O Poder Do Poder Versao Final

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Ficha Técnica

Título: O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODU-


TIvOS» URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988
Autor: Carlos Domingos quembo
Colecção: TESES
Editora: ALCANCE EDITORES
Projecto Gráfico: Yolanda Mondlane
Paginação: Yolanda Mondlane
Coordenação e Revisão: Cátia Fernandes
Imagem da Capa: Domingos Macassa (publicado pelo jornal Domingo no dia 7 de
Agosto de 1983, na página 3)
Arranja gráfico da Capa: Rajau de Carvalho
Impressão e acabamentos: Diário do Minho
Auditoria e controlo de qualidade: AUDIT, SA
Endereços

MOÇAMBIQUE:
Av. Zedequias Manganhela, n.º 309, 1.º andar, Maputo - Moçam-
bique
Tel: +258 826714444, Fixo: +258 21 312325/6, Fax: +258 21
312704

PORTUGAL:
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Alcance Editores

Reservados todos os direitos de autor. É proibida a reprodução desta obra por


qualquer meio, seja ele fotocópia, offset, fotografia, texto, ilustração ou arranjo
gráfico.A violação destas regras será passível de procedimento judicial, de acordo
com o estipulado no código dos direitos de autor.

Maputo, 1.a edição, Maio de 2015


RLINLD N.o 8359/RLINLD/2015
Distribuição em Moçambique: ALCANCE EDITORES
Distribuição em Portugal: DUPLO ALCANCE, LDA
Tiragem: 1000 exemplares

No Alcance de uma Educação de Futuro.


ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ........................................................................................... 5
RESUMO................................................................................................................ 6
PREFÁCIO ............................................................................................................. 7
Lista de ilustrações ................................................................................................. 10
ABREVIATURAS ................................................................................................ 11
MAPA DE MOÇAMBIQUE COM AS ROTAS DE EVACUAÇÃO DOS
“IMPRODUTIVOS”................................……………………………………... ... 12
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13
SITUANDO A OPERAÇÃO PRODUÇÃO........................................................... 13
CRONOLOGIA DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS ................................. 23
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... 25
A EXPERIÊNCIA COLONIAL DE GESTÃO URBANA.................................... 25
A importância da cidade colonial e a questão da mobilidade populacional ........... 25
O branqueamento das cidades: o código do trabalho, o indigenato e o shibalo ..... 28
A resistência africana ou a flexibilização das restrições?....................................... 32
CAPÍTULO 2: ........................................................................................................ 35
O CRESCIMENTO URBANO APÓS A INDEPENDÊNCIA E O RECEIO
DA PERCA DE CONTROLO NAS VÉSPERAS DA LIBERALIZAÇÃO
ECONÓMICA ........................................................................................................ 35
A crescente « africanização » das cidades moçambicanas ..................................... 35
O controlo da mobilidade nas cidades do Moçambique socialista ......................... 38
O Estado-providência em crise ? ............................................................................ 41
O 4° Congresso: abertura económica, mas intensificação do controlo social ........ 43
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................... 47
CONTEÚDO IDEOLÓGICO DA OPERAÇÃO PRODUÇÃO ............................ 47
Reenviar os « parasitas » ou proteger as conquistas da Revolução? ...................... 47
Enviar para nunca mais regressarem : como foram escolhidos Cabo Delgado
e Niassa? ................................................................................................................. 55
Operação Produção: uma política pública? ............................................................ 57
« Desguebuzação » da OP: a máquina estatal por detrás da OP............................ 63
CAPÍTULO 4 ......................................................................................................... 73
A OPERAÇÃO PRODUÇÃO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS
ECONÓMICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS ........................................................... 73
As consequências produtivas ou económicas : operação produção com
mais operação e menos produção .......................................................................... 73
As consequências sociais e humanas : fragmentação social
e descontentamento................................................................................................. 76
As consequências políticas : até que ponto a Renamo se beneficiou? ................... 86
ANEXOS ................................................................................................................ 94
CONCLUSÃO........................................................................................................ 89
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................95
REGARDS CROISÉS

AGRADECIMENTOS
À Adesta White e ao Peter Khembo, meus pais, por terem sabido criar
e educar um filho rebelde. Ao Ntsholo, Kwamy e Imma Khembo, meus fi-
lhos a vossa existência tornou a elaboração deste livro um exercício menos
penoso.
A toda minha família que, durante todo este tempo soube compreender
a minha ausência por causa desta marmelada de palavras. À Anifa Saide que
soube muito bem negociar entre a aproximação e a distância, física, en-
quanto eu parecia não sentir que ela precisava de mim e eu dela. Não foi
fácil. À Puxinha, quando a história deste livro começou ainda existíamos.
Ao Michel Cahen, Dominique Darbon, David Hedges, Aurelia Wa
Kabwe-Segatti, Joel das Neves Tembe, Luís de Brito, Arnaldo Caliche,
Colin Darch de quem as críticas e subsídios me encorajaram a não desistir
deste manuscrito. Ao Panganai que me socorreu ao hospital no dia do meu
acidente, em 2009 no meio da pesquisa que resultou neste livro. Este so-
corro permitiu-me retomar a redacção deste trabalho.
A publicação deste livro não seria possível sem o apoio do Serviço de
Cooperação e Acção Cultural da Embaixada da França (SCAC), instituição
a qual manifesto o meu profundo agradecimento.
Ao Ramiro, meu querido tio-pai que sempre insistiu: «Va étudier, mon
fils». Enfim, um grande agradecimento à todos que directa ou indirecta-
mente, contribuíram duma ou doutra forma para este estudo, que ainda não
terminou…

Obrigado

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

RESUMO
Com ênfase na sociologia política e particularmente no processo da pro-
dução social de políticas, este estudo propõe uma nova interpretação da
Operação Produção (OP). Longe do discurso político que sugere uma liga-
ção, objectiva, entre esta política e a sua necessidade sócio-económica de
tornar «produtivos» e úteis à sua sociedade, os «improdutivos urbanos»,
aqui procurar-se-á mostrar que é mais na construção social, na representa-
ção, na percepção, no sistema de referenciais sobre os «improdutivos ur-
banos», partilhada no seio da direcção da Frelimo, nos finais dos anos 1970
e primeira metade de 1980, que leva à adopção e implementação da OP e
ao seu modus operando.
A dimensão subjectiva dos «improdutivos urbanos», a sua invenção po-
lítica é que conduz a decisão que foi oficialmente baptizada de Operação
Produção em 1983. Não quer com isso dizer que a presença de indivíduos
nas cidades, mais do que aquilo que elas podiam suportar, não constituísse
um problema. Mas, isso sozinho não justifica a adopção duma política pú-
blica, muito menos uma que tenha uma dimensão compulsiva.
Baseado em algumas entrevistas, nos documentos de imprensa escrita da
época, principalmente o jornal Notícias e a revista Tempo, a literatura es-
trangeira e nacional acessível, directa ou indirectamente relacionada com
o objecto do estudo, no cruzamento de métodos de ciência política e de his-
tória política, este estudo pretende ser uma contribuição à literatura sobre
a trajectória política, económica e social dum dos países de África que é re-
ferência na adopção da opção marxista do socialismo. É também uma con-
tribuição ao debate académico sobre o processo decisional em África, no
geral e em Moçambique em particular.

Palavras-chave: Operação Produção, improdutivos, Frelimo, cidades,


Maputo, Niassa.

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REGARDS CROISÉS

PREFÁCIO
A Operação Produção foi um programa iniciado pelo governo moçam-
bicano nos meados de 1983, logo após o IV Congresso do Partido Frelimo,
para expulsar (palavra certa) coercivamente os desempregados das gran-
des cidades, e enviá-los para remotas zonas rurais, onde – pelo menos teo-
ricamente – iriam cultivar. O programa não surgiu de repente ou sem aviso
prévio, mas foi sim o culminar lógico de tendências sociais e políticas iden-
tificáveis, num momento de crise para o estado moçambicano. O conflito
já prolongado com a Renamo estava a intensificar-se e em consequência o
país estava cada vez mais vulnerável aos desastres naturais tais como as
inundações, a seca e a fome. Mas, mesmo na ausência desses factores agra-
vantes, a Frelimo, como movimento, já tinha mostrado uma tendência no
sentido de um “puritanismo” anti-urbano, caracterizando as vilas e cidades
como corruptas e corruptoras. Uma “operação limpeza”, afinal, foi desen-
cadeada tão cedo que 1975. Além disso, a credibilidade da chamada “en-
genharia social” como instrumento para atingir objectivos políticos e
económicos era ainda elevadíssima na década de setenta, o que se tinha
manifestado em tais projectos ambiciosos como as aldeias comunais.
O descontrolado e afinal incontrolável influxo das populações rurais
para os centros urbanos em busca de emprego e melhores condições de vida
foi percebido pelo governo da Frelimo como grande desafio para o seu pro-
jecto socialista. Assim, a população desocupada nas cidades e vilas au-
mentou, colocando uma pressão adicional nos serviços tais como saúde e
educação. É bem possível que de facto tenha reduzido também a capacidade
do campo para produzir alimentação. Acreditou-se na altura que os “mar-
ginais” ou “improdutivos”, utilizando a terminologia desdenhosa contem-
porânea, virariam quase, inevitavelmente às actividades do crime ou da
prostituição para sobreviver, e a migração para as cidades foi, assim, visto
como contributo para a instabilidade social.
No entanto, a Operação Produção não foi de modo nenhum, uma res-
posta inusitada pelos governos enfrentando o problema da influência de-
sestabilizadora do «lumpemproletariado», ou seja uma subclasse urbana
fora das estruturas normais do controlo. Foi, sem dúvida, uma resposta ex-
trema, e resultou em rupturas sociais em larga escala sem ter, como Carlos
Quembo argumenta neste livro, qualquer impacto perceptível sobre os pro-
blemas que deveria ter ajudado a resolver. Carlos Quembo aponta para

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

tentativas análogas pelas autoridades coloniais portuguesas de controlar o


influxo aos centros urbanos, mas adverte aos leitores contra comparações
lineares ou reducionistas. Porém, é verdade que a urbanização rápida é um
processo que muitas vezes se encontra acompanhado por superlotação de
habitação, bem como condições de vida insalubres e miseráveis. Além
disso, é um processo que tanto cria como ajuda a criar, a já referida sub-
classe de desempregados ou subempregados urbanos pobres, que podem
ser, e de facto são, responsabilizados pelas condições das quais são, eles
próprios, as vítimas.
Não é surpreendente, portanto, que se encontra tentativas pelo estado de
controlar o movimento e o emprego dos mais pobres na Europa mesmo nos
tempos pré-industriais. A chamada «Lei dos Pobres» (ou «Poor Law») de
1388 na Inglaterra tentou controlar os salários e restringir a livre circulação
de trabalhadores. Durante todos os seguintes séculos, os chamados “asi-
los” ou «workhouses» juntaram alívio para os pobres com condições de
vida duríssimas e com o que era essencialmente trabalho forçado. Após a
revolução industrial, as condições nas favelas urbanas inglesas – apelida-
dos de “espeluncas” ou “rookeries” – foram muitas vezes descritas em ter-
mos moralistas e de desaprovação:
“... meninas de catorze ou quinze anos, com cabelos emaranhados, andando
com os pés descalços ...; meninos de todas as idades, em casacos de todos
os tamanhos...; homens e mulheres... descansando, repreendendo, bebendo,
fumando, brigando, lutando, e usando palavrão” (Charles Dickens, Sket-
ches by Boz).
Os países socialistas da época foram, também, notavelmente implacáveis
para com os desempregados ou subempregados. Na União Soviética, por
exemplo, tuneyadstvo ou “parasitismo” foi considerado uma ofensa grave.
A alínea 60 da constituição soviética e a alínea 209 do código penal crimi-
nalizaram a “evasão de trabalho socialmente útil” e acreditava-se na altura
que os desempregados eram especialmente susceptíveis à actividade cri-
minal. A definição de “parasitismo” incluiu uma gama ampla de activida-
des tais como a mendicidade, a fraude, a extorsão, o roubo, a pesca ilegal,
o comércio especulativo, a gestão de um bordel, a recolha de frutos silves-
tres, nozes e frutas fora da estação, e a imprópria circulação de veículos
automóveis. Os intelectuais dissidentes e críticos do regime, tais como o
poeta Iosif Brodsky, foram às vezes acusados de tuneyadstvo.
Hoje em dia, pode-se dizer que a Operação Produção é vista como preocupante,

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REGARDS CROISÉS

tendo englobado vários abusos de direitos humanos e não tendo conseguido


atingir os seus objectivos fundamentais quer de uma redução de problemas
urbanos quer um aumento da produção de alimentos nas zonas rurais.
Mesmo na altura, as reportagens nos jornais nacionais frequentemente re-
lacionaram casos de estupro e de várias formas de corrupção, ao mesmo
tempo repetindo garantias de que estes problemas seriam rapidamente cor-
rigidos. O programa foi finalmente e formalmente liquidado em Maio de
1988, quando os evacuados receberam autorização de voltar para as cida-
des. Apesar disso, o programa continua a ter os seus defensores. Em 2004,
o então Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano, foi citado
como defendendo o programa:
«Era um bom programa que visava recuperar delinquentes e marginais.
Hoje ridicularizam-nos, dizem que era um programa criminoso, enquanto
estava cheio de humanismo.» (Savana, 19 de Novembro de 2004).
Três anos mais tarde, nos meados de 2007, a escritora e ex-deputada fre-
limista Lina Magaia tomou uma linha dura, afirmando sem remorso que se
fosse da sua responsabilidade, iniciaria o programa de novo, na queda de
um chapéu, como medida efectiva contra a criminalidade:
“… hoje mesmo, se alguém me perguntasse o que faria na cidade de Maputo,
eu diria que faço uma operação produção. Tirar todos os que estão sem pro-
duzir nada para os fazer produzir no campo. Porque tu tens excesso de gente
na cidade de Maputo sem fazer nada; porque a criminalidade começa desde
pequeno a subir…” (O País, Maputo, 3 de Agosto de 2007)
Esse texto do historiador e cientista político moçambicano Carlos
Quembo é baseado numa análise cuidadosa de documentos e de reportagens
contemporâneos. O autor também utiliza entrevistas com testemunhas e par-
ticipantes nos eventos que descreve. Localiza a Operação no contexto das
ideologias dos finais do período colonial e do pós-independência, descre-
vendo o contexto social e económico, e os processos políticos que estavam
em curso no início e nos meados da década 1980. Examina as consequên-
cias da Operação em termos políticos, sociais e sobretudo humanos. É uma
contribuição significativa para o nosso entender de um período da história
de Moçambique, que se manteve até agora praticamente escasso.
Colin DARCH
Bibliotecário e documentalista na Universidade de Cabo, África do Sul
22 de Março de 2016

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Lista de ilustrações

1. Figura 1: Mapa de Moçambique com as rotas de evacuação dos


“improdutivos”............................................................................................... 12
2. Figura 2: Samora Machel, então Presidente da República Popular
de Moçambique, anunciando as decisões do 4º Congresso através
dum discurso feito na praça da independência, na cidade de Maputo,
no dia 21 de Maio de 1983.............................................................................. 13
3. Figura 3: Cartão de Trabalho..................................................................... 16
4. Figura 4: Cartão de Residente................................................................... 16
5. Figura 5: Bilhete de Identidade................................................................. 17
6. Figura 6: Guia de Marcha.......................................................................... 17
7. Figura 7: Cartão de Abastecimento........................................................... 42
8. Figura 8: Herbert Jossias, Incorporado pela O.P..................................... 71
9. Figura 9: Manuel Fernandes, incorporado pela O.P................................ 72
10. Figura 10: Moisés Samson e Mabosse Mucambo................................ 78
11. Figura 11: Feira de Exposição de Niassa............................................... 81
12. Figura 12: José Ngovene, incorporado pela O.P.................................... 82
13. Figura 13: Rosa Iassido, escapou a O.P.................................................. 83
14. Figura 14: Domingos Moisés Tembe, ex- trabalhador da Empresa
Agrícola de Unango.................................................................................. 85
15. Figura 15: Túmulo de António Mungoambe........................................ 86

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REGARDS CROISÉS

Abreviaturas

ANC: African National Congress/Congresso Nacional Africano


APIE: Administração do Parque Imobiliário do Estado
BM: Banco Mundial
BI: Bilhete de Identidade
CAIL: Complexo Agro Industrial de Limpopo
CE: Centros de Evacuação
CCO: Comando Central Operativo
CP: Conselhos de Produção
FMI: Fundo Monetário Internacional
FRELIMO: Frente de Libertação de Moçambique
GD: Grupo Dinamizador
LM: Lourenço Marques (Maputo)
ODM: Organizações Democráticas de Massa
OJM: Organização da Juventude Moçambicana
OMM: Organização da Mulher Moçambicana
OP: Operação Produção
OUA: Organização da Unidade Africana
PPI: Plano Prospectivo Indicativo
PPM: Polícia Popular de Moçambique
PVs: Postos de Verificação
RENAMO: Resistência Nacional Moçambicana
RPM: República Popular de Moçambique
SCAC: Serviços de Cooperação e Acção Cultural
SNASP: Serviço Nacional de Segurança Popular
SNA: Sistema Nacional de Abastecimento

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Fonte: Vivet, (2015)


Distância entre as cidades
Maputo a Lichinga 2807 Km, Maputo a Pemba 2587 Km, Maputo a Beira
1205 Km, Maputo a Inhambane 469 Km, Maputo a Xai-Xai 206 Km, Beira
a Lichinga 1676 Km, Beira a Pemba 1447 Km.

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REGARDS CROISÉS

INTRODUÇÃO
Situando a Operação Produção
...21 de Maio de 1983, num comício popular, o então presidente da Re-
pública Popular de Moçambique, Samora Machel (Figura 2), dentre várias
decisões do 4º Congresso da Frelimo, anuncia a necessidade da interven-
ção implacável do estado para inverter o massivo êxodo rural e a presença
excessiva de “improdutivos” urbanos, que eram politicamente percebidos
como causadores da criminalidade, prostituição, vadiagem nas cidades no
geral e em particular nas principais cidades do país (com maior destaque
para a cidade de Maputo). Esta medida devia também conduzir os “impro-
dutivos urbanos” para “actividades produtivas”, sobretudo no campo atra-
vés da agricultura, e nas regiões menos povoadas do país, tais como Niassa
e Cabo Delgado. Numa fase mais avançada devia acabar com os que de-
gradavam as casas do estado, os que não pagavam a renda, devia também
racionalizar a função pública, as despesas do estado e acabar com a ocio-
sidade dos funcionários públicos. Era uma medida fulcral para contribuir
para os propósitos da Revolução.

Figura 2: Imagem de Samora Machel no Comício de 21 de Maio de 1983

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

A OP seria dividida em duas fases principais: a primeira, voluntária a ini-


ciar nos meados de Junho de 1983. Durante esta fase, todos aqueles que se
encontravam e se reconhecessem em situação “ irregular” (“ improdutivos
urbanos“) a habitar nas cidades, deviam se apresentar às autoridades do
bairro, nos Postos de Verificação (PVs) para, uma vez confirmada a condi-
ção de «improdutivo», serem evacuados para desenvolver “actividades pro-
dutivas” nas zonas rurais, com destaque para Niassa e Cabo Delgado.
A segunda fase, coerciva, começaria nos princípios de Julho de 1983 e
seria intensa. Durante esta fase, todos os “improdutivos urbanos” que não
se apresentaram, voluntariamente, durante a primeira fase e outros, deviam
ser detidos e evacuados, com ou sem o seu consentimento, para os locais
supracitados ou outros locais de conveniência do estado.
O Ministério do Interior, juntamente com o da Defesa, Segurança e da
Justiça foram as instituições públicas encarregues da implementação desta
medida, em colaboração com as autoridades locais: chefes dos quarteirões,
secretário dos bairros, Grupos Dinamizadores (GDs), Organização da Ju-
ventude Moçambicana (OJM) e Organização da Mulher Moçambicana
(OMM). Para tal, foi criado o Comando Central de Operação (CCO) se-
diado no Ministério do Interior, que se encarregaria de identificar as pes-
soas em situação irregular, detê-los e evacuá-los, em colaboração com as
estruturas ao nível dos bairros.
Segundo o decidido na reunião dos membros do Comité do Partido e
dos Deputados da Assembleia da Cidade de Maputo esta operação, numa
fase posterior, devia-se também desalojar os devedores de renda das casas
da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE), os «destruido-
res» de imóveis e inquilinos sem contratos e os funcionários do estado cuja
sua função não fosse “produtiva” (Notícias, 11 de Junho de 1983). De
acordo com o regime de então a OP foi uma política racional. O que na óp-
tica do partido-estado1 significava que contribuiria para resolver um dos
principais problemas com o qual o país se debatia: alcançar um desenvol-
vimento organizado e planificado das cidades e aumentar a produção no
campo.
De facto a necessidade de inverter o massivo fluxo migratório campo-
cidade, de eliminar e evitar a promiscuidade, no geral, a criminalidade e a
1
Partido-estado refere-se a Frelimo que é simultaneamente um partido político e o único legítimo
partido dirigente do estado e guia do povo moçambicano. Baseado no sistema monopartidário
socialista, as decisões tomadas pelo partido eram as que eram implementadas pelo estado. Sendo
este um simples instrumento de materialização das directrizes do partido.

14
REGARDS CROISÉS

prostituição, em particular, nas cidades moçambicanas no geral e em par-


ticular, da cidade de Maputo (a capital), dominou o discurso político do go-
verno do partido Frelimo2 desde a independência, no seu imaginário de
modernização e de organização da cidade «socialista».
Este discurso, sua representação e o seu referencial, apresentou estes
males sociais (crime, prostituição, candonga3, alcoolismo e vagabundagem)
como resultado da presença de “desempregados”, considerados improdu-
tivos-consumidores (homens e mães solteiras, com idade igual ou superior
a 18 anos) ou indivíduos sem ocupação legal definida4, ou ainda “parasitas”,
habitando às cidades. Na verdade não se tratava somente de pessoas que não
tivessem meios de produzir para o seu consumo, mas de todos aqueles que
não pudessem provar a sua condição formal de trabalhador, através da apre-
sentação simultânea dum cartão de trabalho (figura 3), cartão de residente
(figura 4) e bilhete de identidade (figura 5). No caso de ser estudante, devia
apresentar o respectivo cartão. Estes indivíduos deviam ser interditos de
habitar no meio urbano e os que já nele habitavam deviam ser enviados
para as zonas rurais, principalmente no norte do país, concretamente nas
províncias de Niassa e Cabo Delgado para se dedicarem à “actividades pro-
dutivas” e assim se tornarem “úteis” à sua sociedade, em vez de serem «pa-
rasitas» nas cidades. Como se pode ler num extracto da resolução n° 5/84
da Assembleia Popular de Moçambique:
“É preciso continuar a reintegração dos cidadãos improdutivos nas ta-
refas produtivas, por forma à torná-los úteis à nova sociedade moçambi-
cana5”.
É daqui que vêm e foi legitimada a Operação Produção que, na lógica
do discurso político da época, significa fazer produzir nas zonas rurais,
todos aqueles que habitavam nas cidades, que “consumiam” e que ainda
não “produziam” e que assim, eram potenciais criminosos ou prostitutas
ou ainda potenciais vagabundos. Segundo o discurso da época, os “impro-
dutivos urbanos” contribuíam para a degradação das condições de vida nos
centros urbanos no geral e principalmente nas principais capitais do país.
2
Partido político no poder desde a independência (25 de Junho de 1975).
3
A prática de especulação dos produtos comprados a preços ditos simbólicos nas «lojas do povo»
e comercializados no sector informal.
4
Uma ocupação definida significava que seu titular possuía um cartão de trabalho produzido pelas
autoridades.
5
Todas as traduções do françês (o texto original foi escrito em françês) para o português são do
autor, salvo indicação contrária.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Daí a necessidade de acabar com esses males para de seguida criar um am-
biente político, social e económico são e seguro no país. A implementação
deste conjunto de acções em 1983 foi designada, pelo regime, por Opera-
ção Produção (OP). Para além do objectivo de conduzir todos os “impro-
dutivos” residentes nas cidades, principalmente nas três principais do país,
a saber Maputo, Beira e Nampula, à Niassa e Cabo Delgado, para o go-
verno da Frelimo, era necessário também alertar a população rural sobre os
perigos que corria em migrar para estas cidades, sem um objectivo reco-
nhecido e aceite pelo regime. Era necessário também encontrar meios de tor-
nar o acesso à estas cidades difícil e controlar rigorosamente a mobilidade da
população urbana graças, dentre outros, à guia de marcha6 (Figura 6).

Figura 3: Cartão de Trabalho

Figura 4: Cartão de Residente


6
Uma espécie de « deixa-andar » similar ao passaporte interno da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.

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REGARDS CROISÉS

Figura 5: Bilhete de Identidade

Figura 6: Guia de marcha

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Os critérios de identificação foram estabelecidos. Todos os desempre-


gados honestos, os desempregados desonestos (“vagabundos”, «”candon-
gueiros7”, “biscateiros8”), os sub-empregados e as mães solteiras, sem
emprego deviam ser reencaminhados (Serra, 1990: 99). A identificação des-
tes indivíduos devia ser feita em colaboração com as autoridades locais a
nível dos bairros, tais como: os Grupos Dinamizadores, os chefes dos quar-
teirões, os chefes de dez casas e secretários, assim como as organizações
democráticas de massa (OMM, OJM), os Conselhos de Produção, as For-
ças de Defesa e de Segurança, os funcionários da APIE, os que estavam em
melhores condições de conhecer todos os habitantes da cidade e, breve, a
população em geral. Tratava-se da mobilização de todo o aparelho estatal
(Domingo, 7 de Agosto de 1983, Notícias, 6 de Junho de 1983).
É necessário sublinhar que nesta época, assim como na China dos anos
1970 (Goldstein, 1988) e noutros países do bloco socialista, como por
exemplo a União Soviética, havia um controle estrito da mobilidade popu-
lacional em todo país. Para se deslocarem os habitantes deviam transpor-
tar consigo a guia de marcha, contendo informações sobre o local de
partida, de chegada (em que casa e com que família), a duração da visita,
os meios financeiros para a visita, a razão da deslocação, a semelhança do
que acontecia no período colonial com a exigência da caderneta indígena
para a deslocação dos africanos não assimilados. Este documento devia ser
pedido no local de partida, preenchido e apresentado às autoridades no local
de chegada, principalmente ao secretário do bairro. É este documento, entre
outros, que permitia às autoridades locais conhecerem os residentes per-
manentes e temporários do bairro e a sua condição em tanto que “impro-
dutivo” ou não (João Chiao, entrevista 9 de Janeiro de 2010 em Maputo).
Uma vez identificados e susceptíveis de serem evacuados, estes mo-
çambicanos deviam ser conduzidos aos Postos de Verificação (PVs), para
a confirmação ou não da condição de improdutivo. Aqueles casos aqui con-
firmados, eram conduzidos aos Centros de Evacuação (CE) e posterior-
mente evacuados para os propósitos da OP.
Oito anos após a independência de Moçambique (25 de Junho de 1975),
com um partido-Estado que se afirma de orientação “marxista-leninista”
(oficialmente assim assumido no terceiro congresso em 1977), o governo
7
Os que viviam da especulação dos produtos. Estes compravam nas lojas do povo, pertencentes ao
estado e vendiam a um preço inflacionado no Mercado informal.
8
No contexto moçambicano dos anos 1980, o «candongueiro» ou «biscateiro» era quem se dedicava
a negócios no sector informal, para o seu próprio benefício, duma forma considerada injusta.

18
REGARDS CROISÉS

da Frelimo conduz a OP num contexto de aumento da densidade popula-


cional nas principais cidades do país (principalmente em Maputo), sob a
crença duma ameaça das conquistas da “Revolução” e sob um conflito ar-
mado que não somente afectou a produção agrícola no campo, mas amea-
çou a estabilidade dum país com uma independência recentemente
conquistada, por via da luta armada9. Para além desta guerra, o país também
foi afectado pelas calamidades naturais, secas no sul e centro do país e
cheias no norte, que afectaram cerca de quatro milhões de habitantes e pre-
judicou a produção agrícola, que era, e ainda é, a base económica da maio-
ria da população moçambicana, com ênfase para a população rural. Estes
factores todos colocam esta população com alternativas limitadas para so-
breviver. Assim, um número significativo da população rural não viu, se
não no êxodo rural, a solução menos dolorosa. Para além destes factores, a
política da Frelimo de fornecimento de produtos e da estabilização dos pre-
ços no meio urbano também estimulava o êxodo rural. Contrariamente ao
que se passava nas zonas rurais, nas urbanas o governo preocupava-se em
manter o preço dos produtos relativamente baixos, e garantia um aprovi-
sionamento mínimo dos produtos básicos à população urbana e principal-
mente a da capital-Maputo (The Guardian, 21 de Junho de 1983).
O Sistema Nacional de Abastecimento funcionava relativamente bem
nas cidades no geral e em particular na cidade capital-Maputo. Isto garan-
tia a população destas cidades o abastecimento básico em produtos de pri-
meira necessidade tais como farinha de milho, arroz, óleo, sabão e açúcar.
O governo também procurava assegurar um controlo efectivo sobre os pre-
ços destes mesmos produtos, para evitar a especulação. O mesmo não acon-
tecia nas zonas rurais onde o sistema de abastecimento não só não
funcionava, como nas cidades, mas a rede comercial que era garantida pelo
funcionamento das cantinas e algumas cooperativas funcionava com dé-
fice. Logo após a independência as cantinas, que eram na sua maioria pro-
priedade dos colonos portugueses, foram abandonadas, com a saída massiva
destes do país. Embora o governo da Frelimo tenha tentado manter algumas
delas em funcionamento, através da intervenção, a sua efectivação esteve
longe de satisfazer as necessidades da época. A ruptura da rede comercial
no campo é também reconhecida aquando da realização do 4º Congresso da
Frelimo em Abril de 1983 (Partido Frelimo, 1983).
9
Se calhar este não é o espaço para desenvolver o debate sobre o conceito de «guerra de agressão»
ou «guerra civil».

19
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Resultado da contradição entre a Renamo e a Frelimo, sobre o modelo


de governação e a forma de gestão do poder político, o conflito armado que
se seguiu à independência marca todo cenário político do país e afecta os
esforços para o desenvolvimento durante o período em vigor do Plano Pros-
pectivo Indicativo10. Estes factores, juntos, vão empurrar a população rural
para as zonas urbanas, aumentando de forma desproporcional o número de
habitantes urbanos. Segundo as percepções aceites e partilhadas no seio da
direcção do governo da Frelimo este aumento de habitantes num contexto
de crise económica generalizada, num momento de agravamento do con-
flito armado, que ameaça um país recentemente independente com altas
taxas de desemprego, que regista uma baixa da produção agrícola, cuja sua
indústria não é capaz de produzir para reduzir o défice da balança de pa-
gamentos, vai forçosamente criar um caos urbano, que justificaria uma in-
tervenção do estado.
O processo de tomada de decisão, à um determinado momento, com
uma forte incidência rural, duma medida político-administrativa de eva-
cuação dos ditos “improdutivos” das cidades é o objecto deste trabalho. A
complexidade da génese da OP em Moçambique, sua confrontação com o
discurso político que a justifica e que procura-lhe fazer aceitar, as diferen-
tes interpretações que esta Operação deu lugar e ainda pode dar, implica
uma combinação de vários instrumentos metodológicos (Brito, 2002). O
trabalho começa com uma revisão da literatura (específica e geral) exis-
tente e acessível e a análise de documentos das diferentes instituições di-
recta ou indirectamente envolvidas na sua implementação, a saber o
Ministério do Interior, da Justiça e da Defesa.
Os documentos dos congressos organizados pela Frelimo, os jornais na-
cionais, diário ou semanal (Notícias, Domingo, Tempo) ou estrangeira (La
Suisse, The Guardian) também foram consultados. De facto, uma quanti-
dade considerável de ficheiros em PDF, que tratam do assunto está dispo-
nível à consulta no website Mozambique History Net.
Esta primeira etapa foi útil para ter uma ideia das diferentes perspecti-
vas de análise, científica ou não, já feitas sobre o assunto e permitiram fun-
dar a pertinência científica deste estudo.
De seguida, o trabalho de campo realizados durante o mestrado e par-
cialmente durante o meu doutoramento, do qual este trabalho é fruto parcial,

10
O último grande projecto de desenvolvimento «socialista» lançado pelo estado moçambicano
antes da viragem liberal.

20
REGARDS CROISÉS

se bem que breve, permitiu obter uma informação significativa de diferen-


tes categorias de informantes, desde as vítimas que foram conduzidas aos
locais de «produção» até alguns responsáveis políticos da Operação. A iden-
tificação dos informantes foi feita de acordo com o nível do seu envolvi-
mento na Operação. À este nível foi impossível construir uma amostra
representativa: visto o número significativo, mas não elucidado, dos im-
plicados. Para além da minoria que regressou e se encontra em Maputo, as
entrevistas também foram feitas com os que permaneceram em Niassa, por
vários motivos.
As entrevistas, que se encontram alistadas mais adiante, com os res-
ponsáveis foram feitas com um dos vice-ministros do Ministério do Inte-
rior e certos membros da Polícia da época, assim como algumas autoridades
locais (chefe de quarteirão, secretário do bairro). Para a obtenção da infor-
mação, prioridade foi dada às entrevistas não estruturadas, que permitiram,
dum lado, saber como é que os responsáveis representavam e percebiam a
criminalidade, prostituição e promiscuidade, ao ponto que justificasse a im-
plementação duma medida política dessa dimensão, e doutro lado, quais
foram os mecanismos criados para a identificação dos ditos improdutivos,
segundo as percepções dos próprios «improdutivos». Nalguns casos as en-
trevistas não estruturadas permitiram verificar o que já fora lido nas obras
científicas e nos documentos institucionais ou de imprensa. Noutros casos,
as entrevistas permitiram questionar a informação já escrita, seja ela cien-
tífica ou não.
Assim como outros estudos nas ciências sociais, este não trará respos-
tas definitivas ou julgamento de valores quanto aos responsáveis políticos.
Mas o relativismo metodológico obriga, ele pretende ser uma nova contri-
buição, uma outra interpretação, uma outra visão, nos estudos de políticas
públicas e sobre as políticas de gestão da mobilidade populacional, nas ci-
dades em particular. Para o caso específico de Moçambique, a consulta pri-
mária da literatura sobre a OP revelou um vazio de abordagens científicas
aprofundadas. Assim, este estudo pode ser uma motivação para outras aná-
lises não especulativas do mesmo fenómeno ou de fenómenos políticos ou
sociais ligados à esta medida.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

O trabalho está composto por quatro capítulos.


O primeiro analisa o contexto ideológico e social colonial, para melhor
situar o percurso das políticas de gestão da mobilidade populacional. Em
que medida esta Operação reproduz a governação das cidades do Moçam-
bique colonial? O discurso político da Frelimo anunciando uma ruptura
com o legado colonial é sustentável?
O segundo capítulo aborda o crescimento urbano ao longo da transição.
O terceiro compara a política da Frelimo com a do período colonial, en-
quanto que o quarto procura avaliar o impacto social, político e económico
da condução dos “improdutivos” para as zonas rurais.

22
REGARDS CROISÉS

Cronologia Dos Principais Acontecimentos


1975, 25 Junho: Proclamação da Independência Nacional. Logo após
esta data, o governo da Frelimo implementou a política das nacionaliza-
ções. Desta, os prédios abandonados pelos colonos foram nacionalizados e
a sua ocupação pelos moçambicanos encorajada. Foi na sequência disto
que a Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) ficou res-
ponsável pela gestão das casas do estado.

1976, 24 Julho: implementação da política das nacionalizações. Os imóveis


locatários, as empresas abandonadas foram nacionalizadas. Ao incentivar a sua
ocupação pelos moçambicanos, isto, de certa forma contribuiu para o aumento
e fixação de muitos moçambicanos na zona urbana, sobretudo na cidade de
Maputo.

1977, 3 – 7 Fevereiro: 3° Congresso da Frelimo. Este adopta oficial-


mente o “marxismo-leninismo”. Embora a ideia da Revolução Socialista
já vinha sendo experimentada nas zonas libertadas, depois do 3º Congresso
ela foi assumida como a ideologia oficial da Frelimo e se tornou o ditame
do processo revolucionário, do qual a Operação Produção faz parte.

1979: Introdução da guia de marcha nas cidades do país. Este, que era
uma espécie de passaporte interno, necessário para se deslocar nas cidades
e no campo, era um instrumento de controlo da mobilidade populacional.
Foi fundamental na execução da Operação Produção.

1979, – 26 de Fevereiro - 3 de Março: A primeira Reunião Nacional


sobre as Cidades e Bairros Comunais. Identificação dos principais proble-
mas das cidades e as medidas para solucioná-los. Nesta fase, embora as so-
luções para enfrentá-lo tenham sido diferentes, o êxodo rural já tinha sido
identificado como um problema que necessitava a intervenção do estado.

1982/3: dois anos de calamidades naturais (secas e inundações). Agra-


vamento da crise económica no país, queda da produção agrícola camponesa
e das grandes machambas estatais. Estes são alguns dos factores que con-
tribuíram para que uma parte significativa de camponeses abandonasse o
campo em busca de outras alternativas de vida nas zonas urbanas.

23
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

1982, Maio: Início das designadas campanhas selectivas para acabar


com a criminalidade, vadiagem, prostituição nas cidades. Estas campanhas
eram levadas a cabo pelas forças conjuntas da Defesa Nacional, da Polícia
Popular em coordenação com as estruturas políticas locais : secretários dos
bairros, chefes dos quarteirões, grupos dinamizadores, Organização da Ju-
ventude Moçambicana e Organização da Mulher Moçambicana.

1983, Abril: 4° Congresso da Frelimo. Aqui, dentre várias decisões to-


madas, sublinha-se a necessidade de reinverter a tendência do êxodo rural
massivo e de acabar com a criminalidade, prostituição e vagabundagem
nas cidades. Estes são alguns dos aspectos presentes no discurso legitima-
dor da Operação Produção.

1983, 21 de Maio: Samora Machel, então Presidente da República Po-


pular de Moçambique anuncia as decisões tomadas pelo 4º Congresso da
Frelimo, ao povo moçambicano, na Praça da Independência. A necessidade
da implementação do que viria a ser designada de Operação Produção foi
anunciada aqui.

1983, 20 Junho: implementação da primeira fase (voluntária) da OP. Poucas


pessoas se apresentaram durante esta fase. Foi também a fase de muita mobili-
zação política para que os “visados” aderissem a Operação Produção.

1983, 5 de Julho: A fase coerciva e a mais intensa da OP. Mobilização sem


precedente de todo o aparelho estatal. Evacuações em Maputo e na Beira, e em
pequena escala, noutras cidades, para o Norte do país, principalmente para os
distritos de Matama, em Niassa e Nguini em Cabo Delgado.

1988, Maio: Fim da Operação Produção. Esta decisão foi tomada por
Joaquim Alberto Chissano, então Presidente da República Popular de Mo-
çambique, após uma visita de trabalho em Niassa onde confrontou-se com
o sofrimento de alguns “improdutivos” levados aí no âmbito da Operação.

24
REGARDS CROISÉS

CAPÍTULO 1
A experiência colonial de gestão urbana

A maneira como foi construída, justificada, legitimada e implementada


a OP sugere um certo paralelismo, uma reprodução, certamente não abso-
luta (pois os contextos políticos, económicos, sociais, e culturais são dis-
tintos) do modelo colonial de gestão autoritária do espaço urbano e da
mão-de-obra indígena. Como veremos adiante, embora por motivações re-
lativamente diferentes, tanto o governo colonial português, assim como o
primeiro governo da Frelimo, adoptaram políticas e alguns instrumentos
administrativos que culminaram com a negação do espaço urbano à pessoas
consideradas “parasitas” neste mesmo espaço. Ao estudar o papel do Passe,
do Código de Trabalho Indígena, da Política do Indigenato do Moçambique
colonial, este capítulo procura compreender como é que o governo colonial
português concebeu as principais cidades coloniais de Moçambique e não
só, como é que organizava estes espaços e de que forma esta organização
representava o modelo de gestão da mão-de-obra indígena, para o bem dos
interesses económicos, sociais e políticos da metrópole.

A importância da cidade colonial e a questão da mobilidade


populacional
O controlo da mobilidade da população “indígena” e do seu estabeleci-
mento nas cidades do Moçambique colonial e sobretudo na cidade capital
(Lourenço Marques) era um elemento essencial do sistema político, eco-
nómico e social da dominação colonial portuguesa. O fim do século XIX e
o princípio do século XX foi marcado pela adopção de instrumentos admi-
nistrativos coloniais de controlo da mobilidade e da mão-de-obra africana.
A exploração de minérios e as exportações-importações ligadas ao desen-
volvimento industrial na África do Sul no geral e em particular nas regiões
de Kimberley, com a descoberta do diamante em 1867 e de Witwatersrand,
com a descoberta de ouro em 1886, exigiu uma mão-de-obra barata para a
construção de infra-estruturas (estradas, caminhos de ferro, portos), ligadas
à exportação e importação de mercadorias, não somente no Transvaal, mas
como em Lourenço Marques e outras partes de Moçambique. Moçambi-
que com cerca de 2 800 Km de costa marítima, banhado pelo Oceano

25
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Índico, e sobretudo a baía de Maputo estava estrategicamente posicionada


para servir de passagem para as mercadorias de e para o Transvaal. É assim
que a importância económica e política de Lourenço Marques cresceu.
Consciente disto, as autoridades coloniais portuguesas elevaram-no ao es-
tatuto administrativo de cidade em 1887 e em 189811 tornou-se a capital da
província ultramarina de Moçambique.
O sul de Moçambique no geral e em particular a Baía de Maputo tornou-
se um factor dinamizador da economia colonial portuguesa, sobretudo para
servir a explosão mineira na vizinha África do Sul (Munslow, 1983). As-
sociado a isto, Portugal estimula a construção de estradas, caminhos-de-
ferro e de portos, principalmente no sul de Moçambique e concretamente
em Lourenço Marques (Departamento de História/UEM, 1980 : 10, 11,13).
Nesta lógica, um acordo entre o governo do Transvaal e o governo colonial
português, foi assinado em 1874 para permitir a circulação via Estrada e fer-
roviária entre Lourenço Marques e Transvaal (Muchangos, 1987 : 125,
CMCM/DCU(a), 1999 : 16, Exposição :14). A construção das vias de
acesso visava também dinamizar o comércio com outras colónias vizinhas
do interland tais como a Suazilândia, Rhodésia do Sul e Niassalândia.
Embora o governo colonial português reconhecesse a importância da
exportação da mão-de-obra para servir os interesses dos proprietários das
minas do Transvaal, a necessidade de desenvolver a economia agrícola co-
lonial também obrigava o colonialismo português a manter um controlo
sobre a mão-de-obra africana, para direccioná-la para este sector. É que,
como refere Mondlane (1975 : 94) os portugueses sempre viram na mão-
de-obra africana um instrumento importante para a exploração e assim ser-
vir os interesses do capitalismo colonial. O estabelecimento dos Serviços
dos Negócios Indígenas, que visava entre outros, gerir a circulação da po-
pulação africana, de criar as condições de recrutamento da mão-de-obra
para o xibalo12 e de evitar a migração dessa mão-de-obra para a África do
Sul, vem parcialmente responder à esta necessidade. O boom mineiro na
África do Sul criou uma forte mobilidade da mão-de-obra no sul de Mo-
çambique no geral. Por exemplo antes da Guerra Anglo-Boer (1899-1902)
os moçambicanos representavam 60% da força de trabalho nas minas do

11
Antes a capital da província ultramarina de Moçambique era a Ilha de Moçambique, no norte do
país.
12
Trabalho forçado instituído para os considerados indígenas pelas autoridades coloniais. Certos
africanos que eram encontrados em situação irregular na cidade de Lourenço Marques eram con-
duzidos ao Shibalo.

26
REGARDS CROISÉS

Transvaal, em prejuízo dos farmeiros portugueses, que não viam com bons
olhos este recrutamento. Em resultado da implementação dalgumas políticas
de contenção, o número de moçambicanos reduziu para 40% entre 1906 e
1920 (Penvenne, 1995 : 24).
O artigo N° 1 da lei do passe de 1891 foi um dos instrumentos princi-
pais dos Serviços Indígenas para controlar a mobilidade dos nativos nas ci-
dades. Segundo este, que aplica-se a cidade de LM, nenhum indígena podia
permanecer neste local sem ter um trabalho formal e reconhecido pelas au-
toridades coloniais (Muchangos, 1987 : 125; CMCM/DCU(a), 1999 : 16;
Exposição : 14). A implementação da lei do passe visava, por um lado for-
çar a população africana habitando às cidades, a procurar um emprego,
mesmo se as condições de remuneração não fossem satisfatórias, e doutro
lado, evitar a presença dos africanos indígenas e desempregados nas cida-
des. Assim como preconizava a Operação Produção em 1983, o desem-
prego urbano foi percebido como um mal, do qual era necessário se
desfazer e criou uma necessidade de intervenção política para resolver o
que foi considerado um problema político. Com base nos preceitos da Lei
de 1891 este mal era visto como resultado da preguiça dos desempregados
africanos e não como um problema estrutural da organização da economia
colonial e do mercado de trabalho (Penvenne, 1993).
De acordo com o Estatuto Político, Civil e Criminal dos indígenas de
1926 (Angola e Moçambique) e 1929 (Guiné portuguesa), os indígenas de-
viam respeitar o seu “dever moral de trabalhar”. Para o sistema colonial, o
“trabalho” não significava se não uma actividade plenamente integrada ao
capitalismo colonial. Assim, um indígena vivendo da agricultura tradicio-
nal não era considerado trabalhador e com efeito, devia ser penalizado ao
“dever moral do trabalho”. A liberdade do trabalho reconhecida pelo Acto
Colonial de 1930, não significava se não a liberdade do indígena escolher
o seu patrão. O segundo Estatuto Português das Províncias da Guiné, An-
gola e Moçambique de 1954, reproduz este aspecto.
A cidade era percebida e concebida, por ordem de prioridade, para a po-
pulação branca europeia, para os asiáticos e os mestiços. Uma parte menor
era reservada à população que havia adquirido o estatuto de assimilado.
Quer dizer aqueles africanos, mas que, segundo o código de assistência ao
nativo de 1921, tendo adquirido a cidadania portuguesa, tenham provado ter
aprendido a falar português, terem-se apropriado dos costumes portugueses,
terem assimilado os valores portugueses e que tenham adquirido um emprego
assalariado (Mondlane, 1975 :37). As restrições eram tão evidentes e rígidas

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

que os ditos indígenas apelidaram a cidade de Lourenço Marques de “Xi-


longuine”, o que em xironga (língua da população que habitava maiorita-
riamente esta região) significa “lá onde os brancos vivem”.
Para reforçar o controlo da mobilidade dos africanos para e nas cidades
e sobretudo a mão-de-obra, o governo restringe o sistema de registo em
1949. De acordo com este novo sistema, todos os indígenas que chegavam
nas cidades deviam se registar nos municípios dentro de três dias, e nos
casos em que não encontrassem trabalho em duas semanas, deviam assim
declarar às autoridades. Em caso do não registo, as autoridades se davam
o direito de lhes forçar ao xibalo. A semelhança do que ocorre após a inde-
pendência, com a guia de marcha, no Moçambique socialista, para aban-
donar a cidade, os “indígenas” do Moçambique colonial, deviam também
informar as autoridades municipais. A mobilidade desta categoria da po-
pulação era estritamente monitorada pelas autoridades coloniais. O assi-
milado devia recolher obrigatoriamente depois duma certa hora. Caso
contrário, podia ser interpelado pela polícia e preso caso não tivesse o seu
cartão de identificação (Mondlane, 1975:48).
O desemprego na cidade era considerado uma violação do Regulamento
dos Serviçais e Trabalhadores Indígenas e xibalo, uma variante do trabalho
forçado aplicado no sul de Moçambique, era a principal sanção. Em resul-
tado disto, até o início dos anos 1960, o número de africanos nas cidades
no geral e em particular em Lourenço Marques, embora continuasse a cres-
cer, era relativamente reduzido, se comparado ao total da população em
Moçambique e no espaço urbano. Nesta êpoca Moçambique tinha cerca de
6 592 994 habitantes. 2,5% desta população era branca, asiática e mestiça
e na sua maioria habitavam as cidades do país. O restante eram africanos
que habitavam maioritariamente as zonas rurais. Os que estavam nas áreas
urbanas, habitavam a periferia e sob controlo restrito das autoridades colo-
niais (Mondlane, 1975 : 43; Christie, 1996 : 20; Penvenne, 1995).

O branqueamento das cidades: o código do trabalho, o indigenato e


o xibalo
Ao combinar simultaneamente o Regulamento de Trabalho dos Indíge-
nas e a discriminação racial- social estabelecida pelo sistema do indigenato
e xibalo, o governo colonial português cria condições para assegurar o con-
trolo e a exploração da mão-de-obra africana dum lado, e do outro reservar
um espaço privilegiado, nas cidades e no mercado de trabalho para a

28
REGARDS CROISÉS

população branca de origem portuguesa primeiramente. Um dos instru-


mentos políticos relevantes para controlar a força de trabalho indígena, no
contexto do que Portugal considerava sua missão civilizadora, data de 1904.
Neste ano foi publicado o Regulamento de Serviçais e Trabalhadores Indí-
genas (RSTI), que abrangia várias categorias profissionais, sobretudo os
trabalhadores africanos indígenas no sector doméstico e dos portos. A estes,
com base neste regulamento foi-lhes obrigado a adquirir uma placa metá-
lica, a chapa que custava na época 500 reis e devia ser colocada a volta do
pescoço.
O objectivo principal era de impedir estes trabalhadores de mudar de
emprego, à procura de melhores condições de remuneração e assim, ga-
rantir uma mão-de-obra barata para os proprietários da época : a chapa in-
dicava precisamente o emprego que o seu portador tinha. Mudar de
emprego implicava adquirir uma nova chapa e o seu preço não era susten-
tável, para os salários pagos aos “indígenas” na época. O código de traba-
lho colonial visava também encorajar a instalação dos colonos nas cidades
e proteger a mão-de-obra branca, lhe reservando os melhores empregos.
Na mesma, os direitos políticos estavam reservados à população branca
portuguesa e aos mestiços.
Para os “indígenas” era necessário primeiro adquirir o estatuto de assi-
milado. Para tal, era necessário saber ler e escrever correctamente portu-
guês, ter meios suficientes para sustentar a família, ter bom comportamento,
ter a necessária educação, e hábitos individuais e sociais de modo a poder
viver sob a lei pública e provada portuguesa e fazer um requerimento à au-
toridade administrativa da área, que levará o potencial assimilado ao go-
vernador do distrito para que seja aprovado. No meio de tudo isso havia
muita subjectividade que fazia com que mesmo reunindo estes requisitos
todos, a transformação de indígena para assimilado não acontecesse.
Se o processo já iniciara no primeiro decénio do século XX, sobretudo
após o boom mineiro na África do Sul, o controlo da mão-de-obra e as res-
trições aos direitos cívicos e políticos se estreitaram à partir do momento
em que a importância geopolítica e económica de Lourenço Marques, e
principalmente do seu porto e dos caminhos-de-ferro cresce. Assim, a fusão
sob uma autoridade única, do porto e dos caminhos-de-ferro em 1907 foi
seguida do reforço da hierarquização, da categorização e da discriminação
racial. A raça, principalmente caracterizada pelo fenótipo e a nacionalidade
se tornaram elementos importantes e fortemente ligados ao acesso ao tra-
balho e à mobilidade social (Penvenne, 1995). Por volta dos anos 1920, no

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

contexto da crise económica mundial e para proteger a mão-de-obra colona


nas empresas implantadas nas colónias no geral e em particular em Mo-
çambique, o governo colonial introduziu a cláusula dos 70% no código do
trabalho. Segundo esta cláusula, nas “profissões qualificadas”, os empre-
gadores deviam ter pelo menos 70% da força de trabalho portuguesa.
Tratava-se, dum lado, de excluir uma parte dos trabalhadores europeus
ou “civilizados” (indianos, chineses) não portugueses, e doutro lado de
nunca mais permitir que os africanos indígenas fossem empregues aos pos-
tos reservados aos “civilizados”. Segundo Penvenne (1995 : 82), o número
de trabalhadores brancos nos portos e caminhos-de-ferro já tinha triplicado
entre 1910 e 1925. Depois da Segunda Guerra Mundial e até 1961-62 (pe-
ríodo da abolição do indigenato), as coisas se agravaram. O tratamento ao
qual os trabalhadores africanos nas cidades estavam submissos, acabava
por lhes desencorajar de aqui ficar. A situação dos assimilados começa a ser
fragilizada à partir de 1917, quando lhes foi pedido o alvará (certificado) de
trabalho, para certificar que a situação deles estava regularizada.
Em 1926, quando foi introduzido o Código de Trabalho Indígena, a ques-
tão central para ser um assimilado não era somente falar ou não a língua por-
tuguesa, mas sim também ter uma profissão integrada na economia de
mercado. Em 1948, uma outra exigência é acrescentada para a aquisição
duma profissão qualificada. Tornou-se necessário também ter a 4ª classe, en-
quanto que aos brancos, automaticamente civilizados, não lhes era exigida.
Em 1954, um novo estatuto indígena foi introduzido. Segundo este, para
além de falar português, de ter uma profissão integrada no mercado e de ter
a 4ª classe, era também necessário falar “correctamente”, o que tornava a
vida dos africanos, na cidade, complicada, mesmo para aqueles que já ti-
nham uma « profissão ». Para agravar, a assimilação se tornou uma ques-
tão estritamente individual. Ou seja os filhos dos assimilados eram
novamente indígenas. Assim, tinham que passar pelos mesmos processos
para poderem se tornar assimilados. Este processo era tão desencorajador
que poucos conseguiram de facto se tornar assimilados. Como ilustra Mon-
dlane (1975 :48) duma população de cerca de 6 000 000 em 1950, havia so-
mente 4555 assimilados, ou seja somente 0.075% do total da população era
assimilada.
Estes aspectos todos combinados tornaram o acesso e a permanência
dos africanos nas áreas urbanas, e em particular nas cidades um dilema não
fácil de superar. Com isso, o governo colonial pretendia limitar ao máximo

30
REGARDS CROISÉS

aquilo a que considera desorganização e crescimento desorganizado e in-


sustentável, não planificado das cidades. Este procedimento político resulta
parcialmente da percepção do governo colonial português segundo a qual
o espaço urbano e particularmente o espaço da cidade é um direito restrito
da população branca. A permanência dos africanos seria tolerada na condi-
ção de serem assimilados, o que por sua vez significava ter ultrapassado
todas as barreiras impostas para a sua assimilação. Também era tolerada na
medida em que o capitalismo colonial justificaria a presença desta mão-de-
obra para a manutenção e reprodução do próprio sistema colonial. A per-
manência dos “indígenas” nas cidades devia ser justificada pela sua
utilidade para a economia colonial. Quem não fosse “produtivo” ou útil
para esta economia, não tinha o direito de aqui permanecer. Devia regres-
sar para a sua zona de origem, que equivale a zona rural ou no mínimo ser
conduzido ao trabalho forçado. A lógica deste trabalho está relacionada
com a ideia pré-concebida pelo governo colonial de que o indígena é natu-
ralmente preguiçoso.
Daí que deve-se criar formas para obrigá-lo a trabalhar. Como menciona
Munslow (1983) os administradores coloniais tais como Vieira Machado e
Marcelo Caetano continuamente enfatizaram a necessidade de ensinar o
“nativo preguiçoso” como trabalhar. António Enes, o obreiro da política
colonial portuguesa em Moçambique dizia:
“se não conseguirmos ensinar o negro a trabalhar e assim, não podermos
tirar vantagens do seu trabalho, brevemente seremos obrigados a abando-
nar a África para um outro colonizador menos sentimentalista e mais utili-
tarista”.
Foi também este pré-conceito colonial que levou as autoridades colo-
niais à limitarem a presença dos “indígenas” nas cidades somente em caso
de serem necessários para servir os interesses do capitalismo colonial. Em-
bora com motivações diferentes, no Moçambique pós-colonial, pelo menos
no âmbito da Operação Produção, o “improdutivo” não pode permanecer
na cidade. Pois, seria um “parasita” que viveria a custa do trabalho do outro.
Deve regressar a sua zona de origem, muita das vezes o espaço rural, ou ser
conduzido, pelo estado, para uma outra zona, muita das vezes rural, onde
pudesse ser “produtivo”. Há aqui um certo nível de paralelismo, na cons-
trução, representação do espaço físico – cidade e no direito a aqui perma-
necer. Existe aqui uma reprodução da ideia da modernização liderada pelo
estado e no puritanismo urbano. O estado acredita que é capaz de transformar

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

a natureza do indivíduo e assume o papel de fazê-lo com ou sem o con-


sentimento do visado.
Com base em todos aqueles instrumentos político-administrativos, men-
cionados acima, o governo colonial tentou restringir ao máximo a presença
permanente de “indígenas” nas cidades. Ainda na mesma lógica e com o
mesmo propósito, segundo Vivet (2015:50,51) as construções duráveis não
eram permitidas aos africanos. Daí a emergência da cidade de caniço em
contraste com a de cimento, dualidade que resistiu e atravessou o período
colonial para o pós-colonial. Paradoxalmente, apesar das medidas restriti-
vas, o número destes nas cidades não deixou de aumentar, como veremos
no capítulo a seguir.

A resistência africana ou a flexibilização das restrições?


Contrariamente às pretensões do governo colonial, as medidas para a
restrição dos nativos ao acesso às cidades não resultaram. Apesar do con-
trolo rígido, da discriminação, do envio forçado ao xibalo, a população ur-
bana no geral e em particular africana, sobretudo “indígena” não cessa de
aumentar nas áreas urbanas e nas cidades. Em 1930, havia 23 090 indíge-
nas e 9 001 não indígenas em Lourenço Marques. Em 1940, os números
eram de 28 568 e 16 170 respectivamente. Em 1950, passou para 45 070 in-
dígenas e 24 791 não indígenas (Oliveira, 1987 : 105). Para se deslocar na
cidade (espaço reservado aos brancos, mestiços e “assimilados”), os indí-
genas eram obrigados a carregar consigo a caderneta indígena, o acesso à
certas zonas urbanas, lhes era interdito nas noites. Mas mesmo este sistema
não impediu o afluxo dos “excluídos”. Como explicar essa realidade ?
A natureza da organização do mercado de trabalho urbano e a existên-
cia de proprietários prontos a empregar uma mão-de-obra indígena, mas
altamente qualificada, pelo seu baixo custo, e apesar das restrições do co-
lonialismo português, explica parcialmente. Os indígenas podiam sempre
encontrar um emprego na cidade, sobretudo nas casas dos colonos, o que
não era penoso para eles, se tiver em conta a prática de culturas obrigató-
rias e o imposto de palhota exigidos aos indígenas no meio rural. Com a
chegada massiva dos portugueses na viragem do século, a procura da força
de trabalho no sector doméstico aumenta. Este trabalho doméstico, consi-
derado voluntário, raramente se encontrava nas zonas rurais (Mondlane,
1975 :95). Além do mais, os indígenas também podiam ser empregues nas
fábricas e sobretudo nos postos não privilegiados e negligenciados pelos
portugueses, devido às más condições de trabalho e do baixo salário.
32
REGARDS CROISÉS

A dinâmica da política no contexto internacional e regional, também le-


varam Portugal a relaxar as restrições, pelo menos aparentemente. Depois
da Segunda Guerra Mundial os movimentos de contestação do imperia-
lismo e da dominação colonial ganham terreno. A ideia da autodetermina-
ção dos povos é assim aceite pela maioria das colónias. Embora Portugal
tenha mantido uma certa indiferença (Mondlane, 1975 :38), as reivindica-
ções indianas de Goa levou Portugal a negociar a sua entrada nas Nações
Unidas. Para tal, teve que fazer reformas. Foi assim que, em 1951, trans-
formou as suas colónias, incluindo Moçambique em “provícias ultramari-
nas”. O início da luta anti-colonial em Angola, em 1961, foi um outro
elemento que pressionou Portugal a fazer reformas. A consolidação das
contestações anti-colonial, as independências das colónias britânicas e fran-
cesas por volta dos anos sessenta, o reforço do papel da Organização da
União Africana (OUA), tudo isso justificava a “flexibilização” da discri-
minação racial portuguesa.
Em resultado destas mudanças de contexto internacional, combinado
com o recrudescimento dos movimentos nacionalistas nas colónias trouxe
mudanças no tratamento dos colonizados. Assim, no dia 6 de Setembro de
1961 foi abolido o Estatuto dos Indígenas, e todos os cidadãos de Moçam-
bique, Angola e Guiné passaram a ser considerados cidadãos portugueses
e não mais indígenas (Mondlane, 1975 :38). É certo que isso não significou
o fim da discriminação racial pois, mesmo se teoricamente os africanos de-
viam adquirir o direito à cidadania, a sua carta de identidade indicava “Pro-
víncia de Moçambique”, o local de nascimento e de residência. Este não era
o caso para as outras categorias de população: brancos, asiáticos e mesti-
ços. Isto na verdade dava um certo espaço para um tratamento diferenciado
e a continuação da exclusão e da discriminação, sobretudo no que concerne
à mobilidade “indígena” no meio urbano (Mondlane, 1975 :39). Contudo,
o facto de que pela primeira vez a população africana já não era obrigada
a se registar a quando da sua chegada à cidade e já podia aqui ficar sem
correr o risco de ser enviado coercivamente ao trabalho forçado, muda os
factos.
Também, a resistência da população indígena rural e o desejo de aban-
donar o campo ou de habitar no espaço urbano e na cidade são também vis-
tos como algumas razões do crescimento contínuo do número de africanos
não assimilados nas cidades, apesar das restrições. Há outras razões para ex-
plicar o estabelecimento definitivo dos africanos no meio urbano. Durante
a Segunda Guerra Mundial houve intensificação da exploração das colónias

33
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

no geral e Moçambique não foi excepção (Vail & White, 1980). Os indí-
genas que habitavam no meio rural, para além da produção para o seu próprio
consumo, deviam também produzir, obrigatoriamente e intensivamente, o
algodão e o arroz para o interesse da economia colonial portuguesa, que as
considerava culturas de rendimento. E ainda deviam pagar o imposto de
palhota. Tudo isto contribuía para a fuga dos indígenas para as cidades e
para outros países vizinhos, tais como a África do Sul e a então Rodésia do
Sul (Mosca, 2005).
O regresso quase forçado dos trabalhadores migrantes na África do Sul,
após o fim de cada período do contrato, também contribuiu para o aumento
e estabelecimento definitivo, nalguns casos, dos africanos não assimilados
em Lourenço Marques. É necessário notar que sempre que alguns destes
trabalhadores regressavam da África do Sul entre dois contratos, uma parte
significativa ficava em Lourenço Marques, em vez de regressarem às suas
zonas de origem, que era maioritariamente a província de Gaza e Inham-
bane. De tal forma que existiu uma zona dos trabalhadores mineiros no
bairro da Malanga, em Lourenço Marques (Penvenne, 1995).

34
REGARDS CROISÉS

CAPÍTULO 2
O crescimento urbano após a independência e o
receio da perca de controlo nas vésperas da libera-
lização económica
Partindo da política das nacionalizações de 24 de Julho de 1976, a da
emancipação e de ruptura com o legado colonial, pelo menos no discurso,
a ocupação das habitações do espaço urbano (abandonadas por a maioria
dos colonos no momento da independência e nacionalizadas pela estado)
pela população outrora “indígena”, que já vinha acontecendo durante o pe-
ríodo colonial, mas de forma reivindicativa, ganhou uma nova dinâmica
nos primeiros anos da independência e intensificou-se durante o conflito
armado que opós o governo da Frelimo e da Renamo. Feita à uma forte in-
tensidade, não “regulamentada”, por um Estado ainda frágil e por cima pre-
cocemente marcado por um conflito armado, os efeitos dessa ocupação
puseram em causa as pretensões dum estado que se queria de providência,
que não teve outra escolha se não rejeitar o usufruto duma das conquistas
da independência (a ex-cidade colonial) à um segmento significativo da
sua população, agora designada de “improdutiva”. As coisas não aconte-
ceram de forma linear e simples. Quais eram as possíveis formas de con-
trolo ? Quais foram as consequências do crescimento urbano descontrolado
? Estas são as questões abordadas neste segundo capítulo.

A crescente «africanização» das cidades moçambicanas


A independência de Moçambique, 25 de Junho de 1975, foi seguida da
intensificação da “africanização” ou “moçambicanização” massiva das ci-
dades. Certo, o fenómeno já começara no início mesmo da colonização,
após a abolição do indigenato, mas o movimento da urbanização se ace-
lera, em geral e em particular nas cidades de Maputo, a capital e a mais im-
portante cidade do país, e na Beira que era a segunda cidade do país, após
a independência.
Segundo o documento do Partido Frelimo (1983) e a revista Tempo (1 de
Maio de 1983) cerca de 250 000 moçambicanos passaram a viver nos bair-
ros de cimento de 1976 a 1983. De acordo com Penvenne (1993), no que
concerne a cidade de Lourenço Marques, os números passaram de 68 000
habitantes em 1940, para 184 000 em 1960. A força de trabalho indígena no
sector privado variou de 47 400 em 1950 para 96 000 em 1962. Desde os

35
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

fins dos anos 1940, acontecia também o aumento da população branca, de-
vido à política de branqueamento levada a cabo pela administração colonial.
O recenseamento de 1970 indica 378 348 habitantes para Lourenço Mar-
ques, 101 754 para Matola e 46 293 para o Conselho da Beira13.
No momento da independência, Maputo contava 505 000 habitantes
(Vivet, 2015; Allan Rodrigues, Noticias, 4 de Junho de 1983). O primeiro
recenseamento depois da independência, feito em 1980, indica que os nú-
meros passaram à 739 077 para Maputo e 214 613 para Beira14. Segundo
António Hama Thai, que era Secretário do Comité da cidade de Maputo, de
Outubro de 1981 a Junho de 1982 o número de habitantes na cidade de Ma-
puto passou de 750 000 para 850 000 (The Guardian, dia 15 de Junho de
1982). Nampula tinha 23 072 habitantes em 1970 e 145 772 em 1980
(Araújo, 2003). Entre 1970-1980 a população urbana do país multiplicou
7,5 vezes e a taxa média de crescimento dessa população, à excepção de
Quelimane e Beira, ultrapassou 20%.
Um ano e meio depois do recenseamento de 1980, se percebe que houve
um novo aumento de 100 000 habitantes na cidade capital, passando de
739 007 à 850 000 habitantes (Allan Rodrigues, Notícias, 4 de Junho de
1983). Estes espaços, outrora percebidos pelo sistema colonial em tanto
que zona branca, mestiça e incluindo alguns “assimilados” aparecem quase
que “repentinamente” disponíveis para a antiga população “indígena”.
Este crescimento resulta de vários factores. Nos finais dos anos 1970, o
país recentemente independente conhecera uma guerra interna, que trouxe
o deslocamento das famílias no sentido campo-cidade. Segundo uma re-
portagem na revista Tempo feita por António Elias (N° 948, 11 de Dezem-
bro de 1988:19), no distrito urbano N°. 2 da cidade de Maputo, as
autoridades locais enfrentavam o problema do estabelecimento de 5 635
famílias deslocadas vindas das províncias de Maputo, Gaza e Inhambane
(Vivet, 2015). Sobre o papel do conflito na intensificação do êxodo rural,
apesar do posicionamento de Anne Pitcher (2002 : 104), segundo o qual a
guerra deslocou cerca de 3,7 milhões de moçambicanos é importante mos-
trar que não foi somente o conflito por si que levou ao deslocamento das fa-
mílias ou doutros que habitavam o campo.
É sobretudo a percepção que se construiu, foi interiorizada e apropriada
pelos deslocados, segundo a qual, a cidade oferecia melhores condições de

13
É o equivalente colonial dos municípios do período pós-colonial.
14
Lourenço Marques passou a designar-se cidade de Maputo logo após a independência.

36
REGARDS CROISÉS

subsistência e de segurança. Embora muitos dos camponeses resistissem


até ao último minuto, para não abandonar as suas residências e sobretudo
o gado, como refere Vivet (2015), os programas desenvolvimentistas da
Frelimo, para a promoção agrícola no campo, não recebeu tanta simpatia da
população rural-camponesa (Bowen, 2000). Logo na independência a Fre-
limo concentrou-se sobre as grandes machambas estatais, vindas das gran-
des plantações privadas coloniais, criadas graças à exploração da
mão-de-obra africana, cujas terras não lhes foi devolvida, em vez de in-
centivar a criação de pequenas machambas familiares. Assim foi deixada de
lado a base de produção da maioria da população rural (Partido Frelimo,
1983). Isto forçou o sector familiar ao trabalho assalariado nas machambas
estatais, ou à uma forma de habitação e produção colectiva forçada nas
vilas/aldeias comunais, que não beneficiava da simpatia dos camponeses,
forçados à abandonar as terras dispersas dos seus ancestrais, sem benefícios
sociais (Gefray, 1991).
No mesmo momento, entre 1975-76, o governo do Apartheid na África
do Sul decide reduzir a quantidade da mão-de-obra migratória vinda de
Moçambique (Olson, 1990). Milhares de moçambicanos outrora trabalha-
dores migrantes na África do Sul, nas minas do Rand e não só, foram ob-
rigados a regressar ao país. Em vez de se instalarem nas suas zonas de
origem (as províncias mais próximas de Maputo, tais como Gaza e Inham-
bane), maior parte destes fixam-se na cidade de Maputo, na esperança de
regressar à África do Sul um dia. A Capital do país é muito próxima da
África do Sul, Maputo era percebido como local com melhores oportuni-
dades de emprego no país. É então, assim, que por um conjunto de razões
políticas, sociais, económicas e mentais que, por um lado, a taxa de êxodo
rural se intensificou no país (em 1980 a taxa do êxodo rural por ano era de
8, 3%) e doutro, o número de habitantes nas cidades aumentou, e princi-
palmente na cidade de Maputo. Em 1980, somente Maputo tinha 48% da po-
pulação urbana do país (Lima s.d. : 19). Estes factores, acrescentados à seca e às
inundações (que prejudica sobretudo a agricultura camponesa) dos princípios dos
anos 1980, vão conduzir à um aumento desmedido da população urbana no país.
Para além de Maputo, outras cidades também registaram um cresci-
mento da sua população. Beira, concentrando um dos sectores portuário e
ferroviário mais importante, era um centro para oportunidades de emprego
na região centro do país. O processo era, grosso modo, similar ao de
Maputo, com um forte aumento da população, resultando parcialmente do
conflito armado da pós-independência. De 110 000 habitantes em 1975, a

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

população da Beira quase que duplicou, passando à 214 613 (Araújo, 2003).
A maioria dos deslocados aqui vinha, provenientes doutras províncias do
centro do país. Quanto à Nampula, terceira cidade do país, ela acolhe os
deslocados da região norte de Moçambique.
Outro aspecto que contribuiu para a “africanização” ou “moçambicani-
zação” das zonas urbanas em geral e em particular das cidades, foi a polí-
tica das nacionalizações introduzida pelo governo da Frelimo logo após a
independência, exactamente aos 24 de Julho de 1975 (Tempo, 1 de Agosto
de 1976). Como consequência disto, no dia 3 de Fevereiro de 1976 os pré-
dios, que durante o período colonial estavam restritos aos colonos, foram
nacionalizados e a sua ocupação, pelos moçambicanos estimulada. Um dos
impactos imediatos foi a sua ocupação, de certa forma eufórica, pela maio-
ria daquela população que antes vivia na periferia das cidades ou nas zonas
rurais, contribuindo assim para o aumento da população urbana. Este au-
mento da população urbana não foi seguido do crescimento do número dos
imóveis para habitação, nem de melhoramento ou redimensionamento das
infra-estruturas urbanas para acomodar à esta nova realidade dessas cidades,
construídas sob o rigor e interesses da colonização portuguesa, para uma po-
pulação branca e minoritária na época. Assim, a degradação das cidades, que
já começara, se agrava durante o conflito e principalmente nos anos oitenta.
Segundo Muchangos (1989), em 1989 Maputo, por exemplo, era uma das
cidades mais degradadas da África Austral. Suas infra-estrututuras (sistema de
abastecimento de água, o sistema de esgotos, as estradas) estavam longe de
responder às demandas da população urbana. No discurso oficial do partido-
Estado foi o fluxo progressivo e massivo da população rural às cidades que foi
apresentada como a causa. Isso motivou a convocação da primeira “Reunião
Nacional sobre as Cidades e Bairros”, realizada em 1979 na cidade de Maputo,
onde o discurso político e a construção da argumentação prática, como sugere
Fairclough & Fairclough (2012) justificaria a adopção de algumas medidas
coercivas de evacuação e ou restrição cerca de quatro anos mais tarde.

O controlo da mobilidade nas cidades do Moçambique


socialista
Embora por razões diferentes, como referiu Mariano Matsinhe (entre-
vistado aos 29 de Março de 2016), desde o surgimento das primeiras zonas
libertadas por volta de 1967, houve uma vontade política da Frelimo para
controlar e gerir a mobilidade da população. Mais tarde e após a indepen-
dência há necessidade política de controlar a mobilidade populacional,
38
REGARDS CROISÉS

sobretudo aquela do meio rural que pretendesse ir ou se estabelecer nas


zonas urbanas, continuou. Como mostra Carlos Serra15, desde os primeiros
anos da independência foi imposta a ideia de controlar quem circulava
aonde, para onde, fazer o quê e de que forma, no meio urbano. Para Teodato
Honguana (Entrevistado aos 5 de Janeiro de 2010), na mesma linha de Matsinhe
mesmo nas zonas libertadas, que apareceram ao longo da luta de libertação na se-
gunda metade dos anos 1960, houvera uma vontade do controlo da mobilidade
populacional através da emissão da “guia de marcha”. Mas pode-se considerar
que ali havia uma vontade militar de controlar o espaço. O contexto de luta ar-
mada obriga um controlo rígido sobre a movimentação das pessoas.
Com a intensificação do êxodo rural nos finais dos anos 1970 e no iní-
cio dos anos 1980, os esforços do controlo social e as tendências à restri-
ções do acesso às cidades se tornam mais rígidas. Por exemplo, a percepção
oficial do meio rural com as suas vilas comunais, o “Plano Geral de Acção
das Cidades de 1979-80” prevê o estabelecimento de “bairros comunais” à
partir de Dezembro de 1979. Tratava-se de restringir o número de habitan-
tes a 2500 famílias por bairro, ou seja mais ou menos 12 500 pessoas. Este
plano, destinado às onze cidades do país, Maputo, Beira, Nampula, Xai-
Xai, Inhambane, Chimoio, Tete, Lichinga, Cabo Delgado, Nacala e
Chókwé, preconizava uma forte, permanente e consistente conexão dos di-
versos níveis do poder e institui a “Comissão dos Habitantes”. As questões
de defesa, de ordem e de segurança fizeram objecto duma atenção especial
nas zonas urbanas. O Ministério da Defesa, em colaboração com os grupos
dinamizadores (GD), deviam constituir a Polícia Popular.
O Ministério do Interior em colaboração com as assembleias das cida-
des, os conselhos executivos e os GDs, deviam formar e consolidar os gru-
pos de vigilância. Sob as instruções deste ministério a polícia, em
colaboração com todas as estruturas políticas e policiais urbanas, deviam se
ocupar do controlo da circulação das pessoas, tanto no interior, assim como
à saída e à entrada nas cidades (Frelimo, 1979). Apresentado politicamente
como um esforço para as novas relações sociais, baseadas no trabalho co-
lectivo e voluntário, o estabelecimento dos bairros comunais nas cidades vi-
sava controlar a mobilidade dos cidadãos, num contexto em que as
conquistas da “Revolução”, que levariam a construção duma nova e mo-
derna sociedade moçambicana pós-colonial, se sentiam “ameaçadas”. Foi
também no quadro do Plano de Acção para as Cidades que foi decidida a
15
Esta informação resulta duma entrevista feita em Maputo aos 27 de Julho de 2009.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

utilização da “guia de marcha” nas cidades, para controlar a mobilidade


dos indivíduos. Esta, que era uma espécie de passaporte interno, devia in-
cluir informações concernentes ao nome, data e local de nascimento, pro-
fissão actual do titular, o local de hospedagem, a duração e as motivações
da deslocação. Para o controlo social dos residentes, o partido-estado, Fre-
limo, decide em 1982 a introdução do cartão de residente (Notícias, 23 de
Junho de 1982; B. Mavanga, in Notícias, 14 de Agosto de 1982).
Os anos 1970 e 1980 foram os que o Estado se mostra fortemente presente no
controlo da mobilidade e no estabelecimento do modelo de organização das ci-
dades. É contudo, neste período que foram estabelecidas as assembleias das ci-
dades, os conselhos executivos, os secretários dos bairros, os chefes dos
quarteirões, os chefes de dez casas, que juntos compunham a Comissão dos ha-
bitantes. Segundo o Notícias de 14 de Junho de 1982, citando um comunicado
do Comité Central do partido-estado de 12 de Junho de 1982, o governo decidiu
introduzir o Cartão de Residente, numa primeira fase na cidade de Maputo e de-
pois se alastraria para as outras cidades.
O objectivo principal era controlar o movimento migratório desorde-
nado do campo para a cidade. Doravante todos os residentes autorizados
nesta cidade deviam possuir este cartão. Os que estivessem lá num período
transitório ser-lhes-ia emitido um documento de permanência temporária.
Estes dois documentos é que tornavam o residente elegível aos serviços ur-
banos. Aos 29 de Fevereiro de 1983 o Ministério da Administração Interna
publica uma circular relativa à circulação das pessoas. Segundo esta a posse
da guia de marcha se torna obrigatória para todos nacionais e estrangeiros
que quisessem se deslocar dum local para outro. Uma vez no destino, devia-
se apresentar, num prazo máximo de 48 horas, às estruturas político-adminis-
trativas, acompanhado dum membro da família acolhedora. Este último, por sua
vez, devia apresentar a sua carta de residência e de identidade. Em caso de mu-
dança do local de residência, era necessário comunicar 48 horas antes às auto-
ridades do local da nova residência, e uma vez no destino, comunicar no mesmo
período às autoridades daí. A não apresentação da guia de marcha podia impe-
dir a deslocação do indivíduo (Notícias, 1 de Março de 1983).
Segundo o discurso oficial, este controlo visava também mobilizar a po-
pulação a participar nas actividades colectivas de produção e organização
da cidade. As ditas Organizações Democráticas de Massa (ODM), a saber
a Organização da Juventude Moçambicana (OJM) e a Organização da Mu-
lher Moçambicana (OMM) e os conselhos de produção nas cidades, como
estruturas de enquadramento, também serviam este propósito. Segundo o

40
REGARDS CROISÉS

discurso oficial para melhorar os circuitos de distribuição e de comerciali-


zação dos produtos básicos, o Sistema Nacional de Abastecimento era ne-
cessário controlar a circulação das pessoas.
Estas medidas ocorrem num contexto de crise generalizada do Estado,
motivada por vários aspectos e que de certa forma irão acelerar o processo
de tomada de decisão.

O Estado-providência em crise?
O Estado dirigente, definido na constituição da República de Moçambique
de 1975, via o seu papel social posto em causa, sobretudo no meio urbano e par-
ticularmente na cidade de Maputo. À excepção do milho e do arroz, a capaci-
dade do Estado de providenciar alimentação à população urbana baixa
consideravelmente nos anos anteriores à OP. Assim, segundo os dados da Co-
missão Nacional do Planeamento, da Direcção Nacional de Estatística, de 1981
a 1982 o aprovisionamento em farinha de milho passa de 58 000 a 55 900 to-
neladas, farinha de trigo de 96 000 a 85 100 toneladas, batata de 20 300 a 15
500 toneladas, peixe de 28 700 a 25 500 toneladas, carne de vaca de 9 600 a 6
400 toneladas, carne de cabrito de 2 000 a 800, carne de galinha de 4 000 a 2
800, cebola de 5 400 a 3 300 toneladas, açúcar de 89 100 a 78 000 toneladas,
óleo de 21 400 a 17 000 toneladas, feijão de 14 900 a 2 100 toneladas. De 1981
a 1982, por causa do fracasso da implementação do Plano Prospectivo Indica-
tivo (PPI), que visava as grandes machambas estatais em detrimento do sector
familiar, a produção baixa na maioria dos sectores do país (Frelimo, 1983).
Já identificados aquando da primeira Reunião Nacional sobre Cidades
e Bairros Comunais de 1979, os problemas de aprovisionamento em ali-
mentos, foram interpretados (aquando do 4° Congresso em 1983) não so-
mente como resultados da destruição da base económica colonial (Frelimo,
1979 (b), mas também como fruto da massiva migração campo-cidade. Para
além destes dois factores, a redução da capacidade do Estado também foi
provocada pela baixa da produção após a independência e pelo fracasso da
produção agrícola (com excepção da agricultura urbana nas “zonas ver-
des”16), incapaz de responder às demandas. Também foi imputada a gestão

16
As “zonas verdes” foram terrenos situados nas periferias das cidades identificados pelas autori-
dades e atribuídos à população urbana para a práctica da agricultura por forma a cobrir o défice
de fornecimento de alimentos nas zonas urbanas. Segundo a visão da Frelimo na época (fim dos
anos 1970 e princípios dos anos 1980) as cidades deviam também, com isso, ser autosuficientes.
Para além da agricultura, estas zonas deviam contribuir para a preservação do meio ambiente,
para a recreação da sua população e para a expansão das mesmas.

41
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

deficiente dos mecanismos de distribuição de alimentos, a implantação ina-


dequada da rede de comércio, em relação ao número de habitantes e as suas
necessidades, o aumento descontrolado dos salários dos dirigentes durante
o governo de transição, a especulação (Frelimo, 1979 (a), a sabotagem eco-
nómica, assim como a agressão do regime de Ian Smith (Rodésia do Sul) e
do Apartheid (África do Sul). Em 1982, a produção baixa nas províncias de
Gaza e Inhambane, províncias estas que forneciam alimentos à cidade de
Maputo. Simultaneamente, a cidade se confronta tanto com a ineficácia do
seu sistema de transportes públicos, incapacidade do sistema educativo de
absorver os jovens, devido ao aumento do efectivo, com a crise do sistema
de saúde e de habitação (Hilário Matusse, Tempo, 21 de Agosto 1983). As
“bichas” para os produtos de primeira necessidade se prolongam a tal ponto
que as pessoas chegavam a não se beneficiar dos alimentos. Para poder
comprar alimentos nas lojas do povo, cada família devia possuir um cartão
de abastecimento (Figura 7).

Figura 7: Cartão de abastecimento

42
REGARDS CROISÉS

O Moçambique dos anos 1980 estava economicamente em crise, prin-


cipalmente pelo colapso do sistema de comercialização, causado pelo aban-
dono massivo dos cantineiros na véspera e após a independência do país.
O conflito armado e a sua expansão a nível nacional agrava a situação econó-
mica levando ao fracasso das aldeias comunais, machambas estatais, sector fa-
miliar e das lojas do povo. Mas também as estradas e caminhos-de-ferro,
muito importantes para a circulação e distribuição de alimentos nas cida-
des do país ficaram total ou parcialmente danificadas. Houve ainda a seca
dos anos 1982-3 afectando o sul do país e criando um défice de 670 000 to-
neladas de cereais. Em resultado desta catástrofe natural, entre 600 000 e
700 000 pessoas foram vítimas de fome em Gaza e Inhambane (Hall &
Young, 1997 : 152). A crise económica e política criava a redução da acção do
Estado-providência que este se pretendia. Segundo Pitcher (2002 : 103) nos anos
1980, a venda dos principais produtos de renda, tais como algodão, açúcar e cas-
tanha de caju derrapa. A redução do volume e do valor das exportações, acom-
panhada dum aumento das importações, leva a um défice estrutural da balança
de pagamentos. Muitas indústrias colapsam e a mecanização da produção agrí-
cola prevista falhou, tornando as machambas estatais menos produtivas. É neste
clima que se realizou o 4º Congresso que tomou uma das principais medidas que
devia minimizar a “crise” urbana em Moçambique.

O 4° Congresso: abertura económica, mas intensificação do controlo social


No quarto Congresso da Frelimo, realizado em Abril de 1983, após a
aceitação da ideia do fracasso do modelo político-social de enquadramento
de medidas políticas e económicas do 3° Congresso do partido, e do fra-
casso do modelo de desenvolvimento, pela direcção do partido-estado, o
discurso sobre o desenvolvimento e a aproximação às instituições de Bre-
ton Woods (FMI e BM) ganham gradualmente espaço. Um país afectado
por um conflito armado e calamidades naturais, fortemente endividado (par-
cialmente por causa do fim das receitas em ouro, vindas da África do Sul
pagas aos trabalhadores mineiros, o aumento das importações e a redução
das exportações), num contexto de crise internacional, não teve grandes es-
paços de manobra. A pressão sul-africana (potência económica regional e
país vizinho) também se fazia sentir17. Para além do mais, a política da

17
Não é por acidente que o governo assinou o Acordo de Incomati em Março de 1984, um acordo
de não agressão e boa vizinhança com o país vizinho, uma potência regional sob o regime segre-
gacionista do apartheid.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Frelimo na sua fase radical, que não beneficiava a economia rural desen-
corajou sem no entanto, permitir a emergência duma nova ordem econó-
mica sustentável: é neste contexto que o país não terá mais escolha.
Como diz Cahen (1987 : 34 – 37), no princípio dos anos 1980, Samora
Machel (então presidente da República) sabia que a URSS refutaria a en-
trada de Moçambique no Conselho de Ajuda Mútua Económica (CAME).
Isto significava que a União Soviética não reconhecia a Frelimo como um
partido verdadeiramente socialista e não lhe concedia o apoio massivo ne-
cessário para a sua recuperação económica, apoio militar, fornecimento de
equipamento e treinamento do seu exército. Mas também a União Soviética
já apoiava Cuba e o Vietname. Não estavam interessados em apoiar um
outro país do “terceiro mundo”. Assim, os dirigentes do país já realizaram
nesta época, a necessidade de se curvar ao Ocidente. É parcialmente por
este motivo que o PPI, apesar da sua orientação ainda do tipo socialista, foi
paradoxalmente fundada sob a hipótese dum apoio do Ocidente.
Donde a necessidade de aderir às instituições de Breeton Woods, tais
como o Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI)
e à convenção de Lomé e a necessidade de negociar com o regime de Apart-
heid vizinho, para a transição económica. Transição económica liberal, que
na percepção da elite dirigente da Frelimo não significava transição política
para a democracia18. A assinatura do Acordo de Inkomati, aos 16 de Março
de 1984 com a África do Sul, precedida por reuniões em Nkomatiport-
África do Sul e em Mbabane-Suazilândia em 1982 e 1983 respectivamente,
vem mostrar esta tendência de transição. Prevendo o fim das agressões e
boa vizinhança entre os dois países, o fim do apoio sul-africano à Renamo
e moçambicano aos membros do Congresso Nacional Africano (ANC), este
acordo permitiria o desbloqueio da ajuda americana ao país, principalmente
em alimentos (Hall & Young, 1997 : 149). Na mesma lógica, Joaquim Chis-
sano, na qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros, fez a sua pri-
meira visita oficial à Alemanha Ocidental em 1982, o que permite o apoio
deste país à Moçambique. O reconhecimento da Alemanha Federal abre as
vias para a adesão de Moçambique à convenção de Lomé e para a ajuda da
Comunidade Económica Europeia. Com Portugal, vários acordos foram
assinados em 1982, até no domínio da cooperação militar.

18
Esta informação resulta duma conversa-entrevista com Michel Cahen, pesquisador no antigo Cen-
tro de Estudos da África Negra de Bordeus, na França.

44
REGARDS CROISÉS

Fiel à sua política de não-alinhamento, mas doravante no estabeleci-


mento de relações com o Ocidente, a fim de atrair os investimentos destes
países, Moçambique organiza uma tourné a cinco países da Europa Oci-
dental, nomeadamente Inglaterra, Portugal, Bélgica, Holanda, França e tam-
bém a Jugoslávia, nos anos que precedem a OP (Hall & Young, 1997 : 143).
É neste momento, que nos finais de 1982 e nas vésperas do 4° Congresso
(Abril de 1983) que as primeiras medidas para a liberalização da economia
do país são tomadas. Em 1983, Moçambique participa pela primeira vez
numa reunião do FMI (Hall & Young, 1997). Doravante e com mais ên-
fase a crise económica do Estado foi vista como o resultado duma omni-
presença do Estado e da sua “excessiva” intervenção no mercado. Embora
na prática ela fora resultado do abandono das empresas pelos colonos na
véspera e após a independência. Medidas liberais, tais como o alargamento
do espaço de actuação do sector privado e a revisão dos preços para esti-
mular o investimento, foram perspectivadas. O governo abandona gra-
dualmente o controlo excessivo dos preços de muitos produtos básicos tais
como açúcar, sal, farinha de milho, arroz e mais; e certas machambas esta-
tais foram cedidas a empreendedores privados. O Sistema Nacional de
Abastecimento também começa a desacelerar.
Paradoxalmente, é neste momento que também cresce a pressão polí-
tica e social contra a expansão do sector informal nas cidades. Com uma
parte crescente da população no desemprego, a redução da capacidade de
intervenção do Estado, um conflito armado que impedia o desenvolvimento
da agricultura e a circulação dos produtos entre o campo e a cidade e
mesmo para o estrangeiro, o sector informal (que já existia em pequena es-
cala) apareceu como a única saída para a população desempregada e de
baixo rendimento sobretudo nas zonas urbanas. Por exemplo, segundo os
dados fornecidos pelo Conselho de Coordenação do Censo, em 1983 havia
na cidade de Maputo 739 077 habitantes residentes, dos quais 382 933 ho-
mens e 356 144 mulheres, onde 314 191 tinha pelo menos 18 anos, idade
economicamente activa. Segundo Maria C. Mendes (1985), em 1978 o prin-
cipal problema de Moçambique em geral ; e particularmente de Maputo, a
cidade mais afectada pelo êxodo rural massivo, era o de aprovisionamento
alimentar para os seus habitantes. Dada a incapacidade do Estado de abas-
tecer a população em alimentos básicos, os pequenos comerciantes infor-
mais emergiam necessariamente. Como indica Vivet (2015:137), embora já
se manifestava antes, nos anos 1980 acelera a emergência do sector infor-
mal, que é parcialmente o resultado da ruptura da economia e a incapacidade

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

do estado de garantir o fornecimento de produtos básicos nas cidades, para


uma população cada vez mais crescente. O mesmo argumento também é
avançado pela Frias (2006). Para Machaieie (1997), o sector informal era
dominado por mulheres e uma parte significativa eram mães solteiras, tam-
bém visadas pela Operação Produção.
Sob diferentes formas de manifestação do crescimento urbano dos anos
sucessivos à independência, suscitava no seio do partido e do Estado, um
sentimento de fragilidade do monopólio da coerção legítima. Este senti-
mento leva ao endurecimento de medidas de restrição do acesso às cidades
e de controlo social, tendo por finalidade reforçar e consolidar o poder do
Estado e impor sua visão de organização política, social e económica da
“nova sociedade”, rebuscando a pequena cidade, limpa, ordenada e sub-
missa, do período colonial, apesar do discurso político que apela à uma
ruptura com o legado colonial.
O processo de tomada de decisão acima de tudo, foi produto da percep-
ção relativa aos fenómenos sociais da época. A Frelimo já estava de longe
preparada para a liberalização económica, mesmo se isso tivesse que levar
o seu tempo. Mas paradoxalmente, pelo que a implementação da Opera-
ção mostrará adiante, ainda não abandonara o seu paternalismo autoritário,
de querer “organizar” e “controlar” todos aspectos da vida social da popu-
lação.
Segundo a percepção partilhada e apropriada colectivamente no seio da
elite dirigente do partido-estado, Frelimo, a viragem económica liberal iria
provocar a aceleração do crescimento urbano se o estado funcionasse no
modelo “Laissez-Faire Laissez-Passez”. Havia o risco, em todo caso ima-
ginado e sentido, duma perda do controlo, que a cidade seria penetrada pelo
“inimigo”. Se a economia doravante liberalizada iria trazer crescimento da
população urbana, então era necessário fazer uso da força política para im-
pedir. Na época, a Frelimo ainda não se apercebe da contradição entre as
estas duas orientações que estava disposta a abraçar, como veremos no ca-
pítulo seguinte.

46
REGARDS CROISÉS

CAPÍTULO 3
Conteúdo ideológico da Operação Produção
Quais as diferentes interpretações da Operação Produção? Que signifi-
cado político pode ser atribuído? A sua implementação foi numa lógica do
individualismo metodológico ou de redes de autores políticos e de organi-
zações? Que relação pode-se estabelecer entre esta Operação e a desordem
social urbana? Este capítulo gravita sobre estas questões e traz uma expli-
cação desencantada da OP. Ela foi objecto de várias reflexões, das mais
simplistas, rápidas e caricaturais, até às mais sofisticadas no meio acadé-
mico. Sempre tendo em conta os seus elementos, e sem querer impor novas
respostas, vamos confrontar estas diferentes interpretações num contexto
mais abrangente da produção social da política.

Reenviar os “parasitas” ou proteger as conquistas da Revolução?


A OP é interpretada de diferentes maneiras em função da natureza das
fontes, dos interesses políticos ou da corrente epistemológica. O partido-
estado Frelimo apresenta-a como uma medida político-administrativa em
nome da legalidade revolucionária19 de intervenção social para erradicar os
males sociais (principalmente criminalidade e prostituição) nas cidades, e
para tornar úteis à sociedade os “improdutivos urbanos”.. Também visava
alcançar os objectivos do desenvolvimento e da formação duma nova so-
ciedade moçambicana, despida dos valores do colonizador20.
Como indica Manuel de Araújo (2003) a Frelimo dos anos 1980 viu a
migração do campo para cidade como um fenómeno que colocava proble-
mas para o desenvolvimento e para o modelo de organização da cidade “so-
cialista”. Dinnerman (2009 :195), fazendo referência à uma intervenção de
Joaquim Chissano21, apresenta a criminalidade urbana e o massivo êxodo
rural, que deviam ser erradicados pela implementação da OP, como uma he-
rança colonial da qual era necessário se livrar. Nesta perspectiva, a implemen-
tação desta Operação, para erradicar os defeitos coloniais presentes na nova
sociedade moçambicana, enquadra-se no esforço pós-colonial de afirmação
19
Palavra pronunciada por Teodato Honguana, vice-ministro da Administração Interna. Esta pala-
vra é recorrente no discurso político da época.
20
Teodato Honguana, entrevistado aos 5 Janeiro de 2010.
21
Presidente de Moçambique logo após a morte de Samora Machel, até 2004.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

e de consolidação do poder da Frelimo. Esta perspectiva de deslocamento


duma parte da população para afirmação e consolidação do poder estatal,
está também presente em Jeffrey Herbst (2000 :147) logo que ele vê a re-
moção forçada para o campo de cerca de cinco milhões de etíopes entre
1984 e 1986, como reflexo dum projecto estatal de construção e de conso-
lidação do seu poder.
A mesma perspectiva é apresentada pela Anne Pitcher (2002 :121), quando
ela explica a OP como uma patologia burocrática, através da qual o Estado
visava mostrar o seu monopólio da violência legítima, expulsando os “inde-
sejáveis”. Para Michel Cahen (2008 :168), a OP é típico do imaginário da
nação e do Estado da Frelimo. Para tal, era necessário primeiro “formalizar”
(no sentido do sector formal) a população para depois modelar a sociedade
de acordo com o paradigma da modernização autoritária acelerada, sem que
a dita população fosse interrogada sobre as suas próprias aspirações.
Paul Jenkins (2009: 97) funda seu argumento sobre elementos de urba-
nização e de desenvolvimento para explicar a OP. Para este o fracasso dos
programas de desenvolvimento dos anos 1970-80 e a crise política subse-
quente, reflecte a marginalização de Moçambique pela economia global e
particularmente da região austral de África, criando uma espécie de discri-
minação urbana. Esta operação foi também uma forma de relaxar a pressão
demográfica nas cidades e em particular na de Maputo22, no contexto do
plano de urbanização básica dos anos 1980. Fabrice Folio (2005) explica
essa operação como uma resposta à necessidade de gerir de forma racional
as cidades moçambicanas, principalmente a de Maputo e da Beira, num
contexto de aumento da criminalidade e da violência. Brigitte Lachartre
(2000 :125), que utiliza frequentemente o termo cidade socialista (aqui em-
prestado), para falar de Maputo dos anos 1970 e 1980, vê a OP como re-
sultado da intolerância crescente do regime da Frelimo face à uma situação
de degradação da situação urbana, atribuída à indisciplina das populações
e da sua tendência ao parasitismo. Ao designar de cidade socialista Lacharte
sublinha e enfatiza o exercício do controlo social que era típico do modelo
de gestão urbana dos antes da viragem liberal. Daí que a OP, na sua óptica
é introduzida também como um elemento para exercer com eficácia este
controlo numa situação de degradação da condição urbana, segundo o mo-
delo de desenvolvimento urbano socialista.
As entrevistas feitas a alguns membros da direcção da Frelimo mostraram
22
Pois ele fala exclusivamente da cidade de Maputo.

48
REGARDS CROISÉS

percepções diferentes ou complementares sobre os objectivos desta opera-


ção. Enquanto Teodato Honguana (Entrevista, 5 de Janeiro de 2009), su-
blinha o carácter pertinente da OP, inserida nos objectivos do
desenvolvimento e do aumento da produção. Alfredo Ngula (Entrevista, 23
de Dezembro de 2009), enfatiza o aspecto coercivo da mesma operação.
Para este, assim como para Teodósio Luciano (Entrevista, 8 de Janeiro de
2009), o fim era limpar as cidades de todos aqueles que eram concebidos
como indesejáveis e “parasitas”. É por esta razão que aqueles que foram
identificados como tal, foram conduzidos para longe de Maputo e Beira e
por isso também que esta operação foi mais severa nestas duas principais
cidades.
A explicação do processo de tomada de decisão que leva à OP, neste
caso, não pode se restringir aos argumentos avançados para legitimá-la, tais
como criminalidade, prostituição, vadiagem nas cidades e outros males so-
ciais. É necessário considerar o conjunto dos aspectos externos e internos,
formais e informais, teóricos e empíricos e institucionais que tiveram um
papel não menos importante para a sua implementação. Logo após a inde-
pendência, no seu programa de reconstrução nacional e da luta contra a de-
pendência externa, a Frelimo prevê o estabelecimento dum novo sistema de
produção, com um discurso que remete um pouco àquele do início da re-
volução chinesa (Goldstein, 1988 : 220-221). Tudo podendo partir da von-
tade política, a produção era um “acto de militantismo e de patriotismo”
(José, 1987 : 147). Segundo a resolução N° 2 de 23 de Março de 1983 pu-
blicada no Boletim Oficial, o ano de 1983, que é o da implementação da OP
fora definido pelo Comité Central do partido como o da produção e do re-
forço da economia. A OP se insere bem na perspectiva ideológica global do
partido-estado, Frelimo. Sua visão de modernização, do progresso, do de-
senvolvimento económico e social, se apoiava sobre uma produção agrícola
impulsionada e sobre a reorganização do estado que, segundo o discurso
devia se desfazer do legado colonial, da qual a cidade colonial tardia (1960-
1975) era um protótipo. A resolução 5/84 da 12ª sessão da Assembleia Po-
pular de Moçambique identifica as linhas directrizes desta visão: a paz e a
tranquilidade, o desenvolvimento da economia nacional, tais eram as pala-
vras de ordem. Para preencher estas orientações, a OP devia acontecer de
forma permanente e com a participação de toda a máquina estatal e as “or-
ganizações democráticas de massa”, principalmente a OMM e a OJM.
O projecto modernista da Frelimo imediatamente após a independência e de
antes da viragem liberal, a sua visão de progresso e de desenvolvimento, baseado

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

numa visão de sociedade onde o desenvolvimento colectivo é dominante,


não era compatível com o “desemprego”, que era considerado resultado da
preguiça individual ou da falta de vontade de trabalhar. Nalguns aspectos
à semelhança da percepção do governo colonial português, os desempre-
gados eram vistos como pessoas que tinham escolhido livre e deliberada-
mente não se dedicar a uma actividade produtiva, num país recentemente
independente, que tinha necessidade de dinamizar a sua produção. Estas
pessoas fomentavam uma mentalidade errada do desprezo pelo trabalho
manual e principalmente pelo trabalho agrícola no campo e queriam ficar
na cidade, beneficiando do trabalho dos outros, consumindo sem produzir,
ou breve parasita. Sem um emprego remunerado, estes eram potenciais cri-
minosos, prostitutas, vadios e deviam ser integrados num programa de pro-
dução (Domingo, 7 de Agosto de 1983). “O Homem Novo23” de
Moçambique recentemente independente devia produzir para a recuperação
económica do país. Pelo seu trabalho ele se tornava um homem útil à sua
sociedade e menos susceptível ao crime e a prostituição. O trabalho e a pro-
dução eram as forças motrizes do desenvolvimento da sociedade. O drama do
“desemprego” (herança colonial) devia ser eliminado, o que implicava o des-
locamento da população no vasto território do país (Machel, 1977 : 141).
Segundo a ideologia modernista e puritanista da Frelimo, assim como
aconteceu no Código do Trabalho Indígena, o trabalho é unicamente aquele
considerado moderno, formal, qualificado e inserido na visão do sistema
económico e social vigente. Todos os que se dedicavam à venda no sector
informal, geralmente apelidados de candongueiros24 não eram considera-
dos trabalhadores ou “produtores” e deviam assim ser conduzidos ao campo
para se dedicar à uma “actividade produtiva”. À este nível há uma proxi-
midade, um paralelismo entre a ideologia autoritária da Frelimo e a do
governo colonial português.
Assim, longe do discurso político, não é objectivamente o crime ou a
prostituição, ou ainda a vagabundagem que estão na origem da OP mas
sim, a percepção, a idealização e a construção da ameaça que estes fenó-
menos urbanos comuns representavam para o projecto de construção duma
23
Este é o protótipo o ideal-tipo do homem compatível com a visão da revolução socialista, o militante
da vanguarda que o partido-estado forjou desde os tempos da luta anti-colonial, nas zonas liberta-
das. Segundo a ideologia do partido o homem novo, destituído dos valores coloniais devia inflectir
e ser implementador dos ideiais do desenvolvimento colectivo tal e qual definido pela Frelimo.
24
Mercado Negro ou informal onde a cobrança do imposto não era praticado ou era, mas de forma
deficiente. Uma parte dos actores do mercado que escapam à capacidade do estado de formalizá-
los e daí recolher impostos pela actividade comercial.

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REGARDS CROISÉS

sociedade total moderna e pura, sem os vícios do sistema explorador de


classes, contra o qual o partido-estado Frelimo lutou. O partido-estado apre-
senta a luta contra o crime e prostituição, que eram as premissas para a im-
plementação da Operação Produção como uma luta contra a sociedade
feudal e capitalista, a sociedade de classes, de exploração do homem pelo
homem, a sociedade colonial. Assim, combater o crime significava tam-
bém o processo de construção e consolidação da revolução socialista. O
documento (Tempo, 19 de Outubro de 1980) apresentado pelo governo da
Frelimo no Sexto Congresso das Nações Unidas sobre “Prevenção Crimi-
nal Tratamento do Delinquente em Caracas”, Venezuela em 1980, revela
esse posicionamento oficial do governo sobre o crime, as suas causas e ori-
gens e a forma de combatê-lo. Portanto, mais uma vez não é o crime ou a
prostituição em si. Mas aquilo que ele representa é que constituí a argu-
mentação prática dominante e aceite e que conduziu a OP para lhe enfren-
tar. Como argumentam Allison e Zelikow (1999:3), no seu tratado sobre os
mísseis em Cuba, a tomada de decisão não depende somente das evidências
acessíveis aos intervenientes, mas também do sistema de referências pelo
qual o fenómeno em questão é percebido. Os “desempregados” (sem tra-
balho formal) vistos como preguiçosos, era necessário lhes fazer trabalhar
para o bem da sociedade, mesmo se para tal fosse necessária a coerção,
prevista na segunda fase da OP. Segundo a sua visão de organização, so-
cialista, das cidades assumida e partilhada no seio da Frelimo, estas pessoas
eram não somente potenciais criminosas, prostitutas e vagabundas, mas
também uma ameaça às conquistas da Revolução.
O potencial perigo para a Revolução era provavelmente mais importante
do que a criminalidade real. Pois, objectivamente, a criminalidade no iní-
cio dos anos 1980 não era assim tão significativa (Serra, 1990). A crimina-
lidade sofrera uma redução importante antes mesmo da implementação da
OP, tendo os casos registados baixado de 32 473 em 1982 para 22 776 em
1983. Antes de 1983, o governo implementara nas cidades as “rusgas” e as
“campanhas selectivas” e aqueles que fossem identificados como crimino-
sos ou prostitutas eram presos, com ou sem julgamento, outros enviados
aos “campos de reeducação” para se submeter aos programas musculosos
de reinserção social.
Segundo o discurso apresentado por Samora Machel, no dia 21 de Maio
de 1983 (Partido Frelimo, 1983) onde comunicou ao público as decisões do
4º Congresso (uma das quais a evacuação dos improdutivos das cidades),
o crime registara o seu baixo índice de sempre, durante o congresso. Não

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

houve nenhum homicídio, nem assalto a mão armada e nem roubo violento
em Maputo, apesar de ter havido cerca de seis roubos não violentos e duas
agressões graves. Em todo o país o número de incêndios, de violações con-
tra pessoas reduziu para a metade. Roubos, assaltos a casas e outros crimes
reduziram cerca de 20%. Esta redução, segundo o discurso (Partido Fre-
limo, 1983) deveu-se, não a evacuação dos improdutivos como a OP iria
implicar, mas sim, ao aumento da vigilância popular e pelo papel decisivo
da PPM e das forças da defesa na protecção do povo. Uma questão se impõe
aqui: Porquê é que a liderança da Frelimo insiste na ideia da OP se esta
mesma liderança concluiu que a redução do crime não estava associada a
evacuação dos improdutivos, mas sim ao envolvimento popular na vigi-
lância e ao reforço da PPM e das forças da defesa ?
Marcelino dos Santos, na altura membro do bureau político da Frelimo
e governador de Sofala (Notícias, 9 de Agosto de 1983) e Teodato Hun-
guana, na época um dos vice-ministros da Administração Interna (Notícias,
20 de Agosto de 1983) apresentam a OP como uma ofensiva organizacio-
nal para além da luta contra o desemprego: ela devia também purificar a ci-
dade dos parasitas que criavam espaço para infiltração do inimigo. Ela era
uma reedição da experiência da luta anti-colonial, estreitamente ligada ao
processo da revolução nacional-democrática-popular (Naftal Donaldo,
Notícias, 20 de Agosto de 1983).
Inspeccionando até as residências, a OP difundia a ideia segundo a qual
era necessário proteger e valorizar as conquistas da Revolução contra a “sa-
botagem” dos bandidos armados e os inimigos dessa Revolução, e contra
uma ameaça de infiltração dos bandidos armados até ao centro urbano (No-
tícias, 10 de Outubro de 1983). É assim que foram criadas as brigadas de
controlo do parque imobiliário do Estado, constituídas pelo MI, APIE e
OMM (Notícias, 23 de Julho de 1983). Esta ideia de ligação entre essa ope-
ração e a protecção das conquistas da «Revolução» é também visível na
afirmação de Alberto Massavanhane:
«A inspecção das casas… é sobretudo uma acção política… enquadrada na
OP que tem por objectivo a valorização da nacionalização das casas, uma
conquista maior da revolução…» (Notícias, 29 de Julho de 1983).
Na verdade, a inspecção às casas era restrita àquelas formais, onde antes
estavam os portugueses, e que foram tomadas pela população africana, após
1975. Mas também aqui as rendas das casas foram mantidas baixas. Fre-
quentemente calculadas como uma percentagem do salário, em vez de

52
REGARDS CROISÉS

fixado ao valor comercial do imóvel. Isto permitiu que muitos, que antes vi-
viam nas casas de caniço25, na periferia das cidades, ocupassem as casas.
Não sendo capazes de pagar a renda, o estado assumiu que fossem “im-
produtivos”, sem salários. Isto sugere que se tratava de expulsar os resi-
dentes “informais”, sem salário e por fim sem condição de pagar a renda,
a fim de os substituir pelos residentes “formais”. Segundo o modelo da Fre-
limo de organização das cidades, somente os “capazes “ deviam residir na
cidade-cimento, não as pessoas “incapazes”. As conquistas da Revolução
das quais fala Massavanhane, é a propriedade do estado sobre os imóveis,
que este pretende rentabilizar. Daí que era necessário expulsar todos aque-
les que não podiam pagar a renda ou os que destruíam as casas.
Nos finais dos anos 1970 e sobretudo num contexto de conflito armado,
o modelo de ordem política que a Frelimo pretendia impor logo após a in-
dependência se ressente duma ameaça. A cidade era vista como local de
possíveis manobras dos inimigos da Revolução. Da mesma forma que nas
“zonas libertadas” durante a luta anti-colonial, também era necessário in-
teriorizar nos habitantes das cidades a disciplina partidária e o trabalho co-
lectivo para fazer dos bairros uma das bases para o desenvolvimento das
“relações sociais socialistas”. Neste momento, foi desenvolvido o conceito
de bairros comunais26. Era necessário prestar uma atenção particular aos
jovens, para que estes pudessem desenvolver actividades produtivas: a ci-
dade sendo um local central de luta de classes, e os jovens potenciais con-
sumidores de diversas ideologias, podiam, sem o enquadramento político
do partido, ser um perigo à consolidação das conquistas da independência
e um viveiro de tensões latentes nas cidades.
Contudo, longe do que foi apresentado e assumido no discurso sobre o
“Homem Novo” e sobre o objectivo de tornar este homem útil à sociedade
(Tempo, 19 de Junho de 1983), a OP se mostrou na prática distante deste
objectivo. Tratava-se de eliminar da cidade os “indesejáveis”. Muitas pes-
soas foram arbitrariamente expulsas. Assim, Bento José que antes era fun-
cionário da Comissão dos Habitantes do bairro George Dimitrov, mas que no
momento da OP se encontrava desempregado, foi expulso (Notícias, Junho de
1983). José e outras pessoas que viveram a mesma experiência, não eram pa-
rasitas da cidade, não eram preguiçosos nem inúteis à sociedade urbana,
25
Casas construídas de material precário.
26
Aqueles cujos habitantes assumem tarefas políticas e de organização, tarefas de produção e do
aprovisionamento de mercadorias, tarefas de desporto, educação, saúde, de ordem e segurança
pública.

53
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

sobretudo, tendo em conta a crise da produção que atravessava o país, com o


colapso da maior parte das empresas e a elevada taxa de desemprego.
Assim pode-se compreender a escolha dos locais mais distantes de Ma-
puto e Beira. É também este objectivo não assumido que permite explicar
a diferença entre a OP e os campos de reeducação. Nestes últimos os con-
denados, uma vez o período de reeducação terminado, podiam retornar às
suas zonas de origem, no caso de terem sobrevivido as condições duras nos
acampamentos. Contrariamente, os afectados pela OP eram enviados para
se estabelecerem definitivamente em Niassa e Cabo Delgado, apesar dal-
guns terem retornado. O facto de esta Operação ter abrangido também os
Testemunhas de Jeová e os curandeiros27 sugere que a questão central não
era somente a produção, pois os Testemunhas de Jeová e os curandeiros,
não careciam de meios para habitar nas cidades, e não eram improdutivos.
Mas a sua presença nas cidades podia ser uma ameaça para o projecto po-
lítico da Frelimo, mesmo que fossem socialmente úteis à população urbana,
que procurava as suas prestações. Aliás, os Testemunhas de Jeová já vi-
nham sendo alvos de negação pelo estado antes da Operação Produção,
quando, por exemplo, recusavam a respeitar a bandeira nacional, um sím-
bolo do poder do estado. A mobilização de vários segmentos do estado e so-
bretudo as instituições de defesa e segurança, a exigência do cartão de trabalho,
o bilhete de identidade e o cartão de residência como condição para não ser en-
viado às zonas rurais, num país onde as suas instituições tinham dificuldades
para produzir estes documentos, com um mercado de trabalho em crise, com
uma forte taxa de desemprego, a movimentação de pessoas (algumas das quais
trabalhavam) do extremo sul do país para se instalarem obrigatoriamente no
extremo norte, e a total falta de preparação na recepção destas pessoas para a
sua integração nas supostas “actividades produtivas”, tudo isto torna difícil o
estabelecimento do vínculo entre a OP e a dinamização da produção e a rup-
tura com o legado colonial. Uma entrevista com Sérgio Vieira (6 de Agosto de
2015) revela que nalgumas províncias os governadores não tinham onde in-
tegrar os evacuados. E não havia falta daquela mão-de-obra nas províncias
para onde os supostos “improdutivos” eram enviados. A OP é mais perceptí-
vel como uma medida que visava a protecção das conquistas da revolução e
da ideologia do “Homem Novo”, compreenda-se como protecção das con-
quistas do Estado e a ideologia de promoção duma moçambicanidade, sem
enquadramento histórico, modelada somente pelo partido.
27
Médico tradicional e adivinho. Para mais detalhes ver Tempo 28 de Agosto de 1983.

54
REGARDS CROISÉS

Enviar para nunca mais regressarem : como foram escolhi-


dos Cabo Delgado e Niassa?
A decisão de enviar os “parasitas” à Niassa e Cabo Delgado foi justifi-
cada de diversas maneiras. Para o governo da Frelimo, a ideia segundo a
qual Niassa tinha um potencial natural para o desenvolvimento da produ-
ção agrícola para todo o país e podia ser transformado numa “cidade rural”
ou a “urbanização do campo”, já estava presente durante a luta anti-colo-
nial, assim como os portugueses também sonhavam numa colonização mas-
siva dos altos planaltos de Lichinga, em Niassa. O livro de Mondlane,
intitulado Lutar por Moçambique mostra a percepção da Frelimo sobre o
papel de Niassa para o desenvolvimento da agricultura e víveres. Nas de-
cisões do segundo Congresso (Julho de 1968 durante a luta anti-colonial),
que reelege Mondlane à presidência da Frente, a produção nas zonas liber-
tadas aparece como uma prioridade para o avanço da luta contra a coloni-
zação e para de seguida reiniciar a economia e construir o novo
Moçambique (Mondlane, 1975 : 192). Esta percepção é reproduzida, por
exemplo num discurso de Samora Machel (Tempo, 19 Junho 1983) sobre o
potencial agrícola do país e levou à identificação de 400 000 hectares de
terra para a produção agrícola, no contexto dos esforços para a recuperação
económica e da OP. Para o partido-estado a ideia era mesmo de incitar a
produção, era a justificação central da implementação da medida, mesmo
se os objectivos e as motivações tenham sido diferentes. Para a então ideo-
logia da Frelimo a produção é percebida como um instrumento para a trans-
formação da sociedade e do pensamento (Frelimo, 1977 : 22). A produção
é também um acto de militantismo (Notícias, 14 de Agosto de 1978).
O discurso sobre a intenção de redistribuir, de forma equilibrada a po-
pulação por todo o país também teve o seu papel, dentre as razões que le-
varam à escolha de Niassa e Cabo Delgado. Esta foi concebida como uma
das prioridades desde os primeiros anos da independência. Niassa e Cabo
Delgado eram as zonas menos povoadas e com um potencial agrícola quase
não explorado: não podiam não ser os locais privilegiados para a OP. A re-
distribuição equilibrada da população no vasto Moçambique, a exploração
do potencial agrícola de Niassa e de Cabo Delgado como solução para a re-
cuperação da economia, tiveram sem dúvida seu lugar na escolha dos locais
de reassentamento, é o que mostra o discurso que legitima a OP. Armando
Guebuza, em visita a Niassa em Agosto de 1983 afirma que Niassa, que
tinha somente cerca de 500 000 habitantes, na altura, tinha capacidade para

55
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

acolher os 13 milhões de moçambicanos que habitavam todo o Moçambi-


que. As terras eram férteis, a pluviosidade era regular, diferentemente do sul
do país, que fora afectada pela seca naquele ano (Albano Naroromele,
Notícias, 14 de Agosto de 1983).
Contudo, uma análise cuidadosa doutros elementos sugere outras razões
que tenham contribuído para o envio de maior número de improdutivos a
Niassa e Cabo Delgado. Dificultar o retorno à cidade dos afectados era
outro objectivo a considerar, já que a “limpeza” das cidades dos “impro-
dutivos” era um aspecto central e prioritário desta Operação. Esta ideia era
partilhada no seio da elite política da época. Niassa e Cabo Delgado para
além de terem um potencial agrícola e de serem as províncias menos po-
voadas do país, estavam suficientemente longe (pelo menos de Maputo e
Beira) para dissuadir os afectados de regressarem (T. Honguana, entrevis-
tado aos 5 de Janeiro de 2009 ; A.J. Sitoe, entrevistado aos 21 de Maio de
2010). Lichinga, capital de Niassa e Pemba, capital de Cabo Delgado, estão
à 2 807 e 2 578 KM de Maputo e à 1 447 e 1 676 Km de Beira. Os afecta-
dos, transportados em avião de Maputo e/ou Beira, aterravam nos aero-
portos destas capitais provinciais antes de serem conduzidos aos seus
destinos.
Num contexto de conflito armado, onde os meios de transportes eram
pouco acessíveis, onde havia o risco de ataque permanente, onde as estra-
das e caminhos-de-ferro, por onde as viaturas e os comboios deviam pas-
sar, estavam destruídas, era quase que impossível para os afectados
regressar à Maputo ou mesmo à Beira. Seria ainda mais difícil regressar às
zonas de origem sem a guia de marcha, que eram um documento obrigató-
rio para este tipo de deslocação. Pode-se medir a vontade política que pre-
side a estas expulsões tão distantes do facto que, mesmo num contexto de
crise económica e endividamento acentuado do Estado, aviões foram re-
quisitados para o transporte de “improdutivos”, enquanto a província vizi-
nha de Maputo, Gaza, tinha também um forte potencial agrícola. A maior
grande farma estatal o Complexo Agrícola e Industrial de Limpopo (CAIL)
estava aqui. Mas contrariamente àqueles afectados pelos campos de ree-
ducação, os da OP não deviam regressar. Eles deviam se instalar definiti-
vamente principalmente em Niassa e Cabo Delgado, numa verdadeira
operação autoritária de colonização interna. Inútil de dizer que as popula-
ções não foram nem consultadas, nem preparadas para a recepção desta
massa neo-urbana sulista, que não lhes podia perceber se não como
perfeitos estrangeiros.

56
REGARDS CROISÉS

Operação Produção: uma política pública?


Segundo Pierre Muller (2000), Yves Meny e Jean-Claude Thoening
(1989) não existe problema político por defeito. Trata-se numa primeira
fase dum fenómeno social, percebido como apelando à um debate público
e necessitando duma intervenção das autoridades políticas legítimas atra-
vés dum processo, onde o simbólico, a representação e o referencial tem um
papel fundamental. A partir desta visão de construção duma política pú-
blica, como um processo sequencial ou não, de transformação dum facto so-
cial num problema político, os estudos de Anne-Laure Maubert (2003) no
caso do Canadá e de Bryan Jones e Frank Baumgartner (2002), no caso dos
Estados Unidos da América, mostram como nos dois casos, a criminali-
dade era representada, construída e apresentada na linguagem do jogo po-
lítico, de tal forma que levou à políticas públicas.
A preocupação de viver num ambiente onde a violência e a criminali-
dade não constituem problemas maiores, faz parte dos esforços políticos
dos governos, sobretudo no meio urbano, lugar de atracção de pessoas de
diferentes origens, com diferentes trajectórias sociais, tendo por vezes in-
teresses divergentes e sujeitos às desigualdades gritantes e onde a incidên-
cia da criminalidade tende à ser mais significante. É assim que na
linguagem política, a erupção da OP em Moçambique nos anos oitenta é ra-
cional. Pelo facto do forte controlo social consubstancial do modelo polí-
tico da Frelimo, das milícias populares, das “rusgas” da polícia e da
presença dos militares nas cidades, a prostituição e o crime não constituíam
por si só problemas políticos suficientemente graves para justificar a im-
plementação da OP, muito menos ainda para justificar o seu carácter coer-
civo (António Frangoulis, entrevistado aos 12 de Abril de 2016). Os
“marginais”, os “improdutivos”, as mães solteiras, os Testemunhas de
Jeová, os curandeiros foram apresentados na linguagem política como um
perigo para uma sociedade que se pretendia ordenada e organizada. Os dois
últimos (Testemunhas de Jeová e curandeiros) eram ainda considerados
obscurantismo. É esta percepção e esta forma de representação e construção
do problema social, próprio das análises de políticas públicas, que leva à im-
plementação da OP. Como já indicamos acima, as estatísticas da criminali-
dade não eram assim tão inquietantes aquando da implementação da OP.
Para estimular a produção, o governo já tinha implementado a sua estraté-
gia de socialização do campo, as aldeias comunais, as machambas estatais. A
agricultura já tinha sido definida como a base para o desenvolvimento e devia

57
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

produzir matéria-prima para dinamizar a indústria. E não se encontra uma


articulação entre estas políticas já existentes e a Operação Produção. Aliás
o papel secundário que foi relegado o Ministério da Agricultura na imple-
mentação da OP e o facto de a responsabilidade primária de implementa-
ção desta medida que visava, aparentemente, dinamizar a produção ter sido
atribuída ao Ministério do Interior, reforça a ideia de que ela não estava ali-
nhada com as iniciativas oficiais de dinamização da produção. Com efeito,
o estado foi modificado, novas instituições foram criadas, por exemplo, o
Comando Central Operativo, os Postos de Verificação e os Centros de Eva-
cuação, para evacuar os supostos “improdutivos”. Mas pouco foi feito para
integrar os mesmos em “actividades produtivas”. Nalguns casos até os go-
vernadores provinciais reclamavam do envio de pessoas, às províncias sob
as suas responsabilidades sem uma articulação prévia (Sérgio Vieira, en-
trevistado aos 6 de Agosto de 2015). Os tribunais populares foram mobili-
zados para trabalhar junto aos Postos de Verificação. Os chefes dos
quarteirões, os secretários do bairro, os membros dos Grupos Dinamiza-
dores, a OJM e a OMM foram dispensados das suas funções no sector pú-
blico para servir a tempo inteiro numa Operação que devia “pentear” as
cidades (Partido Frelimo, 1983). Os “improdutivos” foram forjados. Até
uma caricatura deste foi feita, como se pode ver na capa do livro.
Como mostram Meny e Thoenig (1989), com o exemplo da questão do
meio ambiente dos anos 1970, a existência dum problema por si (no caso
de Moçambique a prostituição e o crime) não justifica a intervenção duma
autoridade política nem a adopção duma política para solucioná-lo. É ne-
cessário que este problema (de carácter social) seja percebido pelas autori-
dades políticas como um fenómeno que demanda uma intervenção sob a
forma de decisão. Como diz Thoenig (2004) é necessário que o problema
seja colocado de acordo com a linguagem do jogo político oficial. Isso in-
troduz o conceito de campo cognitivo. Padioleau (2004), acrescenta que a
agenda política tem uma natureza cognitiva, que são os mecanismos atra-
vés dos quais os actores políticos percebem o mundo e formulam as res-
postas que dão. A escolha duma política ou a tomada duma decisão é
afectada pela estrutura do sistema de decisão e pelo campo cognitivo dos
que decidem, que é limitado por defeito.
A liberdade de escolha dos que decidem é fictícia, a decisão tomada é
parcialmente determinada pela forma de formulação das diferentes opções
que os actores políticos não controlam, se não parcialmente (Muller, 2000
: 41; Shepard:, 2004; Thoenig: 2004). Como diz Bourdieu, citado por Braud

58
REGARDS CROISÉS

(2008) existe uma génese social dos esquemas de percepção, de acção e de


pensar que constituem o que ele chama de estrutura social, em todas as ac-
ções políticas. Assim, as intervenções das autoridades públicas legítimas
terão uma dimensão social, onde o simbólico, os esquemas de representa-
ção, tem um papel importante. Para a OP existe um processo de construção,
de codificação política, de representação social de vários fenómenos (cri-
minalidade, prostituição, produção, parasitas, improdutivo) que são apre-
sentados como necessitando duma intervenção das autoridades públicas
legítimas. Desde os primeiros anos da independência (mesmo no período
colonial), a crescente migração campo-cidade foi politicamente codificado
como um perigo para a capacidade de intervenção social e económica e do
monopólio da coerção – para emprestar o termo de Max Weber- do Estado,
supostamente omnipresente.
Na verdade, os ditos “improdutivos”, para além de não serem improdu-
tivos, não constituíam uma ameaça. Com maior ou menor incidência estes
sempre existiram nas cidades moçambicanas (e noutros cantos de África e
do mundo) e continuaram a existir durante e após a OP. Houve muitos afec-
tados que, de facto, produziam para a sua subsistência e das suas famílias,
mas que não podiam provar oficialmente a sua condição de produtor (Ma-
nuel de Araújo, entrevistado aos 20 de Maio de 2010). Mães solteiras esta-
vam obviamente engajadas no sector informal (Machaieie, 1997), os
Testemunhas de Jeová e os curandeiros não eram improdutivos. Mas por-
que representavam ou um desvio obscurantista, a aquilo que era concebido
como ideal-tipo de organização da sociedade moçambicana nova. Ou por-
que não respeitavam os símbolos da nação, como por exemplo a bandeira
nacional, foram “rotulados” de “improdutivos” e assim, acabaram em
Niassa ou outros locais do país no âmbito da OP. Isto sugere a existência
dum processo de construção, de passagem, de catalogação, de “politiza-
ção” dum fenómeno em tanto que político que por lá justificou uma inter-
venção. Mesmo que não tenha havido um registo oficial (pelo menos não
foi acessível durante a realização deste estudo) que autoriza a sua imple-
mentação, a trajectória da OP, sua dimensão nacional, suas repercussões, a
mobilização de vários esquemas para a sua legitimação, lhe atribuem um
carácter duma política pública. Política pública essa que, com base em cri-
térios subjectivos, base da argumentação prática para justificar a interven-
ção do estado, a decisão e a sua implementação para solucionar um
problema representado no discurso político como comum, conseguiu
produzir cerca de 10 000 “improdutivos urbanos”, na cidade da Beira, até

59
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Maio de 1983, um mês antes da implementação da OP (Notícias, 16 de


Junho de 1983).
Mesmo se o país vivia um sistema de partido-estado único, de centra-
lismo, houve uma relação de forças entre diferentes actores-intervenientes
no processo de construção da OP, onde o simbólico, a representação e o re-
ferencial dos actores jogou bastante na tomada de decisão. Os próprios di-
rigentes, no caso dum dos vice-ministros da Administração Interna na época
(Teodato Honguana), atribuem um carácter político, vendo a OP como uma
decisão tomada aquando do 4° Congresso em 1983 e que se encaixa num
dos objectivos da Ofensiva Política e Organizacional do então presidente da
República Samora Machel (N. Donaldo, Tempo, 23 de Setembro de 1983).
Numa das passagens do discurso que Samora Machel, na reunião com os
trabalhadores, disponível no jornal Notícias de 14 de Outubro de 1976, in-
titulado “Unir, Organizar e Disciplinar a Classe Operária Moçambicana”,
está explicita a importância política da produção, que é o elemento legiti-
mador da Operação Produção, e a sua relação com a Ofensiva Política Or-
ganizacional, como se pode ler :
«…Sem produção não é pois possível falar da transformação das relações
de produção … Por isso que nós dizemos que a tarefa essencial na fase ac-
tual é a luta pelo aumento da produção, é a Ofensiva Política e Organiza-
cional Generalizada na Frente da Produção…».
Mais para encontrar a opção mais pertinente para a sua implementação,
do que para discutir a sua pertinência, a OP foi precedida dum debate no
seio do partido Frelimo. As reuniões nacionais sobre as cidades dos finais
dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, o encontro popular de 21 de
Maio de 1983, feito por Samora Machel, um mês antes da sua implemen-
tação, fazem parte deste debate ou de tentativas políticas da sua legitima-
ção e busca de autoridade para a sua implementação. A Operação Produção
foi debatida no 4º Congresso. E, embora tenha havido diferenças sobre a
forma da sua operacionalização, houve um consenso no seio da direcção da
Frelimo de que era importante controlar o crescimento desorganizado das
cidades, que estava na origem da criminalidade, prostituição e desordem
social generalizada. Também foi um consenso, segundo Mari Segundosinhe
(entrevistado aos 29 de Março de 2016) que era importante dar alguma ta-
refa útil, por mais pequena que fosse, aos desempregados urbanos.

60
REGARDS CROISÉS

Aqui estamos longe do modelo sequencial do processo de construção


de políticas públicas, como sugere Charles Jones (Hermet, 2005), segundo o
qual uma política pública acontece de forma rígida em cinco etapas, a saber:
1) a definição do problema,
2) seu tratamento e a análise das diferentes opções possíveis,
3) tomada de decisão e a sua implementação,
4) sua avaliação e
5) encerramento do programa.

Aqui um contexto bem diferente se impõe. Um partido-Estado centrali-


zador, de orientação “marxista-leninista”, militaritarizado28, não deixa es-
paço para debate sobre outras opções, se não a OP. Mesmo se tivesse havido
vozes contrárias, o contexto não lhes era favorável (António Frangoulis,
entrevistado aos 12 de Abril de 2016). Não se podia debater se não a me-
lhor forma de implementar a decisão já tomada e incontestável (Mariano
Matsinhe, entrevistado aos 29 de Março de 2016). O papel do referencial
sugerido por Muller (2000) é claro. Mas, para o caso da Operação Produ-
ção e a trajectória que obedeceu até a sua implementação, as diferentes eta-
pas identificadas por Jones não existem sob essa forma sequencial e não
necessariamente do mesmo número. A tomada de decisão e a construção so-
cial do problema podem ocorrer simultaneamente, mesmo se a aplicação da
decisão possa levar algum tempo. O caso da OP sugere este último modelo.
Para legitimar a decisão e lhe fazer aceitar, como em qualquer relação
de poder, o partido faz apelo a fonte de legitimidade legal-racional, para
emprestar Max Weber (Lagroye, 2006 : 171) na sua tipologia de diferentes
fontes de legitimidade.
Nesta época a Frelimo justificou a OP em nome da legalidade revolu-
cionária, da ideologia do “Homem Novo”, da protecção dos ganhos da re-
volução, da necessidade de dinamizar a produção, para a recuperação
económica dum Estado pós-colonial em crise e para combater o crime:
«As pessoas que não têm uma ocupação formal e produtiva, são potenciais
criminosas, prostitutas, alcoólatras, vagabundos. Estas pessoas são maio-
ritariamente camponeses que abandonam livremente os campos (lá onde
podem produzir) para habitarem as cidades sem nada fazer. Estas pessoas

28
Pois a maioria dos seus dirigentes tem um forte background militar. Eles são igualmente oficiais
das Forças Populares de Libertação de Moçambique, mesmo se para alguns seja somente simbólico.

61
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

não podem habitar as cidades, pois não têm meios, elas são parasitas nas
cidades e constituem um risco para a preservação das conquistas da revo-
lução. Por este motivo é necessário lhes expulsar e lhes fazer produzir para
o bem da sociedade» (Narciso Castanheira, in Tempo, 4 de Setembro
de 1983).
Foi nestes termos que a OP foi justificada e implementada. A extensão
da definição social do risco mostra bem que se tratava dum meio social : a
expulsão de mais ou menos todo sector informal. A negação do direito ao
espaço urbano ao lumpen proletariat, contrariando assim a euforia dos anos
imediatos à independência quando a ocupação dos espaços urbanos pelos
moçambicanos, rejeitados antes pelo governo colonial, foi estimulada, en-
corajada e promovida. Mesmo no comício popular de 21 de Maio de 1983
onde o então presidente da República apresenta ao público as decisões to-
madas pelo 4º Congresso, dentre as quais os objectivos da Operação Pro-
dução, estas são apresentadas como tendo emanadas do povo e trazidas ao
Congresso através dos seus delegados, que meses antes, em preparação
deste, haviam feito consultas ao povo moçambicano. Assim, segundo a li-
derança do partido, a evacuação dos “improdutivos”, que era da essência da
OP, não foi uma decisão do partido-estado Frelimo.
Mas sim, do povo materializada pelo partido como o único legítimo
condutor e guia do povo moçambicano. Embora tenha sido assim cons-
truída, como sendo uma abordagem de política pública bottom up na ver-
dade a OP obedeceu um sentido inverso. Como veremos mais adiante, antes
mesmo do 4º Congresso e certamente antes de 20 de Junho de 1983, altura
que inicia a fase voluntária da Operação, a ideia já estava presente. A de-
tenção e julgamento sumário de indivíduos acusados de prostituição, va-
diagem, vagabundagem e de “inúteis” à sociedade urbana, data dos anos
imediatos a independência. As diferentes operações de “limpezas”, os cam-
pos de reeducação (embora com fins diferentes dos da Operação Produ-
ção), as campanhas selectivas desencadeadas pela Polícia Popular e pelas
forças de Defesa e Segurança Nacional não foram medidas propostas pelo
povo moçambicano. Nos julgamentos sumários, feitos pelos juízes aloca-
dos a cada bairro das cidades, os seus veredictos, a produção de provas ou
a confirmação do estatuto de criminoso, vadio ou vagabundo dependia es-
sencialmente dos depoimentos das autoridades locais.
Estes aspectos se verificaram aquando da OP. O que sugere que 20 de
Junho de 1983 somente oficializou o que na prática já vinha acontecendo.

62
REGARDS CROISÉS

Ou seja o nome de Operação Produção não significou uma outra medida,


significativamente diferente do que já se vinha fazendo. Certo que a quan-
tidade e os meios usados foram diferentes dos aplicados nas medidas, si-
milares anteriores, mas a OP foi na verdade um vinho velho numa nova
garrafa. Com isso, cai por terra também a ideia recorrente na liderança do
partido segundo a qual as arbitrariedades ocorridas na Operação Produção
resultam da falta de experiência dos principais autores envolvidos. Difícil
argumentar assim, se se considerar que ela não inicia em Junho de 1983.

“Desguebuzação” da OP: a máquina estatal por detrás da OP


Frequente foi e continua presente a personificação da OP. Segundo as
abordagens individualistas, dominantes na comunicação social (Moçambi-
que para todos)29 OP é interpretada como uma medida impopular cujo prin-
cipal responsável foi Armando Guebuza, então Ministro do Interior. Esta
abordagem a qual aqui se designa de “Guebuzação” da Operação Produção
também é manifestada na academia.
Jeanne Vivet 2015, na sua obra Os Deslocados de Guerra em Maputo:
Percursos, “Citadinização e Transformações Urbanas da Capital Moçam-
bicana sugere que a Operação Produção foi realizada pelo então Ministro
do Interior, Armando Gebuza. É verdade que este fora percebido como um
homem político de punho, capaz de construir uma opinião própria, não
necessariamente contrária a linha política do Partido. Logo após a inde-
pendência enquanto comissário político da Frelimo, se tornou famoso pela
medida 20/24 : aquela medida de nacionalidade onde as pessoas podiam
escolher entre a nacionalidade portuguesa ou moçambicana. Os que esco-
lhessem a portuguesa tinham que abandonar o país em 24 horas com di-
reito a um máximo de 20 Kg de bagagem. Por causa disto, muitas famílias
ex-colonos deixaram filho(s) em Moçambique, mas para tomar conta das
propriedades e o resto abandonou Moçambique para Portugal. Mesmo
assim, é preciso desconfiar da tendência à personificação, a individualiza-
ção do processo político de tomada de decisão, fortemente limitada pela
maneira como funciona (va) a Frelimo.
Apesar do facto de Armando Guebuza ter sido Ministro do Interior
aquando da implementação da OP e deste Ministério, efectivamente, ter

29
Blog: (http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2007/11/operao-produo-e.html, https://pt.wi-
kipedia.org/wiki/Armando_Guebuza), consultado no dia 23 de Fevereiro de 2016.

63
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

jogado o papel principal na sua implementação, com a criação do Comando


Central Operativo, do qual o seu chefe máximo era Guebuza, não existe
uma relação directa, pessoal e individualista entre a OP e Armando Gue-
buza. Sua personalidade terá sido provavelmente emblemática, mas esta
Operação, assim como outras políticas públicas, seja em Moçambique ou
noutros países, ultrapassa a categoria do indivíduo. Como mostram Alli-
son et Zelikow (1999 : 3,4) a decisão política não se inscreve numa lógica
individualista, de cálculo racional. Ela é mais um aglomerado de várias or-
ganizações e actores (o que se pode chamar de redes de actores). Existe
aqui o que Allison chama de modelo de comportamento organizacional e
modelo de políticas governamentais, dentre os três modelos de explicação
do processo decisional, a OP é um processo que reflecte a ideologia e o
modelo de desenvolvimento da Frelimo como uma instituição no geral, e a
visão sobre a organização das cidades do Moçambique “socialista” em par-
ticular. A sua construção da ideia do “improdutivo” e a sua relação causa-
efeito com alguns males sociais e urbanos tais como crime, prostituição e
vadiagem. A necessidade da sua implementação foi construída, aceite e in-
teriorizada no seio do partido-estado. Como mostra Teodato Honguana e
Alfredo Sitoe (Entrevistados respectivamente aos 5 de Janeiro de 2009 e 21
de Maio de 2010), no sentimento, nas percepções e nas representações do
bureau político da Frelimo, o Presidente da República incluso, se aceita a
ideia de que o desenvolvimento económico, o investimento na produção
nas zonas rurais, é a solução para travar o massivo êxodo rural. Após a in-
dependência o país testemunha uma crise, e uma das soluções foi incenti-
var as populações à produzirem. A necessidade da produção, que é o
elemento legitimador da OP já ganhara um espaço muito importante no dis-
curso político muito antes da implementação da Operação Produção:
«Nós começamos esta colecção com um estudo do presidente da Frelimo, o
camarada Samora Machel, sobre a produção. Este documento nos mostra
a necessidade e a importância da produção do ponto de vista económico e
social, para a reconstrução nacional…30»
Esta passagem mostra até que ponto a produção, elemento fundamental
por detrás da legitimação da OP, tinha importância para Samora Machel, e
não só, entanto presidente da República e para o projecto do estado socialista
do partido Frelimo, no seu conjunto. No imediato tratava-se de restabelecer
30
Uma citação do discurso de Samora Machel feito aos trabalhadores na cidade de Maputo, citado
pelo Notícias do dia 14 de Outubro de 1978.

64
REGARDS CROISÉS

os níveis de produção dos últimos anos da colonização, de minimizar o dé-


fice económico, reduzir o índice da pobreza, acabar com a fome e a nudez.
Assim, se compreende a OP. Para a visão da revolução nacional-democrá-
tica e popular, a ideologia do “Homem Novo”, a produção não era somente
necessária para satisfazer as necessidades biológicas fundamentais, mas
também necessária para a formação política e para o desenvolvimento da
consciência de classe. O importante é o trabalho moderno, modernizador e
modelador do “Homem Novo”. A ideia Segundo a qual “o trabalho cons-
trói o homem”, recorrente no discurso oficial de Machel se tornou a pala-
vra de ordem da época.
Contrariamente ao que é frequentemente dito, mesmo se a implementa-
ção da OP data de Junho de 1983 (Notícias, 21 de Junho de 1983), o seu es-
pírito lhe é precedente. Viu-se aqui que o governo colonial português tinha
um modelo de gestão da mobilidade populacional e de organização das ci-
dades que apresenta alguns aspectos presentes nos objectivos da OP. A lei
colonial de passaporte interno não é totalmente diferente do conceito de
guia de marcha, que era um documento chave para o sucesso da OP, do
Moçambique socialista. O desempregado, tal como é definido no quadro da
OP tem similaridades com a definição colonial da “preguiça indígena”, se-
gundo o código de trabalho colonial, donde a introdução do xibalo para ob-
rigar os “preguiçosos” à trabalhar. Durante o regime colonial, para
permanecer nas cidades, os “indígenas” deviam provar a sua condição de não
desempregados, pela apresentação dum cartão de trabalho oficial, emitido
pelas respectivas autoridades. Sob a direcção da Frelimo, os que efectivamente
“trabalham” têm que apresentar o cartão de trabalho, o cartão de residente e o
Bilhete de Identidade, ou DIRE para o caso do estrangeiro. Mucuapera31, um
dos oficiais da polícia da época estabelece um paralelismo entre a OP e o
modelo de gestão das cidades coloniais. Ele avança sem excitar:
«Mesmo durante a colonização, as pessoas não vinham para a cidade da sua
livre vontade. Havia um controlo estrito, que não é diferente do que aconte-
ceu com a OP» (Mucuapera, entrevista aos 11 de Setembro de 2009).
Mesmo se alguns estabelecem um paralelismo (Carlos Serra, 27 de Julho
de 2009), isto não significa que a OP foi uma reprodução absoluta do mo-
delo colonial, mas que esta experiência colonial jogou seu papel impor-
tante na maneira como os dirigentes políticos do pós-independência

31
[O primeiro nome não foi divulgado por opção do entrevistado].

65
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

representaram os fenómenos urbanos e a necessidade da produção, apesar


do discurso de ruptura, que foi dominante imediatamente a independência.
É preciso notar que maior parte destes dirigentes são contemporâneos à
esta experiência colonial nas cidades. Eles viveram nestas cidades colo-
niais. Isto também questiona “o espaço social” na nova sociedade: eles são
“criolos”, antigos assimilados, a elite, e olham para o seu “povo” com o
mesmo receio do colonizador, sem muita simpatia para os costumes e cren-
ças chamadas “tradicionais” que foram designadas de obscurantismo.
A ideia de controlar quem circula aonde, para ir aonde, fazer o quê e
como, e de acabar com actividades indesejadas (prostituição, crime, pro-
miscuidade, “amantismo”, etc.) no meio urbano data da radicalização dos
anos 1968-1970 e dos primeiros anos da independência, quer dizer antes de
Guebuza ter sido nomeado ministro da Administração Interna. A Operação
dos anos 1980 marca a última tentativa dum processo global de políticas de
gestão da mobilidade populacional e de engenharia social. Não é o princí-
pio, mas o fim (António Frangoulis, entrevistado aos 12 de Abril de 2016).
Em 1977 aquando do 3° Congresso da Frelimo, dois anos depois da inde-
pendência, o problema já tinha sido identificado e colocado da seguinte
maneira:
«Consequência dos grandes desequilíbrios internos, as populações rurais
foram atraídas em direcção aos polos de desenvolvimento económico: a
zona da capital e a zona da Beira. O resultado foi a constituição duma po-
pulação necessariamente parasita, com uma tendência crescente à margi-
nalidade e a criminalidade…» (Frelimo, 1977 : 41).
No mesmo espírito de acabar com a criminalidade, a prostituição e de
consolidar a tranquilidade nas cidades, as campanhas anti-urbanas intensi-
ficam-se nos anos imediatamente anteriores a OP. Assim, as campanhas se-
lectivas, as rusgas resultam na detenção de vários indiciados, resultam em
vários julgamentos, prisões e até envio de “delinquentes” aos campos de
reeducação (Notícias, 31 de Maio de 1982, Notícias, 14 de Junho de 1982,
Notícias, 2 de Agosto de 1982, Notícias, 5 de Agosto de 1982). O Major Ge-
neral António Hama Thai, citado pelo Notícias de 2 de Agosto de 1982,
anunciou a introdução de patrulhamento nos prédios residenciais como
forma de desalojar “vadios” e “marginais” e consolidar a tranquilidade na
capital do país. E mais, Moçambique não é um caso isolado em políticas si-
milares. Países da região tais como Zimbabwe, com a Operação Clean Up
em 1983 (Clement Masakure, 2016) e a Operação Murambatswina em

66
REGARDS CROISÉS

2005 (Kamete, 2009), Malawi com a Operação Dongosolo em 2005 (Riley,


2014) e Tanzânia com a operação Nguvu Kazi (Burton, 2007) são outros dos
exemplos do mesmo tipo de engenharia social.
Assim, Operação Produção é uma solução política específica para um
problema generalizado: o que fazer com a população excedentária nos es-
paços urbanos? O dilema não era a presença de “improdutivos”. Mas sim,
população urbana acima das capacidades de intervenção social dum estado-
providência e as suas limitações económicas e, se calhar, políticas de adap-
tar ou melhorar ou acrescentar as suas infraestruturas para uma população
urbana que cresce de forma não prevista num contexto de conflito armado
e de crise económica acentuada. O que dificulta, do ponto de vista do es-
tado, este crescimento é que ele não resulta somente dum processo sócio-
biológico da reprodução humana. Mas também do conflito armado, que
agudiza a crise da produção agrícola no campo, associado as secas e cheias
que se manifestam nos anos 1980 (Vivet, 2015). Ironicamente considerado
a década da fome, mas também a da vitória sobre o subdesenvolvimento.
É difícil de compreender esta medida sem ter em conta os seus antece-
dentes, as motivações não assumidas, as representações dos dirigentes e re-
presentantes políticos no seu conjunto, o contexto da sua implementação,
o processo de tomada de decisão da Frelimo e o seu carácter instituciona-
lista, que no seu conjunto, ultrapassa a tendência ao individualismo metó-
dico frequentemente associado à esta operação (a dita “guebuzação”). No
seio da Frelimo, mesmo se o presidente tinha o monopólio do poder deci-
sional, a tomada de decisão era seguida duma cultura de consulta “popular”
que acontecia ao nível das células do partido, do comité do distrito, do co-
mité da província, do comité central e enfim da comissão política do par-
tido. É aqui que as bases do processo decisional eram construídas. Foi assim
que o conteúdo da OP foi apresentado por Samora Machel no comício po-
pular de 21 de Maio de 1983: decisão do 4º Congresso, mas fundamentada
nos problemas identificados e trazidos pelos delegados do Congresso após
extensivas e inclusivas consultas ao nível da base (Partido Frelimo, 1983).
Isso também é questionável. Pois, algumas acções de evacuação, tais como
centros de re-educação, campanhas selectivas, são anteriores as sessões de
consulta que antecederam o 4º Congresso.
De 26 de Fevereiro a 3 de Março de 1979, dois anos após o 3° Con-
gresso do partido, a Reunião Nacional sobre as Cidades e os Bairros Co-
munais, dirigida por Óscar Monteiro, tinha sublinhado a necessidade de
reinverter a migração massiva em direcção as cidades, que era a causa

67
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

principal da crise urbana (Tempo, 25 de Fevereiro de 1979). Em Maio de


1983, o presidente Samora Machel sublinhou outra vez essa necessidade na
sua directiva governamental (Tempo, 19 de Junho de 1983). O Partido-Es-
tado, na sua organização, ao estabelecer as linhas para a constituição da
nova nação, tinha definido o controlo da circulação das pessoas no país
como um dos aspectos prioritários do Ministério do Interior para não peri-
gar as conquistas da revolução triunfante e recente32. Para além desta ins-
tituição a tarefa devia ser cumprida também pelos ministérios da Segurança
Pública, da Justiça e da Defesa (La Suisse, 23 mai 1983). Para o efeito,
houve uma restruturação e novas nomeações nos ministérios responsáveis
pela implementação da OP. Armando Guebuza, que antes era ministro re-
sidente da província de Sofala é nomeado Ministro do Interior, em substi-
tuição de Mariano Matsinhe, que foi nomeado Ministro da Segurança.
Óscar Monteiro, outro ministro para a presidência é nomeado Ministro da
Justiça. Assim, se está na presença duma máquina, dum aparelho estatal
em funcionamento e representada pelas suas diversas instituições e não na
presença dum indivíduo (Armando Guebuza). Daí que a “guebuzação” da
OP seria uma abordagem estreita e limitada e impede a visualização da
complexidade deste processo político crucial na trajectória política, eco-
nómica e cultural do Moçambique pós-colonial. Isto nos remete ao go-
vernmental political model de Graham Allison e Philip Zelikow (1999). O
momentum político se impõe. É o mesmo governo que depois afastou os mi-
nistros Armando Guebuza, do Interior e Mariano Matsinhe, da Segurança
(Primeiro de Janeiro, Lisboa, 12 de Julho de 1984). Mesmo se a conexão
entre este afastamento e a OP carece de mais dados, o facto de isso ter acon-
tecido numa altura em que a opinião popular sacerdotal anti-Operação Pro-
dução ganha corpo, sugere que o Partido-Estado pode ter sido forçado a
tomar uma atitude perante tal cenário (Padre Diamantino Antunes, entre-
vistado aos 21 de Julho de 2016). Não é o indivíduo, mas sim uma insti-
tuição, o Estado Moçambicano sob a liderança dum partido- Frelimo.
Durante a vigência dum partido-Estado fortemente centralizado, ne-
nhuma decisão de dimensão nacional podia ser tomada fora do Bureau po-
lítico da Frente. O centralismo do partido, indicava o partido como o único
representante legítimo dos interesses do conjunto do “povo moçambicano”.
A ideologia do partido domina e orienta o Estado, percebido como simples

32
Principal Legislação Promulgada pelo Governo da República Popular de Moçambique, Volume III, de
25 de Junho de 1975 a 25 de Junho de 1976. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique : 1976.

68
REGARDS CROISÉS

instrumento de materialização das decisões do partido (Constituição da Re-


pública Popular de Moçambique de 1975; Frelimo, 1977: 66). É também
necessário sublinhar o facto de no seio da Frelimo, esta medida ter sido
pensada, aceite e implementada num momento em que os dirigentes acre-
ditavam verdadeiramente na capacidade do Estado de lhe implementar e
alcançar um controlo social monopolizado e eficaz, materializado pela guia
de marcha.
O facto que esta política sobre o modelo social a construir tenha sido
tomada no momento em que a viragem liberal se tornava irresistível, sig-
nifica parcialmente que esta viragem económica não implicava necessa-
riamente, por si só, a democratização, e doutra parte uma certa
inacessibilidade entre aceitação das necessidades económicas e a ideia do
que tem que ser o controle social. Assim está-se na presença duma insti-
tuição, a saber, o partido-Estado (e não dum indivíduo) totalitário, no do-
mínio social e procura impor o seu monopólio da violência legítima, para
emprestar a definição de estado de Weber. A representação e as percepções
sobre as causas e os efeitos do desemprego formal e do êxodo rural, o mo-
delo autoritário de organização das cidades estão no cerne da trajectória
que leva à OP. É fictício querer compreendê-la sem analisar os aspectos
que lhe são intrínsecos. E a individualização desta medida de dimensão na-
cional limita a capacidade de explorar a sua complexidade. Uma política
pública, deve ser integrada no seu contexto político, económico e sócio-
cultural, e não se reduz à vontade dum indivíduo. Mesmo se não se deve mi-
nimizar o papel do indivíduo no processo de tomada de decisão e na
construção da história, como sustenta Plekhanov (1940) na sua obra intitu-
lada “The role of the individual in history”, a compreensão da complexidade
que lhe é inerente deve ser procurada no governmental politics model e não
no rational individual model.
Neste caso a posição de Joaquim Chissano, segundo a qual a Operação
Produção foi uma medida tomada pelo governo da Frelimo e não por
Armando Guebuza (Moçambique para todos)33 faz sentido.
Aliás, Em Novembro de 1986, aquando da sua tomada de posse como
presidente da República Popular de Moçambique, após a morte de Samora

33
Blog : (http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2007/11/operao-produo-e.html) consultado no dia
23 de Fevereiro de 2016.

69
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Machel (19 de Outubro de 1986), Joaquim Chissano põe ênfase no espírito


que norteou a Operação Produção nos seguintes termos:
«Não podemos continuar a pagar salários a trabalhadores improdutivos.
Isso exige uma actuação em duas direcções: assegurar que em cada Minis-
tério, organismo público e empresa estejam apenas os trabalhadores indis-
pensáveis, competentes, disciplinados e dedicados, e que a mão-de-obra
excedentária seja reorientada para actividades produtivas, principalmente
nos sectores agrícolas» (Notícias, 7 de Novembro de 1986).
Três anos antes, a 21 de Maio de 1983 Samora Machel, então presidente
da República, dá as mesmas orientações, ao comunicar as decisões do 4º
Congresso, num comício popular na praça da independência (Frelimo,
1983), o mesmo local onde Joaquim Chissano reedita a orientação, como
o novo presidente da mesma República Popular. Este é um exercício polí-
tico do partido-estado que ultrapassa a categoria do indivíduo. Sabe-se que
durante o governo de transição Armando Guebuza fora nomeado Ministro
da Administração Interna pelo Decreto nº 2 /74, de 16 de Setembro (Ma-
tusse, 2004 :126) e dentre vários aspectos cruciais de estado, teve sob a Po-
lícia de Segurança Pública. E uma das tarefas desta era garantir a ordem e
a tranquilidade pública. Contudo, enquanto esta realidade pode explicar as
razões que ditaram a sua indicação pelo estado para assumir o Ministério
do Interior durante a Operação Produção, já não se aplica para personifi-
cação desta mesma Operação. Aliás, Armando Guebuza já tinha experiên-
cia de direcção máxima do Ministério do Interior. Foi para isso nomeado
pelo Decreto Presidencial nº 1/75 de 1 de Julho (Matusse, 2004: 139). E,
durante o governo de transição um dos seus legados enquanto Ministro da
Administração Interna foi a transformação da polícia colonial repressiva
em polícia popular. Mais uma vez esta trajectória reforça a natureza insti-
tucional das acções de Armando Guebuza em frente dos processos políti-
cos. É o estado e não o indivíduo. Algo que se pode dizer de Guebuza e
que é recorrente na sua trajectória política é o facto de acreditar que as mu-
danças, mesmo de personalidade são possíveis e podem ser induzidas,
desde que a causa nacional assim exija.
Mesmo que se explicasse a Operação Produção com base na abordagem
do individualismo racional e metódico, tendo em conta o sistema político
vigente na altura e a concentração dos poderes no presidente da república,
se tivessemos que associar a Operação Produção a um indivíduo, o que não
é o caso, este seria o presidente (Samora Machel) e não o ministro do

70
REGARDS CROISÉS

interior (Armando Guebuza). Tanto que, alguns dos incorporados por esta
operação, tais como Herbet Jossias (figura 8), Manuel Fernandes (figura
9), entrevistados aos 15 de Julho de 2016, falam mais de Samora Machel e
não de Armando Guebuza.

Figura 8: Herbet Jossias, incorporado pela OP

71
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Figura 9: Manuel Fernandes, incorporado pela OP

72
REGARDS CROISÉS

CAPÍTULO 4
A Operação Produção e as suas consequências
económicas, políticas e sociais
A Operação Produção foi oficialmente uma medida dos anos 1980 que
visava acabar com um fenómeno social mais complexo do que a sua re-
presentação política cujas suas origens são longínquas. A sua implementa-
ção não esteve a medida da sua complexidade. A crença exagerada na
capacidade dum estado já fragilizado desde o início, deve ter traído aque-
les que a pensaram, conceptualizaram e lhe implementaram. Julius Lhonv-
bere (2004), sem se limitar ao culturalismo, indica que um dos maiores
problemas das políticas públicas em África em geral é a incapacidade dos
seus líderes de criar e implementar políticas viáveis e efectivas e que se
ajustam ao ambiente político, económico e sócio-cultural do funcionamento
desta mesma política. Dominique Darbon e Ivan Crouzel (2009) sublinham
o carácter anacrónico, a importação e a imposição de políticas públicas, de-
sajustadas da realidade. Isso leva à uma situação de instabilidade crescente,
de degradação infra-estrutural e institucional, à pobreza, à fome, às doen-
ças, à ineficácia burocrática, e ao quase colapso das instituições. A OP não
teve os efeitos que justificaram a sua implementação, como mostra o ba-
lanço das actividades em Abril de 1984. Este capítulo procura então com-
preender quais foram as consequências desta medida nos diversos domínios
e se ela significou, ou não, a resolução do problema que motivou a sua im-
plementação.

As consequências produtivas ou económicas: Operação Produção


com mais operação e menos produção
Pelo menos ao nível do discurso legitimador, a questão da produção es-
tava no cerne da medida. Deve ser por isso que foi oficialmente baptizada
Operação Produção. Os dados mostraram que a dinamização da produção
supostamente para reinverter o cenário de crise económica que afligia o
país nesta época, não teve espaço. A crise de produção e o défice da ba-
lança de pagamentos mantiveram-se nos anos subsequentes. Como mostra
Rosemary Galli (2003 : 40) mesmo o projecto agrícola dos 400 000 hecta-
res projectado para a futura cidade de Unango fracassou. Não é por acaso
que o Comité Central do partido Frelimo continua com as reformas liberais,

73
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

procura negociar os acordos de Nkomati com a África do Sul, que o


governo assinou-o em Março de 1984, e acaba por se juntar oficialmente às
instituições de Breton Wood (FMI e Banco Mundial) e adopta um plano de
ajustamento estrutural em 1987, apelidado de Programa de Reajustamento
Estrutural. Contrariamente às previsões, a crise da produção e o enfraque-
cimento do Estado-providência estão ainda presentes após a OP. O avanço
das reformas liberais, como uma das soluções para reinverter o cenário,
testemunham. Em 1990 o PRE foi rebaptizado PREs (PRE Social), uma
versão oficial mais social e qualitativa, em comparação com a lógica pura-
mente económica e quantitativa do PRE. Os anos seguintes foram marca-
dos por programas económicos e sociais de orientação liberal tais como os
diversos Planos de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta- PARPA 1
e 2 (Mosca, 2005).
Num momentum onde o discurso apelava à recuperação económica e à
acabar com a crise, o governo decide transportar os ditos improdutivos de
avião (pois no contexto de guerra as vias de acesso estavam destruídas e não
eram seguras) até ao seu destino. Para tal os aviões da Companhia Aérea
Moçambicana-LAM foram requisitados para conduzir os afectados à Niassa
e Cabo Delgado. Os camiões da empresa pública Camionagem de Mo-
çambique foram utilizados, para conduzir os “improdutivos” aos centros
de evacuação. Houve também camiões alugados às empresas privadas (No-
tícias, 8 de Julho de 1983). Tudo isto significou acréscimo das despesas
para uma economia já em crise desde a independência. Para além do trans-
porte, o governo foi obrigado a alimentar os afectados durante a estadia
nos centros de evacuação e antes da sua integração definitiva em activida-
des “produtivas”, um período que podia levar meses. A 3.ª sessão da As-
sembleia da Cidade de Maputo reconheceu este problema (Castanheira,
Tempo, 21 de Agosto de 1983). Quase a totalidade dos funcionários do Es-
tado foi mobilizada para a implementação desta Operação. A decisão to-
mada pelo CCO em Julho de 1983 de dispensar os secretários dos GD dos
seus trabalhos, para lhes colocar à tempo-inteiro nos bairros integrados na
OP contribuiu para a redução da produtividade e para o disfuncionamento
da administração. Estes secretários recebiam os seus salários para desem-
penharem tarefas que não eram produtivas, e o trabalho no âmbito da OP
não produzia nem bens, nem serviços dos quais o país precisava urgente-
mente. Os postos ocupados por estes funcionários na administração ficaram
estagnados, na sua ausência, enquanto estes se ocupavam dos “improduti-
vos” da OP. Esta Operação, segundo um comunicado do Comité Central

74
REGARDS CROISÉS

do Partido, envolveu quase toda a estrutura do Partido-Estado, a saber as


Organizações Democráticas de Massas (OJM, OMM), secretário das célu-
las, os GD e os chefes dos quarteirões (Notícias, 4 de Julho de 1983).
O objectivo de fazer de Niassa, e particularmente de Unango um modelo
e exemplo de luta contra o subdesenvolvimento34, não foi alcançado. A de-
ficiente articulação entre as diversas instituições engajadas na OP, seja no
local de partida, ou no de chegada, para a recepção e integração, também
contribuiu para o fracasso. Este aspecto foi sublinhado pelo então ministro
do Interior, Armando Guebuza, aquando da sua visita à Niassa em Abril de
1984 (Notícias, 10 de Abril de 1984). Em Unango, onde foi prevista, a cons-
trução dum edifício para o conselho municipal, um outro para a sede do par-
tido, uma cooperativa de consumo e uma escola, um centro para formação de
profissionais dos media, e a instalação de cerca de 4 000 habitantes, como
passos para a criação da futura cidade, nada foi feito. Apesar de haver rela-
tos de integração dos “improdutivos” em actividades produtivas em Inham-
bane, na província de Maputo (Notícias, 20 de Julho de 1983) e noutros
pontos do país, estes relatos não só não permitem avaliar a natureza das ac-
tividades desenvolvidas e em que medida estas actividades de facto torna-
vam os visados úteis à sociedade moçambicana de então.
Se nos “acrocharmos”, stricto sensu, ao espírito e a letra da OP, ela foi
um obstáculo mesmo para as suas próprias intenções. Num contexto de
crise, o governo mobilizou recursos financeiros, humanos e materiais para
conduzir pessoas e lhes enquadrar em trabalhos “forçados” para os quais
não tinham nenhuma experiência anterior, sem que as condições de aco-
lhimento e de integração tenham sido preparadas. Para inverter o cenário de
crise dos anos precedentes, o quarto Congresso previra dar maior impor-
tância à mão-de-obra experimentada tais como carpinteiros, serralheiros,
etc. Paradoxalmente é esta mesma mão-de-obra artesanal e sem o cartão de
trabalho profissional que foi julgada “improdutiva” e “parasita” e fez parte dos
afectados, conduzidos às zonas rurais, para actividades económicas sem rela-
ção com as suas competências anteriores. Estes indivíduos, embora sem os do-
cumentos oficiais que provassem a sua condição de produtores, eram
auto-empregados e alguns artesãos free-lancer nas cidades e indubitavelmente
úteis.
Quando uma equipa do Comando Central Operativo de Nampula reuniu-se
com os directores das unidades de produção da província, para onde
34
Como se pode ler no jornal Notícias de 7 de Outubro de 1983.

75
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

muitos evacuados foram parar, constatou-se que a almejada produção ainda


não se fazia sentir. No entanto, já passava quase um ano desde que a Ope-
ração desencadeara. Por falta de integração em “actividades produtivas”,
por iniciativa do governo, alguns dos supostos “improdutivos” iniciaram a
abertura de machambas individuais para a cultura de milho, mandioca, fei-
jão e bata-doce (Notícias, 7 de Abril de 1984).

As consequências sociais e humanas: fragmentação social e descon-


tentamento
A síntese geral da 12.ª sessão da Assembleia Popular de Abril de 1984,
sobre as actividades do estado, sem precisar os números exactos, fala da re-
dução de marginais, de roubos e doutros crimes sobretudo nas cidades,
como um dos resultados da implementação da OP. Segundo o balanço feito
pelo Ministério do Interior, de 15 de Julho, houve cerca de 10 000 indiví-
duos expulsos durante a segunda fase, donde 5 413 na cidade de Maputo
(Serra, 1990:101). Outras estimativas apontam números muito mais eleva-
dos, entre 40, 50 a 100 000 expulsos (The Guardian, Londres, 21 de Outu-
bro de 1983, Vivet, 2015:57). Este resultado da redução da delinquência
na cidade de Maputo como resultado da implementação da OP, é também
partilhada por A. J. Sitoe (Entrevistado aos 21 de Maio de 2010). Na época
era adjunto comissário da Polícia. Para este, as cidades se tornaram tran-
quilas e seguras, não havia problema de droga, os citadinos podiam se des-
locar livremente 24h/24h. O presidente do Conselho Executivo de Nampula
(Notícias, 20 de Agosto 1983), também avalia a redução da criminalidade
em 50% e menciona a diminuição das “bichas” nas lojas do povo, como re-
sultado da Operação Produção. É possível que tenha havido uma redução
do nível de criminalidade, nas cidades ou ao nível do país, nos anos subse-
quentes à OP. Os dados oficiais em todo caso parecem testemunhar. À nível
nacional os crimes passaram de 22 776 em 1983 à 13 204 em 1984, 12 684
em 1985 e 13 177 em 1986. (Serra, 1990).
Se bem que estes dados mostram a redução do índice de criminalidade,
sua relação com a OP não é tão evidente. Primeiro, trata-se de dados ao
nível nacional, incluindo as zonas rurais, enquanto que a evacuação foi feita
das cidades para as zonas rurais. Em seguida, para se ocupar da criminali-
dade e dos criminosos, havia outras instituições públicas e outras medidas,
tais como a Polícia da República Popular de Moçambique (PPM) e a
introdução dos campos de reeducação, as rusgas e as campanhas selectivas

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REGARDS CROISÉS

feitas pelas forças de defesa e segurança. Só para dar um exemplo, antes da


OP, em Maio de 1982 a PPM desencadeou uma campanha contra a crimi-
nalidade na cidade de Maputo. Até Janeiro de 1983 cerca de 4 000 indiví-
duos tinham sido detidos em resultado desta campanha (Notícias, 17 de
Janeiro de 1983). Segundo o Notícias de 31 de Maio de 1982, que cita a sala
de operações do comando da PPM, a criminalidade já estava a reduzir nesta
altura em resultado da implementação das campanhas selectivas na cidade
de Maputo. Com feito, cerca de 30 pessoas foram detidas na Feira Popular.
Aos 2 de Junho de 1982 o jornal Notícias cita uma fonte da Polícia de
Investigação Criminal segundo a qual cerca de 50 indivíduos, detidos, se-
riam levados ao Tribunal acusados de crimes diversos e dentre eles havia
os indocumentados. Viu-se também supra que a OP não enquadrava os cri-
minosos, mas aqueles que eram potenciais criminosos, por causa da sua
condição de “desempregados”, “parasitas” e “improdutivos” nas cidades.
Portanto, a conexão entre a suposta redução da criminalidade nas cidades
de Moçambique e a OP não é evidente. Contrariamente, mesmo sem esta-
tísticas é possível argumentar que a OP contribuiu inversamente para o au-
mento da delinquência lá para onde os afectados foram conduzidos, sujeitos
à fome e susceptível ao roubo, para sobreviver. Alguns dentre eles se tor-
naram mendigos ou mesmo realmente criminosos ou ainda prostitutas, para
poder se alimentar. Por falta de coordenação, articulação e comunicação
entre as diferentes instituições aos diferentes níveis da Operação, desde as
brigadas de patrulha, os postos de verificação (PVs), os centros de evacua-
ção e as unidades de produção, muitos evacuados ficavam dias ou meses
sem integração nas supostas “actividades produtivas” como aponta
Moisés Samson (figura 10 a esquerda), entrevistado aos 13 de Julho de
2016. Durante este período a alimentação, o vestuário e cobertores eram
escassos. Dois dos evacuados, Moisés Samson e Mabosse Mucambo (figura
10 a direita) contam as suas experiências:
“Saímos de Maputo de avião e vieram nos deixar aqui em Lichinga, na FENI.
Quando chegamos aí eramos muitos, muitos. Não tínhamos mantas, tinhamos
que arranjar papéis, cartolinas cortar e pôr no chão para dormir. Éramos pica-
dos com mosquitos, havia pulgas. E também fazia muito frio, era mês de Julho.
Nós tremíamos por causa de frio. Para comer, tinhamos que rasgar papel para
receber comida quente. Não havia pratos. Éramos muitos. Até nem dá para
recordar. Era sofrimento mesmo. Parecíamos presos.” (Moisés Samson e
Mabosse Mucambo, entrevistados aos 13 de Julho de 2016).

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Figura 10: Moisés Samson (esquerda) e Mabosse Mucambo (direita)

As precárias condições experimentadas pelos evacuados também foram


constatadas pela visita feita pelo 1º e 2º vice-ministro do interior, Tomé
Eduardo e Teodato Hunguana, respectivamente em Setembro de 1983, a
Niassa (Filipe Ribas, Tempo 4 de Setembro de 1983). Se o objectivo da OP
era de acabar com estes males no meio urbano, ela não fez se não transfe-
rir o fenómeno. António Frangoulis, na altura brigadeiro da Polícia de In-
vestigação Criminal reforça esta ideia. Talvez este fosse um dos objectivos
do governo: “purificar” as cidades sem atenção à uma solução durável para
o problema global. Se os (potenciais) criminosos estivessem longe das
principais cidades do país e principalmente de Maputo, não havia motivos

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REGARDS CROISÉS

de preocupação. Compreende-se logo aí, talvez, a decisão de lhes enviar o


mais distante possível de Maputo e Beira.
A destruição do tecido social, a separação de casais, foram duas das
consequências “graves” desta Operação. Devido ao seu carácter coercivo
e à desorganização das instituições engajadas, houve pais e mães desloca-
dos ou privados dos seus filhos ou dos seus esposos ou esposas. Os exem-
plos de Silvestre Josini que foi separado da sua esposa, grávida de seis
meses, de Arnaldo Vilanculos que deixou sua esposa e dois filhos e de
Marta Mulungo, que foi expulsa com seus seis filhos, enquanto seu marido
ficara em Maputo (Notícias, 20 de Agosto de 1983, Notícias, 7 de Outubro
de 1983), são alguns exemplos dentre tantos outros. Mesmo se depois o
governo fez um esforço para reunir as famílias, algumas dentre elas divi-
diram-se para sempre. Mais uma vez Mabosse Mucambo, fala da sua ex-
periência:
“Quando chegaram eu estava em casa com os meus 3 filhos. A minha mulher
tinha saído. Me pediram cartão de trabalho. Eu tirei e disseram está fora do
prazo. Perguntaram porquê que não renovei. Eu até disse eu tirei foto entreguei
no serviço. Mas ainda não me deram. Disseram: “vamos”. Eu tentei pedir para
minha mulher chegar e eu sair. Disseram: “vamos, has-de voltar agora”. Até
hoje, nunca mais vi os meus filhos. Eram 3, uma menina (já não me recordo o
nome), um rapaz e a úlitma sorte outra menina, que só tinha alguns meses. Meus
filhos não me conhecem. E se hoje eu cruzar com eles não hei-de conhecer. Como
eram muito pequenos.”
Houve também falhas na identificação daqueles que deviam ser deslo-
cados. À quando da 12.ª secção da Assembleia Popular, em Abril de 1984,
os deputados reconheceram as falhas da implementação, de enquadramento
dos não produtivos, a instrumentalização e o uso abusivo do poder. Em So-
fala (onde está a cidade da Beira), ao longo duma reunião dirigida por Mar-
celino dos Santos, então governador da província, foi mencionado casos
de evacuação de jovens com menos de 18 anos35, pessoas com uma forma-
ção escolar, velhos de mais de 60 anos, cuja classificação de “improdutivo”
não se justificava, nem nos termos da OP , tal e qual o governo concebeu
(Noticias, 9 de Agosto de 1983). Aquando da 3.ª sessão da Assembleia da
cidade de Maputo, os funcionários presentes (Luis Fraga, Livi José, Beatriz
Tembe, etc) denunciaram o caso de mulheres injustamente acusadas de

35
Como se pode ler no jornal Notícias de 7 de Outubro de 1983.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

prostitutas ou de parasitas. Outras mulheres foram expulsas sem terem sido


auscultadas, o que para estes casos, estava previsto na Operação (Casta-
nheira, 21 de Agosto de 1983). Houve também casos de mulheres casadas
com trabalhadores migrantes na África do Sul. Algumas foram acusadas
de ser solteiras, sem meios de/para habitar as cidades, e assim “parasitas”
e consequentemente evacuadas. Pessoas em situações “regulares” foram
vítimas. Silvestre Josini (28 anos) e outros jovens, testemunham como
pode-se ler na passagem seguinte:
«…Em Maputo, eu trabalhava nos Caminhos de Ferro… eu estava a espera
da minha carta de circulação no bairro de Mavalane, quando repentina-
mente o camião de vigilância surgiu e eu fui levado» (Noticias, 7 de Outu-
bro de 1983)
A instrumentalização e o disfuncionamento da OP resulta também da
delegação de super poderes de decisão às autoridades locais, no que respeita
à determinação do estatuto dos habitantes entanto que “produtivo” ou não
e entanto que útil ou não à sociedade urbana. Segundo Albano Naroromele
(Notícias, 2 de Julho de 1983) e Naftal Donaldo (Notícias, 4 de Julho de
1983) são os GDs que foram encarregues de definir o estatuto dos habi-
tantes do bairro. Um comunicado do CCO datando de 2 de Julho de 1983
determinava que os GDs eram as estruturas que ao nível de base, assegu-
ravam o sucesso da OP do ponto de vista político e social. Razão pela qual
os seus militantes eram dispensados dos seus postos de trabalho para serem
colocados à tempo-inteiro nos bairros abrangidos pela OP. Mesmo que não
tenha havido fontes que dela falam, houve ajustes de contas de todo tipo.
Manuel Fernandes, entrevistado aos 15 de Julho de 2016, está certo que foi
evacuado porque “era um sapateiro bem sucedido e porque fazia muito di-
nheiro. Daí que, o secretário de bairo tinha inveja dele”. Mesmo um pro-
fessor da Universidade Eduardo Mondlane, acreditado “branco”, foi
evacuado por desacordo pedagógico (Sérgio Vieira, entrevistado aos 6 de
Agosto de 2015). Neste caso, embora Vieira tenha mencionado essa eva-
cuação relacionada com a Operação Produção, na verdade, pelos contornos
que seguiu, parece se enquadrar mais no âmbito dos centros de re-educa-
ção. Luís de Brito, entrevistado, via skype, aos 14 de Abril de 2016, conta
que não passou pela Feira de Exposição de Niassa-FEN (figura 11) quando
chegou a Lichinga, capital da província de Niassa. E consigo ia uma carta
com instruções sobre o seu enquadramento uma vez em Niassa. Este é o
percurso típico dos que foram enviados para os centros de reeducação, tais

80
REGARDS CROISÉS

como Vasco Chichava e Jaime Ntivane, entrevistados aos 16 e 21 de Julho


respectivamente. Thomas Nguenha, de 17 anos de idade, foi enviado à
Niassa porque tinha esquecido o seu cartão de estudante. Marta Mulungo
foi enviada para Niassa juntamente com os seus 6 filhos e o Marido deixado
sozinho em Maputo (Primeiro de Janeiro, 12 de Julho de 1984). Este as-
pecto carece, sem dúvidas, de mais pesquisa. José Ngovene (figura 12), en-
trevistado aos 13 de Julho de 2016, foi evacuado porque esquecera o seu
cartão de estudante, quando foi interpelado pela polícia por volta das 17-18
horas na cidade de Maputo. De lá, nunca mais regressou a casa. Hoje, de-
pois de ter trabalhado na Empresa Agrícola de Unango, está desempregado.
Para sustentar a família faz “biscatos”.

Figura 11: Feira de Exposição do Niassa,

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Figura 12: José Ngovene, incorporado pela OP

Mesmo que a Operação Produção tenha previsto um julgamento sumá-


rio para os casos em que havia dúvidas sobre a condição de “improdutivo”
ou não de alguns dos interpelados e enviados aos postos de verificação,
como referiu Carlos João Trindade, entrevistado aos 4 de Abril de 2016, a
sentença final dependia excessivamente das declarações do secretário do
bairro, do chefe de quarteirão e dos GDs. A senhora Rosa Iassido (figura
13), entrevistada aos 15 de Julho de 2016, conta que escapou a Operação
Produção porque era esposa do chefe do posto da polícia de Xinavane. E foi
o secretário do bairro, que sabia da sua situação, que informou a brigada
que pretendia “recolhé-la”.

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REGARDS CROISÉS

Figura 13: Rosa Iassido, escapou a OP

A OP, que visava “urbanizar o campo”, segundo Sérgio Vieira (Notícias


de 7 de Outubro de 1983), não conseguiu travar o fluxo campo-cidade nem
a suposta criminalidade, desemprego, vagabundos ou a “desordem social
geral” nas cidades. Como diz Anicetos dos Muchangos (1987 :129, 130) na
segunda metade dos anos 1980 o crescimento urbano na cidade de Maputo,
decorrente da intensificação da guerra, era a mais importante da região e a
criminalidade, o desemprego, o sector informal, a falta de infra-estruturas
urbanas, a ocupação desordenada dos espaços urbanos, a emergência de
construções precárias, todos os problemas que existiam e deviam ter sido
resolvidos parcialmente com a implementação da OP, se acentuaram e con-
tinuam sendo os problemas recorrentes das cidades moçambicanas. Como
menciona Manuel de Araújo (Entrevista aos 20 de Maio de 2010), os exemplos
comparados noutros países, tais como Argélia, Angola, Tanzânia e

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Argentina, também foram um fracasso. O controlo da mobilidade populacio-


nal através da lei de passe tanto na cidade colonial de Lourenço Marques e em
Johannesburg durante a segregação racial e posteriormente o apartheid, não
foram capazes de conter o crescimento da população urbana. No caso específico
de Moçambique, a migração campo-cidade continuou e continua. E alguns “im-
produtivos” continuaram a existir e a habitar a cidade de Maputo e Beira e al-
guns dos que foram evacuados, regressaram às suas residências anteriores.
O Notícias de 15 de Dezembro de 1988 escreve sobre o regresso de cerca
de 70 pessoas entre mulheres, homens e menores que desde 1983 estavam
em Cabo Delgado resultado da OP. Segundo esta informação este marca o
fim dum drama social que durou cerca de cinco anos marcado essencial-
mente por separação de famílias e destruição do tecido social supostamente
para organizar as cidades e aumentar a produção no campo. As estatísticas
dos dois anos seguintes provam o contrário. É verdade que houve iniciati-
vas do governo para reunir as famílias. Segundo Notícias de 1 de Março de
1984, cerca de 400 famílias abandonaram a cidade de Maputo para se jun-
tar aos seus parentes evacuados no âmbito da Operação Produção e que se
encontram em várias regiões, rurais, de Moçambique principalmente em
Niassa e Cabo Delgado36. Contudo, a forma como elas foram separadas e o
tempo da separação criaram sequelas que a tentativa de reaproximação não con-
seguiu sobrepor. Ficaram e até hoje estão presentes as lamentações. O recente
documentário produzido pelo jornalista da Soico Televisão-STV, Cleofas Via-
gem, que pode ser consultado online (https://www.youtube.com/watch?v=iI-
BePxOZsog)37 mostra algumas passagens destas lamentações. Alguns dos
entrevistados disseram:
“ Nós já não queremos voltar, já somos do Niassa e já estamos velhos. O que é
que vamos fazer em Maputo? A vida lá está difícil e nós já estamos aqui há muito
tempo, já criamos famílias. A única coisa que queríamos é ver as nossas famí-
lias, que não sabemos como estão. Se estão vivos ou não. Alguns talvez já mor-
reram e não sabemos. Outros até pensa que nós já morremos, mas estamos aqui
com nosso sofrimento”.

Na verdade, outros “improdutivos” da Operação Produção não tiveram


a mesma sorte. Uns sucumbiram pelo sofrimento dos tempos de guerra e
por falta de meios de obrevivência. “Este nós enterramos aqui”, disse
36
Para mais informações sobre esta iniciativa leia também Notícias de 12 de Abril de 1984 e Hilário
Matusse in Tempo (9 de Outubro de 1983).
37
Link do Youtube consultado no dia 23 de Fevereiro de 2016.

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REGARDS CROISÉS

Domingos Moisés Tembe (figura 14), entrevistado aos 13 de Julho de 2016.


Embora Domingos Tembe tenha chegado em Unango em 1981, dois anos
antes da OP, sabe das peripécias pelas quais os da OP passaram. Na figura
15 vê-se o túmulo do senhor Eugênio António Munguambe, um dos trazi-
dos pela OP que acabou morrendo em Unango. Outros acabaram devora-
dos por animais ferozes, tais como leão, na tentativa de fugir. “Nós
encontravamos cabeças dos nossos colegas, que tentaram fugir, no mato”,
disse Herbet Jossias (entrevistado aos 15 de Julho de 2016).
As consequências políticas: até que ponto a Renamo se beneficiou?

Figura 14: Domingos Moisés Tembe, ex-trabalhador da


Empresa Agrícola de Unango

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

Figura 15: Túmulo de António Munguambe

O balanço das actividades de Abril de 1984 fala dum certo sucesso político
da OP. Este balanço, para além de reforçar a ideia de que a OP tinha uma meta
política, como também é argumentado aqui, não especifica a natureza deste su-
cesso. Pelo contrário, certos autores avançam a hipótese dum reforço da Re-
namo, como resultado da OP. Robinson (2006 : 235) argumenta que ela
ofereceu à Renamo uma fonte importante base de recrutamento de soldados.
Certo que este aspecto ultrapassa o foco desta obra e a ser, careceria de
uma pesquisa aprofundada e separada. Mas relatos de fugitivos da Opera-
ção Produção que terminaram nas bases da Renamo no distrito de Sanga
vieram de muitos entrevistados. Moisés Samson, José Ngovene e Domingos
Tembe, entrevistado aos 13 de Julho de 2016, fazem menção dos que aca-
baram na base da Renamo em Xilocote, algures no distrito de Sanga. Assim
foi quando tentaram escapar de Unango, para regressarem a Maputo. “É
por isso que quando a Renamo atacou a Empresa Agrícola de Unango, em
1986/7 chamava pelos nossos nomes. E nós paravamos pensando que eram

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REGARDS CROISÉS

nossos amigos. Enquanto eram da Renamo”. Contou José Ngovene.


Mesmo sem estabelecer uma conexão directa entre a OP e o reforço da
Renamo, Margaret Hall e Tom Young (1997 : 159) mostram o avanço e o
reforço da Renamo nos anos subsequentes à implementação da OP, princi-
palmente nos arredores dos locais para onde as pessoas foram conduzidas.
Em Agosto de 1983 a Renamo abre a frente da Zambézia, em 1984 (logo
após a assinatura do acordo de Nkomati) ela conseguiu cercar a cidade de
Nampula e ocupou o Caminho-de-Ferro de Nacala, em Julho de 1984 ela
começa a operar em Cabo Delgado, nos finais do mesmo ano ela atacou
Lichinga (capital de Niassa), entre 1985-6 ela penetrou profundamente o in-
terior da Zambézia, tomando a cidade de Luabo e destruindo a refinaria de
açúcar. Como refere Anne Pitcher (2002 : 118) bem que a adopção de me-
didas coercivas tais como a OP eram parcialmente uma resposta às acções
da Renamo, paradoxalmente estas medidas contribuíram para o reforço da
Renamo nos anos 1980. Alice Dinerman (2009 : 194) fala dum ataque do
sector informal nas zonas urbanas no quadro da OP, o que contribuiu para que
a Frelimo perdesse seu apoio popular a favor da Renamo. A hipótese segundo
a qual a OP, assim como as outras medidas coercivas (aldeias comunais, o envio
forçado de estudantes ao estrangeiro, os campos de reeducação, etc.) reforça-
ram as fileiras da Renamo necessita duma pesquisa mais aprofundada. De facto
ainda não existe testemunhos, a minha pesquisa não encontrou, dos afectados
pela OP que se juntou à Renamo, como resultado de ter sido vitima.
Enquanto que a OP, em termos gerais, não se pode associar ao indivíduo (Ar-
mando Guebuza) não é menos verdade que ele é distanciado do governo após esta
medida. À quando da entrevista com T. Honguana (entrevistado aos 5 de Janeiro
de 2010), este referira que no princípio a OP foi bem aceite no seio da direcção
da Frelimo, mas que as falhas relacionadas com a sua implementação, fizeram
aparecer distanciamentos. Este reconheceu que podia se criticar os métodos da
implementação da Operação e o seu desenrolar, mas de forma alguma se pode cri-
ticar as suas intenções. A intenção de transformar os “improdutivos” em “produ-
tivos” é inquestionavelmente boa. Uma análise desencantada questiona este
posicionamento. Viu-se supra que a definição do «improdutivo» compreendia
todo o sector informal. “A intenção” implicava portanto a maneira como foi im-
plementada, pois uma tal evacuação não podia ser aceite e legitimada pelos vi-
sados de bom agrado, apesar de nalguns casos ter acontecido (Notícias, 23 de
Junho de 1983). Isto se calhar explica porquê que a sua segunda fase foi coerciva
e já fora prevista antes mesmo do fim da sua 1.ª fase e logo aquando da concep-
ção da medida.

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URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

A crise do Estado-providência, parcialmente resultante desta operação, ma-


nifestou-se pela tendência de abertura política e de transição pluralista, sobre-
tudo após a morte de Samora Machel (19 de Outubro de 1986). Joaquim
Chissano, que o substituiu e a “nova” direcção da Frelimo se mostraram, even-
tualmente e sob pressão, mais aberto e menos repulsivo às negociações para
acabar com o conflito armado e às reformas político-económicas.
Assim nos finais dos anos 1980, uma nova constituição da República,
prevendo eleições democráticas começa a ser preparada. Ela foi promul-
gada em 1990. Dois anos depois, um acordo de paz pondo fim ao conflito
armado foi assinado, e em 1994 as primeiras eleições pluralistas tiveram es-
paço no país. As restrições a mobilidade e o forte controlo social sobre este
fenómeno deixaram de fazer sentido neste novo contexto político.
A implementação da OP produziu aspectos não esperados. A produção
tão almejada, o enquadramento dos “improdutivos”, a vontade política de
lhes tornar “úteis” (como se realmente se tratasse de “inúteis”), a organi-
zação da cidade segundo o ideal de modernização autoritária (apelidado
“socialista”), a protecção das conquistas da “Revolução”, o fim da crimi-
nalidade, da prostituição, todas as razões pelas quais esta Operação foi
adoptada, justificada e legitimada, não foram alcançados. Ela produziu um
descontentamento generalizado (em primeiro lugar evidentemente entre as
vítimas), um sentimento de marginalização e de rejeição pelo estado. A
ideia segundo a qual ela foi um sucesso, como foi recorrente em algumas
entrevistas, seja político, económico ou sócio-humano, parece mais ques-
tionada por esses efeitos contestados e pela repudiação que ela gerou.
É difícil argumentar um certo reforço da Renamo como resultado da
Operação Produção. Não a curto prazo. O mesmo já não se pode dizer das
medidas forçadas de socialização do campo, das aldeias comunais, ma-
chambas colectivas, dos campos de reeducação. O facto de alguns “impro-
dutivos” terem sido enviados aos campos de reeducação e para algumas
machambas estatais contribuí para alimentar a hipótese segundo a qual a
Operação Produção terá produzido alguns descontentes, que a médio e
longo prazo poderão ter-se juntado a Renamo (FBIS-AFR-88-090, 10 de
Maio de 1988: p.3-4). Mais esta hipótese que também aparece na obra de
Gefray (1991), argumentando que as políticas das aldeias comunais terão
contribuindo para a adesão de alguns camponeses de Nampula à Renamo,
carece certamente duma investigação maior do que os objectivos desta obra.

88
REGARDS CROISÉS

CONCLUSÃO
Resultado duma construção social associada às representações, do refe-
rencial e aos sistemas de percepção dos dirigentes políticos da época, con-
frontados à um contexto económico, político e sócio-cultural específico e
à uma herança colonial ainda presente, a OP não pode ser compreendida se
não neste ambiente onde ela é simultaneamente produto e produtor.
Várias explicações foram avançadas para alcançar a dinâmica desta realidade
emblemática da trajectória social, política e económica do Moçambique pós-co-
lonial. As vezes um modelo “socialista” de gestão do espaço urbano, outras uma
vontade política de reafirmar e impôr o monopólio da coerção legítima, alí a ne-
cessidade de consolidar o poder do estado, acolá consequência da marginaliza-
ção da economia nacional num contexto de crise internacional e regional, noutro
sítio a última tentativa de controlar as cidades e de acabar com o sector informal
antes da viragem liberal, e outros, estão entre os esforços académicos ou não para
compreender esta medida. A complexidade própria da produção social de políti-
cas – para emprestar Lagroye (2006) – a relação de forças no processo de cons-
trução de políticas públicas (assume-se aqui que a OP é uma política pública), sua
implementação, a necessidade de lhe fazer aceitar e de legitimá-la, implica a mo-
bilização de diferentes pontos de vista.
Pode-se compreender que a OP foi pensada, elaborada, concebida e im-
plementada num contexto de crise económica emergente que trazia con-
sigo uma crise generalizada do Estado. Foi num contexto de aumento da
migração campo-cidade, de desemprego acentuado, não somente nas cida-
des, mas como também no campo; durante um conflito armado, misturado
com a crise da rede de comercialização, controlo dos preços, etc. que mexia
com a produção camponesa, a agricultura e todas as outras actividades eco-
nómicas das quais a maioria da população moçambicana se dedicava para
sobreviver. Os anos 1980 também foram marcados pelas calamidades na-
turais (seca e inundações), que associadas ao conflito e à crise económica
já presente, logo após a independência, vai piorar as condições da produ-
ção camponesa e enfraquecer a capacidade de intervenção dum estado-pro-
vidência nas cidades. Como consequência, uma parte dessa população vai
procurar meios de sobrevivência nas cidades. Mas se bem que estes aspec-
tos não devem ser minimizados para explicar a OP, avançou-se aqui a ideia
de que as origens do fenómeno devem ser procuradas do lado da sociologia
política, particularmente da problemática da produção social de políticas.

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O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

É mais no discurso político que se elaborou sobre os potenciais criminosos,


prostitutas, vagabundos, alcoólatras, sobre o sector informal, sobre as mães
solteiras, os curandeiros, os Testemunhas de Jeová, os “improdutivos ”, na
argumentação prática, na dominação, imposição, aceitação e partilha deste
discurso no seio da elite dirigente do partido-estado, que deve ser procurada
a explicação da OP. Ela é resultado da dimensão subjectiva do processo de
tomada de decisão. Pois, objectivamente os “improdutivos” não existiam.
Mesmo no caso de terem existido, só constituíram um problema que de-
mandou a mobilização política das instituições do estado para lhe fazer face
porque foi construído como tal. Mais no discurso, do que nos próprios proble-
mas evocados. Pois, os problemas já existiam antes da OP e continuaram a
existir depois. O que muda com esta Operação, é maneira como estes proble-
mas foram percebidos, e é esta percepção, que justificou a intervenção das au-
toridades públicas e das suas instituições, para lhe fazer face. É também esta
percepção dos “improdutivos” e do que eles representavam, no meio urbano,
que este facto justificou a sua evacuação e a sua respectiva legitimação. A von-
tade exprimida no discurso político de transformar os “improdutivos” os “inú-
teis” e os “perigosos” em pessoas “produtivas” e “úteis” a sua sociedade, não
pode ser compreendida se não se tomar em conta que estas pessoas, que tinham
pouco a ver com o conceito unidimensional de “improdutivos”, foram produ-
zidas, inventadas e criadas pelo poder do partido-estado. Assim, houve certa-
mente num dado momento (o que a pesquisa posterior pode determinar), uma
tomada de consciência colectiva no seio da direcção da Frelimo sobre a
necessidade desta Operação e da forma como foi implementada.
Esta-se na presença dum caso em que se deve distanciar das abordagens in-
dividualistas e “individualizantes” e da personificação, para avançar a ideia se-
gundo a qual a Operação Produção de 1983 foi uma acção política partilhada
(mesmo que se tenha havido a imposição de alguns sobre os outros) no seio
dum grupo de dirigentes políticos que se identificavam com uma crença co-
lectiva e “colectivizante”, com um sistema referencial sobre o modelo de or-
ganização e de ordem social nas cidades. As abordagens individualistas e
“individualizantes” mostraram a sua limitação para captar a complexidade do
processo de construção social de políticas, na medida em que há sempre uma
zona cinzenta, de incerteza que impede a tomada de decisão na base dum sim-
ples cálculo custo-benefício para os interesses individuais, e que existe sempre
uma relação de forças entre diversos intervenientes (stakeholders), seja no seio
de grupos diferentes (sociedade civil, grupos de interesse, lobbying, outsiders),
ou no seio do mesmo grupo. Este aspecto aparece claramente no caso desta

90
REGARDS CROISÉS

Operação. Bem que o objectivo acentuou mais sobre a maneira de lhe aplicar,
que sobre o conteúdo, a OP foi mesmo assim precedida dum debate – não
público – entre as diferentes sensibilidades no seio da Frelimo.
Esta Operação entra assim na visão global da Frelimo, um partido-es-
tado, partido único que se apresenta como “marxista-leninista” (oficial-
mente em 1977), como o único representante legítimo dos interesses do
“povo” moçambicano e que tem uma visão autoritária e militarizada sobre
a organização da ordem política. É difícil compreender o carácter coercivo
da OP sem captar a realidade deste partido dirigente. Certamente que existe
o indivíduo, mas para além deste, está-se em presença duma acção colec-
tiva, duma instituição, dum sistema político, dum estado que confunde uma
certa modernização com a transição socialista.
Assim, a OP não foi possível se não pela existência dum “quadro men-
tal” anterior, segundo o qual é toda a população moçambicana que devia ser
“organizada”, “modernizada”, “moçambicanizada”, transformada numa
massa nacional de “Homem Novo” – o paternalismo autoritário, expressão
do paradigma de modernização rápida, está na base dessa percepção duma
elite produzida pelo, ou a margem dum estado colonial.
O estado “da Frelimo” é um estado que deriva dum sistema colonial es-
truturante, e donde principalmente, o modelo autoritário, está ligado a ideo-
logia colonial de exploração e de reprodução da colonização. Para
compreender a OP esta herança não pode ser minimizada. Contrariamente
ao discurso de ruptura com tudo que fora herdado da colonização (por exem-
plo a exploração do homem pelo homem, a discriminação, o racismo, o de-
semprego, a exclusão do acesso às cidades, o sistema económico e político)
é possível estabelecer um certo paralelismo no espírito da OP, sobretudo no
que concerne a percepção do desempregado, do trabalho “útil” e do que ele
representa no meio urbano, com o modelo colonial do “indígena” “vaga-
bundo” e “preguiçoso”. Sem ser uma reprodução exacta, mesmo o conceito
desta Operação, remete à experiência do modelo de gestão da mobilidade
populacional e das cidades, durante a colonização. A época mudara, o próprio
estado também mudou, o contexto internacional mudou, mas o paralelismo
quanto ao imaginário social sobreviveu a estas mudanças de contexto.
O carácter coercivo desta Operação e o seu desajustamento com a rea-
lidade da sociedade sobre a qual ela devia ser aplicada, levou à um fra-
casso. E o facto que o discurso sobre as suas consequências, tenha
acentuado um certo sucesso político, sugere o questionamento daquilo que
foi apresentado inicialmente como seus próprios objectivos. Esta medida

91
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

originou um forte sentimento de exclusão e de marginalização duma parte


da população, muito mais vasta do que àqueles que foram evacuados. Qual-
quer um no sector informal sabia que era doravante susceptível de ser eva-
cuado. Mais uma vez isto remete à experiência colonial, ao longo do qual
o direito ao espaço urbano foi definido em função da atribuição oficial do
estatuto de produtor e útil neste espaço, materializada pelo cartão de tra-
balho, e não de acordo com a função social realmente exercida pelas pes-
soas. Não é por acidente que certos “produtivos” foram evacuados e que
alguns “improdutivos” permaneceram nas cidades, tanto no período colo-
nial, assim como neste início do período pós-colonial.
O que preocupa esta pesquisa é a existência de vozes sonantes e domi-
nantes na liderança do partido que argumentam uma possível reedição desta
Operação face ao aparente caos urbano que se assiste, principalmente e
mais uma vez na cidade de Maputo. Pois, segundo estas, embora se possa
questionar o modus operandi da OP, as suas intenções eram cheias de “hu-
manismo”. É indubitável que a ideia de transformar o “improdutivo” e por
isso “parasita” urbano em produtivo, sobretudo rural, em contribuinte para
uma das grandes prioridades do governo, que é o aumento da produção e a
dinamização da indústria, é recebida com satisfação e entusiasmo no seio
da liderança da Frelimo. E não somente aqui, mas também no seio da po-
pulação no geral, como as entrevistas revelaram e o discurso de Samora
Machel, a 21 de Maio de 1983 também demonstrou. Não se podia negar
esta “santificação” do estado-providência numa êpoca em que tudo devia
ser feito para recuperar um estado em crise generalizada. Contudo, o seu
modus operandi, a sua instrumentalização, sobretudo ao nível local onde o
depoimento dos chefes de quarteirão, dos secretários do bairro, dos mem-
bros dos grupos dinamizadores, da OJM e da OMM, dos chefes de 10 casas
sobre a condição de improdutivo ou não dos suspeitos era aceite sem ques-
tionamento, desvirtuou as ditas boas intenções desta Operação. Isto abre
espaço para questionar a dimensão humana desta política, como é recor-
rente não só no discurso do primeiro decénio da independência, mas como
também nos dias que nos acompanham. Se bem que alguns dos evacuados,
mais por iniciativas próprias do que do governo, conseguiram se adaptar ao
novo contexto sócio-cultural, encontraram formas honestas de produzir para
sua subsistência. Parte significativa destes não regressou e são os designa-
dos “machanganis do Niassa”. Ou seja, embora tenha sido um fracasso,
algumas pessoas superaram as dificuldades criadas pela Operação Produ-
ção (Mariano Matsinhe, entrevistado aos 29 de Março de 2016). São os

92
REGARDS CROISÉS

casos de José Ngovene, hoje secretário de Miala, no distrito de Sanga, em


Niassa. Este tem família (esposa e filhos) e vive uma vida normal, tendo
agricultura como a base de subsistência. Herbet Jossias, secretário de
Unango, também é um caso daqueles que conseguiu se adaptar as condições
difíceis de Unango, para onde foi levado pela Operação Produção, em 1983.

93
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

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Notícias, 10 de Outubro de 1983
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101
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
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102
REGARDS CROISÉS

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Exposição
Exposição Xilunguine: as origens da cidade, Maputo: Centro de Estu-
dos Brasileiros, 20 julho – 10 Agosto, 2005. (Commissaires: António Sopa
et Bartolomeu Rungo).

Entrevistas
− Araújo, Manuel de, Docente e Universitário na Universidade Eduardo
Mondlane, entrevistado aos 20 de Maio de 2010, na cidade de Maputo.
− Bila, Custódio, agente de seurança do estado nos anos 1980s, entrevista aos
23 de Dezembro de 2009, na Matola Rio, Boane, Província de Maputo.
− Chiao, João, Secretário do bairro de Maxaquene na época da Operação
Produção, entrevistado aos 09 de Janeiro de 2010 na cidade de Maputo.
− Frangoulis, António, oficial da polícia, entrevistado aos 12 de Abril de
2016 na cidade de Maputo.
− Gimo, André, funcionário do Ministério da Administração Interna
aquando da implementação da Operação rodução, entrevistado aos 8 de Ja-
neiro de 2009 na cidade de Maputo.
− Honguana, Teodato, Segundo Vice-Ministro da Administração Interna
aquando da implementação da Operação Produção, entevistado aos 05 de
Janeiro de 2010 na cidade da Matola.
− José, Alexandrino, Arquivo Histórico de Moçambique, Docente e Pes-
quisador na Universidade Eduardo Mondlane, entrevistado aos 11 de Maio
de 2010 na cidade de Maputo.
− Luciano, Teodósio, funcionário do Ministério da Administração In-
terna aquando da implementação da Operação Produção, entrevistado aos
8 de Janeiro de 2009 na cidade de Maputo.
− Mucuapera, oficial do Ministério da Administração Interna aquando da
implementação da Operação Produção, entrevistado aos 11 de Setembro
de 2009 na cidade de Maputo.

103
O PODER DO PODER: OPERAçãO PRODUçãO E A INvENçãO DOS «IMPRODUTIvOS»
URbANOS NO MOçAMbIqUE SOCIALISTA, 1983-1988

− Alfredo Ngula, Ajudante de Campo do Alberto Chipande (governador da


Cabo Delgado aquando da implementação da OPeração Produção), entrevistado
aos 23 de Dezembro de 2009 Matola Rio, Boane, província de Maputo.
− Serra, Carlos, Docente e Pesquisador no Centro de Estudos Africanos
da Universidade Eduardo Mondlane, entrevistado aos 27 de Julho de 2009
na cidade de Maputo.
− Sitoe, Aifiliado Julai, Adjunto Comissário da Polícia Popular de Mo-
çambique aquando da implementação da Operação Produção, entrevistado
aos 21 de Maio de 2010.
− Sérgio Vieira, Governador de Niassa em 1983, entrevistado aos 6 de
Agosto de 2015.
− Mariano Matsinhe, Ministro do Interior até 1982 e posteriormente
ministro da Segurança, entrevistado aos 29 de Março de 2016.
− Moisés Samson, vítima da Operação Produção, entrevistado aos 13
de Julho de 2016.
− Mabosse Mucambo, vítima da Operação Produção, entrevistado aos 13
de Julho de 2016.
− Manuel Fernandes, vítima da Operação Produção, entrevistado aos 15
de Julho de 2016.
− Carlos João Trindade, Juíz Presidente da Província de Maputo nos
anos 80, entrevistado aos 04 de Abril de 2016.
− José Ngovene, vítima da Operação Produção, entrevistado aos 13 de
Julho de 2016.
− Herbet Jossias, vítima da Operação Produção, entrevistada aos 15 de
Julho de 2016.
− Rosa Iassido, escapou da Operação Produção por ser esposa do chefe
de posto da polícia de Xinavane, entrevistado aos 15 de Julho de 2016.
− Padre Diamantino Antunes, da Diocese em Lichinga, entrevistado aos
21 de Julho de 2016.
− Vasco Chichava, ex-reeducando, entrevistado aos 16 de Julho de 2016.
− Jaime Ntivane, ex-reeducando, entrevistado aos 21 de Julho de 2016.
− Luís de Brito, entrevistado aos 14 de Abril de 2016.
Páginas da internet
Mozambique History Net (mozambquehistory.net)
Moçambique para todos (http://macua.blogs.com/)

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