TH019 - Mecânica Dos Fluidos I Apostila de Teoria

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TH019 – MECÂNICA

DOS FLUIDOS I
Apostila de Teoria

Autores:
Nelson L. S. Pinto
Sinildo H. Neidert
Heinz O.D. Fill
Demetrios Lambros
Francisco C.A. Reis
Marcos J. Tozzi
José J. Ota

1
SUMÁRIO
CAPÍTULO I ......................................................................................................... 3
CAPÍTULO II ...................................................................................................... 11
CAPÍTULO III .................................................................................................... 37
CAPÍTULO IV .................................................................................................... 56

2
CAPÍTULO I

FLUIDOS - DEFINIÇÕES - HISTÓRICO - CARACTERÍSTICAS


GERAIS

De forma geral, a matéria apresenta-se sob três estados: sólido, líquido e gasoso. No
que se refere à Mecânica dos Fluidos, contudo, a subdivisão se reduz a duas categorias,
sólidos e fluidos, estes englobando líquidos e gases. Essa classificação é baseada na diferença
que líquidos e gases apresentam, comparativamente aos sólidos, quando sujeitos a tensões
tangenciais. Os fluidos, quando submetidos a esforços tangenciais, deformam-se
continuamente, por menores que sejam esses esforços. Por seu lado, os sólidos apresentam
deformações proporcionais às tensões a que são submetidos, mantendo-se em equilíbrio a
cada situação de carga. Nestes, a grandeza do esforço cortante depende da magnitude da
deformação angular, enquanto que para os fluidos, o esforço cortante é proporcional à
velocidade da deformação angular.
Os fluidos são chamados de newtonianos quando o esforço tangencial é diretamente
proporcional à velocidade de deformação angular, sendo nulo para a deformação nula. É o
caso dos fluidos mais comuns como a água e o ar. Essa distinção quanto à deformação pode
não ser, na verdade, muito nítida. Existem, por exemplo, certas substâncias plásticas que
abaixo de um certo esforço cortante reagem praticamente como um sólido e acima como um
fluido. O aparecimento de uma grande quantidade de materiais sintéticos com
comportamentos variados quanto à deformabilidade e sua importância no mundo atual
levaram a um desenvolvimento acentuado da Reologia, disciplina que estuda os plásticos e os
fluidos não newtonianos, ou seja as substâncias que apresentam condições de deformabilidade
ou escoamento distintas das dos fluidos newtonianos, ver figura I-1.

Os fluidos podem ser classificados, ainda, conforme a sua reação aos esforços normais
(pressão), em líquidos e gases. Os líquidos são relativamente pouco compressíveis e, com
algumas exceções, podem ser tratados na prática como incompressíveis, mesmo quando
existem importantes variações de pressão. Os gases, por sua vez, apresentam um alto grau de
compressibilidade. No seu movimento, em geral, são importantes os efeitos termodinâmicos.

3
Entretanto, quando a variação de pressão é pequena, torna-se possível tratá-los igualmente
como fluidos incompressíveis.
Devido à simplificação permitida pela consideração da incompressibilidade, é natural
que o estudo do movimento dos fluidos seja iniciado pelo dos líquidos. Esta sistemática não é
somente didática, mas coincide com a própria evolução histórica do conhecimento, pois, pela
sua importância para a vida do homem desde a mais remota antigüidade, foi a água o fluido
que primeiro excitou o seu interesse sob o ponto de vista da mecânica. As necessidades
relativas à navegação, irrigação, drenagem e abastecimento de água motivaram naturalmente a
crescente atenção sobre as características do seu escoamento.
O movimento dos gases, ainda que o ar seja absolutamente vital ao homem, somente
mereceu atenção maior nos tempo modernos. É verdade que os sistemas direcionais utilizados
nas flechas podem ser considerados como uma das mais antigas aplicações intuitivas de
princípios da aerodinâmica.
Com exceção da importante contribuição de Arquimedes (287-212 a.C.), que assentou
os princípios básicos da estática dos líquidos, pode-se dizer que somente após a Idade Média,
com o advento da Renascença, passou o homem a se interessar pelas leis físicas e pela
experimentação, tentando quantificar as relações entre causas e efeitos. Anteriormente, a
utilização da água ou dos princípios de sua mecânica havia sido considerável, sem dúvida,
como o atestam os navios dos egípcios e fenícios; as obras de irrigação no Egito no tempo de
Menés (4.000 a.C.) e o sistema de reservatórios e canais da época de Ramsés II (1.300 a.C.);
os trabalhos de drenagem dos Assírios na Mesopotâmia e os sistemas relativamente avançados
de distribuição de água na Índia (3.000 a.C.). Mais recentemente, destaca-se a obra
monumental de adução de água dos romanos, de que são testemunho os aquedutos
encontrados ainda em diversas partes da Europa e a sua rede de água e esgotos, da qual um
dos emissários principais, a Cloaca Máxima em Roma, encontra-se ainda em funcionamento.
Entretanto, nada indica que as leis do movimento ou as propriedades dos líquidos
fossem conhecidas e aplicadas no projeto daquelas obras. Eram, quase certamente, frutos da
intuição e do engenho individuais, dos quais não se concluiam regras gerais e princípios que
permitissem uma compreensão da verdadeira natureza dos fenômenos do escoamento.
A conhecida frase de Leonardo da Vinci (1452 - 1519) - “Ao tratares da água consulta
primeiro a experiência e depois a razão” - pode ser considerada como um marco da evolução
do pensamento e o início da aplicação do método experimental, a partir do qual passou a se
constituir a disciplina hoje conhecida como Hidráulica.
Com o desenvolvimento das ciências, a designação Hidráulica (das palavras gregas
para água e tubo) passou a caracterizar o estudo sistemático do movimento dos líquidos,
baseado nas leis da mecânica, com a finalidade de resolver os problemas relacionados à
Engenharia. O estudo da Hidráulica, efetuado especialmente com base na experimentação
empírica atingiu, sob esta forma, a sua plenitude nos princípios do século XX, quando a massa
de conhecimentos adquiridos permitia resolver praticamente todos os problemas relativos ao
escoamento da água que preocupavam os engenheiros.
Paralelamente aos progressos de natureza prática, desenvolveu-se, especialmente no
decorrer do século XIX, o tratamento analítico do movimento dos fluidos. Classificados hoje
como “Hidrodinâmica Clássica”, esses estudos tratavam do movimento do fluido ideal,
modelo matemático que permitia a resolução de inúmeros problemas segundo um raciocínio
perfeito, constituindo um extenso e bem estruturado conjunto de conhecimentos, que
satisfazia em especial ao espírito dos matemáticos que a eles se dedicavam. Os resultados
obtidos, entretanto, contradiziam freqüentemente os valores experimentais constatados no
escoamento dos fluidos reais, contribuindo para o pouco caso com que eram considerados
pelos engenheiros contemporâneos, a quem interessava especialmente a resolução de
problemas concretos.
4
Com o advento da aeronáutica, tornaram-se evidentes as limitações do enfoque
puramente empírico da Hidráulica para a resolução dos novos problemas técnicos relativos ao
escoamento ao redor de corpos sólidos, enquanto se percebia que a contribuição da
Hidrodinâmica Clássica poderia ser importante, se adaptada aos resultados experimentais.
Com as contribuições de Reynolds, Prandtl e outros, no início deste século, foi
possível generalizar os princípios físicos do escoamento dos fluidos, conciliando as duas
correntes de pensamento e situando com seu devido valor as contribuições da Hidráulica e da
Hidrodinâmica Clássica. Nasceu o que hoje se denomina de “Mecânica dos Fluidos”, uma
ciência que se baseia em princípios físicos e na verificação experimental para a resolução de
problemas técnicos do escoamento dos fluidos, nos campos mais variados da engenharia,
como a meteorologia, a lubrificação, a oceanografia, a aeronáutica, a hidráulica, a balística e
mesmo certas fases da geologia.
Em um curso básico, a Mecânica dos Fluidos cobre essencialmente a matéria dos
cursos tradicionais de Hidráulica, ou seja, abrange especialmente o escoamento de fluidos
incompressíveis, distinguindo-se essencialmente pela natureza do tratamento dos fenômenos,
que substitui o empirismo por uma base física, que permite estender a significação e o alcance
das fórmulas e dos resultados experimentais. A essa filosofia segue o presente texto nos seus
capítulos iniciais, abordando-se a seguir aspectos de aplicação prática direta à engenharia na
forma tradicional (cálculo de condutos, hidráulica de canais) e concluindo-se com capítulos
onde são tratados aspectos fundamentais do comportamento de fluidos compressíveis e
fenômenos associados ao transporte de calor e massa nos escoamentos de fluidos, dentro da
tendência atualmente existente, em certas áreas, de tratar em conjunto e de forma geral o
movimento dos fluidos, sob a designação genérica de “Fenômenos de Transporte”.
O movimento dos fluidos é estudado com base nas leis de Newton, do movimento, no
princípio da conservação da matéria e nas propriedades mecânicas dos fluidos, utilizando-se
das leis da termodinâmica e das propriedades termodinâmicas dos fluidos nos estudos do
escoamento de fluidos compressíveis.
A análise dimensional, que permite estabelecer parâmetros adimensionais indicativos
da influência dos diferentes fatores em jogo, e a experimentação de laboratório completam o
conjunto de ferramentas de que se lança mão na Mecânica dos Fluidos.
A homogeneidade dimensional e a utilização de parâmetros adimensionais são duas
das características fundamentais da Mecânica dos Fluidos.
Como no estudo de qualquer problema da mecânica, as propriedades dos fluidos e seu
comportamento físico são definidos a partir de três dimensões fundamentais, comprimento
(L), tempo (T) e massa (M), exigindo os fenômenos que envolvem efeitos termodinâmicos a
introdução de uma quarta dimensão, a temperatura (t). Para cada uma dessas dimensões
adota-se arbitrariamente uma unidade. Na prática, essas unidades fundamentais variam
segundo o sistema de unidades adotado. Tradicionalmente os físicos preferem o sistema CGS
(centímetro, grama-massa, segundo) e os técnicos o MKpS (metro, quilograma-força,
segundo). Atualmente, contudo, há uma tendência geral à utilização de um único sistema, o
"Système International d'Unités", simbolizado por S.I., adotado inclusive nos países de língua
inglesa de forma quase sistemática e que será preferencialmente adotado no presente texto.
Suas unidades fundamentais são o metro (distâncias, L) - m - o quilograma (massa, M) - kg - o
segundo (tempo, T) - s - e Kelvin (temperatura, t) - K - sendo freqüente, também, o uso do
grau Celsius - oC. Na área da mecânica, são as seguintes as principais unidades derivadas:

- Força: Newton - N (kg. m/s2)


- Energia, trabalho e quantidade de calor: Joule - J (N.m)
- Potência: Watt - W (J/s)
- Pressão, tensão: Pascal - Pa (N/m2 )
5
O uso desse sistema elimina a força como unidade básica. Perde-se, com isso, a
vantagem do uso do valor unitário da força diretamente relacionado ao valor da aceleração da
gravidade e a associação simples entre o peso de 1 kg de água e esse valor unitário; mas,
desaparece a ambigüidade dos conceitos de massa e peso sempre presentes quando utilizado o
sistema técnico e deixa de ser necessária a definição de uma unidade especial de massa,
passando-se a quantificá-la sempre em quilogramas, que não mais terão o mesmo valor
numérico aproximado do quilograma-força.
É normal que na atual fase de transição ao novo sistema, ainda seja comum o uso de
unidades dos sistemas tradicionais e outras de uso habitual. Destacam-se entre elas, no que se
refere às unidades derivadas acima consideradas, as seguintes:

- quilograma-força: kgf, kg*, kp, igual a 1N multiplicado pela aceleração local da


gravidade (gn).

- Várias unidades para quantificar a pressão:


kp/m2 e kp/cm2, sem designação específica.
atmosfera física: atm = 1,033 kp/ cm2 = 10330 . gn Pa
atmosfera técnica: at = l kp/ cm2 = 104 . gn Pa
bar: 10 N/ cm2 = 105 N/m2 =105 Pa

Propriedades Físicas dos Fluidos

Propriedades físicas como massa, peso, viscosidade, compressibilidade e tensão


superficial servem para caracterizar o comportamento mecânico dos fluidos e distinguir sua
atuação em face dos diferentes agentes que influenciam o seu movimento. À exceção da
tensão superficial, essas propriedades serão analisadas em detalhe nos capítulos em que sua
ação for básica na definição dos fenômenos em estudo, resumindo-se seu enfoque no presente
capitulo a uma descrição sumária. À propriedade designada por tensão superficial dar-se-á um
tratamento amplo, devido a não se retornar mais a ela em termos específicos em nenhum dos
tópicos seqüentes.

Massa específica - A massa é uma medida da quantidade de matéria. Relacionando-se


a massa ao volume correspondente, define-se a propriedade
conhecida como densidade (  = m V ). A massa está diretament e relacionad a aos
fenômenos de inércia. Os fluidos mais densos, por exemplo, apresentarão maior resistência à
alteração de seu estado de movimento do que os menos densos. Acelerar um certo volume de
água é portanto mais fácil do que acelerar um volume idêntico de mercúrio, enquanto a
aceleração do ar oferece ainda menor dificuldade do que a existente para os dois líquidos
citados

Peso específico - A ação da gravidade sobre a massa resulta na propriedade conhecida


como peso, que por unidade de volume é designada de
peso específico ( = P V ) . O escoamento de líquidos em canais é um exemplo
típico de movimento ocasionado pelo efeito gravitacional, em que o peso específico tem um
papel importante. Os movimentos de convecção, registrados nas grandes massas de ar na
atmosfera ou de água nos oceanos, são, por sua vez, devidos às variações do peso especifico
por efeito de variações de temperatura.

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Viscosidade - A resistência apresentada pelos fluidos a uma certa intensidade de
deformação é medida pela propriedade conhecida como viscosidade. Os óleos lubrificantes
tem uma viscosidade superior à do álcool, por exemplo. Entretanto, a influência da
viscosidade sobre o movimento pode ser considerada da mesma maneira para qualquer fluido,
sendo importante apenas o seu valor relativo em cada situação de escoamento. O movimento
de um submarino na água deve vencer resistências viscosas de maneira idêntica à de um avião
ou dirigível no ar.

Compressibilidade/Elasticidade - Todos os fluidos são mais ou menos compressíveis.


Os líquidos, entretanto, variam muito pouco de volume mesmo para grandes variações de
pressão. O módulo de elasticidade ou de compressibilidade mede essa resistência à
deformação volumétrica. A água tem um módulo de elasticidade da ordem de 1,96 GPa, bem
menor do que o do aço que vale cerca de 196 GPa. A interrupção repentina do fluxo de água
em uma tubulação muito longa provoca a transmissão de uma onda elástica ao longo da
tubulação, de natureza semelhante à de uma onda sonora em uma barra metálica. O estudo
deste fenômeno, conhecido como golpe de aríete, exige evidentemente a consideração das
propriedades elásticas do fluido. O movimento de aviões com velocidades próximas ou
superiores à do som no ar é outro caso em que são importantes os fenômenos de natureza
elástica.

Tensão Superficial - Os efeitos de tensão que surgem na superfície de líquidos


devem-se a forças de coesão ou adesão molecular. Partículas de qualquer líquido em repouso
estão sujeitas a forças de atração molecular, cujo raio de ação é reduzido, da ordem de um raio
r = 10-7 cm em torno da molécula. Situando-se as partículas no interior da massa fluida, há
equilíbrio dessas forças, devido a se anularem mutuamente. Partículas vizinhas à superfície,
porém , têm comportamento diferente. Considerando na figura I.2 a molécula M, distante de
um valor m r da superfície, observa-se que atrações resultantes de moléculas vizinhas que
se encontram entre a superfície (S) e o plano simétrico a ela (S') em relação a M, serão
mutuamente anuladas, mas moléculas dentro do raio de ação r e abaixo de S' exercerão sobre
M uma tração descendente. As componentes tangenciais dessas forças de atração molecular
dão origem, na superfície, a forças que tomadas por unidade de comprimento da linha normal
a elas recebem a designação de tensão superficial,  [ FL-1].

As forças segundo as tangentes a uma superfície líquida curva dão origem a


componentes verticais que, para que prevaleça o equilíbrio estático, devem ser
contrabalançadas por uma força de pressão também vertical, resultante da diferença de pressão
entre regiões na superfície e imediatamente abaixo dela. A superfície pode ser assemelhada a
uma membrana - figura I.3. Tendo em conta os símbolos adotados, resulta:

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dFs − dFi = dN = 2dx sen( y 2) + 2dy sen( x 2)
sen( y 2) = dy 2R y ; sen( x 2) = dx 2 Rx
 1 1 
( ps − pi )dxdy = dxdy +

 R y Rx 
 1 1 
p = ps − pi =   +  (I - 1)
R 
 y Rx 

A equação (I-1) é geral. Para uma gota de líquido, que pode ser considerada uma
esfera, Ry = Rx = R, p =  (2/R); para uma bolha de sabão, em que há duas superfícies a
considerar, ambas aproximadamente de mesmo raio, p = (4/R); para um cilindro, Ry = R e
Rx = , p = /R.
Outro efeito decorrente da tensão superficial é a curvatura das superfícies líquidas na
interseção com superfícies sólidas, estabelecendo-se um ângulo entre a direção da superfície
sólida e a tangente à superfície curva no ponto de contato, designado por “ângulo de contato” -
figura I-4. Se o ângulo é menor que 900, o líquido “molha” (adere) à superfície sólida e o
líquido ascende sobre a parede; com ângulos maiores que 900, o líquido "não molha" (adere) à
superfície sólida e há uma depressão junto a ela. A ascensão, a depressão ou mesmo a
ausência de ambos ( = 900), constituem um fenômeno complexo, dependente das tensões
superficiais que se desenvolvem nas superfícies de contato na região - figura I-4b, delas
dependendo o valor do ângulo . Como exemplos, no triplo contato “água pura -
vidro extremamente limpo - ar”,  = 0 , enquanto no triplo contato “mercúrio - vidro
0

extremamente limpo - ar”,  = 1300. Esses valores são condicionados (como as tensões
superficiais) por ações moleculares exercidas pelas substâncias em contato; no primeiro
exemplo as atrações exercidas pelas moléculas do vidro sobre as da água tem intensidade
superior às existentes entre moléculas desta e haverá adesão; no segundo exemplo as atrações
exercidas pelas moléculas do vidro sobre as do mercúrio são inferiores às existentes entre as
moléculas deste e não haverá adesão. Em termos práticos, nem os líquidos são totalmente
puros, nem o vidro totalmente limpo e os ângulos de contato tendem a diferir dos indicados,
para mais no primeiro exemplo e para menos no segundo.

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Decorrência dessa curvatura junto a paredes sólidas é a ascensão (de pressão) de
líquidos (“capilaridade”) em tubos de pequeno diâmetro ou placas planas próximas, quando se
pode supor que toda a superfície é curva - figura I-4a. Partindo da equação (I-1) e admitindo a
superfície livre esférica, com raio R. tem-se, para um tubo circular de raio r:
Rx = R y = R; R = r cos
p s − pi  2 cos 
= 
  r 
2 cos
h= (I - 2)
r

A expressão acima permite avaliar a ascensão capilar, desde que se conheça o ângulo
de contato . Sua precisão será tanto maior quanto mais preciso esse valor e menor o raio r
(superfície esférica). Como regra geral, seu valor é conservador, isto é, valores de h obtidos
através da equação (I-2) tendem a ser superiores aos reais.
Na tabela seqüente indicam-se alguns valores do coeficiente de tensão superficial, .
São válidos para a temperatura de 200C (como a tensão superficial é função da coesão
intermolecular, seu valor é significativamente afetado pela temperatura) e para as superfícies
de contato especificamente citadas, pois seu valor será sempre função das ações moleculares
de ambas as substâncias.

Fluidos em  (N/m)
Contato
Mercúrio - Ar 0,461
Água - Ar 0,073
Álcool - Ar 0,025
Óleo - Ar 0,030
Óleo - Água 0,020
Álcool - Água 0,002

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Pressão de Vapor - Os líquidos evaporam por causa de moléculas que escapam pela
superfície livre. As moléculas de vapor exercem uma pressão parcial no espaço, conhecida
como pressão de vapor. Se o líquido encontra-se confinado em um determinado recipiente,
depois de certo tempo a taxa de líquido vaporizado é igual à taxa de vapor condensado. Esta é
a situação de equilíbrio termodinâmico. Como este fenômeno depende da atividade molecular
e esta é função da temperatura, a pressão de vapor de um líquido é uma propriedade física que
dependente fundamentalmente da temperatura, aumentando com o aumento desta. Uma
substância líquida entra em ebulição quando a pressão do sistema ao qual faz parte atinge a
pressão de vapor dessa substância. A ebulição da água, por exemplo, pode ocorrer à
temperatura ambiente se a pressão for suficientemente reduzida (a 20oC a pressão de vapor da
água, pressão absoluta, é 2,447kPa) ou corresponde ao seu ponto de ebulição quando, sobre a
superfície livre da água, atuar a pressão atmosférica (a 100oC a pressão de vapor da água é a
pressão atmosférica).
Em muitas situações, no escoamento de líquidos, é possível que pressões bastante
baixas apareçam em certas regiões do sistema. Em tais circunstâncias, as pressões podem ser
iguais ou inferiores à pressão de vapor, proporcionando uma evaporação muito rápida do
líquido em movimento. Neste processo, uma bolsa de vapor, ou “cavidade”, que se expande
rapidamente, é formada e normalmente arrastada para regiões de pressão mais elevada,
ocorrendo então o colapso desta bolsa.
A formação e extinção de bolhas de vapor afetam o desempenho das bombas e
turbinas hidráulicas e pode erodir partes metálicas pela ação de sua explosão, fenômeno este
conhecido por cavitação.

Referências:
Pinto;N. L. S.; Neidert; S. H.; Fill, H. D. O. A.; Lambros, D.; Reis; F. C. A.; Tozzi;M.
J.; Ota.J. J. Noções Básicas de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica. Curitiba, UFPR, DHS.

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CAPÍTULO II

ESTÁTICA DOS FLUIDOS INCOMPRESSÍVEIS - HIDROSTÁTICA

A estática dos fluidos incompressíveis, ou hidrostática, estuda o equilíbrio dos líquidos


em repouso.
Coube a Arquimedes, cerca de dois séculos antes de Cristo, estabelecer as primeiras
noções corretas sobre o equilíbrio dos líquidos. Os seus postulados e conseqüentes princípios
constituem a base da hidrostática, à qual não se acrescentou muito nos tempos modernos.

Seus postulados foram assim enunciados:

1 - Nós consideramos em princípio, que a natureza dos fluidos é tal que quando suas
partes são colocadas uniformemente e de maneira contínua, aquela que está menos
pressionada é deslocada pela que recebe maior pressão e que cada parte recebe sempre a
pressão correspondente ao peso total da coluna que existe perpendicularmente sobre a mesma,
a não ser que o fluido esteja contido em algum lugar ou seja comprimido por um agente
estranho.

2 - Admitimos como certo que os corpos que são forçados para cima em um fluido
recebem esta força ao longo de uma perpendicular que passa através de seu centro de
gravidade.

Desses postulados, Arquimedes deduziu os seguintes princípios:

- A superfície de qualquer fluido em repouso é a superfície de uma esfera cujo centro é


o centro da Terra.
- Qualquer sólido mais leve do que um fluido, se colocado nesse fluido, imergirá de tal
maneira que o peso do sólido será igual ao peso do fluido deslocado.
- Se um sólido mais leve do que um fluido for forçado a imergir nesse fluido, o sólido
receberá uma força para cima igual à diferença entre seu peso e o peso do fluido deslocado.
- Um sólido mais pesado que um fluido, se colocado nele, descerá até o fundo e o
sólido, quando pesado no interior do líquido, será mais leve do que seu peso verdadeiro de um
valor igual ao peso do fluido deslocado.

A importância da descoberta de Arquimedes pode ser avaliada pelo tempo decorrido


até que nova contribuição importante esclarecesse algo mais sobre a natureza do equilíbrio
dos líquidos. Simon Stevin (1548 - 1620), matemático holandês, contribuiu para o
conhecimento das leis da hidrostática com a seguinte proposição:

- O fundo de uma massa de água, paralelo ao horizonte, suporta um peso igual ao peso
da coluna de água, cuja base é o próprio fundo e a altura a perpendicular ao horizonte entre o
fundo e a superfície da água.

Esta proposição era demonstrada para um recipiente de paredes verticais, pela


consideração de que se a carga em qualquer seção EF fosse maior do que o peso da coluna de
água GHEF, a força total sobre a superfície DC seria maior que o peso total da água no
recipiente, o que seria um absurdo.
11
Stevin completou o raciocínio para o caso de paredes não verticais, argumentando que
se uma parte do recipiente fosse tomada por um sólido de mesmo peso que o líquido,
deixando apenas a figura MLEFKI como líquido, a força sobre a superfície EF não seria
alterada.

Esta noção, sobre o que hoje se denomina de variação hidrostática da pressão, não
considerava ainda o problema da distribuição das pressões em outras direções que a vertical.
Coube, finalmente, a Blaise Pascal (1623 - 1662), em seus estudos sobre o princípio da
prensa hidráulica, estabelecer o axioma final da hidrostática: “Em um fluido em repouso, a
pressão se transmite igualmente em todas as direções”, conhecido hoje como o Princípio de
Pascal.
Até o século XVII, o homem não havia concebido as noções básicas do cálculo
diferencial e integral, que permitiram um tratamento matemático mais adequado da série de
problemas da mecânica dos sólidos e dos fluidos, cuja explicitação envolve as funções
contínuas, quer no espaço quer no tempo. Essas noções se devem a Leibnitz (1646 - 1716) e
Newton (1642 - 1727), que as desenvolveram quase que simultaneamente, colocando à
disposição dos homens de ciência uma ferramenta de uma força extraordinária, que propiciou
um progresso notável do conhecimento científico.
Se bem que as contribuições de Arquimedes, Stevin e Pascal exprimem a essência das
leis da hidrostática, o tratamento matemático do problema, hoje característico do estudo de
qualquer ciência, permite uma generalização muito mais ampla, facilitando ainda a aplicação
dos princípios básicos à resolução dos problemas práticos.
Esse tratamento matemático se faz com base na mecânica dos meios contínuos, setor
da mecânica que estuda os corpos sólidos ou fluidos através de um modelo matemático
denominado de contínuo.
Por contínuo, entende-se um campo constituído por um conjunto infinito de pontos
materiais, denominados partículas, suscetíveis de movimento, de tal forma que não se
interpenetrem ou deixem espaços vazios.
Esta definição implica em que, se uma partícula ocupa no instante t0 uma posição R0
(definida, por exemplo pelas coordenadas x0, y0, z0) em outro instante t1 estará em outra
posição R1 (que excepcionalmente poderá ser R0), que não pode ser ocupada naquele instante
por nenhuma outra partícula do contínuo em movimento. A posição de qualquer partícula
pode ser portanto expressa pelas funções:

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x = f1 (x0 , y0 , z0 , t)
y = f 2 (x0 , y0 , z0 , t) (II - 1)
z = f 3 (x0 , y0 , z0 , t)
que deverão ser contínuas | lim f(x) = f (x0) |
x → x0

e deriváveis pelo menos duas vezes com respeito ao tempo. O sistema deve ainda
permitir a definição de x0, y0, z0 como funções de x, y, z, t:

x 0 = F1 (x, y, z, t)
y 0 = F2 (x, y, z, t) (II - 2)
z 0 = F3 (x, y, z, t)
com as mesmas propriedades das funções (II-1).
A consideração de um fluido real como um meio contínuo, apesar de não corresponder
à realidade física da constituição da matéria, é uma simplificação aceitável no estudo da
maioria dos fenômenos de interesse técnico. As propriedades do escoamento, a que se dão um
caráter de continuidade, resultam, na realidade, da média das propriedades das moléculas
contidas em uma pequena porção do fluido. Basta lembrar que um milímetro cúbico de ar nas
condições normais de pressão contém 2,7.1016 moléculas, para se verificar a aceitabilidade da
noção de contínuo.
Em casos de extrema rarefação, como o encontrado, por exemplo, a grandes altitudes,
em que o espaçamento médio entre moléculas pode atingir ou superar a ordem de grandeza do
metro, a hipótese da continuidade deixa, evidentemente, de ter validade.

Densidade e Peso Específico

Como foi visto no início do capítulo, a pressão no interior de um líquido é geralmente


decorrente do peso deste líquido, ou seja, da ação da gravidade sobre sua massa. Torna-se
portanto conveniente, nesta oportunidade, precisar as definições de densidade e peso
específico, consideradas não somente como valores médios de um dado volume de fluido, mas
como propriedades que caracterizam a partícula do fluido, podendo variar de ponto para ponto
como função de suas coordenadas no interior da massa fluida. Nestas condições, a densidade
em um ponto é definida pela expressão

m dm
 = lim =
V → 0 V dV

em que m corresponde à massa do elemento de volume V em torno do ponto que se


considere no interior do fluido. É evidente que esta definição só tem sentido para o meio
contínuo abstrato e não para o fluido real, em que um volume tendendo a zero acabaria por
tornar indefinível o valor da densidade (número cada vez mais reduzido de moléculas).
Da mesma forma, pode-se definir o peso específico em um ponto pela expressão:

P dP
 = lim =
V → 0 V dV
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A relação entre a densidade (), também denominada de massa específica, e o peso
específico () resulta imediatamente da expressão P = m.g:

 = .g

As dimensões da densidade e do peso específico são, respectivamente:

|  | = | ML-3 | = | FL-4 T2|


|  | = | ML-2 T-2 | = | FL-3|
No sistema internacional de unidades a densidade é expressa em kg.m-3 e o peso
específico em N.m-3 .A densidade de um fluido varia com a temperatura e a pressão. Para os
líquidos esta variação é muito pequena. A densidade da água, por exemplo, não se altera em
mais que 0,6% para temperaturas oscilando entre 0 oC e 35 oC.
Em problemas correntes, é comum se considerar para a água os valores  = 1.000
kg.m e  = 9810 N.m , enquanto para o ar à pressão atmosférica normal é razoável se adotar
-3 -3

 = 1,2 kg.m-3 e  = 11,8 N.m-3. A observar que no valor do peso específico da água reside um
dos aspectos cômodos do sistema técnico, pois no mesmo se tem  = 1.000 kp.m-3

Forças de pressão e forças de massa

Quando um meio fluido de densidade constante está em equilíbrio estático, as


partículas do fluido não se movimentam com relação a um sistema absoluto de referência, ou
a um sistema solidário ao movimento da Terra. Esta é, a rigor, a situação prevista no estudo da
hidrostática.
Quando existe um movimento do conjunto do meio fluido, sem que se verifiquem
deslocamentos relativos entre as partículas, diz-se que o fluido está em equilíbrio relativo. As
leis da hidrostática aplicam-se igualmente a este caso, bastando para isto uma escolha
conveniente do sistema de referência.
Em um fluido em equilíbrio agem duas espécies de forças: forças de pressão e forças
de massa. As primeiras atuam sobre as superfícies de contorno de qualquer volume do fluido,
enquanto as últimas agem sobre cada partícula proporcionalmente à sua massa.
Considere-se (fig. II-2) um volume qualquer de fluido, V, secionado em dois pelo
plano A. A ação do volume V2 sobre a parte V1 pode ser substituída por uma
distribuiç ão contínua de forças atuando na superfície A. Chamando de  F a força
que age sobre o elemento de área A, em torno do ponto P, define-se como pressão naquele
ponto o esforço unitário expresso pela relação

F dF
p = lim =
A → 0 n .A n .dA

representa ndo n o versor normal à área, de sentido oposto que o da força  F.

Nos fluidos em repouso a força elementar d F = npdA é evidenteme nte


normal à superfície considerada, pois não havendo movimento relativo entre as partículas, não
pode existir uma componente tangencial paralela a esta superfície.

14
A ação total do volume V2 sobre o volume V1, no plano A, será expressa portanto por
F =  d F =  n pdA
A A

uma força de pressão ou empuxo que se exerce na superfície genérica A.

As forças de massa, por sua vez, agem em cada partícula do fluido. O exemplo mais
característico é a força devida à ação da gravidade. Um volume unitário de fluido recebe uma
ação igual a

 = - g (II-4)

em que o sinal negativo exprime unicamente o sentido de cima para baixo com
relação ao sistema ortogonal de referência . Por unidade de massa, esta força vale g.
Portanto, a força de massa devida à atração da gravidade é expressa por -g (N.kg-1 ),
indicando o sinal negativo o sentido descendente. De maneira análoga, poder-se-iam definir
forças de massa devidas a um campo de forças qualquer.
A pressão tem as dimensões de uma força por unidade de área; entretanto, pelo
princípio de Pascal, seu valor é único em cada ponto, independentemente da direção que se
considere, o que lhe confere uma natureza escalar, como se pode demonstrar a partir da
análise das pressões atuantes sobre um tetraedro elementar - figura II-3.

15
Exprimindo as condições de equilíbrio segundo os três eixos de referência pode-se
escrever:

p x dydz 2 − pdA cos = 0


p y dxdz 2 − pdA cos  = 0
p z dxdy 2 − pdA cos = 0,

com a força de massa desprezada, por depender de um infinitésimo de ordem superior


(g dx dy dz/6).

Sendo

dA cos = dydz 2
dA cos  = dxdz 2
dA cos = dxdy 2 ,

torna-se evidente que

px = p y = pz = p (II - 5)
demonstrando que em torno do ponto O o valor da pressão é único, independente da
orientação considerada.

Equação Geral da Hidrostática

16
Considere-se no meio fluido em equilíbrio um paralelepípedo infinitesimal dx dy dz,
orientado segundo os eixos de referência x, y, z, com vértice no ponto O, em cujo centro reina
a pressão p. Sejam X, Y e Z as componentes segundo os eixos x, y, z das forças de massa, por
unidade de massa, que atuam sobre o elemento de fluido (fig. II-4).

Verificando-se as condições de equilíbrio segundo o eixo x, pode-se escrever:


 1 p   1 p 
p− dx dydz −  p + dx dydz + Xdxdydz = 0
 2 x   2 x 

Simplificando, encontra-se

p
= X
x

Repetindo-se a verificação segundo as demais direções:

p
= Y
y

p
= Z
z
Multiplicando-se as expressões acima respectivamente por dx, dy e dz e somando-as,
obtém-se:

p p p
dx + dy + dz =  ( Xdx + Ydy + Zdz)
x y z

p p p
Como dx + dy + dz = dp
x y z
17
pode-se finalmente escrever:

dp =  ( Xdx + Ydy + Zdz) (II - 6)


conhecida como a equação geral da estática dos fluidos, que permite o estudo da
distribuição das pressões no interior do fluido em função das forças de massa sobre ele
atuantes e aliada à condição de estado,  = constante , o equacionamento de qualquer
problema relativo ao equilíbrio de fluidos incompressíveis.
As equações (II-5) e (II-6) resumem em linguagem matemática os princípios
fundamentais da hidrostática expressos anteriormente por Arquimedes e Pascal.

Distribuição das pressões no campo da gravidade

Havendo apenas a força de massa devida à atração da gravidade, a equação geral da


hidrostática

dp =  ( Xdx + Ydy + Zdz)


passa a ser escrita:

dp = -gdz (II - 7)
A integração da expressão (II-7) entre dois pontos P e P0 (fig. II-5) conduz a

p − p 0 = − ( z − z 0 )g , ou, p − p 0 = ( z 0 − z )g

p = p0 +  (z 0 − z ) (II - 8)
ou seja, a pressão em um ponto qualquer P vale a pressão em um ponto P0 acrescida do
peso da coluna de fluido existente entre os níveis dos dois pontos.

Se, como na figura II-5, o ponto P0 coincidir com a superfície livre, a pressão no ponto
P poderá ser expressa em função da pressão atmosférica que reina no ponto P0 (pa) e da
profundidade h (h = zo - z)

p = p a + h

18
É evidente, da equação (II-7), que as superfícies de igual pressão são planos
horizontais:

p = const.
dp = 0 = - g dz
z = const.

A expressão (II-8) pode ser ainda escrita da seguinte forma:

p + z = p 0 + z 0 = const., ou
z + p  = z 0 + p 0  = const. (II - 9)
em que os termos têm uma dimensão linear. A pressão pode, portanto, ser expressa em
altura de coluna de fluido, p/. À soma z + p/ dá-se o nome de altura piezométrica, que para
os fluidos incompressíveis em repouso no campo da gravidade tem um valor constante.

Medida das pressões

Os valores de pressão devem ser expressos com relação a uma origem


convenientemente estabelecida.
A pressão no ponto P (Fig. II-5), dada pela expressão
p abs = p a + h

está referida ao zero absoluto de pressão, i.e., ao vácuo total, e recebe a denominação
de pressão absoluta.
É muito comum, nos problemas de engenharia, exprimir a pressão tomando como
origem o valor da pressão atmosférica. Nesse caso, a pressão no mesmo ponto P seria dada,
simplesmente, por

p = h

valor este conhecido como pressão relativa no ponto P.


De maneira geral, as pressões absoluta e relativa em um certo ponto estão relacionadas
pela expressão:

p abs = p a + p (II - 10)

Evidentemente, os valores da pressão absoluta são sempre positivos, enquanto a


pressão relativa poderá ser positiva ou negativa, conforme seja superior ou inferior à pressão
atmosférica a pressão absoluta reinante no ponto considerado.
A pressão atmosférica pode ser medida por meio do barômetro de mercúrio (Fig. II-6).
A coluna de mercúrio H equilibra a pressão atmosférica que age sobre a superfície do
reservatório, de maneira que pa = mH + pvapor. Sendo desprezível a pressão do vapor de
mercúrio, em termos práticos, o valor da pressão a considerar é simplesmente

pa =  m H

19
A pressão atmosférica normal, no equador, ao nível do mar, equivale a uma altura de
mercúrio de 760 mm. Considerando o peso específico do mercúrio m = 13,6 t/m3, esta
pressão corresponde a 1,033 kp/cm2, ou ainda, em altura de coluna de água ( = 1 t/ m3), 10,33
m. Em problemas práticos, é comum se utilizar para a pressão atmosférica o valor de 1 kp/cm2
ou 10 m de coluna de água que corresponde a uma atmosfera técnica. No sistema
internacional a pressão atmosférica normal corresponde a 101306 Pa.
A diferença entre as pressões absoluta e relativa é bem ilustrada no exemplo da figura
II-7 onde são representados dois pontos P1, P2, de pressão relativa, respectivamente, positiva e
negativa e seu relacionamento com as correspondentes pressões absolutas.

A altura de mercúrio no barômetro é uma medida de pressão absoluta, pois a pressão


de vapor no alto do tubo é praticamente nula. Essa característica permite a sua utilização
como um instrumento de medida de pressão absoluta de um ambiente qualquer. Basta para
isso substituir a cuba aberta por um recipiente ligado diretamente ao meio do qual se deseja
conhecer a pressão, conforme mostra em pontilhado a figura II-6.
A pressão relativa pode ser medida através da altura de líquidos em manômetros ou
piezômetros abertos, conforme ilustra a figura II-8.
Nos manômetros utiliza-se um líquido diferente do fluido cuja pressão se pretende
medir, enquanto nos piezômetros a pressão é indicada pela coluna do próprio líquido cuja
pressão se deseja conhecer. Em ambos os casos, utilizam-se tubos transparentes com um
diâmetro suficiente (da ordem de 1 cm) para evitar o fenômeno da ascensão capilar.
20
Os manômetros são utilizados frequentemente para medir a diferença de pressão entre
dois sistemas, conforme ilustra a figura II-9.

No plano AB:

pA = pB

pA = p1 + 1 h1 + mh

pB = p2 + 2 h2

21
Donde

p1 - p2 = 2 h2 - 1 h1 - mh

No caso particular em que os dois pontos estão à mesma altura e os fluidos são os
mesmos (1 = 2 =  ), obtém-se

p1 - p2 = ( - m )h (II-11)

A expressão (II-ll) revela uma propriedade importante dos manômetros diferenciais.


Sua sensibilidade será tanto maior quanto mais próximos forem os pesos específicos do fluido
e do líquido manométrico, propriedade que orienta o projeto de diversos micro-manômetros,
ou seja, de manômetros destinados a medir diferenças muito pequenas de pressão.
Para se medir diferenças de pressões muito elevadas podem ser utilizadas baterias de
manômetros diferenciais. O cálculo da diferença de pressões entre os pontos extremos da
bateria é feito de forma análoga à apresentada anteriormente, utilizando-se sempre o princípio
dos vasos comunicantes entre os dois braços de cada tubo em U.
Para leituras mais precisas de pequenas diferenças de pressão é comum utilizar tubos
inclinados, conforme ilustra a figura II-10.

No caso (II-10-a) a variação de altura manométrica é obtida pela simples leitura do


comprimento l (h = l. sen ).
No esquema (II-l0-b) o tubo inclinado é móvel e dotado de uma linha de referência que
se faz coincidir com o menisco do líquido manométrico. Ao se aplicar a pressão (p) o menisco
é deslocado. Deve-se atuar no parafuso micrométrico (M) conduzindo a linha de referência até
a nova posição do menisco. O instrumento é dotado de uma escala onde se lê o deslocamento
(h).
Os piezômetros e manômetros de líquido são utilizados, em geral, quando se procura
uma alta precisão de medida. Na indústria é comum o emprego de manômetros mecânicos,
22
instrumentos robustos e de uso mais cômodo, ainda que de precisão inferior. Os dispositivos
mais comuns desse tipo são o manômetro Bourdon e o aneróide (Figura II-ll).

O manômetro Bourdon é baseado na deformação de um tubo curvo A, de seção


elíptica, quando sujeito a uma pressão interna (p). A deformação do tubo é transmitida a uma
agulha e lida no mostrador C. Desconectado, o manômetro indica zero, pois a pressão no seu
interior é igual a pressão do meio ambiente, que corresponde à pressão atmosférica. Sua
leitura, portanto, fornece a medida da pressão relativa.
O aneróide é formado essencialmente por uma câmara A onde se produz o vácuo,
limitada por uma membrana deformável B. A membrana deforma-se proporcionalmente à
pressão exterior (p) e essa deformação pode ser transmitida a uma agulha através de um
dispositivo mecânico D. Calibrado para indicar zero no vácuo, o aneróide é por natureza um
medidor de pressões absolutas.

Pressão sobre superfícies

O cálculo da força de pressão ou empuxo que os fluidos em repouso exercem sobre as


superfícies sólidas que os limitam é efetuado com base nos princípios da hidrostática, vistos
acima, e encontra aplicação em inúmeros problemas de engenharia como nos projetos de
barragens, comportas, reservatórios, etc.
Como a pressão é constante em um plano horizontal, a força exercida sobre o fundo de
um reservatório (fig. II-12) é igual a:

Fv = pA = HA (II - 12)

onde A é a área da superfície horizontal. Essa expressão exprime o princípio de Stevin,


evidenciando a independência da pressão com a forma do recipiente.

23
Para o caso de superfícies retangulares inclinadas ou verticais, a pressão não é
constante ao longo da superfície, crescendo linearmente com a profundidade. Sua distribuição
é representada graficamente na figura II-12. A força de pressão será dada pela integração das
forças elementares de pressão:

dF = pdA = pBdL
hdh
dF = B
sen 
Integrando para os diversos casos:

H
FH =  dFH = BH 2 2  = 90 0
0
( )
0
H
FH =  dF = BLH 2 (  90 )0
(II - 12)
h2
F1 =  dF = BL1(h1 + h2 )/ 2
h1
que corresponde ao volume do prisma que tem por base o diagrama de pressões e por
altura a largura do recipiente, denominado de prisma de pressão.
A força resultante passa naturalmente pelo centro de gravidade do diagrama de
pressões ou, mais precisamente, pelo centro de gravidade do prisma de pressão.
Para o caso mais geral de superfícies planas de forma irregular, a força de pressão pode
ser calculada segundo o raciocínio exposto a seguir.
Com vistas à figura II-13, pode-se escrever:

dF = pdA = hdA

24
Como h = y sen 

dF = y sen  ydA

F = y sen   ydA
A
A integral A y.dA define o momento estático da área A com relação ao eixo x.
Portanto,

F = y sen  y G A

Como y G sen  = hG

F = hG A (II - 13)


A força de pressão sobre uma superfície qualquer é igual ao produto da pressão em seu
centro de gravidade pela área da superfície. A expressão (II-13) é completamente geral, sendo
válida, evidentemente, para as superfícies retangulares, como evidencia o seu confronto com
as fórmulas (II-12)
O ponto de aplicação da força de pressão, denominado de centro de pressão, situa-se
sempre abaixo do centro de gravidade da superfície, no caso de planos não horizontais. Sua
posição pode ser obtida pela aplicação do princípio dos momentos das forças com relação ao
eixo x.

Fy p =  pdAy =  y 2 sen dA


A A

Fy p =  sen   y dA 2
A

25
A y
2
A integral dA define o momento de inércia da superfície com relação ao
eixo x.
A y dA = I x
2

Mas,
I x = I G x + yG2 A

onde IG é o momento de inércia da superfície com relação a um eixo que passe pelo
seu centro de gravidade, paralelamente ao eixo x.
A expressão (II-14) pode, portanto, ser escrita:

Ay G sen y p =  sen (I G x + y G2 A)


I G x + y G2 A
yp =
Ay G
IG x
y p = yG + (II - 15)
M
onde M = yGA.

A expressão (II-15) indica que o centro de pressão situa-se abaixo do centro de


gravidade da superfície, a uma distância igual à relação IGx / M, entre o momento de inércia da
seção com relação ao eixo horizontal que passa pelo seu centro de gravidade e o momento
estático da superfície com relação ao eixo (x) na superfície livre do líquido.
Se a superfície for simétrica com relação a um eixo ao longo de uma linha de maior
declive, o centro de pressão estará nesse eixo. Caso contrário, pode-se estabelecer o seu
afastamento com relação a um eixo qualquer (N) segundo a linha de maior declive,
tomando-se os momentos das forças com relação a esse eixo, de forma análoga à adotada para
a obtenção de yp.
Sendo x a distância genérica de um elemento de força dF = pdA ao eixo N e xp a
distância correspondente à força resultante F, pode-se escrever

Fx p =  pdAx
A

Fx p =  sen   xydA
A

 sen  A xydA  xydA


xp = = A
 sen y G A yG A

Como A xydA é igual ao produto de inércia da área A em relação ao par de eixos x, y


- xy - e yGA o momento estático antes definido:

 xy
xp =
M

26
Mas, xy = GxGy + xG yG A, sendo Gx e Gy eixos paralelos a x e y passando pelo centro
de gravidade da área, com o que se obtém,

GxGy
x p = xG + (II - 16)
M
Se um dos eixos indicados, Gx ou Gy , for eixo de simetria da área A, GxGy = 0 e a
equação (II-16) se reduz a xp = xG.

Pressão sobre superfícies curvas

Sendo as forças elementares de pressão normais a cada elemento de área, a pressão


total sobre uma superfície curva admitirá uma resultante única apenas nos casos particulares
em que as forcas elementares formarem um sistema de forças complanares ou concorrentes.
Essas condições se verificam para superfícies cilíndricas com as geratrizes paralelas ou
normais à superfície livre e para superfícies esféricas. No caso de formas mais complexas, a
redução do sistema de forças conduz, em geral, a uma resultante e a um binário.
Como regra geral, as estruturas hidráulicas situam-se no primeiro caso, facilitando o
tratamento matemático do problema.
Analisando o caso de uma superfície cilíndrica com geratrizes paralelas à superfície
livre (fig. II-14), pode-se escrever:

d F = pd A = pBd L = hBd L

Torna-se aqui mais prático considerar as componentes da força de pressão segundo os


eixos horizontal e vertical (dFx, dFz). Admitindo-se uma largura unitária da superfície (B = 1),
pode-se escrever:

27
dFx = hdLcos = hdh
dFz = hdLsen = hdx (II - 17)

A integração das expressões (II-17) conduz a

h
1
h 1
(
Fx = FH = h 2 dFx = h 2 hdh =  h22 − h12
1 2
)
1 1
FH =  (h2 − h1 )(h2 + h1 ) = H (h2 + h1 ) (II - 18)
2 2
h2 h2
Fz = FV =  dFz =   hdx (II - 19)
h1 h1
h2
A integral h
1
hdx representa o volume líquido contido acima da superfície
considerada. Observando-se as expressões (II-18) e (II-l9), pode-se concluir:

- A componente horizontal da pressão sobre uma superfície cilíndrica é igual à


pressão sobre uma superfície plana vertical resultante da projeção da superfície considerada
sobre o plano vertical.

- A componente vertical da pressão sobre uma superfície cilíndrica é igual ao peso de


uma coluna de líquido limitada pela própria superfície e por sua projeção na superfície livre
do líquido.

As componentes horizontal e vertical da força de pressão podem, portanto, ser


facilmente obtidas a partir dos diagramas de pressão conforme demonstrado pelos diversos
exemplos da figura II-15. A grandeza das componentes (por unidade de largura) será dada pela
área dos diagramas e o ponto de aplicação definido pelo centro de gravidade dos mesmos
diagramas de pressão.
A força total resultante será obtida simplesmente pela relação

F = FH + FV
2 2

e sua inclinação com respeito à horizontal pela expressão tg = FV FH , como


indicado na figura II-15.

28
Corpos Imersos

A aparente redução do peso verificada em corpos imersos devida ao empuxo


hidrostático, constatada por Arquimedes, pode ser facilmente verificada com o auxílio da
equação da pressão.
Com vistas à figura II-16, o empuxo pode ser escrito

E =  ( p1 − p2)dA
A

Como p1 -p2 =  (h1 - h2)

E =   (h1 − h2)dA
A
ou

E = V (II - 20 )

onde V é o volume do corpo imerso. Portanto, um corpo imerso em um fluido recebe


um empuxo de baixo para cima igual ao peso do fluido deslocado e a linha de ação deste
empuxo passa pelo centro de gravidade do volume deslocado.

29
Quanto ao equilíbrio de um corpo imerso, é evidente que será estável quando o centro
de gravidade do corpo estiver abaixo do centro de empuxo (centro de gravidade do volume
deslocado); será instável quando o centro de gravidade estiver acima do centro de empuxo e
será indiferente quando os dois pontos coincidirem.
Corpos Flutuantes

Como um corolário do princípio de Arquimedes, pode-se afirmar que o peso de um


corpo flutuante, parcialmente imerso em um líquido, é igual ao peso do líquido deslocado. O
equilíbrio dos flutuantes apresenta um aspecto distinto do correspondente aos corpos imersos.
A figura II-17 representa esquematicamente a seção transversal de uma embarcação,
onde G é o centro de gravidade do barco e B o centro de gravidade do volume de líquido
deslocado (volume de carena), ponto de aplicação do empuxo hidrostático, denominado de
centro de carena. Admita-se que o barco sofre uma pequena inclinação,  , como indicado na
figura II-17-b.
Sendo dA um elemento do plano de flutuação distante x do ponto O, o volume imerso
correspondente valerá dV =  x dA e o empuxo será dE = dV =   xdA. A
alteração do empuxo resultante do deslocamento valerá:

E =  dE =   xdA
A A

30
Como a integral deve ser estendida a todo o plano de flutuação , E será igual a zero
se o eixo O for eixo de simetria desse plano e, nessa condição, também permanecerá constante
o empuxo total, ET. A nova linha de ação do empuxo será diferente da anterior deslocando-se
para a posição B’ e passa a formar um binário com o peso do flutuante, P, cujo sentido
indicará se o flutuante é ou não estável a pequenas oscilações laterais. Observando a figura,
fica evidente que o binário tenderá a fazer com que o flutuante retorne à posição primitiva se o
ponto M, designado por metacentro, estiver acima do ponto G e atuará em sentido contrário se
estiver abaixo de G, i.e., se h = MG, altura metacêntrica, for maior
que zero a condição é de estabilidade, em caso contrário de instabilidade. A
verificação da estabilidade de um flutuante consiste, portanto, em determinar o valor de h.
Com base nos dados da figura e seu significado físico, pode-se escrever, tomando
momentos em torno do eixo que passa por B,

ET a =  (a + x)dE = E.a +  xdE


A A

onde a é a distância entre O e B. Como E  0, resulta:

ET a =  xdE =  x 2 dA
A A

 Ax 2 dA  Ax 2 dA
a= = , por ser E t = P = Vc
ET Vc

I0
Resulta, então, a = 
Vc

com I0 igual ao momento de inércia do plano de flutuação relativamente ao eixo O e Vc


o volume de carena. Tendo em conta ser pequeno o ângulo , pode-se tomar o arco como
igual à tangente, obtendo-se

a = (h + d ) , e

31
I0
h= −d (II - 21)
Vc

A observar que a equação (II-21) só envolve dados relativos ao flutuante na sua


posição original e permite avaliar sua condição de estabilidade pelo confronto entre o
quociente I0/Vc e d. O momento estabilizador (ou de tombamento) será dado por ET. h.  = P.
h.  .

Equilíbrio relativo

Quando uma massa fluida é submetida a um movimento acelerado qualquer, sem que
se manifestem movimentos relativos entre as suas partículas, é possível tratá-la segundo as
leis da hidrostática, desde que se considerem convenientemente as forças de massa resultantes
da aceleração e se adote um sistema adequado de referência, solidário ao movimento.
Segundo o princípio de D'Alembert, da Mecânica, em um sistema dotado de
aceleração deve haver equilíbrio entre as forças exteriores e as forças de inércia devidas à
aceleração. Estas são iguais ao produto da massa pela aceleração e têm sentido contrário ao
sentido da aceleração.
Na figura II.18, um tanque fechado contendo líquido, indicam-se as forças (por unidade
de massa) atuantes sobre qualquer partícula quando o tanque é sujeito
à aceleração a formando um ângulo  com a horizontal . Segundo a vertical é
acrescida à força decorrente da ação da gravidade a força -az e segundo a horizontal passa a
existir a força -ax, dando origem à resultante g', que terá intensidade,
sentido e direção dependentes das características de a .

Na seqüência são apresentados alguns exemplos de movimentos relativos, tratados


segundo o princípio exposto acima.

a) Movimento acelerado segundo a vertical

No recipiente da figura II-l9, acelerado segundo a vertical, no sentido ascendente, no


campo da gravidade, as componentes da força de massa por unidade de massa valerão:

X=0
Y=0
32
Z = - g - az

Substituindo esses valores na equação geral da hidrostática (II-6), obtém-se:

dp =  (− g − a z )dz
dp
= −  (a z + g )
dz
dp (a + g )
= − z (II - 22)
dz g

demonstrando o efeito da aceleração az sobre a distribuição das pressões no interior do


fluido. O confronto da expressão II-22 com a expressão II-7 torna evidente os diagramas de
pressão da figura II-19.

b) Movimento acelerado segundo plano inclinado

Para o caso ilustrado na figura II-20, a equação geral da hidrostática assume a forma:

dp = − [a x dx + (a z + g )dz ] (II - 23)

33
Para a superfície livre (ou outra superfície em que não haja variação de pressões), dp =
0,

a x dx + (a z + g )dz = 0
dz ax
=− = tg (II - 24)
dx az + g

indicando que a superfície livre resulta plana, com uma inclinação dada pela relação
das acelerações (incluída a aceleração da gravidade) horizontal e vertical.
Por semelhança de triângulos pode-se relacionar um elemento dz' normal à superfície
livre com dx e dz

dx a x dz a z + g
= ; =
dz' g ' dz' g'

com g' igual à força de massa por unidade de massa normal à superfície livre.
Substituindo os valores de dx e dz definidos pelas relações acima em (II-23):

 ax 2 (a + g ) 2 
dp = −   dz'+ z dz'
 g ' g ' 

dp g'
= − g ' = − (II - 25)
dz' g

A expressão (II-25) indica que a pressão varia linearmente segundo a normal z' à
superfície livre, de forma análoga à que ocorre com o equilíbrio absoluto.

34
Para a solução de problemas envolvendo situações semelhantes à descrita pode-se
utilizar as equações (II-24) e (II-25) ou diretamente a equação (II-23), após sua integração.

c) Movimento de rotação com velocidade angular constante

Para um recipiente cilíndrico dotado de movimento de rotação com velocidade angular


constante (), as forças atuantes são -g segundo a vertical e 2r segundo a direção radial, esta
correspondendo à força centrifuga por unidade de massa ( mv2/r) / m = v2/r = 2r2 / r = 2r 
- figura II-21.

Nesse movimento a equação geral da hidrostática assume a forma

(
dp =  2 rdr − gdz ) (II - 26)

A superfície livre ou outra superfície de pressão constante tem por equação (dp = 0)

 2 rdr − gdz = 0
dz  2 r
= (II - 27)
dr g
Integrando a equação (II-27) chega-se a:

 2r 2
z= + const. (II - 28)
2g

que corresponde à equação de um parabolóide de revolução. Para a superfície livre,


com o vértice do parabolóide situado à cota z0,

35
 2r 2
z = z0 + (II - 29)
2g

Para o estudo da variação da pressão no interior do fluido, basta analisar a equação


(II-26).

Fazendo r = constante,

dp
dp = − gdz = −dz ; = − ,
dz

variação igual à hidrostática (p =  h).

Fazendo z = constante,

dp =  2 rdr
dp  2r
=
dr g

indicando que a variação da pressão em um plano horizontal não é linear. Integrando a


equação anterior entre um ponto situado no eixo e um ponto qualquer no interior do fluido

p − pe  2r 2
=
 2g

mostrando que as alturas de pressão em um plano horizontal variam com o quadrado


do afastamento do eixo.

Referências:
Pinto;N. L. S.; Neidert; S. H.; Fill, H. D. O. A.; Lambros, D.; Reis; F. C. A.; Tozzi;M.
J.; Ota.J. J. Noções Básicas de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica. Curitiba, UFPR, DHS.

36
CAPÍTULO III

CINEMÁTICA DOS FLUIDOS

A cinemática estuda o movimento dos fluidos sem levar em consideração o sistema de


forças que o provoca. Neste estudo destacam-se aspectos distintos, como o problema da
visualização do escoamento, o enunciado do princípio da continuidade e o estabelecimento da
noção de velocidade e aceleração.
É natural que a necessidade da visualização do escoamento, para maior facilidade de
sua interpretação, se revelasse inicialmente a alguém que, como Leonardo Da Vinci,
possuísse, simultaneamente, espírito científico e qualidades artísticas desenvolvidas. Em seus
estudos, realmente, verifica-se pela primeira vez o uso extensivo de ilustrações, na
investigação dos fenômenos do escoamento. Seus croquis, dos quais se mostram algumas
reproduções na figura III-1, revelam não só um espírito de observação aguçado como o
domínio da técnica da representação gráfica.
Foi ainda Da Vinci o primeiro a utilizar partículas em suspensão na água, para permitir
a visualização do escoamento em tanques com paredes de vidro.

No campo da Cinemática, destaca-se a compreensão exata que revelou do princípio da


continuidade, conforme se verifica da observação que se transcreve a seguir:

"Observe uma seringa ... seja a seção do orifício, pelo qual


a água escapa, cem vezes menor que a seção principal do
pistão; a água escoará através do orifício com uma

37
velocidade cem vezes superior à velocidade de avanço do
pistão".

Sua idéia sobre a continuidade era tão clara, que o princípio poderia com justiça
receber o seu nome. Entretanto, típico dos estudos de Da Vinci, foi pouca a sua divulgação
entre contemporâneos e sucessores.
Coube a Benedetto Castelli (1577 - 1644) enunciar novamente o princípio, quase um
século depois, tornando-o popular entre os engenheiros da época. Seu enunciado não
acrescentava nada de novo ao apresentado por Da Vinci, mas a divulgação recebida ligou
definitivamente o seu nome às noções da continuidade do escoamento:

"Seções de um mesmo rio escoam quantidades iguais de


água em tempos iguais, mesmo se as seções são
diferentes.

(1) Dadas duas seções de um rio, a relação entre a quantidade


de água que passa pela primeira e a que passa pela
segunda está em proporção às razões entre as duas seções
e entre as suas respectivas velocidades.

(2) Dadas duas seções desiguais, pelas quais passa a mesma


quantidade de água, as seções são reciprocamente
proporcionais às velocidades".

O enunciado (1) equivale a Q1/ Q2 = (A1.V1)/(A2.V2), enquanto a proposição (2)


poderia ser expressa por A1/A2 = V2/V1 que correspondem, exatamente, às utilizadas
atualmente para exprimir a continuidade do escoamento de fluidos incompressíveis em canais
e condutos.
As noções de velocidade e aceleração ganharam maior precisão especialmente no
estudo do movimento de corpos sólidos. Galileo Galilei (1564 - 1642), cuja influência para o
desenvolvimento da ciência se fez sentir nos mais diversos campos do conhecimento,
contribuiu, no que diz a respeito à Hidráulica, especialmente, para firmar esses conceitos. É
ilustrativa a sua observação sobre os movimentos uniforme e acelerado, que se transcreve a
seguir:

"Eu imagino um corpo projetado em uma superfície


horizontal, na ausência de qualquer obstáculo. Sabe-se
que o movimento permanecerá uniforme indefinidamente
nesta superfície se ela se estender ao infinito. Mas, se a
superfície for limitada e estiver instalada no ar, quando o
corpo , que se supõe sujeito à gravidade, passar sua
extremidade, ele acrescentará ao seu movimento uniforme
e indestrutível inicial a tendência para baixo, que terá
devido a seu peso; daí resultará um movimento composto
do movimento horizontal e do movimento naturalmente
acelerado da queda ... (o corpo) descreverá uma parábola".

38
No estudo da cinemática dos fluidos deve-se ainda destacar a contribuição de Jean Le
Rond d'Alembert (1717 - 1783), o primeiro a utilizar os conceitos de componentes da
velocidade e da aceleração e, finalmente, o tratamento matemático dado por Leonhard Euler
(1707 - 1783), considerado hoje como o verdadeiro pai da hidrodinâmica clássica, cuja
sistemática se utiliza com poucas alterações até os nossos dias.

Linhas de Corrente e Trajetórias

A observação do escoamento dos fluidos, como percebeu Da Vinci, é fundamental


para a compreensão da natureza real do fenômeno. O aspecto do movimento é muitas vezes
aparente, como no caso da fumaça que sai de uma chaminé ou de um cigarro aceso. Mais
geralmente, porém, não se encontram suspensos no fluido agentes, tais como fuligem ou
sedimentos, que permitam uma visualização adequada do escoamento. Este inconveniente é
contornado nos laboratórios e mesmo na natureza, pelo uso de partículas de alumínio,
confetes, corantes, etc. Para o estudo analítico do movimento dos fluidos, por outro lado, é
muito importante a sua representação gráfica. O único recurso nesse caso é desenhar um
número selecionado de linhas, que se denominam “linhas de corrente”, procurando representar
o movimento em cada situação. Os conceitos fundamentais da representação e definição do
escoamento são objeto deste capítulo.
A análise quantitativa do movimento é feita com base na noção de “velocidade”,
grandeza que matematicamente pode ser expressa como uma
função do espaço e do tempo, v = v(s, t ). De natureza vetorial, a velocidad e define
o movimento, simultaneamente, quanto à magnitude, direção e sentido, podendo ser
decomposta em componentes segundo as direções de um sistema arbitrário de referência,
conforme mostra a figura III.2.
O estudo analítico do movimento dos fluidos pode seguir duas sistemáticas distintas,
definidas como critérios de Euler e Lagrange, respectivamente. O método de Lagrange
consiste em individualizar uma determinada partícula e segui-la ao longo de seu movimento.
Pode-se exprimir as coordenadas de um ponto M da massa fluida em função do tempo e da
posição do ponto considerado:

x = f 1 ( x 0 , y 0 , z 0 ,t )
M : y = f 2 ( x 0 , y 0 , z 0 ,t )

z = f 3 ( x0 , y 0 , z 0 ,t ), onde x, y e z são as variáveis de Lagrange.

39
O método de Lagrange permite definir, para uma determinada partícula, uma curva
que representa as suas posições sucessivas em diferentes instantes. Esta é a trajetória da
partícula. Sua equação é obtida através da eliminação de t nas três equações acima definidas.
O método de Euler consiste em considerar um ponto fixo no espaço e estudar, em função do
tempo, a velocidade das partículas fluidas que sucessivamente passam por este ponto.
O vetor velocidade v é então determinad o por suas três componente s v x ,
v y e v z , definidas pelas equações:

v x = f1 ( x, y, z, t )
v: v y = f 2 ( x, y, z, t )
v z = f 3 ( x , y, z, t )

onde vx , vy e vz são as variáveis de Euler. Esse sistema de equações define, a cada


instante t, um vetor velocidade em um ponto e um campo de velocidades na massa fluida; o
feixe envoltório desse campo de velocidades constitui as linhas de corrente (linhas às quais os
vetores velocidades são tangentes em todos os seus pontos - figura III.3). Portanto, para
representar a configuração de um escoamento em um determinado instante, costuma-se
desenhar uma serie razoável de linhas de corrente. Essas linhas de corrente são definidas para
um determinado instante, i.e., podem ser assemelhadas a um instantâneo fotográfico do
escoamento e podem variar no tempo, de acordo com o tipo de escoamento.

40
Tipos de movimento dos fluidos

O movimento dos fluidos pode apresentar variações no tempo e/ou no espaço.


Quando um escoamento não sofre variações ao longo do tempo diz-se que é
permanente. Neste caso as linhas de corrente não se alteram no tempo, coincidindo com as
trajetórias das partículas, e a vazão permanece constante.
O escoamento sobre um vertedouro, em que se mantém constante a carga h, é um
exemplo característico de movimento permanente.
A noção de permanência não leva em conta as variações da velocidade no espaço. Esta
variação caracteriza o regime variado ou não uniforme.
O escoamento se diz uniforme quando a velocidade, a cada instante, se mantém
constante ao longo da linha de corrente. Sendo a velocidade um ente vetorial, essa condição
exige que a linha de corrente seja uma reta.
O fluxo através de um conduto retilíneo de seção transversal constante configura um
exemplo prático de regime uniforme. Se, neste caso, a vazão não se alterar no tempo, o regime
será permanente uniforme. O exemplo da figura III.4 (linhas contínuas), por outro lado,
corresponde a um movimento permanente variado.
Quando ocorrem variações no campo de velocidades ao longo do tempo, o regime é
denominado de não permanente. O escoamento através do conduto de diâmetro constante será
não permanente uniforme se a vazão variar com o tempo, assim como o escoamento sobre o
vertedouro, admitindo-se uma variação de carga sobre a crista, configurará um escoamento
não permanente variado. É fácil observar (fig. III. 4 - linhas tracejadas) que neste caso as
linhas de corrente não coincidirão com as trajetórias.

41
Equação da continuidade

Considere-se uma superfície fechada como um tubo, definida por uma infinidade de
linhas de corrente, abrangendo uma porção elementar do escoamento - fig. III.5. Essa
superfície define o que se denomina de um tubo de corrente. A superfície lateral desse tubo,
sendo formada por linhas de corrente, não pode ser atravessada pelo fluxo. Se suas seções
transversais (A1, A2, etc.) forem suficientemente pequenas, a velocidade no ponto médio
dessas áreas representará, com uma precisão satisfatória, a velocidade média da seção, em
módulo e direção. Admitindo-se seções elementares e sabendo que no tempo dt as partículas
de fluido percorrem uma distância vdt, verifica-se, imediatamente, que o volume elementar de
fluido que atravessa a seção dA, neste tempo, é exatamente o volume do cilindro elementar de
base dA e altura vdt ou dV = vdt dA.
Denomina-se de descarga ou vazão o volume de fluido que atravessa a seção do tubo
elementar na unidade de tempo:

dV
dQ = = vdA (III - 1)
dt

onde dQ tem dimensões de volume por unidade de tempo (L3 T-l).

42
Pelo princípio da conservação da massa, a matéria não pode ser criada ou destruída.
Admitindo-se que o escoamento não sofre variações no tempo, é evidente que a massa de
fluido que atravessa cada seção do tubo em um dado intervalo de tempo é a mesma:

dM = 1 v1dA1dt =  2 v 2 dA 2 dt =  3 v 3 dA 3 dt = const .

Considerando-se o fluxo de massa por unidade de tempo, obtém-se a equação básica


da continuidade:

dM
dQM = = 1 v1dA1 =  2 v 2 dA 2 =  3 v 3 dA3 = const.
dt

que para fluidos incompressíveis ( = const.), se escreve:

dQ = v1dA1 = v 2 dA 2 = v 3 dA 3 = const . (III - 2)

evidenciando que a velocidade em dado instante varia inversamente com a seção transversal
do tubo.
A expressão (III-2) é válida, a rigor, para um tubo de corrente de seção infinitesimal.
Entretanto, pode ser aplicada para tubos de corrente de seções finitas, de pequenas dimensões,
como uma primeira aproximação, quando a curvatura das linhas de corrente não é muito
pronunciada e é pequena a variação da velocidade na seção transversal:

Q  v1A1  v 2 A 2  v 3 A 3 = const . (III - 3)

A expressão (III-3) é o instrumento básico para a interpretação de um campo de


velocidades em um fluido incompressível do qual se conhecem as linhas de corrente. Torna-se
óbvio que se as linhas são convergentes a velocidade aumenta na direção do fluxo; para
43
linhas de corrente paralelas a velocidade se mantém constante; para linhas divergentes a
velocidade diminui ao longo do escoamento.
Em termos de representação gráfica, esse estudo só é possível facilmente para
escoamentos bidimensionais, ou seja, para escoamentos em que o vetor velocidade tem
componentes segundo um único plano e, portanto, todas as linhas de corrente se situam em
planos paralelos. A configuração do escoamento sendo a mesma para todos os planos
paralelos, basta a representação de um deles para caracterizar o movimento. Nesse caso, o
escoamento pode ser tratado por unidade de largura da seção e a fórmula (III-1) passa a ser
escrita:

dq = vdn (III - 4)

onde dq é a vazão elementar por unidade de largura e dn a distância transversal entre as


paredes do tubo de corrente bidimensional - fig. III-6.
A equação da continuidade diferencial passa a ter a forma
dq = v1dn 1 = v 2 dn 2 = v 3 dn 3 = const .

ou, de forma aproximada, conforme indicado na figura III-6,

q = v1n 1 = v 2 n 2 = v 3 n 3 = const . (III - 5)

Em um tubo de corrente de seção finita, desde que se conheça a distribuição das


velocidades na seção transversal, a vazão total pode ser expressa por

Q= A vdA
e no caso do escoamento bidimensional (fig. III-6):

n
q = o vdn
44
A velocidade média na seção será dada, respectivamente, por:

Q
ou U=
A
q
U=
n
e a equação da continuidade tomará as formas

Q = U1A1 = U 2 A 2 = U 3 A 3 = const . (III - 6)

q = U1n 1 = U 2 n 2 = U 3 n 3 = const . (III - 7)

As equações da continuidade nas formas das expressões (III-6) e (III-7) correspondem


aos enunciados de Da Vinci e Castelli e são aplicáveis a escoamentos de fluidos
incompressíveis em condutos e canais cujas paredes sólidas materializam, na prática, as
paredes do tubo de corrente. Para fluidos compressíveis, evidentemente, o fluxo de massa
seria constante (UA = const.).
O princípio da continuidade, porém, é completamente geral e é evidente que, por mais
complexo que seja o escoamento, como no movimento das correntes marítimas ou das
grandes massas de ar, a continuidade, que nada mais é do que uma conseqüência do princípio
da conservação da massa, deve ser sempre respeitada.
Uma expressão mais geral do princípio da continuidade pode ser obtida do exame do
fluxo através de um paralelepípedo infinitesimal qualquer no seio do fluido - fig. III-7.

45
Em um intervalo de tempo dt a massa de fluido que atravessa as paredes do elemento
pode ser expressa por:

 1 v x   1 v x 
 v x − dx dydzdt −  v x + dx dydzdt +
 2 x   2  x 
 1 v y   1 v y 
 v y − dy dxdzdt −  v y + dy dxdzdt +
 2 y   2 y 
 1 v z   1 v z 
 v y − dz dxdydt +  v z + dz dxdydt =
 2 z   2 z 
 v x v y v z 
= −dxdydzdt  + +  (III - 8)
 x y z 

Pelo princípio da conservação da matéria, essa massa deve corresponder à variação de


massa no interior do elemento de fluido no intervalo de tempo dt:

46
   
 + dt dxdydz − dxdydz = dxdydzdt (III - 9)
t  t

Igualando-se as expressões (III-8 e (III-9):

    
= − (v x ) + (v y ) + (v z ) (III - 10)
t  x y z 
que é a expressão mais geral da equação da continuidade.
Para o caso de escoamentos cujas características não variam ao longo do tempo
(movimentos permanentes),


=0
t

a equação da continuidade tem a forma:


(v x ) +  (v y ) +  (v z ) = 0 (III - 11)
x y z

Para fluidos incompressíveis ( = const), tem-se a expressão:

v x v y v z
+ + =0 (III - 12)
x y z

Redes de Corrente

Como demonstra a figura III-6, definidas as linhas de corrente, torna-se muito simples
obter a distribuição das velocidades através do escoamento. Resta estabelecer um processo
prático que permita traçá-las para os contornos sólidos correspondentes a cada problema
particular.
As linhas de corrente poderiam ser obtidas, por certo, da visualização do escoamento
real. Entretanto, a hidrodinâmica clássica fornece elementos para o desenvolvimento de um
processo gráfico que permite estabelecer com precisão razoável as linhas de corrente para as
mais diversas condições do escoamento bidimensional. Essa representação gráfica, conhecida
como rede de corrente, consiste, basicamente, de um sistema de linhas de corrente espaçadas
de modo a dividir o escoamento em incrementos iguais de vazão q e um sistema de linhas
normais, construídas de modo a que seu espaçamento s seja igual ao espaçamento n entre
as linhas de corrente - fig. III-8.

47
Por construção, ter-se-á, portanto:

v n 0 s 0
 = (III - 13)
v0 n s

q = vn = vs = v 0 n 0 = v 0 s 0

Nos exemplos da figura III-8, observa-se que, para os contornos paralelos, a rede de
corrente forma uma malha de quadrados iguais, indicando a constância da velocidade em
todos os pontos.
Para os contornos convergentes, as malhas não são rigorosamente quadrados, mas as
linhas médias continuam tendo o mesmo comprimento. A velocidade é constante ao longo de
uma linha normal, porém aumenta no sentido da convergência.
Para os contornos coaxiais a velocidade é constante ao longo das linhas de corrente e
varia na razão inversa do raio de curvatura na direção das normais a elas.
Nos dois últimos casos os quadrados não são perfeitos, o que só se conseguiria para
dimensões infinitesimais. Em termos práticos, entretanto, as indicações das redes de corrente
são em geral suficientes, bastando que se escolha convenientemente as dimensões da malha a
ser construída.
A representação gráfica das redes de corrente só é aplicável aos escoamentos
conhecidos na hidrodinâmica clássica como irrotacionais, ou seja, movimentos em que as
partículas de fluido têm velocidade angular nula com relação ao seu próprio centro de massa.
Essa noção é representada esquematicamente nos exemplos da figura III-8.
Felizmente, em um grande número de casos práticos, o escoamento de fluidos reais
apresenta características sensivelmente irrotacionais, de maneira que a configuração obtida
graficamente aproxima-se com bastante precisão da correspondente ao fenômeno real.
A figura III-9 mostra dois exemplos de movimentos rotacionais, aos quais não é
aplicável o conceito de rede de corrente e onde se torna evidente a rotacionalidade dos
elementos de fluido.

48
A hidrodinâmica demonstra que para uma dada condição de contornos só pode existir
uma única configuração do escoamento irrotacional. Portanto, uma única rede de corrente
representará corretamente o escoamento ( podendo variar, naturalmente, o tamanho das
malhas, por construção).
O traçado da rede de corrente é efetuado por tentativas, procurando-se formar as
malhas o quanto possível quadradas, até se atingir uma solução satisfatória. A experiência é
fator importante na obtenção rápida da solução correta. A figura III.10 ilustra diversos
exemplos característicos.

Noções de pontos de estagnação e separação

Estabelecida uma rede de corrente para um certo contorno, como o da figura III.11, é
possível determinar, em qualquer região, a relação da velocidade v com a velocidade v0 na
região de referência simplesmente medindo as distâncias das malhas da rede (n ou s), ou
seja,

v n 0 s 0
= =
v0 n s

Essa relação ao longo do contorno é indicada na figura III.ll.


49
Da configuração da rede de corrente verifica-se que curvaturas côncavas do contorno
conduzem a um acréscimo no tamanho das malhas, e, portanto, em uma redução local na
velocidade. Analogamente, curvaturas convexas do contorno causam um decréscimo nas
malhas da rede e um aumento na velocidade. O limite dessas curvaturas é, obviamente, uma
deflexão brusca do contorno. Se o ângulo considerado corresponde ao limite da curvatura
côncava - figura III.12.a - o vértice desse ângulo passa a se constituir em um ponto de
estagnação. Nele o espaçamento de linhas de corrente permanecerá sempre finito, mesmo que
nas demais regiões o espaçamento se torne infinitesimal. Matematicamente, ter-se-ia, vidni =
v0dn0, indicando que no entorno do ponto de estagnação a velocidade se anulará (é preciso ter
em conta que a linha de contorno limite, coincidente com a parede sólida, não pode ser uma
função contínua). Se, por outro lado, o ângulo considerado corresponde ao limite da curvatura
convexa (figura III.12.b), a condição oposta ocorrerá; no vértice, tanto o raio limite de
curvatura como o espaçamento da linha de corrente limite reduzir-se-iam a zero,
correspondendo a um ponto de velocidade infinita, o que é fisicamente impossível. O que
realmente acontece é que o escoamento separa-se do contorno (figura III.12.c) e o raio de
curvatura finito da linha de corrente limite que se estabelece conduz a uma velocidade finita.
Sob tais circunstâncias, o uso do contorno como a linha de corrente limite da rede de corrente
conduzirá a resultados incorretos. Outros exemplos de separação do escoamento são
indicados, em pontilhado, junto aos cantos da figura III.l0.b e na figura III.l0.c, ao se
considerar nesta o fluxo da direita para a esquerda.

50
A própria rede de corrente não indica qualquer separação do escoamento, porque os
princípios em que se baseia correspondem a uma condição ideal definida matematicamente.
Entretanto, é importante ter em mente o significado da divergência dos filetes junto às paredes
quanto às possibilidades de separação, para se poder interpretar convenientemente a rede de
corrente obtida.
O fenômeno de separação será estudado mais particularmente quando se tratar do
escoamento de fluidos reais, mas se pode anotar desde já que representa uma redução da
eficiência do escoamento, que, se em alguns casos particulares pode ser desejável, é em geral
um fenômeno a se evitar no projeto das estruturas hidráulicas.

Aceleração

A aceleração é definida como a intensidade de variação da velocidade com o tempo



dv
a= (III - 14)
dt

portanto, as características de uniformidade e permanência do escoamento devem estar


intimamente ligadas à aceleração do movimento.
Assim como a velocidade, a aceleração tem uma natureza vetorial e pode ser analisada
pelas suas componentes.
Adotando-se como sistema de referência o triedro intrínseco (s, n, b), indicado na fig.
III-13, pode-se escrever:

51
dvs
as =
dt
dv
an = n (III - 15)
dt
dv
ab = b
dt

ou, ainda, como a velocidade é uma função de s e t:

v s ds v s
as = +
s dt t

v n ds v n
an = + (III - 16)
s dt t

v b ds v b
ab = +
s dt t

Considerando que:

- A semelhança de triângulos mostrada na figura III-14 permite escrever

52
v n
ds
tgd = sen d = s =−
ds
vs r
v n v
=− s
s r

- Conforme definição de velocidade:

ds
= vs = v
dt

- Por definição de binormal

v b
=0
s

obtém-se:

53
v s v s
as = v +
s t
v 2 v n
an = − + (III - 17)
r t
v
ab = b
t

Observa-se das expressões (III-17) que a aceleração depende não só das alterações do
escoamento no tempo v/t como também da configuração geral do
 v v 2 
fluxo, ou seja, das alterações da velocidade no espaço  v , 
 s r 
Ao termo v/t dá-se o nome de componente local da aceleração. No caso de
movimentos permanentes, as velocidades não variam no tempo (v/t =0) e as expressões
(III-17) passam a se escrever:

dv
as = v
ds
v2
an = − (III - 18)
r
que recebem o nome de componentes convectivas da aceleração. Segundo a binormal, a
componente convectiva é, naturalmente, nula.
Quando se processa a análise dos escoamentos por meio das redes de corrente, as
fórmulas (III-18) podem ser utilizadas com a simplificação:

v
as = v
s
v2
an = − (III - 19)
r
Confrontando-se os diversos tipos de escoamento com as definições de aceleração,
conclui-se facilmente que os regimes se caracterizam pela natureza das correspondentes
acelerações:

- Regime permanente variado

54
v
=0
t
dv
as = v
ds
v2
an = −
r
ab = 0

- Regime permanente uniforme

as = an = ab = 0

- Regime não permanente uniforme

v dv
v = 0; a s = s
s dt
v2
= 0; a n = a b = 0
r
- Regime não permanente variado

v v s
as = v +
s t
v 2 v n
an = − +
r t
v
ab = b
t

Referências:
Pinto;N. L. S.; Neidert; S. H.; Fill, H. D. O. A.; Lambros, D.; Reis; F. C. A.; Tozzi;M.
J.; Ota.J. J. Noções Básicas de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica. Curitiba, UFPR, DHS.

55
CAPÍTULO IV

ESCOAMENTO UNIDIMENSIONAL DE FLUIDOS


INCOMPRESSÍVEIS IDEAIS

O fluxo de água através de um pequeno orifício na parede de um reservatório é um dos


casos mais simples do movimento de um líquido - ver figura IV.1. Diversos observadores,
como Da Vinci, Castelli e outros, procuraram encontrar a relação entre a velocidade do jato e
a carga sobre o orifício. Coube a Evangelista Torricelli (1608 - 1647), inspirado nas
investigações de Galileo sobre a queda dos corpos, enunciar pela primeira vez corretamente
essa relação.

Torricelli, comentando a descarga através de um orifício, assim se exprimiu

"Líquidos que efluem com violência têm, no ponto de efluência, a mesma velocidade
que teria qualquer corpo pesado, ou qualquer gota do mesmo líquido, que caisse da cota da
superfície do líquido até o nível do orifício pelo qual escoa".

O princípio de Torricelli pode ser expresso por v  h . Ainda que hoje se


(
saiba que o coeficiente de proporcionalidade é igual a 2g v = 2gh foi somente )
cerca de um século depois de Torricelli que este valor da constante veio a ser conhecido.
É, aliás, característico do raciocínio da época, a consideração de proporções e
igualdade em idênticas condições, como se verá nas considerações de Daniel Bernoulli (1700
- 1782), que conduziram mais tarde à expressão famosa que leva hoje o seu nome. Preocupado
com a interrelação entre pressão e velocidade, no escoamento dos fluidos em um conduto,
Bernoulli se propôs a resolver o seguinte problema:
"Considere-se um recipiente de seção muito grande ACEB, mantido constantemente
cheio de água, do qual sai um tubo cilíndrico horizontal ED - ver figura IV.2. Na extremidade
do tubo existe um orifício D, através do qual o fluido escapa com velocidade constante.
Deseja-se conhecer a pressão exercida nas paredes do tubo ED".

O desenvolvimento de seu raciocínio é bem ilustrativo da sistemática do pensamento,


na época, e revela o sentimento do fenômeno físico.

56
"Seja “h” a altura de superfície da água AB acima do orifício D. A velocidade da água
efluente, depois que a vazão está
estabeleci da, é constante e igual a h , desde que se assuma que o recipiente
se mantém cheio. Se “n” é a relação entre as seções do
tubo e do orifício, a velocidade da água no tubo será h n . Se o
fundo do tubo FD não existisse, a velocidade da água no tubo seria h ,
que é maior que h n . Portanto a água no tubo tende para uma velocidade
maior, que é impedida pelo fundo FD. Daí resulta uma sobrepressão que se transmite às
paredes do tubo. A pressão nas paredes é portanto proporcional à aceleração que o fluido
receberia se o obstáculo desaparecesse instantaneamente, deixando-o escapar na atmosfera".

Analisando, com base nos conhecimentos da época com respeito às energias cinética e
potencial, qual seria esta aceleração e seguindo um raciocínio engenhoso, Bernoulli chegou à
conclusão de que a altura de pressão no interior do tubo é igual
( )
a n 2 − 1 n 2 vezes a altura estática h. Considerando que n = h U , obtém - se para
a altura de pressão o valor h - U 2 , onde U é a velocidad e no tubo.
Ainda que hoje a relação correta seja expressa por p  = h − U 2 2g é
evidente que Bernoulli havia compreendido a essência do fenômeno.
Foi entretanto, Leonhard Euler (1707 - 1783) quem, finalmente, exprimiu em 1755 o
princípio de Bernoulli da forma hoje conhecida. Euler teve oportunidade de utilizar as
recentes descobertas relativas à mecânica de Newton e ao cálculo diferencial. Seu tratamento
para o problema do escoamento de um fluido ideal não diferia em muito do adotado em nossa
época.

Equações de Euler

Considere-se um fluido incompressível e ideal (viscosidade e tensão superficial nulas)


sujeito apenas ao campo de forças da gravidade. As únicas forças que influenciam o
movimento são, portanto, o peso e as forças de pressão.
Analisando-se o movimento de um elemento de fluido dAs.ds, figura IV-3a, pode-se
exprimir a força que age segundo a tangente ao movimento, s, como segue:

57
 p 
dFs = pdAs −  p + ds dAs − dsdAs cos
 s 
dz
Considerando que cos  =
ds

p z
dFs = − dsdAs − dsdAs
s s

Ou, por unidade de volume,

dFs 
fs = = − (p + z)
dsdAs s

Esta força deverá estar em equilíbrio com a força de inércia, que por
unidade de volume será igual a dv s dt , donde resulta :

dvs 1 
=− (p + z ) (IV - 1)
dt  s

Segundo a direção da normal, tem-se (figura IV-3b)


 p 
dFn = pdAn −  p + dn dA n − dndAn sen 
 n 
58
p dz
dFn = − dnA n − dndA n
n dn
p z 
fn = − −  = − (p + z )
n n n

Para que haja equilíbrio, essa força deverá estar em equilíbrio com a força de
inércia segundo a normal, por unidade de volume, dv n dt , conduzindo a :

dvn 1 
=− ( + z ) (IV - 2)
dt  n

O estudo do equilíbrio de forças segundo a binormal conduz a uma equação análoga às


anteriores:

dvb 1 
=− ( + z ) (IV - 3)
dt  n

Considerando as componentes convectiva e local da aceleração, pode-se escrever,


finalmente, as equações:

+
(
v s  v 2 2
=−
)
1 
(p + z ) (IV - 4)
t s  s

v n v 2 1 
− =− (p + z ) (IV - 5)
t r  n

v b 1 
=− (p + z ) (IV - 6)
t  b

As equações acima são uma forma particular das equações apresentadas inicialmente
por Euler e recebem o seu nome. Exprimem a relação entre a variação da soma (p + z) e a
aceleração do movimento na direção considerada.

Integração da equação de Euler segundo a tangente - Equação de Bernoulli

Dividindo-se ambos os membros da equação (IV-4) por  = g pode-se escrever:

59
 p v 2  1 v s
−  z + +  = (IV - 7)
s   2g  g t

Admitindo-se o movimento permanente obtém-se:

v s
=0
t

d p v2 
 z + +  = 0 (IV - 8)
ds   2g 

Integrando-se a expressão (IV-8) ao longo da linha de corrente

p v2
z+ + = const. (IV - 9)
 2g

equação fundamental da Mecânica dos Fluidos, conhecida como equação de Bernoulli.


Uma análise da equação de Bernoulli revela que cada um de seus termos tem a
natureza de uma energia por unidade de peso.
A cota z corresponde a uma energia potencial de posição, expressa por unidade de
peso, com relação a um plano arbitrário de referência.
A altura da pressão p/ pode ser considerada como uma forma de energia potencial,
porque indica que o fluido a uma pressão p tem condições potenciais para se elevar a uma
altura h = p/ de pressão relativa nula. Deve-se levar em consideração, entretanto, que a
pressão só traduz uma forma de energia relativa, ou seja, a diferença de pressão indica uma
capacidade de produzir trabalho e não o seu valor absoluto. Se todo o meio fluido estiver
submetido a uma alta pressão, as diferentes alturas de pressão devem ser confrontadas entre si
e não com o meio exterior, em termos de energia potencial.
O termo v 2 2g correspond e a uma energia cinética por unidade de peso
(E = mv 2
2; m =1 g .)
Conclui-se que no regime permanente de um fluido ideal incompressível, a energia por
unidade de peso permanece constante ao longo da linha de corrente.
O princípio de Bernoulli, portanto, pode ser considerado como um caso particular do
princípio da conservação da energia.
No trinômio de Bernoulli, os termos têm todos uma dimensão linear: z
representa a cota do ponto, p/ a altura de pressão e v 2 2g a altura de
velocidade.
Em uma interpretação geométrica do teorema de Bernoulli, pode-se dizer que no
regime permanente de um fluido perfeito incompressível, a soma das três alturas (geométrica,
de pressão e de velocidade) ao longo de uma linha de corrente define uma reta horizontal
(figura IV-4). A esta reta dá-se o nome de linha de energia ou plano de carga total. A linha que
une os pontos definidos pelas alturas piezométricas (z + p/) dá-se o nome de linha

60
piezométrica. A percepção física das variações da altura de velocidade pode ser obtida
supondo a linha de corrente como o eixo de um tubo de seção variável, com as maiores alturas
de velocidade correspondendo aos menores diâmetros e as menores aos maiores diâmetros.

É interessante observar que a equação (II-9) da Hidrostática

p p
z+ = z 0 + 0 = const.
 

corresponde ao caso particular da equação de Bernoulli, em que, v = 0.

Equação de Bernoulli no movimento irrotacional

Em geral, no movimento permanente, a equação de Bernoulli é válida somente ao


longo de uma linha de corrente. Entretanto, introduzindo-se a condição de irrotacionalidade
do escoamento, sua aplicabilidade estende-se a toda a massa fluida.
Esta afirmação pode ser comprovada pela análise da equação (IV-5) escrita para o
regime permanente:

v2 1 
− =− (p + z ) (IV - 10)
r  n

Dividindo - se por g e somando - se a ambos os membros o termo


 v 2 / 2g ( )
n
vem :
61
( )
 v 2 / 2g v 2
+
  p v2 
=  z + + 
n gr n   2g 

v v
Mas, = − n , conduzindo a :
r s

v  v s v n    p v2 
 − =  z + + 
g  n s  n   2g 

Sabe-se que no movimento irrotacional

 v s v n 
 − =0
 n s 
logo

  p v2 
 z + +  = 0 (IV - 11)
n   2g 

A expressão (IV-ll) demonstra que, no movimento irrotacional, a soma de Bernoulli


permanece constante também ao longo das normais às linhas de corrente. Portanto, entre dois
pontos quaisquer do fluido em movimento é válida a igualdade:

2 2
p v p v
z1 + 1 + 1 = z 2 + 2 + 2
 2g  2g

Equação de Bernoulli para tubos de seção finita

A aplicação do princípio de Bernoulli em problemas práticos exige, normalmente, que


se considerem tubos de corrente ou condutos de seção finita, onde existem infinitas linhas de
corrente.
Considere-se o tubo retilíneo mostrado na figura IV-5, em que a distribuição de
velocidades, como indicado na figura, não é uniforme.
Com base na equação (IV-10) e considerando-se a curvatura nula dos filetes, obtém-se
imediatamente:
1 
(p + z ) = 0
 n
donde

p
z+ = const. (IV - 12)

62
Portanto, a variação das pressões segundo a normal a um escoamento caracterizado por
linhas de corrente retilíneas e paralelas é hidrostática, ou seja, a altura piezométrica é
constante. A energia cinética em cada filete, entretanto, varia em função da sua velocidade.
Lembrando que os termos da expressão de Bernoulli tem a dimensão de energia por
unidade de peso, a potência elementar, ou a energia por unidade de tempo de um filete de
seção dA e vazão dQ = vdA pode ser expressa por

 p v2   p v2
dP = dQ z + +  = dQ z +  + dQ
  2g    2g
v3
dP = dQ(z + p  ) + dA = const. (IV - 13)
2g

Pelo princípio de Bernoulli, a potência elementar é constante ao longo do filete.


Integrando-a para todo o conduto, obtém-se:

 p 
P = Q z +  + A v 3dA = const. (IV - 14)
  2
Dividindo - se por Q =   vdA, resulta
A

p 1 A v dA
3

E =z+ + = const. (IV - 15)


 2g A vdA

que corresponde à expressão de Bernoulli para um tubo de corrente de seção finita.


Pode-se escrever o termo correspondente à energia cinética em função da velocidade
média da corrente, introduzindo-se um coeficiente corretivo :

63
A v dA
3
U 2 1
=
2g 2g A vdA
donde

A v dA = A v dA
3 3
1
= 2 (IV - 16)
U A vdA U3A
O coeficiente , que leva o nome de coeficiente de Coriolis, é função da distribuição
de velocidades na seção transversal. Sua utilização permite escrever a equação de Bernoulli
para um conduto de seção finita, em termos da velocidade média da corrente:

p U 2
z+ + = const. (IV - 17)
 2g

O coeficiente de Coriolis pode atingir valores significativos em alguns casos


particulares. Entretanto, em um grande número de problemas, a repartição das velocidades na
seção transversal é praticamente uniforme e o valor de  aproxima-se sensivelmente da
unidade.

Aplicações da Equação de Bernoulli

O princípio de Bernoulli é válido apenas para fluidos ideais incompressíveis, em que a


energia do escoamento permanece constante.
Existem, entretanto, diversos casos de escoamento de fluidos reais onde as perdas de
energia são mínimas e os resultados da aplicação deste princípio conduzem a resultados
bastante aceitáveis na prática. A seguir, são apresentados alguns exemplos ilustrativos.

Orifícios

Considere-se um reservatório de grandes dimensões e, em uma de suas paredes, um


orifício de bordas delgadas, conforme mostra a figura IV-6, de pequenas dimensões com
relação à carga h, permitindo considerar-se o escoamento como unidimensional. Admitindo-se
constante o nível do reservatório, o fluxo através do orifício se mantém em regime
permanente.

64
A observação experimental mostra que o jato ao sair do orifício contrai-se por efeito
da inércia até uma seção Ac onde os filetes se tornam praticamente paralelos. Esta seção é
denominada de seção contraída.
Aplicando-se a equação de Bernoulli entre um ponto (1) na superfície do reservatório e
outro (2) no eixo da seção contraída, obtém-se:

2 2
p v p v
z1 + 1 + 1 = z 2 + 2 + 2
 2g  2g

Na superfície livre a pressão relativa e a velocidade do fluxo são nulas.


Por outro lado, no interior da seção contraída, por efeito do paralelismo das linhas de
corrente, a pressão é igualmente nula.
Pode-se escrever, portanto:

2
v
z1 − z 2 = 2 = h
2g
ou
v 2 = 2gh (IV - 18)

expressão do princípio de Torricelli, já mencionado no início do capítulo.


Na maior parte dos casos práticos, com fluidos reais, o resultado expresso pela fórmula
(IV-18) apresenta um erro, para mais, inferior a 2%.
Na verdade, dever-se-ia exprimir

v 2 = C v 2gh (IV - l9)

onde Cv - coeficiente de velocidade  0,98.


A vazão através do orifício pode ser obtida simplesmente por:

65
Q = v 2 A c = C v A c 2gh

Desejando-se exprimí-la em função da área do orifício (A), basta levar em conta a


relação Ac/A = Cc, denominada de coeficiente de contração.

Q = Cc C v A 2gh (IV - 20)

O coeficiente de contração varia naturalmente com a forma do orifício e com a sua


posição em relação às paredes do reservatório. Para o caso ilustrado ele é da ordem de 0,62.
Ao produto Cc Cv = C dá-se o nome de coeficiente de descarga. Seu valor, no caso,
seria aproximadamente 0,60.

A expressão

Q = CA 2gh (IV - 21)

obtida da simples aplicação dos princípios de Bernoulli e da continuidade é totalmente


confirmada pela experimentação.
Em aplicações práticas os orifícios, em relação à sua forma, podem ser classificados
quanto a sua dimensão em relação à carga a que está sujeito (pequenos e grandes), quanto a
geometria da seção (circular, retangular, triangular, etc) e quanto a natureza das paredes (
parede delgada e parede espessa).

h d
d

d ≤ h/3......pequeno
d > h/3......grande Orifício: e < d .....parede delgada
Circular .........à esquerda e ≥ d......parede espessa
Retangular......à direita

Em relação ao escoamento, os orifícios podem ser classificados em livres ou afogados


dependendo da pressão que se estabelece na seção contraída ser igual ou não à pressão
atmosférica. Com relação à veia contraída podem ser considerados como de com contração
completa ou incompleta. Todas essas variantes afetam o coeficiente de descarga.

66
Tubo de Pitot

Considere-se um tubo em L colocado no interior de um fluido em movimento, de


maneira que a seção da extremidade aberta inferior seja normal à direção do escoamento
(figura IV-7).
Observa-se que o fluido se eleva no tubo vertical até uma certa altura, em que se
mantém equilibrado pela pressão exercida pelo fluido em movimento em sua extremidade
inferior. Um tubo nessas condições é geralmente denominado de tubo de estagnação.

Aplicando-se a equação de Bernoulli à linha de corrente atingida pelo tubo, entre dois
pontos, o primeiro (1) suficientemente afastado a montante para não sofrer qualquer influência
do obstáculo e o segundo (s) coincidindo com a extremidade inferior do tubo, obtém-se:

2 2
p1 v1 p v
z1 + + = zs + s + s
 2g  2g

Mas,
z1 = z s e v s = 0. Logo :

2
p1 v1 p
+ = s
 2g 
em que ps é a chamada pressão de estagnação.

67
p p 
v1 = 2g s − 1 
2

   

v1 = 2gh (IV - 22)

Como a pressão p1/ pode ser facilmente medida por um piezômetro na parede do
conduto, o tubo de estagnação se constitui em um instrumento muito prático para a medida da
velocidade em qualquer ponto do escoamento.
A primeira aplicação do tubo de estagnação para a medida da velocidade dos fluidos
deve-se a Henry de Pitot (1695 - 1771), e data de 1732.
Um instrumento mais elaborado, em que é possível a medida simultânea da pressão de
estagnação (ps) e da pressão não perturbada (pl) é hoje universalmente conhecido como tubo
de Pitot, figura IV-8.

Tubo de Venturi

Quando, em um conduto de seção circular conforme ilustra a figura IV-9, se provoca


uma redução de seção, há naturalmente um aumento de velocidades, de acordo com o
princípio da continuidade, e uma variação concomitante das pressões em obediência à
condição imposta pelo princípio de Bernoulli. Tomando-se o cuidado de se adotar uma
configuração que evite fenômenos de separação, em especial no trecho a jusante da seção
contraída, onde a divergência das paredes deve ser bastante suave, consegue-se reduzir a um
mínimo as perdas de energia do escoamento e este pode ser tratado como o de um fluido ideal,
com aproximação razoável.
Para o trecho inicial (1-2), em que há aceleração do escoamento, a hipótese da perda
de energia nula é particularmente justificável, podendo-se escrever, com boa precisão:

p U  U
2 2
p
z1 + 1 + 1 1 = z 2 + 2 + 2 2
 2g  2g

68
Considerando-se, por simplicidade, 1=2=1, e combinando-se a equação acima como
a da continuidade (U1 A1 = U2 A2 ), resulta:

2
 A1  U1 2 U1 2  p   p 
  − =  z1 + 1  −  z 2 + 2  = h
 A 2  2g 2g      

h
2 2
U1 A
= = 2 2 2 h
A1 − A 2
2
2g  A 
 1  − 1
 A2 
A2
U1 = 2gh (IV - 23)
A1 − A 2
2 2

A vazão através do conduto pode ser obtida imediatamente da equação (IV-23):

A 2 A1
Q = U1A1 = 2gh (IV - 24)
A1 − A 2
2 2

Fazendo

69
A 2 A1
=K (IV - 25)
A1 − A 2
2 2

resulta
Q = K 2gh (IV - 26)

A equação (IV-24) exprime a vazão através do conduto, em função das áreas (A1 , A2 )
e da diferença de cotas piezométricas entre as duas seções consideradas

 p   p 
h =  z1 + 1  −  z 2 + 2 
     

Ao tubo com a forma ilustrada na figura IV-9 dá-se o nome de tubo de Venturi, ou
medidor de Venturi, devido à característica expressa pelas fórmulas (IV-24) e (IV-26) que o
tornam um prático instrumento de medida de vazão.
O coeficiente de descarga K, cujo valor teórico é expresso pela fórmula (IV-25), é na
prática obtido por calibragem em laboratório. A diferença para com o valor teórico, que se
deve essencialmente à dissipação de energia no fluxo do fluido real, pode em geral ser
desprezada em problemas de menor responsabilidade.

Referências:
Pinto;N. L. S.; Neidert; S. H.; Fill, H. D. O. A.; Lambros, D.; Reis; F. C. A.; Tozzi;M.
J.; Ota.J. J. Noções Básicas de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica. Curitiba, UFPR, DHS.

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