Diálogo Tonico Cinetico

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DIÁLOGO TONICO-CINÉTICO

A MELODIA MÃE / BEBÊ

Suzana Veloso Cabral

Psicóloga Clínica e Psicomotricista Relacional

Coordenadora e Professora da

pós em Psicomotricidade da FCH-FUMEC

A relação mãe/bebê é enfocada por diversos autores da área de ciências humanas,

salientando-se a contribuição dos psicanalistas e dos psicomotricistas.

Mesmo a mídia televisiva tem se interessado pelo assunto e tem feito a divulgação de

séries sobre a evolução infantil e os laços entre bebês e seus pais, sob a orientação de

psicólogos. De modo geral, tais programas têm uma orientação mais comportamentista, por

serem originários dos Estados Unidos, ou mesmo, da Inglaterra. Ou então, abordam as teorias

cognitivistas evolutivas.

Numa dessas séries, exibida pela GNT há alguns anos, encontrei um trabalho

interessante, um vídeo das interações mãe ou pai/ bebê, filmado com duas câmaras que

capturavam, simultaneamente, a mímica, expressão corporal e modulações verbais, além da

fala, durante contatos lúdicos face a face, do adulto e da criança.

Tais cenas chamaram-me a atenção, pois eram cenas bem claras do acordo/desacordo

tônico entre pais/bebê, da harmonia/desarmonia do vivido face a face, podendo-se

decodificar, na expressão facial e corporal de ambos, as premissas do diálogo tônico cinético

primitivo, uma espécie de pré-linguagem icônica e indicial.

Busquei nos diversos autores que têm orientado minha pesquisa e meu trabalho em

consultório e a transmissão didática para os estudantes na área da Psicomotricidade, algumas

referências teóricas para abordar o tema do diálogo tônico cinético.


Segundo WALLON, as experiências mais satisfatórias são as feitas com as pessoas, e

não, as realizadas na manipulação de objetos materiais. A criança cria um sistema de

comunicação com a mãe, através de movimentos, gestos e mímicas, numa linguagem

expressiva, com modulações do tônus e das atitudes, em que se revela o precoce interesse

pelo humano.

É o diálogo tônico-cinético de que vamos falar.

As emoções não são uma linguagem, mas constituem sistemas de expressão, que

abrirão o caminho para a linguagem da criança. Têm função de comunicação através do

tônus, gestos, posturas, mímicas e, sobretudo, das atitudes, além disso, facilitam a unidade de

atitude e consciência, necessária ao intercâmbio intelectual, nos diz Wallon . (1)

Ajuriaguerra baseou-se nos estudos sobre o tônus de Wallon e cunhou a expressão

“diálogo tônico”, um diálogo que é o prelúdio do diálogo verbal, que foi retomada em

psicomotricidade, acrescentando-se o termo cinético que se refere à expressividade dos

movimentos que se expandem ou inibem também. (2)

A psicanálise acaba apontando para a existência de uma pré-linguagem, corporal, para

dar conta do que se passa entre a mãe e o bebê, numa espécie de comunicação inconsciente.

Nos diz Melanie Klein:

Muitos detalhes da conduta dos bebês que pareciam enigmáticos, pois a sua

incapacidade de falar nos colocava diante de um obstáculo de comunicação, podem, na

verdade, ser apreendidos por meios distintos dos linguísticos.

Temos que ter com os bebês uma estreita empatia, baseada num estreito contato entre

nosso inconsciente e o deles. (3)

LEBOVICI nos diz:

O bebê faz de sua mãe, uma mãe, ao investí-la, mesmo antes de percebê-la.

Ele confere à mãe a sua identidade materna.


O bebê necessita ser por ela narcisado através do olhar, do toque, da carícia, do gesto e

da mímica; ele é embalado pela voz e pela palavra, e tranqüilizado pela presença olfativa.

A mãe por sua vez, introduz seu pensamento e seus afetos nos cuidados maternais.

Trata-se de um verdadeiro “banho de afeto”. (4)

Nos diz WINNICOTT:

O bebê no seio olha para o rosto da mãe. O que ele vê?

Vê algo que a mãe expressa através de seu olhar e seu rosto, o que ela experimenta na relação

com o próprio bebê.

Este reflexo é apreendido por ele como numa espécie de espelho.

No olhar da mãe o bebê se vê como sujeito nascente :

“Quando eu olho, ela me vê, portanto eu existo!”

“Posso, então, ser capaz de olhar e ver!”

“Olho criativamente, projetando algo e também podendo perceber a realidade.”

Quando um bebê é carregado e tratado de modo satisfatório, ele supera alguma das

ansiedades primitivas (a de queda e de desaparecer) o que lhe dá um sentimento de apoio.

O objeto lhe é apresentado de tal forma que lhe permite a ilusão onipotente de que ele é sua

criação, um objeto subjetivo. Aí ele começa a trilhar o caminho da constituição do self e do

outro. (5)

Diz DOLTO:

Na relação, o bebê busca preencher sua falta, através do outro, de duas maneiras:

 Com percepções substanciais: a materialidade dos objetos parciais de intercâmbio, por

exemplo, nos cuidados, a forma de lidar com o alimento e o excremento.

 Com percepções sutis: a possibilidade de encontrar o objeto já estabelecendo algum

distanciamento do corpo-a-corpo direto, entrando num circuito mais longo do desejo que

busca se satisfazer. Na sutilidade há intercâmbio através do olfato, da audição e visão, e,

sobretudo, dos sons das palavras e do olhar.


O toque, com suas modalidades de carícia, ou , ao contrário, transformando-se em golpes, se

inscreve num registro justaposto, porque atesta pouca distância do corpo.

Mesmo ainda num circuito curto de desejo, no contato corporal, já há uma

possibilidade simbolígena do vivido, pois a relação se situa na ordem da linguagem.

No coração a coração, como propõe Dolto.

A Imagem Inconsciente do Corpo se estrutura, nela se inscreve o vivido relacional, uma

espécie de síntese viva das experiências emocionais, que são memorizadas no inconsciente

durante o percurso da libido. (6)

Nos diz Regina Morizot, psicomotricista:

Na base das primeiras comunicações e dos primeiros intercâmbios com valor de linguagem,

está o "diálogo tônico", que constitui o prelúdio da comunicação verbal. A modalidade deste

diálogo passa pelo corpo, pelas modificações sutis do tônus, da mímica, do ritmo...

Inicialmente, o bebê se comunica através de suas necessidades e satisfações.

Um estado de necessidade cria uma fonte de tensão com aumento do tônus e se

acompanha de uma situação de desprazer - o bebê chora, grita, ruboriza, sacode os braços e as

pernas - é a hipertonia do apelo.

A mãe, cuja simples presença já age como um estímulo para as respostas do bebê, decodifica

e satisfaz as suas necessidades; a tensão corporal é aplacada pela vivência da satisfação. Estas

alternâncias tônicas são significadas pela mãe no campo da linguagem. (7)

Nos diz Nuria Franc Battle, psicomotricista espanhola:

A trama das reações tônicas provocadas pelas diferentes excitações, conjugadas com a

tonicidade das pessoas que cuidam do bebê constituem a base da organização tônica. Esta

constitui o tecido da vida afetiva, integrando e organizando as funções que põem o bebê em

contato com o outro. O diálogo tônico é o primeiro organizador da pessoa.

A partir do tônus, da atitude, da postura, surge a comunicação com o outro.


Um gesto mínimo, uma mudança postural matizada, uma direção do olhar,

movimentos físicos mínimos, quase imperceptíveis, podem gerar manifestações psíquicas

expressando-se em ação. O tônus, fonema básico da linguagem não verbal pode mudar o

conteúdo de uma mensagem verbal ou não verbal. (8)

Essa comunicação, esse diálogo mãe / bebê que os vários autores relatam com a

peculiaridade de sua abordagem, constitui para a psicomotricidade relacional, uma verdadeira

melodia, uma linguagem pré-verbal, de tipo analógico, antes da digitalização das palavras.

Ela é constituída por ícones, índices, símbolos, que permitem a primeira tradução dos

processos inconscientes na relação afetiva mãe/bebê.

Nas cenas da GNT vemos o tônus, a mímica, o olhar, o toque, os gestos, como

mediadores do contato e comunicação entre os pais e os bebês; vemos o diálogo tônico-

cinético como expressão do mundo inconsciente, da relação de afeto; vemos o início da

simbolização a partir de ícones e índices corporais que vão inserir o bebê na ordem da

linguagem, como significantes que vão dar conta da sua história desejante.

Bibliografia:

(2) AJURIAGUERRA, J. De. Manual de Psiquiatria da Criança. Paris: Masson,

1970.

(6) DOLTO, Françoise. L’image inconsciente du corps. Paris: Seuil, 1984.

(9) FRANC BATTLE, Nuria. La organización tónica en el desarrollo de la persona.


www.iberopsicomot.net/ Revista Ibero Americana de Psicomotricidade, artigo 2, número 3,
agosto de 2001.
(3) KLEIN, Melanie. Observando La Conducta De Bebés. Obras Completas de

Melanie Klein. www.psicoanalisis.org, [email protected] Bibliotecas de Psicoanálisis,


1952.

(4) LEBOVICI, S. El lactante, su madre y el psicoanalista. Buenos Aires : Amorrortu,

1983.

(7) MORIZOT, Regina. A Relação Mãe-Bebê E Suas Implicações No

Desenvolvimento Infantil. www.fonoaudiologia.org.br/revista/f0799-3.htm

(1) WALLON, Henri. As origens do caráter na criança. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1974.

(5) WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.


RESUMO

O diálogo tônico-cinético é um tema da Psicomotricidade que mostra bem as

interações entre mãe e bebê.

Composto pelos mediadores corporais tônicos, gestuais, mímicos, rítmicos, e também

pelo olhar, toque e olfato, esse diálogo introduz o bebê na ordem do humano, com

características simbolígenas, já que se traduz, de modo icônico-indicial, em marcas que vão

constituir a imagem inconsciente do corpo, base do sujeito desejante.

As contribuições de diversos autores, sobretudo psicanalistas para a compreensão

deste conceito são percorridas neste trabalho, e o vivido, no diálogo tônico-cinético, é

ilustrado por cenas retiradas de um programa da GNT sobre a infância.

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