Morte e Vida Severina
Morte e Vida Severina
Morte e Vida Severina
José Neresi
INTRODUÇÃO
Escrito entre 1954 e 1955, Morte e Vida Severina é um dos mais belos poemas do
Modernismo brasileiro e um dos mais bem elaborados da Língua Portuguesa. A saga do
homem que sai de sua terra natal em busca de um lugar melhor para sobreviver e, durante
o trajeto, começa a perceber que as desigualdades sociais vão muito além do fato de uma
região ser ou não castigada pela seca, pois mesmo onde há aparente fartura de recursos
naturais o homem continua sendo explorado por outros homens.
Trata-se de uma obra de caráter bastante crítico e socialmente engajada na qual os
diversos ritmos acompanham as sequências narrativas e a cadência da relação das
personagens com o enredo e com os acontecimentos vividos e compartilhados com o leitor.
Lembramos sempre que o contato com este trabalho não substitui a leitura integral
do livro.
Secchin),1994; Entre o sertão e Sevilha, 1997; Serial e antes, 1997; A educação pela pedra e
depois, 1997.
Prosa: Considerações sobre o poeta dormindo, 1941; Juan Miró, 1952; A Geração de 45
(depoimento), 1952; Poesia e composição / A inspiração e o trabalho de arte, 1956; Da função
moderna da poesia, 1957; Obra completa (org. por Marly de Oliveira), 1995; Prosa, 1998.
A interessante escolha lexical de João Cabral de Melo Neto para compor o título de seu
poema Morte e Vida Severina remete a um jogo de palavras em que Severina tanto pode
referir-se a Severino, quanto à condição de severidade em que as personagens estão
envolvidas
Por outro lado, o crítico piauiense Assis Brasil (1979) considera que João Cabral
estava um passo na frente de Carlos Drummond de Andrade no que se referia à pesquisa
com a linguagem, considerando-o um “arquiteto do verso”. Ítalo Moriconi, ao estudar a
poesia brasileira do século XX, coloca a poesia de João Cabral entre as melhores já
produzidas nas letras brasileiras.
O professor e crítico literário Massaud Moisés considerava João Cabral um poeta
inovador que desde sua estreia, em 1942, já vinha cortando as amarras da poesia com os
reflexos da poesia modernista de 1922 e de 1930. O crítico lembra também que o
“visualismo” é uma das maiores características da obra cabralina. Diz Moisés (1993, 426)
que:
Visualista por excelência, é a visão o sentido com que se prende às coisas,
ou ao qual se reduzem as sensações auditivas, tácteis ou olfativas.
Visualismo estreitamente associado ao gosto pela descrição, denuncia uma
vocação de prosador ou de dramaturgo, que os dois autos – Morte e Vida
Severina e Auto do Frade, onde verte seu pensamento participante – tão bem
exemplificam. Afinal, a despoetização trai o projeto de continuar a fazer poesia
sem os alicerces tradicionais da emoção e da melodia. Essa aspiração, no
entanto, nem sempre se concretiza sem pôr em risco a poesia.
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ESTRUTURA DO POEMA
Morte e Vida Severina é um poema dramático dividido em 18 (dezoito) partes, cada
uma delas iniciada por uma espécie de subtítulo que serve como guia para o leitor saber
qual o conteúdo central do tópico. Desse modo, a seguir temos cada uma dessas partes.
1) O retirante explica ao leitor quem é a que vai ;
2) Encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos “Oh
irmãos das almas! Irmãos das almas! Não fui eu que matei não!”;
3) O retirante tem medo de se extraviar por que seu guia o rio Capibaribe
cortou com o verão ;
4) A casa a que o retirante chega estão cantando excelências para um
defunto enquanto um homem do lado de fora vai parodiando as palavras
dos cantadores ;
5) Cansado da viagem o retirante pensa interrompê-la por uns instantes
procurar trabalho ali onde se encontra ;
6) Dirige-se a mulher na janela de depois descobre trata-se de quem se
saberá;
7) O retirante chega Zona da Mata que o faz pensar outra vez em interromper
a viagem;
8) Assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que dizem do morto
os amigos que levaram ao cemitério ;
9) O retirante resolve apressar os passos para chegar logo ao Recife ;
10) Chegando ao recife, o retirante sempre disse para descansar ao pé de
um muro alto e caiado e ouvi sem ser notado a conversa de dois coveiros
11) O retirante aproxima-se de um dos cais do Capibaribe ;
12) Aproxima-se do retirante o morador de dos mocambos que existem entre
cais e água do rio ;
13) Uma mulher, da porta de onde saiu o homem, anuncia-lhe o que se verá
14) Aparecem e se aproxima da casa do homem vizinhos, amigos, duas
ciganas, etc.;
15) Começam a chegar pessoas trazendo presentes para o recém-nascido ;
16) Fala mais de duas ciganas que haviam aparecido com os vizinhos ;
17) Fala os vizinhos, Amigos, Pessoas que vieram com presentes, etc.;
18) O carpina fala com retirante que esteve de fora, sem tomar parte em nada
O poema segue uma estrutura que mescla um monólogo inicial com diálogos
constantes entre as diversas personagens, mas sempre com foco em Severino. As demais
personagens, embora importantes, servem mais para a composição de um cenário de
desolamento, solidão e também de esperança do que como contraposição ao protagonista.
O poema é quase integralmente escrito em redondilha maior, ou seja, versos com
sete sílabas poéticas, conforme pode ser visto abaixo:
1 2 3 4 5 6 7
O meu no me é Se ve ri (no)
não te nho ou tro de pi (a)
co mo há mui tos Se ve ri (nos)
que é san to de ro ma ri (a)
de ram em tão de me cha mar
Se ve ri no de Ma ri (a)
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Deixando claro que há pessoas que sobrevivem graças ao grande número de mortos na
cidade ela e outras pessoas mantém uma boa condição de vida.
REFORMA AGRÁRIA
Outro tema recorrente no poema é o da reforma agrária, ou seja, redistribuição da
terra para as pessoas que possam trabalhar no campo, produzindo mais bens de consumo
e promovendo o desenvolvimento. João Cabral de Melo Neto, em seu poema, defende essa
teoria em vários momentos do livro, denunciando a grilagem e deixando claro que o
trabalhador não terá possibilidade de realizar o sonho de ter sua terra
— Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste
em vida. — É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe
neste latifúndio. — Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias
ver dividida. — É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais
ancho que estavas no mundo.
— Trabalharás uma terra da qual, além de senhor, serás homem de eito e
trator. — Trabalhando nessa terra, tu sozinho tudo empreitas: serás semente,
adubo, colheita. — Trabalharás numa terra que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste. — Será de terra tua derradeira camisa: te
veste, como nunca em vida.
VIOLÊNCIA NO CAMPO
Em vários pontos do Brasil são tratados como comuns os casos em que um
fazendeiro patrocina a morte de donos de pequenas propriedades próximas às fazendas.
No poema, João Cabral elabora a metáfora da ave-bala para representar esse tipo de crime
e mostrar que o latifundiário não admite o crescimento dos pequenos proprietários. No
episódio da ladainha do Irmão das Almas, essa crítica fica muito bem evidenciada,
conforme pode ser visto abaixo:
— E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi
matada? — Até que não foi morrida, irmão das almas, esta foi morte matada,
numa emboscada. — E o que guardava a emboscada, irmão das almas e com
que foi que o mataram, com faca ou bala? — Este foi morto de bala, irmão
das almas, mas garantido é de bala, mais longe vara. — E quem foi que o
emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa ave-bala? — Ali é
difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada. (...)
— E era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de muitas covas, tão
cobiçada? — Tinha somente dez quadras, irmão das almas, todas nos ombros
da serra, nenhuma várzea. — Mas então por que o mataram, irmãos das
almas, mas então por que o mataram com espingarda? — Queria mais
espalhar-se, irmão das almas, queria voar mais livre essa ave-bala.
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FOME
A situação de seca tem como uma das consequências a fome que se espalha entra
as pessoas. Em vários momentos do livro, o autor lembra que a forme é um fator
determinante das atitudes dos homens, que acabam encarando esse problema com uma
espécie de consciência resignada, mas na qual cabe o sentimento de revolta.
— Finado Severino, quando passares em Jordão e o demônios te atalharem
perguntando o que é que levas... — Dize que levas cera, capuz e cordão mais
a Virgem da Conceição. — Finado Severino, etc... — Dize que levas somente
coisas de não: fome, sede, privação. — Finado Severino, etc... — Dize que
coisas de não, ocas, leves: como o caixão, que ainda deves. — Uma
excelência dizendo que a hora é hora. — Ajunta os carregadores que o corpo
quer ir embora. — Duas excelências... -...dizendo é a hora da plantação. —
Ajunta os carreadores... -...que a terra vai colher a mão.
SOLIDARIEDADE
Em vivendo em situações adversas, as personagens do poema, em muitos
momentos contam com a solidariedade como forma de manter o equilíbrio social, ou pelo
menos tentar. Severino, mesmo cansado da exaustiva viagem, não se furta em ajudar a
carregar a rede para aliviar o peso dos demais caminhantes. Da mesma forma, no
nascimento do menino, as pessoas mais carentes levam presentes para o recém-nascido,
desejando-lhe um futuro melhor que o de seus pais, parentes e vizinhos.
— Minha pobreza tal é que não trago presente grande: trago para a mãe
caranguejos pescados por esses mangues; mamando leite de lama
conservará nosso sangue. — Minha pobreza tal é que coisa alguma posso
ofertar: somente o leite que tenho para meu filho amamentar; aqui todos são
irmãos, de leite, de lama, de ar. — Minha pobreza tal é que não tenho presente
melhor: trago este papel de jornal para lhe servir de cobertor; cobrindo-se
assim de letras vai um dia ser doutor. — Minha pobreza tal é que não tenho
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presente caro: como não posso trazer um olho d'água de Lagoa do Cerro,
trago aqui água de Olinda, água da bica do Rosário.
Em outras linguagens
COMENTÁRIOS FINAIS
Morte e Vida Severina é um livro que mescla poesia, narração e teatro, tratando de
temas polêmicos e que podem suscitar debates de diversos tipos. Mesmo escrito há cerca
de sete décadas, a mensagem do texto continua atual, bem como sua linguagem. De modo
bastante metafórico, mas, ao mesmo tempo, bastante cru e direto, o poeta faz inúmeras
denúncias sociais e mostra que a poesia pode ser engajada e tentar fazer um mundo melhor
para todos.
Por ser um auto, a abordagem religiosa é obrigatória, porém o autor soube mesclar
com bastante maestria o lado social e as mensagens voltadas para a metafísica, discutindo
ideologias e alertando para o fato de que a beleza poética pode ser encontrada até mesmo
nos temas mais duros.
REFERÊNCIAS
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José Neres - Professor da rede pública e da rede particular de ensino do Maranhão.