A Confissão PDF
A Confissão PDF
A Confissão PDF
A CONFISSÃO
O PADRE:
Constantino Aliheve, com os seus sessenta e nove anos, dos quais trinta e oito
prestados como pároco da pequena cidade denominada Riacho Seco, com menos de
trinta mil habitantes, era considerado pelos paroquianos como quase um santo. Todos o
estimavam. Quando novo, participava de todas as festas que havia na cidade. Jogava
futebol com a garotada, visitava todos os enfermos, o que continua a fazer até o presente
momento. Orgulhava-se de haver batizado mais de sessenta por cento da população da
cidade. Vivia na casa paroquial, onde tinha como sua fiel governanta dona Mercedes,
que o tratava como fosse ele um santo.
Era uma quarta-feira, deveria ser por volta das onze horas da manhã, o sino da
igreja toca, chamando os fiéis. Mas não era dia nem hora do sino tocar. O que queria o
padre chamando os fieis a essa hora da manhã?
O primeiro a chegar foi o sacristão, que morava nos fundos da igreja. A segunda
foi dona Terezinha da Conceição, que estava rezando.
Logo, uma pequena multidão olhava para o alto e com espanto dizia:
O corpo do padre estava suspenso pelo pescoço na corda de badalar o sino. Seus
braços estavam estendidos ao longo do corpo, a cabeça virada para o lado, assegurava
que o pescoço tinha partido. Os bombeiros voluntários foram chamados e o resgate foi
iniciado. Após alguns minutos de preparação, o corpo do padre foi baixado. As beatas
choravam, umas se desesperavam, e aos gritos diziam:
— Foi obra do satanás, ele era um padre tão correto, vivia somente para a sua
paróquia. As beatas formaram um grupo de vigília, que velaria o corpo do vigário
suicida.
O bispo foi chamado e, quando perguntado, ele respondeu que concordava com
as beatas, tinha sido obra do demônio. Que o padre Constantino sempre fora
irrepreensível, sua carreira sacerdotal fora balizada pela retidão de princípio e amor ao
Final da missa, o corso segue para o cemitério, nunca se houve dizer ter havido
um enterro de tamanha proporção. Quadras e quadras de carros e ônibus levaram o
padre Celestino Aliheve a sua última morada. Uma lápide em mármore branco esperava
o féretro que estava chegando. As mulheres estavam todas vestidas de preto, com véu
preto cobrindo a cabeça.
A INVESTIGAÇÃO
HERCULAN — O Detetive.
Especialista em desaparecidos.
Investigações de adultério.
Informações confidenciais.
Telefone 011.525.3333
— Eu gostaria que o senhor viesse aqui na diocese para que eu pudesse lhe
explicar no que consistirá o seu trabalho.
— Mire, Senhor Bispo. Meu escritório fica nos fundos da barbearia Central, na
Rua Tiradentes no. 110, no Centro. Amanhã, às dez horas, pode me esperar que ai
estarei.
Ele fecha o livro, dá uma baforada no charuto, e o troca de lado na boca. E fica
ali pensando:
— Que terá um bispo para ser investigado? Isso eu vou saber amanhã, agora
vou tomar uma cerveja e comer um lanche, amanhã será um longo dia.
Um corredor os levara até uma grande sala, onde se encontrava o bispo sentado
em uma poltrona. O recepcionista, se dirigindo ao bispo, disse:
Seu trabalho acontece com o maior sigilo e discrição para investigar o ocorrido.
O que teria levado o padre a cometer o suicídio, parece ter acontecido, ou se houve um
atentado contra a vida dele?
Seus honorários serão pagos pela diocese. O grande detetive levanta, faz uma
mesura, e se afasta. Dois dias depois, Herculan Decrois chega a Riacho Seco. Vai se
hospedar no único hotel da cidade.
— Bom-dia!
— Café da manhã e jantar, almoço não, mas tem um restaurante a quilo nesta
mesma rua.
Antes das sete horas, o detetive já levantara e se dirigia ao restaurante para tomar
o café da manhã. Ele abre a porta, dá bom-dia a todos que estavam no recinto, e se
dirige ao balcão do café e sucos, onde estava um senhor servindo-se. O detetive,
aproximando-se diz:
— Já estou acostumado, sempre pernoito neste hotel, quando estou pela cidade.
— O senhor é vendedor?
— Sou uma espécie de agente de informação. Agora, vou fazer uma pesquisa
para o bispo, para saber o que a sociedade católica desta cidade espera do novo
sacerdote, que ele deve enviar para cá.
— Mire senhor?
— Não, senhor Herculan, não conheço, venho regularmente a cada dois meses,
para tirar pedidos de reposição de estoques. Permaneço, no máximo, por dois dias.
O carro surrado de Decrois estaciona na frente da casa, ele olha a casa e pensa:
“Morava bem o padre falecido.”
Bate à porta e espera. Logo ela é aberta e surge uma senhora com mais de
sessenta anos.
O detetive arria a grande carcaça sobre uma poltrona da sala, a zeladora faz o
mesmo e ele diz:
— Mire dona?
— Agora que o senhor tá falando é que eu estou me dando conta. Há uns dois
meses ou mais, ele começou a ficar quieto. Eu lembro que um dia ele chegou muito
melancólico, eu lembro bem, pois nesse dia eu tinha preparado uma sopa de espinafre
que ele gostava, dizia que o espinafre tinha ferro, que era bom para o sangue. Eu servi a
sopa, ele mal provou e foi logo se deitar. Aquele dia ele quase não falou, parecia que
estava preocupado com alguma coisa.
— Não, não, passou vários dias quieto, quase sem falar. Daí em diante, parecia
que não era o mesmo homem. Sabe, seu Herculano...
— Pois bem, seu Herculano. Quer saber o que eu penso? Que ele se matou
porque tinha doença braba: câncer, e quando ele soube da doença ficou tristonho e
terminou se matando.
— Faz sentido, dona Mercedes, se ele era um homem tão bom assim, não
merecia uma morte sofrida.
— Tá bem, seu Herculano! Na última semana, quarta feira, antes da quarta, que
ele se matou, ele veio para casa, numa tristeza de dar dó. Não quis jantar, ficou até altas
horas da noite sentado na cadeira de balanço, olhando para um ponto fixo. Não é que na
outra quarta-feira ele se matou, antes do almoço, logo após ter terminado de ouvir as
confissões da semana.
— Mas, mudando de prosa, dona Mercedes, como a senhora gostaria que fosse o
novo vigário? Um homem jovem, ou um homem já de certa idade?
— Tanto faz! Desde que seja um homem bom e justo, como o padre Aliheve,
pode ter qualquer idade.
Desceu do carro, bateu a porta e se dirigiu à igreja, que ficava ao lado da casa
paroquial. A porta estava aberta e ele entrou. O sacristão estava a limpar os castiçais.
Decrois se benzeu, ajoelhou, rezou por alguns minutos, fez o sinal da cruz e levantou,
dirigindo-se ao sacristão. A ele disse:
— Bom-dia, se está procurando o padre Aliheve, posso lhe adiantar que ele
faleceu na semana passada. A igreja só está aberta porque eu tenho que fazer o meu
serviço.
— Mire senhor?
— Seu Homero! Sou Herculan Decrois e fui enviado pelo bispo para ouvir os
anseios dos fiéis e da comunidade. Ele quer enviar um padre que atenda tais anseios.
— Vai ser difícil achar um padre com as qualidades do nosso padre Aliheve, vai
ser muito difícil.
— Ele era um pai para mim. Se não fosse ele, eu tinha morrido de tanto beber
pinga. Ele foi o único que me deu uma oportunidade, quando todos na cidade me
desprezavam. Ele conversou comigo e me fez prometer que nunca mais iria beber e eu
nunca mais bebi. Empregou-me como sacristão, isso foi há dez anos.
— Mire, seu Homero! As beatas costumam vir à igreja a que horas do dia?
— Devem já estar vindo, elas chegam por volta das dez horas.
A primeira a chegar foi dona Matilde. Ela entrou na igreja, se benzeu com água
benta, ajoelhou-se e pôs-se a rezar. O pé grande a olhava de longe. Teria que deixa-la
rezar primeiro para depois abordá-la. Outras beatas começaram a chegar. Ele continuou
a esperar uma oportunidade para falar com as mulheres.
O esperto detetive já tinha formado a sua teoria, iria investigar mais a dona
Matilde, que teria certamente muito a informar.
UM SUSPEITO
Herculan Decrois, logo após a reunião com as beatas, as quais deram sua opinião
sobre o futuro sacerdote, se aproximou de dona Matilde e disse em voz baixa.
— Mire, dona Matilde! Eu fiquei curioso quando a senhora disse que vinham
pessoas de fora para se confessar com o padre Aliheve.
— Há uns quatro meses a trás, devia ser perto das dez horas, um homem bem
arrumado, me pareceu ter mais de trinta anos, entrou na igreja, se benzeu, rezou um
pouco e ficou na fila de espera da confissão. Voltou a aparecer quatro semanas depois.
E, no dia do suicídio do padre Celestino, assim é que eu o chamava, o homem esteve se
confessando.
— Ah, seu representante do bispo! Eu sou uma mulher que não dou ponto sem
nó. Enquanto ele estava no confessionário, eu vi um carro com placa de Rio Curvo, só
poderia ser dele. Um carro bonito e novo.
Era tudo o que o detetive queria. Ele, usando a sua memória fotográfica,
registrou tudo, fazendo uma associação das letras e dos números. Não poderia anotar,
pois, dissera que era apenas curiosidade tudo aquilo que perguntara.
No dia seguinte, o detetive chega a Rio Curvo, passava das nove horas da
manhã. Ele chega no DETRAN de Rio Curvo.
— Sinto muito, senhor, mas não prestamos tais informações. Para lhe ajudar,
posso lhe aconselhar que procure o despachante, fica ali na esquina.
O atendente alcança ao detetive a ficha, ele a pega e toma nota do endereço. Rua
Marques do Herval, 425.
A casa era bem localizada. Estava mais para uma velha casa reformada,
parecendo uma mansão do século 19, do que uma simples residência. O detetive, de
dentro do carro estacionado do outro lado da rua, passou a observar a casa, uma casa de
gente de classe média, talvez não seja correta as informações da dona Matilde. Somente
posso saber batendo a porta para ver se aqui mora o senhor José Jovino Santos.
Ele chega à porta e bate. Uma mulher vem abrir a porta, um garoto de tenra
idade a acompanha grudado a sua saia.
— Sou Herculan Decrois, tenho assuntos de negócios a tratar com o senhor José.
— Marco Antônio.
— Que nome bonito, este dedo deve estar gostoso, deixa dar uma provada?
O menino se esconde mais ainda atrás da mãe. Nesse momento, chega outro
menino. O detetive se dirige ao recém-chagado, olha quem está chegando, como é o seu
nome?
— Aqui tem o meu cartão. A senhora pode me dar o seu telefone? Eu telefonarei
à noite para o seu marido.
— Passar bem, minha senhora, telefonarei à noite para o seu marido. A senhora
foi muito gentil em me receber.
No hotel, já passavam das vinte horas quando o detetive liga para a residência do
senhor José.
José entra no saguão do hotel e, à sua espera, estava o grande detetive. Ele se
dirige ao balcão de atendimento e pergunta ao atendente:
— Mire, senhor José! Eu tive informação de que o senhor foi a última pessoa
que se confessou com o padre Constantino Aliheve, antes da sua morte.
— Não, não me passa pela cabeça tal ideia, apenas eu tenho que investigar todas
as possibilidades. Eu fico apenas imaginando porque alguém viaja mais de cinquenta
quilômetros para se confessar.
E mais, disse ele que o padre ficava nervoso após havê-lo confessado.
Coincidentemente, a zeladora da casa paroquial me informou que o padre ficou
meditabundo há uns quatro meses atrás, mudou completamente o seu comportamento,
justamente depois que o senhor apareceu pela primeira vez. O senhor sabe que o padre
Constantino Aliheve se suicidou, amarrou a corda do sino no pescoço e jogou-se da
torre, tendo o pescoço partido e a morte imediata.
Ao ouvir isso, José ficou pálido e começou a chorar. Herculan deixou-o chorar
até que ele se recuperou do susto. Olhou para o detetive e disse:
— Eu não tive essa intenção, eu apenas queria que ele sofresse a culpa de seus
atos no passado.
— Quer me contar tudo o que aconteceu? Prometo que ouvirei toda a sua
história.
REMINICÊNCIAS
A pequena cidade de Riacho Seco amanhecera com uma serração que não
permitia enxergar um palmo à frente do nariz. Era domingo e cedo da manhã, os fiéis já
se dirigiam ao culto religioso. A primeira missa começara às seis horas. Nesse horário,
eram poucos os fiéis e o padre Celestino Aliheve, nesse momento, começava o seu
sermão dominical.
O confessando responde:
— Não sei como vou dizer! Eu me sinto muito mal, muito arrependida com o
que fiz.
— Estou arrependida, não sei o que deu em mim para fazer isso.
Eu sou uma mulher casada, tenho dois filhos, meu marido é um homem bom.
Trabalha de dia e estuda à noite. Eu tenho que ficar com as crianças, elas dormem cedo,
pois um tem cinco anos e outro, três. Eu me sinto muito só. Quando meu marido chega,
eu já estou dormindo. Ele sai muito cedo para o trabalho, eu ainda estou dormindo.
Dessa forma, eu passo a semana toda sozinha. Até que um dia, eu conversava com uma
vizinha e notei que seu filho que me olhava. Ele é um garoto com um pouco mais de
quinze anos, porém, forte e alto, o que me chamou a atenção, da mesma forma com que
eu a ele.
Embora com grande diferença de idade, ele passou a brincar com meu filho de
cinco anos. Acho que, como desculpa, para se aproximar de mim. Um dia, passava das
nove horas, meus filhos estavam dormindo, ele bateu à porta, e eu, instintivamente, abri
a porta e ele entrou. Fechei a porta, ele me abraçou, me beijou e tudo o mais aconteceu.
Quando tudo terminou é que eu percebi a tremenda enrascada em que me tinha metido.
— Minha filha, Deus lhe perdoará, mas terá que se arrepender e não mais voltar
a cometer adultério. Imagine se o seu marido descobrir, o que poderá acontecer. Eu a
perdoo em nome de Deus. Reze um terço junto ao altar de São Benedito e não volte
mais a pecar. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo amém.
— Mas, meu filho, não é possível, este mandamento diz: “Não matarás.”
— É isso mesmo, padre, eu matei uma menina de dez anos, após violá-la.
— Sei disso, padre, mas espero que esteja sob a proteção do sigilo da confissão.
— Com toda a certeza, meu filho, o sigilo da confissão será preservado, somente
eu e Deus tomaremos conhecimento de sua confissão, mas conte com mais detalhes
sobre o ocorrido.
Um dia, ela saía da escola e, por qualquer motivo, sua mãe não foi busca-la. Ela
ia sozinha pela rua. Eu parei o carro e lhe disse que sua mãe me mandara busca-la na
escola. Ela sorriu para mim, e entrou no carro, que já a esperava com a porta aberta.
Dei partida no carro e levei-a para um campo ermo e distante. Eu não sabia o
que estava acontecendo, parecia que não era eu que estava fazendo aquilo. Ela
gritava, mas eu não parava. Quando tudo terminou, eu a tinha em meus braços,
sem vida. Caí em mim, e chorei muito, me amaldiçoei, me flagelei, dando socos
nos pneus do carro. Quando passou a minha fúria de arrependimento, cavei uma
cova profunda e a enterrei.
— O que você fez é muito grave! Você chegou a avaliar o sofrimento a que
submeteu a menina, e aos pais dela que, certamente, a estão procurando até hoje.
Quantos dias faz do acontecimento?
O padre estava tão emocionado com a narrativa que não sabia o que dizer.
Nunca tinha recebido tal tipo de confissão, em toda a sua vida.
— Eu te perdoo, em nome de Deus, mas terá que prometer que nunca mais
cometerá tal pecado. Como penitência, deverá rezar diariamente, até o final de sua vida,
três Pai-Nosso e cinco Ave-Marias, à noite, ao deitar e ao levantar, firmando o propósito
de não mais cometer tal crime. Vá com Deus!
— Conte mais, minha filha, para que eu veja a gravidade de teu ato.
— Eu estava resoluta, não iria mais cair em tentação, mas foi mais forte do que
eu. Ele bateu à minha porta, eu fui abrir, sabendo que era ele, eu estava resolvida a
manda-lo embora. Mas, ao vê-lo, não resisti à tentação e o puxei para dentro de casa.
Ele me contou que uma vizinha o tinha visto pular o muro, mesmo assim fomos para a
cama e fizemos amor. Quando a volúpia havia passado, eu fiquei preocupada e em
conjunto arquitetamos um plano. Dei a ele algumas roupas, camisas e calças do meu
marido, para que ele levasse. Quando meu marido chegou, eu lhe disse que havia
esquecido as roupas no varal e que ouvira barulho, nos fundos, acendera as luzes para
ver o que havia acontecido e as roupas haviam desaparecido. Com isso, se a vizinha
dissesse alguma coisa a respeito, teria a ver.
Eu não sei o que fazer, isso é mais forte do que eu, não consigo dominar o desejo
de ficar com ele. O que faço, padre, não quero só o seu perdão, mas também um
conselho de como fazer para me livrar dessa tentação.
Naquele dia, todas as demais confissões foram de coisas fúteis, sem qualquer
relevância.
O padre Celestino reconhece a voz, a mesma que, há quatro semanas a trás, lhe
havia confessado um estupro seguido de assassinato. Mas ele sabia que não poderia
associar um pecado já confessado e perdoado com outro que ainda não tinha sido
confessado. Fez como se não houvesse reconhecido a voz e disse:
— Mas o seu voto de contrição, as suas orações diárias, pedindo para que não
voltasse à tentação de cometer mais um crime?
— Eu não sei o que está acontecendo comigo, eu certo momento parece que não
sou eu, faço isso sem saber o que estou fazendo, planejo todos os atos nos mínimos
detalhes, mas não tenho o domínio das minhas ações. Somente depois do ato realizado e
que eu caio em mim, choro, excomungo, grito em desespero. Desta vez, o meu
desespero foi tão grande, que cheguei a mutilar um dedo, cortei-o com uma faca de
trinchar carne. Eu preciso de ajuda, o senhor não quer me ajudar a não cometer mais
esses crimes hediondos?
— Não, não sou! Eu viajo muito e por isso nunca estou no mesmo lugar. Quanto
a procurar um psiquiatra, não posso, ele certamente me entregará à polícia. O senhor
não, pois está sob o juramento de não revelar os segredos das confissões. Só o senhor
poderá me ajudar. Eu não quero cometer mais crimes, mas é irresistível. Por isso, eu
acho que se não tiver ajuda, voltarei a cometê-los.
Ele se afasta, deixando o padre num estado de torpor, que parecia lhe faltar o ar
dentro do confessionário, saiu para tomar água e viu de costas o homem que acabava de
sair da igreja.
Foi à sacristia e tomou grandes goles de água gelada. Sentou em uma cadeira,
colocou ambas as mãos na cabeça e pensou: “Eu, estou sendo conivente, tenho que fazer
alguma coisa, ou ele voltará a matar.”
E tal patologia poderia ser criada em seu subconsciente por alguma coisa que o
tivesse afetado no passado. Quando aparecia algo parecido com a ocorrência mãe, ele
tinha um surto psicótico irresistível, que passava a dominar todas as suas ações. Chegara
à conclusão de que teria que investigar a causa dos seus surtos psicóticos. Ele pensava:
passivelmente, ele continuará a cometer crime. Ele é um psicopata, os psicopatas, não se
arrependem, ele disse que ficou arrependido, isso deixa em dúvida, quanto a ele ser ou
não ser um psicopata. Mas pode ser que não volte mais a me procurar, já que não me
dispus a ajuda-lo. O que me deixa muito preocupado, posso ser culpado de crime que
não cometi, por omissão de ajudar quando tive oportunidade.
— Meu filho, eu acho que posso lhe ajudar. Estive pesquisando, e essa sua
atitude está ligada a algum fato ocorrido em sua vida, talvez, em um tempo remoto,
quando ainda era pequeno. Você se lembra de algum fato parecido com isso que lhe
tenha acontecido em algum momento de sua existência?
— Lembro quando garoto, eu era apaixonado por uma menina, mas nunca tive
coragem de abordá-la e dizer que estava apaixonado por ela. Ela terminou namorando
outro garoto, eu a via passar com ele, e me amaldiçoei por não ter tido coragem para
namorá-la.
— Ora, isso acontece com todos os garotos, e eles não ficam matando, por causa
disso. Não deve ser esse o motivo. Tente lembrar mais, talvez antes disso.
— Você tem que parar com isso! — disse o padre, em tom enérgico.
— Vou lhe mostrar o que é um pecado, já que você não sabe o que é ou não é
pecado. Ele desafivelou a minha cinta e baixou as minhas calças e a cueca. Ele me virou
de costas para ele, levantou a batina e se encostou, me fazendo sentir aquele membro
duro entre as minhas coxas. Logo senti um líquido correr pelas minhas pernas abaixo.
Ele me afastou, mandou que eu suspendesse as calças e afivelasse a cinta. Ele me pegou
pelos ombros e disse: isso é pecado, mas eu te perdoo. Terá que prometer que não
revelará a ninguém, muito menos aos seus familiares. Se revelar, eles ficarão
automaticamente excomungados e arderão pela eternidade no inferno. Na próxima
quarta-feira, venha se confessar.
O padre, ouvia tudo em silêncio, lágrimas corriam de seus olhos, o suor lhe
brotava por todo o corpo. Isso tinha acontecido quando ele tinha apenas trinta e cinco
anos, quando ainda lutava contra os desejos da carne. Tudo agora lhe caía na cabeça de
uma forma trágica. Eram onze horas quando a última confissão terminara. Ele não sabia
como tinha conseguido realizar as confissões, após tudo o que ouvira. Mortificado pelo
remorso, ele vai até à torre onde estava o sino, amarra a corda no pescoço, bate o sino e
se joga da torre.
EPÍLOGO
José Jovino Santos conta a Herculan Decrois todo o seu drama e, ao final, o
detetive lhe pergunta:
— Mire, senhor José, eu apenas não estou entendendo uma coisa, senhor José. O
senhor, pelo que ouvi, quando estive em sua casa, o senhor é casado e tem dois filhos?
E, pelo estado emocional que ficou, quando soube da morte do padre, o senhor não é um
psicopata, então o que disse ao padre era apenas para fazê-lo ficar com remorso, estou
certo?
— Mire, senhor José. Eu fui contratado pelo bispo para investigar sem alarde o
que teria acontecido com o vigário não sou da polícia, por isso não tema nada de mim.
Levarei o resultado das minhas investigações ao bispo e ele é que decidirá o que fazer
com o resultado.
Na diocese:
— Sim, detetive, acertou. Um bom dia para o senhor também. Teve êxito em
suas investigações?
— Foi muito perspicaz, meu caro detetive, mas quais foram os resultados.
Por isso, peço-lhe que esqueça o caso e que apresente seus honorários na
tesouraria da diocese. E que mantenha o mais absoluto sigilo sobre o resultado do seu
trabalho.
FIM