1habitação Social e Higienismo - Luciana Nemer
1habitação Social e Higienismo - Luciana Nemer
1habitação Social e Higienismo - Luciana Nemer
Introdução
A proposta do presente artigo é apresentar os resultados da investigação analítica e
interpretativa, na capital capixaba, da pesquisa: Habitação Popular em regiões portuárias - Rio
de Janeiro e Vitória. Uma perspectiva histórica. Neste sentido, este se inscreve no campo da
história social da arquitetura e do urbanismo articulando o espaço construído às políticas
norteadoras para a habitação do operariado que definiu novas identidades na área central de
Vitória.
Quanto ao recorte temporal, se destacou o período histórico que inicia no final do século
XIX, período de transformações de ordem econômica, social, política e cultural e se encerra
nos anos 30 do seguinte quando, sob o olhar da investigação da habitação popular, a construção
de casas passa a ser financiada pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões iniciando a
produção social de moradias em grande escala.
O objetivo principal é registrar as transformações territoriais apresentando as vilas que
foram construídas na cidade no período em questão. As políticas higienistas e seus
desdobramentos que deram início ao processo que se estendeu por cerca de quatro décadas.
Os resultados apresentados a seguir compõem o panorama da habitação popular coletiva
planejada dentro dos preceitos do higienismo na capital capixaba.
Universidade Federal Fluminense – Doutora em Engenharia de Produção.
Universidade Federal do Espírito Santo – Doutor em História Social.
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de âmbito urbanístico, a cidade convivia com características coloniais, sem infraestrutura, água,
esgoto e iluminação pública.” (MENDONÇA, 2009, p.43). Foi a agricultura voltada para a
exportação do café a propulsora das mudanças urbanas da época.
A participação da engenharia nacional nas transformações urbanas capixabas é
fundamental, se pode contar nos dedos de uma única mão o número de engenheiros que atuaram
na Província na primeira metade do século XIX, na segunda, em especial nas três últimas
décadas, esta situação muda e estes profissionais abundam em atuações profissionais enquanto
urbanistas, sanitaristas e políticos (RIBEIRO, 2011, p.141).
No governo de Muniz Freire (1892-1896) a Comissão de Melhoramentos da Capital
presidida pelo engenheiro Saturnino de Brito realizou o Projeto do Novo Arrabalde (1896). O
projeto que estendia a cidade a áreas antes desabitadas, ordenando uma ocupação de espaço de
forma racional e criando um bairro destinado a elite urbana, voltado para os ares salutares da
praia, com lotes espaçosos e vias largas que ainda hoje são referência da Praia do Canto (nome
atual da região). No que tange à habitação popular previa a construção da Vila Monjardim
(núcleo operário) em Jucutuquara, uma região mais próxima do centro histórico e mais
interiorizada.
No mesmo período é contratado com a companhia Torrens (1894) o Plano de
Arruamento para a Vila Moscoso na região do centro conhecida como Lapa do Mangal, Mangal
do Campinho ou Campinho, área alagada que sofreu sucessivamente vários aterros em nome
da salubridade pública. Este contrato inseria-se, junto com a reformulação da cidade alta e a do
Largo da Conceição, num projeto que se propunha a dar ares de modernização à capital
capixaba dentro da ótica da nova ordem republicana e da filosofia positivista de Auguste Comte.
Na figura 1 a seguir, observa-se à esquerda (em verde) a área do Campinho depois dos
primeiros aterros realizados.
Casas do Campinho
A construção, pelo governo do estado, do grupamento de casas do Campinho para
funcionários estatais pode ser vista como o primeiro conjunto habitacional construído
diretamente pelo poder público. Junto ao conjunto, a Sociedade Constructora de Victoria
levantou novas casas à Rua Vasco Coutinho. E próximas a estas e ao quartel, foi construída a
Vila Militar.
A área conhecida anteriormente como Lapa do Mangal teve aterro iniciado em 1888 e
finalizado em 1911, nesta ocasião as terras foram desapropriadas e as partes alienadas por
aforamento, por se tratar de legítimos terrenos da Marinha, foram requeridas pelo Patrimônio
da União.
“Jerônimo Monteiro instituiu, em dezembro de 1910, a Caixa Beneficente e por meio
dela viabilizou diversos benefícios aos funcionários estatais, como o financiamento da casa
própria.” (CRUZ, 2010, p.131).
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Figura 5: Vista da Vila Militar, Casas do Campinho e Rua Vasco Coutinho. Fonte: IPHAN, s/ data
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Jerônimo Monteiro nesta rua Coutinho Mascarenhas e na rua Gama Rosa foram construídas
casas para funcionários públicos.” (UFES, 2002, p. 38).
Das casas geminadas restaram com médio grau de descaracterização quatro unidades
sendo, que apenas duas geminadas. Fazem parte do inventário realizado pela UFES
identificadas com o seguinte grau de proteção: “merecendo tombamento ou identificação”.
(UFES, 2002, p. 38 - 41).
A figura 6 retrata o conjunto no início do século passado.
Figura 7: Vista dos Conjuntos dos Conjuntos de Casas das Ruas Aristides Freire e Deocleciano de Oliveira; Rua
Coutinho Mascarenhas e Rua Gama Rosa. Fonte: IPHAN
Conclusões
No espaço urbano de Vitória pode-se observar claramente a apropriação por parte do
poder público de áreas significativas da cidade reurbanizada destinadas à construção de
residências higiênicas que além da função sanitarista simbolizaram o ideário positivista e
republicano, ainda que localizadas nos diversos bairros da cidade (Parque Moscoso, Centro e
Jucutuquara) descrevem com sua arquitetura o mesmo período temporal.
A habitação das classes populares seguiu a malha urbana na direção leste e contribuiu
para a sua criação, ocupação e transformação. Importante reconhecer que a arquitetura e o
urbanismo estavam entrelaçados nas reformas urbanas higienistas e através dos mesmos e seus
simbolismos, a nova ordem política, econômica e cultural se fez demonstrar.
Os conjuntos residenciais pesquisados foram de iniciativa do poder público e suas
unidades vendidas. A autonomia do proprietário permitiu com o passar dos anos a
desconfiguração dessas arquiteturas e poucas são as encontradas que conservam o desenho
original. Ainda assim o mapeamento dessas iniciativas através da pesquisa de imagens,
processos e relatórios, bem como as visitas a campo, permitiram o resgate da história e através
deste documento e de outros subsequentes pretende-se contribuir registrando a formação da
habitação social na região central de Vitória.
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