
esperando um filho. Ela me pediu ajuda, fui até sua casa, peguei algumas coisas dela e
do bebê, ficou tudo certo de fugir no dia seguinte, quando ele estivesse no trabalho.
Naquela madrugada aconteceu o pior, ele de alguma forma descobriu que ela iria fugir,
revoltado, bateu muito nela, de uma forma que não dava para se defender, aliás, ela
estava gravida dele, que monstro faria isso? ele não só a matou como matou seu filho
dentro da barriga, faltando algumas semanas para nascer.

Hoje está morte. Não sendo mais alvo de perseguição do marido, que no início
tinha prometido cuidar, amar e proteger de todo o mal, mas fez da vida dessa jovem
sonhadora um inferno. Pessoas como sua mãe, suas amigas de infância incentivaram a
ficar nesse relacionamento, mesmo depois de ter falado o que se passava nele. A
sociedade, simplesmente fecharam os olhos. Palavras como: “em briga de marido e
mulher não se mete a colher”, “não percebo como é que as mulheres se sujeitam a isso”,
são ditas com bastante frequência por mulheres que ao invés de se ajudarem, condenam
umas as outras. Pessoas que pensam dessa forma e os agressores não compreendem a
ideia de a vítima ser incapaz de reagir diante de seu agressor.

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