Koselleck - Progresso e Declínio PDF
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"Progresso" e "declínio":
um adendo à história de dois conceitos
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REINHART KOSELLECK
HISTÓRIAS OE CONCE
rros
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REINHART KOSELLECK HISTÓRIAS DE CONCEITOS
ceitos genuinamente históricos, que digam respeito ao tempo histórico. sentam dois conceitos que se sucedem rnut
repre . _ uamente. No ãmb·
o que há são, sempre, metáforas. Portanto, no que se segue, devemos uma
mesma comunidade de açao política trat . d
. ' ª .
se e conceitos de sue
rto de
. E quando se comparam diferentes comunid d d _ es-
prestar atenção no conteúdo metafórico dos nossos conceitos quando sao.
Grécia e Roma, o
. .
declínio de uma
ªes e açao política
. '
avaliarmos a sua expressividade histórica. pode ser rei
com O . acionado ou contras-
No início, pressupomos simplesmente que o progresso é um conceito com a ascensao da outra. Trata-se, então de cont .
ta do . ' raconce1tos de igual
_ os quais, aparentemente, foram menos usuais na A t" id d
característico da modernidade. Mas agora, a minha tese quanto à história v alor . . . . n igui a e do
viriam a ser depois. As Constituiçoes políticas semp
do conceito será a de que, mais especificamente, o progresso se transfor- q ue . . . . re permanecem
mou num conceito moderno quando o seu significado natural básico de e m um âmbito de possibilidades finitas e predeterminadas pe Ia natureza
avanço espacial foi abandonado ou esquecido. Essa referência visual des- humana, que nunca podem ser ultrapassadas. O único esforço que pare-
vaneceu. A partir de mais ou menos 1800, progresso se transforma num cia capaz de romper esse ciclo era a mistura politicamente correta de
conceito genuinamente histórico, ao passo que "declínio" e "ruína" não elementos extraídos de diferentes formas constitucionais, com O objetivo
conseguiram se livrar, na mesma medida, do seu significado natural e de propiciar maior estabilidade. Mas isso, apesar de impedir a ruína ha-
biológico. bitual, de modo algum inicia um processo progressivo em direção a um
Para demonstrar isso, permitam-me lançar, em primeiro lugar, um futuro melhor. É preciso manter isso em mente quando falarmos, adian-
olhar retrospectivo sobre a Antiguidade e a Idade Média. te, do conceito moderno de progresso.
Uma segunda observação referente aos usos linguísticos vigentes na
Antiguidade: quando se registra um movimento adiante, isso sempre
acontece em retrospectiva; nunca se trata da exploração de novos hori-
É trivial observar que, em todos os lugares onde as pessoas estão envolvi- zontes. Em sua famosa introdução à História da Guerra do Peloponeso,
das em histórias, as experiências de mudança e transformação são regís- Tucídides demonstra como os gregos se distinguem dos bárbaros por sua
tradas, para o melhor ou o pior, da perspectiva das pessoas afetadas. ordem jurídica e sua superioridade técnica e militar. Ele afirma que, an-
Nesse sentido, entre gregos e romanos há vários registros que permitem tigamente, os gregos também teriam vivido como os bárbaros; teriam
designar um avanço relativo nos domínios das coisas e das experiências: usado armas em tempos de paz, raptado mulheres e praticado outros
"prokope", "epidosis", "progressus", "profectus" assim como também as costumes bárbaros desse tipo. Agora, no século V, os gregos haviam su-
designações opostas de uma "metabole" com tendência para o declínio, perado essa condição. No entanto, justamente pelo estabelecimento da
da "ta rache kai kinesis" no sentido de confusão e destruição, ou as metá · polis, pelo incremento do comércio e pelos ganhos de poder daí decor-
foras de doença aplicadas à descrição da degradação política. 2 rentes, eles se tornaram capazes de travar uns contra os outros uma guer-
Basta lembrar a metáfora do ciclo constitucional que permite descre- ra civi. ·1 marcada u de desperdício de
por uma brutalidade e por um gra
ver os altos e baixos da auto-organização humana. Políbio, por exemplo,
instrumentos de poder ainda sem paralelos.
resumindo as argument açoes · h e 1 ernsticas,
, . · . na encontramos um
descreve a evolução das tres Portanto, para usar uma terminologia mo d er • ..
formas puras de dominação e a respectiva ruína de cada urna delas, num rn O d I b h · stória pretenta e na
ciclo que decorre ao Iongo de tres
· geraçoes.
. · e o de progresso relativo que, com ase na i
Aqui, ascensão e dec1.1010 e
omparação com os bárbaros contemporaneos, P . . . .
. ermite reconhecer a
. .d
si I · 1 da civihzaçao atingi O
' Cf. a aniologia Niedergang St d" · ngu aridade e o caráter extraordinário d o ruve
leck e p 1 \V"d · " "" zu emem geschicl,tlichen Thema, org. Reinhart Kose ·
J
I O resultado, a guerra
' rner, S tungart 1980 pe os helenos. Mas o caminho não leva ao futuro.
au . . . . li .
H . . •
erzog, e f· tambem Christian M · �F
• com con1nbu1ções de Walbank. Franz Georg Maier e
. d d categonas me.d.icas iga
(org.), Geschichtliche Grundb . erer,
· , . ai
ortschrín m der Antike" em Orto Brunner et .
civ·t1
das . d
' agora só pode ser descrito com a aJU ª e a
o futuro, par O
egriffe, v. 2. Stut1gart, 1975, p. 353-363.
ª oença, que ficam muito longe de apon para
tar
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t73
HISTÓRIAS DE CONCEITOS
REINHART KOSELLECK
também a Tucídides um sob- nsformado pelo retorno de Cristo que, junto com o Juízo Final, colo-
. . . de outro progresso. Falta • portanto, e- tra . · · • · t erre na. AI·em diisso, segundo a doutrina cristã
fim na ex1stenc1a
,n!CIO , ai [allgemeiner Oberbegrif!J' que resuma a história cana u 01 . _
conceito de carater ger . o delimitado entre a cnaçao e o fim do mundo desde O surgi
, . um processo progressivo. do mp te . ' -
como de Cristo a humanidade se encontrava basicamente na última era,
g rega pretenta . dicional quanto a isso: nos casos em que a Antigui. ento
Uma observaçao a . . J11
"aetas'n ou seja,
.
na daa " senecrus,nd urante a qual nada de essen-
.t estes eram sempre parciais - na ciência, por na última
d a d e reg1s ra progressos ' novo poderia ocorrer. A metáfora biológica da "senectus" po-
da região mediterrânea pela Pax Romana cialmente
exemp I 0 ou na Pacificação
1 .
dia então ser interpretada tanto de modo pagão, como expectativa de
Nunca tinham a ver com um processo que abrangesse a sociedade como
uma nova juventude que reiniciaria o círculo, quanto como presságio do
um todo, de modo semelhante ao que fazemos hoje quando falamos em
fim do mundo e da ressurreição dos mortos.
avanço da técnica ou em industrialização. O que prometia o domínio do Nos casos em que os teólogos falavam de "profectus" ou (em menor
mundo pela Roma Eterna eram duração e segurança, mas não um pro- o progresso remetia à salvação da alma.' Assim, ser-
gresso em direção a um futuro melhor. Na era dos Césares, era comum grau) "progressus",
vindo-se de uma metáfora biológica, Agostinho comparou o povo de
que os conceitos de interpretação histórica remetessem a comparações
com o modelo da República que passara. A longa duração do Império e Deus com um ser humano educado por Deus. De faixa etária para faixa
a sua decadência se complementavam reciprocamente na tentativa de etária, o povo de Deus avançaria no tempo para - e isso era a essên-
abarcar séculos de experiência. A noção de que o mundo estava numa cia dessa metáfora - elevar-se do mundo temporal para a experiência
idade avançada é uma autointerpretação da Antiguidade tardia, que foi do eterno, do visível para o invisível.' A partir de então, esse modo de
expressa repetidamente no conceito da "senectus"? Por isso, o conceito de avanço é repetidamente descrito pelos Pais da Igreja e pelos escolásticos
"declínio" era mais adequado para descrever um decurso social, de di- como "profectus hominis donum Dei est";6 ou, como Bernardo de Claraval
mensão até mesmo cosmológica, do que as variantes que enfatizavam certa vez pregou: "in via vitae non progredi, retrogredi est." Quem não
avanços parciais. avança, regride; ou: "ninguém é perfeito se não almejar urna perfeição
hso_vale não só para os pagãos, mas igualmente para os cristãos. Para ainda maior."
os cnstaos que creem, abriu-se o horizonte de um novo futuro, ou seja, a Encontramos já aqui aquela relação assimétrica existente entre o pro-
exp�ctatJva da Jerusalém celestial, mas esta representava um reino que se gresso e o retrocesso que contrapõe à eterna mudança da existência ter-
realizaria apenas após O fim d hi , .
. ª istona. Neste mundo, os cristãos podiam rena um movimento com direção e orientação fixas e que, em outro con-
se agarrar a duração de Roma O u d o I mpeno, . Romano - texto, pode até suscitar uma impressão moderna. Mas esse progresso - o
d epors. que este fez do .. . .
especialmente
cristianism O li profectus em direção à perfectio refere-se ao reino de Deus, o que não
ficar certo pro are giao ímperial - e podiam ídenti-
gresso em relação ao t deve ser confundido com o reino temporal neste mundo. O caminho
isso não valia diant d , . empo em que eram perseguidos. Mas
e ª propna expect a ti .va d e que o mundo inteiro seria
--
• O termo Obu"'iff, , .
runidaJ es ao ""!"' do' qu, traduzido como "sob reconceito,
1·
. ..
para a perfeição não pode ser medido em anos, apenas na alma: "Perjec
tio non in annis, sed in animis:·•
. longo livro e não eh comparece em algumas opor-
pnamentr analitl
1 co. D ega a constituir . com um papel pro- � S�bre o que se segue, cf. meu artigo .. Fortschritt" em Geschid1tli�·he Grundb(grijf( (ano-
- esemptoha _ uma categoria
tn d.rcar tanto u di • antes
��. uma fun çao . d ..
term os ma.is . ma con ição de superioridad (OL- mais escnnva, O prefixo Ober pode :açao 2), p. 363·423.
. conere I os., uma situa -
d e cima; Obaba _ d
çao e sobreposi -
ª"
e vcrkomm do::: al to-comando) quanto em
' , De C,v. Dei 10.14.
u suptrestrutura, constr _
para desi gnar conceit çao ou de sobrelevação ( Oberlicht :: luz , Isidoro d e s ev,'lh a, S ent. 2.5.3, Migne,
. Patr. Lat., t. 82 (1862), 604.
. uçao supen ) K . S
ção de suoe . . ,L
05 gerais e abrangentes or · oselleck emprega Oberbegriff " � rmones de Sanctis. ln puríficatione B. Mariae 2. 3. Migne, Patr. Lat., t. 183, 369 C, e
r,nonuade e e • O que em ai
'C( a comribui . ' m outros, apenas indica ' guns casos, descreve uma condi- r.pistolae
,p ad d ragone monachum, § 1, Migne, . Patr. Lat., t. 182, 100.
çao de Franz G<org Maier no v o caráter englobante da noção. jN.R.) 1 .
M·au ino de Aquileia. Liber exliorationis, vulgo de salutdril,us doc:umf!,itis, e. 43 (e. 795),
olume mencionado.
•gne, Patr. Lat., t. 99, 246A.
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HISTORIAS OE CONCEITOS
R[INHAR1 KOS[LL[CK
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'- - · 1,.. l, 1 V.:,
sentido biológico e moral de decad. deve ser pensada a�enas como algo que se encontra além da atividade
ls idoso perd e seu . . en,
do cada vez mar d
. . oro O e 1m cli .0 desvanece, abnndo assim o Carninh O ""ª"ª· Em vez disso,
hu,.. . o ser humano
.
individual p assa a apren d er cada
. A assoc1açao e _ ...
c1a.
irwmto. vez mais (e, de maneira
. .
sucessiva, todos os seres human os apren d em em
para um progresso d ue se foi aos poucos tomando consciênci a, conjunto); dia apos dia, ele avança na ciência, de forma que a humanida-
b tura do futuro, e q
A a er d as nas metáforas de crescimento. Tomad a juventude, passa a estar num progresso contín uo - na mesma
medida em rou anç . as d e, desde
pode ser . d metáforas de cresnmento natural remetem medida em que o próprio mundo envelhece. "Tous les hommes ensemble
em sentido literal, to as as . .
à finitude e à
. . bTd de da decadenc1a. Quem, portanto, leva a sério
ineVJta i J a . . .. y Jont un continuei progrez à mesure que l'univers vieillit" [Todos os ho-
. deve _ como na Antiguidade - permrtrr que O mens juntos fazem um progresso contínuo na medida em que O Universo
a categoria de natureza . . .
. id O por um declm10. Nesse sentido, o decurso da ju- envelhece].11 A antiga educação divina do povo fiel transforma-se na
progresso se1a segui
autoformação de todos os seres humanos dotados de razão. o progresso
• . _
l hice exclui uma progressao em direção a um futuro
ventude para a ve
infinito conquistou para si um futuro que se esquiva da metáfora natural
sempre aberto. . .
No máximo, poder-se-ia vincular uma doutrina do renasnmento à da velhice. O mundo, como natureza, pode até envelhecer no decurso do
metáfora da juventude e da velhice. Por isso podiam se servir de compa- tempo, mas para a humanidade como um todo isso já não significa mais
rações de idade, ainda que de formas diferentes, tanto as teorias cíclicas um declínio.
da Antiguidade quanto a doutrina cristã do mundo envelhecido, que Em J 688, Fontenelle rejeitou abertamente a metáfora da velhice, pois,
permanecia integrada ao horizonte de expectativa escatológico. Existem segundo ele, a mesma já não se prestava à descrição do progresso. Tudo
numerosos testemunhos dos séculos XVI e XVII que demonstram que, no mundo indicava que a razão se aperfeiçoa continuamente. Por isso, a
no mundo erudito, tentava-se encontrar uma determinação temporal razão pode compartilhar das vantagens da juventude e das vantagens do
dissociada do vínculo com significados naturais. Bacon, por exemplo, ser humano maduro e sábio: "Cestàdire, pour quitter /'allégorie, que les
retirou da autoridade dos antigos a sua perene pretensão à verdade, ao hommes ne dégéneront jamais" [Ou seja, para deixar a alegoria, os ho-
afirmar que a verdade seria filha do tempo. Veritas filia temporis. 'º Em mens nunca vão degenerar J. 12
termos mais simples: a verdade só era conhecida e aceita na medida em Leibniz deu um passo além e excluiu também do âmbito cósmico a
que se sintonizava com a execução temporalmente condicionada do co metáfora da velhice. Para ele, o avanço contínuo não era apenas produto
nhecimento humano - ou seja, na medida em que também ela podia do espírito humano; também dizia respeito ao Universo. A felicidade,
ser superada. afirmou, exige um avanço contínuo para desejos e perfeições sempre
A passagem - comum já na Baixa Idade Média - do anseio cristão novos. Por isso, também o Universo jamais podia alcançar um grau úl-
pelo
. reino da verdade e t erna para um processo intrarnundano de conhe- timo de maturidade. O Universo como um todo não regride nem en-
cimento progressivo se maníf t d velhece, "nunquam etiam regreditur aut senescit". IJ Portanto, não é só
ires a e maneira particularmente clara em
Pase ai , no seu tratad 0 b o homem, mas O mundo inteiro que progride. Mesmo que houvesse um
. . so re O espaço vazio, o Traité du vide. Lê-se aqui
que • ao contrario do animal . regresso, isso aconteceria apenas para que o avanço subsequente ocor-
humano e t, . . que e sempre perfeito em si mesmo, o ser
s a investido na infinitud [ U . . .
linitude mas . . . e nendbchke,tJ. É criado para a in- " 81 aise
· · · du v1'de, CE uvr. compl
Pascal, Fragment de preface sur le traite ' ·• ed, Léon Brunschvicg
' ja aqui num sentido ambíguo. Pois a infinitude não mais
----
te Fr .
et Pierre Boutroux, t. 2, Paris, J 908, p. 138ss.
1 d G B
u Bernard de Fontenelle, Digression sur les anciens et les modanes, CEuvr. comp ·• e · · ·
Or aanas Bacon, Novurn Organu,n ), 84· Depping, t. 2, Paris 1818 · reimpressão. Genebra. 1968. P· 3 . 64
g "der Wrssenschaften trad. p. 'Work.s, 1864, v. 1 p 190ss· ed em alemão Neues . . . .
pressão O ' e org. Anto Th b ' · ' · ' · u e· - ' '
itação do seu espólio manuscrito por Ernst Cassirer, e
· l ibniz' Sustem
r
m semen wissen
• armstadt, 1962. n eo ald Brück. Leipzig, 1830, p. 62ss; retrn-
schaft/ichen Grundlagen, Marburg, 1902. p. 444.
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HISTÓRIAS DE CONCEITOS
REINHART KOSELLECK
e se percorresse o dobro da distância. Resu- Do ponto de vista da história da palavra pode-se, então, demonstrar
resse em ve 1 ociid a de dupla
. só é O melhor dos mundos porque melhora continua- como, aos poucos, "perfection" é recalcada e substituída por "perjection
mindo: •0 mun do . ,,
nement", inicialmente em 1725, por St. Pierre. Da "perjection" para O
mente"" ("progressus est in infinitum perfectoms ). .
fazer caber toda a mult1phc1dade de Leibniz apenas "perfectionnement": a determinação de meta transforma-se em categoria
Sem que se queira
processual de movimento. A perfeição singular a ser almejada torna-se
nesse seu pensamento central, pode-se dizer que ele antecipou todas as
no século XVIII para interpretar o recém-descoberto iterativa. Turgot, por exemplo, falava inicialmente da massa de toda hu-
posições assumidas
manidade que, sem cessar, avança em direção à sua própria "perfeição".
mundo histórico, e sobre elas refletiu. No século XVIII, e desde então,
Mais tarde, corrigiu-se e disse que a raça humana, na felicidade e na mi-
existe uma acepção ampla de que o avanço é geral e contínuo, enquanto
séria, na tranquilidade ou na inquietação, estaria a caminho de uma per-
toda recaída, todo declínio ou ruína, sempre são apenas parciais e tempo-
feição cada vez maior. Por fim, Condorcet, antecipando-se a Hegel, foi
15
rários. Em outras palavras, o declínio, ou o retrocesso, não é mais um
conceito opositivo puro, contraposto ao avanço ou ao progresso. Encon- capaz de incluir no conceito também as contradições lógicas: o "perjec
tramos provas disso em inúmeros autores. Basta mencionar aqui Turgot, tionnement" da raça humana é o fim, "terme", embora seja ao mesmo
Condorcet, lselin, Wieland ou Kant, ou, no século XIX, Engels, Haeckel tempo ilimitado, "indéfini", A determinação de meta é incluída no pró-
ou Eduard von Hartmann. Diferentemente do que ainda era comum na prio processo de aprimoramento constante. Condorcet também disse:
"Os limites dos diversos progressos são apenas os próprios progressos."
16
Idade Média cristã, esses autores já não remetem a assimetria entre pro-
Teríamos assim descrito aquela temporalização que, no século XVIII,
gresso e declínio à dicotomia este mundo e outro mundo. Em vez disso,
transformam o progresso numa categoria da história mundial cujo senti- passou a abarcar cada vez mais âmbitos da experiência e da expectativa
humanas. O sistema da natureza transforma-se em história da natureza;
do consiste em interpretar todos os retrocessos como passageiros, e até
as leis da ordem política, em leis do aprimoramento constante desta. Nas
mesmo como estímulos para novos progressos.
2. Para se caracterizar ainda melhor o surgimento do novo conceito, é palavras de Lessing: "Creio que o Criador teve que habilitar todas as coi-
sas que criou a se tornarem mais perfeitas para que pudessem ser preser-
preciso introduzir um segundo ponto de vista: a temporalização. num
sentido que devo explicar a seguir. vadas na perfeição na qual ele as criou?" Lembremo-nos da sentença
.Até O século XVlll, fala-se menos dos "progressos" ou dos "avanços" e cristã medieval: ninguém é perfeito se não almeja urna perfeição ainda
mais da "perjectio"., da p erteiçao
e · como um modo de determinar a meta maior. Essa afirmação, aplicada primeiramente à alma individual, é agora
que deve ser alcançada nas artes e nas ciencias .• . e . transformada. Visa ao futuro terrestre e confere uma direção à história, ª
por fim em toda a soC1e- forma�
dade. Descobrir as eterna 1 . . . . ' ' qual, por sua vez, se liga de volta à consciência humana. De certa
. s eis naturais significava procurar alcançar uma
fi
meta nua, a partir da qual 0 é o progresso do progresso que supera qualquer retrocesso. O "progresso
. ser h umano seria capaz de dominar a natu-
reza. Alternativamente ente d . transforma-se num conceito reflexivo de caráter processual [prozessualer
matemátic o, por ' n er as leis da moral, com a ajuda do método
exemplo sign 1· fi Rejlexionsbegriff J. .
base na qual . ' cava também alcançar uma meta com 0
a SOC!e dade humana d . Poderíamos dizer que ao ser descoberto como processo, tempo hís-
século XVIIJ . po ena se organizar de forma justa. No . , ' afi mou Kant: "A criação
' essas determma õ d - - tó nco e, de certa forma, dinamizado. Ou, como r
integradas na exe _ d . ç es e meta sao temporalizadas, isto é, sao
cuçao a história h . , ·
de Leibniz conti umana. Evidentemente, a metafisica :: Cf. meu artigo "Fortscbrlrt" (anotação 4), P· 377.
nuou a exercer infl . . de l'es rit lu,main (1794), org.
uencía em muitos canais. Condorcet, Esquisse d'un tableaux historlque des progres P
388
" Leibniz, K/eine Se} ift �•lhelm Alff, Frankfurt am Main, 1963, P· 364. 382· · .. tliche Schriften, v. 17, 1904,
F rankfurt arn Mai 1rr e" zu r Metaphysik, or W,0 1
n, 1965, p. 368ss, "De g. f von Engelhardt e Hans Heinz Holz, Lessmg, carta a Mendelssohn de 21 de janeiro de 1756•
5
ª"'
progressu in infinitum� p. 53.
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HISTORIAS DE CONCEITOS
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em que dispõe do seu potencial de aperfeiçoamento, o ser é capaz de (na "infundir o desejo do fim naquilo que se degenerou e preten d e morrer.
verdade,
. está condenado a) sempre pro d uzf. r a dissolução,. a corrupção e Mas interrompamos aqui o raciocínio" e voltemos o olhar para trás.
. .
o cnrne. Mais amda • já que O progresso é irreversível, . O conceito de progresso desempenhou um papel histórico singular.
. algo que Rousseau
a d rmte, abre-se, com o decorr d O Pois nele está contida a ideia segundo a qual, desde a industrialização e a
ser hum , . er tempo, uma tesoura. Quanto mais o
ano e o b ngado a se a f . d O ponto de vista civilizatório, tecníficação, as condições de nossas experiências passadas nunca bastam
maior tarnbé , per eiçoar des_de
. ª
m sera a probabilid d d
e e que ele perca a sua integridade." para prever as surpresas e as inovações vindouras. verdade que, É
Assim Ro
o século XV III, o progresso gera uma coerção para o planejamento, �
CUJ S
• usseau instaurou um d 1 -
hipotético, que é ad d mo e O de reflexão, conscientemente
equa o para comp d metas, no entanto, sempre precisam ser redefinidas por causa do conti-
riência na modern·d d . reen er muitas dimensões da expe-
o progresso que reprod
ª 1 e, ou seja em , .
' . nosso propno tempo. É justamente
nuo surgimento de fatores novos. O conceito de progresso captura exata-
, uz as manifesta · d di mente aquela experiência típica do nosso próprio tempo moderno, que
atnib uidas especifi camente a ele ró . çoes e issolução que devem ser · · · iveis e que diricilmente podem
gresso - basta lemb p pno. E quanto mais poderoso o pro- repetiid amente revelou noviid a d es LTílprevlSI
· ·sibilidade em conta
de gas · .
-, maior també
ª
rar b omba atômic , . •
a, as armas quumcas e as camaras
ser comparadas com o passado. Levar t ai ímprevi
· de progresso, de forma
d
K
ant também levou isso
ª
m capacidade h
umana de produzir catástrofes.
tornou-se algo central para o conceito mo ern O
. . d
_ .
t bilizador e em relação a
era uma Ob . em conta quand 0 . que esse conceito já adquiriu um s1gni6 ca o es a •
ngação moral di considerou que o progresso . fi ça no progresso que nos
para algO e isso dedu · própna modernidade, conservador. A con an
melhor . zru que a humanidade avançaria
t ese do de I' . porque era o b ngada
e 11110 constante ª avançar, De acordo com Kant, a
' segu n d o a qual o " Kant, Das Ende a/ler Di11ge ( 1794), AA 8. P· 334ss.
,., N· · · 1 1885 35 (82), Kriti» ,,e
' 1 Stud,··na11sgabe
1,
� mundo se aproximaria do fun ietzsche, Nachgelassene Frag,ne,itt, n1a1.�1u · '
• ' '
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IX.
a moral ao nível atingido pelos conhecimentos técnicos. E també
'
século XIX ' era comum a alegação
. .
de que a técnica e a indústria c m no
orria111
oeslocando os limites
. da eman c1pacao·
· -
enquanto a moral ficava para trá um esboço h1stórico-conceitual· ·
apressadas em progressão geometnca,
com sua marcha em progressão aritmética. Essa . discrepância
, . _ q ue per.
as,
tence manifestamente ao progresso
.
desde os pnmord.ios
. - perfaz a�
de não conseguir se colocar à altura daquilo que ele mesrn
aporia: a nun� não ameaça e não domina os seus servos , nenh um d e l es la-
elevou. Ou, em outras palavras, a de que a planificação do progresso "Se O senhor .
e trabalha com honestidade e diligência. Vê·· Zeu s proviid entemente
ca é capaz de seguir naquela direção em que o "progresso em si" sere a1·1· b u ta"
cada homem metade da sua aretê ' quando O e mara nh a na ser-
zaria independentemente das cabeças das pessoas envolvidas. rou ba de
vidão:' A servidão [Knechtschaft], portanto, reduziria à metade a diligên-
de um homem. Essas palavras do fiel pastor Eumaio diri-
cia ou virtude
gidas
a Ulisses (P, 320ss) descrevem um estado de coisas que, desde
então, marcou a história do mundo de múltiplas formas. Um servo é
meio ser humano, um ser dependente do senhorio [Herrschaft).
apenas
ou melhor: o servo subjugado a um senhor transforma-se em meio ser
humano. As afirmações quantificadoras podem apresentar variações e
não devem ser interpretadas apenas metaforicamente.
No início da Idade Média, o Werge/d• podia baixar a apenas 1/3 ou
à metade daquilo que podia ser reivindicado para um senhor livre em
função do sexo ou do grau de liberdade da vítima. O juramento de um
só nobre pesava o mesmo que o de vários camponeses somados. Em
1787, quando falhou a tentativa de incluir a libertação dos escravos na
Constituição americana, a contabilidade eleitoral passou a adicionar a
cada proprietário um número correspondente a 3/5 dos seus escravos
(art. I. 2). E quando, na Prússia, a servidão e o trabalho forçado foram
abolidos, a escola liberal assumiu que a produção dos libertos aumentaria
de um fator de 2/3 para l. Também a teoria da mais-valia, apropriada
pelo capitalista explorador, pode ser integrada a essa sequência de afir-
mações quantificadoras. metade 2/3, ou
lifi do Como
I n d ependentemente de o servo ser qua ca '
3/5 de ser humano, ou de a humanidade lhe ser negada por completo, ou
. · derado um obJeto, o
ainda, como no caso do escravo, de e 1 e ser cons: .
, ( ar de muitas e protun-
.
d iagnostico estrutural permanece o mesmo apes
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