Tese Luz Performativa Nadia Moroz 314 - 315
Tese Luz Performativa Nadia Moroz 314 - 315
Tese Luz Performativa Nadia Moroz 314 - 315
Iluminação Cênica:
a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador
São Paulo
2020
NADIA MOROZ LUCIANI
Iluminação Cênica:
A performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador
São Paulo
2020
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pela autora
Este trabalho foi parcialmente realizado com o apoio do Programa Institucional de
Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES-PrInt) do Brasil por meio do Programa de Doutorado Sanduíche
no Exterior (PDSE) realizado no Centro de Estudos das Artes Contemporâneas
(CEAC) da Universidade de Lille (UdL) na França sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Véronique Perruchon.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
Aos meus orientadores Zebba (até 2018) e Cibele pela paciência, dedicação e
estímulo constantes. À Cibele, particularmente, por acreditar no meu trabalho,
na minha pesquisa e por tanto fazer para a realização deste estudo.
A todos os autores, mais ou menos afamados, mas todos fundamentais para que
fosse possível organizar e fundamentar cientificamente as intuições oriundas da
prática profissional e didática e que só puderam resultar num estudo doutoral por
suas reflexões e publicações.
Ao Prof. Dr. Edélcio Mostaço por, com suas aulas, estimular o surgimento do
embrião dessa pesquisa; ao querido orientador de mestrado Prof. Dr. José
Ronaldo Faleiro, pelas orientações precisas da escrita acadêmica e ao
antropólogo argentino e amigo Prof. Dr. Jorge Kulemeyer, pelo estímulo
constante e pelas observações oportunas e espirituosas.
À Lilian Fleury pelo TELAB e por, através dele, impulsionar meu regresso à
universidade e, principalmente, pelo estímulo em regulamentar e seguir adiante
com meus trabalhos de pesquisa e extensão com a criação do LABIC.
Ao meu irmão Vicente Moroz Luciani e sua querida família Sabine, Isabele e
Vicentinho, pelo carinho a cada visita, em território nacional e internacional; à
Ivone Pires, pela acolhida sempre, e aos meus pais Vicente Maceno Luciani (in
memorian) e Irene Moroz Luciani, por eu saber que sempre acreditaram em mim,
torceram e se orgulharam de minhas conquistas. À minha mãe, ainda, pela
revisão atenta e dedicada.
Palavras chave:
Iluminação Cênica; Componentes da Cena; Luz Ativa; Performatividade da Luz.
ABSTRACT
This research aims to prove, based on concepts and investigations about art,
theater, scenography in its broadest concept and design, the performative action
of stage lights through its presence as a poetic materiality that takes place in the
relationship that can establish with the spectator. To this end, basic concepts of
theatrical practices of the 20th and 21st centuries developed mainly by Josette
Féral, Richard Schechner and Hans-Thies Lehmann, as well as, more recently,
Luiz Fernando Ramos and his performative mimesis theory, to understand
notions of the theater whose collective, collaborative or participatory process of
creation characterize contemporary theatre production. It analyzes the light as a
performative agent that affects the viewer who is dedicated to it toward important
concepts from different authors such as presence, active reception, Jauss’
aesthetic of reception, Merleau-Ponty’s phenomenology of perception and
Gibson’ concept of affordance. With this, it aims to scientifically understand the
effects that light-matter produces on human perception, especially dedicated to
light for the stage in its relationship with the theatrical spectator. On the goal of
verifying its hypothesis of the performativity of light, the research also seeks a
practical foundation in the analysis of some stage light creations, both by the
author and other lighting designers, whose propositions of theatre lighting
indicates performative characteristics, and in a relevant sample of interviews,
conducted at the end of the investigation process, with theatre and lighting
professionals in Brazil, Italy and France.
Key words:
Light Design; Scene Components; Active Light; Performativity of Light.
RESUMÉ
Mots clés :
Création Lumière ; Composants de la Scène ; Lumière Active ; Performativité de
la Lumière.
SUMÁRIO
PRÓLOGO ......................................................................................................... 1
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7
ANEXOS ............................................................................................................ 1
1 ENTREVISTAS ................................................................................................ 1
1.1 Questionário em Português .................................................................. 3
1.2 Questionário em Francês ...................................................................... 4
1.3 Questionário em Italiano ....................................................................... 5
2 ILUMINADORES ENTREVISTADOS – BIOGRAFIAS ................................................ 6
3 CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS ...................................................................... 28
3.1 Alessandra Domingues – Iluminadora Paulistana............................... 28
3.2 Aurélio de Simoni – Iluminador Carioca .............................................. 37
3.3 Beto Bruel – Iluminador Paranaense .................................................. 48
3.4 Christine Richier – Iluminadora Francesa ........................................... 60
3.5 Christophe Forey – Iluminador Francês .............................................. 61
3.6 Claudia de Bem – Iluminadora Gaúcha .............................................. 69
3.7 Cibele Forjaz – Iluminadora Paulistana............................................... 75
3.8 Eduardo Tudella – Iluminador Baiano ................................................. 84
3.9 Elsa Revol – Iluminadora Francesa .................................................... 92
3.10 Eric Soyer – Cenógrafo e Iluminador Francês ................................ 109
3.11 Fabrizio Crisafulli – Iluminador e Diretor de Teatro Italiano ............ 113
3.12 Gianni Staropoli – Iluminador Italiano ............................................. 117
3.13 Guilherme Bonfanti – Iluminador Paulista ....................................... 121
3.14 Jorginho de Carvalho – Iluminador Carioca .................................... 136
3.15 Lucas Amado – Iluminador Paranaense ......................................... 142
3.16 Marisa Bentivegna – Iluminadora e Cenógrafa Paulista ................. 151
3.17 Nadja Naira – Iluminadora Curitibana ............................................. 164
3.18 Pasquale Mari – Iluminador e Diretor de Fotografia Italiano ........... 179
3.19 Paulo Cesar Medeiros – Iluminador Carioca................................... 181
3.20 Renato Machado – Iluminador Carioca ........................................... 184
3.21 Roberto Gill Camargo – Iluminador Paulista ................................... 196
3.22 Rodrigo Ziolkowski – Iluminador Paranaense ................................. 205
3.23 Thierry Fratissier – Iluminador Francês........................................... 209
3.24 Wagner Corrêa – Iluminador Paranaense....................................... 218
3.25 Wagner Pinto – Iluminador Paulista ................................................ 221
4 CONTEÚDOS ORIGINAIS DAS ENTREVISTAS EM FRANCÊS E ITALIANO ................ 234
5 VERDADES E MITOS SOBRE A PERFORMATIVIDADE DA LUZ............................. 282
“Don’t forget, the most important is poetry.
Everything you make must be a poem on stage,
that’s the secret”
J. S.
PRÓLOGO
Figura 1 - Foto com Carlos Kur durante a Oficina de Iluminação Cênica do LABIC realizada
excepcionalmente no Mini Auditório do Teatro Guaíra em 2019. Foto acervo pessoal.
Prólogo
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 2
Prólogo
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 3
Prólogo
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 4
Prólogo
Figura 2 - Entre meus dois mestres, Aurélio de Simoni e Beto Bruel, em abril de 2017 no
Espaço das Artes em São Luiz do Purunã no Paraná – Foto: Kraw Penas.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 5
Prólogo
porque não tenha havido nenhum outro antes dele, mas porque ele tinha uma
atitude tão específica e organizada em relação à luz e determinou o mais
importante: uma atitude que afirma que deve haver uma técnica e um método
para organizar suas ideias”1 (ROSENTHAL, 1972, p. 16) não só para me referir
a eles como também a Jorginho de Carvalho, reconhecido por seus pares como
o primeiro iluminador brasileiro, mestre de Aurélio e de tantos outros
iluminadores cariocas. Foi a partir destes profissionais da luz, pioneiros da arte
e da técnica da iluminação cênica no Brasil, que a profissão adquiriu e tem hoje
o reconhecimento como um dos elementos fundamentais do espetáculo teatral,
minha profissão e paixão, na vida, no trabalho e na docência.
1 « I have always felt that McCandless was indeed the granddaddy of us all. Not because there
were no others before him, but because he did have such a specific and orderly attitude toward
lighting and he set up the most important thing : an attitude which demands that there must be a
technique and a method for organizing your ideas » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 6
INTRODUÇÃO
Assim como Svoboda, eu sou uma profissional, mas também uma artista,
assim como ele também, aliás. Sou uma designer e uma iluminadora teatral3 e
foi como tal que eu me descobri no teatro. Ao contrário de muitos outros
profissionais da luz que experimentam, antes, outras atividades como a atuação,
a dança ou, mais corriqueiramente, a cenografia, foi como consequência da
minha formação em design que eu iniciei minha carreira no teatro como
iluminadora. Focando meus interesses na iluminação cênica como linguagem no
teatro e, resistindo às resistências, tanto em um campo (teatro) quanto no outro
(design), eu sempre busquei associá-los no entendimento e na sistematização
de uma metodologia do processo criativo da luz.
2 Eu sou um profissional, não um artista, um profissional que exerce uma arte coletiva (tradução
da autora).
3 Como designer de formação e Iluminadora de profissão, me parece oportuno fazer aqui um
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 8
Introdução
5 « La Scénographie est la traduction spatiale d’une idée » (tradução da autora). Frase de Josef
Svoboda, cenógrafo tcheco durante a entrevista concedida a Christine Richier e Djamila Salah
em Paris em março de 1993, presente no Anexo 1 - Les Entretiens sur la Lumière, transcrição
da entrevista em documento anexo à tese de doutorado Josef Svoboda, poète de l’immatériel.
(RICHIER, 2019).
6 Entendendo grafia também em um sentido mais amplo, como escritura, tanto no plano
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 9
Introdução
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 10
Introdução
pelo professor Tudella (2012), entender a iluminação cênica como uma área de
aplicação do design e, com isso, assimilar toda sua complexidade e engajamento
ao aliar forma e função, artes e ofícios. O surgimento da Bauhaus, na primeira
metade do século passado, permitiu a criação do design, que reconciliou arte e
técnica (FLUSSER, 2007, p. 183-184) em uma atividade que requer tanto
conhecimentos técnicos e tecnológicos quanto sensibilidade artística e criativa.
O mesmo acontece com a iluminação cênica, entendida como uma área de
criação artística que envolve o emprego de equipamentos e técnicas.
8 O destaque para o volume da realização deste tipo de evento científico no Brasil se deve à
experiência vivida no período do doutorado sanduiche (PDSE) na França (2109-2020), no qual
eu pude constatar a raridade de tais eventos e até mesmo da interação entre artistas e
pesquisadores da área. Ter participado de alguns eventos científicos (Colloque Lumière Matière
na UdL – França e UNIPD – Itália e II EASTAP Conference na ULisboa em Portugal) me fez
perceber ainda como existe um grande distanciamento entre pesquisadores e artistas, cuja
experiência é raramente compartilhada no meio acadêmico. Folgo em salientar, no entanto, que
este cenário se encontra em processo de reavaliação e demonstra tendência, pelo interesse
mútuo, a se transformar num futuro próximo.
9 Como, por exemplo, a valorosa tese recém publicada do Prof. Eduardo Tudella (2017) sobre a
luz na gênese do espetáculo, a obra de pesquisa que estabelece o vínculo entre a iluminação
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 11
Introdução
Foi longo o caminho percorrido por este estudo desde a proposta inicial
até o objeto final, a performatividade da luz como elo entre a cena e o
espectador. O projeto original de pesquisa previa o estudo e a proposição de
uma metodologia para o ensino da iluminação cênica para estudantes,
acadêmicos ou livres, jovens profissionais e demais interessados na arte e no
ofício da luz criada para a cena. A performatividade da luz constava no projeto
apenas como parte do processo do entendimento da atuação da luz em um
espetáculo cênico, mas não era, ainda, o tema principal da pesquisa. Em
seguida, durante as orientações do doutorado e com base nas próprias
pesquisas e incertezas a respeito do caminho a ser tomado pela pesquisa, o
argumento final recebido do orientador na época, o professor José Batista Dal
Farra Martins, foi muito enfático e irrefutável. Dar aulas já era um conhecimento
adquirido, não havia o que investigar.
cênica e as artes plásticas de Valmir Perez (2012), a importante referência bibliográfica já tão
explorada por estudantes, profissionais e pesquisadores da iluminação do Prof. Roberto Gill
Camargo (2012), além de artigos em revistas científicas (algumas até com dossiês temáticos
especialmente dedicados à iluminação), teses, dissertações e monografias. Com um caráter
menos científico, mas também muito úteis, existem os sites, blogs e fóruns cibernéticos sobre a
iluminação cênica, onde circulam informações, vídeos, textos e tutoriais, toda uma coletânea de
materiais, dos mais técnicos aos mais conceituais.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 12
Introdução
Nada além de uma forte intuição, a noção da luz no teatro como elemento
atuante e autônomo carecia de embasamento científico para seu entendimento
pleno, e cuja equiparação com outros elementos da cena, principalmente o ator,
sofria a resistência de outros pesquisadores. Mais tarde ficou claro, no entanto,
do Teatro da Vertigem, organizado por Guilherme Bonfanti e Chico Turbiani. O evento, onde eu
pude expor o embrião do conceito de performatividade da luz em uma mesa com minha
orientadora Cibele Forjaz colaborou significativamente com esta pesquisa.
12 Tema investigado desde a pesquisa do mestrado e deixado de lado na dissertação, igualmente
por sugestão da banca de qualificação, tendo sido objeto, inclusive, de alguns artigos publicados
entre o mestrado e o doutorado, como é possível verificar nas referências, ao final da tese. O
termo empregado foi igualmente questionado à época dos estudos de mestrado e doutorado,
principalmente pelo emprego de um termo ainda ambíguo e questionável, de certa forma, na
própria teoria do teatro.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 13
Introdução
13 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 136-141.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 14
Introdução
cênica mais recentes, considerando que boa parte do referencial teórico recentemente produzido
e disponível em língua portuguesa sobre iluminação cênica concentra-se ou ao menos versa
sobre seu aspecto histórico, a exemplo das pesquisas acadêmicas de Hamilton Saraiva (USP),
Cibele Forjaz (USP, Eduardo Tudella (UFBA) e Berilo Nosella (UFSJ), entre outros, além da
própria história do teatro mundial traduzida em publicada no Brasil, onde é possível encontrar,
efusivamente, alusões às transformações históricas das artes da cena vinculadas à iluminação
cênica e à tecnologia teatral.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 15
Introdução
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 16
1 ILUMINAÇÃO CÊNICA
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 18
Iluminação Cênica
mas é permeado pelas mediações materiais ou simbólicas como meio para favorecer, facilitar e
contribuir para a melhoria das condições de vida da população. Essa acepção social de
tecnologia, aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade – PPGTE da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, entre outros, abrange a teoria crítica da
tecnologia como uma investigação científica da natureza do conhecimento tecnológico que
permite uma noção mais abrangente que envolve, ciência, técnica e cultura como um conjunto
de conhecimentos científicos ou empíricos e mediações sociais diretamente aplicáveis à
produção de bens e serviços com impactos transformadores da sociedade.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 19
Iluminação Cênica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 20
Iluminação Cênica
de lumière et d’augmenter leur efficacité. Or vous savez comme moi qu’augmenter la puissance
augmente la production de chaleur, qu’il faut alors dissiper. L’idéal serait la lumière ‘froide’, on
dépenserait moins d’énergie pour une efficacité lumineuse beaucoup plus importante. Cela
devrait faire l’objet de programmes de recherche pour les années à venir : réduire la dimension
des sources en augmentant leur puissance » (tradução da autora).
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Iluminação Cênica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 22
Iluminação Cênica
Eu acho que como a luz elétrica foi uma grande revolução tecnológica
e que proporcionou novos caminhos para o teatro, o meu doutorado
defende que estamos diante de uma nova grande revolução
tecnológica, e que ela vai criar novos caminho para o teatro e já está
criando. E essa revolução tecnológica é a digitalização dos processos
e o computador como ferramenta de trabalho. Isso está gerando uma
nova forma de construção da narrativa no teatro. [...] Isso tem levado a
um novo paradigma da construção teatral e, na verdade, estamos
diante de uma coisa muito poderosa, porque a luz não só interfere, de
fato, na construção da narrativa, mas, como a Nadia diz, ela é atuante
na cena… A associação entre projeção, iluminação, sonoplastia,
cenografia e figurino com estrutura de tecnologia e a utilização do
computador como ferramenta, estão nos levando para um novo status,
uma coisa completamente diferente (MACHADO, anexos, p. 191).
21 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 184-195.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 23
Iluminação Cênica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 24
1.1 A Iluminação como componente da cena
22Com base na famosa afirmação "Great design is eliminating all unnecessary details", bastante
repercutida nos meios do design, criada pelo designer gráfico Minh D. Tran, radicado em
Manchester – UK.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 26
A iluminação como componente da cena
uma cena melancólica será sempre azul ou que uma cena alegre será
invariavelmente amarela e a romântica rosa. Nem que o calor será sempre
âmbar e o frio lavanda. Como saber se é melhor usar luz frontal, lateral ou
contraluz para uma cena sem vê-la, sem senti-la, sem conhecer a forma com
que os seus elementos interagem com um ou outro tipo de iluminação? O que
deve determinar a ambientação geral de uma cena é a sequencia de ações e
situações que levam a esta determinada cena. Somente o sentimento, a
construção, o caminho percorrido pelo ator, em conjunto com os demais
componentes da cena, como som e figurino, mais as orientações do encenador,
é que podem conduzir à sua configuração final e à escolha do tipo de luz
adequada para ambientá-la, relacionando-a e vinculando-a intrinsecamente à
complexa sucessão de acontecimentos da obra integral.
É preciso olhar para a cena, ver como ela se configura, entender como
ela foi pensada pelo dramaturgo, encenador ou coreógrafo e, finalmente, pelo
performer, o que ele sente e como reage, suas ações e subtextos. Entrar na
cabeça e investigar o pensamento do diretor, invadir a mente do ator e se colocar
no lugar do bailarino. Conhecer o cenário e o figurino, mesmo que eles ainda
não estejam prontos. Saber porque e com que intenção, em um momento
preciso, o ator levanta ou abaixa a cabeça, o bailarino se desloca pelo espaço,
ou o músico levanta seu instrumento. É preciso observar como eles o fazem e
tentar perceber o que sentem quando isso acontece. É importante descobrir o
que o diretor tem em mente ou pretende quando diz a um ator para entrar ou sair
de cena mais rápido ou mais lentamente, para parar em um determinado lugar
do palco, olhar ou não para o público, interagir ou não com seu interlocutor em
cena. Como confirmação desse procedimento que antecede a criação, vale
lembrar o que disse, inúmeras vezes, o iluminador carioca Aurélio de Simoni:
“Tudo informa luz!”23
23 Algumas das vezes, inclusive, nas páginas 38 e 42 da entrevista realizada como parte desta
pesquisa, disponível nos anexos, p. 37-47 e na entrevista recentemente concedida ao canal do
YouTube “da ideia à luz” disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ndTbWXy9x04
visitada em 26 de agosto de 2020.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 27
A iluminação como componente da cena
Sobre essa associação entre cenário e luz, enquanto Svoboda afirma que
é necessário pensar a luz antes de escolher uma estrutura, uma superfície ou os
materiais a serem usados no cenário (RICHIER, 2019, anexo 1, p. 75), Marisa
declara que, para ela, “o espaço é superimportante e, em noventa por cento dos
casos, a criação do espaço vem antes do que a criação da luz” (BENTIVEGNA,
anexos, p. 162). Esses dois depoimentos de dois importantes profissionais da
cena, só confirmam a assertiva de que tanto a maneira como a luz incide sobre
os diferentes materiais, objetos e superfícies, quanto a estrutura e concepção do
espaço que ela ocupa, são fundamentais para se construir a atmosfera ou clima
do visual cênico de uma cena ou espetáculo.
24 « Je ne peux pas imaginer faire une scénographie sans en penser la lumière. Elles sont
interdépendantes et ont toujours été liées dans ma pensée de l’espace. Elles sont
indissociables » (tradução da autora).
25 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 151-163.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 28
A iluminação como componente da cena
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 29
A iluminação como componente da cena
28 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 61-68.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 30
A iluminação como componente da cena
29 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 209-217.
30 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 48-59.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 31
A iluminação como componente da cena
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 32
1.2 Os processos colaborativos, o espectador e a luz
32 Uma dessas situações foi a realidade virtual que assolou a humanidade na segunda década
do século XXI, período final da redação da presente pesquisa, cuja pandemia do Coronavírus
impôs, pela propagação planetária da Nova Covid-19, o isolamento social compulsório no mundo
todo, resultando em novas formas de aproximação digital e de relacionamento pessoal e
profissional. O estado de home office, a prática do ensino à distância e as redes sociais criaram
novos paradigmas de atuação e interação que chegaram às mais diversas formas de
manifestações artísticas. Museus disponibilizaram suas exposições e acervos pela internet,
companhias de teatro publicaram seus espetáculos e foram produzidos concertos e shows
musicais especialmente para os meios virtuais. Dada a crise econômica, principalmente do meio
artístico e cultural, uma das indústrias mais afetadas, abriram-se editais e programas de incentivo
à cultura especialmente voltados para produções nos meios digitais, visando a realização de
espetáculos inteiramente virtuais, cuja criação, concepção, ensaios e, inclusive, apresentação,
precisavam ser realizados virtualmente. A nova realidade e os novos formatos artísticos, com a
súbita obrigatoriedade da produção inteiramente realizada à distância, impuseram importantes
reflexões e transformações na vida e na arte.
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
33 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 117-120.
34 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 181-183.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 34
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 35
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
...para mim o que importa é o olhar de quem está na plateia, que pode
ser o diretor, o meu olhar, obviamente, mas também o olhar do
espectador [...] eu começo a pensar nele só quando já me sinto um
tanto coerente em relação a tudo [...] à força de constatar que eu
percebo muitas coisas no dia em que assisto à estreia e que já não
posso fazer mais nada, então isso significa que talvez eu não pense o
suficiente no espectador, (risos) visto que quando eu me encontro na
posição de espectador, percebo muitas revelações, tanto sobre o
trabalho dos atores quanto sobre o trabalho da luz [...] porque eu
espero que o trabalho que fazemos juntos quando montamos um
espetáculo traga algo de novo para o espectador, algo que possa
surpreendê-lo. De alguma forma, alimentá-lo com o que ele não tenha
sido alimentado antes. Parece muito pretensioso, mas ao mesmo
tempo é um pouco nossa ambição. […] Para mim, é importante que o
espectador possa perceber coisas que ele não esperava. Então, se eu
começar a lhe oferecer o que ele espera, é um pouco contraditório, é
isso (FRATISSIER, anexos, p. 211).
42 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 209-217.
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Os processos colaborativos, o espectador e a luz
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Os processos colaborativos, o espectador e a luz
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Os processos colaborativos, o espectador e a luz
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Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 40
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Faculdade Leocádio Correia, da qual é fundador e diretor, também autor do livro História e
formação do ator da Editora Ática, publicado em 1989.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 41
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
46 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 116-130.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 42
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
47 Em conversa com a equipe de criação mediada pelo Prof. Dr. Christophe Triau, da
Universidade Paris-Nanterre, realizada após a apresentação de sua mais recente criação, o
espetáculo Contes et Légendes, no Teatro Nanterre-Amandiers na França no dia 18 de janeiro
de 2020.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 43
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Além de dois atores adultos, todo o elenco jovem, formado exclusivamente por
mulheres, mesmo para os papéis masculinos, foi selecionado em ateliers de
criação teatral, depois dos quais se seguiu mais de um ano de encontros e
ensaios criativos até chegar à estreia do espetáculo.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 44
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
48 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 109-112.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 45
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 46
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
49Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 184-195.
50« Je pense qu’en fait, s’il faut avoir le dernier mot, c’est un peu dommage » (tradução da
autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 47
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
51 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 28-36.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 48
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
52 « Les membres du groupe (non seulement les acteurs et les danseurs, mais aussi, par
exemple, ceux qui s’occupent du son ou de la technique) sont invités à se confronter à la situation
proposée, cette confrontation mettant en jeu, avant même leurs formations spécifiques
respectives et leurs capacités techniques, leurs différentes personnalités, afin que les
réactions/propositions de chacun viennent susciter des variations de la condition donnée
initialement, et que cette condition (qui constitue le monde embryonnaire du spectacle) se
repropose à son tour, modifiée par ces changements, dans les relations. En somme, ce qui se
crée peu à peu au cours des répétitions est un « lieu », un environnement fait de rapports
évolutifs. [...] Cette procédure est également décisive quant à la détermination du rôle de la
lumière, qui peut varier beaucoup d'un spectacle à l'autre mais qui, dans chaque cas, se configure
en tant que facteur fortement lié à l'ensemble des relations. En d'autres termes, la lumière n'est
pas comprise comme un élément « projeté » sur le spectacle pour en déterminer l’aspect visuel
spécifique, mais comme une composante du « lieu » où les relations se déroulent, intriquée aux
actions, aux durées, aux espaces, aux formes, aux sons, aux paroles qui, dans ces relations, se
définissent peu à peu. Par rapport à ces éléments, la lumière devient à la fois origine et
conséquence. C'est pourquoi sa conception, plutôt que de se référer à des paramètres et à des
critères prédéterminés, dérivants de coutumes théâtrales et d’habitudes techniques, jaillit des
relations inhérentes au processus créatif, ce qui implique, dès le début du travail, sa mise en jeu
comme élément constructif » (tradução da autora).
53 Outras opiniões podem ser verificadas nas respostas à pergunta número dois das entrevistas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 49
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 50
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
54Abordado com maior atenção no estudo de caso especialmente dedicado ao trabalho de Cibele
Forjaz com o Teatro Oficina entre os anos de 1991 e 2002 (Capítulo 2.3.1).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 51
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
55 Filme documentário À Luz de Bruel: a poética da luz em Beto Bruel, realizado pela Werner
Produções em 2018 e dirigido pelas cineastas Téia Werner e Silvia Gabriela sobre o trabalho do
iluminador paranaense Beto Bruel.
56 « La lumière se définit donc au sein de l'ensemble des relations qui s'établissent pendant la
construction du spectacle et sa concrétisation à travers des échanges plus au moins étroits avec
les autres actions et avec les textes. Ceux-ci, qui sont habituellement rédigés ou réélaborés
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 52
Os processos colaborativos, o espectador e a luz
O mais interessante é que a luz não teria que correr atrás das
proposições dos atores, ela poderia propor. Então, por exemplo, tinha
uma determinada cena que eles deveriam nadar em um açude e tinha
uma determinada luz, que era um código para esse momento. E eu
poderia propor essa cena e eles poderiam embarcar ou não, mas
normalmente embarcavam, porque nós trabalhávamos com esse
princípio da escuta, todos os intérpretes jogando juntos ali
(BENTIVEGNA, anexos, p. 158).
Esta necessidade de interação da luz com a cena faz com que, algumas
vezes, haja uma imposição de que o criador da luz seja, também, o operador,
visando a simbiose, durante as apresentações, entre luz e a cena,
eventualmente gerada nos ensaios e nos processos de construção da
dramaturgia e da encenação. A estreita relação do espetáculo com o espectador,
mediada pela luz, não pode ter origem em outra forma de construção cênica.
Somente o processo colaborativo ou participativo de criação, do qual tanto o
iluminador quanto o operador de luz possam participar intensa e ativamente,
pode permitir a criação de uma iluminação que seja, efetivamente, além de
iluminar e permitir que as cenas sejam vistas, parte integrante e constituinte do
espetáculo.
pendant les répétitions, se ressentent de la manière dont peu à peu la lumière se construit, tout
autant qu'elle-même est influencée par les textes » (tradução da autora).
57 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 151-163.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 53
1.3 Processo criativo e formação do iluminador
58 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 109-112.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 55
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 56
Processo criativo e a formação do iluminador
Quando um encenador diz que quer uma geral azul, uma coreógrafa diz
que quer um pino e um músico diz que não quer luz nele, é preciso entender o
que existe por trás dessas expressões e desses desejos, pois talvez não seja a
uma geral azul, um pino ou à falta de luz que eles estejam se referindo
literalmente. Ao contrário, é preciso entender que o que eles podem estar
fazendo, efetivamente, é fornecer importantes informações a respeito do clima
da cena, do destaque necessário para um solo e do incômodo que a luz frontal
pode representar para a leitura da partitura ou a visualização do maestro. Alguns
iluminadores se queixam que certos diretores não precisam de iluminadores,
mas de técnicos montadores, pois afirmam saber o que querem e como deverá
ser a luz, mas na verdade eles não sabem. Ou não sabem com certeza ou o
conhecimento necessário, apenas pensam que sabem ou imaginam um
determinado resultado visual, mas que muito raramente corresponde
efetivamente ao que desejam ou precisam para a cena. Eles apenas visualizam,
imaginam aspectos da criação conjunta e, de fato, o que conseguem verbalizar
ou expressar em palavras normalmente tem pouca ou nenhuma relação com o
que imaginam e necessitam. Cabe ao iluminador, com muita sensibilidade e
conhecimento técnico, decifrar essas informações e transformá-las no resultado
sensorial e estético adequado ao espetáculo e, acreditem, desejado pelo diretor,
coreógrafo ou maestro, como os do início deste parágrafo.
mas mantê-lo atento e concentrado no palco por 60 ou 120 minutos é muito mais complicado”.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 57
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 58
Processo criativo e a formação do iluminador
artístico e criativo que visa, antes de mais nada, a interação com a plateia, a
comunicação e a expressão de ideias, conceitos, ações e intenções estéticas
performativas.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 59
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 60
Processo criativo e a formação do iluminador
relação entre artes plásticas e design quando, na primeira metade do século XX,
a Bauhaus buscou, pelas ideias de seu fundador Walter Gropius, reconciliar as
duas áreas de conhecimento em uma atividade que pudesse servir para,
segundo o filósofo Vilém Flusser, transformar o ser humano em um artista livre
(FLUSSER, 2007, p. 184). Ele relembra a “separação brusca entre o mundo das
artes e o mundo das técnicas e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu
em dois ramos estranhos entre si: o ramo científico, quantificável, e o ramo
estético, qualificador” (FLUSSER, 2007, 183).
61Para Dufrenne há, no homem (ser-no-mundo), uma premente necessidade do belo, uma sede
de beleza, que só é satisfeita pelo objeto estético no campo do sensível, quando a experiência
estética revela sua relação mais profunda e estreita com o mundo (DUFRENNE, 1981, p. 25).
Essa necessidade igualmente reside no sensível, em sua relação no mundo, no reino das formas,
das cores ou dos sons (DUFRENNE, 1981, p. 248).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 61
Processo criativo e a formação do iluminador
62 « La Scénographie est une discipline, est une branche des arts plastiques » (tradução da
autora).
63 “O termo ‘espectaculoso’ se refere aqui àqueles efeitos que abrem mão do direito de interagir
fidèle à ce système d’analyse, à ma conception, ma foi dans le fait que chaque pièce est un
univers, un monde, ou un fragment de monde. C’est ce monde qu’il faut découvrir et traduire {…].
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 62
Processo criativo e a formação do iluminador
C’est pour ça que le théâtre est tellement vivant. Mais si vous ne prenez pas ce chemin-là, si
vous ne cherchez pas le principe essentiel d’une œuvre, alors vous faites simplement un show.
Faire des choses dans ma branche, des choses faciles, pour épater les foules, je peux le faire,
je sais faire des choses extraordinaires, mais j ai toujours refusé de travailler comme ça, ce serait
discréditer, déprécier les moyens que j’utilise, je ne pourrais plus faire di théâtre, je ne pourrais
plus y revenir parce que j’aurais honte… C’est essentiel, il faut prendre conscience de cette
dimension pour faire son chemin » (tradução da autora).
65 Entrevistas disponíveis nos anexos, p. 28-233.
66 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 37-47.
67 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 142-150.
68 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 221-233.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 63
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 64
Processo criativo e a formação do iluminador
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Processo criativo e a formação do iluminador
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Processo criativo e a formação do iluminador
69 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 184-195.
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Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 68
Processo criativo e a formação do iluminador
... quem não é atraído pelo teatro ou pela arte em geral, quem não sabe
ler um poema ou uma peça com o coração, mas somente com o
intelecto para acumular conhecimentos, não está no bom caminho. Eu
nunca leio uma peça como intelectual, com um conhecimento pré-
estabelecido. Eu a leio e pode me acontecer de chorar, eu não tenho
vergonha de me sentir tocado. Eu serei arguto mais tarde, quando eu
farei a análise, mas minha primeira leitura é a de uma boa dama (sic)
que gosta de sentir emoções sensíveis quando vai ao teatro. É claro
que eu tenho alguma experiência, ela tem seu peso, esse primeiro
olhar não é absolutamente novo, mas é indispensável. É uma maneira
de manter um rumo. De não me lançar em um deserto inacessível ao
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 69
Processo criativo e a formação do iluminador
72 « … celui qui n’est pas attiré par le théâtre ou l’art en général, celui qui ne sait pas lire un
poème ou une pièce avec le cœur, mais seulement avec l’intellect pour accumuler de
connaissances, celui-là n’est pas sur le bon chemin. Je ne lis jamais une pièce en intellectuel,
avec un savoir préétabli. Je la lis et il peut m’arriver de pleures, je n’ai pas honte de me sentir
touché. Je serai malin plus tard, quand j’en ferai l’analyse, mais ma première lecture est celle
d’une brave dame qui aime ressentir des émotions sensibles quand elle va au théâtre. Bien sûr
j’ai une certaine expérience, elle a son poids, ce premier regard n’est pas absolument neuf, mais
il est indispensable. C’est une manière de tenir un cap. De ne pas m’égarer dans un désert
inaccessible au spectateur. Les choses illisibles pour le spectateur n’ont pas d’impact sur lui »
(tradução da autora).
73 Conferência Inspiration for Lighting no E-Scapes – Conferência Internacional de Design para
a Performance, realizada na Praça das Artes da Fundação Theatro Municipal em São Paulo
entre 10 e 14 de agosto de 2014.
74 « Ce n’est pas facile de réussir vraiment des ambiances atmosphériques au théâtre, il y a tout
ce que crée la nature, le soleil, l’atmosphère… […] La lumière passe à travers un grand filtre,
profond et presqu’immatériel, c’est une qualité de diffusion que l’on ne sait pas faire au théâtre »
« S’inspirer de la lumière naturelle peut être merveilleux […] mais il ne s’agit pas de reproduire
un paysage dans tous ses détails, je retiens seulement la qualité de la lumière » (tradução da
autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 70
Processo criativo e a formação do iluminador
75O entendimento dessa associação entre os níveis criativos da prática processual do design
para o processo criativo do teatro podem variar conforme o tipo de processo (colaborativo,
coletivo, tradicional, textocentrista, entre outros), tipo de espetáculo cênico (teatro, dança,
música, ópera, artes circenses, performance, entre outros) ou ainda formato teatral (dramático,
pós-dramático, performativo, entre outros), mas seguem, invariavelmente, uma mesma estrutura.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 71
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 72
Processo criativo e a formação do iluminador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 73
1.3.1 Funções e Variáveis da Luz
- práticas
- semânticas
- estéticas
76 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 37-47.
77 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 196-204.
78 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 181-183.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 75
Funções e variáveis da luz
A partir do momento [...] que o palco não ficava limitado por sua
arquitetura, todos os outros fatores do fenômeno teatral precipitam-se
pela brecha assim aberta: a personagem, ligada até então à mímica do
homem (sic), à mensagem do autor (que até aqui era apenas uma fala)
e descobrimos surpresos que o espaço cênico não é necessariamente
um espaço, mas que o som pode igualmente representar um palco,
que a música pode ser o evento, o cenário é a mensagem (HONZL,
2006, p. 129).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 76
Funções e variáveis da luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 77
Funções e variáveis da luz
- equipamento
- posição
- cor
- movimento
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 78
Funções e variáveis da luz
80« …il y a une chose que j’envie au peintre : il peut faire venir la lumière d’où il veut, elle de
dépend que de lui. Il est indépendant... » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 79
Funções e variáveis da luz
aparência da luz emitida pela fonte luminosa que resulta na percepção de calor
ou frio por parte do observador, quanto de um matiz, que fornece o atributo
cromático ao ambiente, cena, cenários ou figurinos. Tanto a temperatura de cor
quanto a cor do facho luminoso são alterados com o uso de filtros corretivos ou
coloridos (gelatinas), disponíveis numa grande variedade por diferentes
fabricantes, ou ainda com o uso de equipamentos de LED (light emitting diod),
cujo facho luminoso é formado por emissores vermelhos, verdes e azuis (sistema
RGB)81 que compõem, quando combinados, todas as outras cores do espectro.
A noção mais importante a respeito do uso da cor no teatro é que ela “não
tem existência material, mas é tão somente, uma sensação provocada pela ação
da luz sobre o órgão da visão” (PEDROSA, 1012, p. 19). Ela é fruto da sensação
provocada pela luz que, depois de atingir e ser refletida pelos objetos, sensibiliza
o órgão da visão e é interpretada pelo cérebro a partir de referências perceptivas
individuais próprias a cada indivíduo. O enfoque fenomenológico proposto por
Johann Wolfgang Goethe (2011) sobre a percepção das cores se opõe ao
materialismo científico das teorias de Newton. Em uma linguagem quase poética,
o alemão afirmou a afinidade instantânea entre luz e cor, quando “qualquer luz
moderada pode ser considerada colorida; ou melhor, na medida em que é vista,
é lícito chama-la de colorida” (GOETHE, 2011, p. 122). Para ele, as cores
proporcionam estados de ânimo esteticamente deduzidos do efeito sensível e
moral das cores, classificadas em positivas, estimulantes vivazes e ativas na
gama do amarelo, laranja e vermelho; e negativas, que provocam um sentimento
de inquietação, ternura e nostalgia pela gama dos azuis e vermelho-azulados.
Goethe afirma ainda, que “quando o artista se deixa levar pelo sentimento, algo
colorido imediatamente se anuncia” (GOETHE, 2011, p. 155).
Por fim, a última escolha que o iluminador precisa fazer para determinar
o aspecto geral de cada um e do conjunto de efeitos de luz de seu projeto de
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 80
Funções e variáveis da luz
82 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 205-208.
83 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 75-83.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 81
Funções e variáveis da luz
que os ensaia com cuidado para que a luz seja executada precisamente
conforme o roteiro de luz.
84 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 109-112.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 82
1.4 Breve contextualização histórica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 84
Breve contextualização histórica
85 « …après le temps des flammes nous sommes passés du héros magnifié, isolé dans un
faisceau à bords nets […] à l’anti-héros en proie à la difficulté d’être […], errant dans les vagues
de contre-jour bleutés. Puis on a vu la géométrie des tubes fluos venir scénographier le théâtre
et la danse dans les années quatre-vingt, lignes blanches qui sectionnent un espace devenu
laboratoire, et la dance contemporaine baigner dans la lumière bizarrement colorée des lampes
au sodium ou au mercure, empruntées à l’éclairage urbain. Avec la démocratisation de la vidéo
au tournant du XXe siècle, la projection est venue éclairer les corps et jouer des nouvelles
interactions avec la scénographie, enfin ce sont les projecteurs à LEDs et les automatiques qui
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 85
Breve contextualização histórica
viennent aujourd’hui détrôner l’ancien parc, avec leurs faisceaux mobiles et leurs couleurs
saturées qui renouvellent sans cesse l’image pour l’œil, supposé zappeur et versatile, des
spectateurs du XXIe siècle » (tradução da autora).
86 « La lumière a acquis la possibilité totalement nouvelle de modeler l’espace et le temps ; de
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 86
Breve contextualização histórica
87Em entrevista à crítica de teatro Linda Winer da Newsday para o programa Women in Theatre,
disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vvWEDMqHnqw, consultado em setembro de
2019.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 87
Breve contextualização histórica
« Through considerable trial and error, Fuller had discovered that costumes and lights are as
88
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 88
Breve contextualização histórica
89« Rauschenberg conçu des structures métalliques montées sur roues, de hauteurs différentes,
sur lesquelles étaient installés des appareils sonores et d'éclairage ont, munis de leurs batteries
d’alimentation. Ces structures étaient déplacées par les danseurs eux-mêmes, qui pouvaient
ainsi faire varier simultanément, dans le courant de la performance, l'organisation de l'espace, la
provenance du son et la place des lumières, lesquelles émanaient d’une série de diffuseurs à
émission très intense et blanche, faisant briller les costumes clairs des danseurs » (tradução da
autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 89
Breve contextualização histórica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 90
Breve contextualização histórica
Figura 4 - Condução da atenção e do olhar do espectador pela luz no espetáculo A Menina que
Pisou no Pão, no Mini auditório do Teatro Guaíra em Curitiba em 1993. Texto e direção de
Eugenio Guielow. Luz Nadia Luciani. Fotos Chico Nogueira.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 91
Breve contextualização histórica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 92
Breve contextualização histórica
Figura 5 - Uso de cores quentes e frias na peça Otelo, as faces do ciúme, no Teatro Barracão
EnCena em Curitiba em 2009. Texto de William Shakespeare, adaptação e direção de Silvia
Monteiro. Luz Nadia Luciani. Foto Nicole Zattoni.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 93
Breve contextualização histórica
Figura 6 - Uso simbólico das cores âmbar, lavanda, vermelho, azul e amarelo na peça teatral
Um Trágico Acidente, no Espaço Dois em Curitiba em 2008. Texto de Carlos Queiroz Telles e
direção de George Sada. Luz Nadia Luciani. Fotos Daniel Sorentino.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 94
Breve contextualização histórica
do espetáculo, o clima de melancolia e abandono era indicado pela cor azul. Por
fim, uma réstia de esperança, onde já não restava mais nada, surgia com a luz
amarela invadindo o palco todo, o mesmo amarelo que aparecia, ao longo da
peça, em alguns poucos momentos de alegre luminosidade, no sentido figurativo
e simbólico do sol exterior em contraponto com o peso e a escuridão do ambiente
interno. A curiosidade a respeito desta luz é que a intensidade cromática
percebidas nas imagens captadas pelas fotos não condizia com o resultado
visual experimentado pelos espectadores, que se surpreendiam ao ver as
imagens e não as identificar com o que tinha sido visto pessoalmente.
Figura 7 - Luz densa e material usada na peça Devorateme, apresentada na Casa Vermelha
em Curitiba em 2002. Concepção e direção de Sueli Araújo. Luz Nadja Naira e Nadia Luciani.
Foto Roberto Reitenbach.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 95
Breve contextualização histórica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 96
Breve contextualização histórica
90 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 151-163.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 97
Breve contextualização histórica
Figura 8 - Dois momentos da luz de plateia como elemento de integração no Espetáculo Huis
Clos - Representando Sartre, no Espaço FALEC em Curitiba em 2017. Texto de Jean Paul
Sartre, adaptação e direção de Ênio Carvalho. Luz e Fotos Nadia Luciani.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 98
Breve contextualização histórica
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 99
Breve contextualização histórica
92 Ibidem.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 100
2 LUZ ATIVA
93 « Appia found this pitifully inadequate and foretold a new kind of light : gestaltendes lichit, a
‘form revealing light’. This three-dimensional, directional, moving light would give objects their
natural roundness, shape and significance » (tradução da autora).
94 « …the methodology of light design as summed up by Adolphe Appia : directed and distributes
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 102
Luz ativa
95« Le titre ‘lumière active’ est une référence directe à la pensée d’Adolphe Appia qui, à la fin du
XIXe siècle, fut parmi les premiers à aborder – dans ses écrits comme dans ses créations – la
question de la lumière en tant que question artistique du théâtre. Pour Appia, la lumière active
était la lumière scénique ‘proprement dite’ : lumière expressive et créatrice de formes ; lumière
comme matière poétique et substance dramatique. Il opposait cette idée aux pratiques plus
communes du théâtre de son époque, où la lumière était comprise essentiellement comme
‘éclairage’, comme élément technique et fonctionnel, secondaire, voire tout à fait extérieur par
rapport au processus créatif » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 103
Luz ativa
96« Grâce à ses possibilités multiples et illimités de transformation, la lumière n’est plus au
service du jeu, le jeu est fait pour elle, elle le suscite » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 104
Luz ativa
A luz ativa descrita por Appia transforma, então, a atuação da luz na cena,
conferindo movimento à cenografia, vivificando a cena e permitindo uma relação
concreta entre o ator e o espaço. Libertada da função de reproduzir a realidade,
a luz passa a articular o que é visível em cena com os olhos do espectador,
criando atmosferas, sensações e movimentos próprios à sua linguagem como
elemento estrutural e estruturante do espetáculo (FORJAZ, 2018, p. 75).
Indiscutivelmente, uma fusão entre arte e técnica, a iluminação passa por uma
revolução estética que define seu novo potencial como articuladora da cena
teatral. Ao mesmo tempo em que a eletricidade e a lâmpada elétrica adentram
os teatros e palcos, surge um desejo de ruptura e de modificação das práticas
tradicionais do teatro, calcadas em representações realistas da natureza, nas
quais mesmo os novos efeitos tecnológicos não faziam mais do que mostrar a
passagem do tempo e encantar olhares sedentos por inovações visuais. Wagner
finalmente consegue, em 1876, extinguir a luz da plateia, revolucionando
definitivamente a relação entre o espectador e a cena97. Simultaneamente,
grandes efeitos ilusionistas, criados para as óperas do final do século XIX,
deixam para trás a luz passiva, que tinha como finalidade apenas conferir
visibilidade ao palco.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 105
Luz ativa
98 « L’auteur et metteur en scène allemand, comme on le sait, était partisan d’une lumière
homogène, diffuse, fixe et blanche, anti-suggestive et anti-illusionniste, à laquelle il confiait la
tâche de favoriser la plus grande présence de l’acteur, sa plus parfaite visibilité et, simultanément,
la plus profonde attention critique du spectateur, sa capacité de jugement la plus adéquate. Pour
Brecht, la lumière devait être un moyen d’empêcher que le publique s’abandonne à l’illusion. Il
voulait donc que la scène soit éclairée d’une lumière claire et vive, et aussi qu’un tel choix
permette au spectateur d’apercevoir son voisin, de se maintenir présent à lui-même et conscient
de la fiction théâtrale » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 106
Luz ativa
99 Forma de espetáculo intermídia criado em 1958 pelo diretor A. Radok, baseado na interação
entre os atores presentes e filmados, e nome da Companhia que desenvolveu esta forma, que
Svoboda dirigiu de 1973 a 1989 (RICHIER, 2019, p. 2). « Forme de spectacle intermédia conçu
en 1958 avec le metteur en scène A. Radok, reposant sur l’interaction de comédiens présents et
filmés, et nom de la Cie qui a développé cette forme, que Svoboda a dirigé de 1973 à 1989 »
(tradução da autora).
100 « J’ai toujours rêvé d’un théâtre de lumière. Les comédiens entreraient dans une boîte vide et
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 107
Luz ativa
...a artista nova-yorkina Laurie Anderson, que, desde o início dos anos
setenta, tem sido uma das pesquisadoras mais ativas na exploração
de todas as possíveis relações entre luz e objetos, corpos, som. Em
seu trabalho, ela tende a relacionar equipamentos tradicionais e a alta
tecnologia, construindo performances nas quais integra
frequentemente luz, projeções de vídeo e monitores, com o cenário, a
ação, os figurinos, os instrumentos musicais, chegando às vezes ao
ponto de realizar uma espécie de eletrificação generalizada do corpo e
dos objetos. Ou ainda a artista tcheca Jana Sterbak: sua Robe (1984)
era uma roupa de malha metálica equipada com resistências elétricas
que, ativadas por um sensor, acendiam cada vez que um espectador
se aproximava. [...] Durante os anos 80, em uma das performances
mais conhecidas de Stelarc – um ciber-artista cipriota que vive na
Austrália – seus olhos-laser realizavam uma inversão da relação visão-
olho: ao invés de receberem a luz, eles emitiam. Ao longo das últimas
décadas, foi realizada certa troca entre o teatro de pesquisa e esse tipo
de experiências, que se aproximam do teatro. Elas se concretizaram
em obras nas quais a luz e seus equipamentos se tornaram
diretamente performativos.101 (CRISAFULLI, 2019, p. 155-156).
101 « …l’artiste new-yorkaise Laurie Anderson qui, depuis le commencement des années
soixante-dix, est une des plus actives expérimentatrices de tour les rapports possibles entre
lumière et objets, corps, son. Dans ses travaux, elle tend à mettre en relation des instruments
traditionnels et la haute technologie, construisant des performances dans lesquelles elle intègre
fréquemment la lumière, des vidéo-projections et des moniteurs, avec le décor, l'action, les
costumes, les instruments de musique, allant parfois jusqu'à réaliser une sorte d'électrification
généralisée du corps et des choses. Ou encore l'artiste pragoise Jana Sterbak: sa Robe (1984)
était un vêtement en maillage métallique équipée de résistances électriques qui, activées para
un senseur, s'enflammaient à chaque fois qu'un spectateur s'approchait. [...] Durant les années
quatre-vingt, dans une des performances bien connues de Stelarc - un cyber-artiste chypriote
basé un Australie - ses yeux-laser réalisaient un renversement du rapport œil-vision : plutôt qu'ils
ne recevaient la lumière, ils l'émettaient. Au cours des dernières décennies, un certain échange
a eu lieu entre le théâtre de recherche et ce type d'expériences, qui du reste sont proches du
théâtre. Il s'est concrétisé en des travaux où la lumière et ses instruments sont devenus
directement performatifs » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 108
Luz ativa
Seu relato denota a maneira como uma luz ativa pode interferir na cena,
interagindo com a atuação dos performers e provocando diferentes reações no
espectador. Nesse mesmo sentido, o iluminador Rodrigo Ziolkowski103 destaca
o momento em que o iluminador, depois de montada a luz, “senta na frente da
mesa de iluminação e [...] começa a escrever uma dramaturgia com a luz”
(ZIOLKOWSKI, anexos, p. 208) como sendo uma segunda etapa, ou seja, como
parte integrante do processo de criação da luz.
102 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 151-163.
103 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 205-208.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 109
2.1 Conceitos Importantes
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 111
Conceitos importantes
104No entanto, todas constam das referências bibliográficas desta tese para eventuais consultas,
caso possam provocar a curiosidade ou o interesse do leitor.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 112
2.1.1 Conceito amplo de cenografia
105 « Il faut donc trouver une solution qui fasse sentir que l’action se déroule dans un monde
palpable et vinant, mais en même temps que cette action se détache sur un fond qui ne lui impose
aucune forme prédéfinie » (tradução da autora).
106 « Les murs et le toit d’un théâtre ne sont pas indispensables au spectacle, le théâtre de rue
par exemple s’en passe très bien, mais ils favorisent la concentration et la relation
public/spectacle » (tradução da autora).
Conceito amplo de cenografia
107 « …un espace capable de se transformer avec l’action dramatique » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 114
Conceito amplo de cenografia
Para Howard a cenografia é muito mais do que uma tela de fundo para os
atores, como foi frequentemente utilizada na dança. Mesmo assim, ela é uma
manifestação cujo delicado e complexo processo de fazer o teatro funcionar,
envolvendo o diretor, os atores, os artistas visuais e a equipe técnica, é sempre
incompleta até o ator entrar no espaço de atuação e se envolver com a plateia.
A cenografia exprime a visão de toda a equipe sobre o teatro, a música ou a
dança, “uma obra que está sendo apresentada ao público como um trabalho em
equipe” (HOWARD, 2015, p. 17). Entendida em seu caráter holístico, a criação
cenográfica deve ser, para a cenógrafa, “uma síntese, sem emendas, entre todas
as partes componentes de uma grande noite no teatro” (HOWARD, 2015, p. 18)
elaborada colaborativamente por toda a equipe criativa envolvida em uma
montagem cênica e destinada a um público que recebe, se envolve, identifica a
intenção e reage a ela (HOWARD, 2015, p. 246).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 115
Conceito amplo de cenografia
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 116
Conceito amplo de cenografia
108 « La fabrique du visuel scénique repose sur de multiples composants, à commencer par le
lieu de représentation, qui joue un rôle important avec son architecture, son rapport entre la scène
et la salle, la couleur de ses murs ou celle des pendillons. Il est l’écrin d’un visuel qui se construit
sur scène avec le corps des interprètes, leur présence, leurs expressions et déplacements, la
scénographie, les projections, le costume, le maquillage, les accessoires, autant d’éléments
révélés, transformés ou effacés par la lumière. Et l’on n’oubliera pas l’univers sonore, autre
puissant moyen de fabrique du visuel » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 117
Conceito amplo de cenografia
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 118
Conceito amplo de cenografia
109 « Au théâtre, ma différence c’est que j’enrichi la technologie, j’adapte, je la transforme. Et c’est
pareil avec l’espace théâtral, […] il est aussi un instrument dont il faut savoir jouer, qu’il faut savoir
utiliser. Espace, volume, forme, lumière, technologie, tout cela forme une orchestre symphonique,
il y a beaucoup d’instruments à maîtriser au théâtre, tous différents mais qui doivent sonner juste.
» (tradução da autora)
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 119
Conceito amplo de cenografia
110 « Il tend à utiliser les projections en les intégrant dans le décor et les lumières, souvent en les
envoyant directement sur les objets et les architectures scéniques, toujours en les subordonnant
à des nécessités poétiques et compositionnelles précises, et en portant une grande attention à
la manière dont elles sont perçues » (tradução da autora).
111 « La projection, c’est une façon d’utiliser la lumière, ce n’est pas du cinéma, il ne s’agit pas de
projeter un film, mais d’une modification de la lumière grâce à la pellicule. Explorer la projection
comme source de lumière [...] pour obtenir l’effet souhaité […] Ça c’est du théâtre ! » (tradução
da autora)
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 120
Conceito amplo de cenografia
Figura 10 - Cena do espetáculo O Voo do Poeta em que a projeção é usada como única fonte
luminosa no Auditório Salvador de Ferrante do Teatro Guaíra em 2003. Coreografias e direção
de Pedro Pires. Luz Nadia Luciani. Foto Sérgio Vieira.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 121
Conceito amplo de cenografia
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 122
2.1.2 Luz e Iluminação
112 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 117-120.
113 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 196-204.
Luz e iluminação
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 124
Luz e iluminação
114 « …lumière expressive et créatrice de formes ; lumière comme matière poétique et substance
dramatique » (tradução da autora).
115 « …élément technique et fonctionnel, secondaire, voire tout à fait extérieur par rapport au
of it affects everything light falls upon: how you see what you see, how you feel about it, and how
you hear what you are hearing » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 125
Luz e iluminação
(light) ao fenômeno luminoso material, a luz física que clareia as coisas e permite
que elas sejam vistas, e iluminação (lighting), como a luz criada para a cena
teatral a partir de processos e conhecimentos técnico s e artísticos, a iluminação
cênica como é de entendimento no âmbito teatral, performático e espetacular.
119Em palestra no evento A Luz Em Cena de 2019 realizado em Florianópolis pelo Luz
Laboratório da UDESC – Universidade de Santa Catarina.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 126
Luz e iluminação
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 127
Luz e iluminação
Figura 13 - Imagens externa e interna do Teatro Paiol em Curitiba nas quais é possível
visualizar as janelas superiores que iluminavam o palco. Fotos Zig Koch e Eliane Costa.
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Luz e iluminação
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 129
Luz e iluminação
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 130
2.1.3 Luz-matéria
120 « Light is quite tactile to me. It has shape and dimension. It has an edge. It has quality and is
an entity. » (tradução da autora).
121 Na entrevista realizada como parte desta pesquisa, anexos, p. 48-59.
Luz-matéria
Segundo Steiner (1986 apud GUMBRECHT, 2015, p. 84), “as artes estão
maravilhosamente enraizadas na substância, no corpo humano, na pedra, no
pigmento, na vibração das entranhas ou no peso do vento nos juncais”. Para o
autor, a boa arte e a boa literatura têm início na imanência, naquilo que a obra
traz em si apesar, ou melhor, para além de seu aspecto externo, mas sem
122 « Les matières lumineuses sont pour moi de l’ordre des étoffes. Je perçois de la transparence
avec une lampe HMI dans un projecteur à découpe, alors que cette lampe dans un projecteur à
lentille Fresnel me donnera l’impression d’épaisseur. La sensation produite par une source
unique et puissante, qui va dessiner avec précision les contours et les reliefs, sera d’essence
différente de celle donnée par une série de projecteurs identiques dont les faisceaux se fondent
les uns dans les autres pour créer de ‘nappes’ de couleurs, textures étales et douces qui peuvent
entrer dans les ombres sans les altérer et s’allier discrètement avec les autres natures de lumière.
En revanche, si ces faisceaux se concentrent dans une seule direction, ils vont se transformer
en une substance presque palpable dans l’air, comme si la lumière n’avait soudain plus besoin
de rencontrer de la matière pour se donner à voir. Et selon que la lumière est diffuse ou
directionnelle, la scène et ce qui s’y raconte n’auront pas le même ‘pois’. Lorsqu’elle est
directionnelle, elle hiérarchise, définit, sculpte. Elle marque chaque objet d’une ombre précise et
l’ancre dans l’espace, elle conduit notre regard et nous amène à imaginer, presque naturellement,
qu’il y a un au-delà des murs du théâtre. C’est également elle qui fait le cadre, et son mouvement
entraîne celui de notre perception. La lumière diffuse, elle, ne choisit pas ce qu’elle nous donne
à voir, n’entraîne pas le regard dans une direction définie. Au lieu de séparer, elle englobe en
dissolvant les limites et les contours, elle gomme le relief au lieu de creuser. Plus la diversité des
sources est riche, plus elle me donne la liberté d’inventer des images successives et, dans une
seule image, de créer des couches de transparences ou de teintes et de textures qui vont se
mêler entre elles et s’enrichir mutuellement » (tradução da autora).
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Luz-matéria
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 133
Luz-matéria
124« ...le spectateur ne doit y voir que du feu. Dès lors, comment parler de ce que l’on ne voit pas
? Si l’on peut disserter à loisir sur l’art concret du costume, le discours sur la lumière tourne court.
Comment nommer l’impalpable, le fluide ? » (tradução da autora).
125 « …un impalpable environnement et agissant, doublé d’une capacité instantanée de
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 134
Luz-matéria
126 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 109-112.
127 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 205-208.
128 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 92-108.
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Luz-matéria
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Luz-matéria
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Luz-matéria
com mais de 10 edições realizadas130, mas que, até o momento, é muito raro na
França. Por isso a importância de ressaltar o valor científico deste colóquio e do
grupo de pesquisa LdS no CEAC da Universidade de Lille, que inovou ao reunir
pesquisadores de importantes universidades da França131, da Itália132 e do
Brasil133, performers, iluminadores, estudantes e doutorandos do programa de
pós-graduação da UdL e demais interessados em torno do tema luz-matéria.
130 A exemplo dos eventos Manhãs Iluminadas, realizado em Curitiba entre 2004 e 2010 pela
ABrIC-PR; A Luz em Cena, organizado pelo Luz Laboratório do CEAC – Centro de Artes da
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina, realizado desde 2007; Seminaluz, que
realizou sua 12ª Edição em 2019 em Ipatinga-MG e Som & Luz, organizado desde 2018 pela
UFG, entre outros de igual importância.
131 Universidade de Lille (UdL), Sorbonne Nouvelle Paris 3, Paris-Diderot, Vincennes Saint-Denis
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Luz-matéria
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Luz-matéria
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Luz-matéria
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Luz-matéria
Quem deu início à solução para o problema das bolhas de sabão foi um
professor e médico inglês chamado Thomas Young, que estudava a audição e a
propagação do som. Ele se familiarizou com a propagação do som por ondas e
tentou fazer o mesmo com a luz (o que explicaria as bolhas de sabão). Na água,
as ondas se propagam, se separam e se contrariam. O mesmo, segundo ele,
acontece com a luz, pois luz + luz pode resultar em obscuridade (quando passam
por dois orifícios), mas corpúsculo + corpúsculo será sempre igual a corpúsculo.
Com isso, ele refutou a teoria de Newton e declarou para a Sociedade Real
Inglesa que a luz é ondulatória. Quinze anos mais tarde, na França, Fresnel
observou o que acontecia quando a luz passava pelos cabelos ou quando a
cidade era observada através de uma cortina com a luz difratada. Esse
fenômeno, que não pode ser explicado por uma teoria corpuscular, confirmou a
teoria ondulatória da luz, que, demonstrada pelos dois cientistas, permitiu
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 142
Luz-matéria
explicar o que a teoria corpuscular explicava, mais a cor das asas da borboleta,
as interferências da luz na água e, finalmente, as bolhas de sabão.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 143
Luz-matéria
Em 1912, o físico Niels Bohr também refletiu sobre a relação entre luz e
matéria. Ele conseguiu, visto que o átomo é constituído por partículas maciças –
prótons positivos e elétrons em volta, mais leves e negativos – reunir o modelo
de Planck da luz e da matéria. Com isso, ele provou que um elétron, que é
matéria e tem um nível de energia preciso, pode, ao ganhar energia, quando
aquecido, ou perder, sob a forma de luz, por exemplo, passar de um nível de
energia para outro. Ele provou, com isso, que as cores são, então, a passagem
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 144
Luz-matéria
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Luz-matéria
A viagem da luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 146
Luz-matéria
diante de uma fonte de luz, uma ilusão de movimento provocado pela luz que é
capaz de sincronizar-se com a vida real. Seu trabalho como realizador de uma
imagem fixa e em movimento no cinema, o colocou na posição “de ver a luz, de
ver a luz que viaja, de ter um encontro com a luz que viaja, com a luz que passa
e que chamamos de imagem”. Para ele, o enquadramento fotográfico, um quadro
pictórico ou a boca de cena do teatro são oportunidades para “explorar a luz que
viaja e forçá-la a ficar conosco por um instante”.
Para Mari, a luz produz encanto, mas para isso é preciso restringir o
movimento da luz a um campo visível. O olho, chamado a observar, se move
sem controle entre o claro e o escuro, se aproxima da fonte de luz, segue em
sua direção, indaga a sombra, descobre um novo detalhe, se fecha e recomeça
do início. Em suma, por um certo período de tempo, o olho é prisioneiro da
imagem, junto com a luz, absorvida e refletida pela superfície sobre a qual incide.
Prisioneira nesse campo do visível, a luz não é fixa, mas se move continuamente,
como um animal enjaulado, porém o faz mais sensivelmente, mais
dramaticamente, mais calorosamente do que na experiência cotidiana do
mundo, na qual tudo parece, infelizmente, escuro. E no fundo desta jaula, o
movimento interno e a duração do que se vê, são chamados para o jogo. Como
o cinema e o teatro, por exemplo, que têm a ver com o movimento e com o
tempo, normalmente lentos, mas, que em última análise, tentam sincronizar e
identificar a observação da luz, que passa com o tempo pessoal de cada
observador. Observador que ele esclarece ser prisioneiro, no cinema e no teatro,
no sentido mais dramático, visto que eles brincam com o que ele tem de mais
precioso desde o início, sua expectativa, sua dor pelo que acaba, pela falta, pela
confirmação de uma experiência e a súbita morte que surge com a palavra fim.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 147
Luz-matéria
Para Mari, uma moldura é um limite do campo, que alude ao que está fora
dele, ao movimento sugerido, ao sentido de relevo e profundidade na
tridimensionalidade da matéria que emerge para interceptar a luz. Ele se
pergunta, ao analisar uma imagem, se a figura retratada vai em direção à luz ou
foge dela? Se a luz vem da direita ou da esquerda? Conclui dizendo que se é
verdade que uma obra de arte chama a sua luz, seguramente ela também
convida o observador a entreter-se com sua luz. A luz cênica é, para ele, uma
luz que se entretém num espaço e entretém o observador pelas superfícies e
volumes em cena, dentro do campo de ação, pelo seu poder maior ou menor de
refletir a luz. No preto, a luz é engolida, no branco ela volta rápido em direção ao
olho. E para que ela continue em jogo, há uma moldura em torno do quadro, uma
moldura branca em torno de uma pintura ou uma moldura preta em torno do
palco ou da tela de cinema. No cinema, essa moldura escura permite realizar o
jogo de manipulação da luz que se realiza em três movimentos: a câmera, a
imagem e o projetor, emoldurados pela superfície escura.
Em uma metáfora poética, ele disse que se a luz fosse água, a câmera
seria um funil, que beberia toda a luz do mundo para os olhos e o projetor seria
a bomba que joga a água comprimida com toda a força até a última gota,
provocando belas nebulizações iridescentes. E o observador, na verdade, ficaria
preso à tela durante o tempo necessário para que a luz presente em todos os
quadros voltasse aos seus olhos, fazendo-os ficar por volta de uma hora e meia
chorando e rindo diante do que é apenas uma história de luz em movimento. Ele
complementa, dizendo sobre a magia da luz na arte, que ainda existem
espectadores que conseguem se entreter por uma hora diante de um quadro de
Vermeer ou até de uma pequena obra de Rembrandt de 40cmX40cm,
observando a luz aprisionada se debater no interior da sua moldura.
Ele alerta que nós, iluminadores artistas que nos propomos a criar luz no
teatro, sabemos que a luz deve atravessar o espaço, descrever a linha e
desenhar a área. O facho de luz proposto intercepta o corpo que lhe atravessa,
dialoga com a terceira dimensão, mas a profundidade continua incerta, a
profundidade estabelece um contraponto com o momento em cena, segundo o
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 148
Luz-matéria
movimento e o tempo que passa. Segundo Mari, quer seja ilusionista ou realista,
a luz cênica observa precisamente a posição do espectador, chamando-o para
testemunhar. Que represente a noite ou o dia, fechada ou aberta, o espectador
convive, no espetáculo ao vivo, com a luz que foi pensada e criada para ele. É
como ser convidado, por um tempo, para estar na casa ou no jardim de outra
pessoa.
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Luz-matéria
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Luz-matéria
resulta numa fricção que permite alguns usos dramatúrgicos do LED, visto que
muitos iluminadores criam suas luzes levando em conta as características das
fontes luminosas e dos equipamentos de que dispõem ou utilizam.
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Luz-matéria
134 « In the theater, if the actor cannot be seen, he cannot be heard » (tradução da autora).
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Luz-matéria
expressionista, no qual a luz deixa sua função passiva de iluminar, para adquirir
outra ativa como iluminação cênica.
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Luz-matéria
A rampa de baixa tensão criada por Josef Svoboda no final dos anos
cinquenta é um bom exemplo de luz-matéria. Na descrição de Christine Richier:
“A luz imaterial adquire, com o facho de baixa tensão, o status de matéria”136
(RICHIER, 2019, p. 437). Com esse equipamento, ele fez da luz materialidade
cenográfica, dando às contraluzes uma presença arquitetural e dramática nunca
conseguidas antes (RICHIER, 2019, p. 218). Fonte de luz singular, seu efeito era
uma cortina de luz intensa e potente, cujos fachos extremamente concentrados
e visíveis, graças ao conjunto formado por nove lâmpadas de 24v com espelho
parabólico, forneciam ao espaço uma qualidade de luz inédita, que ocupava a
altura da caixa cênica, dava ao palco uma profundidade singular e banhava o
espeço com uma luminosidade uniforme e sólida. Uma marca registrada das
cenografias de Svoboda, a rampa de baixa tensão passou a ser produzida e
comercializada, levando seu nome à prática da iluminação nos teatros e salas
de espetáculo por toda a Europa até os dias atuais (RICHIER, 2019, p. 301).
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Luz-matéria
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 158
2.1.4 Estudos da Presença
e domínio do fazer a partir da origem etimológica do termo em latim, ars que, por
sua vez, vem do grego techne, significando, inicialmente, o campo da atividade
humana ligada ao ofício do artista e seu lavoro. A exemplo de Vilém Flusser
(2007), a autora transita pelos conceitos de artes liberais, artes servis (séc. II
d.C.), artes úteis e belas artes (séc. XVI - séc. XVIII). Citando Kant a respeito da
beleza estética e do juízo de gosto ligado às artes, ela finalmente aborda as
transformações que revolucionaram a relação entre os conceitos de arte e
técnica nos sécs. XIX e XX. A técnica, como forma de conhecimento, passou a
ser chamada de “tecnologia” e a arte se tornou “produto da expressão criadora
através da transfiguração do real em uma obra artística” (BIANCALANA, 2011,
p. 127). A arte, aproximada das técnicas e da ciência, define novas linguagens
e busca a autonomia pelas habilidades humanas do fazer artístico com técnicas
e procedimentos metodológicos que orientam o trabalho laboral de artistas e
performers, sistematizando o processo de criação e de formulação artística.
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Estudo da presença
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Estudo da presença
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Estudo da presença
entre nós (o sujeito) e o mundo (o objeto) até o ponto em que a distância possa
transformar-se subitamente num estado não mediado de estar-no-mundo”
(GUMBRECHT, 2010, p. 170). É fato que o meio mediático, apesar de alienar as
coisas do mundo do presente do indivíduo (capaz de se concentrar mais num
rosto projetado em uma tela do que no de alguém sentado à sua frente) tem, ao
mesmo tempo, o potencial de lhe devolver algumas outras coisas, como reduzir
distâncias e permitir experiências independente do lugar ocupado por seus
corpos. No entanto, é fato, também, que qualquer experiência (como estar
sentado a uma mesma mesa) não tem a ver só com comunicação ou com a
simples “troca de informação”, mas expõe conceitos importantes e úteis que
permitem apontar o que é “irreversivelmente não conceitual” distanciando
definitivamente, mesmo que sem dissociar, os efeitos de presença dos efeitos
de sentido (GUMBRECHT, 2010, p. 173).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 163
Estudo da presença
Eu acho que a luz participa da ação, quer seja com a interação da sua
materialidade, vibração, foco e sua escrita, mas também na
experiência de entrar em cena com lanternas ou pin-beams e ser uma
parceira presencial na atuação e de maneira corpórea. [...], tem muitas
formas de explicitar e atuar ao vivo, e faz parte da pesquisa do Oficina
uma atuação que não é representativa ou que simboliza, mas que
presentifica, atua junto e é ao vivo (FORJAZ, anexos, p. 79).
137 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 75-83.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 164
Estudo da presença
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 165
2.1.5 Performatividade
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 167
Performatividade
Com base nas teorias de Schechner, a performance pode ser tudo o que
acontece em cena ou fora dela, ou seja, pode ser a ação e o espaço, em
diferentes estruturas, tipos e formatos, na relação que estabelece com um
público. O resultado do processo que ele chama de living, acting, performing,
quando engajados num espetáculo, num jogo ou num ritual, implica em três
operações principais: being, o ser/estar em cena, doing, o fazer e showing, o
mostrar fazendo (FÉRAL, 2015, p. 117-118). A performatividade, diferente da
performance, é um processo. Ela não tem, segundo Féral, um fim em si mesma,
nem é uma realidade concreta ou acabada, mas é construção e reconstrução,
mesmo que de ações ordinárias, quando impostadas como performance, diante
de um público (FÉRAL, 2009, p. 66). Schechner acrescenta, ainda, que “não há
limites ‘teoréticos’ para a performatividade” e que mesmo ações banais podem
ser consideradas performance, através da imposição e realização de tais ações
como (“as”) performance (SCHECHNER, 2002 apud FÉRAL, 2009, p. 66), ou
seja, pela consciência de quem as realiza e pela presença de quem as observa.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 168
Performatividade
livre e presente em toda a operação. Isso lhes confere, segundo Jacques Derrida
(1972), a capacidade de expandir sua ação para outras áreas, inclusive o teatro.
138Em seu livro A Mimesis Performativa, o professor Luiz Fernando Ramos dedica parte do
segundo capítulo para apresentar argumentos que contestam a credibilidade do conceito de obra
de arte total (gesamtkunstwerk) atribuído a Wagner, expondo críticas, principalmente de
Nietzsche e Adorno, que atestam o protagonismo do ator e a destituição do caráter autônomo da
música em suas óperas. Ver RAMOS, 2015. p. 52-57.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 169
Performatividade
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 170
Performatividade
estabelecer uma relação com o público, atraindo sua atenção para a cena e seus
componentes.
...a teatralidade não está ‘na coisa’, mas no olhar do espectador; ela é
um produto mental propiciado pelas percepções e, para emergir, não
depende de um palco, atores ou cenografia, mas tão somente de uma
operação de linguagem intermediando um sujeito e um objeto, para
ficarmos na distinção clássica e que, não fortuitamente, remete
também à metáfora objetual do próprio espetáculo minimal: algo a ser
visto, alguém para ver. (MOSTAÇO, 2009, p. 38-39).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 171
Performatividade
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 172
Performatividade
ele é o que efetivamente resulta da ação cênica” (MASSA, 2010, p. 30). Nesse
mesmo sentido, Zumthor alerta para a armadilha pragmática dos signos e seus
interpretantes, que desconsideram o instante da percepção e seu contexto,
concentrando-se nos fatos sociais e ignorando a experiência individual que, para
ele, constitui a verdadeira origem do ritual coletivo (ZUMTHOR, 2008, p. 35-36).
Para Zumthor, o que o poético tem de profundo encontra-se na capacidade de
ser percebido e de gerar seus efeitos face à presença ativa de um corpo, um
sujeito em sua plenitude de existir no espaço e no tempo que ouve, vê, respira e
sente. Com isso, é possível estabelecer um paralelo entre o teatro performativo
definido por Féral e a prática discursiva que Zumthor define como “poética” para
concluir que a performance, como um modo vivo de comunicação poética, é a
base do teatro dito performativo e da performatividade.
...o resgate de uma ideia muito antiga, mas ainda fértil, a fim de operar
o que, de uma maneira ampla, está se reconhecendo como a cena
contemporânea. Entende-se por isso todas as manifestações
espetaculares no campo do teatro, da performance e das artes visuais
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 173
Performatividade
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 174
Performatividade
Finalmente, ele situa nos escritos de Gordon Craig, ainda no inicio do século XX,
a elaboração de uma “poética da cena” na qual a perspectiva espetacular se
torna central e permite a composição de ações dramáticas que possibilitam
encenar algo sem qualquer mediação literária (RAMOS, 2015, p. 30).
Futuramente, diferentes encenadores como Robert Wilson e Gerald Thomas
levarão a extremos esta cisão, até que, finalmente, surgem propostas para
reconciliar cena e drama, realizando o que Ramos qualifica como “composições
dramáticas não necessariamente mediadas pela literatura, mas articuladas como
cenas” (RAMOS, 2015, p. 33-31), ou seja, poéticas simultaneamente narrativas
e espetaculares, a exemplo das praticadas por Romeo Castelucci ou Antônio
Araújo.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 175
Performatividade
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 176
Performatividade
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2.1.6 Percepção
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 179
Percepção
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 180
Percepção
a cena e o espectador por meio da luz. Numa retomada histórica das teorias da
percepção, a autora relembra o conceito grego da percepção como um evento
interior do observador, o questionamento do realismo ingênuo da veracidade da
percepção pela lógica newtoniana e a diferenciação entre o mundo percebido e
o mundo descrito pela física a partir da teoria da relatividade e da física quântica.
O realismo direto, para o qual o mundo não é mais como parece ser, mas aquilo
que é percebido, se torna uma tese ontológica, mas que não se sustentou ao
reduzir o processo todo ao papel desempenhado pela mente ou pela
consciência. Nas versões do materialismo, o que prevaleceu foi o dualismo entre
matéria e mente, associando a percepção aos fatos físicos, de onde se originou
o realismo indireto, que descreve a percepção como “ontológica, epistemológica
e causativamente indireta” (SANTAELLA, 2012, p. 5).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 181
Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
ter dele uma apreensão completa, abrindo espaço para outras subjetividades
encarnadas num mundo social compartilhado.
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Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
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Percepção
animal em seu modo de vida não percebe o tempo, mas processos, mudanças,
sequencias, então o fluxo dos eventos ecológicos difere da passagem do tempo
linear newtoniana, pois os eventos podem ser percebidos e o tempo não. Os
eventos fluem de modo heterogêneo e diferenciado, têm começo e fim, são
fluídos e semielásticos e possuem uma estrutura sequencial.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 193
Percepção
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 194
Percepção
139 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 142-150.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 195
Percepção
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 196
Percepção
tinha como encontrar na sala de ensaio, teria que esperar para decidir sur place,
o que aconteceu assim que eu entrei no teatro e vi as paredes claras do espaço
destinado ao público, na plateia. Seria ali!
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 197
2.1.7 Recepção Ativa
...a atitude tornada possível pela arte e à qual nos leva tanto o gozo do
belo quanto o prazer produzido pelos objetos trágicos ou cômicos,
podemos aqui apresentar três conceitos chaves da tradição estética:
poiesis, aisthesis e catharsis. Poiesis, entendida como “poder (savoir-
faire) poiético”, designa, então, um primeiro aspecto da experiência
estética fundamental: o homem (sic) pode satisfazer, pela criação
artística, a necessidade geral que ele tem de “se sentir parte do mundo
e encontrar seu lugar no mundo”: o homem (sic) “suprime do mundo
exterior o que ele tem de estrangeiro e de frio”, ele faz dele sua própria
obra e alcança, com isso, um saber igualmente distinto do
conhecimento científico, conceitual, e da práxis artesanal puramente
reprodutora, limitada pela sua finalidade. Aisthesis designa um
segundo aspecto da experiência estética fundamental: a obra de arte
pode renovar a percepção das coisas, desencantada pelo cotidiano; a
Recepção ativa
140 « …l’attitude rendue possible par l’art et à laquelle nous ramènent aussi bien la jouissance du
beau que le plaisir produit par les objets tragiques ou comiques, nous pouvons maintenant
introduire ici les trois concepts clés de la tradition esthétique : poiesis, aisthesis et catharsis.
Poiesis, compris comme “pouvoir (savoir-faire) poïétique”, désigne alors un premier aspect de
l’expérience esthétique fondamentale: l’homme peut satisfaire par la création artistique le besoin
général qu’il éprouve de “se sentir de ce monde et chez lui dans ce monde”: l’homme “dépouille
le monde extérieur de ce qu’il a d’étranger et de froid”, il en fait son œuvre propre, et atteint de la
sorte a un savoir également distinct de la connaissance scientifique, conceptuelle, et de la praxis
artisanale purement reproductrice, limitée par sa finalité. Aisthesis désigne un second aspect de
l’expérience esthétique fondamentale : l’œuvre d’art peut renouveler la perception des choses,
émoussée par l’habitude ; l’aisthesis rend donc à la connaissance intuitive ses droits, contre le
privilège accordé traditionnellement à la connaissance conceptuelle. Enfin, catharsis désigne un
troisième aspect de l’expérience esthétique fondamentale ; dans et par la perception de l’œuvre
d’art, l’homme peut être dégagé des liens qui l’enchaînent aux intérêts de la vie pratique et
disposé par l’identification esthétique à assumer des normes de comportement social ; il peut
aussi recouvrer sa liberté de jugement esthétique » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 199
Recepção ativa
Ele afirma, com isso, que mesmo que a condição de expressão da arte
seja aceita como tal, não é isso que a caracteriza em sua essência. Aliás, nem
tampouco a de contemplação, que revela sua inadequação na exigência do
fazer, realizar e executar que lhe é inerente. O autor defende que os conceitos
da forma e da formatividade como os mais adequados para qualificar,
atualmente, a arte e a atividade artística. Ao afirmar que...
Ela [a obra de arte] é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer
e o modo de fazer. A arte é uma atividade na qual [...] concebe-se
executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando, já que
a obra existe só quando é acabada, nem é pensável projetá-la antes
de fazê-la [...]. A arte é, portanto, um fazer em que o aspecto realizativo
é particularmente intensificado, unido a um aspecto inventivo. Nela a
realização não é somente um “facere” [...], mas um acabar, [...] de
modo que é uma invenção tão radical que dá lugar a uma obra
absolutamente original e irrepetível, filosófica (PAREYSON, 2001, p.
26).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 200
Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 201
Recepção ativa
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Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 203
Recepção ativa
seu olhar, incitado a uma viagem no imaginário amplificada pelo que lhe é dado
a ver e que, longe de buscar um sentido, deixa-se levar pela performatividade
em ação (FÉRAL, 2015, p. 120).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 204
Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 205
Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 206
Recepção ativa
agente, sua bagagem e repertório, e avança para muito após seu término, com
reflexos e consequências individuais e coletivas provocadas em todos os
envolvidos, ineditamente e com duração indeterminada. Segundo Biancalana:
A cena teatral é percebida, então, como uma cena aberta, não tendo um
significado fechado que a anteceda ou mesmo presente durante a emissão. É
somente na recepção que o espectador bricoleur acaba por definir, para si,
individualmente, um sentido próprio para o que acaba de experenciar. Segundo
Dufrenne, “o objeto estético significa certa relação do mundo com a
subjetividade, uma dimensão do mundo [...] ele resume e exprime numa
qualidade afetiva inexprimível a totalidade sintética do mundo” (DUFRENNE,
1981, p. 53). Para Kant, a noção de afeto remonta ao sentimento de prazer ou
desprazer que impede chegar à reflexão e, hoje, remete ao componente
emocional de uma experiência na dimensão subjetiva das emoções do
espectador de maneira não analítica (AUMONT, 2012, p. 122).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 207
Recepção ativa
Com a ideia de “espaços rítmicos”, criados para dar vazão aos ideais da
cenografia como espaço criado, prioritariamente, ao uso pelos atores, Adolphe
Appia pretendia também privilegiar o estímulo à capacidade de imaginação dos
141 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 84-91.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 208
Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 209
Recepção ativa
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 210
Recepção ativa
142Além de Svoboda, que se apoderou do termo para definir as características do seu espaço
cenográfico, o pintor e desenhista italiano Alberto Martini também nomeou uma série de suas
obras, realizadas entre 1928 e 1934, de pinturas psicoplásticas (RICHIER, 2019, p. 203).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 211
Recepção ativa
Isso explica o que Svoboda entende por psicoplastia do instante, algo que
está igualmente ligado aos humores, à percepção de um espaço que, segundo
ele, é diferente segundo se ter comido bem, dormido bem, estar de bom ou mau
humor. No entanto, essa percepção do espaço somente acontece se houver uma
disponibilidade para a entrega necessária à percepção do conjunto de volumes,
proporções, cores e luzes pensadas para estimular o imaginário e colocar o
espaço em cena para o espectador (RICHIER, 2019, anexo 1, p. 106). A
psicoplastia do espaço é, para Svoboda, um desafio, um elo entre o espaço e a
emoção do personagem, um reflexo da situação do habitante deste espaço, de
seus medos, sentimentos e sensações partilhados com o espectador. O espaço
psicoplástico de Svoboda é um espaço que surge no imaginário do espectador
a partir da sua recepção ativa, da percepção do conjunto de componentes da
cena e suas interações com o drama, a narrativa ou a performance.
143« Quand je prends possession d’un espace, il faut que je trouve son point central, son centre
de gravité, […] mon centre de gravité. Qui est tout à fait subjectif bien sûr… Parce qu’il est le
mien, il est lié à ma perception de l’espace, la compréhension que j’en ai, à l’atmosphère du
moment, la lumière et ma façon de lire tout cela, ma culture, ma formation… » (tradução da
autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 212
Recepção ativa
144 « L’espace que Svoboda qualifie de psycoplastique est un espace dont les caractéristiques
plastiques sont liées à une dimension psychique, quelque chose de l’esprit du drame, de
l’invisible, donné à ressentir au spectateur. On peut ici penser à la notion d’atmosphère,
développée par Charles Dullin : ‘une chose à la fois concrète et impalpable, précise et floue,
puissante et fuyante, qui habite le drame comme une indispensable stratosphère’ » (tradução da
autora).
145 « Bien sûr le spectateur n’avait pas forcément conscience de cette présence, il ne réfléchit
pas de cette façon, ce n’est pas son devoir, mais il le ressent, il ressent une dimension invisible
» (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 213
2.2 Potencial Performativo da Luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 215
Potencial performativo da luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 216
Potencial performativo da luz
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Potencial performativo da luz
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Potencial performativo da luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 219
2.3 Exemplos – Estudos de caso
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 221
2.3.1 Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 223
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
147 Em depoimento realizado do debate sobre “A encenação no Teatro Oficina Uzyna Uzona”
durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no Teatro Oficina em
São Paulo no dia 03 de novembro de 2016.
148 Em depoimento realizado do debate com o tema “TE-ATO: a Virada Performativa do Teatro
Oficina, o encontro com o Living Theatre e Los Lobos e o estudo de caso de Gracias Señor e As
Três Irmãs, no início da década de 1970 durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da
cena radical brasileira no Teatro Oficina em São Paulo no dia 15 de setembro de 2016.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 224
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 225
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
149 Diretor de arte e cenógrafo argentino, cujo depoimento foi realizado durante o debate sobre
“Direção de Arte e Arquitetura” durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical
brasileira no Teatro Oficina em São Paulo no dia 06 de outubro de 2016.
150 Professor e encenador em depoimento no debate sobre “Cena e Tecnologia: a iluminação e
o vídeo no Teatro Oficina Uzyna Uzona”, com Cibele Forjaz, Igor Marotti Dumont e Marcelo
Denny durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no Teatro
Oficina em São Paulo no dia 27 de outubro de 2016.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 226
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Figura 18 - O vídeomaker Igor Marotti durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena
radical brasileira no Teatro Oficina em São Paulo. Foto Marcos Bulhões.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 227
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 228
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 229
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Uzyna Uzona” durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no
Teatro Oficina em São Paulo no dia 27 de outubro de 2016.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 230
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
A luz, para Cibele Forjaz, deve contar a história, editar a cena e articular
tempo e espaço, mas cumprir com todas as demandas da encenação complexa
do teatro de Zé Celso nem sempre é fácil com os poucos recursos disponíveis.
Poucos equipamentos e instalação precária resultam em soluções criativas e no
aproveitamento de todo e qualquer material que se apresente, tecnológico ou
humano. A precariedade é outra característica marcante do trabalho com
iluminação no Teatro Oficina. Zé Celso destaca a importância de trabalhar na
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 231
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
precariedade radical, sob o risco de não se produzir arte. Essa é uma das
heranças da participação de Lina Bo Bardi no Oficina, considerando a
“brutalidade da matéria que precisa ser trazida à tona”153, o que acaba por se
tornar uma grande especialidade do trabalho no Oficina, com a exploração de
recursos simples para a criação de efeitos precisos e bem empregados. Cibele
cita vários exemplos, em diferentes montagens, dessa luz “precária” e eficiente,
como a sombra de Hamlet que se agiganta pelo movimento manual de descida
da set light que ilumina o ator, os canhões seguidores feitos com pin-beams ou
loko-lights e operados manualmente, as paredes do teatro iluminados com
Colortrans de 300W reaproveitadas, gerais feitas com panelões de iluminação
urbana com lâmpadas de vapor de sódio e riders básicos de iluminação, como é
o caso da luz de Ham-Let154, realizada apenas com a geral do público, a geral
da pista (2 Elipsoidais), cinco focos, e quatro pin-beams para os canhões, mas
cujo roteiro preciso de operação do canhões e a movimentação desses poucos
recursos dava conta da complexidade dramatúrgica do espetáculo de quase
cinco horas de duração.
153 Expressão usada por Osvaldo Gabrielli para definir a valorização da arquitetura cênica e as
diretrizes da direção de arte do Oficina no debate sobre Direção de Arte e Arquitetura durante o
Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no dia 06 de outubro de 2016.
154 Montagem de Ham-Let, de Shakespeare, pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona, estreada em
1993.
155 Em 1991, no SESC São José dos Campos.
156 No texto “A Linguagem da Luz Encenadora no Teatro Oficina Uzyna Uzona: estudos de caso
da luz em Ham-Let e Cacilda!” do volume anexo ao Livro de Ouro do Teatro Oficina A Bigorna
Extraordinária, não editado.
157 Ibidem.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 232
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 233
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
159 No período em que integrou a equipe do Teatro Oficina (1991 a 2002), além da função de
iluminadora, Cibele Forjaz também atuou como assistente de direção de Zé Celso.
160 Feitos com os pequenos canhões de pin-beams operados por atores de dentro da cena,
conforme descrição feita pela Cibele em depoimento realizado do debate sobre Cena e
Tecnologia: a iluminação e o vídeo no Teatro Oficina Uzyna Uzona durante o Simpósio Teatro
Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no dia 27 de outubro de 2016.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 234
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
161Na apresentação da pesquisa “Dramaturgia de José Celso Martinez Corrêa. Estudo de caso
de Cacilda!” durante o Simpósio Teatro Oficina: seis décadas da cena radical brasileira no Teatro
Oficina em São Paulo no dia 11 de novembro de 2016.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 235
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 236
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Figura 21 - Cenas da missa no Espetáculo Cacilda!. Texto e direção Zé Celso Martinez Corrêa.
Luz Cibele Forjaz. Fotos Lenise Pinheiro.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 237
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
162 No texto “A Linguagem da Luz Encenadora no Teatro Oficina Uzyna Uzona: estudos de caso
da luz em Ham-Let e Cacilda!” do volume anexo ao Livro de Ouro do Teatro Oficina A Bigorna
Extraordinária, não editado.
163 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 121-135.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 238
Cibele Forjaz e o Teatro Oficina
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 239
2.3.2 Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
164 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 121-135
Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
... foi bastante difícil levar uma ideia de luz que fosse diferente da dele,
mas eu consegui levar minha pesquisa com os movings, com os LEDs
e consegui levar uma ideia de luz pré-organizada e também que é uma
pessoa só que opera e não duas ou três, consegui fazer com que
tivesse um desenho e que ele fizesse parte da encenação, como mais
um elemento de comunicação com quem está na plateia e que atendia
todas as demandas de iluminar a plateia, iluminar árvore, isso e aquilo
(BONFANTI, anexos, p. 125).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 241
Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
165O conceito de site specific se refere a obras artísticas e intervenções em espaços urbanos ou
naturais em intensa relação com o meio, também conhecidas como environmental art. Estas
obras configuram uma situação espacial específica considerando as características e não
podendo acontecer em outro espaço que não o local escolhido para sua realização. Quando
empregado no teatro, refere-se à realização de peças ou espetáculos cênicos pensadas e
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foi sendo usado pelo Teatro da Vertigem desde seu primeiro espetáculo e é uma
das mais importantes características de toda sua produção cênica.
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167 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 121-135.
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Figura 22 - Ambientação quente criada com fumaça e baixas intensidades da luz branca na
Igreja Santa Ifigênia para o espetáculo O Paraíso Perdido. Roteiro de Antônio Araújo e
Sérgio de Carvalho. Concepção e direção geral de Antônio Araújo. Luz Guilherme Bonfanti.
Foto Otávio Valle.
168 « C’est l’espace vide de la scène qui me fascine le plus. Je le vois chaque fois différemment
[...] Quand j’arrive dans un théâtre que je ne connais pas, je demande au chef plateau de laisser
le rideau de scène ouvert après les répétitions, Puis je m’assieds à l’orchestre, et je regarde
l’espace. C’est un moment formidable. Ne croyez pas que je pense […] je regarde, je regarde le
trou. Tout à fait prosaïquement. Peut-être y aurait-il à dire sur cette manie, en tout cas je n’arrive
pas à m’en débarrasser. J’ai l’impression que si je ne le fais pas, ça ne marchera pas… »
(tradução da autora).
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Em seu estudo sobre a luz ativa, Fabrício Crisafulli (2019) atribui um uso
performativo aos equipamentos e fontes luminosas alternativos. Ao classificar a
luz ativa em diferentes modalidades, ele consagra a última delas a esse tipo de
recurso. Segundo Crisafulli, uma dessas modalidades diz respeito às fontes
luminosas usadas como objetos e elementos específicos e essenciais à
construção do espetáculo. Em seu uso teatral, essa modalidade adquire
destaque quando a importância dada a um equipamento ou fonte luminosa é
oriunda das motivações ligadas às escolhas poéticas fundamentais da peça.
Resulta dessa importância, também, a definição da posição das fontes
luminosas no espaço e sua relação com a ação, não só dos performers, mas
também dos cenários e objetos cênicos, cujo uso é elaborado no contexto da
encenação, de forma a atribuir ao próprio equipamento um papel dramatúrgico
(CRISAFULLI, 2019, p. 152). A exemplo do que é feito por Bonfanti em seu
processo criativo, Crisafulli destaca, principalmente, o uso de equipamento
alternativos e objetos luminosos não teatrais como característica do teatro que
ele chama de teatro de pesquisa, no qual a busca por novas fontes e recursos
resulta de investigações dramatúrgicas ligadas à essência de cada trabalho. Ao
se apropriar das características arquitetônicas e emocionais de um determinado
espaço, normalmente parte do cotidiano ou do imaginário de uma cidade e seus
habitantes, o Teatro da Vertigem se apropria do conceito de site specific, no qual
Bonfanti consegue estabelecer uma profunda relação entre os objetos luminosos
que emprega e a cena.
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Figura 25 - Uso do negatoscópio nas laterais da maca e de radiografias reais iluminadas pela
contraluz na cena da condenação em O Livro de Jó. Dramaturgia de Luís Alberto de Abreu.
Concepção e direção geral de Antônio Araújo. Luz Guilherme Bonfanti. Fotos de Guto Muniz e
Lenise Pinheiro.
Turbiani ressalta que “na luz criada por Bonfanti para O Livro de Jó, os
equipamentos utilizados eram, em sua maioria, não teatrais. Alguns refletores de
teatro até eram utilizados, porém sempre buscando que somente seu efeito
luminoso fosse visível pelo público através de janelas ou portas, mas nunca o
refletor em si” (TURBIANI, 2012, p. 39). Com o objetivo de não criar ruídos
visuais com equipamentos tradicionais, Bonfanti utilizou ainda lâmpadas
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... reproduzir uma cópia fotográfica, mas sim poder olhar para essa
realidade e transformá-la em linguagem de luz, luz para teatro, feito na
cidade, não em um palco. [...] Meu foco e interesse estavam voltados
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para conhecer esses lugares que não habito, Brasília e Brasiléia, uma
vez que já estava trabalhando em Brasilândia. Desses fins de tarde,
vendo o pôr-do-sol no eixo monumental em Brasília, da ida ao Vale do
Amanhecer, da visita ao congresso, do céu com sua visibilidade
absurda, muito azul e branco, do caminhar sem destino certo, surgiu a
luminosidade de Brasília. No Acre, tínhamos a floresta e o
desmatamento como um dos elementos mais fortes. Desta convivência
surgiu o verde como símbolo do Acre. No meio disso tudo, a fé,
presente nos crentes evangélicos da Brasilândia, nas comunidades
místicas de Brasília e no Santo Daime, no Acre (BONFANTI, 2011, p.
112-113).
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Tudo o que choca na visita diurna, aqui toma outra dimensão. O rio vira
poético; sim, é isso mesmo, navegar em suas águas fedorentas e
borbulhantes traz o mistério de navegar em outro rio qualquer. Na
medida em que o barco desliza tomamos contato com uma cidade que
não conhecemos, observada por uma perspectiva nunca
experimentada até então. O rumor dos carros em alguns pontos fica
bem distante, a luminosidade é variável, de uma penumbra quase sem
luz, a uma penumbra clara. Tudo num tom de amarelo, um sépia do
vapor de sódio. A mistura da escuridão das águas com o vapor de sódio
cria uma atmosfera de mistério. Os carros que passam sem parar criam
um outro rio, é um movimento constante de faróis de veículos. Variam
suas luminosidades e cores, suas alturas (caminhões, carros de
passeio). Existem alguns pontos de observação em que a sensação é
de água corrente, em forma de luz. Os reflexos da cidade nas águas
criam imagens distorcidas, alongadas e algumas absolutamente
definidas. Os postes com o vapor de sódio são linhas que se repetem
ao longo do rio. Alternam-se com estas linhas desenhos
brancos/azulados, verdes de neons, prédios se projetam na água
reproduzindo imagens das margens. Ao passar embaixo dos viadutos
temos um outro universo. Silêncio e escuridão se aliam à
monumentalidade de algumas linhas que cruzam o céu, linhas de
concreto. Umas claras, outras escuras, negras. Ainda embaixo dos
viadutos temos nichos que revelam outro mundo, são nichos, planos,
buracos. Neles há sinais de vida, alguém recentemente habitou este
lugar, ou ainda habita (BONFANTI, 2011, p. 115).
A luz urbana presente nesse entorno não só teve que ser considerada,
quanto explorada na criação da luz do espetáculo. Efeitos como a iluminação de
vapor metálico e misto da iluminação pública, as luzes dos veículos, em
constante movimento, as lâmpadas que iluminam as embarcações, os leitos do
rio e as atividades de limpeza e manutenção, “silhuetados pelos postes das
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cada cena. Foram mais oito meses de montagem e instalações para adaptar as
ideias elaboradas à realidade do rio e da cidade. O espetáculo, cujo início
acontecia numa embarcação que recebia o público e acompanhava a saga dos
personagens pelas águas turvas da aventura, impressionava e surpreendia, a
cada apresentação, tanto espectadores quanto artistas envolvidos no processo.
Figura 27 - Interação da cena com o entorno na remontagem da peça BR-3 no Rio de Janeiro
durante o Festiva RioEncena, lâmpadas de vapor metálico e destaque dos personagens em
movimento. Dramaturgia de Bernardo de Carvalho. Concepção e direção geral de Antônio
Araújo. Luz Guilherme Bonfanti. Foto RioEncena.
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Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
169 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 164-178.
170 « …hissait le praticien de la lumière aux côtés du scénographe et du metteur en scène dans
l’équipe artistique de la production d’un spectacle, plutôt que de l’attacher à l’équipe technique
comme dans le reste de l’Europe » (tradução da autora).
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equipamentos. “O que mais me inquietou no projeto Bom Retiro, 958 metros foi
a questão ‘rua’. Pensar um projeto de luz para o shopping ou para o Taib171
estava dentro de experiências, que de certa forma, nó já tínhamos vivido, o ‘site
specific’, mas até então em edifícios fechados” (BONFANTI, 2012, p. 256). Silvia
Fernandes descreve a “experiência imersiva a que o espectador é submetido,
sensorial e corporalmente. O resultado é que o centro de força se desloca para
uma dramaturgia que se constrói na fricção aguda da cena performativa com o
ambiente implicado na travessia” (FERNANDES, 2017, p. 223).
Figura 28 – Cena do desfile de moda na José Paulino da peça Bom Retiro 958 metros.
Dramaturgia de Joca Reiners Terron. Concepção e direção geral de Antônio Araújo. Luz
Guilherme Bonfanti. Foto Flavio Morbach Portella.
O TAIB – Teatro de Arte Israelita Brasileiro, localizado no subsolo de um prédio no bairro Bom
171
Retiro em São Paulo, foi ícone do teatro paulistano nas décadas de 60 e 70. Em declínio a partir
dos anos 80, foi finalmente fechado no começo dos anos 2000. Com suas estruturas
minimamente preservadas, voltou à atividade por volta de 2003 e hoje estão sendo criadas
campanhas para restaurar e trazer o espaço novamente para a efervescência cultural da cidade.
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Depois de definir que “a luz da rua seria dos postes. Nada de foco, nada
de seguidor nos atores que caminham pelo espaço. A luz da cena é a luz da
cidade, e o teatro se apropria de um elemento que é de uso urbano e passa a
ser luz de cena, a serviço da dramaturgia da luz” (BONFANTI, 2012, p. 258), ele
deu início às suas experiência de adaptação e uso dos próprios postes de luz
urbana com suas lâmpadas de vapor de sódio de 400 watts. Com o objetivo de
explorar os postes como refletores e base para a luz de todas as cenas externas
do espetáculo, foram realizadas pesquisas sobre as possibilidades de controle
dessa luz. Era importante poder acender e apagar os postes, mas fazer isso não
é tarefa fácil, principalmente por eles serem equipados com lâmpadas de
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Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
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Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
investiga a relação com o ambiente por meio da luz, em obras que estabelecem,
segundo ela, “fissuras na tessitura da experiência urbana”. Destacando o
protagonismo do projeto de iluminação de Bonfanti na linguagem do espetáculo
Bom Retiro, ela dá especial atenção às táticas e operações de ação direta do
iluminador sobre a cidade (RAMOS, 2019, p. 50-55).
173 Pesquisa realizada para a tese de doutorado de Elizabeth Néspoli em 2015 na ECA-USP.
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Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
Figura 30 – Cena em deslocamento pelas ruas do bairro paulistano na peça Bom Retiro, 958
metros. Dramaturgia de Joca Reiners Terron. Concepção e direção geral de Antônio Araújo.
Luz Guilherme Bonfanti. Foto Nelson Kao.
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Guilherme Bonfanti e o Teatro da Vertigem
intensidades diminuídas; o eclipse gerado por uma luz que se apaga; ou o fato
de fazer, através do efeito de luz, a cidade “atuar”. Ramos conclui que “o projeto
de iluminação desenvolvido por Guilherme Bonfanti conseguiu penetrar no tecido
da cidade e, com isso, conduzir o público pelo percurso proposto de maneira
sutil, mas muito precisa, e colocando-se como parte fundamental para o sucesso
da proposta de encenação do espetáculo” (RAMOS, 2019, p. 60). A partir dos
relatos, é possível perceber que os efeitos e recursos empregados funcionam
como agentes capazes de ressignificar e potencializar as experiências do
cotidiano, reposicionando os espectadores em relação ao espaço público da
cidade e acionando sua capacidade imaginativa de atuação no espaço.
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2.3.3 Um Ricardo III
Figura 32 - Elemento principal do cenário, o trono de Ricardo III, ainda não finalizado, e os
quatro atores do espetáculo na peça Um Ricardo III, texto de William Shakespeare. Adaptação
e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani.. Fotos Nadia Luciani e Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
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Um Ricardo III
luz iluminava todos os atores da mesma forma, com luzes a pino brancas, que
mal revelavam seus corpos, e uma luz fechada nos seus rostos:
BRUNO: Convém lembrar que Ricardo III é uma das peças históricas
de William Shakespeare e narra um pedaço da história da Inglaterra:
está em pleno vigor a Guerra das Rosas, que durou trinta anos e
colocou em conflito político e armado os dois ramos da dinastia
Plantageneta: a Casa Real de York representada pela rosa branca e a
Casa Real de Lancaster, representada pela rosa vermelha. Os
yorkistas e os lancastrianos formavam duas linhagens igualmente
descendentes de Eduardo III.
ZECA: Essa peça oferece uma visão rica dos bastidores políticos, por
extensão, de todos os tempos e de todas as culturas, naquilo que
esses bastidores têm de mais corriqueiro: as alianças que se fazem e
desfazem conforme os interesses mais prementes; as promessas e
traições políticas; o ser político como um ator que se vale de objetos
de cena e de personagens coadjuvantes para cativar o seu público.
CHIRIS: No entanto, há de se atentar para o fato de que, ao romancear
a ascensão e queda de Ricardo III para o palco, Shakespeare retratou
Ricardo, Duque de Gloucester, exagerando-lhe as características
físicas de feiura, aleijão e sua maldade pessoal.
PAGU: Na verdade, sabe-se que Ricardo agiu de acordo com os
costumes da época – decapitam-se os inimigos que podem vir a trazer
dores de cabeça na arena política e, para garantir a coroa para si,
matam-se herdeiros a sua frente na linha sucessória.
TODOS (um de cada vez): Voltemos ao começo. (mudança de luz)
Figura 33 - Atores iluminados como narradores da peça Um Ricardo III. Texto de William
Shakespeare. Adaptação e direção de Rafael Camargo. Luz e Foto Nadia Luciani.
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Um Ricardo III
Figura 34 - Espaço cênico com as luzes dos elementos do cenário e a configuração da plateia
com a luz de entrada do público na sala. Fotos Nadia Luciani e Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
Figura 35 - Os quatro atores do espetáculo no papel de Ricardo III. Fotos Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
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Um Ricardo III
Por fim, quando a mesa finalmente subiu para o primeiro balcão, onde ela
ficaria durante as apresentações, para permitir uma boa visualização da cena e
da plateia por parte do operador, eu entendi o que havia acontecido e fui eu,
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Um Ricardo III
então que, sentada na plateia, pedi para o meu assistente e operador da luz
regravar todas as cenas baixando mais e mais a intensidade dos efeitos. Eu devo
acrescentar o detalhe de que a luz deste espetáculo, muito raramente, passava
dos 30% e 40% ou, em casos muito precisos, chegava, no máximo, a 50% de
intensidade. O espetáculo era realmente bastante escuro, um pouco como
metáfora para a própria história negra e obscura de Ricardo III, como se a vida,
o palco, a luz, as emoções e a encenação fossem uma só coisa. O ideal, é claro,
seria que o operador de luz pudesse ficar próximo ao palco, para sentir melhor
as cenas e as reações da plateia e poder realizar, assim, uma operação de luz
mais precisa e integrada ao espetáculo. No entanto, era claro que, da mesma
forma como a luz da mesa e da tela do computador me impediam de perceber a
real luminosidade das cenas nos ensaios, certamente atrapalhariam e
perturbariam muito a visão e a percepção que os espectadores teriam do
espetáculo. De modo, que a mesa foi deslocada da plateia para o balcão, como
mostram as fotos abaixo.
Figura 36 - À esquerda vemos a mesa de luz localizada na plateia, ainda durante a montagem
e os ensaios, e à direita a posição final do operador de luz, no primeiro balcão do teatro, não
utilizado para este espetáculo. Cenas de Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare.
Adaptação e direção de Rafael Camargo. Luz e Fotos Nadia Luciani.
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Um Ricardo III
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Um Ricardo III
Depois da entrada dos atores, a luz descia até o blecaute total antes do
início do espetáculo. Esse blecaute, como é bastante comum na linguagem
teatral, tinha como objetivo transportar a plateia para um ponto ou grau zero, o
lugar de partida antes do qual nada existe, metaforicamente, sem referências ou
alusões externas ou precedentes ao que se vai vivenciar naquele momento
preciso da união entre palco e plateia, da comunhão, que só o teatro permite,
entre a cena e o espectador. Neste estágio de suspensão criado pelo blecaute,
soavam, em analogia aos três sinais de Molière, sons profundos executados
pelas próprias atrizes com dois sinos tibetanos, reforçando a indução ao silêncio,
já imposto pela escuridão, e indispensável para o início do espetáculo. A
encenação começava com as primeiras falas, alternadas entre os quatro atores,
numa inversão da ordem original da peça. Iluminados um a um, individualmente,
por uma contraluz azul intenso e uma leve nuance de luz frontal fechada em seus
rostos, eles assombram o Rei Ricardo III com incisivas adaptações dos textos
de alguns dos fantasmas dos personagens assassinados por Ricardo em sua
sede de poder e desejo de subir ao trono:
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Um Ricardo III
Figura 37 - Bruno Rodrigues e Zeca Cenovicz na cena dos fantasmas do Príncipe Eduardo e
de Buckingham, respectivamente. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare. Adaptação
coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Fotos Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
cadeiras localizadas nos extremos diagonais do palco e era por onde os atores
se deslocavam até o centro, depois do que a luz fechava novamente sobre o
personagem, usando como deixa precisa algum gesto ou fala. O objetivo desses
movimentos de luz era mostrar, também, a transformação dos narradores em
personagem, além de acompanhar a trajetória e concentrar, novamente, da
maneira mais imperceptível possível, a atenção do público sobre ele e,
eventualmente, seu interlocutor ou interlocutores, dependendo da cena, que
permaneciam sentados em suas cadeiras nas extremidades do palco.
Figura 38 - Pagú Leal, em seu deslocamento como Ricardo III até o centro do palco e depois
que a luz se fecha sobre ela. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare. Adaptação
coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Fotos Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
público exposto a sua crueldade e frieza. Antes da cena, a atriz Pagú Leal
anuncia, como narradora, a entrada de sua personagem Lady Anne,
desencadeando novamente, em sintonia com o operador, a mudança de luz de
um estado para o outro e dando início à cena, sem que houvesse nenhuma
movimentação física da atriz. Com a aproximação do ator que representa
Ricardo para o centro do palco, fechando a luz nele em seguida, tem início o
diálogo duro e insensível, no qual Ricardo dá provas de seu caráter e corteja a
recém enlutada Lady Anne, enquanto esta revela toda sua ira, emoções e
sentimentos destacados pela luz soturna e misteriosa que os ilumina, fechada
em cada um dos dois performers:
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Um Ricardo III
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Figura 39 - Cena em que Ricardo, num interessante jogo cênico, mesmo de costas, seduz e
convence a viúva de Henrique VI a desposá-lo. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare.
Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Foto Chico Nogueira.
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Figura 40 - Cena que que Ricardo anuncia a morte do irmão Clarence para o Rei Eduardo IV e
sua corte. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare. Adaptação coletiva e direção de
Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Foto Chico Nogueira.
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A luz muda novamente para o centro do palco, onde está o Rei Ricardo
III, já no clima da batalha, com o cruzado âmbar e o pino azul intenso:
A luz muda novamente e três dos atores indicam a transição de cena com
o som crescente do didjeridu e dos dois sinos tibetanos. A luz também sobe,
lentamente, até que a sala seja completamente iluminada por uma luminosidade
azul esverdeada, fria e, principalmente, cruel. O que desencadeia o início do
movimento progressivo da luz forma, justa e precisamente, as palavras do Rei:
“Avante! Vamos para cima do inimigo!” Junto com as outras luzes já em cena, a
geral azul intensa, usada pela primeira vez no espetáculo na sua intensidade
máxima de 100%, domina a cena e dá o tom do final do drama sanguinário.
Quase derrotado, o Rei profere sua última súplica:
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Um Ricardo III
Figura 41 - O Rei Ricardo III em sua batalha final, enquanto os atores ao fundo tocam os
instrumentos que ambientam a cena. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare.
Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Foto Chico Nogueira.
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Um Ricardo III
A coroa cai de sua cabeça e permanece inerte no chão, como registro de sua
derrocada e da queda de seu reinado.
Esse pino azul, quase material, de uma cor intensa e uma saturação que
parece brincar com os olhos do público, é apagado muito lentamente até o
blecaute completo. É a mesma luz do início do espetáculo, mas que se extingue
tão devagar, num escurecimento longo, com duração de mais ou menos 30’,
muito mais lento do que estamos acostumados no teatro, a ponto de causar certo
desconforto e impaciência nos espectadores. Inicialmente gravado na mesa de
luz, esse movimento acabou tendo que ser feito na mão, pois percebemos ser
importante, para fazê-lo, sentir a reação do público, saber quando parecia que
já tinha quase acabado para fazê-lo durar um pouco mais, entender até que
ponto os espectadores ainda estavam apegados à cena e quanto ainda eles
suportariam a tensão de saber que o Rei ainda vivia, que ainda havia nele
alguma energia e que dali ainda poderia emergir alguma ação maldosa. O
movimento tinha que ser feito manualmente, considerando a sensibilidade do
operador para perceber a emoção do público e suas reações a cada
apresentação. Esse blecaute progressivo, que culminava no desaparecimento
da luz e, consequentemente, do personagem, tinha como propósito causar um
efeito angustiante sobre o espectador, que torcia pela morte de Ricardo III depois
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Um Ricardo III
Figura 43 - A materialidade poética da luz no final do espetáculo Um Ricardo III, Um Ricardo III.
texto de William Shakespeare. Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia
Luciani. Fotos Nadia Luciani e Chico Nogueira.
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2.3.4 Multitud
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Multitud
compreender sem compreender a língua do outro”. Esse fato ficou ainda mais
curioso quando eu fui conversar com a coreógrafa depois do espetáculo e pude
deduzir que sua comunicação com o elenco havia acontecido também sem
muitas palavras, visto que aparentemente ela não falava inglês, francês ou
flamengo. Nesta conversa, eu descobri ainda que a equipe de criação do
espetáculo, formada por ela mesma, seus iluminadores, Leticia Skrycky e
Sebastián Alíes e os músicos Francisco Lapet e Martin Crauciun, compunham
uma equipe permanente que viajava com o espetáculo e chegava em cada local,
igualmente, na semana da montagem, para executar o rider e o mapa de luz
permanente, realizado, a cada vez, com as condições técnicas locais.
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Multitud
Tanto nesse início, quanto todas as cenas que viriam a seguir, tinham o
tempo exato de nos cansar, nos exaurir e fatigar pela repetição de uma mesma
ação, mas ao longo do espetáculo, com o passar de cada fase, cada jogo, vamos
nos dando conta que elas tinham o tempo exato, também, de nos fazer entrar o
jogo, de fazer parte das cenas desde onde estávamos, em nosso posto de
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Multitud
espectador. Era o tempo necessário para nos permitir absorver todos os seus
detalhes, compreender o jogo proposto, as relações estabelecidas, nos deixar
absorver pelo que acontecia em cena e ser invadidos pela experiência
compartilhada com os performers. Pouco a pouco, vamos aprendendo a
perceber que cada performer tem seu ritmo, seu estilo e seu tempo. A repetição
vai despertando no espectador uma empatia e uma identificação com um ou
outro performer, quase como se fossem personagens, aparentemente reais, de
nosso cotidiano, ou do deles mesmos. Podemos, com o longo tempo que nos é
dado, observar detalhes, repousar nosso olhar sobre uma ou outra figura, sobre
a maneira como o palco é ocupado, na individualidade ou no conjunto, no micro
e no macro universo que se constrói aos poucos diante dos nossos olhos.
Buscamos aquele performer que havíamos percebido antes, queríamos saber
onde estava, como estava lidando com o jogo, como estava se saído dadas as
características que já havíamos detectados. A relação e o engajamento criado
com o público era inevitável e latente.
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Multitud
As cenas e os jogos seguiam-se uns aos outros, sem uma lógica aparente,
mas mantendo um ritmo crescente de energia e intensidade dos movimentos,
bem como ampliando gradativamente a relação estabelecida entre os performers
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Multitud
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Multitud
maneira potente e firme, os olhos dos espectadores. Ao final de cena, uma ira
incontrolável assola a todos, que gritam, berram, urram assustadoramente,
voltados de frente para o público. A cena intimidadora e agressiva tem fim com
uma movimentação aleatória pelo palco, na qual os performers parecem se
organizar sozinhos, em tribos, duplas ou grupos maiores em ritmos e ações
diferentes de cada performer ou grupo.
Essa cena vai se transformando até que se estabelece um novo jogo, cujo
movimento diagonal permite o surgimento de relações entre os performers, com
cruzamentos do palco mais ou menos rápidos, dependendo das condições
físicas de cada um, mas sempre oriundos de um contato visual, uma
identificação mútua, que leva à movimentação repetida, na qual os performers
se lançam diagonalmente de um canto ao outro do palco, em duplas, uns em
direção aos outros. O jogo é estabelecido lentamente e exposto para a plateia.
Ao mesmo tempo que concentrados em sua ação, há um nítido desejo de
compartilhamento por parte dos performers em relação ao público, uma
disposição para mostrar o jogo, expor suas regras e estimular a participação do
espectador, que acompanha as movimentações, torce, vibra, cansa e tenta
imaginar o que está por vir, que relações serão estabelecidas, quais serão
desfeitas, quem será o próximo, quem sucumbirá, quem aceitará e quem
rejeitará o jogo proposto.
A cena seguinte, marcada por uma corrida frenética em torno do palco, foi
desencadeada progressivamente a partir de uma caminhada, também circular,
entremeada por ações individuais ou em duplas, nas quais era possível perceber
a total liberdade de cada performer em se juntar ou não ao novo jogo proposto,
explorando, ao seu prazer, o tempo de que dispõe para fazê-lo. O tempo parece
parar ou não ter a menor importância, sem exigir nenhum respeito ou devoção
por parte dos performers. Eles se permitem deixar envolver pelas novas
proposições em seu próprio ritmo, fazendo com que o espetáculo pareça não ter
limite ou hora para acabar. A lentidão e repetição de cada cena tinha o tempo
exato de nos extenuar, assim como fazia com seus participantes. Se em alguns
momentos tínhamos a impressão de nos entediar, logo em seguida nos
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Multitud
Figura 45 - Massa de corpos iluminados pela luz randômica das lâmpadas florescentes
verticais ao redor do palco no final da cena da corrida do espetáculo Multitud, coreografia de
Tamara Cubas. Luz Leticia Skrycky e Sebastián Alíes. Foto Nadia Luciani.
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Multitud
que o mundo gira, que a exaustão dos corpos nos leva para um estado de
alucinação em que a realidade é desvirtuada e transformada em algo que nos
escapa.
Figura 46 - Cena invadida pela luz intensa dos dois maxibruts laterais sobre os corpos
exaustos ao final da cena enérgica da corrida em torno do palco no espetáculo Multitud,
coreografia de Tamara Cubas. Luz Leticia Skrycky e Sebastián Alíes. Foto Nadia Luciani.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 309
Multitud
estranhamento a essa inesperada ação cênica. Mais uma vez, a cena prolonga-
se de forma incômoda e perturbadora, até que se inicia, muito gradativamente,
um novo jogo. Demoramos para nos dar conta de que os performers começam
a apropriar-se das roupas, dos acessórios, das características e emoções uns
dos outros. As reações a esse troca-troca em cena são as mais diversas e
surpreendentes. Há os que aceitam, os que rejeitam, os que se destituem
facilmente de seus bens e os que se apegam, que resistem, agridem, reagem
agressivamente ao jogo. E há os desapegados... E os solidários... E os
isolados... Mais uma vez percebemos, no palco, o respeito às individualidades,
capacidades e limitações de cada um e sentimos, na plateia, as reações do
público, a maneira como ele é afetado pelo que acontece em cena, pela
manifestação sensorial e pelo estímulo à reflexão oferecidos pelo que nos é dado
pela cena, pelo que compartilhamos e presenciamos.
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Multitud
Figura 48 - Movimentação do corpos à luz das lâmpadas PAR que cegavam o público e
atribuíam uma atmosfera imprecisa e mágica à cena no espetáculo Multitud, coreografia de
Tamara Cubas. Luz Leticia Skrycky e Sebastián Alíes. Foto Nadia Luciani.
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Multitud
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3 PERFORMATIVIDADE DA LUZ
176 “Eu sempre digo, ou disse no passado, que noventa-e-nove vírgula quarenta-e-quatro (por
cento) da plateia não presta nenhuma atenção à luz, mas cem por cento é afetada por ela”
(tradução da autora).
Performatividade da luz
177« La lumière au théâtre ne se contente pas de conférer à la scène ses qualités atmosphériques
et lyriques, elle est aussi capable de suivre le rythme de l’action, elle participe de son
développement dans le temps, de sa progression dramatique, de ses points culminants et
changements soudans ou progressifs » (tradução da autora).
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Performatividade da luz
Fabrizio Crisafulli (2019) destaca que uma das ideias principais do seu
trabalho como iluminador sempre foi a de que:
... a luz pode exercer na cena um papel comparável ao que é realizado
no mundo pela luz natural. Não se trata aqui, absolutamente, de imitar
essa luz natural, mas de garantir que a luz se torne, em geral, a até
mesmo em suas variações mais abstratas, substância vital, elemento
essencial, primário, gerador, se libertando de toda função ilustrativa,
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 315
Performatividade da luz
Essa comparação da luz teatral com a luz natural e seus efeitos sobre a
percepção humana denota, de uma forma justa, o conceito de luz performativa,
cujo efeito sobre a sensibilidade do espectador a qualifica como elemento de
ligação entre a cena e o público, que a acessa tanto pelo sentido da visão quanto
por todas as suas faculdades sensoriais e perceptivas. É, então, no
espaço/tempo da ação, em relação com a percepção do espectador durante a
recepção, que acontece a performatividade da luz, no conjunto estabelecido
entre cena e público, no efeito gerado pelo fenômeno físico da luz sobre a
percepção do espectador como resultado da iluminação criada especificamente
para cada cena com o objetivo de interagir e atuar em conexão com todos os
seus componentes ativos.
Para Turrell, não se trata da luz ou do seu registro, daquilo que ela mostra
ou revela, mas da sua própria realidade. Ao propor uma experiência com a luz,
ele se preocupa mais com questões de percepção do que de visão, imagens ou
entendimento de histórias que ela possa representar (BARROS, 1999, p. 97). A
luz performativa, se torna, assim, a realidade que ela revela, ou melhor, a
realidade que advém dela, que ela se torna. A luz performativa surge como a
experiência primeira do espectador em contato com o espetáculo, anterior a
qualquer outra consciência ou preconcepção. Ao analisar a obra de Turrell,
Schenker descreve o que pode traduzir a luz performativa como experiência
proporcionada para o espectador teatral, ou seja, um acontecimento visual que
“faz ver o que faz você ver e não o que há para ser visto”:
178 « …la lumière peut remplir sur la scène un rôle assez comparable à celui que joue dans le
monde la lumière naturelle. Il n’est nullement question ici s’imiter cette lumière naturelle, mais de
faire en sorte que la lumière devienne en général, et même dans ses déclinaisons les plus
abstraites, substance vitale, élément essentiel, primaire, générateur, s’affranchissant de toute
fonction illustrative, ne visant ni à l’effet ni à l’ornement destinés à ‘seconder’ le spectacle, rôles
subalternes dans lesquels l’usage habituel la cantonne fréquemment lors des dernier jours des
répétitions, et qui ne corrobore guère le pouvoir qu’a le théâtre d’entrer en résonance avec la
réalité » (tradução da autora).
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Performatividade da luz
Não existe nada ali: nada além da luz que tudo gera. O que
percebemos não é o mundo, nem um significado, nem uma história,
mas sim o instante antes deles serem gerados. Isso é percepção no
seu estado primevo: o sentido que nós fazemos de algo antes de se
tornar conhecido, e enquanto permanece puramente sensorial
(SCHENKER, 1991 apud BARROS, 1999, p. 99).
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Performatividade da luz
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Performatividade da luz
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Performatividade da luz
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Performatividade da luz
fenômeno físico que tem ação sobre o observador. Além disso, a luz ainda pode
ser classificada como luz cênica, uma luz ambiente que localiza a ação, ou luz
para a cena, aquela criada com um propósito ou fim específico. Ambas podem
ser criadas a partir de um projeto de iluminação com propostas dramáticas ou
performativas que, além de permitir a visibilidade, podem ainda estar
relacionadas à representação de signos, podendo significar ambientes e coisas,
como um palácio, um raio de sol, uma porta ou janela, ou à percepção humana
e às sensações geradas no espectador no momento da ação cênica ou
performativa, na sua interação com o performer ou com os elementos em cena
e cuja relação indissociável é marcada pela atuação conjunta de ambos. É nesse
segundo contexto e no efeito gerado por ele sobre a percepção do espectador
que reside sua ação performativa, sua performatividade.
Quando Ramos (2017, p. 343) se refere à produção de uma obra que visa
atingir um receptor, ponderando que ela possa ser apenas uma ideia (como obra
de arte conceitual) ou um ruído (a música eletroacústica, por exemplo), entende-
se que, considerada em sua reflexão, ela também pode ser uma luz, um efeito
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Performatividade da luz
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Performatividade da luz
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3.1 A Luz como elo entre a cena e o espectador
fique restrito a ele. Desta forma, a iluminação, em seu primeiro aspecto sensorial
ligado ao espetáculo, ou seja, seu uso como instrumento de visibilidade, já
desempenha importante papel na relação estabelecida estre cena e espectador.
É por meio de seus estímulos, configurados por seu aspecto visual e elementos
plásticos como forma, cor e intensidade, que ele chega ao espectador e cativa,
pela presença que impõe à cena, sua atenção e interesse. Quando colocada em
cena (mise-en-lumière)181, além de atrair a atenção, orientar a leitura e auxiliar
no entendimento do espetáculo, funções das quais jamais será destituída, a
iluminação também age sobre tudo o que está/acontece no palco e sobre a
percepção do espectador, interligando ambos em uma experiência sensorial que
evidencia seu caráter atuante e performativo.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 325
A luz como elo entre a cena e o espectador
da abertura primordial a uma existência exterior por meio da percepção, que ele
descreve como uma comunhão com o que as coisas nos revelam sobre si
mesmas. Entender a dedicação de um espectador ao fazer teatral como o
caminho para percebê-lo, considerando as fissuras e ambiguidades às quais é
exposto, permitem assumir a luz como meio para inseri-lo no contexto que dá
forma a este mundo, que é o da cena. Neste campo fenomênico, as origens
perceptivas da experiência real do espectador estão no sentimento gerado em
sua comunicação vital com o espetáculo, ou seja, na luz que o torna real.
Incorporado no sistema de estímulo e resposta gerado pela cena, a estimulação
pela luz do sentido da visão produz a percepção, cujo objeto afetivo permite o
encontro entre passado, presente e futuro e cujas sensações cinestésicas o
habilitam a reconhecer o meio e o ambiente em que se encontra. A sensação
provocada por essa experiência lhe permite a interagir (ser-no-mundo) como
potência que co-nasce com a experiência teatral e cria a sincronia entre seu
mundo e o da cena. A espacialidade vivida em uma experiência integrada é
inseparável dos sentidos e da sensação. O sentir surge da coexistência com a
cena, da entrega, do abrir-se a ela antes de qualquer reflexão ou ato pessoal.
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A luz como elo entre a cena e o espectador
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A luz como elo entre a cena e o espectador
entre ambos. De acordo com essa teoria, “o animal entende o mundo porque as
coisas também falam” (SANTAELLA, 2012, p. 142). Em uma analogia da teoria
gibsoniana com a experiência teatral, o espetáculo seria o mundo que acolhe o
espectador porque existe, entre ambos, uma reciprocidade de entendimento. A
luz, para o autor, é o elemento que relaciona o ambiente e o percebedor,
adquirindo, no meio cênico, a função de, além de expor o conjunto do que é dado
à percepção, somar-se ao todo para estimular os receptores e ativar o sistema
perceptivo do espectador. Boa parte dos estudos de Gibson são destinados à
luz, que ele classifica como energia física, estímulo para a visão e fonte de
informação para a percepção, diferente da visualidade permitida pela luz. No
ambiente vital descrito por Gibson, não existe separação entre mente e matéria,
mas o meio, entendido num conceito de percepção e ação ecológicas, é tanto o
lugar onde o percebedor opera quanto onde se propagam a luz, o som e o cheiro.
A percepção do espectador é guiada por esses estímulos, que são informações
detectadas por ele para guiar e controlar sua ação. Esse é o entorno dos que
percebem e agem, espectadores e performers, em um conjunto inseparável, no
qual um implica o outro.
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A luz como elo entre a cena e o espectador
espetáculo com o espectador, que age sobre a cena por meio da utilização de
uma das affordances indissociavelmente ligada a ele, a iluminação.
... ele fica doente, porque ele quer desfazer a lógica (do teatro), quer
tirar o público da passividade, quer estimular o público a agir e reagir,
pensar porque que as pessoas estão sentadas ali, porque elas estão
há tanto tempo ali e que elas precisam se deslocar de um espaço para
o outro, que elas são plateia e que devem reagir como plateia, que elas
não são passivas e que não precisam aceitar essa forma. Claro, isso é
objeto de criação, também, e nesse sentido a luz é potente pra caralho!
Porque ela pode abrir esse espaço, fechar esse espaço, borrar esse
espaço. Somos nós, luz, que conseguimos separar palco e plateia,
somos nós que conseguimos juntar palco e plateia. A cenografia
também consegue, se você traz um tapete vermelho que começa na
plateia e avança no palco, você borra uma fronteira. Acho que essa
ideia de abrir, borrar fronteira, perder a limitação, não criar muros... é
o que fazemos na companhia. [...] Você sempre vai encontrar essa
questão do espaço, da relação com a plateia, quem é a plateia e o que
ela está fazendo aqui, qual o papel dela nessa peça, se ela é juíza, ou
cúmplice, minha amiga no meio da ação ou não (NAIRA, anexos, p.
171).
182 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 164-178.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 329
A luz como elo entre a cena e o espectador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 330
3.2 Características e condições da performatividade da luz
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 332
Características e condições
... a luz não pode trabalhar sozinha, sendo que um ator sozinho pode
produzir um espetáculo, assim como um cenógrafo pode produzir um
objeto cenográfico, [...] Obviamente isso não vai representar um
espetáculo, mas pelo menos há algo de tangível. E o mesmo acontece
com o figurino, o mesmo acontece com o som. [...], se não tivermos
uma cenografia, quero dizer, um chão, ou até mais que isso, se não
tivermos um ator, dançarino, cantor, ou outro personagem para
iluminar, se não houver a encenação que o acompanha, nós não
podemos fazer nada. Então, naturalmente, somos obrigados a fazer a
luz com tudo o que compõe o próprio espetáculo [...] é óbvio que o
resultado da luz vai criar uma interação (FRATISSIER, anexos, p. 212).
183 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 92-108.
184 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 209-217.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 333
Características e condições
185 « tout en connaissant son statut ‘immatériel’, il la considère comme l’élément fondamental de
la scénographie et la traite comme un matériau » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 334
Características e condições
... a luz tem uma existência material, concreta que atua sobre os
corpos, é vibração, atinge o olho e cria impulsos elétricos, frequência
de ondas que viram imagem no cérebro e tem toda uma interação com
o material e o concreto, mas na cena ela também pode ser um canal
de comunicação entre o que é material e o que é imaterial. Isso ocorre
principalmente na medida em que a luz atua no visível, não
necessariamente de modo conceitual, mas pode provocar a
imaginação e a participação ativa da plateia e, nesse sentido, ela é
imaterial… É relação e propicia a projeção da subjetividade da plateia,
da imaginação, da abertura para o que não é dito e é sentido, mas que
não poderia ser explicado (FORJAZ, anexos, p. 75).
186 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 69-74.
187 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 75-83.
188 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 113-116.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 335
Características e condições
A luz cênica é sem dúvida uma luz projetada e construída, que se torna
concreta. No momento em que a construímos, nós a tornamos viva e
ativa, esquecendo, por sorte, a sua natureza artificial e efêmera. E é
também por essa simples razão, na minha opinião, que ela pode se
tornar material e imaterial ao mesmo tempo. Deixa-se moldar
precisamente por ser matéria metamórfica da construção do espaço
cênico (STAROPOLI, anexo, p.117).
... material por que temos que compor com um feixe, com cores, com
um projetor, etc. Mas o resultado e a ação da luz no palco são
imateriais. Então, obviamente, temos que passar pelas duas
concepções da luz. [...] finalmente, o que mais nos interessa é o lado
imaterial da luz, [...] a matéria com a qual trabalhamos e a dimensão
imaterial da luz, é mais a ação da luz no espetáculo, [...] se estamos
lidando com iniciados da iluminação, eles analisarão o lado material da
luz [...] Na maioria das vezes, eu ouso esperar que não tenhamos que
lidar com espectadores muito iniciados no trabalho de construção da
luz; portanto, neste caso, é obviamente o lado imaterial da luz que eles
percebem primeiramente (FRETISSIER, p. 209).
189 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 117-120.
190 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 209-217.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 336
Características e condições
Para além do seu aspecto material ou imaterial, a luz da cena, como ato
performativo em relação direta com a cena e com o espectador, não prevê erros
ou enganos (DERRIDA, 1972 apud FÉRAL, 2009, p. 72), mesmo considerando
uma luz previamente concebida, eliminando toda possibilidade de efeitos
inexatos, seja na concepção ou na realização durante o espetáculo. A luz
percebida pelo espectador será a luz da cena, e, para ele, não haverá outra. Se
um movimento de luz deixa de ser realizado ou o operador de luz erra a operação
ou o tempo de uma mudança de luz, se o ator erra o texto e ambos improvisam,
e maneira como isso é feito é a verdade para aqueles espectadores no
espaço/tempo em que acontece. Se um espectador se distrai com outra
luminosidade, ruído ou acontecimento indesejado no momento de um efeito e
não o vê, a sua verdade será o espetáculo sem aquele efeito, o que mudará,
191 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 179-180.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 337
Características e condições
mas não anulará sua percepção da totalidade do que lhe é apresentado. Visto
desta forma, pode-se dizer que a luz performativa considera, também, a
possibilidade de improvisos, adaptações e eventuais erros, que se tornam
acertos naquela situação e devem ser assimilados como tal, mesmo que não
voltem a acontecer numa próxima apresentação.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 338
Características e condições
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 339
Características e condições
Tão importante quando destacar o que pode ou não caracterizar uma luz
performativa, é detectar as características favoráveis a uma performatividade da
luz, mas cuja ausência não se revela como impeditiva para sua atuação como
tal. A atuação do operador de luz, ou seja, sua performance como potencial
performer da luz, é um exemplo disso. A operação da luz performativa, realizada
em interação e interdependência com a cena, com seus riscos, interatividade e
possibilidade de improvisação ou atuação propositora da luz, nas apresentações
ou nos ensaios, pode ser um indicativo de ação performativa, mas não é
condição para a manifestação do conceito da performatividade da luz. Desta
forma, entende-se com isso que uma luz pode ser considerada performativa
mesmo que não apresente tais características.
192 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p 181-183.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 340
Características e condições
193 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 151-163.
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Características e condições
O mais interessante, segundo seu relato, é que a luz também podia fazer
proposições aos atores, a exemplo de uma determinada cena, cujo código
estabelecido pela luz, poderia atrasá-la ou antecipá-la na ordem do espetáculo.
Ela também descreveu a forma como, em um outro espetáculo com a mesma
companhia e com bailarinos absolutamente treinados para o improviso,
acontecia um jogo vivo entre a luz e a cena, no qual sua atuação atrás da mesa
de luz era tão intensa que chegava à exaustão física. Ela declarou, sobre esta
operação, que “não conseguia nem olhar para a mesa, eu ficava o tempo todo
de olho no palco, propondo, recebendo e propondo. Às vezes, eu é quem dava
o final do espetáculo, quando eu percebia que já tinham se esgotado todos os
recursos e a história já tinha sido contada” (BENTIVEGNA, anexos, p. 159). Para
ela, essa experiência com a Quito representou uma profunda relação
iluminadora/intérpretes além de, inclusive, uma profunda relação
iluminadora/plateia.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 342
Características e condições
Umberto Eco afirma que “toda obra científica deve ser uma espécie de
thriller, o relato de uma busca por algum Santo Graal” (ECO, 2013b, p. 12), então
foi nesse sentido que eu empreendi esta busca, na intenção de encontrar os
argumentos e explorar os conceitos necessários ao suporte da proposição
original. Em seu texto, Eco destaca a importância do fascínio do pesquisador
pela investigação e pela procura da “verdade oculta” por trás de teorias,
argumentos e hipóteses, alegando que uma investigação científica deve ser
movida pelo entusiasmo e pelo desejo de alcançar um resultado, além do prazer
de empreender essa jornada no sentido da comprovação de ideias intuitivas e
probabilidades oriundas da experiência, do trabalho e da paixão, no meu caso,
a paixão pelo teatro, o trabalho com o ensino da iluminação cênica e as
experiências com a criação.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 343
Características e condições
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 344
3.3 A performatividade da luz ainda por investigar
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 346
A luz como performance
2013), e na terceira, foi realizada uma instalação cuja luz, especialmente criada
para tal, dialogava com a temática e proposição da obra. No primeiro caso, a luz
do espetáculo Disparis, montado em Curitiba em 2010, foi selecionado para
participar da exposição internacional WSD2013 em Cardiff, no Reino Unido195,
cuja instalação foi elaborada e apresentada antes, em 2012, na mostra
Performeios, em Curitiba. Para estas exposições, foi criada
uma instalação na qual a interação e a interferência do público
espectador da encenação original foi substituída, de forma amplificada,
pela interação real proporcionada ao visitante da exposição. A
instalação foi concebida a partir da criação de um filme com a
montagem de cenas representativas da iluminação da peça que seria
projetado em uma persiana suspensa. Ao atravessar essa persiana, a
imagem projetada era entrecortada pela sombra da persiana,
tornando-se mais ou menos nítida pelo posicionamento da pás que,
conforme o grau de abertura, permitiam maior ou menor visibilidade
das cenas que, por sua vez, também podiam estar filtradas pela
persiana da peça real ou não e apresentavam maior ou menor grau de
ação, dramaticidade ou erotismo (LUCIANI, 2013).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 347
A luz como performance
Figura 51 - Árvore da instalação de Ronald Teixeira para Mostra Nacional Brasileira na PQ2015
– interior e exterior da esfera. Fotos Claudia de Bem.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 348
A luz como performance
197 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 28-36.
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A luz como performance
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Os performers da luz
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Os performers da luz
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Os performers da luz
... o fato de que, nos dez anos do Oficina, eu operei, e a operação fazia parte
da atuação ao vivo da luz e, muitas vezes, alguns espetáculos me levavam a
entrar em cena [...] Em Bacantes, eram sete horas de espetáculo nas quais
eu realmente improvisava e sabia o número de cada refletor, cantava junto...
Eu estava em cena, e isso me permitia um tipo de atuação ao vivo que a peça
me pedia. Ham-Let, ao contrário, embora a luz fosse muito simples e o teatro
ainda não estivesse acabado, nós improvisamos [...] o roteiro, principalmente
os pin-beams, e a relação entre geral e contra, focos muito precisos... Nós
tínhamos um roteiro de cinquenta páginas, de quatro fileiras. Toda a
movimentação de focos era muito precisa, enquanto outras eram
improvisadas, mas sempre pensando sobre a presença da luz e da plateia,
que estava sempre em contracenação profunda com os atores, junto com
eles. Uma luz ativa e atuante” (FORJAZ, anexos, p. 78).
199 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 75-83.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 353
Os performers da luz
Mais tarde, duas dessas luzes foram trazidas para cima e, pelo fato das
PAR 38 esquentarem muito e queimarem os atores, foram substituídas por
luminárias de mesa com LED e tornadas móveis, passando a ser usadas por
eles para iluminar um ao outro. Seus fachos eram projetados de diferentes
ângulos, criando uma maneira dinâmica de interação, ao ponto de, num
determinado momento, permitir uma batalha entre os personagens por meio dos
fachos de luz direcionados por eles contra o outro, como espadas. Bruel sentiu
necessidade de um terceiro equipamento e foi instalada uma luminária pendente
(do tipo usado para iluminar mesas de sinuca), localizada em cima da mesa, ao
200 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 48-59.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 354
Os performers da luz
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Os performers da luz
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Os performers da luz
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A luz, o tempo, o ritmo e o movimento
... essa questão do ritmo, de uma escritura no tempo, coloca para a luz
a questão de saber se ela se dará a ver (passagem brusca de um
sentido ou uma cor a outra), ou se ela se desenvolverá sem que o
espectador perceba. O movimento da luz não tem necessidade de ser
levado a um nível de consciência para agir com potência204 (RICHIER,
2015, p. 96).
203 « Un effet lumineux a un début et une fin, son apparition sur scène se fait à travers une
temporalité qui peut aller de zéro seconde à une sorte d’infini qui serait celui de la durée de la
représentation. De même, la disparition de l’effet peut être brutale, ‘sèche’, ou jouer au contraire
de la lenteur » (tradução da autora).
204 « Cette question du rythme, d’une écriture dans le temps, pose à la lumière la question de
savoir si elle se donnera à voir (passage brutal d’une direction ou d’une couleur à une autre), ou
si elle déroulera son fil à l’insu du spectateur. Le mouvement de la lumière n’a pas besoin d’être
hissé à un niveau de conscience pour agir puissamment » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 358
A luz, o tempo, o ritmo e o movimento
205 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 164-178.
206 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 179-180.
207 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 61-68.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 359
A luz, o tempo, o ritmo e o movimento
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 360
A luz e a cor
wrote his findings on the relation of the size of shadows cast by illuminated objects to their
distance from the source of light – and all within the context of the perspective of colour and light
and dark. Light and shade were, therefore, not considered as isolated elements – even the effect
they had on the human eye, the pupil, was analysed. » (tradução da autora)
210 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 184-195.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 361
A luz e a cor
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 362
A luz e a cor
211 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 92-108.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 363
A experiência do espectador
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 364
A performatividade do blecaute
212 « C’est à Richard Wagner en 1876 que l’on attribue le coup de force du premier noir complet
imposé dans la salle, à l’occasion de l’inauguration de la Festspielhaus à Bayreuth, éclairée au
gaz. Ce noir total est imputé à une erreur de régie : Wagner aurait demandé à son chef gazier de
réduire l’éclairage de la salle au début de la représentation comme il était d’usage, mais dans
l’empressement des préparatifs de la première, ce dernier aurait eu la main lourde, éteignant
complètement la salle. Wagner, ravi, ordonna qu’on ne la rallume pas à l’entracte : cet incident
contribuait pleinement à l’état de réceptivité qu’il souhaitait provoquer chez le spectateur, il en
adopta dès lors le principe » (tradução da autora).
213 « Si le silence s’écoute, le noir se regarde » (tradução da autora).
214 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 164-178.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 365
A performatividade do blecaute
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 366
A performatividade do blecaute
blecaute como potente recurso da iluminação cênica como recurso da não luz,
que pode ser associado, no universo teatral sonoro ao silêncio, como ausência
de som. A iluminadora e diretora Cibele Forjaz, criou uma interação poética e
sensorial com o público que ela chama de “blecaute em cor” (FORJAZ, anexos,
p. 76); Elsa Revol declarou a importância fundamental do blecaute em alguns de
seus espetáculos (REVOL, anexos, pp. 96, 99 e 106); Alessandra Domingues
falou do blecaute criado com uma explosão de luz, no qual faz desaparecer um
ator em cena (DOMINGUES, anexos, p. 34), que lembra um efeito semelhante
feito por Guilherme Bonfanti no final da peça O Livro de Jó (FORJAZ, 2008b, p.
161) ou a cena descrita por Lucas Amado215 na qual um ator desaparece num
contraluz azul a menos de um metro e meio do público (AMADO, anexos, p. 149);
Beto Bruel216 declarou o potencial expressivo do blecaute para estabelecer um
ponto zero na percepção do espectador, a partir do qual tudo pode ser feito ou
dito (BRUEL, anexos, p. 48), assim como Aurélio de Simoni217: “Para iluminar,
você tem que ter a fonte luminosa ou a ausência dela, porque você também
ilumina ausentando a luz [...] Quando você ausenta a noção, a percepção da luz,
você está criando um efeito de luz, a ausência dela” (DE SIMONI, anexos, p. 38).
215 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 142-150.
216 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 48-59.
217 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 37-47.
218 Na palestra de encerramento do 1º Congresso Brasileiro de Iluminação Cênica realizado pelo
GEPHIC, que deu origem à ABrIC – Associação Brasileira de Iluminação Cênica, fundada na
mesma ocasião, em São Caetano do Sul – São Paulo, em Setembro de 2005.
219 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 159-173.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 367
A performatividade do blecaute
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 368
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A luz é tão evidente que não a vemos, é como o ar que respiramos, nós
sentimos quando ela falta ou quando muda bruscamente, mas raramente a
percebemos em um nível de consciência”. A afirmação de Christine Richier
expressa a natureza e os efeitos que a luz, de uma forma geral, e a luz cênica,
em especial, pode causar. Richier afirma, ainda, ser impossível dissociá-la dos
demais componentes da cena, destacando a importância, para o acontecimento
cênico, do movimento da luz e das condições de percepção do espectador em
sua entrega ao espetáculo (RICHIER, 2015, p. 13). Fabrizio Crisafulli relembra
duas ideias pré-concebidas, comuns nos meios teatrais, de que a iluminação
cênica pertença a uma esfera eminentemente técnica, por um lado, e a um
visual, por outro. Ele admite que essas visões são parcialmente aceitáveis, pois
é incontestável que a iluminação pertence às duas dimensões, mas é preciso
acrescentar a elas o fato “de que as qualidade fundamentais da iluminação
teatral residem em sua capacidade de produzir sentido e modelar o espaço e o
tempo pelo seu poder de ação e construção dramática” (CRISAFULLI, 2019, p.
209). Essas reflexões e percepções revelam a complexidade e a profundidade
do estudo da iluminação cênica e de seus efeitos sobre o indivíduo.
220A luz no teatro não se explica, ela se funde na paisagem, age suavemente (tradução da
autora).
Considerações Finais
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 370
Considerações Finais
Eu acho que com o mundo cada vez mais digital, a presença se tornou
a coisa mais importante do teatro. A presença, o fórum, as práticas
ritualísticas… Eu acho que é na presença viva em frente ao artista e
nos corpos, vibrações, sons produzidos junto e ao vivo e com a
participação ativa da plateia, que, no meu trabalho, tem sido cada vez
mais sobre isso: “estar com” e não “mostrar para”. Acho que a luz é
esse elemento ligador de relação e de transformação muito rápida
dessa relação do espectador com a cena… colocando-o dentro de
cena ou tirando, indo de uma geral para um foco e então para uma luz
de serviço que diz estamos aqui e agora (FORJAZ, anexos, p. 82).
221 As opiniões dos demais entrevistados podem ser verificadas nas respostas à pergunta
número três das entrevistas realizadas para esta tese, disponíveis nos anexos, p. 28-233.
222 Em entrevista realizada como parte desta pesquisa, disponível nos anexos, p. 75-83.
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 371
Considerações Finais
223« Más que lo que permite ver, lo importante de la iluminación escénica son las sensaciones
que logra despertar. Lo esencial es invisible para los ojos » (tradução da autora).
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 372
ÍNDICE DE FOTOS
Figura 1 - Foto com Carlos Kur durante a Oficina de Iluminação Cênica do LABIC
realizada excepcionalmente no Mini Auditório do Teatro Guaíra em 2019. Foto
acervo pessoal. .................................................................................................. 1
Figura 2 - Entre meus dois mestres, Aurélio de Simoni e Beto Bruel, em abril de
2017 no Espaço das Artes em São Luiz do Purunã no Paraná – Foto: Kraw
Penas. ................................................................................................................ 5
Figura 6 - Uso simbólico das cores âmbar, lavanda, vermelho, azul e amarelo na
peça teatral Um Trágico Acidente, no Espaço Dois em Curitiba em 2008. Texto
de Carlos Queiroz Telles e direção de George Sada. Luz Nadia Luciani. Fotos
Daniel Sorentino............................................................................................... 94
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Índice de Fotos
Figura 28 – Cena do desfile de moda na José Paulino da peça Bom Retiro 958
metros. Dramaturgia de Joca Reiners Terron. Concepção e direção geral de
Antônio Araújo. Luz Guilherme Bonfanti. Foto Flavio Morbach Portella......... 266
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 375
Índice de Fotos
Figura 38 - Pagú Leal, em seu deslocamento como Ricardo III até o centro do
palco e depois que a luz se fecha sobre ela. Um Ricardo III. Texto de William
Shakespeare. Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia
Luciani. Fotos Chico Nogueira. ...................................................................... 285
Figura 40 - Cena que que Ricardo anuncia a morte do irmão Clarence para o Rei
Eduardo IV e sua corte. Um Ricardo III. Texto de William Shakespeare.
Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia Luciani. Foto Chico
Nogueira. ....................................................................................................... 290
Figura 41 - O Rei Ricardo III em sua batalha final, enquanto os atores ao fundo
tocam os instrumentos que ambientam a cena. Um Ricardo III. Texto de William
Shakespeare. Adaptação coletiva e direção de Rafael Camargo. Luz Nadia
Luciani. Foto Chico Nogueira. ........................................................................ 294
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 376
Índice de Fotos
Figura 46 - Cena invadida pela luz intensa dos dois maxibrutes laterais sobre os
corpos exaustos ao final da cena enérgica da corrida em torno do palco no
espetáculo Multitud, coreografia de Tamara Cubas. Luz Leticia Skrycky e
Sebastián Alíes. Foto Nadia Luciani. ............................................................. 309
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 377
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Referência Bibliográficas
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Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 381
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 382
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 383
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 384
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 385
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 386
Referência Bibliográficas
Nadia Moroz Luciani – Iluminação Cênica: a performatividade da luz como elo entre a cena e o espectador 387
ANEXOS
1 Entrevistas
A ideia de entrevistar alguns iluminadores surgiu, principalmente, pelo
desejo de entender se as intuições, suposições e investigações teóricas a
respeito da performatividade da luz teriam alguma procedência na prática dos
iluminadores e nos seus trabalhos criativos. Era importante entender se essas
proposições, na grande maioria não mais do que intuições oriundas da minha
própria experiência artística, faziam sentido para outros profissionais da
iluminação cênica. Buscando objetivar, mas sem direcionar suas respostas ou
reflexões, o que poderia muito facilmente acontecer, foram elaboradas, então,
questões abertas e gerais sobre a aplicação prática do conceito investigado e,
de maneira complementar, a relação particular de cada iluminador entrevistado
com a luz e o processo criativo.
1
Anexos – Questionários para entrevistas
2
Anexos – Questionários para entrevistas
1. Sobre a Luz
Como conceito, sem reflexões técnicas ou científicas, você considera que
a luz seja material ou imaterial? Você saberia explicar a sua resposta?
3. Performatividade da Luz
A pesquisadora deste trabalho defende, como resultado de suas
pesquisas práticas como iluminadora e reflexivas como pesquisadora, que a
iluminação cênica tem uma participação ativa na cena teatral, assim como em
outras formas das artes cênicas como a música, a dança, entre outras. Com isso
ela afirma que a luz atua, age em cena e interage com os demais componentes
do espetáculo e também com o público, tendo a importante função de
estabelecer e favorecer a relação entre o palco e plateia. Você concorda ou
discorda dessa afirmação?
Por quê?
Você saberia dar alguns exemplos dessa atuação da luz no seu próprio
trabalho? Pode ser um projeto inteiro ou alguns efeitos específicos.
3
Anexos – Questionários para entrevistas
4
Anexos – Questionários para entrevistas
5
2 Iluminadores Entrevistados – Biografias225
225 As biografias apresentadas nesta tese têm fontes diversas e distintas, sendo que todos os
iluminadores entrevistados foram consultados a respeito de seus conteúdos.
6
Anexos – Iluminadores entrevistados
7
Anexos – Iluminadores entrevistados
8
Anexos – Iluminadores entrevistados
9
Anexos – Iluminadores entrevistados
olhar singular onde o ato de criar com luz é contemplar, ver, experimentar e sentir
sua presença. Neste contexto, a artista desenha percursos imagéticos.
Durante sua carreira foi agraciada com 10 prêmios nas artes e recebeu o
Prêmio Destaque Braskem-RS em luz e cenografia em 2015. Artista selecionada
para representar o Brasil na Mostra de Países e Regiões nas Edições de 2015 e
2019 da Quadrienal de Praga, na República Tcheca. Como pesquisadora,
acompanhou algumas produções do encenador americano Robert Wilson no
Brasil (São Paulo e Porto Alegre) e na Argentina (Buenos Aires).
10
Anexos – Iluminadores entrevistados
Bonde Chamado Desejo, de Tenesse Williams (2002); Cia. Livre Conta Kaná
Kawã (2014/15) e Dostoiévski-Trip (2017), mais alguns espetáculo em parceria
criativa entre a Cia. Livre e outras companhias. Com a mundana companhia,
dirigiu: O Idiota - Uma Novela Teatral, releitura do romance de Dostoievski
(2010/12) e Na Selva das Cidades, de Bertolt Brecht (2014/18).
Ganhou vários prêmios, entre eles, APCA (1989, 1998, 2004 e 2010),
Mambembe (1996), Qualidade Brasil (2002), Shell (2004 e 2007) e Prêmio
Governador de Estado – teatro (2015). Tem experiência na área de artes, com
ênfase em teatro, história, estética e pedagogia da iluminação cênica; direção e
encenação teatral; dramaturgia e cena em processo colaborativo; cruzamentos de
linguagens do teatro com a dança e as artes plásticas e relações entre as artes
cênicas e a antropologia. Realizou um pós-doutorado em Antropologia, na USP,
com estudo de campo no Rio Xingu (2018/19).
11
Anexos – Iluminadores entrevistados
Elsa Revol cria luzes para teatro, ópera, circo, magia, campos tão diversos
que enriquecem suas colaborações e encontros artísticos. No teatro, seus
principais encontros foram com Ariane Mnouchkine, Galin Stoev e,
recentemente, Wajdi Mouawad. Foi em 2007 que Elsa Revol se juntou ao
Théâtre du Soleil para suas criações e turnês internacionais. Ela assinoiu as
luzes de Os Náufragos de Fol Espoir, uma criação coletiva (2010) e Macbeth de
Shakespeare, dirigida por Ariane Mnouchkine (2014). Por fim, acompanha a
criação da iluminação de Une Chambre en Inde (2016). Com Galin Stoev, ela
trabalhará pela primeira vez com a Comédie-Française em 2011, criando as
luzes do Jeu de l’amour et du hasard de Marivaux. Com o mesmo diretor faz
Tartuffe de Molière (2014). Em seguida ilumina Othello de Shakespeare para
Léonie Simaga (2014) e Faust, dirigido por Valentine Losseau e Raphaël Navarro
(2018) no Théâtre du Vieux-Colombier. Sua colaboração artística com Galin
Stoev continua com outra peça de Marivaux, Le Triomphe de l'Amour (TGP 2013)
e, em seguida, com a ópera Le Nozze di Figaro de Mozart (2015), Les Gens d'Oz
de Yana Borissova, espetáculo para o qual ela também assina o vídeo (Théâtre
National de la Colline, 2016) e Insoutenables Longues Etreintes de Yvan Viripaev
criado no Théâtre de la Cité em Toulouse (2018). Elsa conhece Wajdi Mouawad
durante a criação de Fauves (2019).
12
Anexos – Iluminadores entrevistados
13
Anexos – Iluminadores entrevistados
14
Anexos – Iluminadores entrevistados
Cielo non è Fondale em 2017 e Casi Niente em 2019, ambos com a direção de
Deflorian/Tegliarini.
15
Anexos – Iluminadores entrevistados
Foi agraciado com vários prêmios, tais como Troféu Mambembe, APCA e
Molière (teatro adulto) e Coca-Cola, Maria Clara Machado e Zilka Sallaberry
(teatro infanto-juvenil), além de outros prêmios em Belo Horizonte (MG), Porto
Alegre e Pelotas (RS) e Salvador (BA). Em 1977, ganhou o primeiro Molière,
específico para Iluminação. A partir daí, a categoria de Iluminação passou a ter
um vencedor todo ano. Nos anos 2009 e 2010 foi um dos cinco jurados
do Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro.
16
Anexos – Iluminadores entrevistados
Lucas Amado começou sua carreira no teatro em 1998, como ator da Cia
Luiz Carlos Arutim em Barretos. Logo foi para São José do Rio Preto, para fazer
parte de o grupo de teatro itinerante Fábrica de Sonhos, na qual desempenhou,
entre 2004 a 2007, diversas funções, dentre elas, a iluminação. Em 2008 mudou-
se para Curitiba e começou a trabalhar como iluminador com alguns grupos da
cidade como o Grupo Obragem, Antropofocus, Cia do Abração, Companhia Bife
Seco, Setra Cia de Teatro e Tecer Teatro, com os quais ainda mantém vínculos
de trabalho.
17
Anexos – Iluminadores entrevistados
18
Anexos – Iluminadores entrevistados
Bendita Trupe; Shell 2010 pelo cenário de Escuro, da companhia Hiato; FITA
2011 – Festa Internacional de Teatro de Angra – pela iluminação de Música para
Cortar os Pulsos, de Rafael Gomes; Shell 2011 pelo cenário de O Jardim, da
Companhia Hiato; APCA 2017 pelo conjunto dos trabalhos criados para teatro
infanto-juvenil naquele ano; Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e
Jovem 2017 pelos cenários dos espetáculos Buda, Gagá e Skellig; Shell 2018
pela cenografia do espetáculo Os Três Mundos.
19
Anexos – Iluminadores entrevistados
20
Anexos – Iluminadores entrevistados
Alguns dos espetáculos que iluminou são: O Futuro Dura Muito Tempo,
com direção de Márcio Vianna; O Despertar da Primavera, com direção de
Charles Moeller e Cláudio Botelho; A Partilha, com direção de Miguel Falabella;
Cabaret, com direção de José Possi Neto; O Jornal, com direção de Kiko
Mascarenhas e Lázaro Ramos; Mania de Explicação, com direção de Gabriel
Vilela; Show de Maria Bethânia, com direção de Fauzi Arap; A Santa Joana dos
Matadouros, com direção de Marina Vianna e Diogo Liberano; Auto de Anjicos,
com direção de Amir Haddad; Tim Maia, com direção de João Fonseca; Makurú,
com direção de José Mauro Brandt; As Aventuras do Menino Yogi, com direção
de Arlindo Lopes e Juliana Terra e Tim Maia, com direção de João Fonseca.
21
Anexos – Iluminadores entrevistados
22
Anexos – Iluminadores entrevistados
23
Anexos – Iluminadores entrevistados
Recebeu o Troféu Gralha Azul em 1993 por Baal Babilônia, em 1997 por
O Longo Caminho que vai de Zero a Ene, em 2014 por Tchekhov, em 2016 por
Nuon e em 2019 por A Pequena Abelha e a Árvore Alta. Recebeu também o
prêmio de melhor iluminação no Festival Isnard Azevedo por Baal Babilônia em
1003 e no Festival Lages por Romeu o Julieta em 2000. Em 2009 o trabalho The
Sun is Up foi selecionado para figurar no catálogo World Stage Design e em
2018 foi indicado ao Prêmio Shell com Beto Bruel pela luz do espetáculo Nuon.
24
Anexos – Iluminadores entrevistados
25
Anexos – Iluminadores entrevistados
26
Anexos – Iluminadores entrevistados
27
Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
A.D. – Eu acho que a luz é uma forma de expressão, então ela tem essa
particularidade da propriedade de ser as duas coisas, tanto matéria quanto
imatéria. Ela é impalpável, ao mesmo tempo que pode ser partícula e pode ser
fragmentada e aprisionada. Sobretudo, eu acho que ela é uma forma de
expressão. Fico em duvida, às vezes, se ela é uma forma de expressão, porque
não é só uma questão de comunicação e a linguagem, às vezes, está restrita à
comunicação. Por isso, eu acho que, além de uma linguagem, ela é uma forma
de expressão e ela é as duas coisas, matéria e imatéria.
A.D. – Isso varia. Eu fundei uma companhia, chamada Cia. Livre, na qual
eu trabalhei desde o inicio e fiquei por 10 anos. No início, na Cia. Livre, tinha
também uma circulação de diretores, a maioria dos projetos foi com a Cibele
Forjaz, mas não se restringiu só a ela. Nos últimos anos, eu trabalhei com a
Mundana Companhia, que também tem essa fluidez. Eu acho que, sobretudo,
227 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 06 de fevereiro de 2020.
28
Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
29
Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
eu penso no objeto que vai receber essa luz, porque eu desejo que aconteçam
x coisas em relação à luz que vai bater ali, então o fato de eu sugerir um material,
é um pensamento de luz, que não resulta necessariamente em fonte de luz.
Então, eu acho que essas companhias têm essa coisa em comum, cada uma
com as suas particularidades. A Mundana, nos últimos anos, foi muito mais
hibrida nesse sentido. Nós fizemos um projeto que se chama Máquinas, no qual
não existe a figura do diretor-encenador... É só a equipe de arte com os atores
e todo o suporte que um espetáculo precisa, mas, realmente, as coisas iam se
dando em razão das propostas. São companhias onde eu posso exercer um
pensamento de luz, não me restringindo somente a um tipo de luz que vai
acontecer. Por exemplo, eu usei fumaça vermelha, que não é luz, mas eu usei
durante o dia porque eu queria um ambiente vermelho. Um objeto que solta
fumaça vermelha na mão de um ator, como você nomeia isso? Isso é luz? Isso
é cenografia? Isso é um objeto? Isso é direção de arte? O que é isso? E isso
veio de um pensamento de luz, está no meu rider de luz. Então, esse privilégio
de trabalhar com companhias, com esse tipo de projeto, não só essas duas
companhias, mas, como eu já disse, eu acabo sendo chamada para projetos que
permitem e que querem esse tipo de contribuição, ou melhor dizendo, de
construir juntos. Acho que é isso.
G.V. – Você disse que tem sido chamada para um tipo de trabalho
que tem a ver com o teu histórico de projetos e portfólio... Você sente
diferença de trabalhar em companhias com esse tipo de processo que você
acabou de me contar e em outros projetos? Você sente que consegue
exercer esse pensamento de luz mesmo fora desses contextos?
A.D. – Sim, eu acho que isso me acompanha, ele faz parte do meu
processo pessoal enquanto artista. Nós vamos carregando as nossas memórias,
as nossas experiências para os nossos próximos projetos, então não é anulado.
Talvez o jeito de eu me comunicar, de me portar e de eu propor tem certas
diferenças em razão do como é gerido cada projeto, e isso é independente da
permissividade ou da possibilidade de construir coletivamente... É sempre uma
construção coletiva, não é? Raramente eu estive em projetos em que eu
30
Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
31
Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
tão errada, que quebrou qualquer possibilidade de entrar dentro do trabalho, pelo
menos para mim. Então, tudo isso eu levo junto... Quando eu vou fazer os
trabalhos, mesmo que sejam mais técnicos. Eu fiz o projeto da galeria da Cláudia
Andujar, em Inhotim, não só da exposição, mas do pavilhão inteiro e, para mim,
era muito importante que quando você entrasse no pavilhão... Porque você está
ali fora, ao ar livre, com uma quantidade de luz grande, você vê tudo e daí você
entra dentro de um pavilhão para ver fotos de natureza, então, de alguma forma,
eu quis que, no corredor que entra dentro pavilhão... eu fiz uma linha de luz no
chão, que ilumina a parede bem de leve, é luz de arquitetura, mas é tão leve que
te faz, nem que por três segundos dessa passagem, o teu olho se acomodar e
quando você entra de novo na sala e se depara com as fotos de natureza, é
como se você estivesse entrando de novo dentro da floresta. Você acabou de
sair da mata e entrou dentro de um edifício que tem fotos da mata, mas que tem
essa transição. E ali, nessa passagem, a luz é muito baixinha, é uma sensação,
é só uma pausa para entrar de novo numa sala bem iluminada, mas sem excesso
de luz. Tem luz suficiente para você ver as obras e ficar confortável... Depois,
você vai para uma outra sala onde tem luz natural junto, então é todo um
percurso que foi pensado para que a obra dialogue com o entorno, mas se você
entra direto de fora com a sua pupila super fechada por conta da claridade, já
não vai ter esse impacto. Então, esse pensamento, desse percurso da luz, ele
vai comigo para todos os lugares. Aí, eu também já comecei a pensar o que o
espectador vê quando entra, qual a primeira luz da cena. Como o público senta
ali, como recebemos o público dentro, para já prepará-lo para entrar dentro da
história através dos seus estímulos fisiológicos do olho. Ou mesmo no Máquinas,
por exemplo, eu fazia um corredor de minibrut que queimava o corpo da plateia,
ou seja, as pessoas sentiam não só a luz forte, como também o calor dessa luz.
Isso te obrigava a parar, a andar, se afastar... Isso também colocava as pessoas
num estado físico, de corpo, para entrar dentro de um espetáculo de teatro. Eles
já entravam de uma outra forma. Isso tem a ver com o meu lado artista visual,
ou artista plástica.
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Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
A.D. – Isso depende muito do projeto, não é? De onde vai estar o projeto...
essa pergunta é bem difícil. Eu estou, agora, no meio de um processo de
mestrado, no qual eu falo um pouco sobre o meu processo de criação de Na
Selva das Cidades e Máquinas do Mundo. Esses são dois projetos que eu fiz
com a Companhia Mundana e que são bem diferentes enquanto processos de
criação, mas parentes. Eu acho que vou falar deles porque acredito que eles
estão mais frescos na minha memória. O Na Selva das Cidades teve um primeiro
momento em que a preocupação era uma pesquisa de material, de relação com
o espaço, porque o fizemos em espaços não convencionais mesmo, desde uma
quadra na favela, até a própria favela em si, um salão paroquial, dentro do
CEAJESP, dentro do LobStore. Ali, tínhamos um movimento de descobrir o
texto, descobrir cada história... a cada quadro, descobrir quais eram as
atmosferas, as sensações... Eu acho que eu posso dizer que o que tem em
comum, em todos os processos, é uma preocupação: como eu traduzo as
minhas primeiras impressões, que vêm das leituras, das primeiras
interpretações, primeiros workshops, primeiras experimentações, em resultados
formais. Eu acho que isso é uma coisa que liga todos eles e cada projeto me dá
ferramentas diferentes para poder acessar esse tipo de coisa. Tem horas que a
minha relação é: como eu acesso esse espaço arquitetônico, para construir
essas sensações que eu tive, que são muito subjetivas, mas que, ao mesmo
tempo, tem uma objetividade, porque tem uma história a ser contada, um jeito
ou proposta estética x, y ou z, dependendo de cada projeto. Tem horas que essa
preocupação está em como provocar o público, a partir de guiar o olho do público
para ver o espetáculo. Tem horas que a minha preocupação está em criar uma
fruição estética... Máquinas tinha várias coisas que mexiam com as sensações
físicas, fisiológicas do olho, da estética, dos objetos... Eu acho que tem uma
preocupação de que a luz seja componente. Não consigo muito objetivar, porque
não tem uma ordem de preocupação. A última coisa que vem para mim, por
exemplo, é o mapa de luz, o rider. Eu fico muito irritada quando eu acabei de
começar um projeto e a pessoa já me pede o rider. Eu nem sei que tipo de
equipamento eu vou usar, se vai ser uma vela ou um refletor de 5.000 Watts, até
porque eu nem sei as sensações que me provocam para eu traduzir isso.
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Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
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Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
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Anexos – Entrevista Alessandra Domingues
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
A.S. – Para mim, a luz é material e imaterial ao mesmo tempo, pois ela
está no palco como algo material e ao mesmo tempo, quando é percebida pelo
público, é imaterial, num espetáculo que, plasticamente e cenicamente, esteja
de acordo com aquele mentor que nós temos que é a direção do espetáculo.
Então, ela tem esses dois aspectos, o aspecto material, quando você a realiza,
mas o sentimento, a percepção é imaterial. O raciocínio pode ser entendido
assim: coloque cinco pessoas responsáveis pela iluminação de uma cena e você
vai ter cinco projetos de luz distintos, criadas por esses criadores. Daí eu digo
que ela não é material porque ela não é matemática e não podemos ter o
conceito de que uma está certa e as outras erradas, são formas de ver e de se
mostrar e de entender. Eu estou fazendo uma peça agora com a Clarice Niskier,
que me fez gostar muito do Zeca Baleiro, eu já gostava das músicas dele, mas
ele é um poeta... Nossa senhora!
A.S. – Bom, Clarice Niskier, que não é a mesma Clarice de A Alma Imoral,
porque ela está só há quatorze anos fazendo essa peça..., mas, então, Nadia,
esse conceito da peça me fez entender que eu quero que me compreendam e
não que me aceitem, entendeu? Então, esse é o conceito de quem cria alguma
coisa. Eu costumo fazer uma brincadeira, mas é uma brincadeira muito séria...
Você, quando cria, se não for presunçoso... porque quando eu digo, as pessoas
que fazem teatro são presunçosas, porque elas acreditam que o público, o leitor,
seja visual ou audiovisual, que ele esteja entendendo todas as suas propostas,
coisa que não é verdade, mas se assim não fosse, nós não faríamos. Porque
nós temos que acreditar naquilo, na nossa obra, na nossa feitura. Então, é isso,
228 Entrevista realizada pela autora via Skype no dia 18 de março de 2020.
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
é entender que luz, aquilo que você já me ouviu falar, nada mais é do que mostrar
o trabalho dos outros. Isso é iluminar, e aí prende-se a esse conceito do material.
Para iluminar, você tem que ter a fonte luminosa ou a ausência dela.
A.S. – Porque você também ilumina ausentando a luz. Quando você tem,
no seu roteiro de luz, uma coisa que colocamos, aquele famoso BO é uma
memória da mesa, é um efeito de luz. Quando você ausenta a noção, a
percepção da luz, você está criando um efeito de luz, a ausência dela. Então
essa pergunta que você me fez do material ou imaterial, ela é muito vasta,
porque o material vai depender do que você entendeu, mostrar como essência,
plasticamente falando, a essência da cena que está sendo feita. Ela é somada
entre ator, diretor, cenógrafo, aderecista, diretor musical, coreógrafo... tudo
informa luz. Eu costumo dizer que o iluminador é um privilegiado, porque tudo
informa luz. Talvez por isso, quando me disseram: “hoje não vai ter espetáculo
por conta do decreto do nosso governador” (sobre o coronavírus), eu disse,
“caramba, eu gosto dessa merda, eu acho que o teatro realmente vale a pena”.
Eu gosto muito do que eu faço. Agora, se eu faço bem ou faço mal, isso é uma
outra história que vai depender de quem está me vendo, de quem está me
seguindo. Esse conceito de certo ou errado não existe, mas bem e mal, o bom e
o ruim, isso existe e vai depender das pessoas. De quem lê o teu trabalho.
A.S. – Olha, querida, eu acho que eu já trabalhei com todo o mundo teatral
brasileiro.
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
A.S. – Tem algumas pessoas que eu trabalho mais, não vou dizer
diuturnamente, mas eu trabalho mais constantemente, que é a companhia
Atores de Laura, os trabalhos de Moacir Chaves e mil outros diretores, graças a
deus. Eu estava tão feliz antes dessa história do coronavírus, porque dois
diretores chegaram para mim e falaram: “Aurélio, eu tenho uma falha na minha
carreira, você nunca fez uma luz para mim. O próximo espetáculo que eu fizer
você vai fazer a luz”. Isso abriu o meu coração..., mas trabalhar com um mesmo
diretor pode ser um perigo, porque você pode ter uma tendência a criar vícios
criativos. Ou seja, de você colocar uma coisa que eu digo que é tão inerente ao
nosso trabalho, que esquecemos dele às vezes, que é o ponto de vista. Aonde
está quem está nos vendo? Isso é tão importante, é nessa pedra fundamental
da criação que eu digo sempre, que quando você cria a luz, contraluz, lateral, no
chão, no alto, isso tudo vai depender de onde você está, esses conceitos de
angulações de luz que você usa no seu espetáculo vão depender de onde está
quem nos olha. E trabalhar com um diretor que você não conhece, isso estimula.
Não que o outro não estimule, porque tem uma coisa que é uma base do meu
raciocínio, Nadia... Quando me chamam para fazer um trabalho, a primeira coisa
que me vem à cabeça é uma pré-ocupação mesmo, que é “Eu vou estar à altura
dessa expectativa? Vou estar à altura, com o meu trabalho, do entendimento do
espetáculo que está sendo feito, que vai ser feito?” O nosso trabalho não é
matemático. Eu já vi muita gente boa que fechou portas de teatro duas ou três
semanas depois e disse: “Olha, não dá, e vamos fazer outra coisa, porque o
público não aceitou.” Trabalhar com um diretor que você está acostumado, tem
uma expectativa, tem sempre os dois lados da tal moeda, não é? Por um lado,
tem uma facilidade de expressão, de interlocução com essa pessoa, porque você
já está acostumado, você já sabe se naquele dia ele está aborrecido ou não está,
o que ele quer quando ele monta uma cena, você já tem o modus operandi e
conduz a tua criação dentro dessa proposta, haja visto que ele é o maestro da
história. Com um diretor que você nunca trabalhou, tem uma outra expectativa,
que estimula você a trabalhar, mas não é uma expectativa que vai te deixar
parado, você não pode deixar a novidade te travar, entendeu? E tem uma outra
coisa, um terceiro ponto de vista, que é o espetáculo. É isso, o que está sendo
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
feito, é que você vai tentar, junto do teu entendimento do que é fazer teatro,
dentro da tua atividade, que você vai fazer ou não fazer um espetáculo que pode
ser mais ou menos pirotécnico. Os musicais, já que eles estão agora tão em
evidência, eles exigem toda uma paramentação, porque o conceito de musical é
um conceito de efeitos luminosos. Muito embora eu confesse a você que eu fiz
a luz do show da Leila Pinheiro e o menino riu quando eu falei que eu não uso
moving light, eu uso stop light... (risos). Porque com Leila Pinheiro e um teclado,
você ficar passeando com o moving, mudando luz para lá e para cá, desculpa,
eu acho que é demais. Vamos ver a dona Leila cantar e a interpretação dela, e
não ficar viajando no éter da sua luz! (risos) Mas é verdade! É engraçado que
quando eu fiz a luz da Leila Pinheiro, eu me lembrei muito de você, daquele
espetáculo dos franceses, com um piano, era um francês e um brasileiro,
lembra? Eu me lembrei porque eu estava lá com a Dona Leila no teclado, ela
dizendo: “Aurélio, o show vai ser esse: eu e o teclado.” E teve, graças a deus,
um menino, que toca um cavaquinho de cinco cordas e que faz aquele
cavaquinho virar uma guitarra portuguesa, o garoto era excepcional. O
espetáculo tinha um up quando ele entrava, foram quatro ou cinco músicas junto
com a Leila. É um somatório, não é? Você vai trabalhar com Moacir Chaves em
um espetáculo e você vai fazer um segundo espetáculo com ele, ou posterior,
que no meu caso já não é mais o segundo, já estamos com mais de trinta
espetáculos feitos juntos, mas eu não sei, eu não tenho a certeza se vou atender
a todas as necessidades dele e se vamos chegar a um entendimento. Temos
um caminho, talvez um pouco mais fácil pelo respeito, pela forma de raciocinar
que nós temos, já encontramos uma forma de trabalhar. Porque um novo diretor
estimula, no fundo queremos que esse diretor seja uma pessoa que se agrade
do nosso trabalho e isso é muito importante no nosso dia a dia. O teatro me deu
essa possibilidade de ter uma... caramba, eu acredito que eu já conheci mais de
mil personagens nesses quarenta e quatro anos, não sei quantas peças eu já
fiz, mas são mais de mil personagens que eu visualizei como pensa, como
raciocina, como agem aqueles personagens, como age um diretor, um
contrarregra, uma atriz estrela. Uma atriz como Fernanda (Montenegro), que te
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
ensina a cada segundo que você trabalha com ela. E vamos assimilando..., mas
tem uma coisa: não existe regra na criação.
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
A.S. – Ô! (risos) Nadia, nas minhas oficinas... você já me ouviu falar disso,
eu digo que nós fazemos teatro no palco, mas a razão do teatro não está no
palco. A razão do teatro está lá na plateia. Inclusive, quando eu fiz essa peça
agora da Clarice Niskier, eu pensei, caramba, que bom, como é a ação
transformadora do teatro... Porque, é lógico e evidente que você pode ir tomar a
sua cerveja, tomar seu uísque ou sua caipirinha ou qualquer coisa para diluir um
pouco o fígado, mas a ação transformadora do teatro está sendo um pouco
relegada. Se está fazendo muito divertissement. Ou então, tem atores na nossa
atividade que querem “Eu! Eu sou! Eu faço! O público está aqui por minha
causa!” Desculpa, mas ele está fazendo um teatro errado.
A.S. – Olha, Nadia, isso que você falou da visão da iluminação e dessa
função, que nós somos os vetores, nós que eu digo, nós os criadores, nós somos
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
você acha que funciona” ... Quando eu usei pela primeira vez o pirex, eu fiquei...
eu digo, caramba, tem que ter um porquê de criarmos esses efeitos... Como o
Renato Machado, um iluminador aqui do Rio, que adora criar, fazer as luzes dele,
que têm sempre uma lampadinha pendurada... Ele adora a luz não formal, que
não é só com a luz dos refletores. É muito interessante, o trabalho dele. A história
dos pirex veio se repetindo até que um alemão disse que eu era multifacetado
nas minhas criações, entendeu? O Renatinho (Machado), que viajou com a
Companhia Aérea de Dança, quando chegou lá, e alemão falou que a luz era
multifacetada (risos). E o produtor não queria levar os pirex, quando o Renato
explicou, mostrou para ele a razão pela qual os pirex tinham que ir, venceu a
resistência do produtor e ele concordou: “não, o moving não faz isso”. Porque
ele tinha dito que lá tem moving e que o moving fazia... Isso que o pirex faz, o
moving não faz, não, entendeu? Isso é uma coisa que eu até posso te dizer que
é meio autoral. A lua que eu fiz em Os Impagáveis, que aliás, diga-se de
passagem, está estreando lá em Portugal... O Henry Panocelli e a Teresa Frota
estão lá, eles se evadiram, foram para lá. E o Henry dirigiu Os Impagáveis, que
tinha uma lua, e a lua foi feita com um queijo redondo de um metro e vinte de
diâmetro com um material plástico, que naquela época era chamado de lisolene,
ou seja, cortina de banheiro vagabunda. E eu botei duas lâmpadas mistas,
porque eu entendi, num dia que eu olhei para uma lâmpada mista num poste e
vi que a temperatura de cor era semelhante à temperatura de cor da superfície
lunar da lua cheia. Então, é quando você coloca mesmo a coisa como bem
autoral. O grupo de dança Primeiro Ato, que eu fiz a luz quando o Jorginho não
pode fazer, e ele falou: “chama o Aurélio”, e eu fui para lá... Pense, substituir
Jorginho de Carvalho! Meu deus do céu..., mas eu fui lá e tinha uma cena que
era Os Navegantes... eram os navegadores, toda uma coreografia, e era sobre
navegação... eu nem conversei. Na primeira vez que eu usei, tinham dois pirex,
nesse tinham quatro, porque tinha que pegar todo o palco para poder ter toda a
cena iluminada. Então, a criação, ela não está sujeita a nada, sabe... são fatos
que, quando trabalhamos, e você sabe disso, você é uma pessoa que cria as
tuas luzes, você sabe que não existe fórmula, não existe matemática. Um dia eu
cheguei para a Fernanda Montenegro, eu já te contei essa história, e falei para
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
ela... Lágrimas Amargas, mesmo texto, mesmo cenário, mesma luz, mesmo
figurino, mesmo elenco, mesmo teatro, um ano e meio em cartaz... E eu cheguei
para ele e disse: “Fernanda, me diz uma coisa, tudo isso é igual...”, mas eu, da
cabine, como naquela época eu já não tinha mais roteiro, eu já sabia a luz de cor
e salteado... Ah, sim, a mesa era uma analógica, não era mesa digital... Como
eu estava dizendo, eu sabia tudo, então eu ficava vendo muito o espetáculo e
eu falei para ela: “tem umas nuances que são diferentes no dia a dia”. E ela, com
a sapiência dela, me disse: “Meu amigo, se eu venho subindo a escada rolante
desse shopping e machuco o meu dedão do pé, eu vou fazer esse espetáculo
com o meu dedão doendo, e de alguma forma essa dor vai me provocar a fazer
diferente o espetáculo”. Entendeu? Então essa é a nossa criação. Tem uma
coisa de grande importância. As pessoas dizem que a luz é uma coisa que edita
e eu brigo, para que não seja solidificada, que a luz é fundamental no espetáculo,
mas eu digo que a luz é tão importante quanto. Agora, para você ter essa
tranquilidade de falar isso sem desmerecer o seu trabalho, é porque quando
você entende o porque da criação de toda essa equipe reunida, o seu trabalho
vai somar e ele vai aparecer como um trabalho de luz. Tem muita gente que
chega para mim e diz: “Aurélio, eu adorei a luz”, e eu digo: “Ah, que maravilha,
que bom, mas você ouviu o texto? Você viu o cenário? Você viu que ator
maravilhoso?” Então, quando o teatro tem o seu coletivo, o teatro se faz na
essência. E não é muito difícil de conseguir isso, mas ter esse uníssono no
coletivo, nas suas contribuições ao espetáculo.
A.S. – Olha não fala isso, não fala isso não, porque... Teve um espetáculo,
acho que ele esteve aí, O Filho Eterno, com Charles Fricks, direção do Daniel
Herz. Era um monólogo, do Cristóvão Tezza, do argentino, O Filho Eterno. Ele
teve um filho, excepcional e ficou reclamando com deus que o filho dele tinha
nascido defeituoso, mas depois ele entendeu, ele foi corajoso, ele botou essa
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
N.L. – Ela não acontece sozinha, nunca, mas no momento em que ela
está junto com os outros elementos, ela age junto com eles. Tão importante
quanto todo o resto, como você disse, e interagindo e compondo a cena?
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Anexos – Entrevista Aurélio de Simoni
A.S. – Ela tem uma materialidade sim, e você vê, isso é material. Agora,
como você vê é o imaterial, e aí vai variar de uma pessoa sentada na A1 e a
pessoa que está na A2 vai ver de uma forma diferente.
A.S. – Entendeu?
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
B.B. – Eu acho que é material, já que ela está presente no palco tanto
quanto o cenário e o figurino. A única diferença é que nós temos um sistema,
que a luz, diferente do cenário e do figurino, apaga, você consegue apagar a luz,
você tira a luz de cena, mas, com certeza, ela tem uma presença fortíssima, ela
está lá, com certeza.
229 Entrevista realizada pela autora via FaceTime no dia 20 de março de 2020.
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
N.L. – E apesar de toda essa materialização da luz, você acha que ela
tem, também, um lado imaterial?
N.L. – Não?
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
N.L. – Você falou dessa peça, que peça é essa que vocês iam estrear?
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
B.B. – Aliás, o tempo todo! (risos) Porque não adianta nada eu fazer uma
peça só com contraluz, só para mim, uma luz maravilhosa é para o ator dando o
texto. E o espectador, dentro de tudo isso, a iluminação é fundamental para o
espectador. Mas dentro desse teatro contemporâneo agora, tem diretor para
quem fazemos luz, que na peça você não enxerga quem está falando, então é
complicado, eu acho. Eu acho ruim o espectador não ver o rosto do ator. Eu,
aliás, eu fico perseguindo o rosto do ator para ver se está bom, para mim é isso.
Não é luz chapada, é luz lateral, qualquer luz, mas você tem que enxergar quem
está falando.
N.L. – Mas você não iluminar o ator também pode ser uma forma de
pensar no espectador, você não querer que ele veja o ator...
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
B.B. – É... Então, eu acho o seguinte, tem casos, é claro, em que às vezes
você não ilumina o ator, que é quando ele dá o texto no escuro, que tem a ver,
mas não é toda peça que acontece isso, então... Aliás, com certeza, às vezes
você ilumina o objeto em cena, e o ator fala o texto do lado, quando tem a ver
dentro da história, mas isso é difícil de acontecer, não é? Não é uma coisa que
acontece em toda peça, que é obrigatório. Eu acho que o que é obrigatório é a
plateia sentar e ver quem está falando. É o mínimo, não é? (risos)
B.B. – Eu acho que... aliás, esse termo novo eu acho que não tem nada
de novo, porque se o teatro não é colaborativo não sai a peça. (risos) Por mais
que o diretor seja um ditador, como era nos anos setenta. Aliás, eu acho
lamentável, o diretor achar que ele pode falar alto com alguém dentro de um
ensaio. O teatro é contra tudo, e aí aparece um ditadorzinho achando que é um
diretor, é um absurdo isso, mas vamos lá... Ou seja, por mais que o diretor ache
que é ele que manda, ele depende de todo mundo, está todo mundo ali, ou seja,
o teatro sempre foi coletivo, é isso muito bom, por isso que é bom fazer teatro,
porque é a arte de todo mundo. Ainda mais, assim, vamos supor, como no caso
com o Felipe, que tem uma equipe de criação, então, com certeza, é muito mais
colaborativo... Nossa, é uma coisa super... Mas você falou um negócio, ali, com
relação ao cenário, ao processo colaborativo... Eu acho que tem uma coisa que
foi fundamental na minha vida... Eu nunca me afinei muito com cenógrafo, sabe,
eu sempre achei cenógrafo meio egoísta, eu acho o cenógrafo egoísta, ele não
participa tanto do teatro quanto o resto das pessoas. Então, quando eu comecei
a trabalhar com a Daniela Thomas... Na verdade foi antes que eu comecei a
notar cenário, foi em Praga em 2011... Em 2007 e 2011, quando fui para a
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
N.L. – Você acha que hoje você tem uma colaboração maior com o
cenógrafo do que você tinha antigamente?
B.B. – Ah, com certeza! Eu acho que a partir da Daniela, minha relação
com o cenógrafo mudou.
B.B. – Sim, com todos os cenógrafos, porque antes eu não dava bola,
realmente, eu acho que eu aprendi a conversar com o cenógrafo.
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
assim, de a pessoa falar “vamos mudar”, mas, numa boa, claro... se eu achar,
se eu concordar, eu mudo...
B.B. – Ah, eu acho que, hoje em dia, eu dou muito palpite. (risos)
Principalmente, assim, quando eu conheço o pessoal e o diretor, como no caso
do Felipe, com a equipe de criação, é quase obrigatório todo mundo falar o que
pensa da peça, e isso ajuda muito, ele escuta tudo e se ele achar bom e quiser
usar, usa, e se não achar bom, também, não usa. Então, realmente, eu acho que
a liberdade que tem nisso, é muito legal. E tem diretor que fica na dele dirigindo
e eu acho isso uma pena, porque ele fica sozinho e às vezes você pode ajudar.
E dentro da pergunta que você fez, se hoje em dia eu dou muito palpite, com
certeza, eu acho que, também, pela experiência... Eu acho que, às vezes, você
ajuda muito, dentro da cenografia, até da marcação, você dá algum toque, e
geralmente, quando eu falo isso, é em função de melhorar a iluminação, sabe, o
ator entrar de uma lado, entrar do outro, onde eu possa entrar com a luz para
conduzir melhor a cena. Então, com certeza, você pode ajudar muito,
principalmente em emenda de cena, que às vezes o diretor tem dúvida e onde a
iluminação é fundamental, como na emenda de cena, então, geralmente, eu dou
muito palpite.
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
espetáculo. Você concorda com isso, com essa atuação, essa função ativa
na cena? E você poderia dar exemplos de algum espetáculo ou de alguns
efeitos onde você sente essa atuação da luz?
B.B. – Bom, eu acho que sim, como eu já falei da Não vejo Moscou da
janela do meu quarto, que é uma peça onde a luz era um personagem,
realmente, eram três atores e a luz era o quarto personagem. Com certeza...
57
Anexos – Entrevista Beto Bruel
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Anexos – Entrevista Beto Bruel
acender e apagar as luminárias, ficou uma coisa muito dinâmica. No final, até
tinha uma batalha, em cima da mesa, como se as luminárias virassem espadas,
iluminado por baixo, por cima, pelo lado... E depois eu senti a necessidade de
ter mais um ponto de luz, uma luz de apoio em cena, e coloquei uma luz dessas
de sinuca em cima, que ficou muito interessante, então, às vezes, em alguns
momentos, eles apagavam a luz deles e ficava só essa luz de sinuca, esse prato,
que ajudava muito, ficou com um resultado muito bom. Então, era uma coisa
muito simples, e ao mesmo tempo funcionou bem, tanto é que acabou sendo
indicado até para o prêmio, uma peça que custou 800 reais. Foi uma situação
criada por necessidade que acabou se tornando uma coisa muito interessante.
B.B. – Tem uma outra peça, A morte do cacheiro viajante, com direção do
Felipe (Hirsch) com o (Marco) Nanini. Isso foi em 2001, 2002, 2003, na qual a
luz era toda baseada na movimentação do Nanini, do corpo do Nanini. Então
todo o deslocamento, toda luz era junto com o Nanini, contracenava com ele,
não existia... Era impressionante, o Nanini girava para um lado, para o outro, era
muito sutil... A gravação da luz que foi feita, foi uma coisa demoradíssima, porque
era o Nanini, sabe, era ele que conduzia a luz, o corpo do Nanini que conduzia.
Era uma maneira especial... não era uma luz qualquer, ou seja, era uma luz que
estava junto com o ator.
N.L. – Acho que é isso, obrigada pelo teu tempo e pelas respostas.
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Anexos – Entrevista Christine Richier
230Entrevista realizada pela autora na ENSATT – École Nacionalle Supérieur des Arts et
Technique du Spectacle, em Lyon na França no dia 04 de março de 2020 (tradução da autora).
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Anexos – Entrevista Christophe Forey
N.L. – E você acha que essa luz material também poderia ser usada
em uma peça, em um espetáculo que não seja um show, por exemplo?
231 Entrevista realizada pela autora em Paris no dia 20 de janeiro de 2020 (tradução da autora).
61
Anexos – Entrevista Christophe Forey
feita. Ou na dança, isso é feito muito desde os anos 80. Isso surgiu com os
moving lights cuja luz se move e, de repente, se assumimos seu lado mutante e
móvel, são parceiros, totalmente. Mas depois, a luz imaterial, ela intervém
completamente na narração e na sua narrativa. Só porque é imaterial, não
significa que não exista, imaterial significa que você não pode pegá-la com a
mão, mas ela existe.
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Anexos – Entrevista Christophe Forey
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Anexos – Entrevista Christophe Forey
C.F. – Basicamente, o ponto de vista em geral, eu sei que ele não muda
muito na plateia porque, caso contrário, seria necessário refazer tudo o tempo
todo e, em uma primeira vista, é principalmente o centro da plateia, um ponto de
vista comum. É o ideal e depois, os pontos de vista laterais dos espectadores,
só se existem lugares infernais, problemas de reflexão, mas esses são casos
muito pontuais, muito do tipo, aqui têm um espelho e a luz que bate nele, aí não
é possível, mas isso é técnico, muito preciso e buscamos a solução para essas
coisas, que não fazem parte da criação, mas que, efetivamente, levamos em
consideração se acontece de cegar metade da plateia durante todo o espetáculo,
isso não é interessante, mas esse é um segundo momento. Quer dizer, não é
exatamente um segundo momento, pois se houver janelas para todo lado, é
necessário levar isso em consideração primeiro, porque, caso contrário, não
funcionará, mas é mais uma questão técnica. É isso.
C.F. – Sim, sim, claro que sim. Digamos que a luz, em princípio, é uma
das linguagens... O teatro, a dança, existem vários tipos de atividade que
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Anexos – Entrevista Christophe Forey
trabalham juntos para criar uma obra de arte e em seguida cada uma delas tem
sua própria linguagem para alcançar uma emoção, para transmitir algo porque o
que é o teatro? É isso... tem quem escuta e assiste e tem quem fala e se mostra
e é isso, é sobre como criar uma relação entre esses dois mundos, que é um
relacionamento totalmente artificial e voluntário e o que é específico do teatro
comparado à vida cotidiana, quando nós passeamos e olhamos as coisas na
rua, é que existem pessoas que organizam o que é visto e, portanto, como
criamos, ou melhor, tentamos criar uma obra de arte com isso, organizando esse
tempo de uma hora ou duas horas ou três horas ou quatro horas que, nesse
tempo, as coisas são organizadas para serem observadas e se tornarem uma
outra coisa real, viva, mas que é organizada, ao contrário da vida real, que pode
ser tão bonita quanto ou ainda mais, mas cuja organização nos escapa.
C.F. – Isso. O que é bom, mas mesmo assim... Bem, vou voltar para a
terra, então, sim, eu disse, cada um tem seu meio, de fato, então o cenário
também vai contar algo, o ator vai dizer que cortamos as árvores, o figurino vai
contar uma época, vai passar uma emoção do personagem, dizer se é um
personagem vulgar ou chique, e isso faz parte do que o ator representará, então
a luz, da mesma forma, vai contar uma história, vai criar um ambiente, trágico,
triste, alegre, mais escuro, mais brilhante, com mais contraste, mais quente, mais
frio e ela também participa do ritmo, da passagem do tempo. Uma das grandes
diferenças entre a luz no cinema e no teatro é que, no cinema, ela atua apenas
na imagem, de uma maneira muito, muito importante, mas não age com o tempo,
porque é a edição no cinema que faz o tempo. Assim, no teatro, na coreografia,
a montagem do cinema é substituída pela operação da luz e pelo ritmo dos
efeitos, o tempo. Se um efeito dura três minutos até acender uma luz, não é nem
de longe o mesmo que se houver cinquenta efeitos que durem três segundos
cada, é claro. Porque, de repente, isso cria uma edição fracionada, acelera as
coisas, como se pode ver em um musical, onde tem vários efeitos por minuto e,
de repente, a luz segue cada movimento da sobrancelha do ator. Em um teatro
mais diferente, que eu faço com mais frequência, o tempo da luz vai ser longo,
65
Anexos – Entrevista Christophe Forey
enquanto que a atuação do ator vai ser rápida e, então, essa atuação lenta é
valorizada porque a luz é longa, como na música, pelo contraste. Ah, sim, eu
esqueci de falar da música, mas tudo bem. Porque, no que diz respeito ao tempo,
o trabalho sobre o tempo da luz é o mesmo, ele colabora com a música ou com
o sonoplasta, porque é principalmente o som e a luz que dão esse ritmo da
montagem no teatro. Portanto, há uma parceria muito, muito importante entre
música e luz. Sim, então existe essa história, existe ao mesmo tempo a criação
de atmosferas, de ambientes, de sons etc. e de dar um ritmo.
C.F. – Isso. E, de repente, dessa maneira, a luz participa, ela conta uma
história.
N.L. – E então, quando eu digo que a luz atua no palco, isso significa,
digamos, uma ação visual e narrativa, na sua opinião?
66
Anexos – Entrevista Christophe Forey
67
Anexos – Entrevista Christophe Forey
mesmo, no qual você pode dizer que a luz transformou as coisas, como
você diz?
C.F. – Na verdade, eu não diria nesses termos, eu diria que a luz participa
da escritura do espetáculo, que o espetáculo não existiria sem a luz, eu não
transformo as coisas, eu as faço. Antes não havia nada, é como quando não há
cenário, não há cenário, podemos dizer que o cenário transforma o espaço, mas
não dizemos isso, dizemos que ele é instalado, com a luz é a mesma coisa, a
instalamos. E a cada vez... enfim, o ideal é quando a luz encontra a atuação do
ator e acontece algo mágico que funciona, e isso às vezes acontece e às vezes
não.
C.F. – Sim, sim, sim, sim, mas eu teria que mostrar com fotos ...
N.L. – Ah, tudo bem, podemos fazer mais tarde. Mas está bom, acho
que é isso, muito obrigada.
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Anexos – Entrevista Claudia de Bem
C.B. – Eu considero a luz as duas coisas. Tenho uma relação da luz com
o olhar, essa é a minha maior relação. Eu acho que a luz me conduz e me ensina
a olhar as coisas. Acho que é uma dialética entre o que eu estou vendo e o que
eu não estou vendo. Essa duplicidade está sempre junto. O primeiro conceito de
luz é que ela torna as coisas visíveis. Aprendemos assim, mas ao mesmo tempo,
para mim, luz é muito mais do que isso. É a maneira como eu vejo o mundo e
como eu vejo as coisas. Como eu torno as coisas visíveis.
232 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia em São Paulo no dia 27 de janeiro de 2020.
69
Anexos – Entrevista Claudia de Bem
com a luz, é uma coisa que eu tenho estudado bastante, então posso responder
com bastante certeza. Eu sou uma pessoa nada pragmática e gosto deste meu
traço, de ver o processo e de não ver sempre igual, de não ter cartas na manga,
de entrar zerada a cada novo desafio. De pensar como se eu nunca tivesse
realizado uma contraluz que funcionou, uma lateral ou uma diagonal. Sempre
que eu penso luz para qualquer ação artística, seja o que for, eu crio uma
narrativa. Não sei se porque venho do teatro, mas eu sempre crio narrativas e
construo imagens dessas. Desde criança, eu aprecio muito desenhar e pintar, e
utilizo muito isso quando entro num processo de criação de luz. Gosto do termo
desenho de luz. Nos ensaios, levo comigo papel e lápis colorido. Este tipo de
representação me auxilia na composição das cenas. Quando o processo tem
texto, eu nunca gosto de ler antecipadamente. Às vezes me limita, então, a não
ser que eu dirija o processo, eu prefiro não ler. Acho que o primeiro contato deva
ser com a leitura do encenador sobre a obra.
C.B. – Eu sempre trabalhei com muita gente, mas acho importante ter um
diálogo estético mais desafiador e uma identidade com o diretor ou o grupo, é
muito ruim quando só você está enxergando. É um sinalizador de que algo está
errado comigo, na forma que estou no processo. Eu sou uma pessoa
extremamente primorosa com estética no meu trabalho e tenho TOC com
acabamento, mas nem sempre é assim. Quando eu trabalhei com o diretor Biño
Sauitzvy, isso foi bem no início da minha carreira, eu tive uma empatia com a
forma como entendíamos o espaço de encenação. Fizemos várias obras do
Beckett. Me sinto privilegiada por ter tido, cedo, uma experiência tão profunda
com o teatro. Apesar da minha inexperiência, eu conseguia criar num ambiente
de afinidade cênica. Aprendi, ali, sobre a qualidade e a dramaturgia da luz. Já
na companhia Incomode-te, com o tempo e a experiência, começamos a
trabalhar com o espaço, a luz e a cena numa relação mais orgânica, criando uma
70
Anexos – Entrevista Claudia de Bem
71
Anexos – Entrevista Claudia de Bem
C.B. – Eu concordo e acredito nisso. A luz é essa ferramenta que faz com
que as pessoas enxerguem mundos diferentes, se emocionem, reflitam, etc.
Apesar de, às vezes, não termos esse lugar para ela, como nós iluminadores
gostaríamos, por inúmeras questões. Nos comprometemos com que isso
aconteça e sabemos que isso acontece e por isso é tão importante acreditarmos
nessa potência. A dimensão que a luz pode alcançar numa obra e no espectador
é infinita.
72
Anexos – Entrevista Claudia de Bem
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Anexos – Entrevista Claudia de Bem
74
Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
C.F. – Então, eu acho que a luz tem uma existência material, concreta,
que atua sobre os corpos, ela é vibração, atinge o olho e cria impulsos elétricos,
frequência de ondas que viram imagem no cérebro e tem toda uma interação
com o material e o concreto, mas na cena ela também pode ser um canal de
comunicação entre o que é material e o que é imaterial. Isso ocorre
principalmente na medida em que a luz atua no visível, não necessariamente de
modo conceitual, mas pode provocar a imaginação e a participação ativa da
plateia e, nesse sentido, ela é imaterial… É relação e propicia a projeção da
subjetividade da plateia, da imaginação, da abertura para o que não é dito e é
sentido, mas que não poderia ser explicado.
233 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 20 de abril de 2020.
75
Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
que eu posso dizer que a luz me ensinou a dirigir e a direção orientou meu foco
de olhar para a luz encenadora. Eu acho que isso é uma primeira fase em que
eu trabalhei muito.... fiz show, ópera, espetáculos pelo Brasil todo, além da
minha companhia. Uma segunda fase, depois de ter trabalhado muito, foi entrar
no Teatro Oficina, onde eu passei dez anos trabalhando só com o Zé Celso e
com o Oficina, abrindo o teatro junto. Eu estava lá como um elemento do grupo
para o que fosse necessário e, também, como assistente de direção. Por muito
tempo, eu fiquei nas duas funções e foi onde eu realmente pude ver um trabalho
com continuidade, com pesquisa, uma pesquisa específica e para um tipo de
linguagem que eu estava criando junto. Ali, no Oficina, eu atingi um trabalho mais
maduro e que estabelecia uma articulação estruturante de tempo e espaço,
porque as cenas, todas, têm muitos planos, e que se misturam, e cabe à luz
separar esses planos sincrônicos, colocá-los em realidades diferentes e
relacioná-los. Fora que o foco do olhar precisa ser muito direto e apolíneo, mas
sempre com o improviso…. Daí a criação de quatro pessoas que participavam
ativamente, cantavam as músicas e operam os pin-beams, que depois viraram
loko lights… Sempre tínhamos um roteiro muito preciso desse plano, focado para
que fosse possível jogar com os outros e improvisar, colocando a plateia em
cena, tirando a plateia, entrando na cabeça da personagem ou explicitando o
teatro e mostrando tudo. O Oficina tem uma relação muito direta com o público,
é um rito presente e muito aberto. Nesse sentido, a operação... e eu sempre
operei a luz, é sobre estar junto e ter esse aprofundamento da linguagem da luz
como uma atuante na cena e na relação direta com a plateia. Eram cinco ou seis
luzes diferentes na plateia dependendo do tipo de interação e relação com o
espaço naquele momento. Eu consegui fazer umas pesquisas bem específicas,
com todo um plano de iluminação pública gelatinada, porque ela tem outra
densidade… Lâmpadas industriais como os HQIs, as lâmpadas mistas e de
sódio… Isso tudo com cor! Então, eu usava sódio com vermelho, HQI com verde,
lâmpadas mistas com azuis e algumas HQIs sem cor para dar um aspecto de
luz de estádio. Existia também o blecaute em cor, uma interação mais poética e
sensorial. Haviam muitos planos: um cria a história, outro conduz pelo espaço,
outro que cria diferentes realidades. Eu fiquei 10 anos ensaiando junto e isso é
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Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
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Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
como foi a minha experiência de 10 anos no Oficina, onde a luz era feita durante
o ensaio. Às vezes, no meio do ensaio, porque os ensaios são longos e nas seis
ou oito horas de ensaio dava para montar, experimentar… Espetáculos longos,
mas ensaios lentos e que voltam muito. Essa é uma experiência muito específica
de criação de uma linguagem, mas há outros muito importantes, como é o caso
do Guilherme (Bonfanti) com o Vertigem, a Alessandra (Domingues) com a Cia.
Livre, onde eu dirijo, que são possibilidades de desenvolvimento de uma
linguagem e de uma poética comum entre todos os elementos da cena e todas
as pessoas que compartilham a criação.
C.F. – Eu sempre dirigi e a luz veio junto. O que acontece é que gosto
muito do processo de criação no bate bola, na reflexão conjunta e eu faço tudo
em coletivo, não sou muito da solidão, de pré-planejar, fazer só na minha cabeça
e tudo para mim vem da vibração conjunta da criação teatral. Então, quando eu
dirijo, essa relação é fundamental, porque é lógico que eu não deixo de ser uma
pessoa que sente ou que vê através da luz, mas a liberdade da Alessandra e a
pesquisa dela, como tem sido desenvolvida, me atravessa completamente,
então eu acho que é mais o como você conversa, fala… Mas para mim é sempre
importante, às vezes, até agora eu gosto de iluminar junto com os alunos, ou
com jovens iluminadores que foram meus alunos ou alunas… Eu gosto de
trabalhar em coletivo, experimentar junto e isso me provoca.
C.F. – Ela é tão profunda que, em geral, começa como meu assistente e
acaba assinando junto, porque chega uma hora que você não sabe, porque não
tem propriedade privada sobre a criação quando você bate bola. Lógico, as
relações vão se fazendo, a atuação da pessoa mais comum, receptiva ou mais
como propositiva. Depende da maturidade e do desenvolvimento da experiência
78
Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
de cada um ou cada uma, mas, normalmente, vira uma parceria e é uma via de
mão dupla, em que se aprende dos dois lados. E também, o fato de que, nos
dez anos do Oficina, eu operei, e a operação fazia parte da atuação ao vivo da
luz e, muitas vezes, alguns espetáculos me levavam a entrar em cena, como é
o caso de Para dar um Fim no Juízo de Deus. Em Bacantes, eram sete horas de
espetáculo nas quais eu realmente improvisava e sabia o número de cada
refletor, cantava junto… Eu estava em cena, e isso me permitia um tipo de
atuação ao vivo que a peça me pedia. Ham-Let, ao contrário, embora a luz fosse
muito simples e o teatro ainda não estivesse acabado, nós improvisamos porque
podíamos chegar a vinte mil quilowatts, só, pela amperagem que tínhamos e que
era muito restrita. Mas o roteiro, principalmente os pin-beams e a relação entre
geral e contra, focos muito precisos… Nós tínhamos um roteiro de cinquenta
páginas, de quatro fileiras. Toda a movimentação de focos era muito precisa,
enquanto outras coisas eram improvisadas, mas sempre pensando sobre a
presença da luz no palco e na plateia, que estava sempre em contracenação
profunda com os atores, junto com eles. Uma luz ativa e atuante.
C.F. – Eu acho que a luz participa da ação, quer seja com a interação da
sua materialidade, vibração, foco e sua escrita, mas também na experiência de
entrar em cena com lanternas ou pin-beams e ser uma parceira presencial na
atuação e de maneira corpórea. Em Para Dar um Fim no Juízo de Deus, eu
estava em cena com figurino, tinha falas e operava luz ao mesmo tempo, tinha
um foco sobre mim. Então, tem muitas formas de explicitar e atuar ao vivo, e faz
parte da pesquisa do Oficina uma atuação que não é representativa ou que
simboliza, mas que presentifica, atua junto e é ao vivo. Eram várias pesquisas,
mas que tinham espaço para serem aprofundadas e terem continuidade. Foram
dez anos em grupo, num teatro que é o mesmo espaço, ensaiando seis ou oito
horas por dia, lendo e estudando junto. É uma outra possibilidade de
aprofundamento da atuação da luz na cena.
79
Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
G.V. – Você pode falar um pouco sobre a relação que tem com o
espectador e com a comunicação, que é tão importante na sua fala.
C.F. – Acho que muda bem e vai desde o exemplo do Ham-Let, em que
ele é o motor condutor da peça e a luz, ao vir junto, é um pouco o narrador de
Ham-Let. Outras vezes ela vem de fora e é uma escrita de orquestração do
espetáculo. Em outras, é muito no feeling com o ator ou o dançarino, mas em
espetáculos de improviso e em dança, acontece muito de você contracenar e
estar em dueto. Eu acho que depende muito de cada espetáculo, porque quando
você constrói uma criação, é muito importante experimentar, mesmo!
Ultimamente, eu tenho tido vontade de entrar em cena com lanternas, luzinhas,
estar em cena, cada vez mais junto, tudo muito simples, mas atuando ao vivo e
com o meu próprio corpo em cena mesmo.
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Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
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Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
G.V. – Você pode me dar algum exemplo dessa atuação da luz no teu
trabalho e que tenha sido significativo para ti?
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Anexos – Entrevista Cibele Forjaz
projeção. Essa pesquisa dos panelões de iluminação pública criando esse fundo
em cor e que você, também, se tem uma linha de luz sobre um ator, a plateia
também vê que ele ainda está lá, mas que está em um fundo azul, o que difere
completamente o que é escrito ou iluminado com luzes quentes, que também é
estética e poética. É uma delícia ser iluminadora, por isso é uma gama de
possibilidades de processos criativos e de experimentação com fontes diversas
e formas de atuações… os atores. Eu lembro de ter visto Hamletmachine, do
Marcio Aurélio com a Marilena Ansaldi, que operava alguns refletores em umas
torres que tinha um dimmer para cada refletor e ela ia lá, subia, ligava e mudava
de lugar. Isso era uma utilização explícita de um elemento de linguagem e que
também é poética, porque ela fazia isso dançando e integrava tudo.
C.F. – Não, eu acho que é uma relação conjunta, porque ela não existe
sem um corpo que a reflete, uma fumaça, um corpo humano ou a plateia, o
espaço… não acho que existe nenhuma escrita própria na linguagem do teatro
e todas vão de encontro à construção conjunta. Quando é meu cenário, minha
luz, minha cena, isso não tem nada a ver. São planos que se articulam, falam
juntos, se enredam, e é uma teia que precisa de organicidade e harmonia, ou
um contraste explícito desejado, mas a escrita é em conjunto e polifônica. Não
penso e não faço nada sozinha e por isso precisa vir do ensaio, mas tem uma
articulação visível muito forte e uma orquestração de como os vários planos do
que é visível se enredam. A luz, nunca sozinha, mas sempre junto dos outros
elementos e por isso que não é só estrutural como também estruturante da cena.
É nessa articulação na verdade.
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Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
E.T. – Eu considero difícil dar uma resposta para essa pergunta sem levar
em consideração abordagens técnicas ou científicas. Do meu ponto de vista é
impossível pensar nessa reposta quando relacionamos os conceitos de material,
ou negando isso, e imaterial. É muito difícil, para mim, não levar em conta os
aspectos técnicos e científicos. A minha resposta é justamente a dificuldade de
pensar nisso sem aspectos técnicos ou científicos. O primeiro ponto é que, para
o ser humano poder fazer esse tipo de pergunta, ele precisa da luz no seu
aspecto material, afinal de contas, nós só estamos aqui, eu e você e a vida, de
modo geral, no planeta, por causa da fusão nuclear, só porque o sol está
transformando hidrogênio em hélio. Eu não consigo me desvincular disso. A
minha resposta é que a luz é tanto material quanto imaterial. Afinal de contas, é
a luz que nos elabora aqui e a nossa presença só é possível por causa da luz ou
da sua condição científica. Por outro lado, a natureza humana e o como ela se
constitui, inclui essa abordagem imaterial, filosófica, subjetiva. Hoje, vivemos na
era da subjetividade e as questões mentais definem tudo ou grande parte das
coisas para determinada categoria de pessoas. Então, a minha resposta,
simplificando, seria: a luz é tanto material, uma vez que agora o sol está
transformando hidrogênio em hélio e nos faz existir aqui e esse existir inclui os
aspectos humanos de subjetividade e de ordem psicológica, então o homem
opera com a luz nas instâncias material e imaterial. Aliás, na minha pesquisa de
doutorado eu evitei, por estratégia, usar analogias entre luz e conhecimento, luz
e sabedoria, exatamente para mostrar que é possível tratar a luz sem esse viés,
mas que o ser humano não consegue. É impressionante como na área das artes
cênicas, da performance, muita gente usa, como em outras áreas, a luz como
234 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 22 de janeiro de 2020.
84
Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
E.T. – Varia sim, mas aqui em Salvador, nós temos uma relação especial
entre a universidade e o teatro de modo geral, porque é muito difícil você
encontrar um profissional com relevância no mercado baiano que não tenha
contato com a universidade. Nós temos um mercado amador muito forte, temos
no Teatro Vila Velha, bastante importante para a cidade, uma linha de teatro
experimental onde se poderia pensar em uma distância com a universidade, que
eles chamam de universidade livre, mas impressiona a quantidade de pessoas
que lá estão e que têm trânsito na universidade. Então, na Bahia, em Salvador,
não se pode trazer esse modelo que temos em outros lugares com o teatro
universitário e o teatro profissional. Temos um ambiente muito mixado com
essas duas vertentes. Então, eu trabalho há muito tempo para uma companhia
que se chama O Teatro Nu, cujo diretor se chama Gil Vicente Tavares, que foi
meu aluno e orientando. Eu fiz o projeto de luz e de cenário para o espetáculo
de formatura dele e trabalhamos juntos há quase duas décadas. Acabamos de
fazer uma ópera completamente distanciado da universidade. Então, eu trabalho
tanto com esse grupo e outros, que não estão necessariamente vinculados com
a universidade, e vez por outra sou convidado por diretores que não têm
trajetórias acadêmicas, mas que passaram pela universidade. Aqui na Bahia, é
muito difícil fazer uma fronteira. Se você me chamar para fazer um projeto de um
85
Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
E.T. – É claro que faz diferença, como eu disse para você, o diretor do
Teatro Novo foi meu aluno e na peça que eu fiz cenário e figurino ele ganhou o
prêmio revelação do ano. É uma pessoa com quem eu trabalho há duas décadas
e ele era muito jovem quando nos conhecemos e agora é uma personalidade do
teatro baiano, com muitos louros. Eu continuo sendo apenas o técnico que
trabalha ali na iluminação, em que eu entendo que cada evento que eu vou me
envolver eu me coloco aberto e, para mim, a palavra-chave é flexibilidade. É
importante que eu esteja aberto para compreender a proposta de qualquer
projeto e tentar descobrir de que modo eu posso contribuir. Quando você fala
um dramaturgo, eu entendo como o autor do texto dramático e literário formal. O
autor de uma peça, caso esteja vivo e a sua disposição, você pode conversar
com ele, mas a maioria dos autores dos textos que montamos não estão nessa
condição, então nós precisamos nos abrir para o texto, que, em minha opinião,
se for um texto de qualidade, pode fornecer material suficiente para que alguém
que trabalhe com iluminação faça o seu projeto para a cena. Às vezes, tem
diretores que, ao conversar comigo, estranham o fato de me pedirem um ponto
de vista e eu pergunto se já tem elenco, porque eu gosto de ouvir os atores.
Muitas vezes, o registro da voz, o timbre, a maneira como um ator empresta a
sua voz na elaboração de uma personagem, na sua relação com a outra e em
contrates que me geram imagens. Tudo o que acontece na cena me provoca,
porque na minha abordagem, o teatro, dança, performance, cena... são tantos
86
Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
nomes, mas que têm a sua origem do termo latino compósita, ou seja, se você
tirar um elemento daquilo ali, aquilo se transforma em outra coisa. Quando você
tira um elemento e coloca outro, essa natureza que chamamos de espetáculo,
de cena, será então uma arte compósita, criando uma outra realidade, uma nova
natureza. Em um espetáculo, a cor de um figurino, a textura de um cenário, a
música que você vai usar, tudo tem uma contribuição que só aquele aspecto
pode dar. Para mim, essa é a natureza importante da nossa atividade. Os
aspectos que compõe a nossa atividade, têm outras questões particulares que
os compõe.
87
Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
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Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
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Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
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Anexos – Entrevista Eduardo Tudella
que estava lá quando a personagem perguntou sobre as cores dos vícios, que
eu já te falei, e a partir dela eu criei imagens mentais. Eu trabalhei para
transformar essas imagens mentais em efetivas na cena e visualizáveis para o
público. Quando o público entrou em contato com o espetáculo, cada um dos
espectadores visualizava a partir de suas próprias interpretações, afinal, nós
temos a sensação, ao ver, e depois a percepção, que chamamos na psicologia
de imaginário, onde você congrega a tua experiência de vida como um todo para
compreender o que você viu. Eu agora estou descrevendo isso para você, então
eu tenho a imagem que está na minha memória, a imagem do texto, a imagem
que eu elaborei, a imagem que eu criei no espetáculo, essa que eu descrevi para
você e essa que você criou... são seis coisas. Por isso, em minha opinião, é
impossível gravar um vídeo ou fotografar, ou descrever um espetáculo, porque
ele só existe no momento em que ele está acontecendo. Se eu descrever um
efeito para você, ele vai ser essas seis imagens, e o efeito é sempre um
movimento. Então, eu posso fazer uma peça inteira sem efeito, mas o efeito é
um elemento necessário para construir esse discurso da cena. Imagine se eu for
descrever para você: quando eu fiz Mestre Aroldo e Os Meninos, a transição de
dia para noite durava 40 minutos... e como eu vou descrever isso? O espetáculo
é superimportante para o ser humano porque é o único evento que você precisa
do artista e do observador ali, presentes, para acontecer. Por isso que, há muito
tempo, se diz que o teatro vai acabar e nunca acaba. Eu acho isso
importantíssimo. Minha resposta fica assim porque ela toca em muitos aspectos
da minha pesquisa, que hoje não é mais em iluminação, mas é em imagem.
91
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Eu diria, em princípio, que a luz só pode existir se houver algo para
receber a luz. A questão é sobretudo o fato de que a própria luz não existe, nós
só a vemos quando ela atinge um corpo, um objeto ou um espaço. Então, de
alguma forma, eu percebo particularmente o seu lado imaterial porque enquanto
não há nada, não podemos vê-la. E ela não ganha vida, a luz só se torna matéria
quando há um corpo ou um objeto a atravessa. Então, quando não há nada, ela
é imaterial e, quando há algo, ela se torna matéria.
E.R. – Sim, quando algo a atravessa, é isso, ou quando ela própria atinge
algo, quando há uma interação com outra coisa. É isso.
E.R. – Não, não, não necessariamente, sobre isso podemos dizer que a
dramaturgia da luz é, pode ser simbólica, pode ser factual, pode haver muitas
coisas, isso é ainda mais um dado, é, em termos de escrita, a luz é uma outra ...
sim, ela pode ter uma gama muito ampla nesse sentido.
235Entrevista realizada pela autora em Paris no dia 06 de fevereiro de 2020 (tradução da autora,
original ao final dos anexos).
92
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Varia muito, mas tenho grandes afinidades e há pessoas com quem
trabalho há muito tempo. Eu trabalho em várias áreas, digamos, no teatro, no
circo, na magia, e nesses grupos eu tenho minhas companhias ou meus
diretores aos quais sou bastante fiel.
E.R. – Bem, o último exemplo de processo novo que eu tive foi no ano
passado, quando fiz a criação da luz de Fauves para Wajdi Mouawade, Essa foi
a primeira vez que trabalhei para ele, eu não tinha visto nenhum espetáculo dele
e ele não tinha visto nenhum espetáculo do qual eu tivesse feito a luz. Então, foi
realmente uma descoberta dupla e o que posso dizer é que foi preciso de um
tempo longo para nos conhecermos, pois ... é sempre muito difícil falar sobre luz,
de repente todo mundo usa palavras diferentes, um vocabulário diferente e,
portanto, só entender a linguagem do outro, saber quando ele diz: “não sei, não
gosto de luz dura”, por exemplo, o que isso significa, luz dura para essa pessoa?
Ou depois, Wajdi me conduziu a um lugar de cores que era bastante incomum
para mim, e, de repente, eu também tive que buscar em mim coisas novas e
coisas completamente desconhecidas, completamente diferentes, é isso. Nesse
caso, isso te obriga a fazer um pouco o trabalho de um tradutor, de um intérprete,
para entender o vocabulário do outro e, em seguida, procurar em si mesmo como
responder, como estar presente e que lugar da criação ativar, por assim dizer,
então é super enriquecedor, porque me mostrou lugares muito potentes, foi
realmente uma colaboração e um encontro muito, muito, muito forte, mas
extremamente cansativo porque nessa situação, nós não temos nenhum ponto
de apoio, por assim dizer, é um lado totalmente novo, de repente, como por
exemplo, com Galin Stoev, com quem já fiz quase uma dúzia de criações, devo
93
Anexos – Entrevista Elsa Revol
ter feito perto de sete ou oito, já não é preciso nem conversar, as coisas fluem,
rolam, são muito mais fluidas e, de repente, há um lugar de tranquilidade que
permite que você se coloque em um estado de pesquisa, por assim dizer, mais
fluido, mais seguro. Às vezes, isso pode ter a desvantagem de te acomodar;
você não pode se deixar levar demais, por assim dizer, enquanto que, quando é
tudo mais novo, isso faz com que você esteja em constante atividade, é isso.
E.R. – Sim, correu muito bem, foi muito, muito, muito desafiador. Muito,
muito, muito desafiador, mas correu tudo muito, muito, muito bem, mas por outro
lado foi de uma intensidade fenomenal, sabe, foi muito... é isso. Mas sim, sim,
correu tudo muito bem. Eu revi o espetáculo depois, pois ele ficou em cartaz
mais de um mês no Colline (Théatre National de la Colline), então eu pude vê-lo
depois de dar um bom tempo para as coisas se estabilizarem antes de rever o
espetáculo e, ah sim, foi ótimo. Mas, mesmo assim, tinha uma sensação de não
ter concluído o processo, porque todo o tempo que passamos nos conhecendo,
descobrindo e entendendo um ao outro, foi um tempo que não foi completamente
dedicado para a luz do espetáculo propriamente dita. Durante esse tempo de
reconhecimento tinha também o espetáculo que estava sendo construído, então
de repente, eu acho que acabamos correndo muito contra o tempo, porque
tínhamos que fazer as duas coisas ao mesmo tempo, se conhecer e fazer o
espetáculo, o que acabava sendo uma tarefa dupla, é isso.
E.R. – Ah, sim, é claro, porque já existe uma linguagem comum que foi
construída em conjunto e, desta forma, já começaremos de algo instituído
enquanto que, na primeira vez, começamos do nada.
94
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Sim, sim, há uma diferença muito grande, mas é uma diferença
emocional, na verdade. É que eu realmente tive a impressão de estar indo para
um lugar estrangeiro, de estar constantemente estimulada por cheiros, gostos,
ver coisas, uma língua que eu não conhecia e, de repente, quando estamos
assim, num lugar estrangeiro, nós somos super estimulados e de repente nos
encontramos em um estado criativo muito forte, que é quase, por assim dizer,
instintivo e com uma reação muito reativa, digamos, enquanto que quando
trabalho seja com o Galin ou seja com o Vasil, com quem eu estive ontem à noite
na estreia, que são pessoas muito mais conhecidas, então com eles eu tenho a
impressão de estar em casa, de poder assentar as coisas, de poder ser eu
mesma em um lugar de tranquilidade e, de repente, de buscar profundamente
coisas que são... que vêm com calma e serenidade, enquanto que do contrário,
são coisas que vêm de muito fundo, mas muito mais subconscientemente, eu
não sei como explicar, muito mais reativamente, como uma reação. Assim, eu
diria que eu acho muito bom encadear os dois, e não estar apenas em um tipo
de trabalho ou no outro, porque isso permite que você experimente diferentes
situações da criação, é isso.
95
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – No circo, há uma dimensão de perigo na qual a luz tem uma enorme
parcela de responsabilidade, portanto, quando eu trabalho no circo, onde há
atrações e demandas específicas das coisas que são possíveis ou não
possíveis, como por exemplo, um malabarista que não pode ser ofuscado
quando olha para cima e joga suas bolas porque precisa vê-las, então, mesmo
que não haja perigo físico para ele, resulta na incapacidade para fazer o que tem
que fazer, um equilibrista que precisa ver a corda... alguns precisam ver a corda,
outros precisam ver o chão. Existem demandas como essas para o trapézio,
quando os artistas precisam absolutamente ver o teto da tenda ou as paredes.
Cada atração e cada artista circense tem as necessidades específicas de cada
performance técnica, portanto, quando eu trabalho no circo, primeiro me
preocupo com essas demandas, por assim dizer. E com isso eu posso saber em
que lacuna eu vou poder delimitar as coisas, de certa forma, para descobrir como
vou ser capaz de criar. Em seguida, com a magia, também há um grande espaço
para demandas específicas. Existem companhias de magia com as quais eu
trabalho e para quem eu tenho que levar em conta essas demandas como ponto
de partida para a criação e outras para as quais eu também trabalho, mas cujo
ponto de partida já é o propósito e a dramaturgia do espetáculo e cujas
demandas técnicas de magia chegam em um segundo momento. Então,
realmente tudo depende da maneira como você trabalha, como aprende as
coisas. No teatro, há o texto, que está lá, então ele é o começo, exceto no
Théâtre du Soleil, onde são feitas criações colaborativas, então lá as coisas são
construídas pouco a pouco e, sendo assim, acontecem em outra temporalidade.
Pode-se dizer que, durante o período de ensaios, eu não penso imediatamente
no espectador, isso é algo que vem depois. Eu realmente penso no conjunto do
trabalho do diretor, em relação ao que eu realmente me dei conta, desde que
comecei a fazer luz, de que o tempo de trabalho nos ensaios é um tempo
realmente específico e um tempo muito diferenciado, quer dizer, uma cena que
vai durar 30 segundos, pode levar seis horas para ser criada. E de repente, se
eu colocar a luz definitiva do espetáculo para esses 30 segundos, se eu colocar
essa luz por 6 horas para a equipe trabalhar, não vai dar certo, não é possível.
Então, eu tenho muito cuidado para que a luz de trabalho, a luz de ensaio seja
96
Anexos – Entrevista Elsa Revol
uma luz que forneça ao diretor e aos atores o ambiente necessário para eles
poderem criar. Então, para mim, este é um ponto de partida muito forte. No
Théâtre du Soleil, especificamente, nós ficamos em criação por 9 meses, então
não podemos usar uma luz de espetáculo por 9 meses, isso não é possível,
então tem que haver realmente uma adequação à medida que as cenas vão
sendo criadas, à medida que o trabalho avança, à medida que nos aproximamos
cada vez mais do espetáculo. Depois, também existem os casos nos quais eu
chego realmente no último minuto, para uma criação que já está pronta e onde
a equipe já ensaiou com luz de serviço e eu chego para iluminar algo que já
existe, isto é muito diferente. Mas é isso. Depois disso, eu penso no espectador
no sentido de eu sempre pensar sobre de onde vem o olhar do espectador para
receber o que vou oferecer. Nesse caso, as coisas são construídas quase numa
temporalidade invertida, na qual, quando eu quero que haja um espaço com um
efeito ou sensação particular ou uma recepção específica de luz, eu presto
atenção ao que vem antes para colocar no estado de receber o que quero que
as pessoas percebam. Isso significa que essa é uma construção que acontece
um pouco mais tarde, é uma construção muito temporal, muito ligada à
temporalidade do espetáculo, de modo que deve acontecer quando o espetáculo
já estiver num estágio muito mais avançado.
97
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Bem, eu penso que, de uma maneira muito direta, eu gosto que a
luz que eu faço não seja vista, de repente é isso, que não seja vista, ou seja, que
o espectador não desligue do espetáculo que ele está vendo e recebendo porque
há algo na luz que o distrai sem motivo, digamos, é isso. Não é por esse motivo
que a luz não existe, e não é por isso que a luz tem que ser muito discreta ou
muito invisível, mas sim estar num lugar justo, pois existem vários componentes
que fazem o espetáculo e, obviamente, existem as pessoas no palco, mas há
também a cenografia, há também o som, pode haver vídeo, e a luz, de modo
que todos esses componentes devem se encarregar de certas funções e não
estarem apenas em acumulo uns dos outros, se sobrepondo, por assim dizer. E
é verdade que aconteceu comigo diversas vezes de eu fazer espetáculos nos
quais, de repente, nos encontrávamos a pessoa do som, eu, e a do vídeo para
nos darmos conta que, puxa, nós estávamos dizendo, os três, a mesma coisa,
então será que não poderíamos mudar isso, porque é demais, de repente os
atores que estão no palco, finalmente, estão sufocados pelo peso do som, do
vídeo e da luz, então tentamos reajustar coisas para que isso se equilibre
também. Depois, um lado que eu diria ser um pouco mais performativo,
aconteceu em um espetáculo que eu fiz há dois anos chamado Je suis la Bête
de Julie Dellile, no qual a luz teve uma participação muito, muito, muito
importante na própria escrita do espetáculo. Eu acho que existe realmente uma
98
Anexos – Entrevista Elsa Revol
N.L. – Você falou um pouco sobre o ritmo, não sei se você tem o
hábito de operar a luz dos teus projetos, mas qual é o seu relacionamento
99
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Ah, sim, é muito importante, sim, há, digamos, dois espetáculos
nos quais eu faço, eu mesma, a operação da luz e todos os outros espetáculos
para os quais eu fiz a luz, não sou eu quem faz a operação e dependendo do
operador de luz, se sou eu quem o escolhe, se não sou eu quem o escolhe, se
ele é alguém que me acompanha desde o início da criação, se é alguém que
chega pouco antes da estreia, modifico a expectativa que eu posso ter sobre a
performatividade da luz, quando, de repente, eu me adapto para ter certeza de
que tudo vai acontecer, a cada vez, com qualidade, eu me adapto à pessoa que
tenho ao meu lado. Se eu sinto que é alguém que é muito sensível, muito atento
e muito à vontade para atuar em partes com um pouco de improvisação, eu me
permito ter um pouco mais de liberdade no sentido de fazer coisas para a
atmosfera do palco, se é também um espetáculo que não vai circular muito,
então, e que preserva esse lado de novidade a cada apresentação, eu me
permito isso. Se é um espetáculo que é apresentado todas as noites durante
dois meses ou é algo que possa se tornar uma rotina ou rotineiro ou algo
parecido, eu tento formatar as coisas informaticamente o máximo possível para
que, se eu tiver efeitos um pouco mais complexos no que diz respeito ao tempo,
eu tente programá-los o máximo possível para que fique o mais próximo possível
do que eu gostaria, é isso. Além disso, é verdade que eu gosto de voltar de vez
em quando, porque a efemeridade do espetáculo ao vivo necessariamente se
modifica, então eu tento readequar um pouco as coisas, mudar ou... é isso. Às
vezes não é possível, às vezes é até impossível mesmo, mas quando é possível,
é verdade que é muito bom poder transformar um pouco as coisas também.
100
Anexos – Entrevista Elsa Revol
de criação, alguém que não necessariamente será o operador da luz, ele pode
ser simplesmente um elo entre o operador da luz e eu. Isso também existe.
Afinal, tudo depende do tamanho da criação e da produção. Também existem
muitos, muitos espetáculos nos quais eu estou sozinha, sou eu quem opera a
luz durante os ensaios, sou eu quem está por trás da mesa de luz e, no final,
vamos dizer, nas últimas duas semanas, há alguém que chega e eu o ensino a
fazer o que fiz durante toda a criação. Isso também é muito comum.
E.R. – Isso varia tanto, é mais confortável quando é alguém com quem eu
já trabalhei, quando de repente existe um lugar de linguagem comum, assim,
que é rápida. É confortável também quando eu sinto que a pessoa realmente
não entende o que eu quero e essa pessoa me permite mexer na mesa e eu
posso fazer eu mesma. Há lugares onde isso não é possível e é quando eu
preciso conseguir colocar em palavras o que quero da luz e que isso possa ser
passada para o operador de luz. Então, isso é complicado, mas, é isso, é muito
difícil porque, de repente, isso bloqueia toda a espontaneidade nos ensaios, você
precisa conseguir antecipar muito as coisas e isso exige colocar as coisas em
palavras, enquanto que às vezes é instintivo, eu sinto que devo acender isso e
aquilo, mas só o tempo de explicar e a cena já passou, todo o momento se foi e
às vezes me irrita ter que dizer para a pessoa, aí eu prefiro não dizer nada e não
fazer o efeito, mantendo a ideia em mente para tentar fora do palco, mais tarde,
fazer o que eu queria. É verdade que é difícil desta forma. E é muito comum.
Depois depende, eu acho que isso depende das afinidades, depende dos hábitos
de trabalho, depende de muitas coisas, é muito variável.
101
Anexos – Entrevista Elsa Revol
residências e em seis anos eu nunca gravei uma única memória. Eu sempre fiz
as coisas de uma maneira muito performativa, de repente, no sentido de arte
contemporânea e de performance cênica e com a aproximação da estreia, eu
disse a mim mesma que eu precisava ter pelo menos ter um roteiro estruturado
com estados luminosos gravados, então eu gravei alguns estados luminosos,
algumas cenas de roteiro, mas deixando muitos momentos no quais eu podia
improvisar com os refletores direto nos masters para usar desta forma.
E.R. – Não, isso não era possível, eu gosto mesmo de conseguir fazer
isso em um espetáculo, o que eu estava dizendo, por exemplo, no Je Suis la
Bête, podemos dizer que tem 90% da luz gravada nas memórias, mas eu
mantive mesmo assim momentos, pequenos intervalos de tempo com uma luz
mais improvisada, mais acompanhando o que está acontecia no palco, etc. E
isso eu penso que é algo, quando o operador de luz tem essa sensibilidade, ele
pode curtir muito estar dentro e se colocar num lugar de diálogo com o palco.
Depois, existem operadores de luz que não se sentem nem um pouco à vontade
com isso e que preferem participar de um trabalho mais mecânico, porque isso
é melhor para eles. Mas dessa vez, de repente, eu tinha um operador de luz para
esse espetáculo que estava realmente em sintonia com isso, também com essa
vontade de acompanhar, sim, de estar em diálogo realmente com o palco, era
isso.
N.L. – Não sei se pode ser dito assim, mas isso significa que,
dependendo do operador de luz que você tem disponível, isso pode limitar
um pouco a tua criação?
102
Anexos – Entrevista Elsa Revol
103
Anexos – Entrevista Elsa Revol
maneira muito simples, mas é verdade que eu tive que reagir muito rápido, de
qualquer forma, para alertar para o fato.
E.R. – Ah, bem, isso é óbvio, claro, claro. Há pessoas que se colocam na
luz e há pessoas que não se colocam na luz, tem tipos de sensibilidade muito,
muito diferentes, isso é claro. Há pessoas que têm uma estabilidade nas
marcações, por exemplo, ou no ritmo, o que é muito agradável, porque, de
repente, a luz será capaz de ser construída de uma maneira muito simples, e há
outras que são muito mais imprevisíveis e que estão sempre no lugar errado,
seja no que diz respeito ao tempo ou à posição no palco, o que é bem
complicado, então.
104
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Então, eles eram muito menos iluminados do que isso e decidimos
que, como eu também estava no palco e que tinha uma luz saindo da mesa de
controle e, de repente, eu estava um pouco visível, havia uma necessidade,
talvez, de reequilibrar um pouco isso tudo, então eu fiz o ajuste colocando luzes
de serviço falsas que eles não usavam, mas que serviam apenas para fazer
pequenas luminosidades para percebê-los em alguns momentos. Eles não
precisavam se ver ou ver as partituras, era realmente uma improvisação, eles
estavam juntos, só isso. Eles se conheciam tanto e nós trabalhamos tanto juntos,
por seis anos, que de repente havia uma sensação de conforto, de conhecimento
e confiança que fazia com que não houvesse essa necessidade. E o Vasil queria
realmente que houvesse momentos muito escuros, momentos em que a música
emanava do blecaute, então essa foi uma decisão que tomamos juntos.
E.R. – Sim, foi o Vasil quem fez o vídeo todo. Ele frequentou uma escola
de circo em Charlon-en-Champagne, e depois ele foi para Fresnoy (Le Fresnoy
Studio National des Arts Contemporains), perto de Lille, uma verdadeira escola
de arte contemporânea para efetivamente desenvolver todo o seu aspecto visual
com a fotografia e com o cinema. Ele tem uma relação muito forte com a imagem,
muito forte, com a matéria da imagem.
E.R. – Sim, absolutamente. Sim, sim, a projeção é uma fonte de luz tanto
quanto um refletor, por assim dizer. Sim, nós realmente trabalhamos juntos nisso
juntos, mesmo.
105
Anexos – Entrevista Elsa Revol
E.R. – Bom, fui eu quem pediu para estar no palco. Nós fizemos muitas
residências onde éramos só nós dois e não havia mais ninguém, nem mesmo os
músicos. Nós dois tivemos muitos momentos de trabalho só entre os dois, então
eu estava com a mesa na primeira fila da plateia e ele estava no palco, o que
fazia com que eu estivesse muito perto dele, de frente, mas muito perto. E nós
logo percebemos que precisávamos dessa proximidade. Além disso, havia a
questão do vídeo, do computador que gerenciava o vídeo. No começo, era ele
quem operava os vídeos e, desta forma, ele ficava indo e vindo entre o
computador e o palco. Pouco a pouco eu fui assumindo essa operação da
cabine, por assim dizer, e de repente havia uma central de controle técnico no
palco em relação ao uso do vídeo e, no início do trabalho, eu não tinha gravado
absolutamente nenhuma memória e fazia tudo, tudo, tudo, tudo manual e de
repente a distância de estar na cabine com a separação do público, ou seja,
havia o palco, toda a distância do público e só depois eu, o que me limitou muito.
Eu tive dificuldade para estar num bom estado de abertura, de escuta, de
disponibilidade para poder estar com ele, para poder estar junto. Além disso,
desequilibrava muito as coisas o fato de os músicos estarem no palco, então
logo pareceu muito lógico que eu estivesse perto também.
N.L. – E você não pensou em manter esse lugar na primeira fila, por
exemplo?
E.R. – Sim, nós pensamos nisso, mas isso incomodava muito o público,
houve um momento em que eu fiquei na primeira fila da frente, mas na lateral e
depois disso eu fui diretamente para o palco, para ficar realmente junto, porque
é verdade que após seis anos de trabalho, nós queríamos mostrar algo juntos,
entende? Éramos realmente os cinco, entende, os três músicos, Vasil e eu,
realmente um lugar de... é isso. Depois, é verdade que não me parece nada
impossível que a luz seja performativa com uma operação fora do palco, Tem
vezes em que queremos fazer com que a luz seja performativa colocando a
operação no palco e isso não funciona de jeito nenhum também, então eu acho
106
Anexos – Entrevista Elsa Revol
N.L. – No caso foi mais pela proximidade do que para estar visível.
E.R. – Eu diria que posso pensar imediatamente em outro trabalho que fiz
com dançarinos, o trabalho se chama Ondes et Fréquences e trabalhamos com
situações bastante interessantes no sentido de que chegávamos nos teatros nos
quais tinham espetáculos que se apresentavam à noite e nós não podíamos
pendurar refletores e, de repente, eu tinha que fazer a luz dessa performance
Ondes et Fréquences com a geral de outro espetáculo e de outra pessoa que eu
não sabia o que era, não sabia de antemão e nós começávamos a improvisar
enquanto eu descobria, pouco a pouco, o que ia ser a luz. Desta forma, havia
um tipo, assim, de trabalho que tinha realmente uma abertura enorme para
acatar as coisas como elas são, como elas aconteciam, sem planejar nada com
antecedência. Há no trabalho com Vasil, no Woke up in Motion, um pouco desse
107
Anexos – Entrevista Elsa Revol
N.L. – Neste trabalho com Vasil, houve momentos em que a luz foi a
proponente de ações, movimentos, marcações?
E.R. – Tem aquele corredor (de luz) que foi realmente o ponto de partida
da criação, onde de repente a luz no início estava realmente apenas nesse
corredor, e toda a questão dos chases, também, na cena com a esfera que gira
que foi também muito um ponto de partida para o trabalho. O trabalho sobre a
cor, a complementar, a complementaridade das cores para ir em direção ao
branco, para ter zonas coloridas, também é algo que nós trabalhamos mais na
performance do que tínhamos feito juntos em Fresnoy (Le Fresnoy Studio
National des Arts Contemporains) no final dos seus estudos, portanto, sim,
houve realmente momentos de pesquisa, completamente sobre a luz e depois o
movimento que se seguiu a ela.
N.L. – Obrigado pelo seu tempo, pela disponibilidade logo após uma
estreia.
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Anexos – Entrevista Eric Soyer
236Entrevista realizada por WhatsApp por Maria Clara Ferrer, recebida no dia 18 de junho de
2020 (tradução da autora, original ao final dos anexos).
109
Anexos – Entrevista Eric Soyer
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Anexos – Entrevista Eric Soyer
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Anexos – Entrevista Eric Soyer
nível muito, como dizer, um nível muito alto de movimento da luz, uma luz muito
dinâmica, estroboscópica, alto contraste, ondas de luz, pulsação, etc. Depois,
então, ao final de 30 minutos a cena é desmontada às vistas do público e
acabamos em um quadrado branco no qual ela canta com uma voz grave,
apenas voz grave, então estamos em uma outra coisa muito mais crua, 20
minutos, uma luz que se torna um pouco mais colocada e muito mais focada na
artista. Ainda com um pouco de movimento, mas com menos movimento na luz,
então a cena é ainda mais desmontada, chegamos a um quadrado de 1 por 1
que sobe um pouco e aí no final, acabamos na maior sobriedade luminosa. Esse
é, então, por exemplo, um exemplo de um dos últimos trabalhos que eu fiz.
112
Anexos – Entrevista Fabrizio Crisafulli
237 Entrevista realizada pela autora por e-mail, enviado no dia 20 de janeiro de 2020 e recebido
no dia 1º de março de 2020 (tradução da autora com revisão de Antônio Palermo, original ao
final dos anexos).
113
Anexos – Entrevista Fabrizio Crisafulli
114
Anexos – Entrevista Fabrizio Crisafulli
palco e o público. Você concorda com esta opinião? Por quê? Você poderia
dar um ou alguns exemplos desse desempenho da luz em seu trabalho
criativo? Pode ser um projeto inteiro ou alguns efeitos específicos.
F.C. – Eu concordo perfeitamente com sua ideia de luz teatral como luz
ativa, tanto que em 2007 escrevi um livro sobre o assunto chamado "Luz ativa",
tirando essa definição de Adolphe Appia, a quem o volume é dedicado. No livro,
analiso como essa ideia evoluiu do final do século XIX para os dias atuais, na
obra de muitos protagonistas da cena ocidental do teatro, e também expus a
declinação que ela assume em minha própria busca como diretor.
115
Anexos – Entrevista Fabrizio Crisafulli
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Anexos – Entrevista Gianni Staropoli
A luz cênica é sem dúvida uma luz projetada e construída, que se torna
concreta. No momento em que a construímos, nós a tornamos viva e ativa,
esquecendo, por sorte, a sua natureza artificial e efêmera. E é também por essa
simples razão, na minha opinião, que ela pode se tornar material e imaterial ao
mesmo tempo. Deixa-se moldar precisamente por ser matéria metamórfica da
construção do espaço cênico.
238Entrevista realizada pela autora por e-mail, enviado no dia 17 de janeiro de 2020 e recebido
no dia 08 de abril de 2020 (tradução da autora com revisão de Antônio Palermo, original ao final
dos anexos).
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Anexos – Entrevista Gianni Staropoli
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Anexos – Entrevista Gianni Staropoli
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Anexos – Entrevista Gianni Staropoli
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Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
G.B. – É bem complicado (risos) porque eu acho que transita nos dois
lugares. A materialidade dela existe porque ela está colocada na cena, agora ela
não é palpável e se você pensa matéria como algo que você toca e que você
pega… Você sai da luz e toca nela. Se pensar na atmosfera e na luz, vai
entender que a luz se torna física e concreta por conta da atmosfera. Se você
pensar nas partículas, você sabe onde há e não há luz. Eu acho que não existe
uma resposta “ou é ou não é”. Eu acho que a questão atmosférica é do campo
imaterial e a presença dela na cena para mim tem a ver com a materialidade,
enquanto ideia ou conceito. Eu não penso nisso isolado, estou pensando em
atrito com as outras áreas da cena e como alguém que cria e eu acho que é
desse lugar que eu preciso pensar: ela transita por esses dois aspectos.
G.B. – Eu acho que existem duas instâncias do meu trabalho. Uma é com
o Vertigem, que foi o que me formou como artista e pensador da luz, porque o
trabalho autoral está aqui (no Vertigem), assim como as minhas pesquisas e o
meu trabalho pedagógico começou aqui e acho que ele expande para a SP
(Escola de Teatro), mas o que foi para lá é o que eu descobri aqui e, lógico que
depois, sair daqui e fazer outras coisas é como um complemento do meu
trabalho aqui. O Vertigem trabalha com site specific e com uma relação com a
arquitetura e o espaço. Quando eu fui fazer experimentos em arquitetura, me
ajudou aqui porque se eu sou um pesquisador de luz, me interessa conhecer
239 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 20 de março de 2020.
121
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
G.B. – Fiz o Roda Viva e foi muito interessante. Foi uma loucura, como
não poderia deixar de ser (risos). No Cadernos de Luz, tanto no meu site quanto
no da escola, eu tenho um relato sobre o meu processo e lá você vai ter acesso
a tudo o que eu penso e pensei (risos), mas eu também dou voz para as pessoas
que trabalharam comigo colocando textos delas. Em primeiro lugar, é um grande
prazer trabalhar com uma pessoa como ele, que representa tudo o que ele
representa para o teatro brasileiro e eu acho que isso é uma condição que está
122
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
assim de qualquer questão. Ele está com oitenta e poucos anos, indo para o final
da vida dele, e quando essa oportunidade surgiu eu não deixei passar. É
engraçado, porque o convite surgiu para que eu fizesse a luz junto com o Beto
Bruel e eu me neguei a fazer junto com ele, mas não por eu ter algum problema
com o Beto, até porque ele é uma figura que não tem como ter problema, é um
ser humano supergeneroso. Ele queria fazer comigo (risos) e insistiu comigo,
mas eu entendia que aquela experiência tinha que ser única e não podia ser
compartilhada… Eu teria que administrar uma outra coisa, que é estar
desenhando com alguém, e eu queria estar inteiro naquela experiência. Não tem
a ver com autoria, era pela experiência. O Beto também não ia conseguir estar
aqui no tempo que eu estaria e isso seria complicado.
123
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
conta, o que fazia com que o meu trabalho fosse meio de guarda de trânsito
porque eu ficava organizando “agora esse plano… agora aquele” e a primeira
coisa que eu falei para o Zé quando eu vi um ensaio, foi isso, de que eu preciso
organizar isso tudo, porque tem horas que o público olha o todo, mas tem horas
que não, e eu preciso saber o que é e quando. Ele concordou que era isso
mesmo, mas quando eu trouxe o LED e os movings, que até então, para ele, era
uma coisa horrorosa e que não era luz de teatro... Com o Beto, eu tenho boas
conversas sobre isso, porque a visão dele tem mudado muito ultimamente e às
vezes ele me manda fotos de trabalhos e diz “olha, compadre, fiz um evento
cheio de moving e cheio de LED” (risos). Mas no Oficina, quando eu trouxe o
LED, eu vi aquele preconceito básico e falei para o Zé: “você é muito conservador
e está preso numa luz que não existe mais. A Lina fala do terreiro tecnológico,
do bárbaro tecnizado, porque você tira a tecnologia daqui? Você continua
trabalhando em cima de direção, dramaturgia e atuação, mas estamos em 2020
e todas as áreas são parte da cena”. Isso, ele ficava repetindo para mim ao longo
do processo: “eu sei que você me acha conservador”. Para mim foi um grande
choque o que foi o Oficina por fora, como esse lugar de transgressão, resistência
e, lá dentro, uma coisa um pouco formatada e engessada com toda a loucura
que existe. Até minha filha Maria fez uma monografia que se chamava Revolução
Estética e ela pegou o Roda Viva como estudo de caso e chega uma hora que
ela questiona o quanto o Roda Viva de 1964 modificou paradigmas e o de hoje
já não consegue mais, porque agora a plateia que vai ali já sabe o que vai ver e
eles estão um pouco presos nisso. Eu senti que a luz foi um pouco difícil nesse
sentido, mas foi ok para mim porque eu acho que é um embate um tanto salutar.
Era uma estrutura do grande Zé Celso Martinez Corrêa, que senta e ouve todo
mundo, mas que sabemos que diretores que trabalham em colaborativo são
muito espertos em ouvir todo mundo e conduzir para onde acham mais
importante. Tem uma coisa, um pouco centralizadora dele que eu achei um
pouco difícil, e outra coisa, foi que eu trabalhava com uma mesa Live onde não
tem cue, não tem roteiro e onde o ator pisa, uma luz acende, ele vai para lá, a
luz acende. Aí eu pensei: “Como assim? A luz não tem projeto? Não tem
desenho? A luz não é proposta?” Aos poucos fomos conseguindo fazer tudo
124
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
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Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
gravar e com duas pessoas operando ao mesmo tempo. Para mim é como se
não houvesse uma ideia de processo, como se a luz do primeiro ensaio já fosse
definitiva e o tempo todo eu ficava explicando o que era o processo e como era
o processo. Foi uma experiência absolutamente rica, mas para não repetir. Eu
me sinto muito feliz de ter feito parte desse projeto, foi muito bacana ver aquele
grupo de cinquenta anos de idade trabalhando e o motor daquilo ali é o cara de
oitenta e poucos anos, é ele que faz aquilo girar. Tem pessoas superimportantes
lá dentro como o Marcelo Drummond, a Camila (Mota), e Sylvia (Prado) e um
monte de gente nova que mantém aquela energia pulsante e foi bem bacana.
No relato eu conto mais detalhes, se um dia você tiver paciência, leia.
126
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
Dizer aquilo que não pensamos em línguas que não falamos, o texto era do
Bernardo (Carvalho) e um dos personagens surgiu lá, pela necessidade de
conexões entre as cenas. As ideias vão surgindo porque um ator faz um
workshop, e nele ele traz uma ideia de luz, de espaço, de figurino e todo mundo
que está na sala olha aquilo e vai reelaborando a partir daquilo. Às vezes, se
joga uma coisa fora e se propõe algo novo. Quando marcamos de levar
proposições para a cena do hotel no Apocalipse, por exemplo, eu trouxe
proposições e a cenografia, o figurino e tudo isso se vê na hora, na sala de
ensaio. Entra uma luz sem que o ator saiba, uma atmosfera que ele não pensou
e não estava acostumado, mas aí fazemos essa experimentação algumas vezes
no mesmo dia e, de uma para a outra, nós conversamos e vamos ajustando as
coisas… É uma criação que se dá em processo e não temos grandes atritos e
dificuldades de lidar com essas instabilidades, nunca foi uma questão. É um
trabalho que vai sendo construído junto e com um invadindo o trabalho do outro,
claro, com respeito. Temos o que o Tó (Antônio Araújo) chama de hierarquias
flutuantes e, em dados momentos, cada um de nós tem a palavra, digamos que
a direção da coisa, então isso aqui está mais consolidado. Agora, não temos
mais atores, então eu não sei como isso vai se dar. Estamos com um projeto
novo, que devemos fazer duas etapas aqui no Brasil e depois apresentar em
Berlim, que é uma performance que iremos criar juntos, com atores que ainda
serão chamados, não sei exatamente como vai ser isso, mas é bastante normal
nós interferimos na vida dos outros de maneira positiva (risos).
127
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
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Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
corpos modificados pela cor, as formas ganhando outras formas por conta de
projeções ou ângulos de incidência de luz, mas nunca foi uma preocupação. Eu
nunca pensei sobre o campo fisiológico de que a cor tal gera determinada
sensação, nem sei como faz isso. Até o básico de começar com pouca luz para
daí ganhar muita luz nunca foi muito um parâmetro para mim, porque isso
normalmente me conecta a uma ideia do efeito pelo efeito. Se a cena, o texto, o
trabalho, estivessem nesse lugar, talvez eu fosse para esse campo, mas, em
geral, é mais uma curiosidade de ver os corpos sendo modificados por aquelas
atmosferas. Eu tenho trabalhado muito com saturação e tenho achado
interessante ver as pessoas verdes, azuis, vermelhas (risos).
G.V. – Você acha que o espectador não entra no processo? Nem nos
workshops?
G.B. – Nesse sentido, de como o público vai receber, isso eu nunca penso.
Acho que o Vertigem me deu uma certa liberdade de criar. A teleologia da obra,
de que o êxito de uma obra está nela mesma, acho que o (Luigi) Pareyson que
fala isso. Aliás, eu estudei esse texto algumas vezes com os alunos porque, para
mim, faz muito sentido: a minha conexão é com a obra, com o sentido e eu tenho
que atender ou atritar com ela, a minha relação é ali. O que o público vai achar,
se ele vai gostar… por exemplo eu fiz um trabalho no (Teatro) Municipal onde
eu criei uma estrutura simétrica no teto, mas absolutamente simétrica… Às
vezes eu extrapolo a questão da estética para coisas assim, principalmente
quando o teto é visível. Como eu sou muito assimétrico, o que vem de luz para
baixo é completamente assimétrico. Eu fico inventando algumas coisas, assim,
que eu acho que a plateia nunca vai perceber. Para mim a relação é disso
atritando com o que é visto pelo público.
129
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
G.B. – Acho que, no final, sim, porque para mim é questionável. A luz
pode complicar, atritar, dificultar, trazer uma camada que, às vezes, pode te levar
para outra compreensão. Claro que a luz não pode ir para um lado e a cena para
o outro, não é disso que eu estou falando. Eu fico um pouco em dúvida quando
eu ouço alguém dizendo o que a luz tem que fazer, porque eu acho que ela já
tem tanto para fazer que eu acho que precisamos de uma certa liberdade no
resto. Nesse lugar, eu fico um pouco em dúvida com o que ela fala, mas o
restante eu concordo, é óbvio. O Beto me disse uma vez, e eu nunca esqueci de
quando ele foi ver um o Apocalipse, na época em que apresentamos em Curitiba,
e no final ele me encontra e diz “é compadre, a luz ilumina a cena, né?” Na época
não éramos amigos, então eu não disse nada e claro que, talvez, a luz no
presídio de Curitiba não tenha ficado como era no espaço original aqui em São
Paulo, mas é um presídio e tem um elemento ficcional acontecendo, a luz cria
uma atmosfera e é óbvio que ela não está só iluminando a cena, mas
ressignificando o espaço também, porque a função dele muda. Mas eu acredito
que, no Vertigem, eu não penso em aparecer, não acho que a minha luz precise
ser uma camada de significado na cena, eu preciso ser autônomo… O que eu
penso é no que eu estou vendo e como que eu vou me envolver com o que eu
estou vendo. No Bom Retiro tem um dado performativo muito forte porque os
operadores estão muito visíveis aí e tem uma autoria muito grande. A rua, para
mim, foi o dado mais difícil e não sei se vai de encontro ou contra o que ela fala,
mas a primeira coisa que veio à minha a cabeça, quando eu vi aquelas cenas na
rua, era que… O Tó falava muito do teatro em atrito com a cidade e aquilo ficava
reverberando na minha cabeça. Tudo o que eu vi, junto com duas assistentes de
iluminação foi... assistentes são um problema, porque eles ficam querendo
mostrar trabalho e trazem várias coisas para o chefe (risos)… Eu acho um pouco
chato. Tinha uma narradora que circulava e conduzia o público e as meninas
todas com lanternas, iluminando a cara da atriz, e eu explicando que não queria
130
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
131
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
mesmo tempo isso era completamente conectado com a própria cena. Acho que
é isso, não sei se fica tão longe do que ela afirma.
G.V. – Acho que não, mas é a tua resposta, uma percepção tua. Você
consegue me contar alguns outros exemplos de trabalhos que você ache
que a sua luz construiu dramaturgia interferindo na cena?
132
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
G.V. – É sim! Queria te fazer uma outra pergunta: como surge essa
demanda de criar novas fontes luminosas, como você lida com ela?
G.B. – Veja, precisamos ter um carinho com as coisas e com quem somos.
Me chamavam para fazer trabalhos porque os produtores ou diretores julgam
que a peça precisa de formas diferentes de iluminar e quando você vai assistir a
um ensaio você percebe que não cabe ali. Eu acho que essa demanda é
completamente do Vertigem e tem um pé no acaso, porque quando chegamos
para fazer O Paraíso Perdido, eu não tinha a menor ideia do que estava
acontecendo. Eu e o Tó conversávamos muito, porque fazia três projetos que eu
tinha começado e eu não sabia muito bem o que era luz, as propriedades, não
sabia articular uma ideia com a luz, mas eu tinhas as situações… A igreja me
colocou algumas questões e eu fui obrigado a resolver. Talvez, olhando de fora,
você tenha uma visão menos direta que a minha, o Chico está fazendo o
mestrado dele sobre o meu trabalho e eu tenho muita curiosidade de saber o
que ele vai falar. Eu acho que tem uma coisa do criador, desse campo da intuição
que é muito forte em mim. Eu não sou muito da academia e não me preocupo
muito com referência, é muito difícil eu ir procurar referências para resolver os
meus problemas, mas aí eu não sei se eu confio demais na minha criatividade
(risos), eu fico achando que preciso inventar as coisas. Lógico que as referências
estão em você, eu não vou atrás. No Paraíso eu escondi os refletores porque
algo me dizia que aquilo não era bom, que a experiência do público precisava
ser total e ele não podia ficar vendo coisas acontecendo, a luz teatral tinha que
desaparecer. Depois é que eu comecei a entender isso, na hora era apenas
intuitivo. Tem uma hora que o Tó faz uma cena, que é o castigo com os pais ou
mães deitados e os filhos ficam batendo, e essa cena é a punição e isso está
133
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
134
Anexos – Entrevista Guilherme Bonfanti
G.B. – Fazemos, testamos o ângulo no 3D, mas isso tem hora para
acontecer. Na hora que eu sei o que eu quero, é hora da tecnologia entrar e me
dizer como fazer isso dar certo, mas no campo da criação, eu estou
absolutamente aberto e sem pensar em programa 3D. No Vertigem, as coisas
se dão muito no processo, então não tem muito como fazer pré-projetos ou
preparações. Normalmente, tem um grupo de pessoas que vem estagiar, desses
eu já escolho um que vai ficar como operador e que segue comigo. No Filho,
aconteceu uma coisa super legal, porque uma pessoa que vinha da arquitetura
ficou com as plantas, desenhos técnicos e procuração, outro foi para o campo
da elétrica e fomos fazendo um procedimento interessante: o espaço estava
definido no piso, cada um ganhou uma folha e desenhou a sua planta e tivemos
cinco projetos diferentes, mas olhamos o que era comum e o que era diferente
e discutimos se entrava ou não. A planta toda foi feita nesse procedimento… eu
sabia o que eu queria, então eu já fiz a primeira, mas o processo deles mexendo
foi muito legal. Depois isso vai para a fase dos desenhos, vemos se dá certo ou
não. Eu gosto de deixar a escolha dos equipamentos e os desenhos técnicos
mais para a frente, acho que o legal é mergulhar na cena e nos experimentos.
G.V. – Acho que é isso. Muito obrigada pela entrevista e por poder
conhecer o espaço de trabalho de vocês!
G.B. – De nada!
135
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
J.C. – Agora descansado, acho que entendi melhor sua pergunta. Você
queria saber sobre LUZ e não Iluminação, não é isso? Então, você gostaria de
saber se considero que a luz seja material ou imaterial? Minha resposta é
imaterial.
J.C. – Vou tentar! Para mim, ela é imaterial por não se poder tocar na luz,
somente ver. Assim como não se pode tocar no som, somente ouvir. Por isso, a
explicação de que eu não consigo separar numa peça a parte da luz que é
material e imaterial, tudo o que eu faço numa peça tem conceito material e
imaterial. Para realizar uma iluminação de conceito imaterial, eu precisaria fazer
um evento de luz e som, duas artes que eu considero imateriais e que juntas
podem realizar um espetáculo que dê prazer de assistir e onde mesmo se vendo
materialidades reveladas pela luz ou se ouvindo melodias conhecidas, pois não
passam do segundo plano, já que as duas artes materiais são os protagonistas
em primeiro plano. Somente assim acredito que ficaria interessante de se
assistir.
240 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia e Nadia Luciani por um e-mail enviado no dia 22
de abril e respostas recebidas por e-mail e WhatsApp entre os dias 11 e 23 de maio de 2020.
241 Vídeo do espetáculo Belle, da Cia Deborah Colker com iluminação de Jorginho de Carvalho,
cujo link foi enviados por ele pelo WhatsApp e está disponível no YouTube no endereço
https://www.youtube.com/watch?v=NdAcz03j3bk&list=PLEtxQQNXnPZs_rP5TlwIBprSAGf5GIm
UL.
136
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
242Jorginho também enviou o link do vídeo do ballet Cão sem Plumas, mais uma realização da
Cia Deborah Colker com iluminação de Jorginho de Carvalho, disponível no YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=9WjDsa_C2Bw&list=PLEtxQQNXnPZs_rP5TlwIBprSAGf5GI
mUL&index=2
137
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
melhor, e hoje, em 2020, tenho certeza que vou continuar sendo tanto um ativista
Tabladiano quanto um Flamenguista, ambos até morrer! Em 1967, sendo
aprovado para o emprego de Escriturário na Secretaria de Cultura da
Guanabara, fui transferido para atender a requisição de Napoleão Muniz Freire,
diretor do Teatro Gláucio Gil desde 63, para compor seu quadro técnico como
Auxiliar de Eletricista do teatro, que só tinha um técnico, o Sr. José de Mattos.
Ele, após minha contratação foi promovido à Chefe dos Eletricistas do Teatro.
Eu fiquei feliz pelo primeiro emprego como profissional de Iluminação, mas tanto
pela função de Auxiliar de Eletricista de Teatro, quanto por uma Carteira
Profissional assinada pela Secretaria de Cultura da Guanabara. Em fins de 1968,
Napoleão conseguiu que Roberto de Cleto aceitasse substituí-lo na direção do
Teatro, o que para mim não mudaria nada, já que tive com ambos uma boa
relação em suas épocas de Tablado.
Então de 1960 à 1970, ou seja, em meus apenas dez anos luz, comprovo
que tenho razão em responder com dois sim (à pergunta feita), pois se de 1960
à 1967 com certeza só trabalhei com Maria Clara Machado, de 1967 à 1970,
138
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
J.C. – Querida, me sinto até suspeito em falar, pois essa terceira pergunta
está mais do que explicada nas respostas anteriores, pois nós que fazemos
teatro sabemos que o ator se completa quando interage com a plateia, ou
quando ele percebe o resultado do seu trabalho na resposta do público, que
139
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
Então, percebi que precisava primeiro formar uma equipe de técnicos que
me acompanhassem nos trabalhos, daí as oficinas de luz que me convidavam
pra fazer, ou o governo me enviava, pois a notícia, assim como dizia José Wilker
"Ela, quando é boa, espeta você, tira você da cadeira, agiliza sua difusão". Pois
bem, as peças que eu viajava como responsável, eu trocava um bom pagamento
por uma grande quantidade de técnicos para ajudar, e meu cérebro contabilizava
a quantidade de técnicos que eu ia seduzir para mais um conhecimento que
começava pelo título que ao invés de ser "Oficina de Luz 20 horas", eu intitulava
"Oficina de Iluminação Cênica, Metodologia e Compreensão", e não tenho ideia
de quantas oficinas eu fiz por esse Brasil afora. E é claro que no Rio eu tinha a
possibilidade de fazer várias equipes, porque eu montava muita luz. Assim, eu
driblei a primeira barreira, que eram os técnicos que discutiam o porquê de ter
que montar mais refletores que o normal, formas diferentes de fazê-lo,
principalmente para acabar a montagem mais rápido, se iam ficar ganhando
sempre a mesma coisa.
Minha resposta sempre era que iria possibilitar aos donos do teatro alugá-
lo para mais companhias, já que os trabalhos de montagem acabariam mais
cedo, e com isso o trabalho dos técnicos teria mais visibilidade e assim poderiam
ter recebimentos diferenciados e que iriam descobrir que, de acordo com o
trabalho de cada um, seu nome ia ser comentado a quilômetros dali por pessoas
140
Anexos – Entrevista Jorginho de Carvalho
que ele nem conheciam e elas também não, mas que, se por acaso se
encontrassem, iam ter imenso prazer somente por estarem se
conhecendo. Essa é a magia do teatro, pelo menos para os Tabladianos é
assim.
Nem preciso dizer que, com isso, o canal para difundir novas
metodologias para se montar uma luz e realizar uma Iluminação de maneira
diferenciada, entendendo a luz como intérprete de um espetáculo, estava aberto.
Bastava ocupar e difundir. Em suma, como poderia ter uma opinião diferente da
sua hoje, quando me entendo ter sido um bandeirante da minha época
pesquisando a descoberta das entranhas da Iluminação nos teatros do
Brasil. Minha resposta já foi sim à essa terceira pergunta, por todas as respostas
das outras perguntas. E desculpe a minha prolixidade. Essa palavra existe?
(risos) Eu sei que a empreguei por ter consciência de ser um prolixo exagerado.
Então, sobre a parte de dar exemplos de alguns espetáculos, os dois vídeos que
lhes enviei são bastante ricos a respeito da interação com o público e interagindo
com sua atuação no espetáculo.
141
Anexos – Entrevista Lucas Amado
L.A. – Eu não penso a luz como o refletor que acende, até porque eu vejo
a escuridão como luz também. Talvez o meu pensamento seja imaterial, porque
a luz para mim é mais uma sensação, mas é material porque eu preciso estudar
o material, a fisicalidade e a geometria. Então o meu processo é o estudo de
referências. Tem uma citação do Waldo León que era fotógrafo, iluminador e
artista visual, que fala sobre como eu vejo a luz hoje: “A luz é a influência mais
importante em nossa percepção visual do mundo”. Eu olho o mundo como
geometria. Quando eu entro em qualquer lugar eu olho a luz, mas antes eu olho
a porta retangular que compõe com a parede e a luminária redonda e a distância
da mesa ao chão e faço tudo isso em segundos. Então, sempre que me chamam
para dar consultoria em algum lugar, eu sempre começo vendo a dimensão do
lugar, seja para fazer a luz de um bar ou de uma ópera. Eu vejo a dimensão e
isso sempre foi natural para mim, mas agora, estudando isso, eu compreendo
que é assim. Então para mim é imaterial.
243 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia em Curitiba no dia 07 de março de 2020.
142
Anexos – Entrevista Lucas Amado
143
Anexos – Entrevista Lucas Amado
tem ficado mais orgânico para mim na escolha de equipamento, de equipe. Para
mim tudo influência. O meu contato com a obra está em primeiro lugar.
G.V. – A obra…?
144
Anexos – Entrevista Lucas Amado
145
Anexos – Entrevista Lucas Amado
146
Anexos – Entrevista Lucas Amado
L.A. – Concordo plenamente, mas entendo pelo jeito que ela escreveu
que nós não supervalorizamos a luz dentro de um processo. São vários sentidos.
Ela pode ajudar, pode compor, pode ser o objeto de estudo, ser a obra, estar
dentro e estar fora. Eu concordo muito! E é muito interessante fazermos um
estudo básico e objetivo do surgimento da iluminação no mundo, do surgimento
da iluminação no Brasil, do surgimento dos refletores e do caminho todo da luz.
De como veio desde o uso do óleo de baleia até a energia elétrica e os refletores
no mundo. Daí, de repente, começam a chegar outros refletores. Por exemplo,
o elipso mudou a história da iluminação no mundo. Ele começou a trazer muitos
significados. A luz não era mais igual. O dia é âmbar, a noite é azul, a floresta é
verde. Ele começou a fazer recortes, focar, desfocar, fazer triângulos, formas
geométricas, colocar gobo na frente. Estou falando disso para dizer que a
história da iluminação é paralela, mas que ela é arte e um movimento artístico
que é muito complexo, bom e ruim, bonito e feio. A luz é isso também. Não tem
como separar, é intrínseco. A história nos mostra o quanto ela é ressignificada.
As pessoas lutaram muito para mostrar a importância do trabalho. E hoje ainda,
eu luto para mostrar a importância do meu trabalho. Quando eu chego num
grupo, principalmente de música, eu vejo que a galera da música, a não ser os
famosos que já tem uma equipe que trabalha com isso e mostra a importância,
a maioria não entende e acha que é um pisca-pisca, só uma geral que acende.
E não é! Quando você encontra alguém que não é famoso e te diz “eu estou
fazendo um show, estou com pouca grana, mas estou escolhendo algumas
147
Anexos – Entrevista Lucas Amado
pessoas para trabalhar. O cara do som é tal pessoa e eu queria trabalhar alguém
da luz, meu show é sensível e eu gostaria de ter esse cuidado da luz.” Quando
você percebe que alguém viu isso, eu faço até de graça, às vezes, porque a
pessoa viu que a luz faz parte da obra. Eu acho que essa pesquisa é fundamental
e que precisamos fomentar essas pesquisas. Eu tenho esse texto da Cibele
Forjaz, e adoraria conhecer ela, e carrego isso daqui para todo lugar por que o
nosso mundo é muito machista e o homem é muito burro e ele leva essa burrice
para todo lugar. Daí, quando você olha para uma mulher que estuda você olha
e diz: “Luz é isso! Não é um ‘negócio que acende’, é um pensamento, sensação”.
Essas pesquisas precisam estar no FaceBook, no Instagram. As pessoas
precisam ler isso e entender isso. Inclusive essas perguntas, todo mundo devia
estar recebendo essas perguntas, ou lendo as respostas de outras pessoas. Eu
acho a pesquisa inteligente.
G.V. – Tem algum outro trabalho, além de A casa, no qual você veja
esse conceito de luz ativa?
148
Anexos – Entrevista Lucas Amado
molas esticadas, que faziam com que a plataforma andasse para todos os lados.
Ela estava no lugar, mas ela se mexia para cima e para baixo quando ele andava.
O interessante desse cenário, é que ele foi feito baseado na obra de um alemão
que trabalhava com essa pira de sensações na arquitetura. Era um cenário de
ferro e uma hora de texto, texto, texto e ele ali, parado. Eu pensei “o que eu vou
fazer?” Então eu fiz tudo com luz de jardim, PAR 38 e PAR 36, que chamamos
de pin-beam, e uma mesa analógica de doze canais, porque não tínhamos
grana. E tem um efeito específico, tem vários, projeção…, mas tem um que era
muito foda. Eu estudei muito para fazer, mas foi meio no grito. O ator estava no
meio dessa estrutura, falando o texto, e o texto falava de pessoas que somem.
Por exemplo, pessoas que moram na rua e que se misturam com o lixo, chega
uma hora que elas somem e você não vê mais elas. Elas somem. Estão ali, mas
ninguém mais vê, porque a sociedade começa a ignorar o que é feio, não é? Ele
falava isso, “as pessoas somem” e eu sentia necessidade de colocar uma coisa
óbvia, eu odeio trabalhar com o óbvio, mas coloquei o óbvio. Então ele ia falando
e ia sumindo, por que eu coloquei uma luz, um contra reto que passava em cima
da cabeça dele, mas não batia nele, num azul anil, 274 da Rosco, porque é uma
cor plástica e com fumaça ela fica forte e robusta, então realmente ele some. E
tinha uma PAR 36 em cima, no rosto dele e enquanto ele ia andando bem
devagar para trás, uma trilha ia entrando e ele ia falando e não dava para ver
que ele estava andando por que eu ia tirando esse pin-beam e colocando esse
contra e ele sumia. Ele sumia, a um metro e meio das pessoas, e todo mundo
ficava chocado. Fizemos umas duzentas apresentações no Brasil e todo mundo
vinha falar comigo, não entendendo esse efeito. E tem outra peça, que se chama
Air Bag, que eu fiquei muito orgulhoso e que dá para entender o quanto a luz é
importante. Ela foi feita num galpão retangular aberto que só tinha duas paredes
e gente morando lá, merda no chão… A luz não entrou em mim na leitura do
texto, mas entrou em mim quando eu cheguei no lugar, na visita técnica, já. A
hora que eu cheguei e olhei a Guenia (Lemos), que é a cenógrafa e estava
apresentando o espaço, eu falei que se estávamos saindo de um palco italiano,
não tinha porque fazermos a peça de frente para a plateia, então sugeri fazer em
diagonal e me fodi, porque não tinha eletricidade no lugar. Eu comprei um poste,
149
Anexos – Entrevista Lucas Amado
metragem de cabo, bitola, calcular a altura. Tive que chamar um cara que
entendia de arquitetura para descobrir se as tesouras de aço iriam aguentar,
porque tinham partes enferrujadas, então eu tive que criar barras, descer canos
de seis metros e todos angulados… Geral, centro, contra. E nesse trabalho, eu
usei três linguagens: luz arquitetural, porque todas as paredes ascenderam de
cinco em cinco metros com aquelas tartaruguinhas, para criar uma linha reta. Foi
feito grafite e o cenário era um monte de carro velho, amassado e eu falei, tem
muita poluição, porque, além disso, tinha a iluminação de teatro. Então tinha a
arquitetural, depois a de teatro, uma coisa bem clean, limpa. Eu desci luminárias
retas para criar simetria no espaço. E levei Moving e Par LED, que ninguém leva
para o teatro, é difícil. Então todo mundo ficou de cara comigo, porque era esse
ambiente aberto com um monte de equipamento, e máquina de fumaça no chão,
era uma loucura. E com esses dois trabalhos, eu ganhei prêmios.
150
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
G.V. – Sim, mas acho que você não precisa se prender nas
discussões da física. A pergunta é também sobre a sensorialidade.
M.B. – Se eu for pensar num projeto meu, eu acho que tem um lado do
resultado do meu trabalho, que quando você me pergunta isso eu fico pensando
um pouco em concretude e subjetividade, penso um pouco por aí. Acho que a
minha luz, e qualquer luz, tem um lado material, concreto, óbvio, que é daquilo
que enxergamos e que deciframos, como a cor… E tem o lado da sensação,
daquilo que muitas vezes o público não consegue identificar, mas toca em algum
lugar que, talvez, até eu, como criadora, não consiga dimensionar, porque acho
que depende muito da referência pessoal de quem assiste. Mas eu acho que
nós, como criadores de um universo visual, eu acho que nós atuamos no visível
e no decifrável, e também no indecifrável, fazendo um trabalho mais subjetivo.
Eu trabalho muito com o concreto, com o material, quando estou projetando as
coisas técnicas, que são muito concretas. Tem que lidar com equipamentos, com
as especificações de cada espaço, de cada espetáculo, mas, não raro, o
resultado de um projeto, para mim, depois que ele já está montado e afinado, e
que eu já estou trabalhando nele, por mais que eu planeje tudo, sempre tem algo
244 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia em São Paulo no dia 27 de janeiro de 2020.
151
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
que acontece e que eu não previa, não esperava e que, às vezes, vai para
o positivo e às vezes para o negativo. Então, tem também um dado, você acha
que controla tudo e domina tudo, mas tem, no fazer da luz, algo que só se dá
quando ela está ali, montada de fato. Não tem 3D que simule. Então, eu acho
que tem também um fator surpresa, sempre.
152
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
M.B. – Acho que a primeira coisa que eu posso te responder é que você
não tem medo de errar quando está dentro de um grupo onde todo mundo se
conhece. O processo ali é muito mais importante do que o resultado, então, se
o resultado não for tão bom, do ponto de vista estético, com certeza o processo
foi. Porque, às vezes, o processo é tão profundo que ele vai te conduzindo para
coisas que nem sempre serão o espetáculo como objeto final. Então, várias
vezes, é o processo que vale a pena. Você chega num resultado, que é o
resultado do processo. Quando uma pessoa te chama para fazer um trabalho a
um mês da estreia, você conseguindo assistir três ou quatro ensaios, com um
dia de montagem e estreia no dia seguinte, você não pode errar. Então, muitas
vezes, você nem faz aquilo que você acha que é o ideal, mas você faz aquilo
com o que você não vai correr risco. Você não vai experimentar umas coisas que
não fez ainda. Eu estou exagerando, para ficar claro esse lugar. Vivemos uma
situação bastante cruel aqui, de estreias. Temos muito pouco tempo no palco. É
diferente de um figurino, que você consegue, em sala de ensaio, cortar, mexer,
subir, descer... Na luz, você só consegue quando vai efetivamente para o teatro,
ninguém tem um espaço onde você consegue reproduzir, com todo o
equipamento, o que seria o ideal. Eu não me lembro de nenhuma companhia
que tenha um teatro como sede, em que você possa ficar ensaiando e no qual
você vai estrear, no qual você fique montando a luz ao longo do processo... Isso
não existe. Tem essa crueldade de você ter que ser muito assertivo. E eu sou
cenógrafa, não só iluminadora, então, o tempo todo, eu estou virando a chave
de uma coisa para a outra. Na luz, eu acho mais cruel, de todas as áreas
criativas. Então, acho que isso de não ter medo do erro é uma coisa que só é
possível no lugar do trabalho em grupo. Outra coisa interessante de trabalhar
em grupo é que todas as pessoas conhecem o teu trabalho, então eu posso
contar, por exemplo, se eu fizer um cenário (desculpe falar de cenário), mas que
vá ser manipulado pelos atores, que não vamos usar contrarregra. É muito difícil,
153
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
para mim, propor isso em um elenco comercial, dizer “vocês vão virar essa
parede, girar isso aqui”. Num trabalho de grupo isso faz absolutamente parte,
sabemos que podemos contar um com o outro e podemos mesmo.
154
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
até a terceira idade, mas tem um recorte mais forte na infância e na juventude.
Eu acho que quando eu faço teatro para criança, eu levo muito mais em
consideração o público do que quando eu faço teatro para adulto. Em vários
sentidos, até nisso de, antes de começar o espetáculo, não poder dar um
blecaute total na casa, porque a criança pode começar a chorar e vários diretores
me pedem isso. E eu digo: “azar da criança, ela precisa se acostumar”. Porque
a gente vai levando em consideração a criança... E eu adoro quando, por
exemplo, você faz um arco-íris e as crianças gritam “UM ARCO-IRIS!”. Eles
embarcam e acreditam muito mais. E é gostoso fazer uma luz lúdica, saber que
vai rolar uma identificação e um entendimento daquilo. Então, talvez, nesse
sentido, eu me preocupe mais, ou leve mais em consideração um público mais
jovem e que me divirta mais, também, fique mais livre para provocar e para
brincar do que com um público adulto, que você não pode jogar uma luz na cara,
que ele já se sente ofuscado e tampa o olho, e incomoda, porque o que eles
querem é ficar ali, confortáveis nas suas cadeiras.
G.V. – O que é essa ludicidade que você diz ter nas luzes que faz para
espetáculos infantis?
M.B. – Eu gosto muito de trabalhar com cor e tenho muita facilidade com
mistura de cores. Eu sempre saí dessa palheta básica de gelatinas, busquei
cores diferentes e eu fico completamente livre, nesse sentido, para misturar
gelatinas no universo infantil. Um pouco pelas temáticas, ou pela facilidade
mesmo. Você não precisa estar dentro de um desenho estético muito definido,
eu sinto que tenho muita liberdade em relação às cores. Eu sinto que as crianças
recebem muito bem a cor e reagem muito. No último espetáculo que eu fiz com
a Banda Mirim, que se chama Buda, eu uso moving-lights e é uma delícia, porque
qualquer movimento... Por exemplo, tem uma hora que a atriz diz que quando
Buda nasceu, uma luz atravessou a floresta, e ela faz um movimento com o
braço, e daí tem um moving que anda junto com ela. Não há sessão em que as
crianças não reajam a isso e é uma bobagem, do ponto de vista do desenho de
luz, mas acaba sendo tudo mais fantástico mesmo. É uma liberdade que se tem
ao criar para criança que nem sempre conseguimos ter no teatro adulto, por que
155
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
temos que estar em uma estética, usar só temperatura de cor, ou ter desenhos
mais marcados, luzes mais paradas. Eu acho que o teatro infantil ganhou uma
importância, nos últimos quinze anos, ou ele começou a ser mais compreendido.
Quando eu comecei a trabalhar com luz, em qualquer teatro que você chegasse
para trabalhar, setenta por cento do equipamento do teatro era para o adulto e o
resto do infantil. O tempo para a montagem também, sempre uma coisa bizarra
para o infantil, era chegar e fazer com uma geral. “Tem uma geral azul, uma
branca e uma âmbar, se vira aí...” Eu peguei isso, e hoje em dia é muito de igual
para igual e, muitas vezes, o infantil tem até mais espaço, porque tem mais
público e, às vezes, mais dinheiro envolvido. E eu acho que nos últimos quinze
anos, na cidade de São Paulo, que é onde eu trabalho mesmo, a produção de
teatro infantil é impressionante e tem espetáculos muito, muito legais. Só falta
as pessoas entenderem que, na verdade, fazer bom teatro para crianças é
garantir público jovem e público adulto para o teatro. Público jovem ainda é um
problema, mas, de uns oito anos para cá, começaram a ter espetáculos mais
específicos para o público jovem. É muito difícil ter espetáculos legais para
adolescentes. E tem cenógrafos, figurinistas, dramaturgos, diretores e grupos
maravilhosos de teatro infantil. Eu acho muito legal para todo mundo, não só
para o iluminador. É um lugar de liberdade mesmo. E tem isso de você estar
formando o público do futuro, com qualidade. Eu me lembro de, quando jovem,
ir assistir alguns espetáculos infantis muito ruins. Eu já era bailarina, na época,
então já tinha uma noção de palco, uma noção estética e pensava que era muito
ruim. E hoje, ainda, eu tenho memória desses espetáculos e penso “Meu deus
do céu...!”.
156
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
157
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
luz, para que ela incidisse sobre a Ceumar e projetasse uma sombra no fundo.
E o sentido dessa luz só era aquela sombra e não ia dar certo. A Quito me viu
meio estabanada na mesa, perguntou o que estava acontecendo e eu falei
“Desafinou o refletor...”. Ela me disse: “Ué, vai lá e afina!”. E eu “Mas agora? No
meio do show...?” E ela me disse: “Se você precisa dessa luz, vai lá e afina, está
ali, na beirinha do palco, você não precisa nem subir”. Essa coisa super besta
fez com que eu quebrasse completamente a minha quarta parede, ali, de técnica.
E assim, não existe essa barreira entre o palco e a cabine. Ninguém ali na plateia
está achando que está acontecendo mágica, todo mundo sabe que tem alguém
por trás. Claro, ela não me falou isso, mas eu entendi tudo isso naquele
momento. E deu tudo certo, resolvemos e o show foi ótimo. E agora, quando eu
paro para pensar, nem era tão essencial assim, dava para ter resolvido de outra
maneira.
158
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
M.B. – É jogo e aí não tem operador, por melhor que seja, que tenha essa
escuta. É um treino e uma coragem. Você precisa ter determinadas
características para conseguir estar ali, em tempo real. Até o aquecimento era
meio junto, íamos aquecendo os corpos e os refletores e abríamos para o
público, o negócio começava e era um sucesso. A partir dessa experiência com
a Quito, eu nunca mais consegui operar um espetáculo de teatro com prazer,
virou uma coisa muito chata, ainda mais depois das mesas computadorizadas,
que você só aperta o go. Foi ficando, para mim, uma coisa muito, muito
robotizada. E aí, depois desse espetáculo, eu fui trabalhar no Nova Dança. Daí
sim, com os bailarinos absolutamente treinados para o improviso, então, era um
jogo super vivo, era um espetáculo que eu saía suando da mesa de luz. Eu não
conseguia nem olhar para a mesa, eu ficava o tempo todo de olho no palco e
propondo, recebendo, propondo e propondo. E, às vezes, eu é quem dava o final
do espetáculo, quando eu percebia que já tinham se esgotado todos os recursos
e a história já tinha sido contada. Essa experiência com a Quito, para mim, foi a
mais profunda da relação iluminadora/intérpretes e, talvez, também, da minha
relação iluminadora/plateia. O público do Nova Dança sabia que os espetáculos
eram sempre diferentes e voltavam. E aí começaram a perceber que a luz
também era sempre diferente. Foi uma fase em que eu vi que nós estávamos
formando um público que ia prestando atenção na luz. Então, eu ouvia de
pessoas, que não eram críticos de teatro, mas pessoas amigas ou do público em
geral: “Nossa, eu nunca tinha visto isso, nunca imaginei que tinha uma pessoa
por trás” ... Eu não entendo como (risos), eu fui sentindo uma alegria de perceber
os meus novos amigos percebendo qual a minha importância dentro do meu
trabalho, é legal isso. E com a Quito tinha isso mesmo, de o público ver, rever e
interagir, dizendo “...ontem foi melhor”, “...hoje não teve aquela cena” e perceber
que é realmente diferente a cada dia. Só que ficou muito difícil fazer qualquer
coisa depois disso, que fosse roteirizada, fechadinha. Então, hoje em dia, eu
159
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
consigo operar muito show, porque ali tem essa liberdade. Claro que tem um
roteiro, mas para a luz é muito livre. E consigo operar os espetáculos das minhas
companhias, que daí o vinculo é outro, está além do jogo de cena, mas está ali,
mantendo a qualidade, estando junto do grupo... Eu nunca mais consegui operar
uma luz que não fosse aberta.
M.B. – Com a Quito sim, o Nova Dança tirou um ano sabático que já dura
quatro anos, mas agora está com algumas ideias para voltar. Mas continuo
trabalhando com a Quito, sim, e no ano passado fizemos um espetáculo super
legal, que é o Skellig, um espetáculo para crianças, dentro dessa linha de
improviso, em que todo mundo faz todos os personagens e tem um jogo bem
aberto, porque a Quito também acabou ficando um pouco desse jeito. Não dá
para ficar sem jogo cênico, não dá mais para fazer teatro tradicional na forma.
Então, por exemplo, eu dei, várias vezes, na SP (Escola de Teatro do Governo
de São Paulo), exercícios de improvisação na luz, porque é um traquejo que os
iluminadores e os operadores precisam ter, não só da coisa de resolver
tecnicamente com rapidez, mas de pensar e respirar junto com quem está no
palco. Não dá para você ficar jogando no celular porque a próxima cena é em
cinco minutos e você só vai dar um go, você precisa estar respirando junto
porque senão, não tem porque você estar lá. Agora eu sinto dessa maneira e
escolher um operador para operar as minhas luzes também se tornou uma
questão importante. Que tipo de envolvimento essa pessoa vai ter, e um pouco
pelo temperamento do espetáculo também.
G.V. – Posso te pedir mais exemplos de trabalhos nos quais a tua luz
agiu na construção dramatúrgica do espetáculo?
M.B. – Tem um espetáculo que eu gosto muito e acho muito forte, mas
não sei se tem vídeo dele. É um monólogo da Roberta Estrela D’Alva que se
chama Vai te Catar e que conta umas coisas da vida dela. É um Spokenword,
uma técnica americana onde o texto é dado de uma maneira na qual a palavra
tem uma força poética, quase musical. Então, tem esse jogo, não só do que está
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Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
sendo dito, mas do como está sendo dito. E a luz desse espetáculo... Eu fui ver
uma leitura do texto e o desenho veio inteiro para mim. E era muito movimento!
O espetáculo de uma hora tinha uns trezentos e cinquenta movimentos. Ele era
muito pautado na palavra e na imagem da palavra. E eu tive a sorte de ter uma
operadora que entendeu tudo e que operava super bem, porque se não operasse
super bem, ficaria uma porcaria. Esse espetáculo era um reloginho do texto,
trilha e luz. Mesmo o público mais leigo e distraído não tinha como negar a luz.
Era muito impactante e foi muito importante para mim.
161
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
e fazer um piso e teto brancos, isso rebateria uma coisa na outra... Mas o pé
direito era baixo e teria que iluminar de baixo para cima e de cima para baixo.
Fui olhando o espaço, meio desesperada e meio pensando em soluções. Saí de
lá e disse que tudo o que eu tinha planejado não daria certo, a não ser que eu
fizesse tal coisa. Ela me disse: “Faça!”. E assim foi meu pontapé inicial e na hora
de assinar o programa, ela disse que iria me colocar como cenário e iluminação.
Eu neguei, disse que “Não, não sou cenógrafa.” e ela me disse: “Mas existe uma
construção aqui e as pessoas vão querer saber quem fez.” Então eu pedi para
colocar que eu assinava o espaço cênico, porque era mais abstrato e menos
legível. Discutimos um pouco mais os materiais, ela me pediu coisas mais
orgânicas, disse que não queria tela plastificada... e essa discussão era uma
novidade para mim. E funcionou muito. Eram dois grandes rebatedores
horizontais e deu super certo. A Quito é que foi me dando essa liberdade para
criar.
162
Anexos – Entrevista Marisa Bentivegna
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
245 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia em São Paulo no dia 27 de fevereiro de 2020.
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
efeito que a luz vai ter lá. Não é meu material de trabalho. Acho que a minha
palavra ainda é a luz, apesar de eu gostar muito das palavras e usar muito as
palavras. Eu também uso o meu corpo, as palavras, a luz, a cena. Mas eu não
sou uma profissional de luz e não me considero uma iluminadora. Eu parei de
estudar, de pesquisar luz e de me dedicar só ao exercício de iluminação. Eu sei
que quando eu vou para um projeto hoje, as pessoas me chamam porque eu
tenho um negócio diferente dos iluminadores. Eu vou lá perturbar o processo,
cutucar, perguntar outras coisas e, por acaso, também fazer a luz. Mas é mais
comum que as pessoas me chamem por outros motivos que não a iluminação.
167
Anexos – Entrevista Nadja Naira
movimento mais rápido”, “podia ser um movimento mais lento”, “quem sabe se
tivesse uma cor...”. Mas, por exemplo, eu posso falar de um período em que a
minha luz perdeu a cor. Isso é bem interessante e tem a ver com o Marcio Abreu,
com crueza, com mostrar o que esta acontecendo na real, sem deixar de ser
mágico, misterioso, mas, ao mesmo tempo, buscávamos uma forma de fazer
teatro e de construir a cena que não fosse excessivamente romântica ou
psicologizada, falsa ou antiga. Buscávamos uma contemporaneidade nos
assuntos, na forma de se relacionar com o espaço e com a plateia. Tinha muito
a ver com “quem são essas pessoas?” e com o como colocamos o público e o
ator, “que espaço é esse?”. O que foi acontecendo com a minha luz é que ela foi
perdendo um ângulo dramático e foi perdendo a cor. Eu fui percebendo que a
minha luz deixou de ser desenho e começou a ser volume. E tem uma questão
no uso da cor, eu comecei a usar luz nos objetos e cor nos objetos, e não cor
nos refletores. Então eu não usava um filtro colorido, mas eu interferia muito na
cenografia e no figurino, porque eu comecei a entender que a cor não estava na
luz. Eu só podia mexer um pouco na temperatura da cor: se era frio e, portanto,
mais seco, ou se era mais quente e doce, suave. A luz foi ficando sem cor, soft
e volumosa, enquanto a cenografia tinha volume, muita cor e era recortada.
G.V. – Você tem algum espetáculo que possa ilustrar esse período?
N.N. – Muitos! Um deles é o Esta Criança, que talvez seja a luz que
resume essa fase em que eu não trabalho mais com espaços isolados, com foco,
efeito nenhum, apesar de a cenografia ser cheia de efeitos. Paredes se moviam,
a luz entrava por frestas, eu deixava e sempre deixo que a cenografia faça a luz,
não que a luz faça a cenografia. É a cenografia do (Fernando) Marés que
compõe o espaço, a luz entre por ela, como se a luz viesse sempre de outro
lugar que não aquele que está ali. Isso talvez seja uma característica minha e do
Marcio (Abreu) que, claro, é a referência de como eu mexi na forma de pensar
conceitualmente a luz. São as demandas dele que me construíram também,
esteticamente, que limparam algumas ideias e que, literalmente, esclareceram
algumas coisas. É a minha relação com o Marcio (Abreu), porque pensamos a
168
Anexos – Entrevista Nadja Naira
G.V. – E a luz?
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
não vivemos? é uma festa... o que tem na luz de uma festa e que festa é essa?
Eu preciso iluminar essa festa, mas não pode ser uma festa porque seria uma
hora e meia de festa. Às vezes é uma festa e em outras não é. Às vezes a luz
mostra que é uma festa, às vezes não. O segundo ato de Porque não vivemos?
é um delírio, um sonho, uma coisa que eu vejo aos pedaços, aos poucos, eu
escuto partes de conversas, eu vejo partes de corpos. É outra coisa. São
linguagens diferentes e situações diferentes e não pode ser uma luz semelhante,
porque é de outra natureza, é de outro gênero. Como faz tecnicamente? Eu não
sei explicar.
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
ou didático? Não, não e não! Essas respostas são todas não. Não é para ele, é
com ele. Talvez seja essa a questão, são essas as palavras: “Como eu consigo
criar um espaço com ele, para que ele se sinta lá, vivo ativo, pertencente?” Não
é só pertencente num sentido bom, ele pode se sentir incomodado, querer sair,
não estar confortável em assistir a uma peça de três horas, a cadeira pode ser
desconfortável, a temperatura pode incomodar, as palavras podem ser difíceis e
ele precisa correr atrás de outras dramaturgias que não a das palavras, essas
coisas... Mas se não for o espectador é o que? Eu, minha vaidade ou o meu
desejo de fazer uma cena bonita para guardar numa foto? Tem peças que não
são fotografáveis, com efeitos belíssimos que nunca serão registráveis sonora
ou visualmente. São impossíveis de serem registrados porque dependem de
uma situação de relação. Então, em quem eu penso? No espectador. Talvez não
em cem por cento do tempo, mas cento e cinquenta por cento do tempo! Mas eu
não sou criadora de luz, entende?
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
mãe dizer que está esperando pelo filho e não tem cenografia, são só os corpos
dos atores. Boa parte da cenografia do Krum é feita pelos corpos dos atores e
não pelos objetos, pela cenografia física, que foi concebida pelo (Fernando)
Marés. Usamos bastante isso também. E a luz e a não luz, nesse caso do Krum,
são fundadoras da relação, elas começam a peça assim, então elas ativam o
espectador, de cara, para imaginar as situações, propor os espaços, completar
as imagens. Claro, com o que ele tem, mas o evento teatral fica muito mais rico
e mais comprometido, o público se compromete. Estimulamos ou
proporcionamos uma cumplicidade, uma convivência. É difícil que ele não se alie
a essa situação. O cara já veio ao teatro, já saiu da casa dele, leu o release da
peça, já está lá e quando ele se vê estimulado a correr atrás da imagem, atrás
de tentar entender onde é que está, de pensar “o que eu posso colocar aqui?”,
quando ele se percebe usando as memórias dele mesmo para completar as
imagens, é bem interessante. O Krum é bem legal para esse estudo de blecaute,
tem muita quebra de cena, eu uso muito. As pessoas vão dizer “blecaute é para
começar uma cena e para terminar” e sim, eu também uso como borda, como
porta de entrada e saída, uso para separar uma cena da outra, mas eu uso
errado, fora da expectativa das pessoas. Elas pensam, “mas porque agora
apagou a luz se não era para apagar a luz? Não acabou a cena, o ator ainda
está falando, apagou a luz no meio da cena do ator... erraram! Calma, ainda não
era para acender, eu vi o ator pelado saindo de cena, porque eu vi o ator pelado?
Errei!” Esse momento que parece que há um erro e que parece que eu estou
distraindo o espectador. Na verdade, eu não estou distraindo, eu só não estou
dando para ele, didaticamente, a coisa, e isso faz com que ele estranhe, e nesse
estranhamento, ele se ativa. Isso também vai ter no Nós, que é um espetáculo
do Grupo Galpão, de Belo Horizonte, que eu e o Marcio trabalhamos juntos,
assim como no Outros, tinha bastante isso também.
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
possa desnudar tudo e dizer “Olha, estamos todos aqui e é todo mundo da
mesma cor, do mesmo tamanho, respira no mesmo espaço, tem a mesma roupa,
os mesmos olhos, os mesmo sentidos, estamos aqui, é hoje, quinta-feira, três
da tarde!” Isso, eu faço um pouco de questão de fazer sempre, mas aí é um
pouco impositivo meu, mas eu gosto de usar essa situação. Às vezes eu me
questiono sobre o blecaute de começo e final, entrada do público com luz ou
entrada do público sem luz. É claro que eu me pergunto sobre essas coisas e
que às vezes eu as uso, da maneira mais óbvia possível, da cartilha mesmo,
uso. Acho que tudo bem, são os códigos que as pessoas entendem. Apaga-se
a luz acabou o espetáculo... Às vezes sim, às vezes não. Às vezes ajuda a
simplesmente acomodar as pessoas, tranquiliza. Então, se eu apagar a imagem
e diminuir o som as pessoas vão entender que acabou ótimo, tudo bem, eu
também uso esse recurso e não vou fugir dele só por estilo, para fazer uma
modinha.
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Anexos – Entrevista Nadja Naira
grupo. A peça Outros começa com um show, tem muito movimento, eu uso
strobo, uso cor, faço um show bem movimentado. Mas daí tinha um momento,
que era um momento saudosista, eles montam um baile e uma das mulheres
ensina as outras pessoas a dançar uma valsa. Aí você fala, “que coisa cheia de
mofo, que cena mofada.” Como que transformar essa cena mofada numa cena
contemporânea? Nós dividimos, mudamos a marcação dela, atrapalhamos a
lógica da cena, ao invés de ajudar, fazemos repetições que fiquem interessantes
e contem outras histórias através da aula da dança. E fomos mexendo nela
dramaturgicamente, repetindo a cena e tem um momento que eles param de
ensaiar e vão se apresentar, então, digamos que a mesma lógica que tínhamos
no Vida, temos na dança do Outros. Eu queria muito que tivesse um lustre. O
que compõe a cena? O que precisamos de cenografia nesse momento da valsa?
Íamos mudar o figurino de todo mundo, era um figurino de gala, bonito..., mas
tinha uma questão espacial, eu queria e precisava mudar o espaço. Como eu
faço isso? O espaço é branco, a cenografia é branca, tem uma parede de fundo,
mas não tem nada para as coxias, então não iam entrar objetos. Então eu propus
um lustre, porque para mim, um salão de baile tem um lustre. Mas não podia ser
um lustre antigo, um lustre de cristal, tinha que ser um lustre mais
contemporâneo. Aí nós ficamos, com o cenógrafo (Marcelo Alvarenga),
pesquisando e chegamos ao neonflex e construímos a luminária que é uma linha
de luz. Tudo bem, uma linha de luz... Só que essa linha de luz dança! E ela dança
muito, porque ela se mexe fisicamente, porque nós a mexemos, mas porque eu
uso strobo. Então eu crio uma imagem, sobre outra imagem, porque são duas
linhas de luz que dançam e a luz dança junto com eles. Eu consigo fazer o
espaço dançar com eles, porque eu movimento o teto com as linhas, projeto a
sombra deles sobre a parede branca, multiplicando a quantidade de dançantes.
Tecnicamente e plasticamente é um efeito, onde a luz consegue ajudar a
encenação.
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Anexos – Entrevista Pasquale Mari
246 Entrevista realizada pela autora por e-mail, enviado no dia 20 de janeiro de 2020 e recebido
no dia 1º de março de 2020 (tradução da autora com revisão de Antônio Palermo, original ao
final dos anexos).
179
Anexos – Entrevista Pasquale Mari
180
Anexos – Entrevista Paulo Cesar Medeiros
P.C.M. – A cada dia que passa, tendo a luz como meu principal elemento
de comunicação, percebo sua materialidade absoluta, sua forma, sua falta de
forma, seu constante estado de mutação por ser um elemento de percepção
sensorial. A ideia de que há uma luz pré-existente em cada corpo, em cada cena,
em cada relação humana, me atrai demais. Parto sempre da ideia de que nossa
tarefa mais nobre é a de dar materialidade a uma luz que já existe. Como cada
um de nós sempre verá a mesma cena ou as mesmas situações de maneira
distinta e peculiar, nunca haverá a “luz certa” ou a “luz perfeita”. Haverá sim, a
luz “que vemos”. A luz que cada artista percebe ao se relacionar com o objeto
ou ser humano a ser iluminado. Esse é um processo único, insubstituível e
sagrado. A materialidade da luz se dá no campo semântico, perceptivo e
emocional, mas se faz concreta se entendermos que para nós “ela está lá”. A luz
que nós vemos (e só nós vemos) está ali, esperando para ser vista.
247Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia por e-mail enviado no dia 17 de fevereiro e
recebido no dia 17 de março de 2020.
181
Anexos – Entrevista Paulo Cesar Medeiros
182
Anexos – Entrevista Paulo Cesar Medeiros
o público tem uma hierarquia do olhar. Começa nos olhos dos atores, depois
seus rostos, seus corpos, seu espaço, o cenário e depois os detalhes. Acho que
quando reaprendemos a ver com o olhar dos espectadores nosso olhar muda
definitivamente. Minha maior preocupação no momento de criação é de estar em
conexão com o espetáculo. Isso acontecendo, tudo flui naturalmente.
183
Anexos – Entrevista Renato Machado
248 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 26 de janeiro de 2020.
184
Anexos – Entrevista Renato Machado
185
Anexos – Entrevista Renato Machado
pessoa com quem não temos muito contato. A pessoa que escreve o texto não
é alguém que a gente tenha muito contato. O teatro, a partir do final do século
XIX e início do século XX, sofreu uma transformação muito grande que alça o
diretor, o encenador, a ser o principal condutor da narrativa, então o contato com
o encenador é absolutamente primordial. Eu digo, nas minhas aulas também, o
seguinte: temos que ter na cabeça que trabalhamos para outra pessoa. Eu
trabalho para um encenador. Por mais que eu trabalhe com uma ferramenta
poderosa, por mais que ela possa ter um nível de prioridade que a coloque acima
de outras ferramentas, eu trabalho para um encenador e devo satisfação a ele.
A minha função é usar a minha imaginação para criar um projeto que atenda a
expectativa e a imaginação dele. O contato com o diretor é primordial, assim
como com os desejos dele. Eu costumo dizer que, se você teve uma ideia
incrível, sensacional para resolver um projeto de iluminação, mas o seu diretor
não gostar da sua ideia, você vai jogá-la fora. É simples assim. Você vai pegar
a sua ideia incrível e vai jogá-la fora porque ele não curtiu a sua ideia. E tem um
outro contato, porque existe uma coisa importante que é a estrutura que o teatro
tem em torno de uma equipe de criação. Esse contato e essas relações, eu acho
que são superimportantes. Eu acho que, durante o processo de criação de uma
peça, ter encontros regulares com os principais responsáveis por cada uma das
disciplinas envolvidas na criação da peça, é fundamental. E para isso você faz
uma reunião na qual está o diretor, o iluminador, o cenógrafo, figurinista, diretor
musical, videografista, se for o caso, coreógrafa… Esses encontros, que definem
efetivamente a estética que aquele espetáculo vai ter, são fundamentais. Nesses
encontros, os atores normalmente não fazem parte e isso tem uma razão. Esses
encontros são um espaço que temos para dialogar com o diretor, enquanto o
ator tem esse espaço cotidianamente e não precisa desse espaço. Eu não
costumo discutir muito a criação com os atores, não é muito comum, apesar de,
às vezes, acontecer. Acho que, do ponto de vista das relações, eu posso ouvir
mais ou menos isso.
186
Anexos – Entrevista Renato Machado
R.M. – Acho que tem uma diferença. Mesmo quando alguém te convida
para um trabalho esporádico, que é, a princípio, um convite de alguém que você
não conhece, a ideia, quando você vai fazer o trabalho, é que aquela pessoa
chamou você pelo resto da vida dela (risos)... É estabelecer com ela uma relação
que torne possível ela te chamar para trabalhar com ela pelo resto da vida dela.
Eu entendo que tem diretores que não gostam disso, é um fato. Eu trabalhei com
uma diretora que gosta de mudar a equipe toda a todo trabalho e a relação dela
com o trabalho é essa: gosta de ter pessoas diferentes toda vez. Eu prefiro
trabalhar sempre com a mesma pessoa. Como iluminador, eu acredito que
criamos um vínculo que facilita muito as coisas. Primeiro, porque se você
trabalha repetidamente com a mesma pessoa, você tem um entendimento da
estética que aquela pessoa propõe e do tipo de trabalho que ela propõe. Isso é
uma coisa e outra, que é a seguinte: você tem um entendimento emocional da
relação que você tem com aquela pessoa e esse entendimento é muito
importante. Eu vou te dar um exemplo prático: eu trabalho com um diretor, que
é absolutamente querido e adorável, um ser humano que chega sempre para
ensaiar de muito bom humor e que tem muito prazer em trabalhar e que não tem
nenhum problema em delegar funções… Eu trabalho também com um diretor
que é muito difícil e com quem eu trabalho há muitos anos, mas ele é um ser
humano difícil e eu costumo dizer para ele que a relação dele com o trabalho é
como a de uma criança de cinco anos com um brinquedo, e que alguém precisa
chegar dizer para ele que o brinquedo dele não voa. O entendimento emocional
de você saber lidar com a pessoa faz você saber como chegar e dizer “seu
brinquedo não voa e não vai voar”. Tem vantagens de trabalhar sempre com a
mesma pessoa: você tem um entendimento da estética, do emocional e no trato
com a pessoa. E ela também com você, entendendo o que você procura no seu
trabalho. Por exemplo, nos trabalhos que eu faço nas companhias, eu
dificilmente proponho um projeto que não tenha nenhum tipo de risco envolvido.
Eu acho que, sem o risco, não tem graça nenhuma, e isso, normalmente, quem
está me contratando e trabalha comigo, sabe. É uma perda de tempo, ela sabe
187
Anexos – Entrevista Renato Machado
e tem noção disso. Sabe que vou propor para ela uma estrutura que não é muito
comum, que ela não está acostumada a ver. Vamos tentar encontrar um
equilíbrio para puxar a narrativa de um determinado lugar. Eu acho que o
trabalho também impõe certas coisas a você. Eu fui convidado e fiz uma comédia
dirigida por Bibi Ferreira. Era uma montagem de Tango, Bolero e Tchá Tchá
Tchá. Eu entrei nesse trabalho a uma semana da estreia e quando você entra
num trabalho nessas condições, você chega, vê um ensaio, faz a luz e acabou.
Você faz isso, porque é o que dá para fazer e entende que o trabalho impõe
limites. Nesse sentido, o trabalho de companhia é mais legal, porque ele impõe
menos limites. Você está no processo há mais tempo, conhece aquelas pessoas.
Eu vou estrear uma peça no início deste ano com a PeQuod, uma montagem de
Pinóquio, da qual nós já estamos falando desde meados do ano passado. Então,
você já está envolvido com aquilo há mais tempo, o que te permite fazer um
trabalho mais preciso. Se você vê um ensaio a uma semana da estreia, é isso o
que você tem e faz o que você consegue imaginar daquilo ali…
R.M. – Eu vou te dizer que não é com nenhum desses (risos). Na verdade,
o meu processo de criação é muito intuitivo, então a minha maior preocupação
quando eu estou criando a luz do espetáculo, é eu me colocar no lugar da mais
absoluta liberdade, de eu poder criar o que eu quiser. Eu dou um exemplo, que
eu acho que é um exemplo divertido, que é, se eu estou vendo um ensaio, e
acho que para aquela cena eu acho interessante que haja um refletor voando,
eu escrevo “refletor voando” e se ele vai ou não voar e como, é um outro
problema que eu vou resolver depois. Nesse momento, é legal que você possa
imaginar e ponto. Minha maior preocupação é ter a mente aberta num espaço
de liberdade, para que eu me permita ir para qualquer lugar. Se eu tivesse que
responder dentro dessa lista que você me deu, eu acho que seria a narrativa e
como eu posso fazer para ajudar aquela narrativa a chegar em quem está vendo,
188
Anexos – Entrevista Renato Machado
mesmo que ela não tenha texto ou seja abstrata. Como eu posso ajudar a pessoa
a ter percepção daquilo de alguma maneira. Tem uma frase do Jorginho de
Carvalho que eu adoro. Ele conta que estava trabalhando em uma peça e que
nela havia um ator que dava um texto no escuro, e que o ator veio reclamar que
estava dando o texto no escuro e o Jorginho disse “você está no escuro porque
você deveria estar, se não fosse assim, você não estaria. Está escuro porque é
o melhor para cena, para a narrativa, você estar no escuro”. Então, dentro
desses seus tópicos, é a narrativa, para estruturar a narrativa a fim de que ela
chegue em quem está vendo e, por isso, não me importa muito o ator e se ele
está no escuro ou não, mas importa como vai chegar e como estamos contando
aquilo ali.
189
Anexos – Entrevista Renato Machado
G.V. – Ela está sim! (Risos) Você ainda está atordoado com a tese?
Ou já passou?
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Anexos – Entrevista Renato Machado
o Artaud disse isso, algumas pessoas além de mim disseram isso (risos). A luz
permite uma manipulação da cena, por parte do diretor, que não existia, e isso
muda completamente a perspectiva do teatro no século XX e é fundamental.
Desse ponto de vista, eu concordo com ela, porque ela é um elemento cênico
atuante.
Por outro lado, o meu doutorado… eu falei do mestrado e agora vou falar
do doutorado (risos). Eu acho que como a luz elétrica foi uma grande revolução
tecnológica e que proporcionou novos caminhos para o teatro, o meu doutorado
defende que estamos diante de uma nova grande revolução tecnológica, e que
ela vai criar novos caminho para o teatro e já está criando. E essa revolução
tecnológica é a digitalização dos processos e o computador como ferramenta de
trabalho. Isso está gerando uma nova forma de construção da narrativa no
teatro. No meu doutorado, por exemplo, eu parto de uma peça que eu fiz e uma
que eu vi. A segunda foi de uma companhia britânica chamada Punchdrunk e a
peça se chama Sleep no More. É uma peça que se passa em um hotel de cinco
andares com mais de cem cômodos coreografados e, quando você sai de lá,
você pensa: “como esse cara controla e comanda isso tudo? Como ele controla
cem cômodos com o público podendo ir livremente para onde quiser?” Não tinha
um roteiro ou um guia para a plateia seguir e isso só era possível por conta da
digitalização. Isso tem levado a um novo paradigma da construção teatral e, na
verdade, estamos diante de uma coisa muito poderosa, porque a luz não só
interfere, de fato, na construção da narrativa, mas, como a Nadia diz, ela é
atuante na cena… A associação entre projeção, iluminação, sonoplastia,
cenografia e figurino com estrutura de tecnologia e a utilização do computador
como ferramenta, estão nos levando para um novo status, uma coisa
completamente diferente. Eu acho que estamos caminhando para uma coisa
divertida. E a peça que eu fiz tinha uma dimensão diferente: era uma casa com
dez cômodos, o público andava por dentro da casa e o meu operador de luz
andava por dentro da casa inteira junto com o público e operava tudo de um
tablete, a luz e o vídeo. Cenografia e figurino também, mas chega em outro lugar
e com uma certa perspectiva diferente, mas luz, som e vídeo são afetados muito
191
Anexos – Entrevista Renato Machado
G.V. – Sim!
R.M. – Eu acho que criar narrativa, ela sempre cria, esse é o jogo. Eu vou
te dar um exemplo que, dos trabalhos que eu fiz nos meus 30 anos de profissão,
talvez seja o mais radical. Eu tenho um grande amigo que é coreógrafo e um dia
ele me fez uma proposta ao contrário: que eu fizesse a luz e ele fizesse o balé
depois. E eu falei para você antes que, para mim, o ensaio é o objeto mais
importante de trabalho, de onde surge a coisa, então eu me perguntei: como eu
vou criar sem ensaio? Como eu vou pensar em um foco num bailarino se ele não
está lá? A primeira impressão que eu tive, foi de dizer que seria impossível, mas
fui para casa e fiquei com a proposta dele na cabeça. Eu cheguei em um jeito
que daria para fazer: propus uma estrutura em que a luz interage com os seus
bailarinos através de algum tipo de jogo e seus bailarinos vão ter que jogar esse
192
Anexos – Entrevista Renato Machado
jogo. Eu tinha cinco jogos: Um piso, que eram quatro placas de 60x60 em “L”,
que quando o bailarino pisava ela acendia e quando saia ela apagava; Em volta
do palco inteiro, haviam torres de um metro de altura que, na parte superior,
ficava um elipsoidal que estava diametralmente opostos a eles e, quando os
acendíamos com a fumaça, criava um linha no palco; E como nós tínhamos esse
território iluminado, era um jogo da velha e foi então que eu disse para ele fazer
os bailarinos dançarem sem encostar nessas linhas; Tínhamos quatro
luminárias, que ficavam cada uma em uma estrutura metálica presa em uma vara
americana vertical, com seu facho de luz podendo ser direcionado para cima ou
para baixo. Um bailarino era suspenso por uma vara de luz, preso em um cinto
de asa delta com um refletor amarrado em si, podendo iluminar o que ele
quisesse e, por fim, algumas lanternas de corpo. Ele criou a coreografia a partir
desses cinco jogos. Na verdade, nesse trabalho, podemos pensar que a
narrativa surgiu de propostas de jogos de luz. Nesse sentido ela é
completamente performativa.
R.M. – Claro Escuro, de uma companhia que hoje não existe mais, mas
se chamava Tanz House. Foi antes dos anos dois mil, não lembro exatamente
quando. Esse, talvez, seja o exemplo mais radical, onde fica clara essa
interferência.
G.V. – Com certeza fica (risos)! Você tem mais algum exemplo que
gostaria de contar? Senão podemos encerrar.
R.M. – Então, acho que, como eu te disse, ela sempre constrói narrativa
e os exemplos são sempre os mais frescos ou mais recentes… Ou esse que é
bem marcante. Eu acho que posso te dar mais dois exemplos que são
significativos e grandes projetos: O primeiro é da companhia de teatro Autônomo
e se chamava Deve haver algum sentido em mim que baste, de 2002, que
propunha uma interação que interfere diretamente na percepção do espectador.
Ele acontecia num espaço completamente fechado de 6mx12m e totalmente
irregular como forma. As pessoas entravam, ele se fechava e tinha um teto que
193
Anexos – Entrevista Renato Machado
194
Anexos – Entrevista Renato Machado
preto, então a casa está o tempo todo no escuro, com pano preto. Então, no
fundo do palco, a uns quarenta centímetros do fundo, tinha uma tela preta feita
de tela agrícola, que é uma variante nacional para a tela rosco. Atrás dessa tela
preta, eu coloquei oito minibruts apontados para o público. A luz ficava o tempo
todo numa intensidade muito baixa, como se a tela não estivesse deixando-a
entrar ali, e de vez em quando, a gente estourava eles na cara da plateia, e eles
não viam nada. Foi a maneira que nós encontramos para mostrar, no teatro,
como é uma casa onde a mulher fecha todas as entradas de luz natural e, nesse
sentido, é muito legal, porque entramos na história e construímos a narrativa, e
isso que é importante, o como mostramos para o público, como performamos e
como fazemos ele ver. Mas é isso, eu dou toda força para esse projeto da Nadia,
estou a disposição!
195
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
249 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia em São Paulo no dia 15 de janeiro de 2020.
196
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
R.G.C. – Eu sempre trabalhei mais com dança do que com teatro, por
conta da minha esposa e filha, que são bailarinas. Na dança, o trabalho é mais
livre, mas tenho feito também trabalhos com um grupo, estamos juntos há vinte
anos e lá eu posso executar o meu pensamento sobre a luz e a cena. As artes
da cena, a dança e o teatro têm uma relação diferente com a luz, comparando
com pintura, cinema ou fotografia, que são imagens bidimensionais. As artes
cênicas são tridimensionais e por isso a luz precisa ir além do quadro, do foco,
além da visão apenas pictórica. As pessoas usam recursos geométricos em um
fenômeno que não é geométrico. Eu entendo a luz como um sistema aglutinante,
ou seja, que não consigo separar o fluxo da luz em pedacinhos, assim como
acontece em relação à água. O teatro ao ar livre, sob luz natural, é exemplo de
uso da luz enquanto sistema aglutinante. Nos palcos fechados, eu luto o tempo
todo com a selvageria da luz, tentando domar essa selvageria com refletores,
recortes, mesas de controle, botões. Esse controle obedece, também, a uma
necessidade de seguir as demandas do público, cujo olhar está mais voltado
para as experiências de sistemas artificiais de luz no seu cotidiano do que para
os efeitos da luz natural. Assim você acaba sujeitando a arte e a expressão do
artista a demandas do olhar externo e isso me parece um pouco complicado. Eu
passo a desconfiar desse sistema de controlar o olhar. E nesse sentido eu
proporia uma forma de ver a iluminação cênica como uma coisa mais... não
sujeita ao espetáculo, à cena, porque assim, ela também poderia estar sujeita a
outras formas de controle, mas que dialogue, que converse e que troque,
democraticamente falando, com as instâncias, os acontecimentos estéticos, que
são o processo da criação. A criação do cenário, do ator, do texto e a da luz
estão todas dialogando em busca de uma autonomia e de não ser uma arte
subjugada a demandas externas. Entendo que as artes cênicas têm três
energias vivas: o ator, ou o dançarino que pode mover-se em cena; a luz, que
depende da eletricidade, é uma energia viva, e finalmente o som, que também
depende de energia elétrica e é uma matéria viva que está ali emanando de um
instrumento musical, da voz do cantor. Então são o ator, a luz e o som as
energias vivas. O restante não é que não sejam energias vivas, mas estão
estagnadas. O cenário, por exemplo, se você deixar uma cadeira lá no palco
197
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
durante um ano e ninguém resolva retirá-la, ela ainda vai estar lá. Penso que é
a partir dessas três energias vivas em cena que precisamos repensar as coisas
e repensar qual o estatuto da luz dentro da iluminação. Luz é uma coisa e
iluminação é outra. Nós estamos falando de iluminação cênica, mas estamos
falando de luz também, porque a luz é matéria prima da iluminação, mas a
iluminação, a técnica, que é o uso da luz para determinados fins, ela segue uma
história, os aparelhos que usamos, os tipos de lâmpada, tudo isso tem uma
história e uma evolução técnica. Encher o palco de LED não quer dizer
modernidade, você pode estar fazendo uma coisa muito antiga com um monte
de coisa nova. Precisamos enxergar que viemos da vela, que inventamos o
dimmer... precisamos sempre enxergar que, por trás dessa coisa, existe sempre
um princípio teleológico, funcional, pragmático. Até que ponto vamos fazer da
arte pragmática, ou seja arte para ser usada? Isso não é o sentido aristotélico,
que diz que a arte é para ser fruída, para você curtir, para você viver... então,
vem lá de trás, essa luta.
G.V. – E como você sente que esse tempo trabalhando junto interfere
no teu trabalho?
198
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
promove uma resposta em troca, o que causa um novo impacto, e assim por
diante.
199
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
G.V. – Então, isso significa que os teus projetos de luz não tenham
movimento?
200
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
R.G.C. – Eu concordo, claro, ela tem razão. A luz age, atua, interage com
a cena e com o espectador. O espectador é um ser que está vivenciando aquela
201
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
experiência e esse vivenciar depende das coisas que ele está vendo... Inclusive
da luz. Aquele acordo que foi feito para um trabalho é um acordo inteiro e o
espectador participa desse acordo, da orquestração de todos os elementos da
cena e dos sentidos que expressam. São várias linguagens que estão trazendo
uma ideia. Para mim, essa ideia é um sentido, no caso do teatro... no caso da
dança é praticamente a mesma coisa, mas está estritamente ligado ao corpo.
Dificilmente tem cenário ou, quando tem, não é um cenário que fique travando a
movimentação do bailarino no palco. A dança resume um pouco o número de
componentes visuais, mas ao mesmo tempo amplia o espaço cênico e as
possibilidades desse corpo se expressar em todas as dimensões. Eu acho que
a luz tem essa função de atuar, penetrar e entrar no elemento material da cena
e dialogar com essa materialidade. Eu dou muita importância para essa relação
física que existe entre a luz e a matéria. Aliás, isso é mais um capítulo da física:
luz e matéria. A relação que existe entre a luz e as coisas, que você vê num
descampado, mais luz aqui, menos ali, mais azul aqui, menos ali, mais verde,
marrom, aqui entra luz solar, aqui é pedra... Todo tipo de materialidade que
existe na natureza dialoga com esse trabalho e a melhor lição que temos é a luz
solar. Essa característica eu levo para cena. Quando uma atriz chega para mim
e diz que acha melhor um vermelho e eu digo não, é porque acredito que outra
cor ou nenhuma cor pode ser mais integrada com o conjunto. Esses ajustes
precisam ser feitos, porque tem coisas que são feitas, principalmente a cor, para
chamar atenção. Agora, o poder da luz é tão forte e tão grande na cena e por
isso é tão fácil manipular o olhar externo. Tem que tomar muito cuidado com
essa manipulação. Existe sempre um fator ideológico por trás da construção das
imagens que são apresentadas. Uma luz de uma festa é toda indireta e todo
mundo fica lindo, aí chega no banheiro, que a luz é sempre horrível e pensa “eu
estou mesmo assim?” E não está. Se a luz do banheiro estivesse na balada
inteira ninguém ia dançar ou paquerar. A luz indireta distrai um pouco... Eu já fiz
isso, coloquei a luz lateral, mais difusa, porque era uma cena de amor e eu
achava que não podia usar uma luz bem de frente. A luz é manipuladora do olhar
e eu sei disso, a Nádia sabe..., mas há aqueles que estão chegando para fazer
luz 3x4, profissionalmente inclusive. Continuam levando para a eternidade esses
202
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
preconceitos sobre como é uma boa luz no palco, sem saber porquê. Todo signo,
inclusive o signo da luz, tem uma história e uma ideologia por trás. Ainda falando
de manipulação, por exemplo, eu gosto muito do suspense como gênero, mas
quando o suspense se dá como elemento de natureza como em Esperando
Godot, do Beckett. Mas aquele suspense que a pessoa vai subindo degrau por
degrau e a sonoplastia vai fazendo tãnranran, tãnranran... ah, me poupe. Ou na
cena de amor que os dois correm e a música toca... Na vida, amamos sem ter
musiquinha, queríamos que tivesse, mas não tem. É uma coisa irreal, feita para
o mercado, para pegar o público como uma novela, mas não podemos nos
basear nisso, principalmente quando falamos em uma cena contemporânea, que
é muito aberta e que não se deixa levar por modismos, mas tenta firmar um
posicionamento de mundo. Quem quiser seguir, que siga, mas quem não
quiser... eu não vou tentar direcionar. O que eu vejo como importante na
diferença do teatro e da performance é essa relação com o público. No teatro,
se tem doze pessoas assistindo, influencia a atuação da equipe, deixa
desmotivado, enquanto que na performance não, ela acontece aqui e quem
quiser ver, fica, ela acontece mesmo assim. A visibilidade dela é ampla, aberta,
não direcionada. Se você quiser, você olha, se não quiser, não olha. A liberdade
que a performance tem não pode ser arranjada. Duas forças superimportantes
no teatro e na dança contemporânea do século XX para cá são Brecht e a
Performance. São muito importantes porque mudam o fazer e o ver o que está
sendo feito. Uma participação do social, do político, da quebra da representação,
como diria Brecht. Uma coisa é chegar e assistir a um espetáculo, outra é
vivenciar uma performance e atuar com ela. A performatividade do espetáculo é
uma coisa que está chegando devagarinho, mas tudo isso começou com Brecht.
Mostra tudo, perfeitamente como precisa ser, e então desconstrói e diz que isso
está sendo contado e o espectador fica em choque, como acontece no filme
Bacurau (2019). É um filme, conta uma história e, de repente, acontecem umas
coisas loucas que mexem com a nossa expectativa. É uma espera do
inesperado.
203
Anexos – Entrevista Roberto Gill Camargo
R.G.C. – Com certeza, não é para o público e se for é porque escapa. Não
é para nenhuma dessas coisas, no geral é para o todo. Você quer que as
pessoas curtam o seu trabalho, mas o teu trabalho é luz? Não, o trabalho é o
todo. Existe uma força muito forte que guia a comunicação dos homens, que é
mais forte que a força da gravidade. É o principal atrator: o sentido. Você olha
um aglomerado de pessoas na rua e pensa “o que está acontecendo?” Você
está querendo saber o sentido. E esse sentido, que eu chamo de todo, que o
espectador tem que viver. Todos nós fazemos isso quando assistimos uma coisa
que amamos. A plateia levanta, bate palma, quer pegar, abraçar, falar, por que
houve aquele encontro. Isso vem lá de trás como uma cerimônia. Agora, quando
fica a plateia aqui e o palco ali, isso não acontece... E não é a luz que precisa
fazer acontecer, é o conjunto. Às vezes, termina o ensaio e eu penso “não rolou”.
Há algo em mim, nos atores, em um dos atores, entre todos nós como sociedade,
que impede que a coisa aconteça, mas quando acontece não existe erro porque
as coisas acontecem em conjunto. É essa integração que faz a arte.
204
Anexos – Entrevista Rodrigo Ziolkowski
250Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia por e-mail enviado no dia 30 de março e recebido
no dia 20 de abril de 2020.
205
Anexos – Entrevista Rodrigo Ziolkowski
R.Z. – Ao longo desses anos que eu tenho trabalhado com luz houve
algumas parcerias mais duradouras. Com essas parcerias, vamos maturando
uma cumplicidade, ela fica maior e com isso temos um entendimento maior sobre
o trabalho. O trabalho com iluminação depende muito de interpretar o trabalho
da direção, lógico que você contribui criativamente, mas o grande objetivo é você
colaborar para que um projeto da mente de um idealizador se concretize, seja
ele o diretor, produtor, ou quem teve a iniciativa desse trabalho. Lógico que
quando você consegue integrar uma companhia por mais tempo você perde
menos tempo para descobrir os caminhos, para enxergar os reais anseios que o
criador tem para a sua obra e isso acaba facilitando e sobra mais tempo para
criar, que é o que se economiza com esses anos de trabalhos trilhados ao invés
de ter que descobrir a toda outra vez. Quando você trabalha com pessoas…
tendo pouca experiência com aquele artista, você pode levar mais tempo para
encontrar o melhor caminho.
206
Anexos – Entrevista Rodrigo Ziolkowski
207
Anexos – Entrevista Rodrigo Ziolkowski
marcar a própria assinatura no trabalho, mas com o tempo você vai percebendo
que isso é menos relevante e que você passa a interpretar a luz de um
espetáculo de maneira mais assertiva. Acho que a criação de luz tem dois
momentos: o primeiro é a concepção de um plano de luz do espetáculo e o
segundo é o momento quando o iluminador senta na frente da mesa de
iluminação e começa a passar o roteiro, porque aí sim você começa a escrever
uma dramaturgia com a luz, você vai pontuando, assim como as intervenções
das músicas, do cenário ou do figurino, e a luz participa ativamente de todo esse
processo. Nos últimos anos eu tenho tido o privilégio de trabalhar com a
companhia Ave Lola. Em alguns espetáculos tivemos a presença do músico
Jean-Jacques Lemêtre, do Théâtre du Soleil e nessa experiência eu pude
aprender muito. Humildemente, eu considero que a luz vem em segundo plano
com a sua participação no espetáculo, porque eu acho que antes dela vem a
música, que tem essa capacidade de pontuar o espetáculo, quando a luz vem
junto, reafirmando cada vírgula e cada ponto dessa narrativa. Então, a parte de
roteirização de luz é muitíssimo importante nessa parte ativa que a iluminação
pode corresponder, além da arte cenográfica, que seria estabelecer o contra luz
azul, por exemplo, ou branco… Para mim, isso faz parte da concepção e depois
a roteirização é que vai fazer com que essa luz pontue, respire, pause, acentue
certos momentos do espetáculo. Gabriela, obrigada pela participação nesse
projeto.
208
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
T.F. – Para mim, ela é, basicamente, material e imaterial. Material por que
temos que compor com um feixe, com cores, com um projetor, etc. Mas o
resultado e a ação da luz no palco são imateriais. Então, obviamente, temos que
passar pelas duas concepções da luz. Isso, para entendê-la e, finalmente, o que
mais nos interessa é o lado imaterial da luz, mais que o lado material, que ainda
é uma passagem obrigatória. É um pouco a matéria com a qual trabalhamos e a
dimensão imaterial da luz, é mais a ação da luz no espetáculo, se se trata de um
espetáculo.
T.F. – Ah, é muito variável, o que é muito bom inclusive, para mim. Isso
não nos impede de ter uma fidelidade com um diretor com quem temos
251Entrevista realizada pela autora no dia 04 de março de 2020 na ENSATT – École National
Supérieur de Arts et Techniques du Spectacle, em Lyon na França (tradução da autora, original
ao final dos anexos).
209
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
N.L. – E isso interfere, portanto, trabalhar com alguém que você tem
o hábito de trabalhar ou trabalhar com alguém que você não conhece, isso
influencia no trabalho?
T.F. – Já, para mim, o que mais me preocupa é a ideia que faço do
trabalho da luz neste espetáculo, é principalmente isso. A partir do momento em
que você é coerente consigo mesmo, que você propõe um trabalho coerente
com o trabalho do palco, coletivo, você fica mais à vontade. Naturalmente, o
ponto de vista do diretor é um ponto de vista essencial, pois é ele, em geral,
quem nos conduziu a esse projeto, por isso é essencial prestar atenção ao que
ele propõe, ir na direção que ele propõe, possivelmente não no mesmo sentido,
mas que haja um debate relacionado a isso, pontualmente. Mas no geral, é
importante irmos no sentido do trabalho do líder do projeto, de certa maneira.
Então, obviamente, quando eu estou minimamente em acordo com minhas
propostas, eu realmente espero que o diretor também esteja, o que nem sempre
é o caso. Então, neste caso, acontecem algumas discussões e depois mudamos
210
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
algumas coisas. Depois, do palco... então, do ator, eu ouso dizer que nunca, mas
músico, bailarino, aí depende... Se existem realmente questões imperativas, por
exemplo, um pianista que precise ver seu teclado para tocar ou que não queira
que sua partitura seja iluminada na cor azul, o que acontece diversas vezes,
então isso eu levo absolutamente em conta. No entanto, se um ator me disser
que se sente ofuscado pela luz naquele momento, em geral, eu o ouço, mas não
o levo necessariamente em consideração. (risos) Ou seja, para mim o que
importa é o olhar de quem está na plateia, que pode ser o diretor, o meu olhar,
obviamente, mas também o olhar do espectador, visto que essa é a última parte
da questão. Então, o espectador, eu começo a pensar nele só quando já me
sinto um tanto coerente em relação a tudo e aí sim, à força de constatar que eu
percebo muitas coisas no dia em que assisto à estreia e que já não posso fazer
mais nada, então isso significa que talvez eu não pense o suficiente no
espectador, (risos) visto que quando eu me encontro na posição de espectador,
percebo muitas revelações, tanto sobre o trabalho dos atores quanto sobre o
trabalho da luz, inclusive. Mas é verdade que minha primeira preocupação não
é com o espectador. Não é, enfim, porque eu espero que o trabalho que fazemos
juntos quando montamos um espetáculo traga algo de novo para o espectador,
algo que possa surpreendê-lo. De alguma forma, alimentá-lo com o que ele não
tenha sido alimentado antes. Parece muito pretensioso, mas ao mesmo tempo é
um pouco nossa ambição.
211
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
212
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
que a luz possa ser montada no palco. E aí todo o trabalho é modificado, todo o
trabalho dos outros é modificado e, principalmente, o do diretor que, se estiver
atento à luz, também saberá usá-la para extrair dela informações que transmitirá
ao espectador. E então o espectador, obviamente, vê apenas o todo e a luz é,
de uma certa maneira, o elo entre ele e esse todo. O link entre tudo. É isso, eu
quero dizer que se cortamos a luz, não há mais espetáculo, mas se iluminamos,
tudo o que foi posto em cena desde o início pode aparecer e naturalmente que
os atores, entre eles, se veem de forma diferente quando colocamos a luz, então
atuam juntos de forma diferente, os figurinos vivem de forma diferente. E nós,
naturalmente, os levamos em consideração para escolher tanto as direções
quanto as cores das luzes que devem funcionar com o figurino e a cenografia,
nem se fala, porque obviamente é ela quem esculpe a luz, é isso, nosso trabalho
é um trabalho que naturalmente leva em conta todo o trabalho, o conjunto. Foi
essa a pergunta?
T.F. – Sim, mas isso não impedirá que ela esteja pronta por último. Sim,
quer dizer, foi isso que eu quis dizer, foi bom que você retomou a ideia que eu
desenvolvi, porque ela não estava suficientemente precisa. A luz pode participar
muito antes. E, inclusive, a luz pode intervir desde as conversas de elaboração
do espetáculo. O que eu quis dizer é que, por um lado, é cada vez mais raro ter
o palco disponível por tempo suficiente para que a iluminação possa fazer
propostas reais com antecedência. Bem, falando nisso, eu tive várias
experiências, mas uma em particular que me marcou e sobre a qual podemos
213
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
conversar daqui a pouco, se for o caso, mas cuja iluminação apareceu muito
cedo, mas, em todo caso, a luz é a última coisa a acontecer (materialmente)
antes da estreia. O trabalho pode continuar depois, mas é raro vermos um
cenário ser transformado pouco antes da estreia, é raro ver figurinos serem
questionados no dia anterior à estreia, mas não é nada raro rever a iluminação
na véspera estreia, se não toda ela, pelo menos algumas cenas, é isso. Então,
o que quero dizer é que, de qualquer maneira, a luz, de uma ou outra forma, é
flexível o suficiente para poder ser trabalhada por muito mais tempo durante o
processo criativo.
T.F. – Ah, sim, trabalhei muito com Claude Régy, que morreu há pouco
tempo. Eu era o assistente de Dominique Bruguière na época e passei verões
inteiros trabalhando a luz durante os ensaios, porque quando nós chegamos, os
ensaios não haviam começado ainda, só o cenário estava montado, as luzes
estavam prontas e começamos a trabalhar assim, com luz. Eu vivi essa
experiência, gostei dela, mas percebo suas vantagens e também suas
desvantagens. As vantagens sempre existirão, obviamente, pois a luz envolvida
desde o início da criação é algo que valoriza a iluminação, de certa forma, mas
há uma desvantagem, eu acho, que é o fato da luz ser alguma coisa que... cada
passo da criação cria um evento que mobiliza a todos. Por exemplo, a chegada
ao palco é um evento, a chegada do cenário, presumindo que o cenário não foi
montado antes, é um evento, a chegada dos figurinos é um evento, a chegada
da luz, do som etc., também são eventos essenciais, na minha opinião, para
revitalizar a veia criativa. Se tudo estiver lá desde o início, falta algo que não
acontece quando se chega perto da estreia, então é preciso lidar com esse tipo
de coisa com cautela, na minha opinião.
N.L. – Entendo o que você quer dizer, é como quando uma peça é
apresentada por muito tempo, em algum momento há um relaxamento, e
isso também pode acontecer durante o processo de criação…
214
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
215
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
N.L. – Para a afinação, a gravação, tudo isso, você precisa ter alguém
no palco, mas você tenta trabalhar na programação, na afinação, então,
durante os ensaios?
T.F. – Ah, sim, isso é indispensável. Quero dizer, eu aprendi isso com a
ópera, não saberia como fazer de outra forma. Acontece comigo, quando temos
pouco tempo, e isso... Bem, as condições são um pouco excepcionais, mas esse
não é o tipo de condição que eu procuro. Como encontrar... nós podemos
preparar a luz o quanto quisermos, mas em um determinado momento é a
verdade do palco que nos indica o caminho do trabalho, na minha opinião. Trata-
se de observar o que está acontecendo, saber capturar momentos importantes,
as direções que são impostas de uma certa maneira aos nossos olhos de acordo
com princípios lógicos e... é isso, os bons timings, é assim que eu gosto de
trabalhar. E não vejo como podemos fazer diferente. É claro que isso pode ser
feito de maneira diferente, mas acho que com isso se perde algo essencial.
N.L. – Mas, por exemplo, para o timing ou para gravar uma cena, isso
é difícil de fazer durante uma passada, por exemplo.
T.F. – Ah, é mais difícil, mas depende de quantos efeitos você tem. Se
você tiver um a cada dez segundos, é complicado, mas se tiver um que pode
durar cinco minutos, é possível trabalhar nele. Isso depende, é verdade, mas é
verdade que o ideal, e é por isso que aconselho os alunos, quando possível, a
começar a operação da luz o mais rápido possível, mesmo que tudo não esteja
pronto, etc., porque esse é o primordial do nosso trabalho.
N.L. – Ah, isso é interessante, visto que tem a ver com essa ação da
luz, dá mais chance de ensaiar a operação, de coordenar, mesmo que não
tenhamos tudo, tem efeitos chave que serão ajustados com os ensaios.
216
Anexos – Entrevista Thierry Fratissier
T.F. – É isso.
N.L. – Obrigada.
217
Anexos – Entrevista Wagner Corrêa
W.C. – As duas coisas, material e imaterial. Vou tentar explicar... a luz tem
volume, muitas vezes tem forma, desenho, pode ser vista... nesse sentido é
material. Por outro lado, a luz pode não apresentar uma forma especifica, um
desenho. Digamos que se torna quase imperceptível. Mas, ela revela ou
esconde algo ou alguém em cena. Nesse caso, se torna algo imaterial em função
de algo material.
252Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia por e-mail enviado no dia 30 de março e recebido
no dia 02 de abril de 2020.
218
Anexos – Entrevista Wagner Corrêa
W.C. – Talvez não seja a quem, mas a quê... criar a atmosfera, o clima
necessário à cena. É muita coisa para dar atenção. A condução do olhar do
público, ajudar dramaturgicamente a cena, dar ênfase a um ou outro elemento,
um ou outro momento específico. No caso da dança, um ou outro movimento.
219
Anexos – Entrevista Wagner Corrêa
220
Anexos – Entrevista Wagner Pinto
W.P. – Ela é matéria, com certeza… posso te responder mais para frente
como eu penso?
2. Claro, como for melhor para você. Eu vou fazer algumas perguntas
que dizem respeito ao seu processo criativo, ok? Você costuma trabalhar
sempre com o mesmo diretor ou o mesmo grupo?
253 Entrevista realizada por Gabriela Valcanaia via Skype no dia 29 de janeiro de 2020.
221
Anexos – Entrevista Wagner Pinto
gravarmos a luz sem que eles estejam presentes… Sempre gravamos com
alguém, mas aí você não consegue ajustar a temperatura de cor e quando chega
na hora de fazer um ensaio técnico demora mais tempo porque eles precisam
descobrir onde está o foco... Tem coisas na formação dos atores que tem se
perdido, essa relação de saber se colocar na luz pela própria sombra é essencial.
Quando eu trabalhava na Cia de Ópera Seca, o processo sempre foi ter os atores
no palco, porque é a forma de todos entendermos juntos os efeitos… Isso
demanda um pouco mais de tempo e é cansativo para o ator que está há meses
ensaiando a cena, mas é o tempo necessário para que tudo fique fechado.
Quando a luz entra, ela chega para fazer o quadro final da história. Claro, você
tem cenário, tem figurino, mas é a luz que determina a fotografia. Eu penso em
fotografia o tempo inteiro, o meu processo criativo é em quadros, eu não tenho
um processo que pensa “a cena se trata de noite e dia”. Talvez eu inverta isso,
claro, depende de como o texto me dá essa possibilidade, mas eu não tenho um
fio condutor que pensa “começa amanhecendo e termina com a noite”. O que eu
tenho em mente é um quebra cabeça, que eu vou montando durante o processo
de criação e que, quando se fecha, as pessoas leem como se tivesse um fio
condutor, mas para mim não tem.
222
Anexos – Entrevista Wagner Pinto
pelo tempo que eu tenho de trabalho, porque para quem está começando, é tudo
descoberta. Eu continuo descobrindo coisas, aprendendo com os técnicos das
casas, vendo espetáculos de amigos… Eu não acho que eu estou pronto e acho
que, se eu me considero um artista, eu estou sempre em processo de
transformação. Tem horas que você acerta e tem horas que você erra, é normal.
O meu processo é um pouco esse também, porque, em um primeiro momento,
eu observo, tento entender o que se quer. E eu trago a fotografia para o teatro,
vou quadro a quadro, como se fosse o cinema construindo o frame, vou fazendo
tudo acontecer. Meus assistentes dizem que existe um fio condutor, mas que eu
o ignoro (risos). Eu faço as coisas um pouco de trás para frente, eu sei como
terminar, mas não sei como abrir o espetáculo. Às vezes eu estou com tudo
pronto e fico me batendo para resolver o início… Você precisa pegar o
espectador em três momentos: no início, no meio e no fim. E tem umas coisas
entre isso, porque é bom manter o espectador atento (risos). Quando você tem
um projeto de luz que é maior, ou seja, que aparece mais que o espetáculo,
alguma coisa está errada... na direção ou no seu processo de querer aparecer
mais do que o espetáculo. Você tem que estar de acordo, porque você serve o
espetáculo e não ele que te serve, entendeu? É o que acontece quando eu vejo
muitos amigos querendo tornar as coisas show em cima de algo que eu imagino
resolver com dez ou quinze refletores. Claro que se tiver quinhentos refletores,
eu faço, mas quero ver fazer com quinze. Mesmo quando eu tenho vários
refletores eu tento usar qualidades diferentes de lâmpada e fazer com que eles
encaixem muito bem no espetáculo sem exagerar na dose. Talvez, em uma cena
ou outra isso passe (risos) porque eu tenho uma parafernalha na minha mão e
quando vejo já foi. Eu não vou agradar todo mundo, mas eu trabalho para que
em alguma parte desse espetáculo eu pegue o espectador. Talvez eu não te
pegue, mas daí é realmente “não gosto do trabalho dele, da linha de trabalho
dele”, porque geralmente eu pego a pessoa em alguma cena.
G.V. – Você sente que quando você está criando, você dá mais
atenção para o texto, para o diretor ou para a sua concepção?
223
Anexos – Entrevista Wagner Pinto
W.P. – A primeira coisa é o texto, ele é que vai fazer você encontrar a
trajetória. Às vezes, você tem um texto tão bom, que te dá tudo. Normalmente,
eu recebo o texto antes, dou uma lida sem me aprofundar muito, porque isso
também depende da concepção do diretor. Depois dessa primeira leitura eu vou
para a direção, que é onde vai se organizar realmente o que ele quer, porque,
na verdade, o diretor é a figura central da brincadeira e tudo parte dele e de como
ele concebe a obra e eu só penso em mim por último. Eu também penso muito
que eu posso não acertar, e isso é uma insegurança constante. Eu termino um
trabalho e penso que, no próximo, eu posso não conseguir e todo mundo se
pergunta como, já que eu tenho anos de carreira, mas não é bem assim, tem
uma geração nova chegando e uma nova forma de ver… A internet facilitou a
velocidade, mas eu venho de um tempo que nós nos comunicávamos por ficha
de orelhão, fax e agora você faz tudo com o telefone, inclusive luz. Em alguns
teatros, que eu já tenho as senhas de acesso, eu entro na mesa através do meu
smartphone. Eu venho de um processo em que a lâmpada alógena era a que
mandava e hoje são os LEDs e as digitais. É ótimo o desenvolvimento
tecnológico, mas eu prefiro criar com lâmpada PAR 64. Com a boa e velha
lâmpada PAR, elipsos e alguns fresnéis eu faço a brincadeira acontecer, porque
é o que eu gosto de trabalhar. Óbvio que as mesas digitais facilitam… Você tem
uma fila de dez LEDs e um universo de cor infinito, enquanto para cada cor que
eu fizesse antes iria precisar de uma fila de dez dessa para cada cor, você
precisava de trinta para ter o sistema RGB e poder fazer as misturas. Hoje em
dia está tudo muito mais fácil, mas ainda existe uma dificuldade de se criar. Tem
tudo na mão e não consegue fazer acontecer e, nesse sentido, eu acho que a
experiência te dá um pouco de bagagem para você usar o equipamento de forma
muito mais proveitosa do que quando você está começando. Eu sempre sinto
que estou começando, por conta dessa insegurança e a dúvida de saber se eu
vou acertar ou não. Quando você está inseguro, se mantém mais atento. No meu
processo eu tento não perder o foco, que é você não ter a certeza se vai dar
certo. Antes de ver a luz montada, algumas pessoas me perguntam se vai ficar
bonito e eu digo que não sei e que também estou querendo ver… Claro que
algumas coisas vão ficando mais óbvias, pela experiência de fazer efeitos
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
conversa, pode ser que essa conversa seja no particular, mas no grupo isso
toma outras proporções. E por processos mesmo, por exemplo, para mim tem
que ter elenco no palco, e se o diretor quiser ensaiar, isso vai ter que ser um
acordo, eu preciso respeitar. Existem dois planos de trabalhos: o primeiro é que
você tem os atores e faz já com eles e o segundo é quando você não tem os
atores e faz uma passada só para eles entenderem o que é e só depois a
passagem para valer. No primeiro você faz o processo duas vezes e no segundo
você faz isso três vezes e ainda não é o suficiente.
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
G.V. – Você vê, em algum dos teus trabalhos, que alguma cena se fez
a partir de uma proposta de luz?
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
teria no final. Eu trabalhei bastante com isso porque, com o Gerald, a construção
era outra: primeiro, vinha a luz e depois a cena. Primeiro tínhamos a fotografia e
depois a cena. Quando ele fez A Batalha, nos perguntamos o que fazer e eu
propus um paredão no fundo cheio de furos e uma vara que ficava subindo e
descendo, fazendo com que isso tivesse movimento e desse conta dos tiros e
da coisa toda. Com o Gerald, aquilo que eu te falei de ter o final pronto antes do
início cai por terra, porque com ele tudo vem através da luz. Ele tem as ideias
sobre a cena e começa a trabalhá-la, mas já tem um pensamento sobre luz por
trás. Com alguns diretores que eu citei no início poderia ser assim, mas nunca
temos a verba para manter os equipamentos dentro da sala. Algumas vezes, eu
fiz maquetes em papelão para tentar mostrar o que eu pensava, mas foi com o
Gerald e as produções com o Sesc, eles abriram o cofre. Ter dinheiro facilita
muito, mas não significa que você vai acertar. No caso, eu acertei e ganhei
prêmios, com o Dilúvio eu ganhei o Shell, mas não é certeza. Eu fiz outros
espetáculos que eu acho ainda mais bonito do que O Dilúvio e nada aconteceu.
Mas eu nunca sei mesmo como vai ser ou se vai funcionar e quando termina um
espetáculo eu sou o primeiro a ir embora, não gosto de subir no palco para
receber aplauso…
W.P. – Não... Fui uma vez e é desesperador quando você não ganha,
então decidi que esse processo eu não quero passar nunca mais. Eu deixei de
ir e passei a ganhar. No único que eu fui eu não ganhei (risos). No momento que
você não leva o prêmio a festa acaba… Isso poderia ser muito diferente se
tivesse primeiro, segundo e terceiro lugar. Claro que o Oscar é um só e quem
não ganha, que corra atrás para ganhar o seu, mas já que você está entre os
três (indicados), você não sai da festa tão triste. Eu acho que é um problema um
prêmio tão grande quanto o Shell dar um prêmio do oito mil… Se depois de um
prêmio você fosse bombar trabalhando, mas as pessoas não te chamam para
trabalhar quando você ganha o Shell, porque acham que você vai estar caro.
Passa o ano e elas voltam a te ligar porque “agora dá pra negociar com ele”, mal
sabem elas que eu tenho uma cota de espetáculos que eu faço de graça, porque
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
W.P. – Se eu pudesse não ter os LEDs eu não teria, mas hoje isso é
impossível. Um dos motivos de eu ter me afastado da Cia de Ópera Seca foi
essa minha busca por querer sempre o mais tecnológico e o melhor para o
espetáculo. Eu passei um tempo fora do país, morei em Nova Iorque, na Suíça
e na Alemanha e sempre me perguntam porque eu não fiquei, e a questão é que
você vai ser sempre imigrante e por isso será o terceiro em quem eles vão
pensar: o primeiro é quem ele quer, o segundo é que ele nem quer, mas é da
terra, e você é o terceiro. Aí podem vir dizer, “... mas se você batalhar”, mas
imagine que eu já tenho que batalhar no meu país, aí eu saio dele e vou pra
Alemanha… Você imagine EU transitando em um complexo de dois quarteirões
e meio, com quatro teatros e as máquinas mais incríveis que eu já vi na vida,
com galpões para cenário e figurino com tudo do melhor e eu era o único negro
ali. No primeiro dia, entrando na cantina do teatro, que é onde todos os técnicos
comem e bebem, estava um burburinho e assim que eu entrei silenciou a cantina
inteira. Aos poucos, você vai percebendo que isso vai sendo aceito até que eu
eles entenderam que tínhamos feito um contrato de cinco anos para que o Gerald
dirigisse a Companhia da Bavária, e que de seis em seis meses eles veriam a
nossa cara lá dentro. Em quatro dias isso já se normalizou, as amizades que eu
fiz e tudo o que eu aprendi valeram super a pena. Eu sou um dos caras que
sempre fui a favor e sempre corri atrás de trazer a tecnologia para os
espetáculos, mas hoje eu questiono um pouco o uso dos LEDs. Para você usar
o LED como uma tecnologia de ponta, precisa de mesas que deem conta de
abrir universos e universos. Agora, algo que é o mais interessante disso tudo é
que eu sou um dos primeiros aqui em São Paulo a trabalhar com técnicas
meninas no teatro.
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
efeito… Hoje em dia os espetáculos não tem nem temporada desse tamanho.
Ele quis me ensinar direito, claro que podia ser mais rápido, mas com ele eu
aprendi a organizar um agrupamento na mesa e hoje eu vejo a importância,
porque uma boa luz começa na distribuição dos agrupamentos na mesa. Dentro
desse tempo, ele ia me levando para as montagens, eu passei um bom tempo
limpando refletor e limpando lente até subir na escada para ligar, tudo tinha
tempo, mas hoje as escolas que estão formando… Eu vejo os profissionais no
mercado e é difícil. Eu estava trabalhando no Teatro do Quatro e o Gerald foi
convidado para dirigir o Quatro Vezes Beckett, que era um dos três espetáculos
que a Shell estava produzindo lá quando começou os patrocínios das
multinacionais. O Gerald tinha recém chegado no Brasil, era 1984 e eu fui
apresentado a ele para trabalhar com ele e com Sérgio Britto, Rubens Corrêa,
Ítalo Rossi e Richard Riguetti, que eram os famosos naquela época. Depois
desse processo, foi bem complicado, porque ele voltou para o Brasil chutando o
balde, falando mal do teatro nacional e da Globo, mas era o que tínhamos no
Rio de Janeiro. Nós trabalhamos nessa peça juntos e quando terminou a
temporada ele disse “ano que vem eu volto e quero trabalhar com você”. Ele me
fez ver a luz de um modo diferente, experimentar fazer luz sem gelatina em uma
época em que tudo era gelatina. Eu fiz a geral mais limpa, perfeita e sem sombra
e quando ele chegou, odiou e disse que queria sombra e luz. No ano seguinte
montamos Quartett com Tônia Carrero e Sérgio Britto e no final de 1985
fundamos a Cia de Ópera Seca, que existe até hoje, agindo de outro modo. Ele
me disse que eu teria que escolher entre Rio e São Paulo e que no início a grana
não ia ser fixa… Nem precisou disso porque o Yacoff Sarkovas logo começou a
produzir a companhia e tínhamos um salário. Eu larguei o Rio, minha família e
vim para uma terra que é onde eu moro até hoje. Depois disso trabalhamos muito
juntos e disso você deve saber um pouco através de livros, enfim…
W.P. – Não tive muitos, porque eu sempre crio um casamento, a não ser
que a relação de trabalho seja difícil. A Aline trabalhou comigo por treze anos,
depois veio o Gabriel e eu fiquei um tempo vagando sem um assistente até
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
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Anexos – Entrevista Wagner Pinto
fazer isso e é importante que quem vem seja pago para isso. Ficamos nesse
bairrismo idiota e não trocamos, mas o que fazemos é arte! No último evento em
Florianópolis (A Luz em Cena) me pediram para falar sobre a luz na pele negra…
Eu ri porque o meu meio de convívio é completamente branco e eu sou o único
negro de ponta na iluminação na cidade de São Paulo, então eu sou um ponto
em uma folha branca. O que eu fiz foi chamar os outros negros que estavam ali
comigo para falarmos juntos porque eles podiam falar sobre. No evento, quem
poderia falar é o Eduardo Tudella, que mora e trabalha na Bahia e iluminou muito
mais pessoas negras que eu. Eu iluminei uma pessoa negra, foi no ano passado
o Rogério Brito, que foi inclusive indicado ao Shell e que fez o Ricardo III todo
de preto e as pessoas começaram a questionar que o mal então é preto, mas
gente, se ficarmos agora nessa coisa não vamos fazer NADA porque os atores
negros não vão poder fazer nada que não sejam assuntos ancestrais… Nenhum
negro pode fazer Shakespeare? Clara, a diretora, até me perguntou e eu disse
que “estamos trabalhando em uma caixinha mágica e que aqui tudo pode se
transformar, se começarmos com isso vai ficar chato e outra, ele me representa
como um ator negro fazendo esse papel e fazendo BEM, deu show mesmo” para
além do fato de que tinha um produtor, o iluminador e mais três pessoas da
equipe que eram negras, enquanto tinham seis pessoas brancas, esse equilíbrio
é maior do que na maioria das montagens. No teatro todo mundo tem voz ativa
e é por isso que nós amamos fazer isso.
W.P. – De nada!
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4 Conteúdos originais das entrevistas em francês e italiano
Oui, elle peut transformer les choses, mais elle-même elle est
immatérielle. Après les lumières qu’on pourrait dire qui se concrétisent en
matière, comme tu disais, c’est plutôt les lumières qu’on peut voir dans les
concerts, matérialisées par les fumées, par des choses comme ça avec les
faisceaux, où la lumière devient un décor elle-même. Et ça c’est, comme tu
disais, on le voit, ça peut être très bien, mais ce n’est pas exactement ce que je
pratique. Je peux le faire d’une façon exceptionnelle, éventuellement, parce que
ça dépend de chaque projet, bien sûr.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Alors, moi je travaille plutôt régulièrement avec les mêmes, mais j’ai pas
mal de monde avec qui je travaille régulièrement, alors après ça dépends de
périodes, comme je ne suis plus si jeune, il y a beaucoup de périodes
successives, et donc il y a des gens avec qui je travaille depuis 20 ans, il y a des
gens que j’ai travaillé et je ne travaille plus avec eux parce ils ne sont plus de ce
monde, mais avec qui j’ai travaillée pendant 10 ans ou 15 ans, mais en parallèle
avec plusieurs équipes, et donc, et après effectivement, le fait de travailler en
équipe, d’abord ça amène une confiance, c’est une confiance réciproque, des
deux côté, alors que quand je travaille ponctuellement, comme ça peut m’arriver
également, où je suis engagé à contrôle de circonstances que je suis engagé
avec quelqu'un qui ne me connais pas et que je ne connais pas, en général il y
a un chalenge de, bah, il faut qu’on s’accorde, c’est que moi je cherche à
comprendre comment il travaille, que je ne sais pas au départ, et lui de la même
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Entrevistas originais em francês e italiano
façon, ou elle de la même façon cherche à comprendre ou exige des choses pour
avoir un résultat qui… donc il y a un côté jeu qui est rigolo, qui me plait, mais qui
est différent du processus quand c’est un travail avec de personnes avec qui je
travaille régulièrement. Même avec des gens avec qui je travaille régulièrement,
donc avec qui a confiance, avec qui il y a tout ça, chaque nouveau spectacle
c’est une nouvelle aventure et on ne sait pas comment elle va être. Et même si
on se connaît, moi je ne sais pas ce que je vais faire avant et je ne sais pas à
quoi ça va ressembler avant qu’on commence, même si on se connaît.
Je suis assez tôt dans le processus de création, donc assez tôt au niveau
de la conception de décor, donc j’ai déjà en amont pas mal d’info, donc mon
travail se focalise sur… d’abord j’entends ce que le metteur-en-scène veux, en
gros quelle histoire on raconte, et comment on va la raconter, parce qu’en fait
c’est ça, c’est d’abord savoir qu’est qu’on raconte et en suite comment on va le
faire, dans quel style est-ce qu’on va… si c’est du théâtre, est-ce qu’on va être
naturaliste, est-ce qu’on va être abstrait, est-ce qu’on va être expressionniste, ou
est-ce qu’on va faire un patchwork de tout ça, mais forcément le metteur-en-
scène il saura dire un style, alors s’il fait nuit dans une scène naturaliste je ne
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Entrevistas originais em francês e italiano
vais pas me mettre à mettre des carrés par tout parce que ce serait absurde,
même si c’est… on raconte une histoire et on doit utiliser un peu les mêmes
moyens pour les parvenir. Et donc en fait c’est ça ma priorité, d’abord, et en suite
c’est, en répétition, c’est le spectacle, les acteurs et la présence des acteurs pour
vivre. La lumière elle vie avec les acteurs et elle fait vivre le jeu des acteurs… ou
pas. Et l’acteur il est en rapport avec un espace, avec un décor, avec une table,
avec des chaises, avec des murs, ou un ciel… La lumière elle doit crées le lien
entre ces choses inertes et la chose vivante qui est l’acteur et l’actrice. Et donc
c’est ça, mon regard il est là-dedans, je ne pense pas une seconde au regard du
spectateur.
En gros le point de vue en général je sais qu’il ne bouge pas trop dans la
salle parce que sinon il faut tout refaire tout le temps et dans un premier des gros
tissage c’est plutôt centre salle et un point de vue moyen et un peu idéal et après
les points de vue sur les côtés des spectateurs c’est juste si vraiment il y a des
places infernales, des problèmes de reflets, et là c’est des choses très
ponctuelles, très, genre là à cette position-là ils ont un miroir et il y a la lumière
qui arrive dedans, c’est pas possible, mais ça c’est un truc technique, précis et
on trouve la solution à ces trucs-là, ça ne participe pas de la création, mais
effectivement on y tiens compte s’il fait par éblouir la moitié de la salle pendant
tout le spectacle ce n’est pas intéressant, mais ça c’est un deuxième temps.
Attends, ce n’est pas exactement un deuxième temps, mais s’il y a des fenêtres
par tout il faut en tenir compte dans un premier temps, parce que sinon ça ne
marchera pas, mais c’est plutôt de l’ordre technique. Voilà.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Oui, oui, plutôt oui. Disons, la lumière à la base c’est un des… c’est le
théâtre, la danse, il y a plusieurs corps de métiers qui travaillent ensemble pour
créer une œuvre d’art et en suite chaque corpos de métier a son propre langage
pour aboutir à une émotion, à transmettre quelque chose parce qu’est-ce que
c’est du théâtre, c’est… il y a des gens qui écoutent et regardent et il y a des
gens qui parlent et se montrent et c’est là, c’est comment créer une relation entre
ces deux mondes, qui est une relation totalement artificielle et volontaire et ce
qui est particulier au théâtre par rapport à la vie courante quand on se promène
et qu’on regarde dans la rue c’est qu’il y a des gens qui organisent ce qui est vu
et donc comment on crée, enfin ou essaye de créer une œuvre d’art avec ça, en
organisant ce temps de une heure ou deux heures ou trois heures ou quatre
heures que pendant ce temps-là les choses sont organisées pour être regardés
et réfute c’est une autre chose réel, vivant, mais qui est organisé, à la différence
de la vie réelle qui peut être aussi belle, voire d’avantage, mais dont l’organisation
nous échappe.
Voilà. Ce qui est bien, mais quand même… Bon, moi je vais revenir sur
terre, donc, ah oui je disais, chacun a son medium, en fait, donc le décor il va
raconter une datcha aussi, le comédien il va raconter qu’on coupe les arbres, les
costumes vont raconter une époque, ils vont raconter une émotion du
personnage, si c’est un personnage vulgaire ou un personnage rigong, et ça
participe de ce que va jouer le comédien, donc la lumière au même titre elle
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Entrevistas originais em francês e italiano
raconte l’histoire, elle crée une ambiance, si c’est tragique, si c’est triste, si c’est
gaie, si ce sera plus sombre, si ce sera plus lumineux, il y aura plus de contraste,
si ce sera plus chaud, si sera plus froid et aussi elle participe du rythme, du temps
qui passe. Une des grosses différences de la lumière au cinéma et au théâtre
c’est qu’au cinéma elle ne travaille que sur l’image, d’une façon très, très
importante, mais elle ne travaille pas sur le temps, parce que c’est le montage
au cinéma qui fait le temps. Alors au théâtre, en chorégraphie, le montage du
cinéma y est remplacé par la conduite lumière et le rythme des effets, le temps,
si un effet dure trois minutes pour amener une lumière ce fait pas du tout pareil
que si on a cinquante effets qui durent trois seconde, évidement. Parce que du
coup ça fait un montage haché, ça accélère les choses, c’est comme on peut voir
en comédie musicale où il y a plusieurs effets par minute et du coup la lumière
elle suit chaque inflexion de sourcil de chaque comédien. Dans un théâtre plus
différent que je pratique d’avantage le temps de la lumière va être long alors que
le jeu de l’acteur va être rapide, et du coup de ce jeu de l’acteur rapide il est mis
en valeur parce que le temps de la lumière est long, comme en musique, d’avoir
des contrastes. Oui, j’ai oublié la musique là-dedans, ce n’est rien. Parce qu’au
niveau du temps le travail sur le temps de la lumière c’est le même, il collabore
avec la musique ou l’engeigner du son, parce que c’est beaucoup le son et la
lumière qui donnent ce rythme de montage au théâtre. Donc il y a une parenté
entre musique et lumière très, très importante. Oui, donc il y a cette histoire, il y
a, à la fois, créer des atmosphères, des ambiances, des sons, etc. et de donner
un rythme.
Et donc quand je dis que la lumière elle agit sur scène, c’est plutôt,
disons, une action visuelle et narrative, à ton avis ?
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Entrevistas originais em francês e italiano
émotions, oui. Après dans un point de vue pratique par rapport… alors ça
dépend, chaque spectacle est différent, mais il y a quand même des familles de
spectacles. Quand je peux, moi également je suis là au début des répétitions, si
je peux, en studio de répétition, disposer des lumières, ça m’est arrivé plusieurs
fois (ça m’est arrivé de faire des spectacles d’improvisation, mais ça c’est encore
autre chose) de travailler pour la première ou les deux premières semaines
quand le metteur-en-scène travail en improvisation sur le thème du spectacle,
sur le thème des scènes, de travailler en improvisation lumière et en fait moi je
ne dis pas aux acteurs ce que je vais faire, je le fais. Je mets une lumière qui fait
une frontière entre deux espaces et ce dont je me suis aperçu, des fois ça ne fait
rien du tout, et des fois ça construit l’espace et ils fonctionnent par rapport à ça,
ou alors il y en a un qui va se mettre dans l’ombre et l’autre va se mettre en pleine
lumière et forcément le rapport des deux est différent et une fois celui qui est
dans l’ombre sur un geste, sur un moment, et si il va entrer dans la lumière il crée
une dynamique très forte et du coup ça interagit comme ça en improvisation et
après en général c’est ma base de la lumière du spectacle final. Alors après dans
l’idéal, ça m’arrive parfois, que je répète directement du jour zéro en lumière sur
scène dans le décor. Oui, ça m’est arrivé, c’était il y a quelques années, c’était
Le Nez de Chostakovitch, donc un opéra sensationnel et c’était un décor avec
une double tournette et avec plein d’éléments mobiles, des panneaux sur
charriots, une porte, une fenêtre, donc ça permettait de faire tous les espaces et
tout été neutre et sur deux tournettes tout été mobile et en fait avant chaque,
quand on a répété le spectacle on avait tout le décor dès le zéro, le metteur-en-
scène il arrivait une demi-heure avant la répète, il regardait la maquette, il me
voyait, enfin, il avait réfléchi avant, mais, les filles plaçaient les choses, puis les
machinistes plaçaient les décors et moi j’avais une base de lumière et je mettais
directement une lumière pour la répétition en fonction de l’espace qu’il avait créé,
mais du coup ça accentuait ou ça relativisait et ça créait forcément des zones de
jeu, des zones plus sombres et directement la mise-en-scène était faite dans cet
espace et dans cette lumière. Et ça pendent les répétitions ? Oui, pendant les
répétitions. Et après la répétition, en fait, le lendemain ou le surlendemain, j’avais
vu la répétition et moi j’améliorais les choses en fonction de ce que j’avais vu, je
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Entrevistas originais em francês e italiano
n’allais plus rendre une direction ou il y a une que je laissais tomber parce que
ce n’était pas productive et la répétition suivante on avait la même chose à l’étape
suivante, mais la répétition se passait avec une proposition d’espace et de
lumière et le metteur-en-scène tient compte de la lumière, du coup, forcément.
En fait tu mets de la lumière à un metteur-en-scène et il va jouer avec, tu ne mets
pas de lumière, bah, il joue avec ce qu’il a.
En fait moi je ne dirais pas dans ces termes-là, je dirais que la lumière elle
participe à l’écriture du spectacle, ce spectacle-là n’existerais pas sans la
lumière, je ne transforme pas les choses, je les fabrique. Avant il n’y a rien, c’est
comme s’il n’y a pas de décor il n’y a pas de décor, le décor on peut dire qu’il
transforme l’espace, mais on ne dis pas ça, on le pose, mais la lumière c’est
pareil, on la pose. Et à chaque fois… enfin, l’idéal c’est quand la lumière elle
rencontre le jeu de l’acteur et il y a un truc magique qui fonctionne, et des fois ça
arrive et des fois pas.
Oui, oui, oui, oui, mais il faut voir avec des photos…
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répondre à ses désirs mais il s’agit de créer un dialogue avec, de pouvoir, par le
désire, exciter la créativité et ça, ça passe aussi par les zones de frictions aussi.
Finalement, les besoins de l’acteur, du danseur ou du chanteur évidemment sont
à prendre en compte, pas forcément pour son confort mais pour ses impératifs,
sont tous des impératifs différents, un danseur par fois doit pouvoir voire le sol
selon le type de chorégraphie, un acteur a un certain moment aura besoin d’être
ébloui, enfin voilà, tout ça c’est des petite choses dont on doit évidemment tenir
compte, un chanteur à un moment donné devra pouvoir voire un moniteur ou le
chef d’orchestre de manière à pouvoir prendre la battue, donc ça veut dire que à
ce moment-là il ne doit pas être ébloui. Bon ça c’est des petites choses, tout ça
c’est un peu du détail, mais c’est quand même important et le point de vue du
spectateur, en général souvent quand même on travaille du point de vue du
spectateur, certes on se positionne, je me positionne quand je crée une lumière
du point de vue du spectateur, donc en fait on enrobe, on va dire, l’ensemble des
données et soi-même, enfin, moi-même je suis en fait le réceptacle de ses
données et le premier cobaye sensible par rapport à ce qui se passe.
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Je dirais déjà que la lumière ne peut exister que s’il y a quelque chose
pour recevoir la lumière. C’est surtout que la lumière en elle-même elle n’existe
pas, on la voit quand elle impacte sur un corps ou sur un objet ou sur un espace.
Donc quelque part comme ça le côté immatériel me touche particulièrement
parce que tant qu’il n’y a rien on ne la voit pas. Et elle ne prend vie, elle ne devient
matière que quand il y a un corps ou un objet qui la traverse. Donc, quand il n’y
a rien elle est immatérielle et quand il y a quelque chose elle devient matière.
Oui, quand quelque chose la traverse, voilà, ou quand elle même percute
quelque chose, quand il y a une interaction avec autre chose. Voilà.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Ça varie beaucoup mais j’ai des grandes affinités et il y a des gens avec
qui je travaille depuis longtemps. Je travaille dans plusieurs domaines, on va dire,
dans le théâtre, dans le cirque, dans la magie, et dans ces familles là j’ai mes
compagnies ou mes metteurs-en-scène que je suis assez fidèlement.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Stoev avec qui j’ai fait maintenant presque une dizaine de création, j’en ai eu du
en faire sept ou huit, on a presque plus besoin de se parler, c’est les choses
coulent, roulent, sont beaucoup plus fluides, et du coup il y a un endroit de repos
qui permet d’être dans un endroit de recherche, on va dire, plus fluide, plus sûr.
Parfois ça peut avoir l’inconvénient d’aller vers l’endormissement, il ne faut pas
se laisser un peu trop aller, on va dire, alors que quand c’est plutôt de la
nouveauté, bah ça fait être en activité constante quoi, voilà.
Oui, ça s’est très bien passé, c’était très, très, très éprouvant. Très, très,
très éprouvant, ça s’est très, très, très bien passé mais du coup s’était d’une
intensité phénoménale, quoi, c’était très, voilà, mais oui, oui, ça c’était très bien
passé, J’ai revu le spectacle, il a joué plus d’un mois à la Colline (Théatre National
de la Colline), du coup j’ai pu le voir après laissé un vrai temps pour que les
choses se déposent et de revoir le spectacle, ah, oui, c’était super, oui c’était
super. Mais il y avait quand même une sensation de pas fini parce que tout le
temps qu’on a passé à se connaître, se découvrir et à se comprendre, tout c’était
un temps qui n’a pas été complètement pour la lumière en elle-même du
spectacle. Pendant ce temps il y avait le spectacle qui se construisait aussi, du
coup j’ai trouvé qu’on a beaucoup couru après le pas, parce que, voilà, il y avait
deux choses à faire ensemble, il y avait se découvrir et faire le spectacle, ça
faisait double tache, voilà.
Ah, oui, bien sûr, parce qu’il y a déjà un langage commun qui se construit
ensemble et du coup on partirait de quelque chose alors qu’on ne partait de rien.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Oui, oui, il y a une très grande différence, mais c’est une différence
émotionnelle, en fait. C’est que moi j’ai vraiment une impression d’être partie à
l’étranger, d’être constamment stimulée par des odeurs, des gouts, des visions
des choses, une langue que je ne connaissais pas et du coup quand on est
comme ça à l’étranger on est sur stimulé et du coup on est dans un état créatif
très fort qui est presque, on va dire, instinctif et dans une réaction très réactive
on va dire, alors que quand je travail soit avec Galin soit avec Vasil avec qui
j’étais hier soir à la première, ce sont des gens beaucoup plus connus, là j’ai
l’impression d’être à la maison, de pouvoir déposer les choses, de pouvoir être
moi-même dans un endroit de détente et du coup d’aller chercher en profondeur
des choses qui sont… qui arrivent avec de l’apaisement et de la sérénité, alors
que sinon c’est des choses qui viennent de très profond, mais beaucoup plus
inconsciemment, je ne sais pas comment dire, beaucoup plus réactivement,
comme une réaction. Du coup, je dirais que je trouve ça très bien d’enchainer les
deux, et de ne pas être que dans un ou que dans l’autre parce que ça permet
d’être dans des différentes situations de création, voilà.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Ouais, c’est un peu ça, c’est un peu ça, voilà, c’est… est-ce que avant je…
est-ce que cet effet-là je le fait arriver de manière imperceptible ou est-ce que au
contraire je crée une grosse rupture et du coup avant je mets une lumière qui n’a
rien à voir et il y a une rupture qui se fait ou alors est-ce que cet effet-là j’aimerais
qu’il arrive vraiment en subtilité… voilà, c’est ça.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Bah, j’en pense que d’une manière bien directe j’aime bien que la lumière
que je fais ne se voit pas, du coup que ne se voit pas c’est à dire que le spectateur
ne décroche pas du spectacle qu’il est en train de voir et de recevoir parce qu’il
y a quelque chose en lumière que le fait se décrocher sans raison, on va dire,
voilà. Ce n’est pas pour ça que la lumière n’existe pas, et ce n’est pas pour ça
que la lumière doit être très ?? ou très invisible, c’est d’être à un endroit juste
parce que il y a plusieurs composants qui font le spectacle et il y a évidemment
les personnes sur scène mais il y a aussi la scénographie, il y a aussi le son, il
peut y avoir la vidéo, et la lumière donc tous ces composants-là doivent prendre
en charge certaines choses et ne pas être que en addition les uns et les autres,
en surcharge, on va dire. Et c’est vrai qu’il m’est arrivé plusieurs fois de faire des
spectacles où d’un coup on se retrouve avec la personne du son, moi, la vidéo à
se dire mais là on est en train de dire les trois la même chose, donc est-ce qu’on
ne peut pas changer ça parce que c’est trop, du coup est comédiens sur scène,
enfin, sont écrasé par le poids du son la vidéo et de la lumière, donc on essaye
de réajuster les choses pour que ça s’équilibre aussi. Après le côté je dirais un
peu plus performatif, il y a un spectacle que j’ai fait il y a deux ans qui s’appelle
Je suis la Bête de Julie Dellile où la lumière a une part très, très, très importante
dans l’écriture même du spectacle. Je pense que il y a vraiment une dimension
performative là dans l’écriture même de la lumière et de ce que la lumière dit,
prend en charge ce…, dans l’ambiance que sa…, c’est vraiment un spectacle qui
démarre dans le noir complet et petit à petit les choses commencent à arriver, à
se dessiner, de la pénombre vraiment les choses naissent et l’espace est ensuite
habité par la lumière, il y a des effets vraiment de lumière, d’orage, de flashes,
de présence de la lumière avec de la fumée, de tout qui est visible dans l’espace,
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Entrevistas originais em francês e italiano
Ah, oui, c’est très important, oui, il y a, on va dire, deux spectacles dont je
fais, moi, la régie et tous les autres spectacles dont je fais la lumière c’est pas
moi qui fait la régie et en fonction du régisseur lumière, si c’est moi qui le choisie,
si c’est pas moi qui le choisie, si c’est quelqu’un qui m’accompagne dès le début
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Entrevistas originais em francês e italiano
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Entrevistas originais em francês e italiano
Ça varie tellement, c’est plus confortable quand c’est quelqu’un avec qui
j’ai déjà travaillé où du coup il y a un endroit de langage commun, quoi, qui est
rapide. C’est confortable aussi quand je sens que la personne ne comprend pas
vraiment ce que je veux et que cette personne me laisse toucher au jeu d’orgue
où je peux faire moi. Il y a des endroits où ce n’est pas possible et où il faut que
j’arrive à mettre des mots sur ce que je veux en lumière et que ça puisse être
passé par le régisseur, quoi. Voilà, ça c’est compliqué, mais, voilà, ça c’est très
difficile parce que du coup ça bloque toute spontanéité en répétition, il faut réussir
à anticiper les choses beaucoup et ça demande de mettre les choses en mots,
alors que des fois c’est instinctif, je sens qu’il faut monter ça et ça, mais juste le
temps de l’expliquer la scène est passé, tout le moment est passé et des fois ça
me gonfle d’avoir à lui dire, du coup je préfère ne pas lui dire et pas le faire et
garder l’idée dans la tête et on essayera, en dehors du plateau plus tard, de faire
ça, quoi. Comme ça c’est vrai que c’est difficile. Et c’est très courant. Après ça
dépends, je pense que ça dépend des affinités, ça dépend des habitudes de
travail, ça dépends de beaucoup de choses, c’est très variable.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Non, ça ce n’était pas possible, j’aime bien réussir à mettre ça même dans
un spectacle, ce que je disais dans, par exemple, dans Je Suis la Bête, on va
dire qu’il y a 90% de la lumière enregistrée en mémoire, mais j’ai gardé quand
même des endroits, de petites plages des moments avec une lumière plus
improvisée, plus en accompagnement avec ce qui se passe au plateau, etc. Et
ça je pense que c’est des choses, quand le régisseur lumière a cette sensibilité-
là, il peut beaucoup apprécier être là-dedans et se mettre en état de dialogue
avec le plateau. Après il y a des régisseurs lumière qui ne sont pas du tout à
l’aise avec ça et qui préfère être dans une réalisation plus mécanique parce que
ça leurs conviens mieux. Mais là pour le coup j’ai un régisseur lumière pour ce
spectacle qui était vraiment en phase avec ça, avec aussi cette envie d’être dans
un accompagnement, ouais, en dialogue vraiment avec le plateau, c’était ça.
Je ne sais pas si ça peut se dire comme ça, mais ça veut dire qu’en
dépendant du régisseur lumière que tu as disponible ça peut te limiter un
peu la création ?
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Entrevistas originais em francês e italiano
c’est ça, moi si c’était moi qui le faisait j’aurais pu le faire de cette manière, de
cette manière, de cette manière, et là comme c’est quelqu’un d’autre qui va devoir
le réaliser, comment réussir à faire passer l’essentiel, le sens même de cette
chose avec les moyens que j’ai ? Et les moyens humains que j’ai aussi ? Du coup
je trouve que ça fait poser des questions très justes, ça limite et en même temps
ça ramène à un endroit d’essentiel qui est aussi très intéressant parce que j’ai
fait la toute première création lumière que j’ai fait le régisseur lumière m’a dit oh,
mais moi tu sais, je n’aime pas du tout ce qui est enregistré, j’aime beaucoup
suivre les gens au plateau, etc., j’ai dit ah, bah génial, super, bah écoute très
bien, du coup on va travailler ensemble pour ça. Je retourne voir le spectacle,
c’était catastrophique, mais catastrophique, parce que bah, il n’y avait plus rien
à voir avec ce que moi j’avais comme vision de la lumière etc. Du coup quelque
part l’enregistrement est aussi un endroit pour préserver aussi, il y a une base
sûre, on va dire, quoi. Et ça, il y a ce côté-là qui est bien. Non, enfin, ça limite
mais, tout comme des fois on n’a pas assez de grada et ça limite ou comme on
n’a pas les projos qu’on veut, ça limite, enfin, voilà, c’est des contraintes qui le
prend comme une contrainte en plus de toutes les autres contraintes donc ce
n’est pas un problème en soit, quoi. Il y a eu quand même une fois où j’ai
demandé est-ce qu’on change le régisseur lumière parce que vraiment je sentais
que ça allait vraiment desservir le spectacle, que ça allait être vraiment trop,
ouais, trop pas adapté à ce dont le spectacle avait besoin, c’était même pas ce
dont la lumière allait avoir besoin, c’était ce dont le spectacle avait besoin, à ce
moment-là la metteur-en-scène a très bien compris, on en a discuté et puis voilà
les choses se sont faites très simplement, mais c’est vrai que j’ai eu du réagir
quand même assez vite pour signaler ça, quoi.
Ah, bah, ça c’est clair, bien sûr, bien sûr. Il y a des gens qui se place dans
la lumière et il y a des gens qui ne se place pas dans la lumière, il y a des endroits
de sensibilité qui sont très, très différents, c’est clair. Il y a des personnes qui ont
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Entrevistas originais em francês e italiano
une stabilité dans les positions par exemple ou dans le rythme qui est très
agréable parce que du coup la lumière elle va pouvoir se construire avec d’une
manière simple et puis il y en a qui sont beaucoup plus imprévisibles et du coup
qui sont toujours à côté de la plaque soit au niveau du temps soit au niveau de
la place et c’est compliqué, quoi.
Une fois que la création est faite, je dirais que si le propos du spectacle
n’est pas à être dans une improvisation, le propos du spectacle est quand même
d’être dans une chose qui est plutôt écrite et qu’on est dans une représentation
donc comme ça, d’avoir des gens un peu stables c’est bien, parce que c’est
quand même plus simple, quoi. J’ai fait un opéra l’année dernière où il y avait
des solistes qui se plaçaient parfaitement tout le temps au même endroit à la
même note et puis il y en avait vraiment, ils étaient ingérables, quoi. Et c’est
compliqué, c’est compliqué parce que du coup il faut pouvoir réajuster les choses
en cours de route et ça nécessite d’être dans une adaptation qui n’est pas
forcément bien venue à ce moment-là. Voilà. Quand les choses ne sont pas dans
un cadre d’improvisation je trouve que c’est quand même plus simple d’être plus
régulier, quoi.
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Entrevistas originais em francês e italiano
connaissance et de confiance qu’a fait qu’il n’y avait pas ce besoin-là. Et Vasil
avait vraiment envie qu’il y ait des moments vraiment de noir, des moments où
la musique émane de l’obscurité, donc ça s’est fait ensemble.
Oui, c’est Vasil qui a fait toute la vidéo. Il a fait une école de cirque à
Charlon-en-Champagne, et ensuite il était au Fresnoy à côté de Lille vraiment
une école d’art contemporain pour vraiment développer tout son côté visuel de
photographie et de film. Il a un rapport à l’image très fort, la matière image très
forte.
Ouais, tout à fait. Ouais, ouais, la projection est autant source de lumière
que la lumière des projecteurs, on va dire. Ouais, on a vraiment travaillé
ensemble là-dessus conjointement, quoi.
Bah, c’est moi qui a demandé d’être au plateau. On a beaucoup fait des
résidences où on était que tous les deux et il n’y avait personne d’autre, même
pas les musiciens. On a fait beaucoup des moments de travail juste tous les deux,
du coup j’avais le jeu d’orgue au premier rang des gradins et lui il était sur scène,
donc j’étais très proche de lui mais en frontal, mais très proche. Et on s’est vite
rendu compte qu’on avait besoin de cette proximité-là. Et en plus de ça il y avait
la question de la vidéo, de l’ordinateur qui envoie la vidéo. Au début c’est lui qui
envoyé les vidéos et du coup il faisait des aller-retours entre l’ordinateur et le
plateau, petit à petit c’est moi qui a pris ça en charge dans la régie, on va dire,
du coup il y avait un pôle de régie technique sur le plateau par rapport à la
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Entrevistas originais em francês e italiano
Et vous n’avez pas pensé à garder cet endroit au premier rang, par
exemple ?
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Entrevistas originais em francês e italiano
les deux de travail et que en cas de besoin aussi il y ai aussi une possibilité qu’il
puisse venir me voir, ce qui est arrivé des fois, pas hier, mais il y a des fois où il
y a eu des besoins, voilà, c’est plus ça.
Je dirais que je pense tout de suite à un autre travail que j’ai fait avec des
danseurs, le travail s’appelle Ondes et Fréquences et on a travaillé avec des cas
de figures assez agréables dans le sens où on arrivait dans des théâtres où il y
avait des spectacles qui jouaient le soir et on ne pouvait pas accrocher des
projecteurs et du coup je faisais la lumière de cette performance Ondes et
Fréquences avec le plan de feu d’un autre spectacle et de quelqu’un d’autre où
je ne savais pas ce que c’était, je ne savais pas à l’avance et on se lançait dans
des improvisations où je découvrais au fur et à mesure ce qui était la lumière. Du
coup il y avait un endroit comme ça de travail qui était vraiment dans une
ouverture énorme de prendre les choses tels qu’elles sont, comme elles viennent
sans rien prévoir à l’avance. Il y a dans le travail avec Vasil là de I Woke Up in
Motion il y a eu aussi un peu ce genre de chose où on a beaucoup était en
improvisation où on faisais les choses, on avais un peu des endroits de canva,
mais l’écriture s’est faite comme ça où on cherchait ensemble, du coup la lumière
a eu très vite une place très importante dans la dynamique de cette écriture, donc
je pense que il y a ça, il y a aussi des moments où le rythme de la lumière avec
des effets de chasers, des effets de couleurs, des effets comme ça de mélange
de la vidéo, le réflexe de la vidéo, la lumière en elle-même et des choses visuelles
fortes dans lesquelles les corps entrent aussi et qui sont les points de départ des
séquences aussi, voilà.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Avec plaisir.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Per quanto, da un punto di vista fisico, si possa dire che la luce sia un
elemento immateriale, dal punto di vista artistico tendo a considerarla una
materia. Quindi qualcosa che ha una sua sostanza, che può essere modellata, e
alla quale si possono dare forme e configurazioni capaci di far divenire la luce
stessa un elemento “concreto”, capace di “presenza”.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Nel mio lavoro teatrale, questo implica che la luce si collochi in prima linea
già nella fase di ideazione dello spettacolo. Partecipa, alla pari con gli altri
elementi espressivi, alla definizione dello spirito, del senso, del carattere poetico
e della drammaturgia del lavoro. Ha una propria autonomia di azione e quindi un
peso rilevantissimo rispetto alla regia.
Nelle collaborazioni che nel corso del tempo ho accettato di fare, quasi
sempre perché ero amico del regista o del coreografo (tutte anteriori al 2004), ho
verificato che il mantenere la mia concezione della luce comportava una notevole
incisività nei confronti dell’ideazione del pezzo e della regia, e questo creava
difficoltà nel lavoro e, a volte, anche nei rapporti. Dovevo quindi inevitabilmente
“retrocedere” e limitarmi a cercare di fare delle “belle luci”, che non è proprio
quello che mi interessa. Mi interessa invece che la luce sia un elemento
strutturale del lavoro. Un elemento sorgivo e suscitatore.
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Entrevistas originais em francês e italiano
performance della luce nel suo lavoro creativo? Può essere un intero
progetto o uno o più effetti specifici.
Condivido perfettamente la sua idea della luce teatrale come luce attiva,
tanto da aver scritto nel 2007 un libro sull’argomento che si chiama proprio “Luce
attiva”, traendo questa definizione da Adolphe Appia, cui il volume è dedicato.
Nel libro analizzo come tale idea si sia evoluta dalla fine dell’Ottocento ad oggi
nel lavoro di molti protagonisti della scena teatrale occidentale, ed espongo
anche la declinazione che essa assume nella mia stessa ricerca di regista.
Nel mio lavoro il carattere attivo e interattivo della luce è sempre presente,
senza eccezioni. Volendo fare comunque un esempio, risalirei al primo
spettacolo che ho realizzato da autore e da regista, Il pudore bene in vista, del
1991. Quel lavoro nasceva da una lunga esperienza di laboratori che avevo
condotto in Sicilia dalla metà degli anni Ottanta, con la quale portavo avanti una
ricerca (che ho sempre continuato a fare con i miei allievi, fino ad oggi) sul
linguaggio autonomo della luce in teatro. Il mio riferimento era la musica. La luce
può sviluppare un proprio percorso autonomo in teatro, come può farlo il suono?
Può farsi, come la musica, Tempo, discorso, senso, poesia? I laboratori erano
nati inoltre dall’idea di restituire alla luce, in scena, un ruolo conforme a quello
che essa è nella realtà. Un ruolo energetico e innervante. E di estendere la
concezione della luce teatrale oltre i domini ai quali in genere viene fatta
appartenere, che sono quello tecnico e quello visivo. I laboratori avevano
prodotto fino ad allora una decina di spettacoli senza testo e senza attori,
interamente basati sulla luce, gli oggetti, il suono. Erano quindi privi di quegli
elementi cui solitamente si affidano il senso e la drammaturgia di uno spettacolo
teatrale. E sono stati fondamentali per me per elaborare, appunto, un linguaggio
autonomo della luce in teatro e per comprendere come la luce possa farsi
struttura, senso, drammaturgia. In Il pudore bene in vista, che aveva avuto il
proprio terreno di coltura in quei laboratori ma nel quale vi era per la prima volta
la presenza di performer in carne e ossa, la luce svolgeva comunque un ruolo-
guida. Era Tempo nel quale le azioni si inserivano, Spazio rispetto al quale si
organizzavano, ed era a sua volta Azione con cui le attrici si relazionavano. In un
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Entrevistas originais em francês e italiano
certo senso, tutto, anche i gesti e le parole, “nasceva” dalla luce, la quale
marcava le posizioni, condizionava i movimenti, indicava le cose da fare. Vi si
ribaltava completamente il consueto rapporto attore-luce. Questa qualità
dell’interazione che in quello spettacolo aveva forme estreme a favore della luce,
in spettacoli successivi ha assunto forme più paritarie, nelle quali la forza delle
azioni attoriali e quella delle azioni di luce tendono a bilanciarsi. Ma in quel
momento l’assunzione di quelle forme estreme mi interessava molto proprio per
comprendere la capacità autonome della luce come linguaggio e come sostanza
drammatica.
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Entrevistas originais em francês e italiano
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Entrevistas originais em francês e italiano
Vorrei dire che quando lavoro, sono sempre immerso nel pensiero della
luce: il pensiero che nutre il lavoro è un mio percorso personale ma lo spettacolo
è ovviamente il mezzo unico per finalizzare il mio intimo pensiero - si lavora
sempre in sinergia e in ascolto con tutti - e senza lo spazio scenico non credo
avrei modo di alimentare il mio pensiero sulla luce e lo spazio.
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che coinvolga gli spettatori. Inoltre non credo che lo spettacolo dal vivo debba
farsi in una cornice ma “espandersi” nello spazio e lo spazio degli spettatori è pur
sempre parte attiva dello spettacolo.
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Qualche anno fa, per uno spettacolo, feci costruire un grande specchio
girevole - azionato dalla consolle - era posizionato in scena a vista sul lato destro.
Durante una scena “drammatica”, insieme alla musica, azionavo lo specchio, che
iniziava a girare su se stesso lentissimamente e quindi abbagliando il pubblico in
sala con una fortissima luce. Col crescere della scena, aumentavo gradualmente
la velocità fino al massimo, per cui ogni passaggio era un abbaglio intensissimo
e quasi violento sull’attore e sul pubblico. A mio parere funzionava molto. Dava
alla scena, nella totale concretezza, una tangibile luce drammatica e violenta.
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Entrevistas originais em francês e italiano
Il mio processo creativo, convocato dal gesto del regista, è rivolto agli
spettatori, con i quali mi identifico prima di tutto in qualsiasi contesto mi trovi ad
operare. Cerco di programmare e strutturare la rete dei punti di vista cui sarà
sottoposta la creazione scenica, nel tentativo di formare in me stesso e nelle
persone al mio fianco uno sguardo critico e selettivo sullo svolgersi degli
accadimenti e delle implicazioni emotive di quello che vediamo.
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Entrevistas originais em francês e italiano
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Entrevistas originais em francês e italiano
N.L. – Et ce qui atteint le spectateur, à votre avis, c’est plutôt son côté
matériel ou son côté immatériel ?
T.F. – Ah, c’est très variable, et c’est heureux d’ailleurs, pour moi, oui. Ça
n’empêche pas que on peut avoir une fidélité à un metteur-en-scène avec lequel
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Entrevistas originais em francês e italiano
T.F. – Déjà, moi, ce qui m’occupe le plus c’est l’idée moi que je m’y fais
du travail de la lumière sur ce spectacle, c’est surtout ça. À partir du moment où
on est cohérent avec sois même, on est cohérent, on propose un travail cohérent
avec le travail du plateau, collectif, déjà on est plus à l’aise. Naturellement, le
point de vue du metteur-en-scène est un point de vue essentiel, puis que c’est
lui, en général, qui nous a emmener sur ce projet, donc c’est indispensable pour
nous d’avoir l’attention sur ce qu’il propose, d’aller dans le sens qu’il propose,
éventuellement ne pas aller dans le sens, mais qu’il y ait un débat par rapport à
ça ponctuellement, mais globalement il faut quand même qu’on aille dans le sens
du travail du porteur du projet, d’une certaine manière. Donc, évidement, quand
je suis à peu près d’accord avec mes propositions, j’espère vraiment que le
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Entrevistas originais em francês e italiano
metteur-en-scène va l’être aussi, ce qui n’est pas toujours le cas, donc dans ce
cas-là il y a un échange et puis on modifie les choses. Après, de la scène… ou
de l’acteur, de la scène… alors de l’acteur, j’ose dire jamais. Acteur, musicien,
danseur… Alors, ça dépend, s’il y a vraiment des impératifs, par exemple un
pianiste qui va vouloir voir son clavier pour jouer, ou qui ne veut pas que sa
partition soit éclairée en bleu, ce qui arrive quand même très souvent, là, ça j’en
tiens absolument compte. Après, si un acteur me dis qu’il est trop ébloui à ce
moment-là, en général, je l’écoute, mais je n’en tiens pas forcément compte
(rires). C’est à dire, pour moi ce qui compte c’est l’œil de celui qui est dans la
salle, alors, ça peut être le metteur-en-scène, mon œil évidemment, mais aussi,
l’œil du spectateur, puis que c’est la dernière proposition (de la question). Alors,
du spectateur, moi je commence à y penser une fois que je suis un peu cohérent
par rapport à tout et alors oui, force de constater que je découvre énormément
de choses le jour où j’assiste à la première et que je n’ai plus rien à faire (rires),
donc ça veut dire que je ne pense peut être pas suffisamment au spectateur
parce que lorsque je me retrouve spectateur du spectacle il me vient plein de
révélations aussi bien sur le travail des acteurs que sur le travail de la lumière
d’ailleurs. Mais c’est vrai que mon premier souci ce n’est pas celui du spectateur.
Non, non, parce que j’espère que le travail que nous faisons ensemble lorsque
nous faisons un spectacle apporte quelque chose de nouveau au spectateur qui
puisse le surprendre. En tout cas l’alimenter de ce qu’il n’a pas été alimenté
jusqu’à présent. C’est quand même très prétentieux, mais en même temps c’est
un peu notre ambition.
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Entrevistas originais em francês e italiano
T.F. – Alors, donc moi j’ai la chance d’enseigner à l’ENSATT, donc ces
sont des sujets de réflexion quotidiens et qui sont naturellement provoqués par
soit les questions des étudiants soit leurs travails qui m’inspirent certaines
réflexions. Alors, évidemment que la lumière ne peut pas travailler seule, autant
un acteur seul peut produire un spectacle, autant un scénographe peut produire
un objet scénographique, c’est à dire que on peut s’arrêter au moment où la
scénographie est faite. Évidemment ça ne va pas faire un spectacle, mais au
moins il y a quelque chose de tangible. Et c’est pareil pour le costume, même
pareil pour le son. Ça ne veut pas dire que ce sont des activités qui sont
indépendantes du reste, mais à elles-mêmes elles peuvent se suffire à un certain
endroit, la lumière c’est impossible, c’est à dire, si on n’a pas une scénographie,
je veux dire, un sol, voire plus, si on n’a pas un acteur, un danseur, un chanteur,
autre, bah, un personnage à éclairer, s’il n’y a pas la mise-en-scène qui va avec,
nous, on ne peut rien faire. Donc, naturellement, on est obligé d’utiliser la lumière
avec tout ce qui compose le spectacle lui-même. Bon après, ça me rappelle un
peu quand même la première question, évidemment que le résultat de la lumière
va créer une interaction, en plus j’ai oublié de dire que la lumière la plupart du
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Entrevistas originais em francês e italiano
N.L. – Oui, c’est un peu ça mais quand on parle de lien entre ces
différents composants et que, comme vous dites, s’il n’y a pas la lumière,
ça peut avoir un spectacle aussi, cette lumière qu’arrive à la fin quand tout
a été déjà créé pour faire cette sorte de couche finale dans le spectacle, ça
ne pourrait pas se passer différemment, c’est à dire, une participation de la
lumière depuis le début, par exemple, que des propositions de la lumière
puissent changer ou stimuler la création du décor, des costumes ou même
de la mise-en-scène, des placement des acteurs, c’est à dire, que la lumière
puisse avoir un rôle plus participatif dans le processus de création ?
T.F. – Si, mais ça n’empêchera pas d’être prête la dernière. Oui, c’est à
dire que c’est surtout ça que je voulais dire, c’est bien que vous m’y est reprise
sur l’idée que j’ai développée, car elle n’était pas suffisamment précise. La
lumière peut intervenir beaucoup plus tôt. Et d’ailleurs dans des conversations
de préparation du spectacle la lumière intervient. Ce que je voulais dire c’est que,
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Entrevistas originais em francês e italiano
d’une part, c’est de plus en plus rares d’avoir un plateau suffisamment long temps
pour que la lumière fasse des propositions réelles suffisamment tôt. Bon, ceci dit,
j’en ai eu plusieurs expériences, mais une particulièrement qui a marqué mon
esprit et dont on peut parler tout à l’heure éventuellement, où la lumière arrive
très vite, mais, de toute façon, la lumière, c’est elle qui, la dernière touche avant
la première c’est la lumière. Le travail il peut continuer après, mais c’est rare
quand on voit une scénographie qui est bouleversée un tout petit peu avant la
première, c’est rare de voir des costumes remis en question la veille de la
première, or ce n’est pas du tout rare de revoir des lumière la veille de la
première, si ce n’est dans l’ensemble, au moins sur certaines scènes, voilà.
Donc, ce que je veux dire c’est que de toute façon la lumière est aussi un moyen
assez souple pour pouvoir continuer à travailler très longtemps dans le processus
de création.
N.L. – Et vous avez parlé d’un exemple que vous voulez donner…
T.F. – Ah oui, j’ai beaucoup travaillé avec Claude Régy, qui est mort il y a
peu de temps, et où j’ai passé des… alors j’étais l’assistent de Dominique
Bruguière à l’époque et j’ai passé des étés complets à travailler, pendant les
répétitions, la lumière, parce que on arrivait et personne n’avait encore répété,
juste le décor était implanté, les lumières étaient implantées et on commençait a
travailler comme ça, avec de la lumière. Donc cette expérience je l’ai vécu, je l’ai
apprécié, je vois ses avantages et aussi ses inconvénients. Les avantages elles
vont toujours être là, évidemment, du coup la lumière est partie prenante dès le
début de la création, c’est valorisant, d’une certaine manière, et puis il y a quand
même un inconvénient, je trouve, c’est que la lumière elle est quelque chose
qui… chaque étape de la création crée un événement qui remobilise tout le
monde. Par exemple, l’arrivée sur le haut du plateau, c’est un événement,
l’arrivée du décor, à supposer que la scénographie ne soit pas implantée avant,
c’est un événement, l’arrivée des costumes c’est un événement, l’arrivée de la
lumière, du son, etc., ces sont aussi des événements qui sont indispensable, à
mon avis, pour redynamiser la baie de création. Si toute est là depuis le départ,
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Entrevistas originais em francês e italiano
il y a quelque chose qui ne se fait pas quand on est proche de la première, donc
il faut manier ce genre de chose avec précaution, à mon avis.
N.L. – Je comprends ce que vous dites, c’est comme quand une pièce
se joue sur une très longue période, à un moment donné il y a un
relâchement, et ça peut se passer aussi dans le processus de création…
T.F. – Oui, voilà, mais bien sûr, et surtout dans le processus de création
parce qu’il y a toujours, c’est inévitable, je dirais même c’est heureux, des
moments où on se dit on n’avance pas, où on est perdu. Et c’est quand on est
perdu qu’on se nourrit le plus et je pense que pour le metteur-en-scène c’est
indispensable ses moments où il a besoin de quelque chose et cette chose arrive,
par exemple sur les costumes, la lumière, quelque chose de nouveau. Et les
acteurs aussi, si on leur donne les costumes dès le premier jour, il va y avoir une
lassitude, il y a besoin de nouveauté, d’éléments nouveaux, voilà, pour pouvoir
continuer à créer lors de la période de création, je pense.
N.L. – Mais, là, par exemple, il y a des éclairagistes qui font des essais
de lumière pendant les répétitions, du style essayer d’isoler, créer un climat
dans la salle de répétition, diminuer la lumière, mettre en valeur quelque
chose pendant les répétitions, c’est à dire, ce n’est pas la lumière du
spectacle, finalement, mais c’est des essais avec les acteurs, les
performeurs, donc, ça peut être…
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Entrevistas originais em francês e italiano
pas mieux, selon moi, que les acteurs pour pouvoir nous aider à faire la lumière.
Et donc il faut profiter du temps qu’on a ensemble. Et le temps qu’on a ensemble
c’est pendant qu’ils répètent, eux, pas de se dire, tiens, on fait un séance lumière,
voilà, je déteste ça. Pour moi c’est un échec. Et ça n’empêche pas que le
lendemain matin on travaille la lumière dans le détail, les temps, sans les acteurs,
si possible avec de doublures, ça c’est quand même très important car je
n’imagine pas, à partir du moment où c’est un spectacle avec des acteurs, je ne
vois pas comment on peut faire de la lumière sans les acteurs…
T.F. – Ah, bah, c’est indispensable. Ça veut dire, j’ai appris ça de l’opéra,
je ne saurais plus comment faire autrement. Ça m’arrive, lorsqu’on a peu de
temps, et que, bon les conditions un peu exceptionnelles, mas ce n’est pas le
type de condition que je recherche. Comment trouver… on peut préparer autant
qu’on veut la lumière, à un moment donné c’est la vérité du plateau qui nous
guident dans l’élaboration du travail à mon avis. Donc il s’agit, en regardant ce
qui se passe, de savoir capter des moments importants, les directions qui
s’imposent d’une certaine manière à nos yeux selon les principes logiques et
voilà, les bons timings, voilà. Et je ne vois pas comment on peut faire autrement.
Certes ça peut se faire autrement, mais je trouve qu’on passe à côté de quelque
chose d’essentiel.
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Entrevistas originais em francês e italiano
eux, de débuter la conduite le plus tôt possible, même si tout n’est pas réglé, etc.,
parce que c’est ça le cœur de notre travail.
T.F. – Exactement, bien sûr. Parce que moi pendant les répétitions,
auxquelles j’assiste le plus possible, dans la mesure du possible, on prend des
notes, on a des références, et puis quand on commence le travail, ces notes sont
importantes parce qu’elles nous donnent des points de repère. En réalité on ne
fait jamais que la lumière d’une scène par rapport à ce qui s’est passé avant et
ce qui risque de se passer après, voilà, après on équilibre tout ça et les notes à
un moment on laisse tomber parce qu’on n’y est plus quoi. Alors, il y a toujours,
toujours, toujours des exemples du contraire, mais moi la plupart du temps je
m’aperçois que je me suis nourri avant et au moment de réaliser c’est en temps
réel quasiment. Voilà.
N.L. – C’était un super plaisir, oui, merci pour les réponses. Bah,
voilà.
T.F. – Voilà.
N.L. – Merci.
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Anexos – Verdades e Mitos da Luz Performativa
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