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Negociação
e administração
de conflitos
Yann Duzert
Ana Tereza Schlaepfer Spinola
Copyright © 2018 Yann Duzert, Ana Tereza Schlaepfer Spinola
1a edição – 2018
CDD – 658.4052
Aos nossos alunos e aos nossos colegas docentes,
que nos levam a pensar e repensar nossas práticas.
Sumário
Apresentação
Introdução
Unidadede I
O indivíduo e a nova mentalidade
1 | Interações sociais
Conflitos
Competição × cooperação
Barganhas distributiva e integrativa
Coopetição
Assimetria de informações
Teoria dos jogos
Empatia
3 | Razão e emoção
Escalada simétrica irracional (ESI)
Emoções
Reação-padrão das emoções à mudança
Razão
Racionalidade limitada
Heurísticas
Unidadede II
A metodologia da negociação
4 | Processo de negociação: conceitos e etapas
Negociação
Conceitos básicos
Matriz de negociações complexas
Etapas do processo de negociação
Busca de acordos pós-acordos
Dilema do negociador
6 | Formas de negociação
Negociação direta
Negociação via agentes
Negociação via facilitador
Negociação via mediador
Metamediação
Negociação informal paralela
Diálogo multipartite (DMP)
Arbitragem
Juiz: o poder legal
Polícia e força militar
7 | Indicadores
Satisfação/racionalidade
Controle
Risco
Otimização econômica
Ética
Justiça/equidade
Produtividade
Emoções
Impacto e sustentabilidade
Auto-organização
8 | Ética
9 | Cross cultural
Estilos de negociação
Como a cultura afeta a negociação?
Áreas de desentendimentos
10 | Plataforma compartilhada
Conclusão
Referências
Entrevistas, palestras TED e Curso MOOC
Links consultados
Glossário
Os autores
Apresentação
Conflitos
As interações sociais em todos os níveis da sociedade, frequentemente
geram conflitos. Os conflitos fazem parte da natureza humana e da
nossa vida, e são estressantes, pois colocam em jogo nosso capital social.
Basta que haja uma diferença de interesses, de opiniões, de
interpretações e de entendimentos nos relacionamentos entre pessoas,
sejam de uma mesma família, de vizinhos, de grupos religiosos, de
esportistas, de organizações, do governo ou dos cidadãos para que o
conflito se instale. Para além dos relacionamentos, a escolha entre
diferentes alternativas, quaisquer que sejam, gera conflitos para a
tomada de decisão. A pergunta que se apresenta é: Qual a alternativa a
ser escolhida? A partir dessa dúvida, estabelece-se um conflito que diz
respeito à necessidade de escolha entre as alternativas.
Frequentemente, em situações de conflito e no próprio processo de
negociação, as emoções, mais do que a razão, interferem em seu
desenvolvimento e resolução.
Buscar a compreensão e a empatia, reconhecer e minimizar as
diferenças, estar com a mente aberta às novas e diferentes ideias para
atender aos interesses das partes envolvidas constituem elementos
fundamentais para a resolução dos conflitos. Essas ações minimizam os
desgastes físico, emocional e financeiro e os custos associados, muitas
vezes desnecessários, tornando a solução mais efetiva e satisfatória para
ambas as partes.
Quem assiste a sessões da TV Justiça percebe que a frase que Rosa Weber
mais pronuncia é: “Eu gostaria de entender seu argumento”. O que,
ademais, mostra respeito aos seus pares interlocutores (Falcão, 2017:3).
Competição × cooperação
A negociação é um jogo de forças? Como respondemos aos conflitos?
Podemos iniciar essas questões a partir de dois perfis: o indivíduo
competitivo (quadro 1) e o indivíduo colaborador (cooperativo) (quadro
2). Acrescentamos a essa polarização a possibilidade de sermos
colaboradores (cooperadores) e competitivos ao mesmo tempo, ou seja,
o indivíduo é, por natureza, um ser cooperativo e competitivo. Ser
competitivo não é demérito; a competição é necessária para criar novas
oportunidades, para desenvolver novas técnicas, para ter motivação para
“superar” o oponente, enfim, para evoluir.
Quadro 1
Características dos indivíduos competitivos
Quadro 2
Características dos indivíduos cooperativos
Figura 1
Resultados de negociações competitiva e cooperativa
Coopetição
Cunhado por Barry J. Nalebuf e Adam M. Brandenburger (1996), o
termo coopetição foi criado para representar a forma de “colaborar para
competir”. Trata-se de um modelo no qual os agentes cooperam para
criar valor e competem na divisão de valor, a partir do que foi criado. O
paradoxo de competir e cooperar simultaneamente também maximiza
valor para as partes.
Nas negociações, coopera-se sem precisar “ser somente santo” e
compete-se “sem precisar matar a outra parte”, o que pode ser feito por
meio do relacionamento, da partilha de informações, da integração, de
ações de iniciativa comum (por exemplo, uma compra coletiva de
insumos) e da racionalização de processos. A competição é saudável para
pressionar o desenvolvimento de novos produtos e para criar novos
mercados, mantendo a individualidade de cada negócio.
Em resumo, um produto pode se tornar mais valorizado quando
associado a outro produto. Por exemplo, a oferta de um seguro gera
valor, incentivando a venda de um produto, seja um automóvel, um
micro-ondas, por exemplo; a venda “casada” do pires com a xícara, do
terno com a gravata... Quando se trata de competição, não há valor
gerado pela associação de um produto a outro, pois na verdade o que
existe é uma divisão de valor. Vejamos a competição da Pepsi-Cola com
a Coca-Cola, é um jogo ganha/perde, não agregando qualquer valor
para as empresas.
No mundo empresarial, a adoção do conceito de coopetição permite
maximizar o resultado do negócio. De que forma? As empresas obtêm as
vantagens tanto da cooperação quanto da competição, em uma
repartição justa do valor e incentivo à inovação e à diferenciação.
Assimetria de informações
Não há como se conhecer todas as atividades de uma empresa, nem a
intenção, nem o conhecimento de todos os indivíduos. Cada indivíduo
possui um conjunto de informações que difere, em sua maioria, do
conjunto de informações conhecido por outros indivíduos. A
informação é um aspecto fundamental nas relações pessoais, políticas e
econômicas, principalmente em processos concorrenciais.
Muitas vezes, mal-entendidos advêm da falta de informações ou de
informações incompletas, acarretando erros de compreensão e de
percepção. Esses erros conduzem para além do problema a ser
negociado, a outros problemas de ordem pessoal, que acabam minando
o relacionamento e gerando novos conflitos.
Há várias tensões em negociação, tais como: criação e distribuição
de valor, empatia e autoafirmação, mandante e mandatário e sigilo e
transparência (Colson, 2007). Com relação a esta última, pergunta-se: o
que deve ser/estar transparente (exposto); o que deve ser/estar
estrategicamente mantido em sigilo; e o que deve ser gradativamente
tornado transparente As empresas e os indivíduos têm interesses
estratégicos em ocultar as informações a seu respeito, de forma que seus
concorrentes ou interlocutores não se beneficiem dessas informações. O
custo de obtenção das informações relevantes é muito elevado, como é
também alto o custo da manutenção do sigilo.
Nos modelos, em que as partes comportam-se estrategicamente, está
presente a assimetria de informações. Faz-se necessário, assim,
considerar: (i) as informações que cada uma das partes detém; (ii) as
informações que são do conhecimento de todos; e (iii) as informações
que se supõe que os concorrentes possuem uns sobre os outros.
Em resumo, toda negociação tem início com uma assimetria de
informações. Cada uma das partes tem informações limitadas sobre a(s)
outra(s) parte(s). Uma das habilidades a ser desenvolvida é a de reduzir,
estrategicamente, a assimetria de informações, o que pode ser feito por
meio da busca conjunta de dados. Em uma negociação, quanto maior o
número de negociadores/partes, maior será a assimetria de informações,
acentuada pela comunicação deficiente entre as partes.
Figura 2
Matriz dilema dos prisioneiros
Como cada suspeito decidirá, sem conhecer qual será a decisão do
outro? Eles estão incomunicáveis. A reação de cada suspeito não é
conhecida por nenhum deles e ambos tomarão decisão
simultaneamente. Como os suspeitos reagirão? Existe alguma decisão
racional a tomar? Qual seria sua decisão? Sabe-se que cada suspeito, se
for o caso de condenação, deseja ficar preso o menor tempo possível, ou
seja, cada um deseja maximizar seu resultado individual (buscar o
melhor resultado para si mesmo). Então, qual a melhor decisão a ser
tomada? Existe uma única decisão racional: trair. Por quê?
Em qualquer uma das hipóteses, sendo suspeito A ou suspeito B, a
escolha da alternativa trair para qualquer um deles seria a melhor
decisão, pois ao “apostar” no silêncio do outro, o suspeito que traiu
ficaria livre e o outro, que foi acusado e tinha ficado em silêncio, ficaria
preso 10 anos, o que ambos evitarão. Ambos teriam igual raciocínio em
trair o outro, pois ambos têm desejo de ser livres, mas se os dois
pensarem assim, os dois suspeitos terão traído e, por conseguinte,
receberiam uma penalidade de cinco anos cada. A atratividade de,
individualmente, se verem livres, os faria decidir pela traição. Logo,
trair é a melhor opção.
Esse é um exemplo do equilíbrio de Nash apresentado no famoso
filme Mentes brilhantes. Pode-se depreender, a partir do dilema dos
prisioneiros, que: (i) criar credibilidade é essencial para evitar a
deserção; (ii) a cooperação traz cooperação e a deserção traz defecção;
(iii) se o jogo for infinito (sem prazo para terminar, como contratos de
longa duração), os indivíduos têm mais motivos para cooperar.
Nos casos de jogos que envolvam mais de duas pessoas (n
indivíduos), em um contexto bastante amplo, as soluções tendem a ser
soma zero ou baseadas no sistema de votação ou na construção de
coalizões, e o poder derivará da possibilidade de “expulsar” o 51o voto
em 100 (regra da maioria). A negociação salarial é um exemplo de que a
solução afeta o salário de muitas pessoas (jogos de n indivíduos),
simultaneamente, gerando impacto para as empresas em “efeito em
cascata”.
A assimetria de informações, representada pelo dilema dos
prisioneiros, pode ser expressa pelo dilema do negociador.
Dilema do negociador
Empatia
Os fenômenos relacionados à empatia estão associados às habilidades
cognitivas que facilitam a compreensão interpessoal e que motivam os
seres humanos a agir de forma pró-social, principalmente quando se
percebe o sofrimento ou a angústia de outra pessoa. Trata-se da
preocupação e motivação do indivíduo em agir em prol de outro ser
humano.
Assim, temos empatia quando demonstramos uma compreensão das
necessidades, interesses e perspectivas do outro, sem necessariamente
concordar com ele. A genuína empatia pressupõe a habilidade de
diferenciar o eu do outro.
Negociadores irritados são menos precisos em defender seus
próprios interesses e em julgar prioridades da outra parte, podendo,
inclusive, prejudicar ou retaliar seus interlocutores. Os indivíduos que se
deparam com interlocutores irritados estão mais predispostos a
abandonar a negociação, a erigir barreiras no relacionamento,
conduzindo o processo a uma situação de impasse.
Atuar com empatia evita a raiva, reduz a irritação. Significa observar
uma ação e buscar a compreensão, colocando-se no lugar do outro. Ter
empatia facilita o mapeamento das ações da outra parte, com base na
predição da ação que poderá ser adotada pelo outro.
Pesquisador defende que alegria pela ruína dos outros é motivada por
comparação social.
Os alemães têm um termo excelente para o prazer perverso em
acontecimentos como estes: schadenfreude (em tradução livre para o
português, “a alegria do mal”). A satisfação derivada do infortúnio dos
outros é o principal foco de estudo de Richard H. Smith, professor de
psicologia da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos. Desde o
ano 2000, o professor publicou cinco livros sobre o assunto, que falam
sobre comparações sociais, inveja e a schadenfreude num contexto
político e de identificação social.
A emoção pode parecer perversa, mas possui uma função adaptativa e foi
tema do novo livro de Smith, The joy of pain: Schadenfreude and the dark
side of human nature (“O prazer da dor: schadenfreude e o lado negro da
natureza humana”). A narrativa tem como base as comparações sociais
que nos permitem avaliar nossos talentos e determinar nossa posição na
sociedade. Elas são tão instintivas que na vida selvagem também se
manifestam. Estudos mostram que macacos e cães medem suas
qualidades por seus pares.
Assim, quando nos deparamos com alguém que é mais amado ou
apreciado do que nós, o nosso instinto é rebaixá-lo ao nosso nível. Se
este desejo ilícito é cumprido por acaso, a schadenfreude aparece.
[...]
“Nós assistimos televisão para adquirir conhecimentos preciosos sobre a
condição humana?”, pergunta Smith. E ele mesmo responde: “Por favor,
nós assistimos para ver aquelas cenas constrangedoras que nos fazem
sentir um pouquinho melhor sobre nossas vidas insignificantes”.
Esse é o combustível das revistas de fofoca. Em uma análise de 10
semanas da revista americana The National Enquirer Smith e Katie
Boucher, psicóloga da Universidade de Indiana, também nos Estados
Unidos, descobriram que a popularidade de uma celebridade era maior
quando havia um artigo tratando de alguma desgraça em sua vida.
O prazer aumenta quando a schadenfreude parece merecida. Uma
pesquisa feita por Benoît Monin, um psicólogo social de Stanford, mostra
que a mera presença de um vegetariano pode fazer onívoros se sentirem
moralmente inferiores. “Os vegetarianos não precisam dizer uma palavra,
a sua própria existência, do ponto de vista de um comedor de carne, é
uma irritante moral”, afirma Smith. Desta maneira, descobrir hipocrisia na
pessoa considerada de mente elevada faz com que o contentamento seja
ainda maior.
Por definições tradicionais, schadenfreude é uma emoção passiva entre
os espectadores que não desempenham funções nas desgraças alheias.
Quando o sentimento inclui a vingança, o termo foge da sua
especificidade. É a falta de participação por parte do testemunho que faz o
reconhecimento da schadenfreude possível: seu alvo secreto caiu e você
não teve nada a ver com isso.
A parte mais polêmica do livro é um capítulo destinado a analisar o que
levou ao surgimento do nazismo na Alemanha. Segundo Smith, a
schadenfreude foi um dos maiores motivadores para o antissemitismo,
que teria surgido como uma tática para rebaixar o objeto de comparação e
afirmar a superioridade ariana. No entanto, o Holocausto foge
completamente da expressão, pois perde o caráter passivo.
Apesar da conotação negativa do termo, Smith afirma que schadenfreude
“não precisa ser demonizada”. Segundo o autor, é melhor abraçar a
oportunidade de saciar nossos lados obscuros do que negar a sua
existência. Enquanto permanece passivo, “a alegria do mal” pode
melhorar a nossa autoestima e servir como um lembrete de que até
mesmo as pessoas mais invejáveis são falíveis – assim como nós
(Aschwanden, 2014).
2
Perfil dos negociadores
Figura 3
Perfis de negociadores
Fonte: Duzert e Zerunyan (2016).
Perfil autoritário
Autoritário é o perfil do indivíduo que é avesso ao risco, que não gosta
de mudanças, não tolera novas ideias, aceitando apenas aquelas que
sejam de sua autoria. Pode-se dizer que o negociador autoritário atua
com base em jogos de guerra. Essas características independem do
gênero (homens e mulheres). É um negociador de difícil trato porque
está sempre disposto a utilizar quaisquer meios para atingir seus
objetivos e, por ser extremamente posicional, prevalece em suas ações a
abordagem ganha/perde.
Possui um comportamento agressivo, competitivo, frio, podendo ser,
tipicamente, cínico e pessimista. O indivíduo autoritário centraliza as
decisões, mesmo em questões familiares; sua visão é autocentrada e
prevalece o EU, sendo ele o centro de seus negócios e de sua vida
pessoal. É uma pessoa proativa, diz-se que com alto grau de
testosterona, hormônio que caracteriza um comportamento agressivo,
antissocial, persistente, de resistência, de “não largar o osso”, e cujas
decisões ignoram os ganhos mútuos, dando ênfase às barganhas
posicionais (ganha/perde).
No dia a dia, é tipicamente aquele indivíduo que não dá voz ao
outro, que paga todas as contas, que lida com bancos e se mostra pouco
solidário, sendo extremamente vaidoso. Se for necessário, para atingir
seus objetivos, é capaz de violar regras éticas e legais para se posicionar
melhor do que os outros. Em geral, esse perfil se ajusta melhor em um
sistema hierárquico de governança, quando o indivíduo possui poder
para punir aqueles que discordam das suas posições e ideias e premiar
aqueles que aceitam suas regras e imposições.
Para atrair e lidar com indivíduos com perfil autoritário, deve-se ser
light, não confrontar, ser desapegado, simples e não comprometido. Os
autoritários precisam ter a palavra final, e um negociador hábil deverá se
posicionar de forma mais neutra, oferecendo ao autoritário a
oportunidade para ele “massagear” seu próprio ego, destacar sua vaidade
e adotar as ideias de terceiros como suas, o que demandará certa
habilidade e desapego das ideias das partes. Não importa a paternidade
das ideias, o que importa é que o autoritário se sinta o autor delas e com
domínio da palavra final, sendo que, para as partes, o que importa é o
acordo final e a execução das propostas.
Perfil controlador
O controlador é um negociador que também é avesso ao risco e sua
visão é centrada “nele mesmo”, ou seja, no EU, focado nos seus
negócios e de forma muito racional. Ele não deseja o mesmo poder que
o autoritário, mas deseja ter o controle da situação; evita situações de
insegurança, de dúvidas e, para minimizar esses sentimentos, precisa
obter provas de amor, respeito e confiança. Como é um indivíduo
temeroso, ele se baseia em normas, conformidade com as leis e
compliance, como fonte de confiança, além de ter um olhar sobre a
ciência, realidade e fatos, precisando também de provas; sua segurança
advém dos dados, métricas, padrões objetivos claros e da rotina que lhe
garante confiança. Estes elementos são tranquilizadores para ele e
funcionam, reduzindo a alta dose de cortisol que possui; suas ações são
aderentes à justiça social e à prevenção ao risco.
Os controladores temem a inovação, mas a preservam e são
guardiães da racionalidade do grupo. Para se negociar com um
controlador, deve-se ter os pés no chão, ser responsável e lógico, ter
educação e maturidade. Para obter a confiança de um negociador com
perfil controlador, tem-se de demonstrar consideração com suas raízes,
tradições, amor em família e, principalmente, ser seguidor das leis. Ele
busca referências no caráter e no trabalho ético; transparência e
integridade, que precedem a confiança. Para se proteger, tende a ser
agressivo no início das conversas e distante (pouco amigável) com as
pessoas que conhece pouco. Os controladores são mais lentos nas
análises e nas tomadas de decisão, como em um esforço para proteger
sua reputação.
Para se negociar com os controladores é fundamental que o processo
esteja lastreado em padrões, leis, tradição, tempo e contexto, devendo
ser dado um passo de cada vez. Negociar com eles exige paciência,
conhecer o momento certo e oportuno para a obtenção de um resultado
ganha/ganha.
Os controladores são pessoas proativas que introduzem os efeitos
dos esteroides e das estaminas em suas organizações. São abertos à
instituição da dúvida em seus pensamentos, têm um olhar sobre o outro
e buscam líderes em que se espelhar. Em um contexto de incerteza,
tendem fazer um benchmark de outras pessoas e/ou outras empresas,
porém são autores de suas decisões, incorporando informações do senso
comum. Controladores são negociadores sem pressa, são gentis,
meticulosos e realizam muitos cálculos baseados em dados e
informações, buscando o melhor custo/benefício para sua organização.
Como exemplo, temos os indivíduos que precisam da opinião dos
outros, ligados nas redes sociais e ansiosos para ver o like dos amigos em
suas postagens no Facebook. Há uma demanda incessante pela opinião
de outras pessoas, de jornalistas, de formadores de opinião para garantir
a tomada de decisões. No livro La petite metaphysique du Tsunam, Jean
Pierre Dupuy (2005) destaca: (i) a importância de se perceber o risco
como forma para evitá-lo; e, (ii) que as pessoas mal-humoradas e
meticulosas tendem a fazer um melhor julgamento sobre as coisas do
que uma pessoa alegre e distraída.
Seguem exemplos de comportamentos de controladores que
explicam o clima de incerteza, dúvidas e intranquilidade em que vivem:
um fiscal ambiental que precisa de dados específicos (e neutros) de um
perito para conferir o nível de poluição; um juiz que precisa de uma
prova técnica para poder julgar; um contador do Tribunal de Contas
que precisa conhecer o preço do mercado (como padrão) para verificar
se o preço informado no processo não foi superfaturado; um estrangeiro
que deseja alugar um apartamento em Copacabana e não conhece o
valor do metro quadrado. O controlador é uma pessoa que precisa de
elementos técnicos (neutros) que ofereçam confiança e serenidade; ele
não gosta de achismos, não é romântico com os dados; não gosta de
subjetividade, decide sobre racionalidade, de forma lenta e pouco
emocionada.
Exemplo
Perfil visionário
O visionário é o indivíduo que deseja mudar o mundo, introduzir novos
hábitos que modificam valores e novos padrões morais. Ao gerar tantas
mudanças e modificar paradigmas, tornam-se “imortais” no sentido de
que suas inovações, comportamentos e ações continuarão a existir,
mesmo após a morte.
Os visionários fazem concessões, possuem responsabilidade social,
tomam decisões de longo prazo, constroem capacidades, têm
perspectivas e pensam “fora da caixa”; têm o prazer do giving (Clinton,
2017) – oferecendo seu tempo, seu conhecimento e suas oportunidades
aos outros. Oferecer conhecimento não o faz perder poder ou força;
pelo contrário, o faz ser respeitado, receber mais reconhecimento e
conquistar mais relacionamentos.
Para o visionário, o poder é estratégico. São indivíduos pioneiros,
campeões e possuem uma visão de mundo. Estão sempre buscando uma
chance para apostar, daí sua propensão para arriscar, não tendo medo de
ousar; desenvolvem novas regras, metarrotinas, coevoluindo.
O visionário pensa no tempo, no legado e na forma como poderá ser
lembrado. É o símbolo da generosidade, integridade, justiça ou
elegância moral. Em geral, ele está preparado para se sacrificar por uma
boa causa, para as futuras gerações; pensa no longo prazo, na paz, no
progresso e na prosperidade para sua comunidade. Pode ser também um
extremista perigoso e um idealista, para o bem ou para o mal, para quem
os fins justificam os meios.
Não está interessado no relacionamento de curto prazo, não busca
uma satisfação imediata; trabalha com os desafios da sociedade, busca
resolver problemas, não teme a adversidade.
O visionário é mais propenso ao risco do que o empreendedor; é
mais disposto a tomar drásticas medidas para o bem de todos; e é
filantropo. Está preparado para dizer “não” baseado em princípios, se os
princípios servirem à sua causa.
O prof. Yann Duzert, nos últimos 10 anos, realizou uma pesquisa
com seus alunos em diversos países, de diversos continentes, cuja
pergunta era: “Se um extraterrestre viesse à terra e os consultasse, quais
seriam, na sua opinião, os cinco embaixadores da humanidade? Quais
nomes você sugeriria?”.
Independentemente da cultura e do lugar, as respostas mais
frequentes foram: Jesus Cristo, Nelson Mandela, Martin Luther King,
Mahatma Gandhi e madre Teresa de Calcutá.
O que há de comum dentre essas personalidades citadas é o sacrifício
que fizeram para mudar o mundo para melhor. Podemos, assim, inferir
que os indivíduos admiram os visionários, aqueles que “pensam
diferente”. Além das personalidades relacionadas, houve, de forma mais
dispersa, porém em número significativo, a citação de desportistas, além
de Steve Jobs e Bill Gates.
Mandela, por exemplo, por meio de sua liderança esclarecida, criou
um pouco mais de confiança e de interdependência saudáveis entre
negros e brancos e, ao fazer isso, tornou seu país mais resiliente
(Friedman, 2016).
Jeito de ser
A adesão a uma ideia, a uma causa, a um porquê. Por exemplo, a adesão
dos indivíduos aos produtos Apple (iPod, iPad, iTunes, iCloud etc.) é
lastreada pela ideia de que portar esses equipamentos e fazer uso dessa
tecnologia representam um jeito “cool e clean” de ser.
Este é o sentido dessa “comunidade Apple”: justificar a razão de estarmos
neste lugar, lutando por esses interesses, todos juntos. Se nos
posicionarmos em uma negociação com um perfil de ter um propósito bem
definido, sendo capazes de inspirar pessoas e organizações a agir,
poderemos definir o desafio conjuntamente, na busca de uma solução
conjunta.
Lee Iacocca nunca seria presidente executivo da Ford. Henry Ford II certa
vez sentou-se com ele e disse: “Veja, Lee, eu simplesmente não gosto de
você e não o vejo liderando a empresa”.
Se Iacocca não tivesse deixado a Ford, nunca teria chegado à presidência
de uma organização. Ele alcançou o topo na Chrysler porque a empresa
estava em uma situação parecida com a da Apple quando chamou Steve
Jobs de volta. Eles precisavam de alguém agressivo, que poderia fazer as
coisas acontecerem, não importava sua personalidade (entrevista
concedida por Bob Lutz ao jornalista Matthew Budman, publicada na HSM
Magazine em 15 fev. 2016).
Exemplo 1: Na indústria
O exemplo da ESI na indústria é o dumping, quando uma empresa
resolve oferecer produtos a preços abaixo dos preços de mercado,
inclusive com preços abaixo do seu custo, optando por trabalhar com
prejuízo, somente para ganhar market share, ou competir “deslealmente”
com empresas concorrentes. A Lei Antidumping evita a escalação
irracional.
Exemplo 3: Greves
As greves podem paralisar a produção trazendo sérios prejuízos à
empresa, inclusive comprometendo maquinário (usinas). Trabalhadores
fazem piquetes na porta das fábricas para impedir o acesso dos colegas
às instalações. Nas atividades essenciais, como segurança, hospitais e
transporte, a greve tem regulação específica.
Emoções
Negociadores, tipicamente, focam em estratégia, táticas, ofertas e
contraofertas, e não dão atenção suficiente às emoções que os afetam em
uma negociação (Brooks, 2015).
Pesquisas mostram que podemos controlar nossa ansiedade, raiva,
excitação, desapontamento e arrependimento no decorrer de um
processo de negociação, o que poderá trazer melhores resultados. Por
outro lado, há uma preocupação de que as emoções não podem ser
demonstradas ou ficar expostas, pois poderão ser interpretadas como
sinais de fraqueza e fragilizar o poder de barganha. As emoções têm o
poder de influenciar o processo e o resultado da negociação. As emoções
são obstáculos ao raciocínio claro e racional, mas fazem parte da
negociação.
O prof. Daniel Goleman, em seu livro Inteligência emocional (2005),
pesquisou cerca de 180 modelos de competência em 121 organizações,
nas quais identificou que 67% das habilidades consideradas essenciais
para um desempenho eficaz estavam ligadas às competências
emocionais.
São qualidades que caracterizam a inteligência emocional:
consciência de nossas emoções e de como elas afetam os outros,
capacidade de regular nosso ânimo e nosso comportamento, empatia,
motivação para atingir metas pessoais significativas e fortes habilidades
sociais, que nos ajudam a obter o que desejamos dos outros, e
capacidade de encontrar interesses comuns.
Na experiência humana é comum utilizarmos o termo emoção para
descrever um estado de sentimentos, mas a emoção é muito mais
complexa. A comunicação emocional pode beirar o conflito em
situações extremamente sensíveis.
A comunicação pode ser realizada por meio de linguagem oral e
corporal (não verbal). A linguagem não verbal, utilizada em cerca de
70% de nossas comunicações, pode ser percebida pela entonação e
intensidade da voz, expressão facial, gestos e posturas. Os músculos da
face se contraem de diferentes formas, representando diferentes
emoções: felicidade, medo, nojo, tristeza, surpresa, desprezo e zanga. O
prof. Paul Ekman, da UCLA, vem pesquisando sobre esse assunto,
tendo sido, inclusive, consultor da série Lie to me e autor do livro
A linguagem das emoções (2011).
Figura 4
Expressões faciais frente às emoções
Medo Surpresa
Sobrancelhas sobem. Boca aberta.
Aparece o branco do olho. Maxilar tomba.
Lábios crescem no sentido das orelhas. Pálpebras superiores mais erguidas.
Nojo Raiva
Enruga o nariz. Lábios apertados.
Lábio superior se eleva. Sobrancelhas abaixadas e unidas.
Desprezo Tristeza
Canto da boca enrijecido e pouco erguido. Olhar direcionado para baixo.
Canto interno das sobrancelhas sobem.
Cantos da boca abaixam.
Quadro 3
Reações e sinais corporais
Reações Sinais
Quadro 4
Emoções positivas e negativas
Emoções positivas Emoções negativas Emoção neutra
Figura 5
A roda das emoções de Plutchik
Figura 6
“Tobogã” de emoções
A partir da notícia da nossa demissão, que nos causa grande impacto
e que representa uma significativa mudança em nossa vida,
imediatamente reagimos emocionalmente. Inicialmente, ficamos
imobilizados com a notícia, ficamos sem palavras; em seguida, tendemos
a negar o ocorrido: “Não acredito! Não é possível! Por quê? Logo
eu?...”. Passada essa indignação e questionamentos, ficamos com raiva:
“Foi injusto! Eu sempre me dediquei! Eles não reconheceram o meu
esforço!...”. Na emoção de oposição, depois da raiva, desejamos não
colaborar com ninguém, buscamos dificultar tudo o que pudermos e, em
seguida, caímos em depressão. Nesse momento, passamos a refletir: “É
verdade! O que vou fazer agora? Como vou me virar? O que vou dizer
para minha família?...”; na próxima etapa “checamos” o que ocorreu,
tiramos dúvidas e, já com a emoção reduzida, passamos a pensar mais
racionalmente, até o momento em que percebemos que não há volta, e
que “só nos resta então aceitar e pensar: vida que segue”.
Assim, pode-se observar que os conflitos são emocionalmente
definidos e a intensidade das emoções variam ao longo do processo.
Ameaças à identidade produzem emoções (por exemplo: vergonha,
orgulho, culpa, raiva) fortemente associadas à escalada do conflito.
Acontecimentos que provocam emoções são os mesmos que
desencadeiam e definem o conflito. Para reconhecer que estamos em
conflito, é necessário reconhecer que fomos mobilizados
emocionalmente. Emoção e conflito resultam da percepção de que algo
importante e pessoal está em jogo.
Razão
Prof. Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia em 2002, em seu
livro Rápido e devagar (2012), apresentou estudos que indicam que as
pessoas tomam decisões baseadas em questões objetivas e são
igualmente influenciadas por suas emoções, crenças e intuições. Ele
distinguiu dois sistemas que norteiam o nosso comportamento na
tomada de decisão: sistema 1 e sistema 2.
Sistema 1 – intuição
Sistema 2 – razão
Figura 7
Características dos sistemas 1 e 2
Racionalidade limitada
A racionalidade limitada é um modelo comportamental proposto por
Herbert Simon (1984) para analisar o processo de tomada de decisão
que, segundo o autor, está limitado a três dimensões: a informação
disponível, a limitação cognitiva da mente individual e o tempo
disponível para tomada de decisão. Assim, as pessoas criam modelos
simplificados para a resolução de problemas, de acordo com seu próprio
modus operandi. Premissas já definidas, como o “pensar dentro da caixa”,
constituem barreiras mais críticas às decisões criativas. Os indivíduos
fazem premissas falsas sobre problemas, de forma que possam encaixar
os problemas em seus processos de decisão previamente estabelecidos.
As decisões de cada indivíduo exercem impactos sobre os outros.
Cada indivíduo deve considerar as respostas prováveis dos outros às suas
próprias decisões.
Os indivíduos cometem erros, muitas vezes erros sistemáticos e
previsíveis, e desenvolvem regras práticas ou heurísticas que são
“atalhos” mentais ou vieses cognitivos para reduzir a exigência de
processamento de informações para a tomada de decisões.
A tomada de decisão é influenciada por alguns fatores cognitivos,
entre os quais: a facilidade de lembrar os eventos que são
disponibilizados maciçamente pela mídia; a recuperabilidade de
informações a partir de estruturas de memória (por exemplo, procurar
postos de gasolina mais próximos a entroncamentos de ruas); as
associações pressupostas que fazemos (por exemplo, associando dois
eventos semelhantes e esperando que as condições do evento já ocorrido
sejam reproduzidas em outro evento semelhante no futuro); e tendência
de procurar, interpretar, focar e lembrar a informação de forma que
confirme nossos preconceitos (por exemplo, “na última vez que comi
manga junto com leite passei mal. Será que agora, se eu comer manga
com leite novamente, também passarei mal?” ou “na última vez que fiz
prova com esta camisa tirei nota boa. A partir de agora só farei prova
com esta camisa”) (Bazerman, 2004); tendência a confiar demais, ou
“ancorar-se”, em uma referência do passado ou em uma parte da
informação na hora de tomar decisões, entre outros.
Pode-se depreender que a racionalidade limitada leva à adoção de
premissas que dificultam alcançar um resultado ótimo e conduzem à
tomada de decisão com base na intuição. A tomada de decisão com base
na intuição conduz ao desenvolvimento de regras práticas, heurísticas,
que otimizam etapas do processo de decisão.
Heurísticas
São regras simplificadoras ou regras práticas que facilitam a tomada de
decisão, porém podem conduzir a erros sistemáticos que afetam a
qualidade e a ética das decisões. As heurísticas respondem a algumas
perguntas, tais como: Somos tendenciosos na tomada de decisão?
Podemos ser inconscientemente manipulados por terceiros? O que
poderá influenciar a tomada de decisão?
Podemos relacionar três heurísticas que impactam diretamente a
tomada de decisão e o comportamento das partes em um processo de
negociação. São elas: heurística da disponibilidade, heurística da
representatividade e heurística da ancoragem.
Heurística da disponibilidade
Quadro 5
Informações sobre mortalidade
# Doenças Incidência
(1000)
3 Pneumonia 68,3
4 Diabetes 58,0
Heurística da representatividade
Comportamentos e ancoragem
Quando negocia, muitas vezes você ouve a frase: “Todo mundo sabe que
funciona dessa maneira”. Isso pode ser muito frustrante; não menos
importante, porque muitas vezes você diz: “Essa é a coisa mais louca que
já ouvi!”
Esse fenômeno, bastante comum, é resultado da “negociação tácita”, um
termo cunhado por Thomas Schelling, ganhador do prêmio Nobel em
2005, por seus estudos sobre conflito e cooperação.
Considere os seguintes resultados experimentais de pesquisas realizadas
por Schelling:
• Quando os indivíduos são solicitados a escolher qualquer número,
40% escolhem o número 1.
• A maioria esmagadora das pessoas, no lançamento da moeda,
escolhem “cara” ao invés de “coroa”.
• Quando solicitadas a escolher qualquer valor monetário, as pessoas,
em sua maioria, tendem a escolher um valor divisível por 10.
• Quando as pessoas combinam um encontro e têm de sugerir um
horário, quase todas escolhem “meio-dia”.
• Uma maioria esmagadora de pessoas prefere pagar taxas a impostos.
Muitas vezes, cumprimos uma norma, sem sequer conhecê-la (embora
seja muito mais evidente quando estamos diante de costumes a que não
estamos habituados). É natural que desejemos respeitar as noções de
justiça e precedência.
Portanto, na maioria das vezes, é vantagem fazer o primeiro movimento
em uma negociação, mesmo que a maioria das pessoas seja reticente em
fazê-lo. Fazer a primeira proposta oferece a oportunidade de enquadrar a
negociação e estabelecer precedência.
Outra visão, identificada na pesquisa sobre a negociação tácita, é que,
muitas vezes, um estranho pode ser mais eficaz. É por isso que, quando
você inicia uma negociação para comprar um carro e acaba ficando
“confortável e amigo” do vendedor, você é, inevitavelmente, levado pelo
próprio vendedor para o escritório do gerente para fechar o negócio
(Satell, 2009).
UNIDADE II
A metodologia da negociação
4
Processo de negociação: conceitos e etapas
Negociação
A imagem da figura 8 representa, esquematicamente, uma negociação
multipartite (múltiplas partes). Imaginemos uma reunião na Secretaria
de Transportes do estado ou do município para discussão sobre a
distribuição do orçamento, que é limitado, pelos diferentes órgãos que
tratam dos transportes: ferroviário, rodoviário, metrô etc. Será
interessante que fiquemos com esta imagem na mente enquanto
tratamos, a seguir, do processo de negociação.
Figura 8
Negociação multipartite
Fonte: <www.asmetro.org.br/portal/gestao/mesa-de-negociacao/6639>. Acesso em: 18 fev.
2017.
Definição de negociação
Bons negociadores obtêm grandes acordos para si, mas fazem com
que seus oponentes acreditem que também fizeram um bom negócio,
mesmo que a verdade seja outra; os melhores, porém, são os que
sabem dividir as vantagens para que, de fato, todos lucrem [Brooks,
2016:37].
Conceitos básicos
Há conceitos básicos fundamentais para o processo de negociação. São
eles: BATNA, preço reserva, ancoragem e Zopa.
Preço reserva
Diretor 27 35 (PR)
Ancoragem
Figura 10
Limites da Zopa
Veja o quadro 6.
Quadro 6
Matriz de negociações complexas
Etapas do processo de negociação
Preparação Criação de Distribuição de Implementação
valor valor
Preparação
Criação de valor
Distribuição de valor
Implementação/fechamento
Contexto x
Interesses x x
Opções x x
Poder x x x
Cognição x x x x
Relacionamento x x x x
Concessão x
Conformidade x x
Critérios/padrões x x x
Tempo x x
Dilema do negociador
Cognição
É um processo de conhecimento, que tem como fontes: a informação do
meio em que vivemos e o que está registrado em nossa memória. Esse
processo envolve: atenção, percepção, raciocínio, juízo, imaginação,
pensamento e linguagem.
A tomada de decisão reflete processos cognitivos e motivacionais que
dependem da forma pela qual interpretamos as informações, avaliamos
riscos, estabelecemos prioridades e vivenciamos sentimentos de perdas e
ganhos.
Críticas, ao invés de produzir mudanças positivas, inspiram atitudes
defensivas e de retaliação porque atacam o orgulho e afetam a
autoestima dos indivíduos. Por outro lado, o sentimento de
inferioridade pode encorajar os indivíduos, especialmente em
circunstâncias competitivas.
Figura 11
Optical art
Modelo cognitivo
Percepção da realidade
Nosso cérebro cria uma realidade, porém existe uma limitação sobre o
que somos capazes de ver e perceber (Klein, 2013). Devemos buscar
conhecer quais as informações que os outros negociadores/indivíduos
têm sobre um mesmo objeto.
Por exemplo: duas pessoas assistiram a um mesmo filme. É possível
que algumas cenas tenham passado despercebidas por uma das pessoas,
ou que um detalhe não tenha sido visto, enfim, cada indivíduo pode
depreender uma mesma informação de diferentes formas.
Assim, o elemento cognição trata do conhecimento e do
alinhamento das diferentes compreensões sobre o assunto em pauta,
sobre o significado das palavras, ou seja, trata de reduzir o gap de
percepção das partes sobre uma mesma questão.
Contexto/ambiente
O contexto é representado pelos ambientes externo e interno onde se
desenvolve o processo de negociação, que podem ser mapeados por
meio da identificação do clima organizacional e das emoções que
envolvem todos no ambiente. O negociador deve ter uma visão holística
do processo, que lhe permita identificar posições, status e perfis das
partes, que servirão de subsídio para a definição da estratégia a ser
adotada. Condicionar as pessoas a um determinado contexto pode
prepará-las a aceitar um ponto de vista ou decisão – pré-suasão
(Cialdini, 2017).
O ambiente externo é composto pelos cenários político, econômico,
social, ambiental, cultural, religioso, comercial, entre outros (visão
macro).
Já o ambiente interno é representado pelas condições do seu entorno
próximo: relacionamento, estresse, ambiente organizacional etc. (visão
micro).
O negociador estará com a “fotografia” de todo o ambiente
disponível que servirá de base para as reflexões e para facilitar a
identificação das opções. Como o ambiente é dinâmico, há necessidade
de ficar atento à percepção, intuição e cognição, de forma que se tenha
um mapa, o mais fiel e atual possível, que permita balizar
posicionamentos e abordagens.
A figura 12 apresenta, de forma esquemática, as relações de
dependência e interdependência dos agentes/pares em uma empresa.
No centro da figura tem-se o time, composto pelo chefe e pelos
indivíduos que são pares (estão no mesmo nível hierárquico) e
subordinados. Essa relação entre chefe e subordinados exige uma
negociação vertical, e a relação entre os pares exige de cada um uma
negociação horizontal.
Figura 12
Ambientes interno e externo de uma empresa
Fonte: Burbridge et al. (2001).
Interesses
Interesses são os resultados que se deseja obter em uma negociação.
Pergunta-se: Quais seus reais interesses na negociação? Quais os
interesses da outra parte?
Para alcançar esses resultados, devem ser superados emoções,
intempestividades, preocupações, medos, desejos, necessidades e
esperanças. As pessoas têm seus próprios interesses e eles variam em
função das circunstâncias.
Interesses são valores subjacentes às posições e constituem as razões
pelas quais são estabelecidas as posições e as exigências. Quais os
motivos, desejos que estão por trás dos pedidos e das posições? A
definição dos interesses conduzirá a negociação. Veja a figura 13.
Figura 13
Posições e interesses
Fonte: adaptada de: <http://lucianameirelles.blogspot.com.br/p/conversando-sobre-
nos.html>.
Dentro de um CONTEXTO
Exemplo
Opções
Referem-se ao conjunto de oportunidades que cada uma das
partes/atores/negociadores elenca, a partir do conhecimento dos
interesses da outra parte e que poderão ser utilizadas nas trocas. As
opções enriquecem a negociação, aumentam o “tamanho da torta”. São
oportunidades que podem ser oferecidas e trocadas para além das
negociações financeiras. Quanto mais opções, maiores as possibilidades
de troca, mais “rico” se tornará o acordo.
Enriquecer o resultado da negociação depende de criar novas
oportunidades que agreguem valor e complementem a negociação.
Essas oportunidades podem ser criadas por meio de uma “tempestade de
ideias”, com liberdade de pensamento, pois não representam qualquer
compromisso, simplesmente são ideias livres. Quanto mais opções
existirem, mais poder se terá na negociação, pois você passará a ter mais
oportunidades a serem trocadas, ampliando assim as possibilidades de
ganhos mútuos (Ury, 2014).
Padrão/critérios
Refere-se à necessidade de estabelecer/definir parâmetros que sejam
aceitos e que tenham a confiança de todas as partes. Conflitos de
interesses ocorrem quando não se encontram padrões que satisfaçam as
partes.
Definir padrões ou critérios é fundamental para qualquer
negociação. Há um dito popular que apregoa: “o que foi combinado
[quando há regras] não sai caro”. Qualquer organização tem um estatuto
ou um regimento que define sua operação e o padrão de conduta com o
qual todos devem concordar ao integrar a organização. A economia tem
como métricas índices e indicadores; já os bens e serviços são
produzidos de acordo com padrões de qualidade previamente
estabelecidos.
O padrão dá legitimidade a uma decisão. A pauta ou um manual é
um instrumento que representa um padrão do processo; a política de
uma empresa também é um padrão com o qual todos que dela
participam devem concordar.
Como exemplos de padrão, têm-se os preços, como o do barril de
petróleo, o dos aluguéis de temporada quando há eventos etc., pois são
balizadores e definidores de âncoras.
Como padrões e critérios incluem-se também os padrões moral, de
comportamento, de etiqueta, de costume, de rotinas, de funcionamento
de empresa, de código de informática, de normas de compliance,
definindo o que é e o que não é permitido dentro do sistema. Tudo isso
está associado com a conciliação e com a liberdade de opções dentro dos
padrões, sejam técnicos, de produtos, químicos. Por exemplo: a Aneel
definiu padrões para as tomadas elétricas de dois ou três buracos (este é
um padrão). O padrão permite a conciliação técnica, cultural, até
mesmo de comportamento, dos costumes, facilitando o alinhamento
entre as pessoas na busca da conciliação.
Tempo
O tempo é um elemento que pode ser utilizado estrategicamente ao:
Desvalorização reativa
O negociador que tem confiança excessiva acredita que sabe tudo, que
sabe a solução, que sabe o que tem de ser feito e o que o outro deveria
fazer. Na verdade, ele superestima sua performance.
Como isso se manifesta?
Um líder deve criar uma cultura de dúvida, sabendo escutar as minorias, que
podem ver diferentes da maioria e, ao mesmo tempo, ter razão.
Relacionamento
Esse elemento trata de como as partes se relacionam. Qualquer
negociação, tendo ou não alcançado um acordo, busca manter o
relacionamento em boas condições, “não se deve fechar uma porta”. Um
bom relacionamento é uma das chaves para o sucesso da negociação.
Não é preciso que as partes gostem umas das outras, nem que tenham os
mesmos interesses; devem prevalecer o respeito e a integridade.
Em uma negociação as partes conversam muito entre si, sobre
diversos assuntos que as ajudam a se conhecer melhor. Pesquisas
indicam que cerca de 95% do tempo da negociação (criam-se laços,
credibilidade, confiança) são despendidos com conversas, e a negociação
propriamente dita só ocorre ao longo de 5% do tempo. Trata-se de um
investimento realizado no tempo e que traz ótimos resultados.
Fazer acordos não significa fazer amigos, mas há que se preocupar
com a manutenção do relacionamento. À medida que a negociação se
aproxima dos parâmetros que interessam ao acordo final, sinalize. Se seu
interlocutor não tiver autoridade final, reserve um espaço de manobra
nos termos finais.
Um bom relacionamento e a construção de um ambiente amistoso
facilitam a troca de informações, a identificação de interesses, a criação
de valor, de opções e de alternativas. Deve-se buscar “entrar na
frequência” do outro, o que gera credibilidade. Devemos nos relacionar
antes de racionalizar; o relacionamento antecede o negócio.
Na etapa de criação de valor, deve-se privilegiar a análise da situação
e das pessoas, ser afável, partilhar preocupações, sugerir soluções,
respeitar as diferenças, dar espaço aos outros e elogiar. O elogio derruba
barreiras e faz com que a outra parte fique mais aberta a ouvi-lo e a
barganhar no ganha/ganha.
Durante a etapa da distribuição de valor, as tensões costumam ser
maiores e mais intensas, desgastando bastante o relacionamento e
alterando o comportamento dos participantes. Deve-se cuidar do
relacionamento.
A conclusão dos acordos e a satisfação com os resultados obtidos
podem estar diretamente ligadas à qualidade do relacionamento entre as
partes.
Atualmente, nas organizações, há uma redução dos níveis
hierárquicos, gestão por projetos, criação de unidades de negócios,
organização matricial servidos por sistemas de informações integrados.
Nesse contexto, desconcentram-se as informações, amplia-se a rede de
relacionamentos, exigem-se negociações entre diversas áreas. Todos
esses fatores colaboram para a ampliação dos conflitos.
É importante saber que:
Quadro 9
O que significa ser confiante?
Confiante Não confiante
Engajado Desviante
Olha para frente buscando aprender com a Teme ser dominado e ser explorado
interação dos outros pelos outros
Age Reage
Táticas de negociações
Quadro 10
Formas de negociação
Formas de negociação
Direta
Agentes
Facilitador
Mediador
Baseadas em interesses
Metamediador
Informais paralelas
Multipartite
Arbitragem
Baseadas Judicial
na lei
Força policial
Fonte: Spinola, Brandão e Duzert (2011).
Negociação direta
Trata-se de uma negociação entre as partes em que os interessados
tratam diretamente com a outra parte, sem intermediários (mediadores,
agentes, facilitadores), a fim de defender seus interesses e chegar a um
acordo.
Na negociação direta é fundamental:
Características do mediador
Metamediação
A metamediação é executada por pessoa e/ou organização que constrói
os referenciais políticos e as visões de mundo comuns a um sistema
social.
Os metamediadores têm papel estratégico no sistema de decisão, já
que formulam o conjunto de referenciais do eixo das negociações e
atuam nos conflitos e alianças que direcionarão as negociações. Possuem
também o poder de recomendação para a melhoria das posições.
Caso CDES
Arbitragem
Num processo de arbitragem, cada parte apresenta sua posição para um
árbitro, que, por sua vez, estabelece regras a respeito das questões
envolvidas.
O acordo arbitral só precisará ser levado a juízo caso não seja
cumprido espontaneamente pelas partes.
Para contratos comerciais, a arbitragem aparece como alternativa
eficiente ao oferecer menores custos, menor prazo para apresentação de
sentença, profissional especializado e preparado escolhido pelas partes,
sigilo e confidencialidade.
Satisfação/racionalidade
Busca-se identificar se interesses iniciais foram atendidos com a
negociação. Pode-se considerar também se um novo raciocínio ou novo
objetivo, fruto do aprendizado com a outra parte, foi incorporado
trazendo satisfação. Algumas vezes, as pessoas avaliam um acordo como
satisfatório sem perceber que poderia haver um resultado ainda mais
satisfatório. Realizar um benchmarking com outros acordos similares
poderia orientar as partes a conhecerem outras possibilidades.
Por exemplo, os indivíduos podem avaliar que um acordo 4/4 é
satisfatório, porém se souberem que outras negociações similares
fecharam acordos 10/10, eles poderão perceber que ficaram restritos a
um viés de julgamento (heurística) ou à racionalidade limitada, em vez
de criar valor. Outro exemplo seria a utilização de uma plataforma
digital (repositório de informações) que reúna informações para
consultas e troca de experiências, comparada a outros acordos que
facilitem a racionalização dos processos.
Controle
Há necessidade de definição de métricas que facilitem o controle do
acompanhamento e implementação dos acordos firmados, o que é
fundamental para o sucesso. Um contrato deve refletir os acordos e
definir multas e recursos, caso o acordo não esteja sendo cumprido.
Muitos acordos são apenas intenções, que não são, de fato, levadas a
efeito.
Risco
Avaliação do risco do acordo e do perfil dos negociadores – de aversão
ou de propensão ao risco – é determinante na ousadia de enfrentamento
da incerteza. Os negociadores podem, por exemplo, identificar os riscos
financeiros, mas não identificar os riscos técnicos ou jurídicos. Por isso,
é fundamental uma cultura de governança colaborativa, um facilitador
que harmonize as diferentes linguagens da empresa, para considerar
todos os diferentes setores, em que cada um detém sua informação e
percepção do risco. Não existe preço justo sem avaliação criteriosa do
risco.
Otimização econômica
Buscam-se resultados que minimizem desperdícios. Busca-se ver se
todos os interesses foram atendidos, conhecer o valor de cada interesse,
o custo de cada interesse e, assim, avaliar, por meio da teoria dos jogos,
ou por análise do faturamento, ou da contabilidade de custos, se o
contrato é rentável e próximo dos objetivos iniciais. Caso não seja
aderente aos objetivos iniciais preconcebidos, uma vez que o
aprendizado com o outro permite revisar, atualizar e modificar os
objetivos, a direção poderá tomar um rumo diferente, que seja mais
inteligente.
Ética
É a base para nossas ações, conduta e relacionamento. O pensamento de
longo prazo, o cuidado com a satisfação do cliente interno, do acionista,
do cliente externo, com a sustentabilidade das decisões faz com que as
empresas com alta rentabilidade pensem no longo prazo. A ética da
transparência, do modo de tratar as pessoas, de ser um cidadão que
harmoniza o interesse privado e o bem comum é a base da confiança. A
ética é um conceito para além de respeitar as leis e os códigos
tradicionais. Por exemplo: Nelson Mandela, que discordava da
Constituição da África do Sul, a qual legalizava o racismo do apartheid,
entendeu que um ato ético seria o de lutar contra uma legislação arcaica
ou de tradições obsoletas.
Justiça/equidade
Os resultados têm de ser justos para todos os envolvidos, sem que haja
ganhadores ou perdedores. Um acordo negociado tem a anuência das
partes, porém, para ter valor jurídico e ser implementado, precisa ser
validado após análise jurídica, de forma que o que for acordado se ajuste
à legislação e a respeite.
Produtividade
Diante da escassez de recursos, deve-se conseguir obter o máximo de
resultados com os recursos existentes, atendendo sempre aos
indicadores elencados (ética, justiça, otimização etc.). A transformação
digital, com plataforma de compartilhamento de experiências, permite
acelerar o processo para um acordo sem ter de “reinventar a roda”.
Cada vez mais, os leilões eletrônicos, o comércio eletrônico, as
plataformas ring (Duzert, 2017) de compartilhamento de experiência
entre vendedores da empresa ou compradores da mesma empresa,
permitem tornar mercados mais líquidos e acelerar a produtividade, na
criação de acordos ou na resolução de conflitos. A mediação é também
um mecanismo que permite uma resolução de conflitos de forma mais
rápida do que quando a questão é enviada ao Judiciário.
Emoções
As negociações refletem nossos comportamentos, que são balizados
pelos sistemas 1 e 2 – razão e emoção. Como você se sente no final da
negociação? Feliz, triste, enganado, humilhado, enojado ou otimista,
raivoso ou pacificado, medroso ou confiante? Todas essas emoções
impactam seu futuro relacionamento com o interlocutor com quem
você negociou. É fundamental tentar sair de uma negociação com
emoções positivas (Seligman, 2004) e ver as concessões não como sinal
de fraqueza, mas, muitas vezes, como sinal de bondade (Goleman,
2005).
Impacto e sustentabilidade
Compromisso com o meio ambiente e respeito ao próximo. Uma busca
conjunta de dados, um relatório de impacto ambiental consiste em
compartilhar o resultado com um especialista neutro ou um agente do
setor público, para verificar se o acordo respeita o meio ambiente, o
espaço em que vivemos, pois o futuro dos negócios deve ser projetado
para 10/20 ou mais anos. Por exemplo, no projeto para a implantação de
uma fábrica em uma determinada região, faz-se necessário negociar e
analisar, juntamente com a comunidade e com os agentes públicos, o
impacto que o projeto causará na região. Dever-se-á buscar,
conjuntamente, uma solução para os efeitos perversos.
Auto-organização
Devemos ter a consciência de que a todo instante estamos nos
transformando, adquirindo novos conhecimentos, e todo o contexto se
reorganizará em função dessas mudanças. O fato de vivenciar uma
experiência já nos faz diferentes do que éramos. Por exemplo, assistir
uma aula, vivenciar uma discussão, compartilhar experiências nos
modificam, e passamos a ser diferentes com essa experiência acumulada.
A inteligência é capaz de se adaptar às mudanças de contextos –
mudanças no preço do petróleo, mudanças no padrão do aluguel no
bairro e tudo que pode justificar um acordo pós-acordo (Raiffa,
Richardson e Metcalfe, 2002). Os princípios da auto-organização, de
constante revisão, atualização de rotinas ou percepções foram estudados
por Varela e Maturana (2001) com os termos inação, como a capacidade
de fazer surgir reações adaptadas, e autopoiese como sistema capaz de se
auto-organizar para estar em harmonia com o ambiente ou contexto.
A auto-organização também se apresenta na capacidade dos gerentes
equalizadores (Calvalcanti, 2005), que podem corrigir as divergências
entre departamentos, sincronizar e ajustar as mudanças para criar coesão
e comportamento coletivo inteligente.
8
Ética
Caso Enron
A Enron foi uma empresa que, durante alguns anos, transformava tudo em
ouro. Era a empresa mais desejável para se trabalhar, até que entrou em
colapso devido a um enorme escândalo de contabilidade fraudulenta, no
ano de 2001. Pergunta-se: Como é possível criar no topo de uma empresa
um sistema que seja criminoso?
Pode-se fazer uma releitura da história da Enron por meio da lente da
cegueira ética.
Enron é o resultado da fusão, em 1985, de duas corporações – Houston
Natural Gas e InterNorth, esta última uma companhia de gás natural do
estado americano de Nebraska. A empresa era uma operadora de
gasodutos com mais de 37 mil quilômetros de dutos sob seu controle. Até
o início dos anos 1990, a Enron era líder no fornecimento de tubos para
transporte de gás em todo o país. Seu modelo de negócios era muito
simples e lucrativo. O negócio de pipeline da Enron foi fortemente
regulamentado, até 1988, quando o governo decidiu desregulamentar
esse tipo de indústria.
Os problemas da Enron tiveram início a partir desse momento, quando,
devido à desregulamentação, sua rentabilidade diminuiu, além de estar
endividada por conta da recente fusão. Em busca de um modelo de
negócios mais inovador, Kenneth Lay, o CEO da empresa, contratou uma
empresa de consultoria, a McKinsey. Jeff Skilling, da equipe McKinsey,
propôs transformar a Enron em um banco de gás.
Em vez de somente transportar o gás entre diferentes pontos, o novo
modelo de negócios passaria a comprar o gás e o transportaria para
vendê-lo. Dessa forma, a Enron poderia controlar toda a cadeia de
fornecimento de gás no país, sendo cobrada uma taxa pelo transporte e
pela venda de gás.
Em 1990, Kenneth Lay criou uma nova divisão, a Enron Finance
Corporation, e contratou Jeff Skilling para liderar essa divisão. Ao longo do
tempo, eles aumentaram seu poder sobre o mercado, dominando o
mercado de gás (compra e venda), além do transporte, ampliando
significativamente o lucro da empresa.
Em novembro de 1999, a Enron ampliou seu escopo de negócios, criando
o Enron online, um sistema global de transações na web que permite que
os consumidores consultem os preços da energia e façam transações
instantaneamente. Com dois anos de existência, ocorriam diariamente 6
mil transações no site, no valor de US$ 2,5 bilhões.
Passo a passo, a Enron transformou-se em uma das maiores corporações
nos EUA. O valor da ação da Enron cresceu 1.400% em 10 anos. Em
agosto de 2000, o preço da ação da Enron atingiu a máxima histórica de
cerca de US$ 84,97.
Admirada pela Goldman Sachs, a revista Fortune classificou a Enron
como a empresa mais admirada e inovadora do mundo, o CEO Kenneth
Lay foi louvado por ser um messias energético e, por um bom tempo, a
Enron tornou-se uma história de sucesso.
Os funcionários da empresa sempre foram encorajados a fazer seus
próprios negócios, a inventar novos produtos para vender e a comprar e
vender novas commodities. Em meados de 2000, a Enron estava
negociando mais de 800 produtos diferentes. Estavam, naquele momento,
diante de um dilema: quanto mais bem-sucedidos eles se tornavam, mais
recursos financeiros eram necessários para cobrir o capital de giro (entre
compra e venda de mercadoria) e, dessa forma, foram expostos a um alto
custo de crédito, representando menores lucros e menor valor no preço da
ação. Em junho de 2000, a empresa precisava de US$ 2 milhões/dia
apenas para pagar créditos a bancos.
Andy Fastow, CFO da empresa naquela época, criou “entidades de
propósito especial”, com o objetivo de resolver as questões financeiras.
Essas “entidades” seriam parceiras externas e, portanto, poderiam ser
removidas dos pagamentos da empresa. Para ter o direito de ser
denominada parceira externa, uma “entidade de propósito especial” tem
de ter 3% de participação como investidor externo.
Desse modo, a Enron poderia remover dívidas do balanço patrimonial,
colocando-as nas “entidades de propósito especial”, apresentando assim
um desempenho melhor com efeito positivo sobre o valor das ações.
Problema: A maioria das “entidades de propósito especial” tinha o CFO
Andy Fastow como proprietário dos 3% do parceiro externo. Essas
“entidades”, que pareciam independentes, na realidade eram a própria
Enron. O problema do capital de giro entre a compra e venda de
commodities deixou de existir, sendo transferido para as entidades
externas.
Então, o que levou a Enron ao colapso? Havia um ceticismo crescente no
mercado para as novas empresas ponto.com. Em 16 de outubro de 2001,
a US Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou que estava
investigando as “entidades de propósito especial”. Em 28 de novembro, a
Enron foi rebaixada pela SEC e o valor da empresa caiu rapidamente.
Olhando para a cultura dessa empresa, pode-se verificar que o ambiente
de trapaça poderia surgir. A diretoria da empresa era agressiva e
composta por indivíduos gananciosos, motivados por interesses próprios.
Estavam enganando, levados pela arrogância de estarem acima de
qualquer suspeita.
O que é interessante no caso Enron é o grande espírito de
“comportamento divino”, que tomou toda a organização, em todos os
níveis de hierarquia. Muitas pessoas, em várias áreas da empresa,
ficaram corrompidas. Essas pessoas, em sua maioria, foram recrutadas
nas melhores universidades americanas, principalmente Harvard e
Wharton. Com certeza, nunca sonharam em se tornar criminosas. Porém
a atmosfera da Enron pode tê-las “empurrado” para terem um
comportamento que elas não esperavam.
A atratividade da empresa Enron era forte, conectada à nova economia
associada à inovação e à startup de alta velocidade. A Enron era um
exemplo de como você poderia transformar uma velha corporação da
economia tradicional, lenta e burocrática, em um novo modelo econômico.
E as regras aprendidas e aplicadas no passado não contam mais; a nova
economia está fazendo suas regras para esse novo tipo de organizações.
O comportamento dos gerentes da Enron estava praticamente em linha
com a ideologia geral da desregulamentação, na qual os mercados são
percebidos como bons, e os governos, como um problema. A Enron criou
sua própria realidade. Considerando ser um ente superior, Skilling, mais
uma vez, declara que “Estamos aqui em cima, todo mundo está lá
embaixo”.
Mas a realidade reflete exatamente os valores e crenças que caracterizam
a sociedade ou a economia. A Enron representava a regra dos sistemas
de crença de seu tempo. No que acreditávamos estar errado, os gerentes
da Enron poderiam ter se percebido como inteligentes. A inteligência é,
provavelmente, o termo que descreve melhor a cultura geral da Enron. É
uma cultura que tem a arrogância e a astúcia, que impulsionam o contexto
organizacional, o que se denomina cegueira ética.
A Enron admitia apenas graduados das melhores escolas de negócios dos
EUA, que eram contratados como comerciantes em um contexto de
empreendedorismo, agressividade da concorrência, de destruição criativa
e rápido crescimento. Eles tinham pouca experiência, plena autonomia e
seriam recompensados regiamente desde que trouxessem negócios.
Como era o sistema de avaliação da Enron?
Havia um grupo de 20 gerentes que avaliavam seus pares todos os anos,
de acordo com sua performance. Os “comerciantes” da Enron eram
categorizados em dois grupos: de alto desempenho e de baixo
desempenho. Os colaboradores de alto desempenho, cerca de 5%,
recebiam enormes bônus financeiros, que incluíam carros da marca
Ferrari (símbolo de poder). No dia de pagamento de bônus, havia muitas
Ferraris estacionadas na frente do prédio sede. Os colaboradores de mais
baixo desempenho, aproximadamente 15%, eram demitidos no mesmo
dia.
O que se faz para sobreviver em um ambiente desse tipo?
Busca-se não criar problemas, não criticar seus superiores, fazer o que for
esperado de você: trazer negócios para receber bônus e para não ser
humilhado diante dos pares.
Coloquemo-nos no lugar desses “comerciantes”.
Você vem de uma escola de negócios de elite superior. Você foi treinado,
é um dos melhores e mais brilhantes. Trabalha para a empresa que é
percebida como modelo de negócios do futuro. Você quer ser demitido
depois de seis meses porque é um funcionário de baixo desempenho?
Não, você não pode se dar ao luxo de fazer isso. Esse seria o fim de sua
carreira.
Esse é o darwinismo empresarial, uma luta para sobrevivência em um
contexto muito agressivo.
Que conclusões podemos desenhar no contexto de nosso conceito de
cegueira ética?
O escândalo da Enron não é simplesmente o resultado do comportamento
criminal de algumas pessoas no topo da empresa. Não é o resultado do
comportamento do que chamamos de pessoas sem moral e sem ética. Há
indivíduos aéticos, que dirigem a corporação nessa direção, mas só
entenderemos isso se olharmos para toda a cultura da organização. O
comportamento desviante dos principais líderes foi contagioso.
Então, a cultura da corporação foi caracterizada por uma mistura perigosa
de astúcia, arrogância, vaidade, agressividade, ganância e medo. Se você
adotasse essa cultura, seria promovido por seu sistema de avaliação, seu
sistema de bônus e seu plano de carreira (adaptado de Palazzo e
Hoffrage, 2014).
Estilos de negociação
Segundo o prof. Salacuse, o executivo deve identificar as áreas
importantes nas quais as diferenças culturais podem ocorrer durante o
processo da negociação. O conhecimento dessas áreas pode ajudar um
negociador a compreender a ótica de outra cultura, e antecipar possíveis
focos de atritos e enganos, e superar as diferenças culturais na
negociação internacional.
Segundo Salacuse (2004),
Quadro 11
Fatores de impacto de comportamento e respectivas amplitudes
Fatores de impacto Amplitude
O prazer do debate
Desde os seis anos, Dalai Lama dedica muitas horas de seu dia ao
estudo, trabalhando muito a memorização; pratica a meditação e a
concentração – que são fatores da disciplina mental.
Ele exerce também, intensamente, a dialética e o debate, que constituem
o coração da educação monástica tibetana. O esporte preferido dos
monges tibetanos não é nem o futebol, nem o xadrez: é o debate. Os
monges discutem tanto no centro do monastério que é possível imaginar
como seria uma versão intelectual de um jogo de rugby. Um pequeno
grupo se posiciona desordenadamente em torno do contraditor, que
discursa de forma muito enérgica – ele propõe uma proposição filosófica e
desafia os demais monges a desmantelá-la.
Os monges disputam o direito de lhe oferecer a réplica, fazendo-o, muitas
vezes, com o vigor de um jogador de rugby.
[...]
Para os monges, a habilidade do debate é o melhor indicador de
desenvolvimento intelectual e o principal critério de sua avaliação
(Goleman, 2003:75-76).
Quadro 12
Outros gestos e seus significados locais
Ação País/região Sinal
Entrevistas
Links consultados
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Coca-Cola. Cara a Cara. Documentário na RTP Portugal, 2014.
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gociacao-como-estrategia-no-segundo-dia-da-semana-do-conhecim
ento/>, em 13 jan. 2018. O futuro da economia brasileira e a
negociação como estratégia. Publicação no site da Associação dos
Dirigentes de Marketing e Vendas do Brasil – ADVB/RS, 2014.
<www.youtube.com/watch?v=DcqwkdTvTzs>, em 13 jan. 2018.
<www.terra.com.br/noticias/tecnologia/internet/leia-o-discurso-de-jobs
-aos-formandos-de-stanford,bc38d882519ea310VgnCLD200000bbc
ceb0aRCRD.html>, em 13 jan. 2018. Steve Jobs: discurso proferido
em junho de 2005 na Stanford University.
<www.businessinsider.com/quotes-from-richard-branson-2014-7?
op=1>.
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onciliacao>. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Portal da
Conciliação.
Glossário
Yann Duzert
Pós-doutor pelo MIT-Harvard Public Disputes Program, baseado no
Program on Negotiation de Harvard. Doutor em gestão do risco, da
informação e da decisão pela Ecole Normale Supérieure na França.
Professor da Rennes School of Business e dando aulas na Fundação
Getulio Vargas (FGV). Autor de 17 livros de negociação e gestão de
conflitos publicados no Brasil, nos EUA, na França, Itália e China, com
professores de Harvard, MIT, Stanford, USC, FGV, Paris Dauphine,
Essec, ESCP, UFRJ e Uerj. Consultor de resolução de conflitos, tendo
trabalhado para diversas grandes empresas, com destaque para
Presidência da República do Brasil, World Bank, Banco Central, Banco
do Brasil, Siemens, Petrobras, Embraer, entre várias. Especialista na
resolução de conflitos, é comentarista da CGTN TV, GloboNews, Veja,
Folha de S.Paulo, Le Monde, entre outros. Eleito um dos 100 melhores
palestrantes do Brasil na categoria negociação. Criador da técnica
newgotiation utilizada no mundo inteiro.