Revolver Abadie M 1886 Da Guarda Municip

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

H i s t o´

o´rr i a

Revólver Abadie m/1886


da Guarda Municipal
Pelo Dr. Jorge A. REGALADO

INTRODUÇÃO

Em 1878, após um longo pe-


ríodo de reflexão, o Exército
tomou a decisão de adquirir um
revólver de defesa para os oficiais.
A escolha recaiu sobre um modelo apresentado para ensaios, em
1877, pela firma L. Soleil, de Liége, Na verdade tratava-se de um re-
vólver de acção dupla, Chamelot-Delvigne, com o sistema de segurança
e carregamento rápido, concebido pelo Eng.º francês George Abadie. Em
termos gerais constitui um exemplo de um bom revólver militar, de cons-
trução robusta e cuidada, com um mecanismo simples, de manutenção fácil
e, na época, tecnologicamente avançado.
A sua adopção como arma regulamentar, fez-se de forma peculiar. Cada oficial devia solicitar que
lhe fosse distribuído um revólver e comprá-lo, pelo preço de 11$000 reis (onze mil reis), sendo este
valor descontado no vencimento, em várias prestações.

Fig. 1 Revólver Abadie m/1878 para oficiais.


Colecção Particular

O SISTEMA ABADIE Ao abrir a janela de carrega- regamento, o cão permanece na posi-

O
sistema Abadie é, na ver- mento, o cão é automaticamente ção de segurança. Assim, o revólver
dade, um mecanismo de se- posto na posição de segurança e o ga- podia ser transportado com todas as
gurança no carregamento, tilho passa a actuar unicamente sobre câmara municiadas, sem que o percu-
concebido pelo Eng.º George Aba- o tambor, fazendo-o rodar, alinhando tor ficasse pousado sobre a escorva de
die, presumivelmente em 1876. Mais as câmaras com o êmbolo de extrac- uma munição, o que tornava o trans-
tarde, esta invenção foi cedida aos fa- ção. porte inseguro, levando a que, na
bricantes de armas ligeiras, L. Soleil Uma vez fechada a janela de car- maioria dos revólveres, se deixasse
et Fils, de Liége, na Bélgica, sempre uma câmara
que registaram os direitos Fig. 2 Revólver Abadie m/1886, com a janela de carregamento aberta vazia, onde repousava o
e o cão na posição de segurança. É igualmente possível observar
deste mecanismo e o intro- as marcas do fabricante.
cão, enquanto fosse
duziram em revólveres des- transportado no coldre.
tinados ao uso militar. O mecanismo que
Este dispositivo de segu- assegura este princípio
rança permite, que revólve- de funcionamento é
res de carcaça fechada, pos- desconcertantemente
sam ser carregados e descar- simples, consistindo na
regados pelo menos com a adição de uma mola de
mesma facilidade, segu- ramo duplo e um ex-
rança e rapidez, que os re- cêntrico, no eixo de ro-
vólveres de cano bascu- tação da janela de car-
lante. regamento.
68 Pela Lei e Pela Grei Janeiro-Março 08
H i s t o´
o´rr i a

geira que a espingarda ou carabina.


O contexto de utilização destes
revólveres encomendados era agora,
não como arma de defesa, mas como
arma de repetição, para tropas que
precisassem de uma arma mais li-
geira. Assim, a comissão de escolha
solicitou um aumento do compri-
mento do cano para 142 mm, de
modo a permitir um aumento da ve-
locidade inicial do projéctil.
Logo após a sua aquisição pelo
Exército, em 1886, foram igual-
Fig 3 a) Sistema Abadie com a janela de carregamento fechada e o cão completamente abatido. mente distribuídos às tropas de
b) Sistema Abadie com a janela de carregamento aberta (A). O cão passou a posição de segurança
(B) e o dente móvel de armar (C) é premido pelo excêntrico (E), deixando o gatilho (D) de actuar Cavalaria da Guarda Municipal de
sobre ele.
Lisboa e do Porto, substituindo gra-
Ao abrir a janela de carregamento Este sistema de segurança foi apli- dualmente o Galand-Sommerville
(que corresponde a uma rotação de cado em diversos revólveres que pos- m/1871.
aproximadamente 90º da respectiva suíam uma alavanca de carregamento. Embora em bom rigor apenas o re-
tampa/alavanca) (A) o excêntrico do Contudo, em termos militares, só vólver Abadie m/1886 tenha sido re-
seu eixo de rotação leva o cão a efec- foram adoptados em Portugal, com os gulamentar na Guarda Municipal (e
tuar um pequeno movimento de rota- modelos 1878 e 1886, na Suiça com o mais tarde, na GNR), é possível ob-
ção, no sentido de armar, sendo retido revólver de ordenança modelo 1882 e servar o uso de alguns revólveres
pelo detentor no entalhe de segurança em Itália com o Bodeo modelo 1889, Abadie m/1878. Como foi dito, o mo-
(B). Simultaneamente, uma outra nas suas diversas variantes. delo 1878, era adquirido pelos oficiais
parte do excêntrico, vai pressionar o Pelas boas prestações deste revól- constituindo propriedade sua.
dente móvel de armar (C), deixando o ver, em 1886, o Ministério da Guerra Naturalmente, quando os oficiais
cão de ter contacto com o gatilho (D). decidiu fazer uma nova aquisição, transitavam do Exército para a
Nesta condição, o gatilho
actua agora exclusivamente
sobre o tambor, fazendo-o rodar
(tal como num ciclo de tiro
normal) e imobilizando-o
quando as câmaras estão simul-
taneamente alinhadas uma
Fig. 4 Gravura do manual do re-
com o cano e outra com o êm- vólver Abadie m/1886.
bolo de extracção, facilitando Col. Particular
assim, a extracção dos invólu-
cros vazios e o carregamento.
Uma vez fechada a janela
de carregamento, o dente
móvel de armar deixa de ser
premido pelo excêntrico da ala-
vanca de carregamento e re-
toma a sua posição, por acção de uma desta vez para equipar sargentos e pra- Guarda Municipal ou para a GNR,
pequena mola. O cão permanece re- ças de pret, de Artilharia e Cavalaria, continuavam a utilizar a sua arma, jus-
tido no entalhe de segurança, até que assim como outras tropas às quais fosse tificando-se assim o aparecimento
seja armado. necessário o uso de uma arma mais li- deste modelo associado a estas forças.
www.gnr.pt Pela Lei e Pela Grei 69
H i s t o´
o´rr i a

exterior, seis entalhes,


onde o ressalto do ga-
tilho se insere, imobi-
lizando-o alinhado-o
com o cano.
O aparelho de
pontaria é fixo, cons-
tituído por um ponto
de mira de forma
semi-circular e de sec-
Fig. 5 Revólver Abadie m/1886. ção trapezoidal e por
Col. Particular
uma alça fixa em V,
rasgada na parte mais
posterior da ponte
sobre o tambor, se-
guida de um sulco lon-
gitudinal para facilitar
REVÓLVER ABADIE m/ 1886 a pontaria. A distância entre a alça e
O revólver Abadie modelo 1886, o ponto médio do ponto de mira é de
é em tudo semelhante ao modelo 163 mm.
m/1878 para oficiais, com excepção Este revólver não possui qualquer
do comprimento do cano e de uma tipo de parafuso exterior (e muito
pequena alteração no êmbolo de ex- poucos interiores), permitindo a sua
tracção de invólucros. desmontagem e montagem sem re-
A escolha do calibre 9,1 mm, em curso a qualquer ferramenta.
1878, reflectia já a tendência para a A desmontagem, inicia-se pela ro-
redução do calibre deste tipo de tação da parte posterior do guarda-
armas, face ao dos restantes revólve- Fig. 6 Pormenor do tambor do revólver mato, que liberta a tampa, do lado es-
Abadie m/1886, onde se podem observar os
res militares europeus, quase sempre dentes da cremalheira, que asseguram a sua querdo da carcaça, expondo assim
acima dos 11 mm. rotação, por acção do gatilho, bem como os todo o mecanismo.
ressaltos de apoio do lábio da munição e os
O cano, em aço fundido, solida- punções de Liége.
mente enroscado na carcaça, tem 142
mm de comprimento e uma secção Fig.7 a) b) Aparelho de pontaria do revólver
Abadie, com alça em V e ponto de mira,
exterior octogonal. No lado da cula- ambos fixos.
tra, possui um cone de forçamento
que, em conjunto com a forma cónica
das câmaras do tambor, assegura a
correcta entrada do projéctil na res-
tante parte estriada do cano. Possui
quatro estrias rectangulares, com 2,0
mm de largura e 0,2 mm de profundi-
dade constante, dextrógiras, com um
passo uniforme de 45 cm.
O tambor, com seis câmaras, ligei-
ramente afuniladas, possui na face an-
terior uma cremalheira de seis dentes,
que permite a sua rotação por acção
do gatilho e, na superfície cilíndrica
70 Pela Lei e Pela Grei Janeiro-Março 08
H i s t o´
o´rr i a

Fig. 8 Sequência de des-


montagem do revólver
Abadie m/1886.
a) Rotação do guarda-
mato, de modo a libertar a
tampa da caixa de meca- b) Remoção da tampa da
nismos. caixa de mecanismos.

com 9,1 mm de diâmetro e 8,35 g de


peso médio.
Estas munições utilizavam uma
Fig. 9 Mecanismo carga de 0,65 g de pólvora negra, fina
do revólver Abadie
m/1886, uma vez re- e asseguravam uma velocidade à boca
movida a tampa.
de 162,1 m/s. Inicialmente adquiridas
em Liége, juntamente com o revólver
m/1878, para fazer face às primeiras
necessidades, serviram depois de mo-
delo para o seu fabrico no Arsenal do
Exército, assim como de ponto de par-
tida para a sua optimização com a pól-
vora portuguesa.

O tambor pode ser facilmente re- por um invólucro cilíndrico, em


movido, premindo a mola que retém o latão, que contém a escorva e a carga
conjunto: eixo do tambor e êmbolo de de pólvora. Este invólucro possui um
extracção. rebordo na base que assegura unica-
O acabamento destes revólveres mente o apoio da munição no rebaixo
era oxidado a negro, acetinado, com das câmaras do tambor, impedindo-a
Fig. 10 Cartucho com bala m/1881, para
excepção do gatilho, cão, eixo do de entrar livremente ao longo da câ- Abadie.
tambor e tampa da janela de carrega- mara. Cortesia Museu Militar de Lisboa

mento, que eram endurecidos por O projéctil, em chumbo macio,


aquecimento, adquirindo uma cor sem revestimento, tem uma forma ci- Mais tarde, no Arsenal do
amarelo-dourado, característica deste lindro-ogival com duas caneluras Exército em 1881, esta munição foi
tipo de têmpera. transversais, junto à base, servindo a optimizada com a introdução de um
As platinas são em nogueira, com canelura posterior para assegurar uma projéctil de maior diâmetro, 9,7 mm e
um recartilhado fino. Na base do boa fixação entre o invólucro e o pro- 13 mm de comprimento, conservando
punho, possui a argola de suspensão, jéctil e a canelura anterior para lubri- o peso médio de 8,35 g. A carga pas-
com tornel, para o fiador. ficação. sou a 0,68g de pólvora negra FNf
As primeiras munições para o re- m/1874. Estas, receberam a designa-
MUNIÇÕES vólver Abadie m/ 1878, receberam a ção oficial “Cartucho com bala para
Os revólveres Abadie, modelo designação oficial “Cartucho 9,1 mm revólver Abadie m/ 1881” e seriam
1878 e modelo 1886, utilizam as mes- para revólver Abadie m/ 1878”. igualmente empregues no futuro mo-
mas munições. Nestas munições, era empregue um delo adquirido em 1886.
Estas compõem-se basicamente projéctil de chumbo, cilindro-ogival, Estas munições asseguravam uma
www.gnr.pt Pela Lei e Pela Grei 71
H i s t o´
o´rr i a

As munições eram embaladas em


caixas de cartão, contendo 25 muni-
ções, por vezes eram envoltas em ser-
radura, de modo a preservá-las da hu-
midade e dos choques entre si, já que
os projécteis em chumbo não reves-
tido, eram facilmente deformáveis e
facilmente se separavam do invólucro
de latão.

ACESSÓRIOS
Fig. 11 Diferentes munições para o revólver Abadie, fabricadas em 1890, 1908 e 1910 res- Os acessórios para os revólveres
pectivamente Podem-se observar pequenas diferenças ao nível das caneluras de lubrificação
do projéctil. Abadie m/1878 e m/1886 consistiam
Col. Particular basicamente no coldre e fiador, não
velocidade à boca de 160 m/s no re- estando associados quaisquer ferra-
vólver 1878 e 177 m/s no modelo mentas ou artigos de limpeza.
1886 e, em termos de penetração,
atravessavam uma tábua de pinho
(nacional) com 16 mm de espessura,
a 60 m.
Posteriormente, em 1891, surgiu
um novo modelo de munição para os
revólveres Abadie, em que o diâme-
Fig 13 Fiador m/1886,
tro do projéctil foi reduzido para 9,4 para o revólver Abadie.
mm, conservando no entanto, o peso Este modelo de fiador foi
usado com ambos os mo-
médio e o comprimento. Assegura- delos de revólver Abadie
e o seu uso estendeu-se à
vam uma velocidade à boca superior a pistola Savage m/915 e
195 m/s no revólver m/ 1886. O peso Parabelum, quer na
Guarda Municipal como
total deste cartucho é de 12,4 g e o na GNR.
comprimento total é de 28,5mm. Col. Particular

Aparentemente, todos estes


acessórios foram sempre fa-
Fig 12 Caixa
de munições
bricados pelas oficinas de
para o revólver correeiros do Arsenal do
Abadie. O ró-
tulo da caixa Exército, tendo sofrido algu-
indica o fabri- mas variações ao longo do
co na Fábrica
da Pólvora e tempo.
tem uma pri- O fiador era composto
meira data de
18?? (ilegível por um fio de cabedal de sec-
sob o carim-
bo).
ção circular e 4 mm de diâ-
Posteriormente metro, dobrado a meio, com
recebeu a data
1914 e o ca- duas passadeiras de cabedal e
rimbo “Repú- com as duas extremidades
blica” sobre as
armas reais. juntas num tornel, com mos-
Col. Particular quetão para prender na ar-
gola do punho do revólver.
72 Pela Lei e Pela Grei Janeiro-Março 08
H i s t o´
o´rr i a

Fig 14 Coldre para o revólver


Abadie m/1886.
Vistas do coldre fechado e
aberto.
Col. Particular

Para o revólver m/1886 o coldre tiva aba. Suspendia no cinto, através ferentes comprimentos de cano.
fabricado nas oficinas de correeiros do de uma passadeira simples, na face O fiador era idêntico e usado indis-
Arsenal do Exército é em cabedal cas- posterior do coldre. criminadamente em ambos os modelos
tanho-escuro, sem forro, e um pouco Mais tarde, estes coldres com a de- de revólver. Este modelo de fiador “Fi-
mais comprido que o modelo de ofi- signação oficial “Bolsa para revólver ador m/86”, foi usado ainda com “Pistola
cial. A aba do coldre é presa com uma m/86”, acabaram por ser usados em 7,65 mm Parabelum” e com a “Pistola
pequena presilha, com casa, que ambos os modelos de revólver m/1878 7,65 mm m/915 Savage”, tanto no Exér-
prende no botão em latão na respec- e m/1886, independentemente dos di- cito como na Guarda Municipal.

BIBLIOGRAFIA
— BERGER, T., “Lo sportellino di caricamento Abadie”, Tradução italina, www.earmi.it
— MÜLLER, Roll, “Gerchichte und Tecknik der europäischen Militärrevolver”, Journal – Verlag Schwend Gmb H,
1980.
— TELO, A. J. e Álvares, M., “Armamento do Exército Português”, Prefácio, Lisboa, 2004
— MELLO BREYNER, A., (1877) Mais um revolver, Revista Militar, 29, 3, 25-26.
— SOARES, F. (1864), “Qual o armamento que convém aos Oficiais de Infantaria?”, Revista Militar, 16, 432-441.
— SOUSA, I. J. (1863), “Rewolvers”, Revista Militar, 15, 1, 3-10.
— MATHIAS NUNES, J., (1878), “Revólver Abadie”, Galeria Militar Contemporânea, 17, 143-144; 18, 155-156;
19, 162-164.
— H. N. (1878), “Modificações no Armamento, Correame, Equipamento e arreios de Cavalaria”, Galeria Militar
Contemporânea, 1,; 11, 94 - 95; 19,.
— B.F. (1878), “Rewolver Abadie – Arma Martini Henry”, Galeria Militar Contemporânea, 4, 36-37.
— Regulamento de Tiro para Armas Portáteis, Imprensa Nacional, Lisboa, 1881.
— MARDEL, L, “História da Arma de Fogo Portátil”.
www.gnr.pt Pela Lei e Pela Grei 73

Você também pode gostar