Artigo 04 - Volume 09
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Resumo:
Abstract:
***
(...) tenho observado, que não só se não tira o fruto desejado por este meio,
mas encontram-se infinitas irregularidades e indecências a aqueles
empregos, tanto pelo atrasamento [sic] em que estão os índios ditos, por
falta de educação, com por lhes ser próprio o deboche e má fé (...) (Idem,
fl. 1.)31
30 A capitania do Rio Grande foi doada em donataria em 1535, tornando-se régia em 1598. Segundo
Carmen Alveal, na documentação sobre a localidade, o termo “do Norte” só passou a se fazer
presente por volta de 1751 quando a mesma deveria ser diferenciada da Capitania do Rio Grande de
São Pedro (do sul). A localidade tornou-se subordinada à capitania de Pernambuco em 1701 se
emancipando, e tornando-se Província do Rio Grande do Norte, em 1815. Cf. ALVEAL, 2016 (no
prelo), pp. 133-158.
31 Para melhor compreensão dos leitores das fontes documentais, as mesmas serão transcritas com
Já em outras ocasiões tenho dito que o caráter natural dos índios ilude toda
a filosofia; não tem ambição, não estimam a propriedade, que sendo as
mais preciosas do Brasil, a dos escravos; não há lembrança que algum índio
a tenha tido; por estas razões, e por outras, que emito, tem incapacidade
33 Entende-se como direito costumeiro aquele que fora forjado nas localidades em detrimento das
circunstâncias, a partir das brechas das leis régias. Antonio Manuel Hespanha também a denominou
de “direito das gentes”, fruto das práticas de conquistas e das regras do cotidiano impostas pelos
moradores do lugar.
Assim, após uma investigação dos magistrados régios, dos auxiliares de justiça e
dos assuntos concernentes ao direito presentes, entre 1789-1821, nas
correspondências do Arquivo Histórico Ultramarino referente às “Capitanias do
Norte” podemos apontar que da ou para a Capitania de Pernambuco foram
encaminhados 7611 documentos onde apenas 667 (8,73%) referem-se à temática de
justiça; para a Comarca das Alagoas foram 226 documentos sendo 45 (17,17%); para
a Capitania da Paraíba foram 1250 documentos sendo 166 (13,28%); na Capitania do
Ceará foram 671 sendo 71(10,68%) e para a Capitania do Rio Grande encaminhados
216 sendo 16 (6,48%) voltados para os assuntos judiciais.
Enquanto isso, a Capitania do Rio Grande (do Norte) dentre as localidades foi
aquela que apresentou o menor índice de correspondência no corte cronológico
proposto, 16 documentos. Uma justificativa para essa circunstância pode estar
relacionada à sua tardia instalação da estrutura comarcã, em 1818. Enquanto
subordinada à comarca da Paraíba, se poderia inferir que o fluxo de correspondência
ao reino, à Capitania de Pernambuco ou à Comarca da Paraíba eram elevados 34,
quando na verdade não o eram. Se de um lado isso pode apontar para uma “falha” na
estrutura judicial da região, por outro lado não se pode perder de vista, exatamente, a
autonomia da capitania para resolver seus próprios problemas de justiça, pouco
acionando os magistrados subordinados ou vizinhos. Além do mais, também não se
deve esquecer a presença dos juízes ordinários nas câmaras das vilas da Capitania do
Rio Grande, agentes que tinham um papel importante na manutenção da justiça em
casos de inexistência e/ou ausência de magistrados régios (vide a luta do Capitão-mor
que abriu esse artigo visando impedir que indígenas ocupassem tal posto). Ora, isso
descortina, quem sabe, mais a utilização do direito costumeiro do que as leis oriundas
do reino.
34 Isto pode ter ocorrido na correspondência anterior a este período (1535-1789), mas como esse
levantamento não foi feito porque foge do corte cronológico proposto para a pesquisa, assim, esta
afirmação ainda se perfilará na condição de suposição.
Assuntos dos Nº de
Documentos Documentos
Justiça: Civil 03
Justiça: Administração 04
Justiça: Criminal 03
Ouvidor de Pernambuco 01
Ouvidor da Paraíba 02
Ouvidor do RN 02
Junta da Fazenda RN 01
TOTAL 16
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, Rio Grande do Norte Avulsos, Documentos 447 a 663.
seguro, assassinatos, roubos e todos os tipos de violência; já Justiça: civil os conjuntos que revelassem
problemas de reconhecimento de paternidade, distribuição de herança, demarcação de sesmarias e
questões com a escravaria.
37Antonio Felipe Soares Brederode nasceu em Coimbra e graduou-se em 1781. Passou pelo juizado
de fora do Bairro de Mocambo (1782) e chegou à Comarca da Paraíba em 1786. Reconduzido em
1790, tornou-se Desembargador da Relação do Porto, Juiz Conservador das Matas de Alagoas e
Conselheiro de D. João VI (1818), já com 63 anos. (PAIVA, 2012, p. 111). Sobre a recondução, Cf.
Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Registro Geral de Mercês, D. Maria I, Liv. 25, fl. 331, 30 de
outubro de 1790 – Carta – Lugar de Ouvidor da Paraíba.
E, foi sobre esse último item que Caetano Sanches tomou como pauta para
criticar o ouvidor Antonio Brederode, por realizar abusos no momento da
arrematação dos contratos na Capitania do Rio Grande. Segundo ele,
38O ouvidor João de Freitas de Albuquerque assumiu a ouvidoria de Pernambuco em 1800. Havia
passado pelo juizado de fora da Vila de Monte Mor Novo (1792). Arquivo Nacional/Torre do
Tombo, Registro Geral de Mercês, D. Maria I, Livro 29, fl. 374, 22 de outubro de 1800 – Carta –
Ouvidor de Pernambuco; Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Registro Geral de Mercês, D.
Maria I, Livro 22, fl. 117v, 05 de dezembro de 1792 – Carta – Juiz de Fora de Monte Mor Novo.
Por isso, cabe mencionar a inferência feita no conjunto do “juiz da terra” pelo
Capitão-mor da Vila de Porto Alegre, Antonio Ferreira Cavalcante. Em 12 de
novembro de 1803, escrevia ao Príncipe Regente, dizendo que
(...) tem muitas fazendas nos sertões daquele continente, sendo igualmente
incumbido de mandar diligência do Real Serviço por sítios mui desertos e
do perigo dado pelos salteadores que há naquele continente (....) (Arquivo
Histórico Ultramarino, Rio Grande do Norte Avulsos, Caixa 8,
Documento 558, fl. 1).
(...) prova-se a necessidade que o suplicante tem de viajar por estes sertões
em razão das fazendas que tem nelas e não menor o perigo que pode correr
em diligências de seu posto. Unido a isso ao bom caráter do mesmo, a sua
conhecida mansidão, parece justo o seu requerimento. (Idem, fl. 3)
Uma das atribuições dos magistrados era conter a criminalidade que se alastrava
pelos sertões e confins desconhecidos pelos agentes administrativos. A presença de
capitães, sargentos e suas referidas tropas auxiliavam na garantia do controle, da
autoridade e da presença de representantes régios por aquelas paragens (SILVA,
2010b). Os homens de defesa, se trabalhassem em conjunto com os magistrados,
tornaram-se peças importantes para expansão territorial e avanço das fronteiras das
conquistas ultramarinas. Provavelmente foi tendo esses elementos como
pressupostos que João Severiano da Costa autorizava o porte de armas por Antonio
Ferreira Cavalcante. Sua índole, demonstrada nas linhas, era um ponto a favor, mas o
lugar que ocupava na defesa dos interesses régios e dos homens de justiça pode ter
pesado mais na balança das decisões.
O assunto era tão importante para o funcionário que algum tempo depois, em
28 de abril de 1799, o problema ainda se fazia presente em sua administração, levando-
o a gastar mais papeis para ter sua necessidade atendida. Assim, pedia a Rodrigo de
Souza Coutinho, Secretário de Estado de Marinha e Ultramar, a transferência da
possibilidade de nomear postos militares e ofícios de justiça na região que haviam
passado para o controle dos governadores de Pernambuco, gerando uma infinidade
de problemas. Estes, podem ser assinalados como a escolha de apaziguados dos
agentes em Pernambuco, a demora na indicação de nomes e as poucas visitas à
Capitania do Rio Grande.
40A título de comparação cabe mencionar que os ouvidores da Comarca das Alagoas, neste mesmo
período, tinham a demarcação de terras como uma das atividades em que mais eram requisitados. Cf.
CAETANO, 2016 (no prelo).
Fontes:
ALVARÁ pelo qual Vossa Majestade Há por bem Criar a Nova Comarca do Rio
Grande do Norte, desanexando-a da Comarca da Paraíba, 18 de Março de 1818.
Disponível em <
http://www.mprn.mp.br/memorial/pdf/alvara_regio_de_criacao_da_Coma
rca_de_Natal_1818.pdf> Acessado em 01 jun 2016 às 10:15.
ALGRANTI, Leila Mezan & MEGIANI, Ana Paula. O Império por Escrito:
Formas de Transmissão da Cultura Letrada no Mundo Ibério, Século XVI-XIX. São
Paulo: Alameda, 2009.
PAIVA, Yamê Galdino de. Vivendo à Sombra das Leis: Antonio Felipe Brederode
entre a Justiça e a Criminalidade, Capitania da Paraíba (1787-1802). Dissertação
(Mestrado em História), UFPB, 2012.
VILALTA, Luis Carlos. “O que se fala, o que se lê: língua, instrução e leitura” In:
SOUZA, Laura de Mello e (Org.) História da Vida Privada no Brasil. Volume 1.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial:
o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1750-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.