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e educação na diáspora
REITOR
Fábio Josué Souza dos Santos
VICE-REITOR
José Pereira Mascarenhas Bisneto
SUPERINTENDENTE
Rosineide Pereira Mubarack Garcia
CONSELHO EDITORIAL
Ana Lúcia Moreno Amor
Josival Santos Souza
Luiz Carlos Soares de Carvalho Júnior
Maurício Ferreira da Silva
Paulo Romero Guimarães Serrano de Andrade
Robério Marcelo Rodrigues Ribeiro
Rosineide Pereira Mubarack Garcia (presidente)
Sirlara Donato Assunção Wandenkolk Alves
Walter Emanuel de Carvalho Mariano
SUPLENTES
Carlos Alfredo Lopes de Carvalho
Marcílio Delan Baliza Fernandes
Wilson Rogério Penteado Júnior
COMITÊ CIENTÍFICO
(Referente ao Edital nº. 002/2020 EDUFRB – Edital de
apoio à publicaçãode livros eletrônicos)
Leandro Antonio de Almeida
Rita de Cassia Dias P. Alves
Emanoel Luis Roque Soares
Rosy de Oliveira
Antonio Liberac C. Simoes Pires
Juvenal de Carvalho Conceição
EDITORA FILIADA À
Emanoel Luís Roque Soares
Juvenal de Carvalho Conceição
Rosy de Oliveira
Leandro Antônio de Almeida
(Orgs.)
ISBN: 978-65-87743-39-4.
CDD: 981
Metodologia
Alinhamos aos norteamentos teórico-metodológicos de Cunha
Júnior (2008, 2019, 2020) às considerações para elaboração do méto-
do de Soares (2016) que constam do primeiro capítulo - O Método: A
fenomenologia e a genealogia como métodos de pesquisa, desenvolvido
na sua tese As vinte e uma faces de Exu na Filosofia Afrodescendente
da Educação (2008), trouxe-nos uma possibilidade de definirmos me-
24 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Resultados
As mulheres de santo da comunidade em questão enfrentam dis-
criminação de gênero, mesmo que implicitamente, em alguns casos.
Adiantamos que, com exceção de uma, todas elas possuem compa-
nheiros negros. Dentro do terreiro há um patriarcado instalado que
interfere na visibilidade feminina, principalmente, a liderança atual, que
por mais que se esforce e se dedique ao terreiro e à comunidade é
sempre comparada com a figura masculina que antecedeu, as quali-
dades deste são apresentadas como alguém inigualáveis e inatingíveis
por outro (a) liderança. As suas ações e atitudes são sempre confron-
tadas com as do outro. Esta visão é, predominantemente, dos homens.
Os homens são muitos saudosos de um modo austero, inflexível, con-
servador de conduzir. As imperfeições da figura masculina são vistas
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 27
Considerações finais
Concluímos que as mulheres de santo possuem mecanismos
potentes, construídos em bases sólidas, durante sua história de vida,
como: condição feminina, religião e família, num só espaço comunida-
30 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
de-terreiro, que têm funcionado muito bem para solucionar ou, pelo
menos, se defender de confrontos provenientes de racismo, dentre ou-
tras formas, o religioso.
Referências
BÂ, Hampâté. A tradição viva. In: KI-ZERBO. J. História Geral Da
África: metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática, Paris:
UNESCO, 2010.
Introdução
Nas últimas décadas observa-se um crescente número de produ-
ções historiográficas voltadas à História Indígena, reflexo da demanda
criada pela Lei 11.645/2008 e das mudanças no campo da História, da
Antropologia e de outras áreas de conhecimento, além do fenômeno
crescente da etnogênese, que se fortalece entre diversas populações
originárias de diferentes espaços do atual território brasileiro. Neste
cenário, povos da região Nordeste assumem uma trajetória histórica
peculiar, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.
Em pouco menos de duzentos anos, a partir do assentamento
colonial litorâneo, diversas terras foram incorporadas pelos portugue-
ses para o desenvolvimento da sua dinâmica econômica e social. Os
contornos que são conhecidos atualmente por serem da região nor-
deste foram explorados como parte do projeto empreendedor colo-
nial e consolidados durante a emergência da nacionalidade brasileira
a partir do século XIX, marcados por um processo histórico de margi-
nalização que se inicia com a descoberta das minas em terras que hoje
integram as regiões Sudeste e Centro Oeste. De acordo com Dantas,
Sampaio e Carvalho (1992) “marginal”, assim como “residual”, foram
categorias escolhidas para classificar e polarizar os povos indígenas
sul-americanos e, entre estes, em particular, aqueles pertencentes à re-
gião Nordeste.
Este capítulo se debruça sobre os campos da História e da Antro-
pologia para evocar as perspectivas da luta de três grupos indígenas
do Nordeste do Brasil, Fulni-ô, Kariri-Xocó e Fulkaxó dos estados de
34 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Políticas de ocultamento
José Maurício Arruti (1995) sinaliza que o avanço colonial, por
seus desdobramentos, propagou na história dos povos indígenas do
Nordeste a visão de sua extinção total, sendo esta tida como encerrada,
partilhando-se da ideia de que tais grupos teriam sido exterminados de
forma física ou incorporados à sociedade local num processo de assi-
milação social que os fizeram conhecidos como os típicos sertanejos e
caboclos.
Na primeira metade do século XX, entre os anos de 1920 e 1950,
o Estado brasileiro, por meio do recém criado Serviço de Proteção ao
Índio (SPI)4, inicia a tessitura de diversas estruturas de promoção à in-
clusão e integração do indígena à sociedade nacional no intuito de
encobrir os contrastes culturais através da imposição dominante das
instituições oficiais estatais e de uma suposta “cultura nacional”. O uso
da tutela como estratégia cresce em paralelo com a luta política de di-
reitos manifesta pelos próprios indígenas (OLIVEIRA, 2016).
O SPI estabeleceu um novo modelo de colonização entre as regi-
ões Norte e Centro-Oeste, tornando como espaços nacionais os territó-
rios ainda não alcançados pelos processos de colonização dos séculos
anteriores. Quando da gênese de sua criação, o órgão, que atendeu pri-
Considerações finais
A experiência histórica dos grupos Fulni-ô, Kariri-Xocó e Fulkaxó
demonstra que aqueles povos indígenas tomados como inimigos e
silenciados na documentação não foram completamente subjugados
nem desapareceram por completa ao longo da colonização portugue-
sa ou pela ação do estado brasileiro a partir do século XIX. Esses povos
não apenas sobreviveram como também se reinventaram e se reorga-
nizaram para dar origem a novos grupos indígenas que, a despeito das
semelhanças, passaram a ter identidades próprias.
Desde que a Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, estabeleceu
como obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Indí-
gena, um dos maiores desafios dos sistemas de ensino têm sido a capa-
citação de docentes para a abordagem desta temática. No entanto, este
desafio não se apresenta apenas na dimensão dos conteúdos a serem
aprendidos e ensinados em sala de aula. Trata-se também de fomentar
e promover uma completa mudança de perspectiva e de atitude em
relação aos povos indígenas e africanos que possibilite uma tomada de
posição em relação ao racismo. O professor e a professora que preten-
dem abordar a temática sem assumir uma postura abertamente antirra-
cista estarão sendo, no mínimo, coniventes com o racismo.
Por isso, como afirmou em outro contexto o historiador John
Monteiro (1999, p. 239), não basta “preencher um vazio na historiogra-
fia” relativo ao pouco conhecimento histórico que ainda se tem acerca
do papel decisivo desempenhado pelos povos indígenas na formação
brasileira e mundial; trata-se também de “desconstruir as imagens e
os pressupostos que se tornaram lugar-comum nas representações do
passado brasileiro”, ou seja, questionar valores e atitudes fundadas em
preconceitos sobre o ser e o não ser indígena, repensar a própria ideia
de identidade nacional, ancorada em uma narrativa que historicamente
46 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
Introdução
A nação Grúncis, é uma nação hoje localizada no país de Gana.
Este artigo surgiu no processo epistemológico de pesquisa do Progra-
ma de Mestrado Profissional em HISTÓRIA DA ÁFRICA, DA DIÁSPO-
RA E DOS POVOS INDÍGENAS – PPGMPH (Stricto sensu), através desta
pesquisa podemos compreender aspectos culturais da nação Grúncis,
elevando sua contribuição na formação da cultural afro-brasileira. A
pesquisa, de abordagem qualitativa e com vistas a uma melhor expli-
citação do referencial epistemológico, refletindo sobre os elementos
encontrados nos contos, tendo como referência comparativa a inter-
pretação em torno dos contos da nação Grúncis escrito por Deoscó-
redes Maximiliano dos Santos, como forma de memória da história da
ancestralidade e da cultura. Partindo destas considerações a pesqui-
sa busca diante da literatura, compreensões da historicidade do povo
Grúncis, tratando de elementos que engloba a diversidade cultural e a
diáspora transatlântica.
Mestre Didi conheceu a nação Grúncis por intermédio da conhe-
cida Iyá Obá Biyi, a Mãe Aninha, que mesmo sendo da nação Grúncis,
foi Iyalorixá de um terreiro de nação keto, o Ilê Axé Opô Afonjá. Fun-
dado em 1936, um ano depois ocorreu o II Congresso Afro-brasileiro
(1937) realizado em Salvador, o terreiro abriu suas portas para festejar
este congresso que fortalecia a luta pela resistência e pelo fortaleci-
mento da cultura e das religiões de matrizes africanas. O Ilê Axé Opô
Afonjá, liderado por Mãe Aninha, possuía uma participação para além
das fronteiras da religiosidade. Existia nessa grande mulher concepções
políticas de igualdade de raça e direitos civis do povo negro. Partin-
50 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Os contos Grúncis
É através dos contos de Mestre Didi que podemos conceber a
hermenêutica através das narrativas literárias, que preservam a memó-
ria deste povo que foi trazido, escravizado, mas concedeu para a Bahia
suas histórias carregadas de símbolos e signos que proporcionaram o
conhecimento desta nação.
No processo desumano da escravidão, a nação Grúncis, assim
como outras nações do continente africano, trouxe consigo as suas
histórias e culturas. É importante ressaltar que a palavra “nação”, muito
mais do que a palavra etnia serve para melhor descrever os grúncis ou
até outros povos, que foram trazidos para o Brasil. A ideia de nação, vai
muito além da percepção do senso comum de compreendê-la como
modelo de um povo, contido, isolado, pessoas que pensam em vias
restritas. O professor Juvenal Carvalho a respeito de nação diz:
A princípio a afirmação pode parecer estranha,
se não pensarmos a respeito do conceito de Na-
ção. O senso comum entende Nação como uma
espécie de essência, um jeito de ser intrínseco a
um determinado povo, produto de uma entidade
sobrenatural que se aloja nos seres e independe
das práticas humanas. Considero as nações como
construções históricas, diretamente condicionadas
às estratégias de formação e de consolidação das
estruturas de poder de um determinado Estado
(CARVALHO, 2016, p. 62).
Fugindo do padrão
Os Grúncis, fogem do padrão político e econômico dos olhares e
das teorias sociais do ocidente. Tendo um governo descentralizado, os
Grúncis formam uma sociedade muito ligada a realeza sagrada, como
vimos no conto acima. A sociedade Grúncis, possui uma autonomia
cultural, e economicamente é agrícola, autônoma, independente das
influências estatais de seus vizinhos (Os Mossi, Haussa).
Na Bahia, a nação Grúncis ficou conhecida também como gali-
nhas, muito por suas danças com braços para traz e o tórax envergado
para frente, essa descrição era muito usada pelo senso comum. No
entanto, nas palavras de Nina Rodrigues podemos descrever mais fac-
tualmente sobre os Grúncis: “Estes negros, que se revelaram sempre
intrépidos guerreiros, ocupam as margens do rio Galinha e o vale de
Man. Mas desta suposição veio dissuadir-me a declaração explicita por
parte de todos eles, de que a sua terra muito central demora a grande
distância do mar” (RODRIGUES, 2010).
Para melhor compreendermos essa Nação, que com sua cora-
gem enfrentou os portugueses e todo um comércio negreiro, mencio-
no esta breve citação de Nina Rodrigues
Os primeiros carregamentos de negros da sua
terra, sucedeu escaparem e fugirem alguns dos
8 - Gana foi um dos maiores impérios formados no continente africano que se
desenvolveu para fora das regiões litorâneas ou da África muçulmana. Sua área cor-
respondia às atuais regiões de Mali e da Mauritânia, fazendo divisa com o imenso
deserto do Saara. Desde já, percebemos a instigante história de um reino que pros-
perou mesmo não possuindo saídas para o mar e estando próximo a uma região
considerada economicamente inviável. Informação encontra-se no site: http://histo-
riadomundo.uol.com.br/idade-media/reino-de-gana.htm
58 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
Os Grúncis, como nação no continente africano eram um povo
culturalmente ativos, onde seus povos desenvolviam as artes deste o
ambiente físico corporal a ao ambiente material (suas casas), foi um
povo assim como os Bantos, Iorubas, Mossi, sofreram com o tráfico de
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 61
Referências
CARVALHO, Juvenal. Reflexões sobre a África contemporânea.
Cruz das Almas: EDUFRB; Belo Horizonte: Fino Traço, 2016.
Introdução
Esta pesquisa teve por objetivo analisar as experiências vividas
pelos/as estudantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa -
PALOP, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
-Brasileira - UNILAB, no período de formação acadêmica de 2014-2019.
O estudo pretende, numa síntese, revelar as aproximações, os choques,
os conflitos e as contradições presentes nas relações desses estudan-
tes com o contexto social e político brasileiro que, a despeito de uma
legislação antirracista, Lei nº 7.716/1989, é estruturado pelo racismo “a
brasileiro”, pela invisibilização da África e igualmente pelo apagamento
da herança africana nos espaços oficiais e imaginários nacional. O que
comprova que a Lei antirracista não combate o racismo, ela foi criada
para combater os comportamentos racistas. Só se combate racismo
com a educação! Por esta razão é que foram criadas as Leis Federais:
Lei nº 10. 639/20039 e mais tarde a Lei nº 11.645/200810.
Apesar dos programas de intercâmbios e acordos de Coopera-
ção Internacional Brasil-África, os estudantes negros e negras, espe-
cialmente os/as provenientes do continente Africano, têm enfrentado
desafios com o racismo, preconceito racial, machismo, sexismo, miso-
ginia e xenofobia ainda existentes na sociedade brasileira. Relatos dos
9 - Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências (BRASIL, 2018).
10 - Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639,
de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “His-
tória e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (BRASIL, 2018).
64 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
12 - O conceito de afrocentricidade foi cunhado e elaborado por Molefi Kete Asante
(1980) e desenvolvido como paradigma de trabalho acadêmico no final do século XX
(NASCIMENTO, 2009). “[...] Comecemos com a visão de que a afrocentricidade é um
tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e
agentes de fenômenos atuantes sobre a sua própria imagem cultura e de acordo com
seus próprios interesses humanos (ASANTE).
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 67
Relatos de experiências
Os relatos aqui apresentados serão, a rigor, um instrumento para
a construção de uma teoria, a respeito do problema que é dado pelo
racismo a brasileira que se apresenta como uma profunda rejeição que
está internalizada no imaginário do consciente brasileiro, sobre a África
e os africanos, rejeição que perpassa pela nossa própria condição de
negros e negras. Esses relatos são reflexos de toda problemática viven-
ciada pelos/as africanos/as e ao mesmo tempo, é uma demonstração
de como se define e funciona o racismo no Brasil, que é a rejeição por
negros e negras e a rejeição aos valores imateriais, em permitir um
apagamento da África e de uma herança civilizatória, filosófica, cultural,
que revela a África que há em nós.
Estudantes PALOP revelaram experiências desafiadoras para po-
der realizar o sonho de fazer a graduação no Brasil. A exemplo, a falta
de preparação da comunidade de São Francisco do Conde para receber
os/as estudantes PALOP.
[...] rumores de que os africanos fediam, essas coi-
sas, cheiram a catinga, uma coisa tipo uma gene-
ralização... e a prefeitura chegou a fazer um ato,
que eu não vi com bons olhos né? Agente não es-
tava percebendo o que significava aquilo, mas só
foi perceber depois. A prefeitura comprou um kit
higiênico e deu para agente, para todos os alunos.
Agente aceito, porque a gente não sabia de nada,
só depois a gente ficou sabendo porque estava ro-
lando rumores no whatsapp: que agente fedia, que
a gente não tomava banho, que não escovamos
os dentes [...] fizemos uma reunião, mas tivemos
nenhuma atitude drástica em relação a prefeitura
e nem a comunidade. Sempre tentamos por meio
de diálogo...conversar com o pessoal, explicar de
onde viemos, quem somos e o que que queremos,
né? E aos poucos acho que esses estereótipos fo-
ram sendo desconstruídos, mas teve um proces-
so muito lento e tivemos que ter muita paciência
mesmo [...] (Ent. 3, 2019).
A UNILAB no Recôncavo
Cabo Verde
A partir de um olhar in loco em Cabo Verde, é possível notar se-
melhanças e diferenças entre o Brasil e este país. Esta relação entre os
72 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Resultados da pesquisa
A pesquisa levantou alguns pontos de fragilidade e de fortaleza
com relação ao programa de cooperação internacional acadêmico, por
meio da UNILAB. Com relação as fragilidades, foi possível notar: a falta
de um professor ou técnico de nacionalidade de cada país, parceiro,
na comissão de avaliação do processo seletivo; o sistema de formulá-
rio eletrônico não atendia a linguagem de um sistema educacional de
alguns países. A falta de docentes e TEAs africanos/as inibe a dinâmica
de construção de uma universidade de integração em termos efetivos
(MALOMALO, 2018). Vale ressaltar também fraca ação diplomática com
as Embaixadas e órgãos governamentais nestes países, bem como a
falta de relações também com as organizações não governamentais -
ONG, instaladas principalmente nos interiores de cada país, através da
própria representação brasileira que normalmente está localizada na ca-
pital, para facilitar o acesso dos estudantes das regiões mais afastadas.
Outro ponto evidenciado foi no quesito das informações obtidas
pelos/as candidatos/as. Para tanto foram ouvidos relatos das experi-
ências dos/as estudantes PALOP – desde a candidatura até as suas ins-
talações na cidade de São Francisco do Conde, através das conversas
fortuitas, com estudantes guineenses, angolanos, moçambicano, são-
-tomense, bem como as entrevistas sistematizadas com o público alvo
da pesquisa que foram os estudantes cabo-verdianos. As minhas entre-
vistas também se estenderam foram o corpo técnicos da universidade,
professores e para a Pró-Reitoria de Relações Institucionais, na pessoa
do Pró-Reitor Prof. Dr. Max César de Araújo, para saber sobre a redução
de estudantes africanos selecionados nos últimos anos (2018 – 2019).
A maioria desses estudantes toma conhecimento da UNILAB por
meio de parentes e/ou amigos/as que já estudam nessa universidade
e que os informam do período de abertura do Edital para o processo
seletivo. Eles têm em média um mês para fazer a inscrição online, ane-
xando os documentos solicitados, conforme Edital, histórico escolar,
entre outros documentos requisitados.
74 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
Referências
Introdução
O presente texto é composto a partir de aspectos abordados na
dissertação de mestrado intitulada: Memórias e História Quilombola:
experiência negra em Matinha dos Pretos e Candeal, Feira de Santana/
BA (SOUZA, 2016). Com base nos resultados dos dados abordados nos
capítulos dois e três da referida dissertação, o principal objetivo deste
texto é apresentar os aspectos da alteridade da memória da Comuni-
dade local. O texto aborda o processo de formação territorial da Co-
munidade Remanescente de Quilombos de Matinha dos Pretos, sede
do distrito13 de Matinha, pertencente ao município de Feira de Santana,
localizado no agreste da Bahia, a cerca de 116 km de Salvador. Trata-se
da análise da história do território e das territorialidades dessa Comu-
nidade certificada pela Fundação Cultural Palmares, enquanto comuni-
dade remanescente de quilombos, no ano de 2014.14
13 - Tratamos aqui da concepção de distrito utilizada no Brasil, enquanto unidade
administrativa pertencente um município, a este completamente subordinada, sem
autonomia polwítica. Os distritos de Feira de Santana, são as divisões estabelecidas
para as áreas rurais do município, que possui oito distritos. Para uma discussão sobre o
que é um distrito e os elementos que costumam caracteriza-lo no caso do Brasil, com
base na dualidade urbano x rural ver: SILVA, Márcia Alves Soares da. Distritos Munici-
pais: Entre a modernidade da cidade e a tradição do campo. Anais do XV Seminário
Estadual de Estudos Territoriais. II Jornada de Pesquisadores sobre a questão agrária
no Paraná. Ponta Grossa, Paraná, 2014. Uma análise sobre o processo de consolidação
da Matinha enquanto distrito foi realizado na dissertação, no capítulo 1, Matinha: um
distrito quilombola, SOUZA, Railma dos Santos. Memória e História Quilombola: ex-
periência negra em Matinha dos Pretos e Candeal (Feira de Santana/BA). Dissertação
(Mestrado em História), UFRB, Cachoeira, 2016, p. 23-53.
14 - Este texto corresponde a trechos revisados dos capítulos 2, de título A Fazenda Can-
deal e o Quilombo Matinha dos Pretos e 3, titulado de Organização Social e Luta por Direitos
na Matinha dos Pretos e Candeal, da dissertação de mestrado. (SOUZA, 2016, p. 65-88).
80 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
17 - D. Ninha foi militante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais desde a década de
1980, onde atuou na diretoria por alguns anos, sendo presidente do mesmo.
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 83
Peste do Jacú
A formação da comunidade de Matinha dos Pretos é creditada
ora ao quilombo histórico existente nas terras da fazenda Candeal, ora
ao fincamento do cruzeiro, ponto de partida para a construção da igre-
ja em torno da qual se formou posteriormente o pequeno vilarejo que
atualmente é a sede do distrito.
Sobre a formação da Matinha, ao analisar um arrolamento no
qual o tenente-coronel Antônio Alves vende, no ano de 1913, par-
te da sua propriedade19 a Adolfo Ferreira da Silva, propriedade que
recebeu o nome de Matinha e que, conforme trecho do documento
transcrito, limitava-se ao sul com a Fazenda Candeal. Sento Sé afirma
que: “[...]a divisão da Fazenda Candeal entre seus herdeiros, e sua
fragmentação em lotes menores, seja como herança, seja para venda
[...], provavelmente, teria sido a forma como a Matinha moderna sur-
giria” (SENTO SÉ, 2009, p. 20).
As memórias dos/as moradores/as remetem ao período da es-
cravidão, quando teria existido o quilombo da Matinha, esta seria a
origem do nome da localidade, Matinha dos Pretos. Já a memória da
formação territorial da região em que fica a praça da comunidade re-
mete ao “fincamento” do Cruzeiro, que segundo os moradores, resulta
de uma promessa por parte de uma moradora da localidade de Mati-
nha a São Roque, quando da epidemia de peste bubônica ocorrida no
povoado de Jacú.
19 - A fazenda Candeal era uma propriedade com cerca de 4 mil tarefas de terra.
Esta informação é proveniente de uma ação de usucapião analisada no capítulo 2 da
dissertação. (SOUZA, 2016, p. 77-81).
86 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
Referências
LIMA, Daria. Entrevista cedida à Railma dos Santos Souza. Candeal II,
02/2010.
Introdução
A Comunidade Remanescente do Quilombo de Cordoaria, lo-
calizada na região metropolitana de Salvador/BA, às margens do rio
Joanes e à beira da Estrada do Coco, em um território quilombola, ne-
gro e indígena datado há mais de 300 anos. Nesta perspectiva, objeti-
vou-se a compreensão do território, dos laços de parentesco, das tra-
dições e das práticas culturais, da educação, bem como, o significado
de identidade quilombola. Para tal, o trabalho acadêmico é extraído da
Dissertação do Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Po-
vos Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
com base na metodologia teórica epistemológica de trabalho de cam-
po, entrevista, investigação acadêmica, documental e etnográfica no
território com cruzamento de fontes orais e escritas. Assim sendo, os
dados coletados e o georreferenciamento sobre a região tem o objeti-
vo de analisar a permanência e a alteração da espacialidade descrita na
comunidade, por meio das modificações da localidade e do ambiente.
O território localiza-se no estado da Bahia, pertencente ao mu-
nicípio de Camaçari e inserida no subdistrito de Abrantes. Subdistrito
este já considerado como marco do aldeamento indígena e jesuítico
da “Aldeia do Divino Espírito Santo” comandado por Tomé de Souza
e Garcia Dias D'Ávila. Neste território é possível encontrar evidências
do povoamento indígena e da população negra, através de vestígios
arqueológicos há mais de 20 (vinte) anos encontradas pelos morado-
res, como peças de cerâmicas e artefatos indígenas, que na época não
foram atribuídos a sua relevância histórica e ancestral dos materiais.
Ressaltando que, os indícios historiográficos da presença negra no ter-
96 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Processo metodológico
O estudo de campo originou-se de uma pesquisa in loco, ob-
servação participante em períodos distintos de festividades, reuniões
ou eventos comemorativos entre agosto de 2017 e março de 2019,
mediados por entrevistas, conversas informais e registros escritos, áu-
dios e fotografias, para posteriormente a coleta de dados históricos,
documentais e escritos, assim como referenciais em livros, teses, dis-
sertações e publicações online. Bem como, a coleta de dados solicita-
dos aos interlocutores a participação na pesquisa com um questionário
socioeconômico e outras perguntas semiestruturadas/abertas com o
intuito de compreender a dinâmica e as relações criadas e elaboradas
pelos interlocutores internos e externos do território quilombola.
Sob a óptica metodológica, o arcabouço teórico epistemológico
apresenta a lógica analítica do cruzamento de fontes orais e escritas,
com a narrativa e estórias dos interlocutores, a pesquisa de documentos
históricos e do levantamento de referências bibliográficas. Na primeira
etapa foram realizadas visitas de campo, estabelecendo uma relação
de interlocução com as pessoas da Comunidade, que compartilhavam
elementos da memória, das suas experiências e de seus antepassados
sobre a ocupação do território e da territorialidade hoje classificada
como “Comunidade Remanescente do Quilombo de Cordoaria”. Desse
modo, a pesquisa acadêmica foi percorrida e elaborada, sempre em
uma constante movimentação de idas e vindas a comunidade, a mora-
98 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Histórico da comunidade
A etimologia da palavra Cordoaria origina-se das práticas, habi-
lidades com o manuseio das cordas utilizadas desde seus antepassa-
dos na produção de esteiras para dormir e para os “caçoas” - balaios
– dos animais de cargas usados na época. Naquela época, as mulheres
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 99
25 - A Árvore genealógica da Família Matos Ferreira foi construída pela pesquisadora
durante o trabalho de campo, bem como, a atualização em agosto/2020, haja vista, a
ampliação da família com mais um neto ou uma neta que está a caminho.
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 101
Georreferenciamento do território
Primeiramente, no estudo de trabalho de campo no território da
Comunidade de Cordoaria e da Sucupira teremos alguns locais a serem
destacados na configuração territorial atual, como o rio Joanes – na
região da propriedade da Ilha –, o brejo – na estrada de interligação da
Comunidade com a estrada do Coco – plantações de mandioca, aipim,
frutíferas e de produção para subsistência e excedentes agrícolas e, as
terras brancas, podem ser as dunas em Abrantes e Jauá.
Em segundo lugar, há que se destacar, o objetivo dos mapas e da-
dos coletados para analisar a permanência e alteração da espacialidade na
comunidade, por meio das modificações da localidade e do ambiente, no
qual, este espaço hoje é caracterizado com uma rede de asfalto substituin-
do as vias de terras, as casas de alvenarias anteriormente de placas e de
taipa ou tapa de barro, a produção dos próprios alimentos em detrimento
ao consumo nos mercados e centros urbanos, o transporte das mercado-
rias e das pessoas em animais e agora por ônibus coletivo e veículos pró-
prios e, entre outras modificações que são a via ou uma das vias possíveis
para alcançarmos essa herança do passado (como é e o que permanece)
102 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
“pode derrubar essa árvore, porque minha mãe já derrubou a dela para
fazer a nossa casa e, cada um tinha uma” (Sra. DANIELLY, 20/02/2018)27.
Tal ação remete a um marcador de propriedade, transmissão de he-
rança e de patrimônio para os filhos, dos quais situam-se no terreno
cientes de que, cada um tem e terá o seu território demarcado por sua
árvore. Árvore estas que são Jaqueira, Mangueira e Cajueiro, não se
tem uma origem específica para a plantação de cada árvore ou a de-
marcação do território até então esclarecida e/ou evidenciada.
Durante a pesquisa de campo, seja ela na imersão na Comuni-
dade ou nas visitações esporádicas e eventuais, pode-se constatar os
laços de parentesco entre os membros da região, independentemen-
te do agrupamento Sucupira ou Cordoaria. Os laços são evidenciados
quando se têm as casas construídas no mesmo terreno ou proprieda-
de familiar, mas, por outro lado, também ocorrem as construções em
áreas vizinhas e espalhadas por toda a comunidade. Assim sendo, uma
família pode ter um parente de primeiro grau residindo em Sucupira,
outro em Cordoaria e os demais em Terra Maior ou Morcego, como
é o caso da Família Santana dos Santos, onde majoritariamente resi-
dem na Comunidade de Cordoaria – ao lado da Escola Municipal Nossa
Senhora Santana, mas uma parte da família mora na Comunidade do
Morcego. Esse agrupamento étnico é composto de 6 a 10 casas, um
comércio (Bar) e principalmente de área verde preservada, onde au-
mentou consideravelmente o índice de assalto às casas e residenciais,
haja vista, a distância entre elas ou o afastamento das vias principais da
região e a ausência de iluminação. Prova disso, foram duas incidências
de assaltos, entre 2017 e 2018, a casa da Família em menos de um ano.
Retomando ao território de Cordoaria, os principais interlocuto-
res da pesquisa - Família Matos Ferreira - residem majoritariamente na
Comunidade de Sucupira com o agrupamento das casas em núcleos
27 - Danielly, 20/02/2018. Despedida da Família Matos Ferreira, quando a neta so-
licita a permanência e a moradia na comunidade, em um terreno que é coletivo da
família, onde cada membro detinha uma árvore plantada pelo pai (Sr. Florisvaldo)
com espécies e locais diferentes na área do sítio. Atualmente, a única árvore que
permanece é a Jaqueira, ao lado da Casa de Farinha.
108 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
familiares (Sr. Florisvaldo, Sra. Maria do Carmo e Sr. Edelvan; Sra. Lucie-
ne e as filhas Maria Clara, Danielly e Marina; Sr. Esivaldo, Sra. Jociene,
o filho Lucas e um bebê em gestação; Sra. Maria Antônia e Sr. Jorge)
e outras duas casas em processo de construção. Bem como, uma das
filhas no agrupamento étnico de Cordoaria (Sra. Lígia, Sr. Rogério e os
filhos Emanuel e Joaquim) e os demais residem em Camaçari (Sr. Flávio
– esposa Sra. Edvalda e a filha Ana Flávia; Sr. Antônio e a esposa Sra.
Yasmin) e no município de Dias D'Ávila (Sr. Alberto, a esposa Sra. Sheila
e filha Isis). Por outro lado, os laços de parentesco expandem-se entre
Vila de Abrantes, Parafuso, Jauá e Salvador, por outro lado, têm-se os
diferentes graus de hierarquias consanguíneas ou uniões afetivas.
Por conseguinte, se analisarmos a Comunidade e os relatos de
outras famílias28 teremos as seguintes constatações:
Muito grande, Cordoaria inteira (Sr. REIS, 55 anos,
31/12/2017).
Família. União. Família é tudo, se não tiver famí-
lia, não tem união. É a base de tudo a família (Sra.
SANTOS, 74 anos, 13/10/2018).
Cordoaria em peso (Sr. JESUS, 45 anos, 31/12/2017).
Geralmente todo mundo (Sr. FREITAS, 60 anos,
31/12/2017).
Tudo é parente, é primo, tio, sobrinho (Sr. CON-
CEIÇÃO, 47 anos, 31/12/2017).
Lá é todo mundo (Sra. REIS, 45 anos, 04/01/2018).
Considerações finais
O Mestrado não é um trabalho individual, ele foi construído a
muitas mãos, que ajudaram – dentro de suas possibilidades – a cons-
truir este roteiro, sumário e contexto geral da Dissertação, por intermé-
dio do trabalho de campo, das entrevistas, das vivências e das experi-
ências construídas ao longo de dois anos de pesquisa in loco. Pesquisa
acadêmica que, desenhou-se e ganhou estrutura com a Comunidade,
ancorada em uma base teórico metodológica da Antropologia, da Et-
nografia e da Cartografia Social.
Saliento na pesquisa, a interpretação das fontes levantadas nas
entrevistas com as interlocutoras e interlocutores totalizando 177
(cento e setenta e sete) questionários identitários que apontam os re-
sultados descritos no trabalho acadêmico. Acrescentando-se que, as
entrevistas foram e serão a base para o desenvolvimento dos dados
estatísticos, dos parâmetros da comunidade, dos pensamentos e vi-
sões dos moradores, dos conceitos importantes ou irrelevantes no seu
cotidiano, na identidade negra e quilombola – se ela existe ou está em
processo de construção –, na vida que é difícil, mas não se reclama ou
anda-se murmurando e reclamando, pelo contrário, fazendo menção
de que poderia melhorar a Saúde com um Posto Médico, o transporte,
mas mesmo assim não sairia da Comunidade. Portanto, as narrativas, as
estórias, as citações e as falas descritas durante todo este trabalho tem
um rosto, uma história de vida, um sentimento e uma força que carrego
no coração e em cada palavra escrita neste trabalho, quando lembro
da pessoa e da situação na qual transcorreu-se a entrevista. Ressalto
110 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
O'DWYER, Eliane Cantarino. Quilombos: identidade étnica e territo-
rialidade. Rio de Janeiro,RJ: Editora FGV, 2002.
Considerações finais
A comunidade quilombola nesta dimensão da abordagem pe-
dagógica que aqui tratamos, não restringe tal condição social prevista
em lei, à ênfase dada a continuidade dos resquícios do passado que
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 125
Referências
D’ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racis-
mos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
Introdução
Lócus da pesquisa
A comunidade negra rural da Baixa da Linha, certificada pela Fun-
dação Palmares como comunidade remanescente de quilombo em 27
de setembro de 2010, situada em áreas próximas à Universidade Fede-
ral do Recôncavo da Bahia, está localizada no município de Cruz das
Almas-Ba, no Território de Identidade do Recôncavo Baiano.
[...] De acordo com o Decreto 4.887/2003, os qui-
lombos são: grupos étnico-raciais segundo crité-
rios de auto atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específi-
cas, com presunção de ancestralidade negra re-
lacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida (Art. 2º do Decreto 4887, de 20/11/2003),
(BRASIL, 2011, p. 9).
O produto pedagógico
O Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos
Povos Indígenas oportuniza ao professor da Educação Básica sanar, em
parte, suas inquietações sobre a insuficiência de materiais didáticos que
trate da História do Recôncavo e da História Local, de forma a aproximar
o currículo escolar do contexto em que os estudantes estão inseridos.
De qualquer forma, tais iniciativas dos Mestrados
Profissionais em História brasileiros procuram
responder aos desafios de realizar a formação
continuada e crítica na pós-graduação mediante
e em paralelo com a pesquisa aplicada em His-
tória. Ambas podem fundamentar uma guinada
relevante no campo da produção didática no país
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 137
Considerações finais
Os processos de desenvolvimento desta pesquisa despertaram a
compreensão de que as práticas sociais também produzem um conhe-
cimento que precisa ser legitimado nos currículos escolares. Assim, no
decorrer dos estudos sobre as narrativas de vidas das mulheres quilom-
bolas, sujeitos desta pesquisa, identificou-se a importância dessas mu-
lheres para a preservação da tradição, cultura, história e da identidade da
comunidade da Baixa da Linha, bem como se evidenciaram também, as
riquezas na produção dos conhecimentos advindos das vivências coti-
dianas dessas mulheres como uma forma de saber a ser considerado nos
currículos oficiais das escolas do município de Cruz das Almas.
Nesse contexto, levantou-se com a pesquisa, que o município
de Cruz das Almas, embora possua duas comunidades remanescentes
de quilombos certificadas, não possuí uma proposta educacional ofi-
cial que valorize as relações raciais e nem muito menos uma educação
escolar quilombola. Portanto, as narrativas de mulheres quilombolas
apresentam-se como iniciativas possíveis de se inserir nas práticas pe-
dagógicas discussões que envolvam a educação para as relações étni-
co-raciais na escola, alinhadas nos diversos componentes curriculares,
haja vista que essas comunidades possibilitam um trabalho com prá-
ticas de linguagem diversificadas; os conhecimentos das vivências das
mulheres quilombolas possibilitarão ao educando, a partir do contexto
social, conhecimentos no campo da ciência da natureza, a partir da
compreensão dos aspectos mais complexos das relações dos agentes
sociais com a natureza, com as tecnologias e com o ambiente. Além
disso, no campo de estudos da área das ciências humanas, através da
exploração sistemática do contexto sócio-histórico da comunidade es-
tudada na pesquisa, os educandos compreenderão também os proces-
sos intrínsecos à formação do conceito de identidade, expressa entre
140 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Quilombolas e novas etnias.
Manaus: UEA Edições, 2011, 196p.
Introdução
Este trabalho apresenta os caminhos percorridos para a realização
da pesquisa intitulada “Aqui é África – Teatro do Negro na Educação”, re-
alizada no período de 2015 a 2017, vinculada ao Programa de Pós-gra-
duação do Mestrado Profissional de História da África, da Diáspora e dos
Povos Indígenas do Centro de Artes, Humanidades e Letras – CAHL da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, na cidade de Cachoeira, des-
tacamos a importância do aprendizado, das orientações precisas, e das
palavras necessárias que qualificaram este estudo. Ólorum mo dupép!
A africanidade herdada pelos/as afro-brasileiros/as, ainda é para
a maioria, algo compreendido muito superficialmente. Há lacunas que
vão desde conhecimentos mais elementares sobre o continente africa-
no, até o reconhecimento do papel dessa identidade como constituinte
das realidades vividas cotidianamente, ainda permeadas pelo racismo
e pela exclusão que dele se origina. Por isso, “... precisamos dos nossos
parentes africanos, por que aqui também é África29”!
Essa compreensão de pertencimento e identidade causa uma
transformação imediata da visão sobre o que pensava a respeito da
África, e de qual seja o seu legado para nós, afro-brasileiros/as. Junto
29 - Esta potente frase é do professor Ubiratan Castro, então presidente da Funda-
ção Pedro Calmon, órgão vinculado, a Secretaria Estadual de Cultura do Estado da
Bahia, no evento do “Dia Mundial da África – África e Diáspora,” realizado pela Pre-
feitura de São Francisco do Conde, no dia 25 de maio de 2012, o evento que também
celebrava em solo baiano, a chegada da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira-UNILAB, através da implantação do Campus dos Malês na
cidade de São Francisco do Conde-Bahia.
146 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
com ela vêm as inquietações sobre o que é possível ser feito para con-
tribuir como ativistas afrodescendentes para uma mudança de para-
digma na educação, e na sociedade brasileira.
Descolonizar-se é uma necessidade. Não podemos deixar que
passem despercebidas as lutas travadas ao longo da história desse
país, como ações de enfrentamento à maior violência sofrida pelos po-
vos africanos e indígenas: a escravidão.
A pesquisa realizada centra-se na elaboração de um material di-
dático com foco na linguagem artística do teatro, na dramaturgia como
principal elemento explorado, para a mobilização em torno das tensões
geradas pelo debate racial no Brasil.
Essa escolha foi pautada pelo campo do vivido no movimento so-
cial, pela experimentado do ato cênico, trazendo o sentido das questões
raciais para a cena, perspectivando o teatro no fazer educativo e peda-
gógico, auxiliando professores/as com dificuldade de chamar para si,
a responsabilidade da discussão do impacto do racismo na sociedade.
A dramaturgia é possibilita a inclusão na pauta de temas rele-
vantes que refletem as histórias de vida dos/as discentes e docentes
que comumente, não são colocados como protagonistas nas questões
raciais. Temáticas como: pertencimento racial, religiosidade, imigração,
xenofobia, LGBTQI+, negritude, quilombismo, juventude negra, cultura
negra, sexualidade, cor, raça, gênero, ancestralidade, dentre outros que
envolvem o cotidiano da escola.
A metodologia para essa elaboração centrou-se em duas fren-
tes: a análise de materiais didáticos, mirando nas determinações que
dispõe o Plano Nacional do Livro Didático, focando na identificação da
equidade racial para efetivação das políticas de ações afirmativas pre-
vistas nas Leis Federais 10.639/2003 e 11.645/2008 que dispõem sobre
a obrigatoriedade do Ensino da História da África, dos Africanos e da
Cultura Afro-brasileira e Indígena na Educação Básica.
Ainda nesta etapa foi feito um denso aprofundamento teórico
acerca dos conceitos sobre o campo de conhecimento da educação,
da arte, da arte-educação e das questões raciais, que permitisse novas
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 147
O trajeto teórico
Nesse processo quatro grandes blocos de conhecimentos for-
mam o trajeto teórico-epistemológico: Educação; Teatro; Metodologias
e Relações Raciais. O estudo sobre a Educação refere-se às bases re-
gulamentadas na legislação brasileira a partir da LDB 93494/96, e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações étnico-raciais (2004),
as contribuições de Freire (1996), consolidam o lugar do pensamento
crítico na práxis educativa, e a importância sobre diferença, igualdade e
garantia de direitos para o exercício da cidadania na Educação Básica.
Comprovando a importância do educador e da educadora como
enfatiza Paulo Freire (1996):
O educador democrático não pode negar-se o
dever de, na sua prática docente, reforçar a capa-
cidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 149
Considerações finais
Sinalizamos que o livro “Aqui é África – Teatro do Negro na Edu-
cação” deve ser encarado como uma abordagem multirreferencial das
questões étnico-raciais, que congrega a um só tempo corporeidade,
ancestralidade, identidade com expressão e conteúdo.
A utilização das peças deve ser dialógica com a coordenação e
toda equipe gestora da escola, para assim ter uma melhor dinamização
e impacto nas discussões e nas práticas das políticas de ação afirmati-
vas implementadas pela escola.
Ao final, esta abordagem é a um só tempo metodológica e epis-
temológica, pois trata de um modo de construir conhecimento de for-
ma engajada e implicada com as realidades vividas pelos sujeitos do
processo de ensino e de aprendizagem.
A pesquisa e a prática da sua experimentação como uma ação
formativa concreta com estudantes e professores/as da escola públi-
154 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
Introdução
Os jogos e a cultura
O conceito de cultura no singular pode ser considerado impró-
prio tendo em vista as culturas humanas em sua mais ampla variedade.
Neste sentido, o antropólogo Roque Laraia (2001), afirma que:
Culturas são sistemas (de padrões de compor-
tamento socialmente transmitidos) que servem
para adaptar as comunidades humanas aos seus
embasamentos biológicos. Esse modo de vida
das comunidades inclui tecnologias e modos de
organização econômica, padrões de estabele-
cimento, de agrupamento social e organização
política, crenças, práticas religiosas, e assim por
diante (p.31).
Revisitando as epistemologias
Amaioria dos jogos africanos e afro-brasileiros são praticados em
grupos e exigem a capacidade de cooperação para que se tornem di-
vertidos (CUNHA, 2016, p. 23). Os jogos apresentados na abordagem
do material didático elaborado, mesmo quando envolvem a compe-
tição, permite a participação de muitas crianças jogando ao mesmo
tempo, meninos e meninas jogando juntos/as, competindo ou não em
equipe ou individualmente. Essa é característica que facilita a inclusão
desses jogos no ambiente escolar, pois fomentam a participação sem
definições de exclusividade de gênero/idade/tipo físico etc.
Os jogos apresentados baseiam-se em uma compreensão dos
processos educativos presentes na prática dos jogos africanos e afro-
-brasileiros, no contexto educacional, em uma abordagem multirrefe-
rencial, estabelecida pelas culturas de origem e pelos/as participantes
envolvidos/as nas vivências.
Busca-se realinhar na experiência educativa formal aspectos da
vida da criança, logo, corporeidade, ludicidade, constituindo uma “pe-
dagogia do brincar” (LUCKESI, 2014), do nosso ponto de vista, muito
presente nas vivências, nas experiências nos modos de educar das tra-
dições comunitárias de origem africana e afro-brasileira.
Desse lugar étnico-racial e socialmente referenciado professo-
res/as assumem um papel específico muito significativo, no contexto
da educação escolar, como mediador/a, organizador/a dos tempos e
das possibilidades da proposta pedagógica, que deve ser o instrumen-
to da liberdade de construção sociocognitiva das crianças. Isso implica
em uma demanda específica por autoconhecimento e por formação
específica, a formação lúdica deve possibilitar “ao futuro educador co-
nhecer-se como pessoa, saber de suas possibilidades e limitações, des-
bloquear suas resistências e ter uma visão clara do jogo e do brinquedo
para a vida da criança, do jovem e do adulto” (SANTOS, 1997, p.14).
Desenvolvemos nesta pesquisa que foi também um processo de
auto formação a experiência de vivências concretas com crianças em
160 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
No Brasil, são incontáveis os estudos que afirmam a presença de
elementos culturais africanos recriados em nosso contexto histórico e
sociocultural. Consideramos que os jogos são elementos fundantes e
indissociáveis da cultura brasileira, e que parte significativa dos jogos e
brincadeiras vivenciados no Recôncavo da Bahia, tem como origem no
entrecruzamento entre as matrizes africanas e afro-brasileiras.
Desta forma, propomos apresentar o jogo como uma proposta
sociocultural para o ensino, tornando-o assim, um momento de apren-
der-ensinar-aprender a respeitar, a conhecer, a reconhecer, a valorizar
as diferenças culturais do nosso povo tão diverso, e das identidades
singulares de cada pessoa participante do jogo/brincadeira.
Entendemos que na escola, o jogo deve integrar o processo edu-
cativo, não devendo ser dissociado da cultura geral do/a estudante,
166 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
Introdução
Com a promulgação da Lei nº 10.639/03 que altera a Lei de Dire-
trizes e Base da Educação Brasileira (Lei nº 9394/96) e torna a obrigatória
a inclusão no currículo a “História da África e dos Africanos” e da “cultu-
ra afro-brasileira” instaurou-se a necessidade de formação inicial e em
serviço dos/as profissionais da educação, e a elaboração de materiais
didáticos que auxiliassem os/as professores/as em sua implementação.
Houve uma profusão de ações para a implementação desta te-
mática preconizada na lei, bem como, a produção de um denso ma-
terial já disponível, contudo, ainda há uma lacuna no que se refere ao
aporte para a elaboração das atividades e planejamentos diários, ou
seja, a utilização desse acervo não figura como algo estruturante do/no
currículo escolar. Via de regra, surge como um apêndice, algo utilizado
em ocasiões específicas e circunstanciais. Em suma, a lei está em vigor
há 17 (dezessete) anos, é tema de vários debates e formações, mas não
se efetiva na sala de aula. Muitas vezes se concentra em atividades re-
alizadas em momentos pontuais sem que integre de forma transversal
o currículo, sendo tão somente materializada em eventos temáticos,
em festas e seminários que recaem, com raras exceções, em atividades
estereotipadas e folclorizadas.
Os currículos que orientam as práticas docentes, a seleção e ên-
fase dada a alguns conteúdos e materiais didáticos, fazendo-nos iden-
tificar a necessidade de priorizar pontos específicos na práxis docente,
em específico o que se refere à formação do/a educador/a, o currículo
escolar e o material didático de apoio.
170 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
O material didático
O educador após várias atividades de formação inicial e continu-
ada, as quais são oferecidas em profusão tanto na modalidade presen-
cial quando na modalidade a distância e também conjugando ambas,
se depara com a necessidade de aplicar tais conhecimentos adquiridos
no seu conteúdo específico em sala de aula. Porém se pergunta como
aplicar esta temática no ensino das disciplinas pré-estabelecidas e
como associá-las aos conteúdos dos livros didático adotado na escola.
Geralmente coloca a temática étnico-racial como um tema a mais a ser
ministrado o que o leva a equacionar e administrar tempo que precisa
ser reservado para esta temática, já que há tantos assuntos a serem
abordados. Por certo, estes são alguns dos muitos questionamentos
que dificultam a transposição do conteúdo adquirido nas diversas for-
mações para a realidade do cotidiano escolar.
Em face dessa realidade, identificamos a necessidade de apro-
fundar o debate sobre a formação docente na interface com a elabo-
ração de um material temático na busca de trazer à tona a discussão
étnico-racial para o centro da prática docente e do currículo escolar, ou
seja, para o cotidiano escolar.
No bojo desta discussão enfatizamos a necessidade da produ-
ção de um Material temático e de orientação didático-pedagógica em
apoio à prática do educador dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
que a partir da lei nº 11.27432, passa a ser constituído de nove anos
32 - Lei nº 11.274 de 6 de fevereiro de 2006 que dispondo sobre a duração de 9
(nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis)
anos de idade.
172 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Metodologia
O percurso teórico para elaboração do material temático e de orien-
tação didático-pedagógica em apoio à prática do/a educador/a dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, teve como base duas grandes vertentes.
Inicialmente consideramos a legislação que institui a obrigatoriedade da
inclusão da temática étnico racial nos estabelecimentos de educação pú-
blica e particular no ensino fundamental e médio a Lei 10.639/08.
Esta leitura nos levou ao Parecer nº 3 do Conselho Nacional de
Educação, elaborado pela Petronilha Beatriz Gonçalves, que estabelece
as bases para as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Bra-
sileira e Africana, aprovado em 10 de março de 2004, e à Resolução n°1
de 17 de junho de 2004 que institui estas Diretrizes. Ainda com base
na legislação em vigor foi pertinente a leitura do Plano Nacional para a
implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana, bem como das Leis 11.274 de 06 de fevereiro de
2006, e do Parecer do Conselho Nacional de Educação nº 4 de 10 de
junho de 2008, que respectivamente, instituem o Ensino Fundamental
de Nove anos e que orienta sobre os três anos iniciais do Ensino Fun-
damental de nove anos, instituindo o ciclo de alfabetização.
Para compreender o que preconiza a base legal acerca do Ensino
Fundamental de nove anos foi fundamental o estudo da Resolução de
nº 7 de 14 de dezembro de 2010, da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, que fixa as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos. Foi utilizado como
base de apoio o documento que em 2015 encontrava-se ainda em dis-
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 175
Considerações finais
O livro “História e Cultura da África nos anos iniciais do ensino
fundamental: Os Adinkra” oportuniza às/aos profissionais da educação
que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, principalmente
do Ciclo de Alfabetização, apresentando atividades com o propósito de
introduzir temas sobre História da África e dos Africanos no cotidiano
escolar sem abdicar dos conteúdos obrigatórios a serem ministrados,
tendo como foco os Direitos e os objetivos de aprendizagem próprios
para aqueles anos de escolaridade.
A proposta metodológica apresentada no livro indica possibili-
dades de elaboração de novos conteúdos, não sendo, pois, algo fecha-
do, pronto e acabado e, sim, uma indicação que pode apoiar os profis-
sionais da educação na reelaboração de planejamentos, de atividades,
na construção de sequências didáticas e em projetos no sentido de
efetivar a lei 10.639/03.
Vale ressaltar que este material foi elaborado antes da efetivação
da Base Nacional Comum Curricular, porém ao planejar, o/a educa-
dor/a poderá analisar e substituir os direitos de aprendizagem pelos
Objetos de conhecimento e habilidades preconizadas na BNCC.
Considero que os/as professores/as e estudantes ao se apropria-
rem dos conhecimentos produzidos pelos diversos povos africanos,
desde os anos iniciais de escolaridade, possibilitará o reconhecimento
do legado que o contente africano para a história e o desenvolvimento
da humanidade, e um estímulo às/aos profissionais na busca de novos
elementos sócio históricos e culturais para pesquisa, estudo, aprofun-
damento e de formação cultura com base nos componentes da matriz
africana e da diáspora negra.
Referências
BRASIL, Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica.
Ensino fundamental de nove anos. Orientações para a inclusão da
criança de seis anos de idade Brasília 2007
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 179
Introdução
Este trabalho está incluído no conjunto de estudos e análises que
integram a pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós-gradua-
ção em História da África da Diáspora e dos Povos Indígenas oferta-
do pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e se direciona
a educação no sistema prisional baiano em História Afro-brasileira e
dos Povos Originários da Américas, tendo por objetivo geral abordar
o processo de elaboração de um produto paradidático, baseado nas
vivências do cárcere, mirando a aprendizagem significativa na Educa-
ção de Jovens e Adultos privados de liberdade, de acordo com as Leis
10.639/2003 e 11.645/2008.
Assim, propõe-se na construção do produto um estudo histórico
com caráter transversal e interdisciplinar, para a discussão das questões
relacionadas ao racismo estrutural, institucional e religioso. Nessa imer-
são epistemológica, inserem-se a digressão dos aspectos históricos da
prisão no Brasil, sobretudo em relação à educação ofertada, que subsi-
diam a construção do paradidático tencionado, em especifico uma no-
vela literária, cuja metodologia de estudo tem a leitura como proposta, a
partir da oralidade e da “contação” de histórias, resgatando a tradição da
história oral das comunidades tradicionais afro-brasileiras e indígenas.
A metodologia da observação participante foi combinada com
a revisão bibliográfica sobre História da África e dos Povos Indígenas,
metodologia da produção de livro didático, currículo, História da Edu-
cação e Criminologia que gravitaram em torno do objeto de estudo e
construção: um livro paradidático para os alunos em privação de liber-
dade. Desta forma, foram realizadas observações de campo na Colônia
182 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Educação intra-cárcere
A implantação da reforma prisional no Brasil no século XIX não
contemplou de início a necessidade de instrução de primeiras letras
daqueles que estavam encerrados nas modernas formas de punição
penal, isto por que a ideia principal era exportação de uma penologia
centrada na privação da liberdade, em substituição da formas degra-
dantes e mutiladoras que compunham o repertório de punições do
estado brasileiro. Contudo, em 1871 a “Eschola da Casa de Prisão”, ins-
talou-se na Casa de Prisão com Trabalho, inaugurada na Bahia, para
instrução elementar mesclada com elementos da teologia cristã, em
que o “[...]“ discurso penitenciário incluía, além do trabalho, da religião
e do isolamento do preso, a educação básica, chamadas de “primeiras
letras” (TRINDADE, 2012, p. 58).
“Embora, não houvesse uma determinação obrigatória da ofer-
ta do ensino formal nas prisões brasileiras, encontramos uma série de
ações, isoladas [...]” (SILVEIRA, 2009, p. 193).
Outras experiências se evidenciaram no Brasil imperial e repu-
blicano, de forma descentralizada e não uniforme, com relação à ins-
trução escolar nas prisões, tal como se deu na Casa de Correção em
São Paulo, em 1854, e a Casa de Detenção em Recife na passagem do
século XIX para o XX Maia (2001 apud SOUSA, 2005). No estado do
Paraná o estudo de Silveira (2009) tem por objeto a implantação da
escola prisional na Penitenciária do Ahú, instituição que repete a im-
portância dada ao caráter religioso no processo pedagógico com fito
na regeneração moral do indivíduo condenado.
Apesar das formas aparentemente isoladas de práticas educacio-
nais nas prisões brasileiras deste período, pode-se verificar a presença
do apelo ao conteúdo teológico do cristianismo na estrutura pedagó-
gica destes espaços. Contudo, no século XX tem-se a modificação na
concepção do ensino prisional, agora numa diretriz mais centralizada
a partir da Lei n°.3274 de 2 de outubro de 1957, que trata acerca das
184 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
33 - Esta alteração se deu por meio da Lei de Execuções Penais de 1984.
34 - A unidade escolar está sediada no município de Simões Filho e possui um anexo
na Colônia Penal de Simões Filho.
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 185
Educação étnico-racial
A presença da população indígena e africana nos materiais didá-
ticos brasileiros é uma pauta de enfretamento, porque busca uma nova
versão tanto da imagem destes povos, como também da reformulação
das versões historiográficas. As restrições à espaços ou limitações de
acesso à educação às populações marginalizadas nos períodos colo-
niais, império e republicano brasileiro, transcende seus efeitos até os
dias atuais. Fonseca (2016, p. 27) citando Primitivo Moacyr (1945, p.
431) aponta que no Rio Grande do Sul no século XIX “foram encontra-
dos indícios que sugerem que havia algum tipo de impedimento para
os negros frequentar escolas”. Em Minas Gerais, no período imperial,
havia a proibição de escravos de frequência às escolas, mas permitin-
do-se o acesso as pessoas livres, brancos, mestiços e negros. No Rio de
Janeiro, a Lei n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, sobre Instrução
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 187
Paradidático e o cárcere.
39 - Uma novela é o gênero literário que não tão extenso como romance, mas possui
as mesmas estruturas que este.
190 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
A historicidade das análises feita e que subsidiaram a escrita li-
terária e pedagógica do paradidático se inserta em uma das variadas
pesquisas no campo do ensino de história e da pedagogia na prisão,
e esta foi a proposta deste trabalho, diante de vários saberes acumu-
lados, sintetizados e direcionados para a compreensão de um material
didático que tende a refletir o cárcere em sua cor, tratamento racista e
privações.
Tem-se no histórico do sistema punição brasileiro uma seletivida-
de do tratamento legal e da execução da penal, voltado às populações
marginais ao reduto das elites política, econômica é étnica do Brasil.
A punição penal e o acesso a instrução escolar ao negro e escravo
era diferenciada em relação ao branco abastado, embora a escola de
primeiras letras fosse para as populações negras, pobres e mestiças,
esta não era de boa qualidade, ao contrário da escola republicana, cujo
contingente de alunos negros era escasso.
A luta pela emancipação e combate ao racismo, misoginia, lgb-
tfobia, machismo e demais formas de violência é mais eficaz pela edu-
cação, e nesse sentido este trabalho se traduz também em um ativismo
epistemológico necessário para ocupação de espaços nos meios aca-
dêmicos e instituição de lugares legítimos de fala.
40 - Documentos são materiais que incorporam finalidades didáticas, a partir de
adaptações de filmes, livros, peças ou qualquer outro suporte, retirados do contexto
artístico cultural de concepção e empregado em um sentido didático-pedagógico de
acordo com o conteúdo.
192 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
CARVALHO, Everaldo Jesus de. Escola Penitenciária: por uma gestão
da educação prisional focada na dimensão pedagógica da função do
agente penitenciário. (Dissertação de Mestrado). Salvador: GESTEC/
UNEB, 2013.
Introdução
Este trabalho teve como objetivo analisar em que medida duas
escolas municipais de Amargosa-BA tem contribuído para a formação
da identidade ético-racial na perspectiva da lei 10.639/03. Para dar sur-
gimento a pesquisa partimos da necessidade de compreendermos as
políticas curriculares de desenvolvimento para profissionalização, nes-
se percurso, refletirmos que nos dias atuais ainda se é possível consta-
tarmos a ausência de um plano de educação que contemple a inclusão
seja ela de gênero, raça, social ou cultural, para efetivação de uma for-
mação alicerçada na diversidade.
A relevância deste trabalho consistiu em ter uma estatística pre-
cisa, a partir dos campos empíricos da pesquisas, de como se tem dado
a formação da identidade d@s alun@s negr@s41 de duas escolas mu-
nicipais de Amargosa-BA, sob a perspectiva da lei 10.639/03 e seus
desdobramentos nas questões étnico-raciais. Essa investigação foi
impulsionada pela visível necessidade de uma formação que não seja
simplesmente “abstrata”, ou seja, que tenha propostas excelentes no
papel, mas deixe a desejar nas aplicações.
Esta pesquisa teve abordagem qualitativa, porque essa técnica
se revela como um instrumento que traz grandes contribuições ao tra-
41 - Neste trabalho será utilizado em casos possíveis o símbolo @ (arroba) simbo-
lizando a contemplação de gêneros. Os movimentos feministas promovem o uso do
símbolo @ como substituto neutro preferência ao gênero masculino, nesse trabalho
o @ terá a função de contemplar os gêneros masculino e feminino para se referir a
grupos de gêneros mistos ou desconhecidos, em detrimento da forma padrão que
tradicionalmente dá preferência ao gênero masculino, nesse trabalho o @ terá a fun-
ção de contemplar os gêneros masculino e feminino.
196 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
BOURDIEU, P. A Escola conservadora: as desigualdades frente à
escola e à cultura. In: Escritos de educação. Organizadores BOUR-
DIE, P. ; NOGUEIRA et al. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
Introdução
Nas próximas linhas irei relatar as etapas que constituíram o pro-
jeto de intervenção: Clube de História: estudo e pesquisa da história e
cultura afro-brasileira por estudantes da educação básica, no Colégio
Estadual Maria Isabel de Melo Góes, Catu/Ba. Tendo como ponto de
partida a observação do objeto de estudo (a escola pública e seus ato-
res principais, os estudantes), até o surgimento dos resultados.
As experiências vivenciadas no grupo de estudos e pesquisa
sobre a História do negro no município de Catu-Ba49 constituíram o
“Clube de História”, que teve como objetivo investigar e popularizar os
elementos que compõem a história e a cultura negra na cidade de Catu
e regiões circunvizinhas. Constituído por estudantes do Ensino Médio,
o grupo de pesquisa surgiu a partir de um problema relacionado a falta
de políticas públicas e/ou projetos escolares que se atentem para a
conservação de memórias sobre a cultura afro-brasileira no município.
A partir da problematização “De que forma os estudantes negros/ afro
descendentes, pertencentes à escola pública da cidade de Catu se perce-
bem enquanto atores de transformação da realidade na qual estão inse-
ridos?” O Clube de História desenvolveu atividades investigavas, relacio-
nadas a História do negro e seus descendentes em Catu-Ba e no Brasil.
A implementação do Clube de História no cotidiano das ativida-
des do Colégio Estadual Maria Isabel de Melo Góes pôde ser percebida
a partir do método dialético, que considera que os fatos não podem ser
49 - O município de Catu está situado a acerca de 78 km ao norte da capital baiana,
no litoral norte e agreste baiano.
212 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações teórico-epistemológicas
A origem do Clube de História encontra-se na inquietação, no
fazer pedagógico e se aproxima enquanto referência, da própria es-
cola, que em sua forma concreta de ser, pode ser entendida como um
objeto de análise e intervenção. Esse projeto pode ser compreendido e
desenvolvido como ação conjunta integrada por discentes e docentes,
partilhada com o coletivo da escola. Trata-se de uma possibilidade de
abordagem didática que, ao propor atividades investigavas, foi capaz
de potencializar a construção do conhecimento histórico e de identi-
dades dos sujeitos que o integram em seus múltiplos espaços de con-
vivência e ambientes educativos.
Trazer para a discussão aspectos teóricos que caracterizam a pes-
quisa como princípio educativo, a construção do conhecimento histó-
rico e a construção de identidade foram pressupostos teóricos que se
fizeram necessários para a compreensão do processo ensino apren-
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 215
Resultados alcançados
Nessa seção, irei descrever os aspectos que corroboraram para
a consolidação da proposta do Clube de História. Iniciarei pontuando
as adversidades enfrentadas no decorrer das atividades vivenciadas no
Clube. Não tínhamos um espaço definido como nosso para realizar as
reuniões, a cada reunião estávamos sempre em busca de um espaço,
esse aspecto físico trouxe consigo a ausência de computadores, im-
pressoras e outros diferentes recursos que poderiam fazer das pesqui-
sas propostas mais relevantes.
Outro entrave que merece registro refere-se ao contratempo para
reunir os estudantes em um turno oposto ao do estudo regular o que
retrata os embaraços de ser professor e pesquisador na rede pública
estadual da Bahia, uma vez que os horários das reuniões precisavam ser
constantemente ajustados. Desde o início da proposta do projeto de in-
tervenção, Clube de História, foi sendo observado de que forma o grupo
de estudos, por mim descrito, podia envolver o maior número possível
de estudantes num processo contínuo de aprendizagem e reflexões re-
lativas à cultura afro-brasileira, mas que concomitantemente fomentasse
o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita dos estudantes.
Fazendo uso do conceito de avaliação tendo como referência a
definição abordada por Luckesi50 é possível observar que houve uma
evolução qualitativa no desempenho dos estudantes, que estiveram
participando ativamente do projeto de intervenção. No diagnóstico
inicial que ocorreu nos primeiros encontros do Clube de História, em
conversas com os estudantes foi possível perceber o quanto estavam
inseguros para falar, além de identificar um desinteresse pela leitura.
No primeiro ano de realização do projeto os estudantes tiveram difi-
culdades para identificar problemas e fazer reflexões a partir do obje-
to de estudo, nesse contexto participamos de duas feiras de Iniciação
Científica a Feira de Ciências das Escolas Estaduais de Catu e a Feira
de Ciências e Empreendedorismo da Bahia, nos dois eventos citados
50 - Segundo o professor Cipriano Carlos Luckesi, citado por Libâneo (1991; p196)
"a avaliação é uma apreciação qualitativa sobre dados relevantes do processo de en-
sino e aprendizagem que auxilia o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho."
220 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
BARBOSA, Joaquim Gonçalves; BATISTA MARTINS, João. Reflexões
em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: Editora da
UFSCar, 1998.
Introdução
Esse texto é fruto da dissertação defendida no programa de
Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas pela UFRB, em 12 de abril de 2016, intitulada De Pardo Infa-
me a Herói Negro: o mestre alfaiate João de Deus do Nascimento, com
a orientação do Prof. Dr. Walter da Silva Fraga Filho e a co-orientação
do Prof. Dr. Leandro Antônio de Almeida (no qual elaboramos um pa-
radidático sobre a temática), onde buscamos analisar a construção da
memória deste sujeito histórico da Bahia setecentista, que foi um dos
principais personagens do movimento rebelde baiano de 1798, preso
em 26 de agosto do ano citado e condenado à morte na forca pelo cri-
me político de alta traição, chamado “Lesa Majestade de Primeira Ca-
beça”, sendo enforcado e esquartejado no dia 8 de novembro de 1799
na Praça da Piedade em Salvador, tendo o mesmo destino, o aprendiz
de alfaiate Manoel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas
de Amorim Torres e Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, todos conside-
rados infames para sempre.
A escolha de João de Deus do Nascimento como objeto de estu-
do partiu de um interesse por saber mais sobre este sujeito histórico,
originário da Vila de Cachoeira na segunda metade do século XVIII e
que figurava como um dos principais personagens da Conjuração Baia-
na de 1798, também chamada de Revolta dos Alfaiates e Revolta dos
Búzios. Porém, no desenvolvimento da pesquisa, percebemos que a
importância dele foi além de nossas expectativas, pois, conseguimos
levantar nos Autos da Devassa da Conspiração dos Alfaiates, principal
230 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
A vida
O que sabemos inicialmente sobre as origens de João de Deus
do Nascimento, está referenciado no depoimento dado ao desembar-
gador Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto, no dia 10 de setem-
bro de 1798, onde o mestre alfaiate revelou que era natural da Vila da
Cachoeira, tendo a idade de 27 para 28 anos, sendo filho legítimo do
branco José de Araújo e da parda forra Francisca Maria da Conceição
(ADCA, 1998, p.449) 54. Por essa informação, calculamos que ele tenha
nascido por volta de 1771, sem podermos precisar o dia e o mês do
seu nascimento na antiga Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto
de Cachoeira, Recôncavo da Bahia.
Outra questão importante é o fato de João de Deus ter declarado
ser filho legítimo de um pai branco e a mãe parda forra. Em toda do-
cumentação analisada, não encontramos nenhum caso igual ao dele.
Quando achamos os filhos de relação entre brancos e pardos, sempre
eram filhos naturais. Isso nos chamou a atenção, pois, se ele era real-
mente filho legítimo, seus pais foram casados, afrontando e superando
um grave problema da época, que era legitimação da união entre pes-
soas de diferentes tonalidades de cor da pele.
A descrição física que temos de João de Deus do Nascimento foi
colhida na sua fase adulta, quando ele se encontrava preso na cadeia
pública, a partir de um termo de prisão, datado de 23 de fevereiro de
1799, onde o escrivão João Luís de Abreu o descreveu como:
Homem pardo claro de ordinária estatura, cheio
de corpo tem a cabeça redonda, e examinando-a
54 - Autos da Devassa da Conspiração dos Alfaiates (ADCA).
232 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
setembro de 1798, disse “que havera oito anos teve amizade com João
de Deus do Nascimento por causa de um divertimento de pássaros,
logo que o dito chegou da Vila de Cachoeira [...]” (ADCA, 1998, p. 556).
Por esse depoimento de Gonçalo Gonçalves percebemos que
João de Deus do Nascimento chegou a Salvador por volta de 1790, sen-
do essa data reforçada pelo depoimento de sua esposa, Luiza Francisca
de Araújo, que declarou, em 31 de agosto de 1798, “que tem cinco filhos,
o mais velho tem idade de oito anos [...]” (ADCA, 1998, p. 556). Assim, po-
demos sugerir que ele chegou realmente por volta de 1790, tornando-se
pai de família, ocasião que coincide com o nascimento de seu primeiro
filho, provavelmente, o Antônio Joaquim55 (ADCA, 1998, p.466).
A referência de endereço de João de Deus em Salvador é a sua
tenda ou loja de alfaiate, situada na Rua Direita do Palácio, onde traba-
lhava e residia junto com a esposa e os cinco filhos. Essa localização da
tenda estava de acordo com os espaços pré-estabelecidos pela Câmara
Municipal para os oficiais mecânicos organizarem seus estabelecimen-
tos. Por isso, a moradia na Rua Direita do Palácio, não deve ter sido
simplesmente uma escolha do mestre alfaiate e sim uma determinação
da Câmara (SOUSA, 2012, p. 245-246).
Conhecemos pouco sobre a sua família, o nome e o sexo dos fi-
lhos, a rotina dentro de casa, o temperamento e o relacionamento com
a esposa. Enfim, por vezes, as fontes não nos permitem avançar neste
sentido. Já sabemos, por exemplo, que João de Deus do Nascimento
tinha um filho chamado Antônio Joaquim e que seu filho mais velho
tinha 8 anos e “aprendia a ler na escola de Fulano da Motta de tras da
Capella de Nossa Senhora da Ajuda e agora esta escrevendo por sima
da letra branca e ainda não aprende a contar [...]”(ADCA, 1998, p. 401)
56
. Não sabemos se o filho mais velho que estudava era o mesmo An-
tônio Joaquim, mas pelo menos podemos deduzir que era um menino.
55 - O mestre alfaiate citou o nome de um dos seus filhos no seu depoimento, em
13 de setembro de 1798.
56 - Informação colhida no depoimento de Luiza Francisca em 31/8/1798. Ignácio da
Silva Pimentel reforçou essa informação. Ver: ADCA, 1998, p. 369.
234 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
A lida
O aprendiz de alfaiate, João de Nação Benguela (ADCA, 1998, p.
337), escravo de Dona Maria Jozefa de Sousa, viúva do governador da
236 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
que era insollencia perceber hum Soldado cincoenta reis por dia de sol-
do, e hum Conego da Sé seiscentos e quarenta reis [...]”, (ADCA, 1998,
p. 349). Essa reivindicação do soldo aparece em sete boletins manuscri-
tos, dos onze encontrados e preservados, que foram colados em 12 de
agosto de 1798, indicando o valor de 200 reis ou dois tostões por dia
para cada soldado (MATTOSO, 1969, p. 148-159) 57. A comparação com
o cônego da Sé mostra também a insatisfação para os privilégios que
gozavam os membros do clero.
A personalidade forte e os questionamentos do mestre alfaiate
fizeram muitos de seus desafetos deporem contra ele, complicando
cada vez mais a sua situação com a justiça. O oficial de alfaiate Antônio
Ignácio Ramos, que era branco e já havia trabalhado com o mestre
alfaiate, disse “conhecer o João de Deos de péssima conduta, atrevido,
menosprezando os homens brancos [...]” e seguiu afirmando que ou-
vira ele dizer que “havia de ser nesta terra um homem muito grande”
(ADCA, 1998, p. 328). O tenente coronel Alexandre Teotônio de Souza,
que o prendeu, disse que tinha “hum caráter animozo insolente, e atre-
vido de que he dotado, sem respeitar a Religião nem as Leis, atreven-
do-se a insultar com desaforo de Pessoas de Graduação [...]”(ADCA,
1998, p. 301). Francisco Vicente Viana, ouvia dizer constantemente que
“João de Deos he de hum caráter insolente e desavergonhado, bem
capaz de entrar nesta diabólica empresa [...]”(ADCA, 1998, p. 305). An-
tônio Joaquim de Oliveira relatou que,
[...] vindo elle testemunha em uma cadeira de arru-
ar; por cauza da chuva, parando os pretos na porta
da loja do dito João de Deus, onde arrearão a ca-
deira a tempo que o mesmo João de Deos se re-
colhia de fora para a loja, disse a elle testemunha=
Vossa Merce não tem medo ao tempo, e porque
he rico, não tem quer moilhar os pes, =, do que
respondeu elle testemunha= São Merces do Ceo=
e ele tornou= Está feito, tempo virá, em que pos-
sa ser, que eu ande de cadeira, e vossa mercê de
pe= ao que nada respondeo elle testemunha [...]
(ADCA, 1998, p. 333).
A morte
João de Deus do Nascimento foi o preso mais interrogado em
depoimento formal58, um dos que mais participou de acareações59 e o
que, sem dúvida, deu mais trabalho ao desembargador Costa Pinto,
aos escrivães e aos carcereiros60. Segundo o relato do frei José de Mon-
61 - O Frei da Ordem dos Carmelitas Descalços foi testemunha ocular do dia de exe-
cução, 8 de novembro de 1799, relatando diversas passagens de João de Deus, pouco
antes de o mestre alfaiate ser enforcado. Ver: TAVARES, 1975, p. 135.
62 - Os exames em João de Deus do Nascimento e Luís Gonzaga das Virgens tiveram
o custo de 20$843 réis, ver nos ADCA, 1998, v. II, p. 1207.
240 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
A rebeldia exposta em 12 de agosto de 1798 na capital baiana,
com boletins manuscritos, fazendo alusão à França e a República, a liber-
dade de comércio, ao aumento de soldo dos militares e a convocação do
“Povo Bahiense” para o tempo feliz da liberdade, igualdade e fraternida-
de (MATTOSO, 1969, p. 148-157; TAVARES, 1975, p. 22-32), custou muito
caro em termos de severidade das punições para os réus condenados.
Especialmente para os quatro mortos e esquartejados, todos negros e
oriundos de ventre de mães forras que passaram em algum momento
de suas vidas, pelas infames garras da escravidão. Nessa história de fi-
nal trágico, recortamos o sujeito histórico cachoeirano, João de Deus do
Nascimento, personagem com uma rica história que nos ajudou a enxer-
gamos o que se passava na tensa Bahia dos fins do século XVIII.
Foi um desafio prazeroso historiar o mestre alfaiate no calor
dos acontecimentos, sobretudo por relatarmos e analisarmos um su-
jeito histórico inquieto, que sonhava em ser grande na vida, enfren-
tava a “gente [branca] de consideração”, questionando a escravidão,
ousando fazer política e sonhando em ver “extinta a diferença de cor”
(ADCA, 1998, p. 298). Aquilo que tinha como primeira motivação o le-
vantamento de estudo sobre um cachoeirano rebelde setecentista, foi
ganhando corpo com as aulas do programa, da qual destaco as ricas
e divertidas aulas de Teorias e Métodos da História, ministradas pelo
Prof. Dr. Antônio Liberac Simões Pires, assim como a coorientação nas
conversas iniciais e a orientação no decorrer, que apontaram dicas de
leituras e preciosas revisões dos textos que nas etapas íamos entregan-
do, num bom trabalho de construção, aliando a liberdade em pesqui-
sarmos e o rigor na correção e nos equívocos comuns num processo
de análise. Essa construção do conhecimento ganhou mais força com
as dicas preciosas da qualificação, dadas pela Profa. Dra. Patrícia Valim,
nos encorajando a fazer um trabalho criterioso sobre a temática, sendo
que todo esse processo nos conduziu a um crescimento intelectual e
um sentimento de realização de estar tornando-se um professor-pes-
242 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: AMADO, Janaina e FERREI-
RA, Marieta M. (orgs). Usos e Abusos da História Oral. 7ª ed.- Rio
de Janeiro, Editora FGV, 2005.
Introdução
A Historiografia brasileira já se debruçou em numerosa produção
acerca da temática da Independência do Brasil, tornando-se um dos
temas mais visitados e revisto, no entanto, observa-se que estas pro-
duções, em sua maioria, constroem argumentos e análises imbuídas de
visões limitadas, que supervalorizam questões econômicas, políticas e
sociais das camadas mais ricas e, em alguma medida, das influências
capitalista e necessidades externas ao Brasil.
Assim, o debate historiográfico privilegiou alguns aspectos, vis-
tos como legítimos ao processo e negligenciou outras interpretações
e outros atores sociais igualmente importantes para considerar o con-
texto. Conforme Guerra Filho (2004), para atender aos interesses socio-
políticos da elite, as interpretações historiográficas mais conservadoras
trabalharam com a ideia de harmonia, apresentando a Guerra da Inde-
pendência como um momento de consenso entre diferentes classes
sociais frente a um inimigo comum: o invasor português (GUERRA FI-
LHO, 2004, p. 45).
Este texto apresenta o produto final elaborado no Mestrado Pro-
fissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas, in-
titulado: Independência do Brasil na Bahia: Memória e Patrimônio no
Recôncavo, material paradidático elaborado para estudantes dos anos
finais do Fundamental II, acompanhado por um guia para o/a profes-
sor/a, ambos os materiais tem como centralidade enfocar a importân-
cia da valorização do ensino de história local e regional na educação
246 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Epistemologia geo-histórica
A complexidade e as conexões estabelecidas a partir da temática
da pesquisa permite-nos dizer que há a necessidade de enveredarmo-
-nos e por outras questões, lugares e, principalmente, pelas camadas
populares, especialmente, da resistência do povo negro que também
foi parte importante do processo emancipatório no Brasil (REIS, 1989).
Sobre a necessidade de novos olhares e de outras narrativas que
sejam implicadas com a descolonização do conhecimento e com o dis-
curso positivo e emancipatório sobre o povo negro (JESUS, 2020), que
considera as particularidades regionais e suas especificidades de classe,
Jurandir Malerba, afirma que:
Parece, pois, faltar uma abordagem mais focada
na ação de indivíduos concretos, inseridos em
configurações específicas, mas guiados por op-
ções racionais indelevelmente orientadas com
respeito afins, como ensina Weber e mesmo as
mais recentes teorias da ação. Estamos falando
de agentes históricos de pessoas que pertenciam
a diferentes grupos, mas que tinham cambiantes
projetos e interesses de individuais e de grupo
(MALERBA, 2006, p.34).
Considerações finais
A pesquisa realizada resulta na elaboração de um livro paradi-
dático para utilização no ensino fundamental, é um suporte para es-
tudantes e professoras/es que desejam trabalhar com o conteúdo da
Independência, de uma forma vivencial e comprometida com a desco-
lonização do conhecimento, suprindo uma lacuna de materiais didáti-
cos mais diversos e democráticos nas escolas públicas do Brasil, sendo
portanto, uma contribuição relevante para a prática pedagógica que
visa também a implementação da lei Federal 10.639/03, uma vez que
destaca a participação do povo negro do Recôncavo na ocorrência dos
fatos históricos brasileiros.
256 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
ALBURQUERQUE, Wlamyra R. de. Algazarra nas ruas: Comemora-
ções da independência na Bahia (1889-1923). Campinas: Ed. Uni-
camp, 1999.
Introdução
Muitos são os discursos e os motivos pelos quais o Candomblé sofreu
perseguições pelas mídias impressas na Bahia. Na sua maioria, carregados
de preconceitos, os jornais ditos imparciais, impuseram seus posicionamen-
tos e preferências religiosas, num país e numa Bahia onde a laicidade era
constitucional, em vias legais, eram permitidas todas as práticas religiosas.
Porém, na prática, o cenário era outro, pois alguns cultos eram subjugados
e criminalizados, em especial o Candomblé e seus adeptos.
Tal perseguição também era institucional por parte do Estado, que
se utilizava de um código penal que facilitava e dava brecha para que as
batidas policiais acontecessem por diversos motivos e em especial pelo
incômodo da vizinhança e pelo bem da moral e dos bons costumes. Haja
vista, que os mesmos motivos das batidas estavam presentes em notícias
dos mais diversos jornais que circulavam na cidade de Salvador, no to-
cante dessa pesquisa o Jornal A Tarde, quando a denúncia era a própria
notícia ou mesmo a ação policial em alguma casa de Candomblé.
Este artigo é fruto de um trabalho de pesquisa realizado no pro-
grama de Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e
teve como objetivo principal apresentar e analisar o posicionamento
do periódico soteropolitano A Tarde frente à repressão aos candomb-
lés, em Salvador, no período que compreende os anos de 1912 a 1937.
A partir da análise de conteúdo de edições do jornal e literatura que
versam sobre a perseguição e a prática religiosa de matriz africana na
cidade no período supracitado.
260 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
O discurso do jornal
Pensar sobre um jornal, seja ele qual for, é pensar no seu papel
e no seu “lugar-social”, enquanto comunicador e formador de opinião.
Para tanto, nesse trabalho, e, sobretudo no trabalho do historiador, ao
se deparar com uma fonte, é necessário questionar, identificar e anali-
sar esse lugar e compreender que “É em função deste lugar que se ins-
tauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que
os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam
” (CERTEAU, 1982, p.56). A fonte principal dessa pesquisa é o jornal A
Tarde, que tem a sua história marcada pela oscilação de posicionamen-
tos políticos, ora como um jornal da situação, ora como da oposição.
Deparamo-nos aqui com um periódico que muito provavelmente
seja mais que um comunicador ao noticiar sobre o Candomblé, tenha
por vezes o papel de algoz, de um agente da perseguição. E, ao produ-
zir uma análise sobre o mesmo, faz-se necessário um olhar atento para
o não dito, para aquilo que está implícito no discurso, seja na aborda-
gem como veremos ou mesmo no local onde as notícias aparecem no
meio do jornal e, na grande maioria, nas últimas páginas.
Ao analisarmos as notícias do A Tarde, podemos entender como
funcionavam as perseguições aos Candomblés em Salvador entre os anos
de 1912 a 1937. Analisamos 110 notícias distribuídas neste período, pois
restrinjo minha pesquisa a averiguar o conteúdo daquelas que aparecem
explicitamente o termo Candomblé. Abaixo uma tabela quantitativa:
262 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Considerações finais
O Jornal A Tarde e o Candomblé; enquanto um buscava meca-
nismos para se tornar um grande veículo de comunicação atento às
transformações dos primeiros anos da República, e para tanto perse-
guia o outro, o outro (o Candomblé) seguiu criando mecanismos de
negociação com uma sociedade que os marginalizava em virtude das
ideias higienistas e modernistas.
Perseguir os Candomblés foi um meio de se mostrar atento aos
problemas da cidade, desde os primeiros anos de vida do jornal A Tar-
de, que ao longo das três décadas aqui estudadas, foi encorpando seu
discurso acerca do mesmo, pesquisando, procurando entender e apre-
sentando um posicionamento diante das denúncias aos candomblés
que incomodavam e geravam as batidas policiais que reprimiam os
representantes desta religião.
No tocante as variações sutis no discurso do A Tarde dizem res-
peito ao seu posicionamento, de 1912 a 1937. O Brasil e a Bahia passa-
ram por diversas transformações, sobretudo na política, e na sua maio-
ria o jornal assumiu o lugar de um periódico de oposição.
Concluímos que o periódico fez o papel de um agente da per-
seguição em diversos momentos, onde ele se coloca contra a prática
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 267
Referências
BARRETO, José de Jesus. Candomblé da Bahia: Resistência e identi-
dade de um povo de fé. Salvador: Solisluna Design e Editora, 2009.
REIS, Meire Lucia Alves dos. A cor da Notícia: discurso sobre o ne-
gro na imprensa baiana 1888 -1937. Salvador: UFBA, 2001.
268 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Introdução
O exercício de prostituição
O historiador Alberto Heráclito (2003, p. 91) afirma que já em
1933, a cidade de Salvador concretizou uma proposta semelhante a
270 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
66 - Tabela construída a partir da coleta de dados vinte e um processos crimes entre
os anos de 1940 e 1963, onde foram encontradas vinte e quatro meretrizes.
67 - Nos documentos existem quatro prostitutas em que não há referência de cor.
68 - Nas fontes encontramos apenas duas meretrizes com mais de trinta anos de
idade e cinco com idade ignorada.
69 - Nos documentos não existe nenhuma classificação de condição econômica que
não seja pobre ou precária. O que há é a falta de informação sobre esse aspecto de
sete meretrizes.
70 - Nos processos crimes dez não há a informação do município de origem de dez
prostitutas.
71 - Nas fontes apenas uma meretriz foi declarada com instrução primaria, sendo
esta de cor branca; uma foi declarada alfabetizada, tendo sua cor ignorada; duas fo-
ram declaradas com instrução rudimentar, sendo uma parda e outra preta; e quatro
delas não possuem qualquer informação sobre sua instrução.
272 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Habitação
Era uma quarta-feira, 18 de junho 1958, quando Altina M. S. rece-
beu uma intimação que lhe dava o prazo de dez dias para sair da casa
em que morava de aluguel na rua Leonardo Pereira Borges.73 Tratava-se
da sentença de uma ação de despejo na qual Renato Santos Silva, o
proprietário de uma casa alugada por Altina, reivindicava o pagamento
de três meses de aluguel atrasado:
[...] o Dr. Renato Santos Silva, médico, casado, re-
sidente nesta cidade, move a presente ação de
despejo contra Altina M. S., brasileira, solteira, do-
méstica aqui também residente sob a delegação
de que a Ré tendo alugado a êle acionante a casa
site à Rua Leonardo P. Borges, nesta cidade, n. 85,
acha-se em mora com o pagamento dos respecti-
vos aluguéis por 3 meses (PROCESSO CIVIL, 1958).
Considerações finais
No período estudado uma série de transformações fizeram com
que Feira de Santana galgasse o posto de “cidade comercial”. O empe-
nho em fazer com que os ideais de modernização, progresso e morali-
dade se tornassem uma realidade atravessou as ideias das autoridades
municipais e elite da cidade. Era necessário que a cidade parecesse
agradável os olhos daqueles que vinham realizar suas transações co-
merciais e para as famílias que exerciam seu poder de compra.
Assim, determinados grupos sociais ficaram sujeitos a maior vi-
gilância e controle, como no caso das prostitutas. A partir da leitura
dos periódicos e processos crimes, se percebe a insatisfação das auto-
ridades e elite locais com o exercício da prostituição nas ruas centrais
da cidade. Porém, no decorrer do trabalho é desmistificada a intenção
utópica do poder público feirense no extermínio do meretrício, já que
tal ideia não aparece nas fontes analisadas, sendo os esforços das au-
toridades voltados para o controle e afastamento da prostituição das
áreas centrais da cidade e relocação para onde os olhares dos visitantes
e negociantes não pudessem alcançar.
Também pudemos constatar que em Feira de Santana, a mulher
de vida livre possuía um perfil bem definido. Eram elas mulheres migran-
tes de regiões circunvizinhas, com menos de trinta anos, pobres, negras
e analfabetas descendentes de um processo histórico excludente que
produziu uma margem favorável as ações de coerção da polícia, das
elites e das autoridades municipais. Porém, apesar do cenário desfavo-
rável também foram capazes de se unir para criar formas de resistência.
A utilização da justiça, passou a ser uma ferramenta importante
para as prostitutas que se sentiam acuadas pelas diligências policiais.
As meretrizes se valiam do habeas corpus, geralmente impetrados por
um grupo de prostitutas, que acabavam denunciando arbitrariedades
praticadas por delegados de polícia.
Sofrendo repressão, vivendo conflitos, estabelecendo laços afe-
tivos, a meretriz se constituiu como um personagem complexo dentro
das novas exigências de civilidade da cidade de Feira de Santana. Dessa
282 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Referências
BATISTA, Ricardo dos Santos. Como Se Saneia a Bahia: A Sífilis e um
Projeto Político Sanitário Nacional em Tempos de Federalismo. 2015.
232f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências Humanas) – Universi-
dade Federal da Bahia, Salvador.
Introdução
Este capítulo tem como objetivo mostrar alguns aspectos dos
mecanismos de repressão adotados pelo regime militar, que resultaram
em perseguições, prisões, torturas e mortes de muitos integrantes de
partidos de esquerda e militantes negros. Tais reflexões são resultantes
da pesquisa de mestrado Ativismo Negro em Salvador no Período da
Ditadura Militar (1970-1980), realizada no Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em História da África da Diáspora e dos Povos
Indígenas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
A base teórica que deu suporte a essa pesquisa foi a concepção
de hegemonia empregada pelo sociólogo italiano Antônio Gramsci
com o objetivo de explicar a dinâmica das relações raciais em Salvador
na década de 1970. Dialogando também com o historiador Petrônio
Domingues em consonância com o sociólogo jamaicano Stuart Hall,
quando frisa que não existem formas puras de culturas negras, todas
essas formas são sempre o produto de sincronização parcial, engaja-
mentos sociais que atravessam as fronteiras culturais, e, com influência
de mais de uma tradição cultural de negociações de entre posições
dominantes e subalternas, estratégias subterrâneas de recodificação,
de transcodificação e significação crítica e do ato de significar a partir
de materiais preexistentes.
Desta forma, a abordagem empregada foi na perspectiva da His-
tória Oral que proporcionou a elaboração de constructos a partir das es-
tratégias de resistência à Ditadura Militar, desenvolvidas pelos sujeitos
sociais, tanto na política quanto na cultura, para definirem uma agenda
286 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
A década de 1970
Na década de 1970, o Brasil ainda vivia sob o comando da Dita-
dura Militar, que perdurou até 1985. Esse período foi caracterizado por
um regime forte, centralizador e repressor, e qualquer ato identificado
como subversivo era reprimido, e os seus atores eram sujeitos a pri-
sões, torturas e até a morte.
Nessa fase de autoritarismo, houve uma tentativa de silenciar os
movimentos sociais, incluindo o movimento negro. Houve um gran-
de vazio, e o medo tornou-se a chave da questão. Vários intelectuais
foram exilados, deixando, literalmente, o país. Muitas músicas foram
proibidas, a censura passou a vigorar de maneira expressiva. A tele-
visão só transmitia programas que não comprometessem o sistema
implantado. Era comum encontrarmos, nos jornais da época, receitas
de culinária, poemas clássicos, em substituição aos textos considera-
dos perigosos ao regime vigente. Frases, do tipo “Brasil, Ame-o ou
Deixo-o”, “Ninguém segura esse país”, “Brasil: conte comigo”, eram
comuns. O projeto econômico, conduzido pelo Ministro da Fazenda,
Delfim Neto denominado “Milagre Econômico” ou “Milagre Brasilei-
ro”, resultou na abertura maciça da economia ao capital estrangeiro,
acelerando a dívida externa e gerando uma crise inflacionária no país.
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 287
76 - O 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra foi idealizado em 1971 pelo Grupo
Palmares do Rio Grande do Sul tendo como um dos líderes o militante negro Olivei-
ra Silveira (1941-2009) e aprovado durante a II Assembleia Nacional do Movimento
Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), realizada no dia 4 de de-
zembro de 1978 em Salvador (BA). O entrevistado Gilberto Leal argumenta que para
a realização da Assembleia houve muita perseguição da Polícia Federal. Na época
estava em vigor o Ato Institucional nº 5, que qualificava o evento como subversivo
dentro da linha de pensamento político.
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 289
mento direto ao Estado. Outra pauta das reuniões era como os negros
poderiam se inserir na sociedade e no processo político de retomada
da construção da democracia.
O fato do aprisionamento envolvendo os militantes negros da
cidade de Salvador (BA) ocorreu mediante uma ação contra a política
brasileira de apoio ao governo racista da África do Sul. Contrapondo a
uma agência de viagem, que queria implantar um pacote de turismo
para esse país, esses ativistas negros, dentre eles João Jorge Santos
Rodrigues86 e Gilberto Leal, foram até a empresa para, simbolicamente,
demonstrar seu repúdio, sendo reprimidos pela Polícia Federal. Gilber-
to Leal conta, em seu depoimento, esse episódio:
[...] e nesse momento nós fomos presos e tal e
colocaram o grupo dentro do ônibus e nos leva-
ram a Polícia Federal. Bom, ter ido lá, realmente
passamos por um constrangimento por uma sé-
rie de questionamentos, mas, não durou mais do
que vinte quatro horas essa prisão. Então, nós não
passamos por tortura física, passamos apenas por
torturas psicológicas [...].87
86 - João Jorge Santos Rodrigues militante negro e um dos fundadores do MNUCDR/
BA. Atualmente é Presidente do Grupo Cultural Olodum fundado em 1979, com sede
própria na Rua Gregório de Matos, 22 – Pelourinho/Salvador – Bahia – Brasil.
87 - Entrevista realizada com Gilberto Leal. Salvador, Bahia 17/10/2015.
296 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
88 - De acordo com Michael George Hanchard “na época em que recebeu cobertura da
mídia, no fim da década de 1970, o Black Soul foi criticado pelo governo militar – que
procurou invocar a ideologia cada vez mais falida da democracia racial – e pelas elites ci-
vis que se opunham à ditadura, mas que, apesar disso, acreditavam que os expoentes do
Black Soul estavam fomentando o ódio e o conflito raciais. Os dois setores viam o Black
Soul como um fenômeno que precisava ser controlado.
Por ser independente das definições da elite branca sobre a “brasilidade” nacional e a
prática cultural afro-brasileira, e também por resistir à apropriação pelas elites brancas, o
Black Soul foi objeto de críticas e, por fim, de repressão [...] (HANCHARD, 2001, p. 137).
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 297
Considerações finais
O caminho percorrido para chegar a conclusão dessa pesquisa
ao longo desses dois anos, fez-se através de entrevistas com vinte dois
integrantes de entidades negras oriundas da cidade de Salvador e do
interior do Estado da Bahia, a partir de questionários fechados e poste-
riormente questões abertas.
Com base nas análises do discurso dos entrevistados, foi possível
identificar uma rede de relações, pautadas na luta e no embate político
do segmento de cor, como estratégia de engajamento social dos mili-
tantes, para fundamentar a construção do movimento negro na cidade
de Salvador na década de 1970.
Durante o regime militar, a ideologia da democracia racial foi
soberana e qualquer discussão que fosse contrária a essa ideologia era
vista como “subversiva”, “perniciosas” e os seus propagadores consi-
derados comunistas ou desestabilizadores do sistema vigente. Desta
forma, o regime valeu-se de órgãos repressores para intimidar os mili-
tantes negros, que usaram de estratégias para denunciar e contraditar
essa ideologia. Essas estratégias poderiam ser feitas através da dança,
dos tambores, das indumentárias, da música, ou, de forma mais direta,
por meio de um discurso político de esquerda.
Assim, mesmo sob a repressão da ditadura militar e prevalecen-
do a ideologia da democracia racial como projeto étnico da nação bra-
sileira, a partir de 1978, com a “abertura política”, “lenta” e “gradual”,
várias entidades negras começam a se rearticular em âmbito nacional,
formando uma frente mais acirrada de luta contra o racismo.
Dessa maneira, os negros passaram a se engajar em uma dinâmi-
ca que permitiu a organização de grupos diversificados sob uma agen-
da unificada, como forma de sistematizar seus anseios, suas reivindica-
ções, na luta pela cidadania.
E o grito negro, aos poucos, foi sendo escutado, mesmo sob uma
forte resistência do Estado brasileiro em reconhecer a dívida que do-
ravante tem com os afrodescendentes. Dívida histórica, pautada em
centenas de anos de escravidão, cujo legado causou diferenças sociais
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 299
Referências
Danilo Fé Silva
Antônio Liberac Cardoso Simões Pires
Introdução
Passados alguns anos desde a promulgação da Lei 10.639/03, que
tornou obrigatório o ensino da história da África e da Cultura Afro-bra-
sileira nas escolas da educação básica, e da Lei 11.645/08, que incluiu
o ensino da história indígena, ainda estejamos tratando do processo
de implementação destas normas. É bem verdade que esse campo de
atuação profissional sofreu reformulações ao longo dos últimos anos,
passando por diagnóstico e formulação de medidas e produtos. Porém,
ainda há muito que fazer, principalmente, no que concerne ao desen-
volvimento de possíveis aplicações do conhecimento construído em
artefatos acessíveis aos profissionais da educação.
Os estudos apresentados nesse campo, no contexto de discussão
da legislação e de seus primeiros anos de existência, dedicaram-se ao
levantamento dos grandes desafios que acompanhariam a plena efeti-
vação das normas legais. Estudos como o de Reginaldo (2002) denun-
ciaram a inadequação dos materiais didáticos, existentes à época, com
uma perspectiva de educação antirracista apontaram a necessidade de
mudanças na produção desses meios. Já trabalhos como o de Santana
(2008) apontou a necessidade de se superar um modelo de forma-
ção docente baseado na monoculturalidade e sua substituição por um
modelo baseado na multiculturalidade como um processo necessário
a efetivação da Lei 10.639/03. Outro campo de estudos que se esta-
beleceu deu conta de analisar as implicações da observância que a lei
traria no restante do currículo, nesse sentido podemos citar o trabalho
de Silva (2008). Também houve estudos como o de Rocha (2006) que
302 Emanoel Luís Roque Soares (Org.) et.al.
Resultados e discussão
Estudando a documentação institucional encontramos que o ob-
jetivo do curso de especialização foi:
Fomentar a oferta de capacitação e formação ini-
cial e continuada, presencial, de professores, pro-
fissionais, funcionários e gestores da educação
básica na área de ensino de história e cultura indí-
gena, afro-brasileira e africana, bem como contri-
buir para o desenvolvimento de estudos e pesqui-
sas voltadas para a melhoria da formação.91
Considerações finais
Consideramos relevantes os impactos do Programa UNIAFRO:
Curso de Especialização em História da África, da Cultura Negra e do
Negro no Brasil. Por ele passaram 136 professores que atuavam em
92 colégios do Recôncavo Baiano. O sucesso do curso que pode ser
demonstrado através desses números, deve-se a dedicação dos pro-
fessores formados que deixaram suas casas nos fins de semana a fim
de buscar conhecimentos acerca da História da África e da Cultura
Afro-brasileira. Esses profissionais, que trabalham em cargas horárias
extensas, muitas vezes em mais de um município, recebendo salários
incompatíveis com seus esforços e formação mostraram-se exempla-
res. E, quando falamos dos professores, devemos sempre ter em mente
que se tratam, na realidade, em sua maioria, de professoras, professo-
ras negras! Também devemos destacar o compromisso de uma equipe
executora que sem condições perfeitas de trabalho tocou essa propos-
ta formativa de modo bastante profissional.
A discussão da negritude que esteve bem presente nesse esforço
formativo. No nosso entender um dos principais méritos do curso foi
contribuir com o processo de formação desses profissionais como ele-
mentos de valorização da cultura negra, o que tem se manifestado em
suas escolas, na forma de ações multiplicadoras buscando a efetivação
de uma educação que combata o racismo e lute por relações étnico-ra-
ciais saudáveis e tolerantes no ambiente escolar.
Os impactos que se espera de um curso formulado dentro de uma
proposta temporal de média duração, nos parece ter iniciado de forma
positiva as ações de multiplicação do conhecimento. Os professores
passaram a criar mecanismo de ensino variados, materiais didáticos es-
pecializados, dirigidos a determinadas faixas etárias, séries, turmas se-
riadas; o campo de invenções é imenso e intenso. O que o curso de
especialização se propunha a oferecer, esteve voltado a uma formação
que propiciasse a invenção, a criatividade, a segurança de identidade, e
a consciência transformadora. A formação dos profissionais foi diversi-
ficada, frente a imensidão de informações oferecidas para profissionais
Encruzilhadas entre história e educação na diáspora 311
Referências
Danilo Fé Silva:
Mestre em História formado no Mestrado em História da África, da
Diáspora e dos Povos Indígenas pela Universidade Federal do Re-
côncavo da Bahia. Atua como Técnico em Assuntos Educacionais no
Laboratório de Ensino de História da Universidade Federal do Recôn-
cavo da Bahia e como Professor de História na Rede Municipal de
Feira de Santana.
Emanuel Luís Roque Soares:
Professor Associado II, da UFRB/CFP, professor do mestrado pro-
fissional em História da África UFRB. Ph.D. em educação UFC/FA-
CED/2019, Ph.D. em Educação UFPB/FACED/2012, doutorado UFC/
FACED/2008, mestrado UFBA/FACED/2004, especialização UFBA/
FACED/2001. Bel em Filosofia UCSAL/1999.
Lilian Soares:
Mestra em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas.
Pós-Graduanda: em Formação Pedagógica de Docentes para a
Educação Profissional de Nível Médio e em Educação Profissional
integrada à Educação Básica na modalidade de Jovens e Adultos.
Graduada em: Pedagogia com habilitação em Gestão Escolar, Educa-
ção Infantil e Séries Iniciais. Professora de Educação Infantil e Ensino
Fundamental I.
Rosy de Oliveira:
Professora Associada II, UFRB-CCAAB. Docente Permanente do Mes-
trado Profissional Em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social
do CCAAB-UFRB e do MPHADPI (CAHL-UFRB). Vice coordenadora do
NEAB-UFRB. Doutora em Antropologia Cultural (UFRJ e Faculdade
de Antropologia da Universidade de Coimbra), Mestra em Ciência
Política (UNICAMP).
ISBN: 978-65-87743-39-4