2020 - Livro - Comunicação Audiovisual e Educacao - CACE
2020 - Livro - Comunicação Audiovisual e Educacao - CACE
2020 - Livro - Comunicação Audiovisual e Educacao - CACE
br/ri/handle/ri/32359
Comunicação,
audiovisual e educação
narrativas de pesquisa
Adriana Hoffmann
Rosane Tesch
Vanessa Gnisci
Organizadoras
Adriana Hoffmann Fernandes
Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), doutora e mestre em Educação e
Mídia, respectivamente pelo PROPED da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela PUC-Rio.
Professora da Escola de Educação e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Membro da Rede Internacional de Educação, Artes e
Humanidades (Redarth) que integra Brasil, Portugal e
Uruguai e da Rede de Formação Docente (Formad) em
diálogo com toda a América Latina. Líder do grupo de
pesquisa Comunicação, Audiovisual, Cultura e Educação
(CACE) da Unirio/CNPq.
Rosane Tesch
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); mestre em
Educação e Licenciada em Letras pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ); especializada em Arte
e Cultura (UCAM). Atuou como professora convidada
no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação
(ISEAC/FAAC). Professora e gestora na
SME/RJ e integrante do Grupo de Pesquisa
Comunicação, Audiovisual, Cultura e Educação
(CACE/UNIRIO) com pesquisa em cultura visual, redes
cotidianas digitais e práticas docentes.
Vanessa Gnisci
Doutoranda em Educação na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e integrante do
grupo de pesquisa Comunicação, Audiovisual, Cultura
e Educação (CACE/UNIRIO) com pesquisa voltada à
literatura e booktubers nas redes digitais. Mestre em
Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e especialista em Literatura Infantojuvenil pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora
adjunta do Colégio Pedro II e leciona as disciplinas
Linguística Aplicada e Alfabetização e Letramento na
pós-graduação em Psicopedagogia na Universidade em
Nova Iguaçu (UNIG).
Comunicação,
audiovisual e educação:
narrativas de pesquisa
universidade federal da bahia
reitor João Carlos Salles Pires da Silva
vice-reitor Paulo César Miguez de Oliveira
assessor do reitor Paulo Costa Lima
conselho editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Adriana Hoffmann
Rosane Tesch
Vanessa Gnisci
Organizadoras
Salvador
EDUFBA
2020
2020, Autores.
projeto gráfico
Gabriela Nascimento
normalização
Bianca Rodrigues de Oliveira
revisão
Cristovão Mascarenhas
ilustração capa
Semente de ecrã 1, Ludmila Duarte
Contém biografia
ISBN: 978-65-5630-046-7
CDD – 371.33
Editora filiada à:
EDUFBA
prefácio … 7
apresentação … 13
1
cinema no ensino fundamental: a pesquisa com o projeto megacine
pelas narrativas das crianças … 21
Adriana Hoffmann
Érica Rivas Gatto
Renata Costa Ferreira
2
narrativas de jovens do ensino médio sobre cinema dentro e fora
da escola … 37
Kelly Maia Cordeiro
3
“cinema é um acontecimento”: investigando a prática cineclubista
do cine cch na universidade … 55
Thamyres Dalethese
Adriana Hoffmann
4
jovens youtubers: novas aprendizagens … 75
Lucineia Batista
5
pedagogias da animação: experiências de criação de filmes na
escola … 89
Joana Sobral Milliet
6
uma pesquisa com filmes para jovens cegos: cultura do ouvir no
contar filmes e/ou audiodescrever … 109
Margareth Olegário
Adriana Hoffmann
7
juventude, desenhos animados e modos de viver o tempo … 125
Érika Lourenço de Menezes
8
“se inscreve no meu canal”: relações entre crianças
e youtube … 145
Thamyres Dalethese
9
professores de artes: a experiência audiovisual como formação
e prática … 161
Jamila Guimarães
10
cibercultura e redes sociais: refletindo sobre as práticas das
juventudes … 179
Lucy Anna Diniz
Adriana Hoffmann
11
a arte de criar tapetes de histórias: ensaiando um convite
narrativo entre o artesanal e o tecnológico … 195
Daniela Fossaluza
12
agamben e a profanação da educação: as relações do cinema com a
sala de aula e a formação de professores … 211
Pedro Freitas
| 7
assistir ao filme Nos tempos da Brilhantina, estrelado por Olivia Newton-John e
John Travolta no final dos anos 1970, ela teria fugido da aula, no turno vesper-
tino, pulando o muro dos fundos da escola que fazia fronteira com o terreno da
sala de cinema. Sua fuga envolveu planejamento prévio, e contou com a cumpli-
cidade das colegas de turma. Envolveu, ainda, uma clandestina troca de roupas
– o uniforme escolar poderia denunciá-la –, e a companhia de um candidato a
namorado, que a teria encorajado para o feito. Segundo ela, o namoro não deu
certo, do mesmo modo que, pouco tempo depois, precisou abandonar a vida es-
colar. Esta só foi retomada algumas décadas depois, entre adultos trabalhadores,
quase todos já na meia idade. Mas aquela experiência permaneceu, indelével,
entre suas lembranças mais vívidas.
Nesse relato, encontram-se alguns elementos bem frequentes no tocante às
memórias pessoais com o mundo encantado das imagens animadas e sonoriza-
das. A escola e o cinema muitas vezes se colocam em relação, não necessaria-
mente de modo amigável, linear ou de complementaridade, mas quase sempre
mediada pelos sentimentos de aventura, pelo desejo e, nesse caso, pelo romance.
Geralmente, as lembranças mais antigas que as pessoas trazem, no tocante à ex-
periência de assistir a um filme projetado no telão, numa sala escura, são carrega-
das de magia, de afeto, de sustos. De espanto.
Afora as sessões de cinema compartilhadas coletivamente, as narrativas fíl-
micas, atualmente, estendem-se para outros territórios e rituais, multiplicando-se
em telas de diversas dimensões, que habitam nossos quotidianos, desde os apara-
tos móveis a nos acompanhar, por onde possamos ir, aos aparelhos dispostos em
ambientes domésticos, de trabalho, instituições escolares, dentre quantos outros.
Tais experiências e as narrativas nelas testemunhadas integram memórias,
constituindo identidades. Não foi ao acaso que o cineasta e escritor chileno
Alberto Fuguet escreveu o romance Os filmes da minha vida,1 lançado, no Brasil,
em 2005. Nele, em vez de se debruçar sobre a linguagem cinematográfica pro-
priamente dita, ou de analisar os filmes que compõem a lista, o autor constrói
um livro sobre as memórias pessoais entrelaçadas ao cinema. Não estão ali os fil-
mes preferidos do autor, ou do personagem que assume, em alguma medida, seu
alter ego. Os filmes reportados a cada capítulo do livro são aqueles que, a partir
de um e outro aspecto formal ou narrativo, ou de outras referências circunstan-
Prefácio | 9
primórdios, tem deflagrado aprendizagens múltiplas, que demandam inves-
tigações com diferentes recortes. Particularmente, é necessário, no âmbito da
educação, que se busquem estudos mais abertos à complexidade dessas relações
entre a experiência com o cinema e as aprendizagens deflagradas, nos processos
de escolarização, em diálogo com as demandas dos circuitos oficiais do cine-
ma e do audiovisual. Reside exatamente nesse aspecto a importância e a urgên-
cia do trabalho desenvolvido pelo grupo de estudos e pesquisa Comunicação,
Audiovisual, Cultura e Educação (CACE), com investigações sistemáticas sobre
essas relações entre as narrativas fílmicas, a cultura do cinema e as questões da
educação, contando com a liderança sempre sensível e competente da professo-
ra Adriana Hoffmann.
Criado em 2010, o CACE vincula-se ao Programa de Pós-Graduação e à Escola
de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Ao
longo de uma década, já construiu uma bagagem importante que inclui pesquisas,
publicações, participação em eventos, dentre tantas outras frentes de atuação.
A professora Adriana Hoffmann teve reconhecida sua liderança e importância
como pesquisadora na área, ao ser contemplada, pelo programa Jovem Cientista
do Nosso Estado, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj), para o período de 2018 a 2020. Não por acaso,
ela tem reunido, no CACE, pesquisadores em diversos níveis de formação, num
painel amplo de interesses e discussões que têm, em comum, interesses relativos
à educação, ao cinema e à cultura contemporânea.
Este livro coroa, assim, o percurso de uma década de trabalho. O conjunto de
textos apresentados, com a cuidadosa organização assinada pelas pesquisadoras
Adriana Hoffmann, Rosane Tesch e Vanessa Gnisci, abre-se para a atualidade
das questões já apontadas. Ressalta-se, como eixo orientador aos trabalhos, a
prioridade dada à educação, desde o ensino fundamental ao superior. Partilhada
por todos, também, é a base formada pela pesquisa de campo, de natureza parti-
cipativa. Assim, o trabalho de pesquisa se associa à docência, em processos que
aliam a vivência à reflexão e produção de conhecimento.
As temáticas abordadas abrem um gradiente necessário, tendo em vista o
cenário contemporâneo das questões da educação, do cinema e do audiovisual,
da cultura digital, sem perder de vista ainda as questões relativas à inclusão e à
acessibilidade. Ressaltam-se, inicialmente, os estudos sobre os modos como as
pessoas vivenciam a experiência de assistir a filmes, como se apropriam dessas
Prefácio | 11
construindo repertórios mais abertos, diversificados e complexos. É exatamen-
te nessa direção que o CACE tem encaminhado suas investigações, desaguando
nesta coletânea indispensável para pesquisadores e professores já no exercício
da profissão ou em formação.
Que os espaços de interlocução possam se multiplicar, desdobrando-se em
novas experiências e projetos nos vários níveis da educação. E que a todos seja
assegurado o direito ao espanto no encontro com filmes, projetados em salas de
cinema, em salas de aula, em copas de árvores, nas laterais dos edifícios, em su-
perfícies desde onde possam impregnar nossa imaginação com suas narrativas.
| 13
e o coletivo com o individual e, portanto, o conjunto de pesquisas de cada projeto
aponta para o caminho que esse grupo como coletivo vem construindo. O livro é
mais uma forma de visibilizarmos, para nós e para os que querem nos conhecer
e dialogar conosco, esse percurso de ser e fazer-se pesquisador. Atualmente, es-
tamos no terceiro projeto institucional financiado por órgãos de fomentos como
a Faperj, mas o projeto atual ainda não tem pesquisas finalizadas para serem
incluídas neste livro.
O primeiro projeto institucional, intitulado “O cinema e a narrativa de crian-
ças e jovens em diferentes contextos educativos”, foi realizado entre os anos de
2010 e 2013, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), com
apoio da Faperj. O projeto teve como objetivo perceber como crianças do ensi-
no fundamental e jovens do ensino médio e superior constroem seus modos de
relação com o cinema e que narrativas produzem a partir dessas experiências
vividas em espaços de formação – escola e universidade – que proporcionam
momentos de convívio com o assistir, pensar e produzir com a linguagem audio-
visual. Considerando o referencial teórico dos estudos culturais latino-america-
nos, o projeto de natureza qualitativa teve como estratégias metodológicas para
o trabalho de campo a observação de momentos de exibição de filmes e debates
nas instituições e a realização de entrevistas coletivas com as crianças e os jovens
com posterior análise de suas produções narrativas.
No contexto desse projeto, foram realizadas três pesquisas que trabalharam
na perspectiva do cinema como espaço de formação nas diferentes instituições.
Nesse período, a pesquisa proposta realizou-se em parceria com o prof. Pedro
Benjamin Garcia, da Universidade Católica de Petrópolis (UCP), sendo um dos
campos de pesquisa uma escola de ensino médio técnico em audiovisual na ci-
dade de Petrópolis. Os demais campos de pesquisa foram uma escola de ensino
fundamental, em que uma das pesquisadoras era docente, e a própria Unirio,
através do projeto de extensão do cineclube Cine do Centro de Ciências Humanas
(CCH), de 2010 a 2016, nas dependências da mesma universidade. Sendo assim,
tivemos as mestrandas Erica Rivas pesquisando com as crianças do ensino fun-
damental numa escola pública do município do Rio de Janeiro e Kelly Cordeiro
pesquisando com os jovens do ensino médio dentro da parceria feita com a UCP
numa escola pública do estado do Rio de Janeiro, na cidade de Petrópolis, e, no
ensino superior, diferentes turmas e cursos que frequentaram nosso cineclube
Apresentação | 15
se considerou a presença da internet nos consumos de cinema nos espaços de
consumo para além unicamente do espaço escolar, elementos que apareceram,
também, nas pesquisas do projeto anterior. Esse projeto institucional teve como
objetivo olhar de forma mais ampliada para as relações formativas vividas com
o cinema fora dos espaços institucionais visando à percepção dos processos de
autoria no consumo e à produção de narrativas audiovisuais de crianças, jovens
e professores e em sua atuação como cidadãos na sociedade. Nesse projeto, as
estratégias metodológicas já começaram a se diversificar, o que será percebido
nos capítulos referentes às pesquisas desse período.
No capítulo “Jovens youtubers: novas aprendizagens”, de Lucineia Batista,
a autora reflete sobre os processos de autoria e as novas aprendizagens contem-
porâneas de sete jovens, gamers e youtubers, estudantes do ensino fundamental
ao superior, com um interesse em comum: o mundo dos jogos. A partir de entre-
vistas e análise das produções compartilhadas no YouTube sobre cultura gamer,
Batista aborda as relações virtuais, oportunidades educacionais e atuais desafios
de jovens imersos em uma cultura de consumo e mediação tecnológica.
Animação é o tema do capítulo escrito por Joana Milliet. Parte de sua pes-
quisa de mestrado, o texto mostra como foi a participação de quatro professoras
da rede municipal de educação do Rio de Janeiro no projeto Anima Escola, em
2012 e 2013. Centrada na última etapa do projeto, quando as professoras são con-
vidadas a propor um filme de animação com alunos nas escolas, a pesquisadora
convida a pensar sobre uma possível “pedagogia da animação”, durante o pro-
cesso de criação, defendendo que gestos poderiam ser considerados pedagógi-
cos nesse processo.
O capítulo “Uma pesquisa com filmes para jovens cegos: cultura do ouvir no
contar filmes e/ou audiodescrever”, de Margareth Olegário e Adriana Hoffmann,
apresenta alguns dos achados da pesquisa de Olegário, realizada no Instituto
Benjamin Constant (IBC), onde ela atua como professora de crianças e jovens
cegos. A pesquisa teve como objetivo perceber o acesso desse público aos filmes
para entender como cegos e pessoas com baixa visão se relacionavam com os
filmes, buscando uma relação entre a experiência da pesquisadora e dos alunos,
ambos cegos. Através da pesquisa, Margareth vai vivenciando, junto com eles,
as tensões e aproximações entre a experiência deles de ouvirem/conhecerem os
filmes pelo contar filmes ou pelo audiodescrever.
Apresentação | 17
crianças em situação de risco social das comunidades do Pavão, Pavãozinho e
Cantagalo, localizadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro e, através da me-
todologia da pesquisa-atelier, percebe o despontar do eu-narrativo das crianças,
percebendo indícios de relações entre o artesanal e o tecnológico nesse processo
de contar das crianças.
Pedro Esteves, em seu capítulo “Agamben e a profanação da educação: as
relações do cinema com a sala de aula e a formação de professores”, traz uma
vertente de pesquisa relacionada a um olhar da arte que começa agregar valor às
pesquisas do grupo. Em sua pesquisa, concluída em 2018, que teve como objeti-
vo investigar a possibilidade ou não de profanar o processo educacional em uma
sala de aula de formação de professores através dos saberes cinematográficos,
ele concebeu as relações entre arte e cinema, a partir de leituras do filósofo ita-
liano Giorgio Agamben (1942-) e realizou seu trabalho de campo numa turma de
formação de professores em uma universidade pública. Através de propostas de
ver, refletir e produzir com os jovens da pesquisa, o autor apresenta os indícios
de profanação da educação através do cinema.
As três últimas pesquisas já vão apontando o vínculo que o grupo inicia com
a arte, começando a mesclar pesquisas que trazem a arte para esse diálogo com
a comunicação, agora articulada às discussões da cultura visual, num projeto
em andamento que atualmente realizamos com outras novas pesquisas. Por esse
motivo convidamos para ilustrar o livro, tanto na capa quanto nas entrada de
cada projeto institucional, a artista Ludmila Duarte, agora também integrante
do grupo que trouxe nos seus desenhos toda a sensibilidade dos debates que as
pesquisas trazem à baila. Esperamos que o leitor ao conhecer as pesquisas con-
cluídas possa promover diálogos com/sobre e a partir delas para construção de
novos caminhos de pesquisa ainda não pensados e que esse livro possa ser fonte
de inspiração para pesquisadores que se interessam pelos estudos da área.
Semente de ecrã 2
Fonte: Ludmila Duarte (2020).
1
Cinema no ensino fundamental:
a pesquisa com o projeto megacine pelas
narrativas das crianças
Ad riana Ho ffm ann
Érica Ri vas G att o
Re nat a C o s t a Fer rei ra
INTRODUÇÃO
| 21
o Megacine. Escolhemos o espaço escolar como campo de pesquisa, privilegian-
do um olhar para o modo como as crianças desse campo estão se apropriando do
cinema com o intuito de desmistificar a ideia corrente do cinema na escola como
mera ferramenta para ilustrar ou aprofundar conteúdos. Ao observar as relações
das crianças e suas narrativas diante dos filmes exibidos na escola pelos debates
realizados livremente, ampliam-se as possibilidades de ver e pensar sobre filmes
com o objetivo de formação estética, entendendo-se a criança, sujeito da pesqui-
sa, como produtora de cultura em sua relação com as imagens cinematográficas.
Ao falar de narrativa na pesquisa entendemos que ela nos constitui, pois,
como reflete Benjamin (1994), nos formamos pelas narrativas a que temos aces-
so, rememoradas pela coletividade. Por elas, criamos e damos sentido ao que vi-
vemos no mundo. Essa nossa constituição narradora também ocorre, em nosso
entender, na relação que as crianças estabelecem com o cinema. Nossa relação
com o outro e com o mundo passa pela narrativa. É um modo de percebermos
o mundo e sermos afetados por ele, pois nossa formação depende das histórias
que contamos aos outros e das que contamos para nós mesmos, das construções
narrativas nas quais cada um se constitui, simultaneamente, autor e narrador da
sua própria existência.
Diante disso, questionamos: como as crianças se relacionam com as narra-
tivas do cinema no cotidiano? Como narram-se na relação com o cinema? Que
narrativas conhecem e escolhem para compartilhar com os colegas? Que relação
estão construindo com o cinema dentro do cineclube criado? É com essas e ou-
tras provocações que tentaremos refletir e dialogar neste texto.
Nessa perspectiva, a constituição do campo investigado ocorreu fundamen-
tada na ótica da pesquisa-intervenção (CASTRO, 2008) como transformação da
realidade dos sujeitos numa construção conjunta dos pesquisados com o pes-
quisador. Segundo Sato (2008, p. 172), “[...] o processo de desenvolvimento da
‘pesquisa-intervenção’ é o resultado de um processo de negociação entre os en-
volvidos e que depende das circunstâncias presentes”. Outro ponto que merece
destaque e trouxe a singularidade do estudo, foi a relação entre a pesquisadora,
autora da dissertação resultante desta pesquisa e as crianças, já que atuava tam-
bém como professora regente desse grupo.
Consideramos que as crianças, ao atuarem na pesquisa e narrarem as suas
diferentes leituras sobre os filmes, são sujeitos produtores de sentidos e cul-
turas, ressignificam e reelaboram aquilo que veem segundo sua participação
No início da sessão, estavam mais preocupados com a pipoca, porém foram se con-
centrando com a narrativa de Valentin que foi envolvendo a todos.
Com o desenrolar do filme, ao meu ver por ser em uma língua, cultura e época dife-
rentes, as crianças foram ficando envolvidas e curiosas com a história do menino.
Durante o filme, riam e se entreolhavam, com cumplicidade nos olhares.
1 Em palestra realizada pela autora na disciplina Tópicos especiais em cinema e educação, ministrada
pela professora Adriana Hoffmann, no dia 15 de setembro de 2011.
Outro autor, Teixeira Coelho, comenta que, quando se fala de cinema, está se
falando de um modo cultural, mas não necessariamente de filmes. Nessa pers-
pectiva, considera-se neste estudo, o filme como um produto cultural, enquanto
o cinema é entendido como fenômeno social. (DUARTE, 2002) Nesse sentido,
ver filmes numa sala de projeção, com possibilidade de debater de forma coleti-
va após a exibição, constitui um modo de constituição cultural diferenciado do
ver filmes sozinho em casa.
Nessa lógica, fica claro que mesmo atuando na escola podemos trazer para
esse espaço a possibilidade de criação de uma cultura do cinema. Nossa inves-
tigação não pretende apenas perceber a relação das crianças com filmes como
espectadores de forma isolada, mas, ao instituir e investigar um cineclube no
espaço da escola, objetiva perceber a possibilidade de captar o modo de relação
das crianças com a cultura do cinema numa dimensão mais ampla assim como a
apontada por Coelho (1999).
A constituição do cineclube Megacine criou uma forma de relação com os
filmes como evento, inserindo-os numa provável construção de prática cultu-
ral que, para esse grupo de crianças moradoras da zona norte, pode não ser tão
próxima de seu cotidiano. Como o objetivo da investigação é pensar as relações
de crianças com o cinema, a proposição desse espaço favoreceu momentos de
CLUBE DO CINEMA
Muita gente não tem dinheiro para ir à locadora, aí escolhe alguns filmes, assiste
em casa, traz no dia... É do jeito da pessoa, o filme que quiser... E também tem gente
que doar para outros assistirem...Tem um filme aqui que a maioria tem preconcei-
to de assistir porque fala que é chatinho... Quase ninguém pega esse filme! É o Vila
Sésamo 1,2,3, conte outra vez, dizem que é pequenininho, chatinho, de criança...
(Andressa)
“O clube do cinema é como uma locadora que a gente poderia ter colocado ou-
tros filmes, mas como a gente pediu emprestado, só entraram filmes mesmo que a
maioria já conhecia ou então não eram de outros países, sem ser de Hollywood”.
(Esther)
Eu gostei muito da sexta-feira, porque eles se pareciam com a gente nos primeiros
Megacine. Tínhamos vergonha de falar e muito mais de se expressar, igualzinho a
eles. E foi uma oportunidade para mim, porque eu tinha faltado o filme Valentin,
foi uma segunda chance e espero que eles tenham gostado do projeto assim como
nós. (Andressa)
Eu no Megacine me via como uma pessoa que ontem falava que filme era chato e
hoje estou participando de debates, falando de filmes. Estou vendo coisas no filme
que eu não via antes. Eu não tinha a visão que tenho agora, não era só porque eu
era menor. Eu tinha um olhar diferente, eu não debatia, eu não tinha sentimento
em relação aquele filme, eu só queria ver filme já mastigado, filme bobo, não bobo,
mas assim Hello Kitty...
(Juliana em entrevista ao falar sobre sua participação no Megacine)
Figura 3 – Sessão do filme Valentin, exibido no dia 20 de maio de 2011 no cineclube Megacine
Fonte: arquivo da pesquisa.
Kel l y M ai a C o rd ei r o
INTRODUÇÃO
A recepção através da distração, que se observa crescentemente em
todos os domínios da arte constitui o sintoma de transformações
profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema seu cenário
privilegiado. (BENJAMIN, 1994, p. 194)
Ao se colocar diante das mudanças sociais ocorridas a partir dos novos paradig-
mas, procedentes das múltiplas possibilidades contemporâneas da reprodução
técnica, Benjamin (1994) considera o cinema como um meio de distração e pos-
sibilidade de construção de conexões mentais que trazem a percepção a novos
sentidos. Através do filme, da contemplação estética da arte, a mente se “solta”
para construir elementos que surgem a partir dessas narrativas, permitindo aos
espectadores um “alívio” das tensões do momento, num processo contínuo de
aprendizagem e fruição.
As relações de consumo do cinema compõem elementos da cultura, que
como aponta García Canclini (2009), são concebidas por um conjunto de práti-
cas sociais, econômicas e políticas. Conforme tal autor, essas relações abarcam
o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo de signifi-
cação na vida social, sendo um processo de significação social. A cultura, nesse
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contexto, não se fecha sobre um aspecto pré-definido, se abre para ser pensada
de forma híbrida, entrelaçando elementos significativos da esfera local e global.
Compreendendo que o cinema se estabelece também através da cultura,
e faz parte do contexto dos jovens, procuramos na pesquisa do mestrado em
Educação, investigar como são construídas as relações dos jovens com o cinema.
Neste artigo, apresentaremos um recorte da pesquisa trazendo a metodologia
adotada, o campo, os sujeitos e parte dos resultados da pesquisa que mostram
o consumo do cinema através das narrativas dos jovens. Destaco que a pesqui-
sa foi realizada dentro de um projeto institucional da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio), e tanto o projeto quanto a pesquisa de mestra-
do que deu origem a esse capítulo tiveram outras versões em publicações ante-
riores em revistas.1
• A faixa etária dos jovens eram entre 17 e 20 anos, se interessavam por di-
ferentes gêneros de filmes. Boa parte deles eram “amigos” no Facebook e
também interagiam em outros espaços fora da escola.
2 Os filmes da pesquisa foram: O carteiro e o poeta, Fahrenheit 451, Adeus Lenin!, Ensaio sobre a ceguei-
ra, Balzac e a costureirinha chinesa, Edifício Master.
A gente queria que eles pudessem ampliar a compreensão desse processo opera-
cional e dominar minimamente a discussão sobre a linguagem, que gramática é
essa, que sentido a gente constrói com essa linguagem, quais as possibilidades es-
téticas que essa linguagem oferece. Tanto do ponto de vista da imagem enquanto
texto (entendido no seu sentido ampliado); então a gente queria aprofundar isso.
O currículo todo, na verdade, foi muito mais pensado nessa compreensão da lingua-
gem do que nas técnicas da apropriação e manuseio de equipamentos. (Professora
Implementadora)
3 As entrevistas foram cedidas a autora no segundo semestre do ano de 2011. Selecionamos jovens do 2º e
3º anos do ensino médio e uma das professoras implementadoras do projeto no EMI.
É legal de ver que a gente muda vários fatores na nossa vida. A gente olha as coi-
sas de uma forma bem diferente, tanto o filme quanto a vida. É até ruim a gente
falar que a gente só aprendeu um olhar crítico, não é não, a gente aprendeu
a olhar nossa vida, né? Nossa vida toda já é um filme e pode mudar a qualquer
momento, cada cena. (Estudante 1, grifo da autora)
A gente fica o dia inteiro conversando, viu aquela cena? Viu como é maneiro? Viu o
que o diretor quis passar? Não só o dia inteiro, mas o ano todo, a gente fica: lembra
aquele filme? Aquele? Qual? Um vai lembrando, vai lembrando... E vai comentan-
do, que fez tal coisa, e vai todo mundo lembrando. (Estudante 2)
O filme toca, envolve, fica na mente, provoca reflexões, fazendo com que
essa troca em conversas coletivas se alongue na escola para além do momento de
exibição do filme. Medeiros (2009, p. 5) – a partir do que traz Benjamin – explica
que a “experiência de ver um filme não é apenas lazer, mas uma experiência es-
tética, uma maneira de ver o mundo”. Nesse sentido, o ato de ver e debater filmes
se constitui como experiência prazerosa, de troca de saberes e de construção de
subjetividades. O ponto de vista que cada um constrói sobre o filme é fruto do
próprio aprendizado e se expressa, por exemplo, ao se pensar na linguagem que
caracteriza o cinema.
Os jovens pesquisados estavam em tempo integral na escola e nela inicia-
ram as práticas com e para o cinema, sinalizando o desenvolvimento no olhar
de uma maneira diferente, ampliada, tanto para interpretar melhor o desenrolar
das narrativas fílmicas, quanto para o aprendizado geral a partir do cinema.
O cinema no contexto da prática social está inserido num espaço público que
apresenta aos espectadores a representação de aspectos da vida social, portanto,
a escolha sobre o que e o como assistir se apoiam num ato pensado de consumo.
No ilimitado que se mostra o espaço fora da escola, o cinema aparece carregado
de sentidos, construções e reflexões pessoais, provido de diferentes experiências
e bagagens dos sujeitos da pesquisa.
Dessa forma, procuramos por pistas que nos indicassem os caminhos para
compreender os aspectos centrais dos sentidos construídos pelos sujeitos da
pesquisa, quanto ao contexto externo à escola, aos espaços não tutelados pela
instituição escolar. Dentro desse contexto, elencamos três aspectos de diálogo
e reflexão trazidos para este artigo: os modos de assistir a filmes; os critérios de
escolha desses filmes; e a relação entre o cinema e a cibercultura.
Em “modos de assistir a filmes”, buscamos identificar quais as práticas dos
jovens quanto aos modos de assistir e percebemos que os principais são: “assistir
em grupo e assistir com alguém que tem o mesmo aprendizado” e “ver tudo ao
mesmo tempo”. Esses diferentes modos de assistir apontam que assistir a filmes
não se restringe apenas ao cinema e se interliga por diferentes contextos de suas
vidas.
Assistir em grupo com colegas da turma agrega o sair junto, o assistir a um
filme escolhido coletivamente por eles, ir ao cinema e conversar sobre o visto. No
depoimento, a jovem expressa sua preferência por assistir acompanhada:
Ah, tem! Com certeza tem diferença [ver filmes acompanhada]. Porque eu acho que
sozinho não tem graça, né? Tem que ouvir a opinião dos outros. Eu gosto de ouvir a
opinião dos outros. Eu gosto de saber o que a pessoa tá pensando. Discutir é ótimo!
Mas discutir num sentido bom. Ver o que a pessoa acha, o que a pessoa não acha.
(Estudante 3)
Eu já me dei mal por causa disso por que eu já tentei ver filme com alguém que
não entende do que a gente tá falando. E eu sou o tipo de pessoa que quando eu
aprendo alguma coisa eu fico naquilo o tempo inteiro, então eu vejo um filme e fico:
‘Caraca, ângulo aberto, ângulo não sei o quê...’, aí a pessoa pergunta: ‘O que você
tá falando?’, e eu: ‘Não, nada não, um negócio aí’. Eu tentei ver filme com o meu
namorado, mas não deu. Ele desistiu de ver filme comigo porque eu falava mais dos
ângulos que da própria história do filme, e o final do filme eu não gostei, podia ter
terminado de outro jeito. E ele: ‘Ah, eu gostei do filme, eu não reparei em nada não’.
‘É claro que você não reparou em nada, só repara quem tem aquela prática’.
(Estudante 1, grifo da autora)
Esses dias eu fui falar com o meu irmão, que ele está morando longe, daí eu fui pegar
uns filmes com ele e tinha um filme que ele baixou: Scott Pilgrim, é um filme de um
livrinho, eu acho que é um Mangá, não lembro. Aí é um filme muito doido, cheio de
coisa louca, ele tem que derrotar os sete reis malignos, que são os sete ex-namorados
da garota que ele quer ficar, aí eu comecei a rir do filme, achei legal, e perguntei:
‘Onde você baixou?’. (Estudante 5)
4 Para Lemos (2005), as três leis da cibercultura são: a livre emissão da comunicação; a conexão em
rede que a tecnologia propicia; e a reconfiguração de sentidos que os sujeitos fazem ao interagir com
interfaces variadas.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1 O projeto Cine CCH realizou-se durante sete anos no Auditório Paulo Freire do CCH da Unirio sob
a coordenação da prof.ª Adriana Hoffmann. Esse projeto foi realizado de 2010 a 2016 e foi o campo
de pesquisa desste estudo e de outros realizados no grupo de pesquisa Comunicação, Audiovisual,
Cultura e Educação (CACE) como as anteriormente apresentadas neste livro. Thamyres, uma das au-
toras deste capítulo foi participante do projeto, bolsista e depois realizou uma monografia que está
resumida neste artigo a partir das conversas com os sujeitos do projeto.
| 55
Em tempos de culturas midiáticas, é impossível pensar as relações e práti-
cas humanas sem a presença de artefatos audiovisuais. Percebe-se com cada vez
maior intensidade o caráter intrínseco que essas mídias assumem nos modos de
existência na contemporaneidade, na medida em que elas perpassam e se entre-
laçam continuamente às nossas experiências e vivências cotidianas. Em meio ao
extenso repertório midiático, o cinema se constitui um desses meios significativos
que certamente desempenha papel relevante na vida social e cultural das pessoas.
Dentre as ações pedagógicas e coletivas desempenhadas pelo cinema, des-
taca-se o papel dos cineclubes como ambientes favoráveis à socialização e difu-
são cultural. Entende-se que a dinâmica de reunir grupos para assistir e debater
filmes pode se constituir em uma prática fundamentalmente educativa que se
consolida pela criação de espaços de “significação e ressignificação de conhe-
cimentos variados”. (SILVA, 2009, p. 146) Desse modo, este capítulo traz o Cine
CCH como campo de investigação e apresenta as falas tecidas ao longo de entre-
vistas com alguns dos frequentadores do projeto a fim de perceber os sentidos
que esses participantes atribuíam ao cinema no processo de formação acadêmi-
ca que atravessavam. Trata-se de um resumo de alguns dos achados da pesquisa
no cineclube que também deu origem a outros artigos anteriores. (FERNANDES,
2010; FERNANDES; DALETHESE, 2015; FERNANDES; RIVAS; MAIA, 2012)
O projeto Cine CCH realizou-se vinculado à Escola de Educação da Unirio
e, ao longo das sessões, percebeu-se que mesmo recebendo diferentes públicos
de outros cursos como Música, Teatro, História, Engenharia etc. era do curso
de Pedagogia o público majoritário em praticamente todas as exibições. Talvez,
consequentemente, pela maior divulgação entre seus estudantes e professores.
Portanto, foi com base nos cadernos de assinatura na entrada das sessões do ci-
neclube que levantou-se o número médio de participantes por sessão, entre 80 e
100 participantes. A partir desse critério, foram selecionados e convidados para
entrevistas dez estudantes desse curso, pela assiduidade e expressiva participa-
ção nas sessões do Cine CCH.
2 Foram realizadas ao final do ano de 2012 cerca de 10 entrevistas com frequentadores assíduos do Cine
CCH até aquele momento, as quais nos permitiram ampliar a percepção das relações construídas com
“Cinema é um acontecimento” | 57
parecem reconstruir suas trajetórias de vida permeadas pelo cinema, reconhe-
cem o papel relevante do outro – de um parente próximo, de amigos – na forma-
ção dessas tramas, como apontam as falas seguintes:
Eu sempre gostei muito de cinema, sempre fui envolvida de alguma forma. Quando
eu era criança, assim, eu ficava perturbando o meu pai, ia na locadora toda sema-
na, alugava os mesmos filmes toda semana, aquela coisa de criança. Um hábito lá
em casa. Porque bem ou mal meu pai me levava toda semana na locadora, a gente
ia, alugava os filmes. (Vanessa)
Eu nasci numa família que ia periodicamente ao cinema, então quando eles iam
eles me levavam. Então, na minha infância eu ia pra esses filmes que tão em cartaz,
infantis, Disney, essas coisas, eu sempre ia com os meus pais. Depois que a gente se
desprende desse núcleo familiar, de programinhas tão familiares e, digamos, mais
próprio da infância e da criança, eu comecei a ir ao cinema, claro, por conta pró-
pria e fui diminuindo um pouco o ritmo. (Igor)
Eu lembro que, pequena, uma vez minha mãe levou a gente ao cinema para poder
ver Xuxa (risos). Todo mundo, eu e minhas irmãs pequenas indo ver Xuxa. A lem-
brança que eu tenho melhor da minha infância no cinema. E depois eu já lembro
muito vendo filme, que lá em casa todo mundo gosta muito de ver filme. (Sinara)
o cinema ao longo de suas trajetórias de vida. Optamos por trazer seus nomes originais, tomando
esses sujeitos também como autores e autoras desse projeto.
“Cinema é um acontecimento” | 59
determinada cena, há uma tentativa de ser novamente tocado, de apreender o
efeito produzido outrora. Mesmo na impossibilidade da experiência se repetir,
é preciso sempre um reencontro que reafirme as emoções, sentidos e afetos pro-
vocados naquele encontro.
A partir das referências cinematográficas que aparecem nas entrevistas
como filmes que mais gostam ou que mais lhe marcaram, como os próprios su-
jeitos dizem, os filmes são concebidos como produtos culturais que, na intera-
ção com os espectadores, se constituem consumidores e produtores singulares e
múltiplos de culturas de cinema. Tal como Larrosa (2002) conceitua o sujeito da
experiência como território de passagem, o espectador se define pela disposição
e receptividade para ser atravessado pelo filme que assiste. Assim, penso que,
quando dizem que algum filme lhes marcou, os sujeitos admitem a condição de
entrega e abertura para serem transpassados pelo filme e nele transpassar.
Outro ponto relevante que surge na maioria das entrevistas é a distinção
entre filmes fora do circuito industrial e filmes comerciais que apontam para
uma forma significativa de consumo, como compreendem e se relacionam com
filmes. Algumas denotam certo desprezo pelas produções hollywoodianas ou
comerciais, apresentando esse tipo de critério para discriminar filmes bons e
filmes ruins.
“Eu tento me informar mais sobre esses filmes alternativos porque eu não costu-
mo gostar muito do que está passando nas salas. Eu amo cinema, mas não gosto de
ver Lanterna Verde, Hulk, Batman”. (Mariana) “Como a gente mora afastado desse
eixo zona sul/centro, lá perto de casa é difícil a gente ter filmes mais assim... É mais
pastelão, blockbuster. Então, meu namorado, às vezes tá com preguiça de ir pra lon-
ge e aí a gente vai ver, sabe, esses filmes. E aí eu acho um saco”. (Vanessa) “Quando
eu digo ‘ir ao cinema’, não necessariamente numa sala de cinema com essas apre-
sentações de filmes hollywoodianos que também não são os que mais me apetecem,
mas algo alternativo, né? Estação, Cine Santa, deixa eu ver... Arteplex”. (Tiago)
Percebe-se como a criação desses valores é decisiva nos modos de escolher e
avaliar filmes, constituindo assim uma forma de ser espectador. Duarte (2009, p.
64) aponta que a criação dessas categorias repousa numa “concepção de cinefi-
lia” com a qual os sujeitos tendem a valorizar produções que abordem temáticas
mais complexas, produções experimentais e fora do grande circuito comercial
que envolvem também práticas de pesquisa e investimento intelectual sobre
cinema.
É uma espécie de ritual, né? Um ritual de você ir ao cinema, de estar ali no coleti-
vo, partilhando daquela experiência de ver aquele filme, enfim, tem todo um ritual
que em casa não tem. (Tiago)
Cinema virou um lazer um pouco difuso. É um pouco disperso hoje em dia, na mi-
nha experiência atual. Não sei se cabe falar aqui, mas eu baixo muitos filmes na
internet [fala rindo com certa ‘vergonha’], acho que não cabe, né? É pra falar de
cinema? Eu baixo muitos filmes em alta definição, coloco no meu HD externo, assis-
to o filme e a experiência é outra. Não digo nem que é melhor ou pior, mas é outra
experiência. (Igor)
“Cinema é um acontecimento” | 61
gar do acontecer” são termos que o autor utiliza para se referir ao sujeito no
qual a experiência passa. Isso supõe que a experiência não é o acontecimento,
mas o que torna o sujeito vulnerável a habitar acontecimentos. Sendo assim, o
acontecimento é sempre exterior a nós, algo que não resulta das nossas ideias,
projeções, vontades e poderes. Nesse sentido, a prática de ir a salas de cinema
é sentida e tratada pela maioria como ocasião especial, “um ritual” como disse
Tiago, que não deve ser reduzida a uma situação corriqueira. A noção do cinema
como acontecimento repousa nesse entendimento de escapar temporariamente
dos regulamentos e linearidade da vida cotidiana e se lançar ao que está fora de
nós, abrir em si um caminho para que o novo e inesperado ganhem passagem.
A gente está na universidade, só lê texto, vira uma coisa maçante, não que isso seja
chato, também adoro ler. Mas também é tão legal ir numa aula, diferenciar, em vez
de ler, ver um filme. A gente está ganhando tanto quanto, aprendendo tanto quan-
to, mas de uma maneira diferente, de outra forma de expressão. (Mariana)
Uma vez eu falei isso lá na Unirio, diante dos professores, uns adoraram, outros
ficaram com a cara meio torta, mas eu falo. Eu posso estar totalmente enganado,
mas é meu ponto de vista! Eu acho que o cinema é um... Não gosto da palavra dispo-
sitivo, mas na falta de outra eu vou falar: é um dispositivo formativo privilegiado.
E qual é a crítica que eu faço? Que na universidade, na Unirio, no curso de Pedagogia
mesmo, muitos professores, a despeito de ter uma discussão de cinema no curso de
Pedagogia não entendem, do meu ponto de vista, o cinema como essa possibilidade
de formação. Ainda tem – isso do meu ponto de vista – um ranço de achar que o
cinema é pra discutir a matéria. Porque vai quando o filme tem a ver com a minha
disciplina, se não tem, vou perder o tempo da aula, como se a aula garantisse a pes-
soa discutir questões... Entendeu? E aí você perde uma experiência que é formativa
do ponto de vista estético, do ponto de vista ético, e do ponto de vista epistemológico
mesmo. (Tiago)
“Cinema é um acontecimento” | 63
Eu não iria evitar em citar o próprio filme numa dissertação, num trabalho. Eu
já fiz isso! Uma música, alguma obra de arte... Por que não um filme? Então, se eu
estou assistindo um filme na universidade que possa ter me tocado e que eu posso
fazer uma relação com a minha vida e com a minha pesquisa, com o que eu leio, por
que não? Eu acho que a gente tem que ter o livre arbítrio e a universidade tem rom-
per... Não romper, apenas, com alguns modelos, mas deixar com que a própria vida
entre na formação. E quando começa a pesquisa, será que você não pode trazer um
pouco do que você vê, do que você faz atualmente para a pesquisa? (Igor)
Faz parte, da universidade, da escola, da nossa vida como um todo. O cinema tam-
bém é uma forma de aprendizagem. As pessoas não enxergam dessa forma. E a gen-
te está aprendendo, está crescendo, amadurecendo. (Sinara)
É uma arte, né. É uma leitura, uma construção, uma linguagem que o homem fala
do seu cotidiano, do que afeta, dos seus incômodos, inventa, inventa tanta coisa...
É muito bonito. Tem a literatura que já é uma loucura, né, e o cinema... então!
A gente aprende muito com o cinema. (Lucia)
Eu acredito que ele (cinema) deve ser incorporado na universidade de uma forma
planejada e sistematizada mesmo, mas sem com isso perder a participação coleti-
va, espontaneidade, atendendo a demanda das pessoas. [...] Até porque, por exem-
plo, na faculdade de Pedagogia, sobretudo, você vai trabalhar com professores e o
professor para desenvolver uma demagogia da leitura, ele tem que ler. E, hoje em
dia, você já tem que ler, ler o mundo, você lê diversas linguagens, inclusive cinema.
Então, o professor nos processos de letramento de mundo é ideal que ele trabalhe
com o audiovisual porque as crianças estão sendo bombardeadas por isso o tempo
todo. Então, assim, é bom que tenha isso, em ter espaço sistematizado para você
enriquecer a sua experiência com o cinema, é importante. (Aghatha)
“Cinema é um acontecimento” | 65
O leitor, a Janela da alma e Carregadoras de sonhos foram três filmes em que a
professora deixou a gente ir assistir o filme e discutir depois em sala. Ela pediu pra
gente assistir, fazer uma relação com a disciplina. Sobre a questão da leitura e da
escrita. Discutir um pouco o filme, o que a gente compreendeu e como a gente enxer-
garia, como a gente poderia se situar naquele contexto da menina que não sabia ler
e pedia pra outra pessoa ler. (Igor, grifo nosso)
Tinha disciplina que você conseguia negociar: o professor não vai, mas deixa que
você vá, e tem outras que não dava pra negociar e aí não tinha jeito. No início, era
porque era disciplina. As disciplinas pediam pra levar, pra ir. Depois eu comecei a
gostar. Assim, vivendo na experiência mesmo de ver o filme e depois discutir sobre o
filme, aí comecei a gostar. Alguns professores não levavam, mas aí eu falava que ia,
eles deixavam e eu ia. E quando não deixavam... Teve dois... Teve uma vez que uma
professora disse que não podia abrir mão da aula, eu tinha direito a falta, faltei.
E acabou! (Tiago)
A professora sugeriu que a gente assistisse. Porque na verdade, professor não leva,
ele sugere. Tem gente que assina (caderno de presença) e foge, né. O aluno não fica se
não quiser, por isso que eu disse que não leva. Ele assina, foge, entra e sai pela outra
porta. Eu fui para participar do debate porque eu acho interessante essa coisa do
filme com debate. (Lucia)
É claro nesses relatos como o papel do professor que permite a ida ou sugere,
nas palavras de Lucia, uma determinada sessão do Cine CCH para seus estudan-
tes se mostrou fundamental para a entrada desses sujeitos no projeto, mesmo
que seja em favor de sua própria disciplina. Como projeto de extensão, o Cine
CCH não possui vínculo com qualquer disciplina específica dos cursos ofereci-
dos pela Unirio, apesar do caráter articulador com práticas de ensino e pesquisa.
Dessa forma, quando há o desejo de estar presente em algum filme e debate, os
estudantes também sugerem a seus professores que levem a turma, ou, como diz
Tiago, criam argumentos e estratégias para negociar.
Já Aghatha e Mariana demonstram outro aspecto de envolvimento com o
cinema que revela o interesse e curiosidade em vivenciar uma atividade nova na
universidade, uma experiência cineclubista.
É uma coisa que estava faltando, uma coisa que eu acho maravilhosa e que estava
faltando. Tudo de bom! Ela faz sessões de cinema, não com filmes de cinema que
Eu gosto dessa coisa de ter esse espaço na universidade porque há um tempo não
tinha. É uma que eu sinto falta na universidade, é falar de questões atuais ou ques-
tões que não são ligadas à educação. Então no Cine CCH, nos debates, eu vou pelo
filme também, que eu gosto de ver filme, mas nos debates, eu acho que essa coisa
não que venha ser tão forte assim, mas às vezes eu consigo falar mais sobre o que
está acontecendo hoje em dia do que só o mundo à parte e sobre outras coisas. Eu
posso debater sobre outras coisas e que a gente não fala na sala de aula ou na uni-
versidade. (Isis)
Eu acho interessante se criar esse espaço. Se a gente for pensar nisso, a gente não
tem espaço na Unirio que se utilize de outra forma. E o Cine CCH é mais ou menos
isso, é uma opção de você estar na faculdade e você debater, não é só assistir o filme
e ir embora. É você discutir sobre alguma coisa, não necessariamente na sala de
aula, não necessariamente sobre educação. Discutir outras coisas que são impor-
“Cinema é um acontecimento” | 67
tantes também. Aí se trata da questão da universidade, né, que é faculdade-pesqui-
sa-extensao-ensino, né. Não é só ensino, não é só sala de aula. É utilizar o espaço de
diversas maneiras. (Juliana)
Tudo o que acontece na universidade faz parte da minha formação. Às vezes a gen-
te acha que não, que são coisas isoladas, um evento que a gente participa, um filme,
ou uma oficina. Está tudo ligado, é o processo de formação da gente como estudante
Você discute com pessoas que você conhece, outras que você não conhece, e sem-
pre surge uma questão nova, que te faz pensar, e isso me motivou a ir ao encontro.
Porque se for só pelo filme, eu não sei se eu iria. Não vou nem dizer que eu gosto dos
debates, porque a gente não sabe como vão ser, mas a possibilidade de ter o debate.
Eu mesmo quase não participo, mas ouvir o outro... (Igor)
Sinceramente, a parte que eu mais gosto (os debates) – sem contar o filme, que é
uma experiência ótima. Mas eu gosto muito dos debates. Porque você tem a possibi-
lidade de compartilhar pontos de vista, ouvir o ponto de vista do outro que, muitas
vezes, te mostra ou te convida a pensar em uma coisa que você nem tinha pensado.
Agora, claro que tem aquelas pessoas que falam umas coisas que você fica arrepia-
do. Né? Eu fico arrepiado, me dá um frio na espinha, mas faz parte, é lidar com o
outro, né, com a diferença. (Tiago)
“Cinema é um acontecimento” | 69
Os relatos tecidos ao longo dos debates podem ser entendidos como narrati-
vas criadas a partir das marcas provocadas pelo filme. No movimento de narrar
e escutar, os sujeitos dialogam, aprendem, refletem e compartilham suas expe-
riências trazidas com os filmes. Afinal, o filme nunca é um lugar fechado em si,
mas habita possibilidades e experiências. Os olhares que se revelam em narra-
tivas são abertos e receptivos ao outro, assim, ao narrar e escutar a experiência
com o filme se recria. E é exatamente isso que se denota pelos entrevistados, a
busca, nos debates, de outro sentido com o filme, a possibilidade de ampliar as
tramas na relação com o que foi exibido.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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COMUNICAÇÃO, 29., 2006, Brasília, DF. Anais [...]. São Paulo:
Intercom, 2006.
Semente de ecrã 3
Fonte: Ludmila Duarte (2020).
“Cinema é um acontecimento” | 73
4
Jovens youtubers:
novas aprendizagens
L uc in ei a B at i s t a
INTRODUÇÃO
“O que você tanto assiste aí nesse computador, filho?”. Foi observando meus fi-
lhos assistindo diariamente a vídeos que me aproximei do tema. Eram vídeos de
toda sorte: mangás, cômicos, animações de jogos... Desse universo, o que mais
me chamou atenção foram os vídeos produzidos por outros jovens, inclusive
mais novos do que eles. “Garotos produzindo vídeos e assemelhando-se a pro-
dutores culturais de mercado, divulgando-os e tendo audiência considerável?!”.
Orozco-Gómez, já em 2010, refletia sobre o processo de midiatização da socieda-
de, no qual tornamo-nos todos simultaneamente audiências e produtores nas di-
ferentes telas e plataformas. Esses jovens iam além do costumeiro: consumiam,
produziam vídeos e publicizavam sua produção para uma audiência ampliada,
que chegava a ter centenas e até milhares de visualizações, algo impensável há
pouco anos atrás, antes do advento da internet 2.0.
Quem seriam eles? Que produções seriam essas? O que os levaria a fazer
esses vídeos e com que recursos? Como aprenderam a produzir audiovisual?
O que pretendiam e o que ganhavam com isso? Essas foram questões que levaram
aos eixos norteadores minha pesquisa de mestrado Jovens youtubers: autoria e
aprendizagens contemporâneas, que realizei no Programa de Pós-Graduação
| 75
em Educação (PPGEDU) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio).1 (BATISTA, 2014)
No âmbito da educação, embora convivamos dia após dia com adolescentes
e jovens em sala de aula, ainda pouco se conhece sobre suas vidas fora da escola
e sua presença no mundo contemporâneo – modos de ser e de viver. Há muitos
discursos e representações sociais, que formam mitos acerca da juventude, que
repetimos sem nos darmos conta dos conceitos e preconceitos que neles estão
embutidos.
O certo é que os jovens não constituem uma classe social ou um grupo:
compõem-se em agregados sociais com características continuamente flutuan-
tes (CARRANO, 2007), não facilmente capturáveis. A condição juvenil é dada
a “cada tempo e lugar, em função de fatores históricos, estruturais e conjuntu-
rais, que determinam as vulnerabilidades e as potencialidades das juventudes
(ou dos diferentes segmentos e agrupamentos juvenis)” (NOVAES, 2007), numa
perspectiva coletiva, social e familiar. Mais do que a dimensão biológica, ser jo-
vem é viver uma experiência geracional comum. (NOVAES, 2008) No entanto, o
que muitas vezes não nos damos conta é que toda experiência geracional é inédi-
ta, ou seja, só sabe o que é ser jovem hoje, quem é jovem hoje. Não devemos usar
a nossa juventude de outros tempos e circunstâncias como referência.
Na contemporaneidade das sociedades urbanas interconectadas, as vivências
e as expectativas da atual geração de jovens parecem ser mais complexas e me-
nos previsíveis do que as das gerações que a antecederam, visto serem largamente
atravessadas pela experiência massiva do consumo e da comunicação, na nossa
sociedade hoje tão tecnificada e midiatizada. No entanto, os jovens vivem essas
experiências em diferentes graus de profundidade e imersão a depender de fato-
res sociais e individuais. Temos de levar em conta suas múltiplas dimensões de
socialização locais, sem esquecer que eles também estão submetidos a processos
globais transnacionais, desterritorializados, facilitados pela técnica e pelas tecno-
logias, vivendo novas formas de sociabilidade com as quais convivem e modificam
os modos tradicionais da relação cotidiana, em um ambiente de consumo global
que produz uma cultura remix, caracterizada por hibridismos de toda ordem.
Essa reflexão representou um grande desafio para a pesquisa. Há uma ur-
gência que a Educação se aproxime mais da experiência geracional da atual
1 Para os que se interessarem, outra vertente dessa pesquisa foi publicada em revista. Ver: Fernandes e
Batista (2016).
2 Na pesquisa em rede, a partir dos contatos diretos ou indiretos de uma pessoa, chega-se via seus
inter-relacionamentos à outra pessoa situada dentro da rede. (BOTT, 1976 apud DUARTE, 2002)
Jovens youtubers | 77
OS JOVENS YOUTUBERS E SEUS CANAIS: UM ESPELHO DE
SI?
Jovens youtubers | 79
lidade. André Lemos (2009) observa que, neste momento de embaçamento de
fronteiras, há o surgimento de novos modos de territorialização no mundo digi-
tal, com seus ícones, artes, apresentações, títulos, endereçamentos transmidiá-
ticos, símbolos de distinção, que transbordam para outros “lugares” na internet,
como as redes sociais ou os perfis criados para seus personagens. Entendi que
este seria o caso, pelo qual disputavam presença, notoriedade e reconhecimento.
Os jovens declararam também intenções de se divertir e de divertir aos ou-
tros (seu público), mostrar o seu trabalho, “o que ele fez” ou o que tiveram acesso.
Eu gravava para mostrar pras pessoas que quisessem ver. Era só gravar e mostrar
como é que jogava o jogo tal, como é que passava de tal parte. E tentar entreter as
pessoas comicamente. (Mizu)
Isso são coisas que a pessoa não vai ter acesso, mas eu tenho, então, eudou um jeito
de permitir que a pessoa veja como é que é. [...] Eu tenho autoridade naquilo que eu
faço. (Tet)
Como educadora, eu tinha uma curiosidade muito grande em saber como apren-
deram a fazer vídeos e me perguntava se a escola teria tido alguma participação
nesse processo. Não, não teve.
Jovens youtubers | 81
E o legal é que a gente é muito parceiro, muito, muito. A gente se fala todo dia.
A gente conversa, a gente zoa, a gente causa, é engraçado. A gente não se conhece,
mas se fala bastante. Eu fiz um teste pro meu clã de sniper, aí, ele entrou contente.
Pô, aí, a gente ficou muito amigo, muito amigo mesmo. (Renan)
Foi selecionado para o tal clã pelo que sabia, sem nenhum outro tipo de
barreira, social, étnica, etária, geográfica etc. Renan, filho de classe média alta,
morador de Santos, São Paulo. Lucke, da Baixada Fluminense, pai motorista de
caminhão e mãe, costureira. Gabriel, de Pernambuco, tem no Renan sua refe-
rência, era um dos seus milhares de inscritos. Renan nem sabia de sua existên-
cia. Renan alegava ter aprendido muito sobre edição com o Lucke, que aprendeu
vendo tutoriais e correndo atrás do inglês, auxiliado por uma prima. Como Lucke
fez edição de vários vídeos para o Renan, em contrapartida, colocou o ícone do
canal de Lucke na sessão “canais parceiros”, aumentando as chances de visua-
lização deste. Gabriel conheceu Renan por meio do Bobcutback, um dos jovens
que foi influenciado diretamente por Renan a abrir um canal, pois era seu amigo
pessoal e estudavam juntos. Gabriel fez uma arte do canal para o Bobcutback
de graça. E assim, nessa intrincada rede, um ia ajudando e aprendendo com o
outro, por meio de dicas e da cópia de procedimentos, estratégias de divulgação,
organização etc. Também na solução de problemas que não conseguiam resolver
sozinhos. Aprendiam em rede de cooperação e colaboração.
Nelson Pretto (2010) destaca essas redes ponto a ponto – peer-to-peer: rede
entre pares, rede entre amigos – que se formam na cultura digital. Elas têm em
sua base a produção e a circulação colaborativa, por meio das quais partilham as
produções e seus conhecimentos. Nesses poucos meses em que acompanhei es-
ses jovens, soube ou mesmo vi essa colaboração acontecer de diferentes modos:
um fazendo para o outro, um enviando link para o outro aprender, dando dicas
sobre como resolver uma situação, fazendo junto, fazendo uma parte junto, in-
terferindo no processo do outro e dando ideia, acionando o amigo no que ele era
bom etc. Para tal, usavam os recursos das ferramentas de comunicação disponí-
veis: Facebook, Skype, Twitter, Team Speak, YouTube.
Também vi ações cooperativas (BELLONI; GOMES, 2008) nas quais dois
ou mais youtubers colaboravam para um projeto comum, como aconteceu com
Lucke e Renan nos projetos de vídeos em que trabalharam, um criando e o outro
aprimorando a edição. Ou, como no caso de Mizu ou Hoxton, levando amigos
Jovens youtubers | 83
Também enfrentavam o dilema entre atender ao pedido do público, o que
significaria manter e, até mesmo, ampliar suas visualizações e inscritos, ou aten-
der aos próprios desejos, pois nem sempre ambos coincidem. O público pres-
sionava. “O canal é de quem?”. Renan esbravejava: não queria fazer mais vídeos
de bugs! Mizu havia parado de fazer gameplays do Naruto havia mais de ano:
cansou, mas sua audiência continuava pedindo e assistindo aos antigos, aumen-
tando suas visualizações. Aos poucos, iam aprendendo lidar, cada um a seu jeito.
Sempre observando as reações do público iam chegando a algumas conclusões
do que dava certo. É um eterno repensar e reconquistar o público, que nunca
é 100% previsível. Isso é um fenômeno de toda produção cultural, que implica
num elevado grau de incerteza no nível da demanda, já que não é possível prever
o êxito ou o fracasso. Na internet, as práticas e preferências revelam-se ainda
mais heterogêneas, ecléticas e cambiantes. (SANTINI; CALVI, 2013) Um vídeo
pode “bombar” em visualizações e outro semelhante ser um retumbante fias-
co. Ficavam intrigados, levantavam hipóteses. Uma coisa que logo aprenderam
foi a se tornarem responsáveis com o seu público: assumiam compromisso com
ele. Preocuparam-se em esclarecer, por exemplo, quando não tinham tempo de
postar um vídeo novo, por conta das provas escolares. Postavam um vídeo expli-
cativo. Percebiam-se, progressivamente, como comunicadores, vetores de infor-
mação, o que era muito recompensador e melhorava a imagem que tinham de
si – produtores culturais: youtubers.
O desafio a que a pesquisa se propôs não foi pequeno e nela encontramos uma
riqueza de aprendizagens e de bons pontos para reflexão. Considero que a me-
todologia de trabalho foi acertada, pois propiciou que pudéssemos, ainda que
temporariamente, mergulhar nas redes de relacionamentos formadas entre eles.
Também permitiu que os protagonistas pudessem contar suas próprias narrati-
vas com detalhes e iluminassem aspectos que, de outro modo, poderiam ficar
despercebidos.
Os sete jovens em foco cresceram em um ecossistema cultural mediado pelo
consumo e pela onipresença das mídias, convergentes em sua maioria – no qual
as fronteiras entre o natural e o artificial, o tradicional e o novo, a realidade e a
ficção se confundem; em que as interações virtuais são tão ou mais significativas
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em qualquer ambiente de aprendizagem, especialmente na escola. Como seria
seu comportamento no ambiente escolar? Será que eram assim tão aguerridos e
motivados? Praticavam a colaboração e a cooperação para avançarem nas ativi-
dades escolares? Compartilhavam o que aprendiam, dando acesso aos demais ao
que descobriram? Será que seus professores ofereciam essas oportunidades de
desenvolverem essas competências e habilidades?
É uma riqueza de oportunidades educacionais que passa ao largo das esco-
las. Das discussões e experiências que se dão nas brechas, nos intervalos do al-
moço, no recreio, todos com o celular na mão twittando, postando, fotografando,
navegando e conversando... Muitas dessas conversas, questões e modos de fazer
poderiam ser trazidos para a sala de aula. Nenhuma das escolas dos sete jovens
investigados, de diferentes regiões do país, aproximou-se da experiência vivida
por eles ou considerou o aporte que poderiam trazer para os demais. Ficou a
pergunta: por quê? Que fatores ou elementos afastam os educadores de enxergar
a potência que ela pode representar? Fatores pessoais, culturais, institucionais
ou todos simultaneamente? O que gera esse descompasso entre a vida familiar e
a vida escolar? O que poderíamos fazer para superá-lo?
REFERÊNCIAS
Jovens youtubers | 87
NOVAES, R. Trajetórias juvenis: desigualdades sociais frente aos
dilemas de uma geração. In: FÉRES, M. J. V. Textos complementares
para formação de gestores. Brasília, DF: Programa Nacional de
Inclusão de Jovens – ProJovemUrbano, 2008. p. 42-52. Disponível
em: http://www.projovem.gov.br/userfiles/file/formacao/Textos%20
Compl%20Formacao%20Gestores_FINAL_baixa.pdf. Acesso em: 12
fev. 14.
Onde não há tudo, mas onde cada palavra, cada olhar, cada gesto
tem fundamentos.
(BRESSON, 2005, p. 31)
AUDIOVISUAL NA ESCOLA
| 89
No campo da educação, muitos autores têm questionado de que forma as
novas tecnologias podem se integrar a um projeto pedagógico realmente ino-
vador. Com o acesso cada vez maior, principalmente de crianças e jovens aos
meios digitais, nos colocamos hoje em um patamar diferente enquanto recepto-
res. Orozco (2010, p. 16) diz que, na “condição comunicacional contemporânea”,
temos, pela primeira vez na história, a oportunidade de interagir de maneira real
com os produtos midiáticos, graças à interatividade que o digital permite, e não
apenas de maneira simbólica como era anteriormente, na dimensão analógica,
em que a atividade das audiências não se manifestava de maneira visível. Agora,
temos a possibilidade de “desconstruir comunicacionalmente” os referentes mi-
diáticos, podendo, enquanto audiência, ressemantizá-los, destruí-los e recons-
truí-los, tanto materialmente como informacionalmente. Por isso, Orozco (2010)
ressalta que um dos grandes desafios que hoje se apresenta é o desenvolvimento
de competências comunicativas para sermos, enquanto audiências, não ape-
nas receptores, mas também produtores e emissores. Ele afirma a necessidade
de uma política comunicacional-educativa que busque fortalecer as capacida-
des de produção comunicativa dos cidadãos: “Porque assim como não se nasce
receptor de TV ou rádio, mas torna-se um, também não nascemos emissores,
transmissores ou criadores, temos que aprender a sê-lo”.1 (OROZCO, 2010, p. 17,
tradução nossa) Sibilia (2012) sugere que a escola do século XXI deve ser um es-
paço capaz de ensinar aos alunos estratégias que deem sentido e transformem
em experiência o grande fluxo de informações e operações disponibilizadas pe-
las novas tecnologias.
Nesse contexto, os usos desses aparatos tecnológicos estão cada vez mais
vinculados à imagem, que parece ser o principal meio de comunicação, seja na
propaganda, nas notícias, nas histórias narradas – filmes, novelas, seriados tele-
visivos – e na internet – sites, redes sociais. Pode-se dizer que vivemos, hoje, uma
audiovisualização da nossa cultura, impactando as relações que as crianças têm
com o conhecimento, pela presença da imagem em seu processo de formação.
(FERNANDES, 2010)
Diante dessa realidade, Duarte e Alegria (2008) apontam ser fundamen-
tal oferecer às novas gerações a formação que necessitam para viver e pensar
1 Texto original “Porque si bien como receptor o televidente o radioescucha no se nacía, sino que se iba lle-
gando a ser, como emisores y transmisores, como creadores, tampoco se nace, hay que aprender a serlo”.
PEDAGOGIAS DA ANIMAÇÃO
2 O Projeto Anima Escola há 18 anos leva o cinema de animação, através de cursos e oficinas, para alu-
nos e professores de escolas públicas e particulares de diversas cidades do Brasil. Na rede municipal
de educação do Rio de Janeiro, já chegou a mais de 2 mil professores e 10 mil alunos.
Pedagogias da animação | 91
Os professores que se inscrevem nessa etapa do projeto e se propõem a rea-
lizar um filme com seus alunos são, portanto, os condutores desse processo de
criação de animação na escola. A partir do aprendizado técnico sobre a lingua-
gem da animação, ensinado durante os cursos de capacitação para professores
do Anima Escola, o que criam esses professores com seus alunos? Durante esse
processo de criação, estariam os professores construindo uma pedagogia? É
possível percebermos semelhanças e diferenças entre as possíveis pedagogias
criadas pelos professores? Como os professores atuam como narradores nesse
processo? Essas foram as principais questões colocadas para a pesquisa.
Pensar sobre a possível criação de uma pedagogia da animação, por parte
de professores que realizam filmes de animação com seus alunos na escola, foi
o objetivo principal da pesquisa. O termo “pedagogia da animação”, inspirado
na pedagogia dos cineastas,3 surge do pressuposto de que há gestos pedagógi-
cos nos modos de fazer cinema e que cada professor desenvolve uma pedagogia
própria a partir das escolhas feitas durante o processo de criação dos filmes de
animação com seus alunos.
Para refletir a respeito da criação das pedagogias da animação, foi funda-
mental saber quem são esses professores, ouvi-los sobre como realizam a pro-
dução dos filmes de animação com seus alunos, buscando entender os funda-
mentos das “palavras, olhares e gestos”, como cita Bresson na abertura deste
texto, utilizados na criação das diversas etapas desse processo de realização de
animação na escola. Foi preciso olhar para diferentes aspectos relativos à cria-
ção dos filmes de cada professora, observando as regularidades, os elementos
privilegiados, suas fontes e critérios. Tais fundamentos do fazer delas carregam
narrativas e experiências, assim como vão constituindo uma pedagogia/modo
ou forma de contar.
Entendendo a pedagogia da animação como as escolhas feitas durante o
processo de produção de filmes de animação e os gestos pedagógicos existentes
nesse “fazer”, foi possível perceber ao longo da pesquisa que cada professora
tem a sua própria pedagogia da animação, criada a partir de diferentes experiên-
3 A pedagogia dos cineastas é uma proposta da Adriana Fresquet e Anita Leandro da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de buscar o que há de pedagógico no processo criativo dos cineastas.
A pedagogia de Abbas Kiarostami foi discutida durante a disciplina Pedagogia dos cineastas cursa-
da por Joana Milliet, em 2012, e lecionada pela professora Adriana Fresquet no Programa de Pós-
-Graduação em Educação da UFRJ.
- Temas das animações - Materiais utilizados: alunos vivem / visão de - Busca por trabalhar
dialogando com a sucata, recorte, mundo dos alunos. o artesanal e o
literatura – liberdade de massinha. tecnológico.
“caminhar dentro da
obra”.
Como pode ser observado no Quadro 1, um dos aspectos de análise nas pe-
dagogias das professoras foi a forma de escolha dos temas para as animações.
Olhando, por exemplo, para o conjunto de filmes já realizados pela Alessandra,
professora de sala de leitura, com seus alunos, percebemos que os temas eram
bem variados, alguns inspirados em livros e outros ligados a assuntos estudados
em sala de aula com os alunos, como animais que habitam a savana, o pintor
Picasso e a Copa do Mundo. Quando questionada sobre a escolha dos temas,
Alessandra disse que procura fazer do trabalho com animação algo que não seja
estritamente ligado aos projetos da escola.
Pedagogias da animação | 93
Figuras 1 – Brinquedos óticos:
flipbooks
Fonte: arquivos de pesquisa.
Pedagogias da animação | 95
Figura 5 – Imagem do filme Voo,
inspirada no livro de Picasso
(Alessandra)
Fonte: adaptada de Anima Escola
(2013).
Bergala (2008) diz que o cinema tem que entrar na escola como um elemento
de caos e desordem, justamente para se contrapor ao lugar da ordem, da regra e
do didatismo presentes na escola, como nos relata Alessandra. Sendo esse ele-
mento perturbador, o cinema tem a possibilidade de estar na escola enquanto
arte e promover o encontro com a alteridade. Esse encontro com o outro, com
o que é diferente, também aparece na fala de Alessandra, quando ela diz que a
escola precisa das relações – proporcionadas por momentos como o de produção
de animação –, pois acredita que é isso que fica na memória, na experiência dos
alunos. “Ver o encantamento nos olhos dos alunos” nada mais é do que construir
uma experiência que “fica” na dimensão apontada por Benjamin (1985). Como
ela diz: “afinal, o que você lembra dos seus professores?”. O que marca a experiên-
cia deles, alunos, faz parte da pedagogia de Alessandra.
Outra professora pesquisada, Amália, também responsável pela sala de leitu-
ra, aponta como um dos desafios de fazer animação na escola a organização do
tempo escolar e a necessidade que as atividades entrem nesse planejamento, ten-
do que se encaixar em tempos de 50 minutos e atenderem concomitantemente
todos os alunos da turma. Para conseguir dar atenção e trabalhar com pequenos
grupos, algo que na pedagogia da animação de Amália aparece como fundamen-
tal, ela e as professoras com quem trabalha em parceria precisam atender aos alu-
nos em seus horários de Centros de Estudos,4 fora do tempo das aulas.
Uma das formas que Amália encontrou para conseguir fazer filmes de ani-
mação na escola mesmo com a falta de tempo, foi trabalhar em parceria com
outros professores, como os regentes das turmas e a professora de artes, que aju-
dam na confecção dos personagens e cenários. É assim que busca tempo para
que “algo nos aconteça” na escola:
Aquela professora da turma que você acompanhou no ano passado entrou mara-
vilhosamente bem no projeto, aí vai muito mais fácil. Então depende também de
com quem você está trabalhando, como está aceitando. A professora de artes é uma
que há anos faz junto, então isso auxilia à beça. Ela também cansa de pegar centro
de estudos dela para pegar as crianças para fazer material para as animações [...]
Não tem um horário em que você possa fazer isso com os grupos, então isso atrapa-
lha. Ele [o projeto de animação] não entra tão naturalmente assim dentro do plane-
jamento como deveria ser, que seria muito mais enriquecedor. Infelizmente ele não
entra mais assim. (Amália)
Pedagogias da animação | 97
Figura 6 – Alunos da Amália produzindo o filme Sonho, em 2012
Fonte: arquivos de pesquisa.
Tatiana reafirma, a partir de sua prática, o que destaca Orozco (2010) sobre o
fato de que não nascemos emissores e criadores de audiovisual, mas precisamos
aprender a sê-lo e a escola tem também esse papel. Segundo Tatiana, o consu-
mo de mídias – internet e TV, principalmente – dos alunos não garante o co-
nhecimento sobre a forma de se produzir o movimento na animação. Ao mesmo
tempo, ela destaca que a partir do momento em que eles são introduzidos a esse
universo rapidamente ganham autonomia para realizarem sozinhos as cenas
dos filmes:
Ficava um aluno responsável porque eu dava aula nos outros tempos e tinha isso, eu
praticamente deixava eles sozinhos, eles faziam animação sozinhos. Eles já sabiam
fazer tudo. Durante a aula, eu ia lá, corria pra ver como é que estava. Mostravam
pra mim, ‘aí professora tem que tirar isso, isso e isso’, já sabiam até as cenas que
tinham que tirar. Então vamos tirar e agora vamos ver o roteiro, o que está faltan-
do? Cena quatro, cena cinco, cena seis. Eu ia lá dava uma olhada, mas eles eram
autônomos, sabiam o que fazer, entendeu? [...]
Tinha maquiadora, tinha cabeleireira, a que fazia as roupas, a que carregava as
coisas, cada um tinha uma responsabilidade, tem que delegar senão você enlou-
quece. (Tatiana)
Pedagogias da animação | 99
Figura 8 – Imagem do filme A Família Real na Maré com os alunos da Tatiana caracterizados
na Baía de Guanabara
Fonte: adaptada de Anima Escola (2008).
Figura 9 – Cena do filme Jasmin, a princesa da Maré. A arquitetura de Paris, desenhada pelos alunos
Fonte: adaptada de Anima Escola (2011).
Porque eu via na internet as pessoas falando que faziam filmes trash e eu falava,
nossa isso parece com o que eu faço na escola, a gente tem que improvisar, a gente
pensa numa coisa e tem que usar outra, é o material que tem e as ideias vão surgin-
do a partir dali. Até isso é legal também porque entra um elemento novo, o acaso.
Eu acho essas coisas interessantes. Você saber trabalhar com aquela dificuldade
que surge, né? Está faltando isso, mas a gente pode usar aquilo. Então já surge uma
ideia nova, são coisas boas numa situação de aprendizagem, de desenvolver isso
neles, e na gente também. Eu acho que o tempo todo a gente ensina e aprende, né?
A gente aprende fazendo aquilo ali, a gente vê muita coisa nova que vai surgindo
deles e que eles passam para a gente e a gente passa pra eles e vai saindo. Eu acho
isso muito legal! E essa questão mesmo que eu falei, que eu chamo de trash, porque
o cinema trash tem aquela coisa muito do acaso, não é só por ser mal feito. Porque
o cinema trash é conhecido por ser mal feito, mas o que eu acho legal é a situação
que a pessoa precisa resolver. Não tem sangue cinematográfico? Coloca ketchup!
(Imaculada)
Essa experiência de conhecer uma nova forma de arte faz parte do modo
como Imaculada define sua pedagogia. Como professora de Artes, ela se posicio-
na sobre sua crença na potência de “fazer animação” enquanto experiência artís-
tica, dialogando com Bergala (2008, p. 31), que defende em sua hipótese-cinema
que a arte não pode ser concebida pelo aluno sem a experiência do “fazer”: “a
arte não se ensina, mas se encontra, se experimenta, se transmite por outras vias
além do discurso do saber, e, às vezes, mesmo sem qualquer discurso. O ensino
se ocupa da regra, a arte deve ocupar um lugar de exceção”.
Imaculada vê seu trabalho com animação, assim como Bergala (2008) tam-
bém aponta, acima de tudo como uma experiência que os alunos devem viven-
ciar e que, como sabemos por Benjamin (1985), é capaz de tocar e transformar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
O PARDAL distraído. [S. l.: s. n.], 2011. 1 vídeo (1 min). Publicado pelo
canal imaculadacon. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ZTkVy-a_uAE. Acesso em: 3 ago. 2018.
O PINTOR da série: (animação trash 2). [S. l.: s. n.], 2011. 1 vídeo (3
min). Publicado pelo canal imaculadacon. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=xOQJHPTQm3I. Acesso em: 3 ago. 2018.
Margareth O leg ár i o
Ad riana Ho ffm ann
INTRODUÇÃO
| 109
por dar acesso, de forma profissional, aos que não podem ver o que hoje circula
nas muitas telas da atualidade.
Algumas das questões que fizeram parte da investigação são: que ideia de
cinema teriam os jovens que não o enxergam? Como pensar sobre um cinema
para os que têm acesso ao som mas não a imagem? Seria essa uma outra forma
de entender o cinema?
Tal experiência assemelha-se ao que foi vivido por vários dos depoentes do
filme brasileiro Janela da Alma de João Jardim e Walter Carvalho de 2001. O fil-
me, já em seu título, alude à frase de Leonardo da Vinci: o olho é a janela da alma,
o espelho do mundo. Essa visão de que só se tem ideia do mundo pelo ver é algo
que nos traz questionamentos. Os diretores do filme tem o desafio de nos fazer
pensar sobre isso. Para tanto, entrevistaram pessoas de diferentes países e com
diferentes profissões para refletir sobre o que é a visão na experiência de cada
um deles. Os entrevistados no filme tem diferentes graus de visão indo desde
a cegueira, com maior ou menor acuidade da visão, ao uso dos óculos de grau.
Os depoimentos do filme nos desacomodam e nos fazem pensar sobre o que ve-
mos e como vemos. O filme nos faz perceber que – mesmo tendo visão – nem
sempre vemos com os olhos. Nos deparamos no filme com o depoimento de Win
Wenders que nos diz que prefere “ver enquadrado” para ver menos e ver melhor
e com falas como a de Hermeto Paschoal que diz ver com sua vista embaçada o
que a maioria não vê. A visão torna-se algo que não é apenas a imagem mas algo
que se constrói com as imagens ou que se diz ou se faz com elas. O filme nos faz
questionar nossa relação com a visão e a funcionalidade do olho na percepção
do mundo ao redor.
Nesse sentido, um exercício importante na pesquisa realizada foi o que vi-
veu uma das autoras deste capítulo – Margareth Olegário – que, por ser cega de
nascença, encarou o desafio de rever sua experiência com os filmes para poder
– a partir dela – perceber a experiência dos sujeitos da pesquisa.
Como Margareth Olegário, cega de nascença, viveu e entendeu até hoje os
filmes? Como construiu essa relação com a TV, o cinema e os audiovisuais de for-
ma geral? O que é acessível ou não a ela? Como faz suas escolhas do que assistir
e como busca entender o que assiste? O que a estimula a querer assistir algo ou a
continuar assistindo e o que a faz desistir de tentar?
E, afinal: como esses jovens que são cegos ou com baixa-visão se relacionam
com filmes que passam na TV e no cinema? De que forma eles tornam-se ou não
Desse modo, esses jovens cegos vivem essa experiência com o princípio da
alteridade de forma extrema, entendendo que dependem da alteridade, ainda
mais do que nós, como forma de localizarem-se e atuarem no mundo em que
vivem. No entanto, dialogando com Larossa, pensamos que essa alteridade que
não sou eu é a alteridade que me permite ser mais eu e, no caso dos cegos, é a
alteridade que os faz ver como eu percebo e crio minha imagem a partir do ouvir
da imagem dita pelos outros.
CONTANDO FILMES
Havia crianças que recebiam dinheiro de seus pais para irem ao ci-
nema, e preferiam vir para a minha casa (ouvir contar o filme), fazer
uma doação mínima e gastar o resto em bobagens. E muitos adultos
analfabetos, quando o filme era ‘com letras’, escolhiam ouvi-lo con-
tado por mim em vez de ir ao cinema e não entender nada. E descobri
também que tinha gente que vinha me ouvir, não porque não pudes-
se pagar a entrada do cinema, mas porque gostavam de verdade era
Nesse trecho do livro A contadora de filmes (2012), Hernan Letelier nos conta
que a personagem principal mora numa localidade onde se tem pouco acesso
aos filmes exibidos no cinema. Devido a isso, o pai faz uma eleição entre todos
os filhos para ver qual deles será o contador de filmes, ou seja, aquele que vai ao
cinema e depois conta o filme aos demais da família. A personagem contadora
ganha essa eleição e toda semana conta um filme começando a ganhar notorie-
dade dentro da comunidade. Esse contar dos filmes de que o livro fala revela
que trata-se de um momento coletivo de narrativa na dimensão de que nos fala
Walter Benjamin (1994) ao falar sobre o narrador tradicional, que reconta o que
viu pela narrativa oral. O narrador é aquele que narra entremeando a narrativa à
sua experiência vivida, algo que a menina do livro aprende e faz bem ao narrar os
filmes. Passa a narrar as partes que mais lhe agradam esquecendo-se das demais
e o contar de cada filme ganha uma interpretação própria da narradora. Como
narradora, torna-se uma fazedora de ilusões para alguns que buscam suas his-
tórias no lugar dos filmes, apontando como o contar é parte desse viver e desse
estar junto.
Foi por pensar em situações como essas que nos questionaram se esse contar
filmes não poderia ser uma forma de tornar os filmes acessíveis aos jovens cegos.
Será que esses jovens conseguiriam entender o que a personagem conta dos fil-
mes de forma acessível?
Importante pensar como um jovem cego teria acesso à parte visível da con-
tação – ou seja – as caras e bocas da contadora e seus trejeitos, os objetos usados
para contar, as vestimentas e outras informações visuais que muitas vezes não
nos damos conta de que fazem também parte do contar... Refletir sobre o acesso
que se tem pelo ouvir do outro, pela alteridade, demanda também pensarmos
AUDIODESCREVENDO FILMES
Trecho de audiodescrição
Nesse trecho, Menezes nos faz pensar sobre como seria adquirir conheci-
mentos pelo sentido da audição. Trata-se do debate empreendido pelo autor em
torno da cultura do ouvir. Que espaço de interlocução poderia ser esse criado
prioritariamente a partir do ouvir como é a experiência dos jovens cegos?
Durante a pesquisa nos momentos de exibição dos filmes com e sem audio-
descrição, percebemos a diferença nesse processo de recepção. Alguns filmes
exibidos sem audiodescrição e sem alguém que conte a eles o que ocorre nas
imagens tornam-se completamente inacessíveis a esse público. Eles passam a
fazer da relação com as imagens uma relação de adivinhação do que deve estar
se passando e, com o tempo, desinteressam-se por tentar entender o que ocorre.
Também deve ser por motivo semelhante que foi percebido ao longo da pes-
quisa que os jovens cegos costumam ter pouco acesso a materiais de filmes e au-
diovisuais. A maioria costuma ter acesso apenas por passeios feitos pela escola e
contatos pela família. No seu cotidiano, veem TV ou assistem a filmes em geral
com a ajuda de uma pessoa próxima para contar o que acontece a eles. Fato se-
melhante ocorreu na experiência de Margareth. São poucos os locais que exibem
filmes com audiodescrição.
Na escola, os jovens da pesquisa apontaram que foram a eventos com esse
recurso e viveram algumas sessões com audiodescrição dentro da pesquisa.
Perguntamos a eles sobre como perceberam as diferenças e suas percepções
de assistir a um filme com e sem audiodescrição. De que modo percebem essas
diferenças?
Algumas das falas dos jovens aqui trazidas apresentam as tensões existentes
nessa relação: “[...] no filme tem como escutar com audiodescrição, aí você vê me-
lhor”. (I) “Ah... Esses filmes assim do cinema é sem audiodescrição. E quando sento
lá atrás, eu não vejo o que tá passando, meu irmão tem que ficar contando pra
mim”. (J) “Eu vejo mais rápido (sem audiodescrição). Sei lá. De repente aconteceu
Menezes (2008) questiona: de que forma uma cultura do ouvir contribui para a
passagem de sociedades de informação para as futuras sociedades de conheci-
mento, nas quais além de controlar ferramentas o homem crie novos conteúdos,
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1 Identificados no texto com o nome de seus personagens favoritos, por motivos burocráticos determi-
nados pela escola em que a pesquisa foi feita.
2 Uma conversa com Gustavo Fischman. Esse artigo foi realizado pelas autoras Sandra Kretli da Silva,
Tânia Mara Zanotti Guerra Frizzera Delboni e Jaqueline Magalhães Brum, no ano de 2015. Além de
pesquisas com infância e desenhos animados feitas por Adriana Fernandes (2005; 2007; 2012), Raquel
Salgado (2006; 2012) e Analice Pilar (2005).
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prio grupo de sujeitos com o qual pesquisei, além da organização de encontros
nos quais realizamos algumas atividades e conversamos sobre diversos temas re-
lacionados às questões da pesquisa. O desejo de pesquisar juventude e desenhos
animados surgiu de um movimento percebido dentro da escola em que trabalho
e foi fomentado por uma vontade de encontrar nesse grupo uma continuidade
de pesquisas realizadas com crianças anteriormente – que consideramos mes-
ma geração desses sujeitos – como na pesquisa de Fernandes (2012). Pensar em
jovens e desenhos animados, hoje, é também refletir sobre uma relação construí-
da em um tempo de canais exclusivos para desenhos, e o aumento na produção
dessas mídias para TV e cinema nos últimos anos. Nesse diálogo com a pesquisa,
tive como referencial teórico autores dos estudos culturais latino-americanos,
que me ajudaram a refletir sobre cultura e as relações dos sujeitos com a mídia
e a tecnologia.
As leituras transcritas dos encontros com os jovens apresentaram muitas
possibilidades de eixos para as análises. As falas surgidas no contexto da pes-
quisa entremeavam-se, algumas complementavam-se, outras destacavam-se.
Percebemos, então, o tempo como linha de guia e união para a construção das
reflexões que se seguem. Trago aqui um olhar dos jovens sobre o tempo a par-
tir de suas vivencias com os desenhos animados: “tempo livre”, “falta de tem-
po”, “cursos da vida”. E é desse eixo da pesquisa que apresento meu olhar neste
artigo. Destaco que, para preservar a identidade dos jovens sujeitos da minha
pesquisa, optei nomeá-los por nomes de personagens de desenhos animados.
A escolha dos nomes foi feita pelos próprios jovens e, portanto, cada nome de
personagem que aparece no texto refere-se a um jovem participante da pesquisa
tal como Katara, Ash, Dexter etc. como poderão ver a seguir.
Assistir a desenhos, para os jovens com os quais pesquisei, era uma ativida-
de comum do tempo em que não estavam na escola. Essas falas – “desenho era
a minha vida” e “eu não fazia mais nada, só via desenho – nos dão a ideia de que
esses jovens, quando crianças, não tinham tempo ou que o tempo fora da escola
era todo ocupado com desenhos. No entanto, é preciso relativizar que essas falas
ditas pelos jovens são “modos de dizerem” que gostam muito de desenhos e que
se ocupavam muito com os mesmos.
Nas oficinas realizadas, surgiram os mais diversos temas, desde as conver-
sas sobre as memórias da infância até a falta de tempo de um vestibulando. Os
encontros trouxeram para esta pesquisa um convite para pensar no tempo. Por
isso, sentimos a necessidade de pensar e refletir um pouco sobre esse tempo fora
da escola, que era preenchido por brincadeiras e desenhos animados. Um tempo
tratado por eles como uma continuação de suas atividades diárias, as quais, pri-
meiramente, não se tinham referido em nenhum momento como tempo livre ou
de lazer, mas, sim, como o tempo depois da escola.
Para esse tempo fora da escola, farei uso do conceito de “tempo livre” ba-
seando-me no sociólogo francês Joffre Dumazedier. Para Dumazedier, Lima e
Ansarah (1994, p. 48), tempo livre é “um tempo que a sociedade, num determina-
do momento de suas forças produtivas, pode liberar para o sujeito social fora dos
tempos socialmente marcados pela obrigação ou pelo compromisso”, e esse tem-
po seria uma conquista dos sujeitos, um espaço de autonomia e aprendizagem.
O momento de “caminhar sem rumo” (DUMAZEDIER; LIMA; ANSARAH, 1994,
p. 49), o tempo de lazer e da imaginação. Esse é um tempo organizado da ma-
neira deles. E sendo assim, aparecem diferentes maneiras de viver esse tempo.
eu via com meus pais às vezes também. Meu pai adora Coragem também. E bob es-
ponja também eu via. Mas eu gostava de assistir sozinho, era tipo o meu momento.
3 Com base um uma pesquisa anterior do Institut Français d’opinion Publique (Ifop), de 1973, que apon-
tava que o número de estudantes que abandonavam a escola por falta de interesse e tédio era maior do
que o número de estudantes que abandonavam por questões financeiras.
Você me disse que quer ser designer, que tem alguma ligação com isso? Você quer ser
designer pelo seu envolvimento com os desenhos? (Pesq)
Tem, talvez.... Eu acho que tem na questão do... tipo, quando eu era criança, eu
gostava de tentar desenhar os ... os desenhos que eu gostava, desenhar aquilo no
papel. Eu não conseguia muitas vezes, claro, mas eu ficava inspirado pra desenhar,
e querer desenhar e misturava os personagens... fazia minha história. (Ikki)
Sim, eu pegava um personagem de uma história e falava: esse aqui combina com
esse aqui, eles vão fazer um bom trabalho juntos. E aí eu criava minha história, e
eu achava isso bem interessante [...]. De vez em quando, eu pegava um boneco super
aleatório, um soldado, e ficava imaginando em um desenho e fazia minha própria
história. As coisas aconteciam mais na minha cabeça, eu nem mexia as mãos, às
vezes, só ficava imaginando [...].(Ikki)
A frase que nomeia esta seção traz a fala de Fiona, quando afirma que o tempo
não existe quando você é criança. Com essa frase simples e singela, a jovem nos
5 Fala de Thiago, aluno de uma escola particular. Fala contida no livro As crianças e os desenhos animados:
mediações nas produções de sentidos, publicado em 2012.
Fernandes (2012) reforça, com essa colocação, o lugar do lazer como lugar
de aprendizagem, e sua pesquisa, mesmo realizada nos anos 2000, pode dialo-
gar com o estudo de Dumazedier, realizado na década de 1980. Fernandes (2012)
apresenta também a relação com a TV, que é um espaço fora da escola, e, ain-
da, apresenta os desenhos animados como lugar de autonomia até mesmo do
mundo adulto (os pais). O que nos resta, dentro do contexto desta pesquisa com
jovens e neste estudo sobre o tempo, é perceber que para ser um pouco criança
é preciso se desvencilhar do relógio como fala uma jovem de minha pesquisa.
“Eu não pensava muito em tempo quando eu era criança. Porque não existe
tempo quando você é criança. Você não fica pensando, você não vê a hora, você
não cronometra. Você não racionaliza”. (Fiona) “É sempre a mãe que fala – Ah,
vem comer [...]”. (Scooby)
É sempre a mãe que tá avisando, você não racionaliza as atividades, eu acho, você
não sistematiza sabe? É justamente o meio adulto, a escola, as instituições sociais
que fazem você ir criando essa coisa... né? De dividir as atividades, de ter obriga-
ção. Quando você é criança você é livre. Você faz o que você quiser, quando você qui-
ser. Eu acordava de madrugada pra ver desenho, pra ver filme. Eu não tinha esse
senso de tempo. (Fiona)
Pela fala da jovem, o tempo, quando se é criança, é o tempo dado pelo adulto
quando diz que está “na hora disso” ou “na hora daquilo”. Falar que não tinha
“esse senso de tempo”, nos remete a alguns questionamentos: como essa racio-
Os jovens falam de não ter tempo e de ter que escolher prioridades. Essa
seria uma das formas pelas quais começam a construir essa noção de tempo?
Quando crianças, são os adultos que escolhem as prioridades da vida deles.
Podemos pensar que, ao poderem escolher quais são as suas prioridades, já de-
monstram que percebem como está sendo essa passagem para o mundo adulto.
O tempo e os usos que fazem dele marcam esse momento.
Agora que a gente tá em greve eu tenho tempo livre, rs. Mesmo estudando... por
isso até que eu estudo. Pra preencher meu tempo com o estudo. Mas eu coloco limi-
tes, claro! Eu faço atividade física. Mas quando eu tava na escola, quando a gente
tava tendo aulas normais, eu sentia que eu não tinha assim.... é muito sufocante
[...] (Fiona)
Além da escola, você acha assim que tudo no entorno, celular apitando toda hora.
As informações chegando mais rápidas, isso também gera uma diminuição do tem-
po? (Pesq)
Acho que sim, porque a gente não fica o tanto tempo no celular assim direto. Mas a
gente fica um pouquinho aqui, um pouquinho ali... de pouquinho em pouquinho,
a gente poderia estar fazendo outras coisas. É uma coisa que ocupa. E a gente fala
que não tem tempo mas a gente tem tempo pra pegar o celular e ver a mensagem
quando toca. Então eu acho que tem a ver com a velocidade das informações. É
muito fácil você ver qualquer informação na internet, você falar com qualquer pes-
soa. Então, fica tudo muito rápido. (Fiona)
6 Pesquisa realizada entre 2004 e 2014, publicada em 2015. Ver: http://www.ebc.com.br/infantil/para- pais/
2015/06/tempo-de-criancas-e-adolescentes-assistindo-tv-aumenta-em-10-anos.
Assim, todas as questões percebidas pela pesquisa que trago aqui, no con-
texto das temporalidades, apresentam esse lugar externo à escola do qual fala
Sposito (2003). Lugar esse que proporciona diferentes elementos que integram
os modos com os quais os estudantes interagem e interpretam a escola. Nesse
contexto, a forma de lidar com o tempo, se perceber e se colocar, baseado em
suas relações com as mídias – e aqui especificamente com os desenhos anima-
dos – trazem importantes questões para se pensar na escola nos dias de hoje.
A autora ainda nos traz uma importante questão sobre a escola e os espaços ex-
ternos a ela, e também, o que ela representa no cotidiano dos jovens. Ela diz que:
CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
Este texto traz um recorte de parte dos aspectos que surgiram em minha pesqui-
sa de mestrado em Educação. (DALETHESE, 2017) A pesquisa estava articulada
ao projeto institucional (FERNANDES, 2013) e teve como objetivo investigar as
práticas de consumo e produção audiovisuais de crianças na plataforma de ví-
deos YouTube. A questão principal da pesquisa foi perceber que sentidos cultu-
rais as crianças construíam nas interações com esse ambiente virtual.
Tomei o YouTube como foco do estudo ao perceber a importância que esse
ciberespaço assume nas interações das crianças com o audiovisual e com a cul-
tura em que vivem. Na complexidade de ambientes culturais protagonizados
pelas mídias, o YouTube se afirma como um dos espaços em que os saberes
construídos e compartilhados entre os grupos sociais vão sendo cada vez mais
estruturados pelo consumo de objetos e informações que circulam pelas redes
transnacionais e hipermidiáticas na contemporaneidade.
Para realizar essa pesquisa, busquei indicações de amigos, colegas de tra-
balho e trocas com o grupo de pesquisa pela metodologia da rede para selecio-
nar crianças que fossem atuantes no YouTube. A pesquisa reuniu sete crianças
interlocutoras entre 7 e 12 anos de idade, seis moradoras de diferentes regiões
da cidade do Rio de Janeiro e uma do município de São Gonçalo. As estratégias
| 145
metodológicas empreendidas foram encontros on-line e off-line com cada uma
delas. Busquei encontrá-las em seus ambientes domésticos e em seus canais
no YouTube. Nos casos das crianças que tinham canal aberto no YouTube, esse
meio serviu como fonte prévia de informações para a pesquisa. Das crianças in-
vestigadas, cinco tinham canais públicos no YouTube e duas não, mas tinham
intenções de publicar seus vídeos nesse site.
Diante das mudanças vividas pelas crianças e jovens nos últimos anos
(FERNANDES, 2010), percebe-se cada vez mais uma perspectiva da cultura atre-
lada à comunicação e, entende-se que, para perceber os processos interativos
entre crianças com o YouTube, é preciso olhar mais para o conjunto de media-
ções do que para seus conteúdos. (MARTIN-BARBERO, 1997) Partindo dessa
lógica, é que me proponho a apresentar alguns dos aspectos percebidos nas
produções, nos relatos das crianças e nos contextos de consumo e produção de
vídeos. Dentre os aspectos que as crianças apresentaram em suas produções e
relatos, trago no presente trabalho a perspectiva sobre o YouTube pela lógica do
espetáculo (SIBILIA, 2016) que atua como um dos mediadores nos processos de
consumo e produção de vídeos delas. Junto a isso, destaco os discursos autobio-
gráficos que caracterizam as novas modalidades narrativas que compareceram
com expressividade entre as crianças.
Essa frase é do primeiro vídeo que uma das crianças interlocutoras da pesquisa
publicou em seu canal no YouTube. Nele, ela anuncia o início do canal e justifica
o motivo que a levou a abri-lo: a vontade de ser uma youtuber. Burgess e Green
(2009) designam esse termo para sujeitos que são muito ativos no YouTube, mas
para as crianças são as novas celebridades da internet, pessoas que produzem
vídeos para o YouTube e ganham muita notoriedade nesse ciberespaço. Não à
toa, Talita faz essa associação entre ter um canal e ter fãs, pessoas que te sigam
e te admirem e pelas quais se deve zelar, como ela mesma diz. Eu desconhecia a
grande parte dos youtubers que as crianças citaram, mas para elas são como se
Eu acho interessante [ter um canal]. Eu vejo muito YouTube também. Aí, eu disse
‘Por que não ter um canal no YouTube?’ Eu posso ter um canal famoso também! Aí,
de repente surgiu. (Yuki)
Eu já parei pra pensar que o YouTube pode ser uma carreira. Pode ser um trabalho.
Tipo, fazer vídeo pro YouTube e eu ser famosa. Sei lá, ter fãs que gostam de você, que
te apoiam, que compartilham seus vídeos, que te ajudam. Acho que é muito legal.
(Talita)
Samara: Eu sei que falta muito, mas é um sonho né, conseguir a plaquinha do
YouTube!
Pesquisadora: Por que você acha que é legal receber a plaquinha do YouTube?
Samara: Porque eu acho que é o nosso trabalho né, a gente se esforçar, é o nosso
trabalho reconhecido, né! Tipo, como que tem a plaquinha de 100 mil, de 1 milhão
e de 10 milhões. A de 100 mil é de ferro, a de 1 milhão é de ouro e a de 10 milhões é
de diamante!
Como Samara aponta em sua fala, o YouTube premia os canais que alcan-
çam mais de 100 mil inscrições neles. Há um desejo em ampliar o quantitativo
de usuários inscritos em seu canal. Essa política do YouTube parece funcionar
Eu não ligo muito não para as visualizações. [...] Pras pessoas verem, pra gostarem
do meu canal eu faço vídeo de intro. (Isaac)
Percebe-se pela fala de Isaac como o desejo em atrair outros usuários para o
seu canal o leva a produzir e postar muitos vídeos que ele chama de “intro”, um
tipo de vinheta de abertura para suas produções. Ao mesmo tempo em que ele
subestima a estatística de vezes que seus vídeos foram assistidos, deixa trans-
parecer que há sim um esforço para assegurar a frequência de seus espectado-
res. Na verdade, a busca não é apenas pelo olhar alheio mas, sobretudo, para se
adequar, ser aceito socialmente por uma comunidade. No seu caso, o desejo de
pertencimento da comunidade de consumidores dos jogos Roblox e Kogama que
são os temas que dominam seu canal.
Diana foi a criança que trouxe com mais expressão a ideia de como as práti-
cas de consumo com o YouTube também dizem muito sobre as formas de legiti-
mar nossa expressão no mundo, de objetivar os lugares que anseiam pertencer.
Diana deixa claro que, se voltar a ter um canal no YouTube, quer ser da praia
dos youtubers que ela considera teens, pois abordam assuntos mais maduros para
crianças. No entanto, seus vídeos produzidos eram de temáticas diferentes como:
desafios, tutoriais de maquiagem, dublagens de música, histórias com bonecas bar-
bie e brincadeiras com os irmãos mais novos. Sobre esses vídeos, ela disse: “Eu vou
fazer uma coisa mais legal que as pessoas gostam de ver”. Para ela, publicar um vídeo
de uma brincadeira de desafio com os irmãos mais novos é dizer que ela consome
esse tipo de vídeo no YouTube. No entanto, como ela não se reconhece mais como
criança, como apontam suas falas, busca se distinguir dos irmãos mais novos.
Esse aspecto simbólico parte da hipótese de que “quando selecionamos os
bens e nos apropriamos deles, definimos o que consideramos publicamente va-
lioso”. (CANCLINI, 2010, p. 35) A construção da imagem on-line é uma constru-
ção da identidade que visa a uma aproximação de grupos de usuários de um lu-
gar ao qual ela deseja pertencer. Sobre isso, Sibilia (2016) faz um alento de que o
eu que se apresenta na tela são fragmentos selecionados, editados e reordenados
de si. As crianças selecionam fragmentos de si, de suas identidades e criam seus
mosaicos do que querem expor de si.
Se as crianças são motivadas pelo YouTube a produzir vídeos, elas esperam
entrar nas dinâmicas interativas desse ciberespaço e se situar na condição de
consumidores, produtores, seguidores e, logicamente, de “seguidos”. Para tanto,
é preciso fazer vídeos que atraiam audiências, em especial, aquelas que sejam da
sua comunidade de pertencimento.
Penso que, para as crianças, ter um canal significa se apresentar ao mundo,
ou pelo menos ao mundo que você gostaria de participar. E ter baixo rendimento
nesse ciberespaço é ser desaprovado pelo outro. Dialogando com Sibilia (2016),
entendo o canal como uma objetivação do eu. Cada obra são pedaços do show
performático que criam sobre si na web. Podemos entender que essa prática de
narração comum na contemporaneidade caracteriza uma forma de apresenta-
ção, uma performance de si já que estão criando um personagem. O que elas
Eu percebi que estava tendo comentários ruins por causa da qualidade do telefone,
aí agora eu voltei porque eu… Eu pretendo comprar uma câmera, ter tudo de filma-
gem, luz essas coisas, e tentar conversar com meu tio pra ele me ensinar a editar os
INTRODUÇÃO
Este capítulo tem como objetivo apresentar um recorte dos achados da minha
pesquisa de mestrado (SILVA, 2017) realizada dentro do projeto institucional.
(FERNANDES, 2013) O objetivo da pesquisa foi investigar os processos formati-
vos dos professores de Artes com o audiovisual. Para discutir essa relação entre
arte e audiovisual e o processo formativo dos professores, apresento uma refle-
xão que relaciona as duas áreas, mostrando o quanto são cada vez mais imbrica-
das na atualidade.
A proposta aqui é investigar as relações de experiência e formação com o
audiovisual que atravessam a vida e a prática do professor de artes. Vale ressal-
tar que o meu entendimento sobre audiovisual abarca os mais diversos suportes
disponíveis como o cinema, filmes baixados da internet, conteúdo acessado em
canais de vídeo – YouTube, Vimeo etc. –, a televisão, redes sociais – compartilha-
mento de vídeos no Facebook, Instagram, SnapChat, WhatsApp –, entre outros.
Para esta análise, terei como base as leituras feitas no grupo de pesquisa sobre
os estudos culturais latino-americanos – Canclini (2005; 2013) e Barbero (2002;
2013) – assim como autores que tratam das questões da arte e do audiovisual.
A pesquisa, de cunho qualitativo, num momento inicial, buscou ouvir e ana-
| 161
lisar as narrativas dos professores através de relato autobiográfico. Tive como
arcabouço teórico para esse momento o conceito de narrativa e experiência de
Benjamin (2012) e Larrosa (2002).
Quando penso a formação do professor de artes, consigo estabelecer um
paralelo com a concepção do “ser artista”. Ao artista associamos a genialidade.
Prefiro pensar no artista como um ser dotado de talento. Talento além da capaci-
dade de produzir algo fantástico, mas talento como a capacidade sensível de tra-
duzir plasticamente as inquietações que nele habitam germinadas por seu am-
biente cultural. Sendo a arte um dos elementos de construção de conhecimento,
cultura e identidade, penso de que forma o professor de artes “se constrói” com
as narrativas audiovisuais que permeiam sua vida.
Temos o professor de Artes Visuais como parte de uma estrutura em que ele
– indivíduo, professor, aluno, experimentador, produtor, consumidor, pensador,
Para Benjamin (2012), as palavras não são ingênuas, elas definem uma rela-
ção de essência entre a história, carregando-a com investimentos simbólicos. Ao
narrar sua própria vida, o narrador revisita suas memórias, seus marcos, suas ex-
periências, organizando-as de uma forma compreensível a ele mesmo e a quem
o ouve. Dessa forma, o narrador elabora e reelabora sua própria história, cria um
Nesse momento, minha intenção foi tratar das formações dos professores en-
trevistados pensando essa relação especificamente a partir de seus consumos
culturais para, dessa forma, pensar suas trajetórias.
Tenho aqui a intenção de abordar as múltiplas possibilidades formativas dos
professores, por isso uso o termo “formações” no plural, pois entendo que os su-
jeitos se formam em diversas instâncias que não se restringem apenas às acadê-
micas. As pesquisas de (FRANGE, 2009; LOPONTE, 2011; NEITZEL; CARVALHO,
2013; SOARES; ALVES, 2011; SOARES, 2010 entre outros) apontam para essa di-
reção de uma formação de caráter mais amplo, que entendem que todos os es-
paços são potências formativas. Recorro a este trecho de Luciana Loponte (2011,
p. 42, grifos da autora) para ilustrar esse entendimento:
1 A coleta dos dados se deu por entrevista presencial, gravada em áudio e transcrita pela autora. Os
professores assinaram uma autorização para participação na pesquisa relacionada à questão ética, na
qual eram esclarecidos sobre a possibilidade de as informações dadas poderem ser divulgadas nos
mais diversos meios e onde deveriam assinalar a opção de revelar seus nomes ou não.
[Filme] Geralmente eu escolho pelo enredo, né? Quando eu leio a sinopse ou en-
tão quando leio também algum comentário, alguma crítica, ou então... Pelo
diretor, pelo ator também. Varia. Exposição também, vai de acordo com as obras
que estão sendo expostas. O artista às vezes é um artista que é desconhecido por
mim aí me desperta interesse de repente pelo enfoque que tem a obra daquele ar-
tista e surge a curiosidade de conhecer e às vezes também é em relação ao trabalho
porque alguma coisa que eu estou trabalhando com alunos eu acho interessante
ver, ou então levar os alunos, então preciso ir antes pra conhecer, também varia!
(risos). (Sobre o que lê) Varia do momento e do interesse mesmo de ocasião, assim...
às vezes da necessidade também (risos). [...] Antes de eu entrar pra faculdade de
artes eu já visitava exposições. Não com a frequência que eu faço hoje, mas já visi-
tava, inclusive visitava às vezes com amigos, colegas de escola. Eu acho, (ênfase) eu
acho que tenha sido algo que foi despertado pela escola também. (Rosiane, grifos
nosso)
(Risos). Acho que não tem nenhum critério na verdade. A gente escuta de Adele a...
Sei lá, Smashing Pumpikins. [...] Tem coisas que acho que me atraem mais
que as outras de modo muito natural, [...] Eu acho que eu levo muito em con-
sideração o que falam sobre as coisas, então, por exemplo, se vai sair um filme
a primeira coisa que eu faço é ir no Google, digitar o nome do filme no Metacritic
que é um site que soma os índices de avaliação pra ver quantos pontos tem. Então,
tem uma relação com essa crítica muito forte. Tem uma relação muito forte
com o que as pessoas indicam. [...] Claro que eu tenho gostos, então, no campo da
música particularmente eu não sou muito fã de música brasileira, é difícil eu ou-
vir alguma coisa, mas eu já adoro música eletrônica, adoro músicas que envolvam
eletropop, rock, coisas assim. Adoro ouvir coisa ruim também, que é sei lá, Inês
Eu acho que sou muito de momento. [...] Eu tenho momentos que eu estou mais ro-
mântica, mais cult, tem momentos que eu estou muito aérea e aí nessa coisa do mo-
mento, às vezes rola uma busca mesmo de ‘ah, eu quero buscar uma leitura mais
mitológica, mais ligada à mitologia’. Ou eu quero buscar uma leitura mais ligada
à ficção. Eu sinto que eu tenho um pouco de momento. Mas eu sempre me vejo
buscando coisas que eu posso trabalhar com as crianças. [...] Então, às vezes,
eu estou trocando de canal na televisão e aí tá passando um desenho animado. Aí
eu paro, vou ler sobre o que é aquele desenho animado, quanto tempo ele tem e, às
vezes, eu começo a assistir ‘caramba, esse tema dá para trabalhar com os alunos’.
[...] Às vezes, estou passando de canal e vejo que dá pra linkar com alguma coisa, eu
paro de fato pra assistir. Mas a minha busca mais individual, fora da questão
do que eu posso usar na escola, eu acho que ela tem muito a ver com o momento,
e às vezes eu me forço a ver ‘ah, isso aqui é sobre arte’, então eu vou parar e
vou ver. Às vezes me prende, e às vezes não. Às vezes, eu acho chato e dispenso. Mas
eu tento sempre estar ligada na arte. [...] O primeiro (critério) é muito emotivo
mesmo, de exposição é muito emotivo: um artista que eu goste; um tema que
me interesse; às vezes eu nem sei direito quem é o artista, mas eu sei que o
tema é um tema do meu interesse, então eu pego e vou, faço um esforço pra
ir. E também que eu posso usar com os alunos. Tem um exemplo muito recente
que foi Frida Kahlo. Eu não sou muito fã, mas numa aula no PEJA eu resolvi falar
sobre ela e... Falei e senti um interesse muito grande dos alunos e por isso eu me
interessei em ir à exposição. Então dentro de arte tem a ver com isso: o afetivo
e o que eu posso trabalhar com os alunos. (Thaís, grifos nosso)
Pode-se notar que o consumo desses professores está associado a uma bus-
ca, como podemos perceber na fala da professora Thaís: “[...] eu sempre me vejo
Os alunos prestam mais atenção do que a projeção de imagens, tipo slide, Power
Point, o vídeo cria... O cinema tem essa coisa de todo mundo querer ver, debater,
E eu vejo ano passado, quando teve esse cineclube que foi um pouco mais intenso,
que tinha uma programação certinha, era gente de fora e era interessante que ela
tinha uma abordagem um pouco diferente da gente. Ela direcionava muito mais
eles do que quando são as professoras que estão acostumadas a fazer o cineclube,
elas direcionam menos [...] e aí a gente via uma mudança no comportamento do
aluno. Então, isso aconteceu em abril... Alunos que em fevereiro, março não que-
riam muita coisa com a vida, a gente tinha certa exigência, esses alunos mudaram
o comportamento até dentro de sala de aula, no horário diferente do cineclube.
REFLEXÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Atualmente, temos observado de perto diversas relações dos jovens com a ciber-
cultura. Nessas observações, as redes sociais são motivo de muitos debates e vá-
rias pesquisas e estudiosos vêm trazendo reflexões a respeito das redes, dos usos
e questões que elas nos trazem na atualidade. Alguns dos autores com os quais
dialogamos neste capítulo foram Nelson Pretto, André Lemos e Paula Sibília.
Este capítulo apresenta os achados de um estudo de monografia (DINIZ, 2016)
realizado no contexto do projeto institucional. (FERNANDES, 2013)
Entendemos, de acordo com Lemos (2004), que cibercultura é a cultura con-
temporânea, marcada pela circulação incessante de informações através das re-
des telemáticas, pela promoção de uma sociabilidade on-line e de uma espécie
de cultura de compartilhamento. (LEMOS, 2004) A interconexão mundial dos
computadores, e, acrescentamos, dos dispositivos de informação e comunica-
ção, dá início ao que Lévy (1999) chamou de ciberespaço, ou seja, esse espaço de
comunicação digital que abriga um “dilúvio” de informações e pessoas que não
só navegam nesse dilúvio mas também alimentam-no.
Discutimos a cibercultura como “fruto de influencias mútuas, trabalho coo-
perativo, de criação e livre circulação de informação através dos novos disposi-
| 179
tivos” (LEMOS, 2004, p. 16) um novo espaço de comunicação. Assim, alguns dos
princípios da cibercultura são a liberação do polo da emissão de forma coletiva e
em rede, a conexão generalizada e aberta e a reconfiguração cultural. De acordo
com Lemos (2005), a grande potência da cibercultura é a potência da conversa-
ção. Os três princípios apontam esse movimento de conexão e de troca coletiva
na produção e na recepção de conteúdos e mostram os desafios que uma mu-
dança dessa ordem pode trazer para os processos de aprendizagem baseados na
linearidade e sequencialidade como os vividos na escola.
Alguns autores como Pretto (2008), Lemos (2004; 2005) e Sibília (2012) dis-
cutem também o conceito de cibercultura relacionando o processo da educação
e das redes com as questões que o contexto atual abarca. Ao mesmo tempo em
que as redes trazem questões para a escola e tensões a partir da reconfiguração
pela qual a cultura está passando a partir da cibercultura, o processo educativo
nos ajuda nesse processo de reconfiguração. De acordo com Lemos (2005), a me-
táfora que mais se aproxima do estado social atual é a da sociedade em rede. Que
reconfiguração cultural seria essa pela qual passamos? Comunicar-se em rede
seria o novo modo de convivência atual?
“As redes constituem a nova morfologia social das nossas sociedades, e a di-
fusão da lógica das redes modifica substancialmente a operação e as conseqüên-
cias dos processos de produção, experiência, poder e cultura [...]”. (CASTELLS,
1996, p. 469 apud LEMOS, 2005, p. 6)
O infográfico a seguir mostra a profusão de redes que foram criadas desde
o início das comunicações, começando pelo telefone. Mesmo considerando que
várias redes sociais atuais, bem como as que já existiram e não são mais utiliza-
das, não estão representadas nesse gráfico, essa pequena mostra já nos faz per-
ceber como é crescente o surgimento de cada vez mais novas redes que ampliam
esse processo gerado e mantido no coletivo da rede de produção e circulação de
conteúdos.
O presente capítulo pretende apresentar parte dos dados de uma pesqui-
sa que foi realizada dentro do grupo de pesquisa Comunicação, Audiovisual,
Cultura e Educação (CACE). Trata-se de uma busca por entender melhor o que
pensam e fazem os jovens nesse acesso às redes, problematizando e refletindo
sobre os usos realizados em diálogo com os autores e teorias em estudo.
Nesse momento, temos como objetivo apresentar os dados produzidos em
entrevistas e questionários realizados com os jovens da faixa etária entre 11 e 15
Figura 2 – Indicador dos suportes mais utilizados pelos estudantes da pesquisa para acesso à internet
Fonte: elaborada pelas autoras.
A partir da análise das atividades que esses jovens apontam como mais fre-
quentes, podemos iniciar uma reflexão acerca do posicionamento desses jovens
com relação ao consumo de produtos culturais e à construção de conhecimen-
tos. Quais seriam os jogos que eles jogam? No relacionamento nas redes sociais,
seriam eles produtores de conteúdo? Esses questionamentos nos levam a pensar
se esses jovens teriam na internet relações muito distintas das relações que eles
estabelecem fora das redes.
Apesar de a maioria relatar ter acesso à internet em casa, cinco jovens en-
cararam a pergunta “por qual motivo você não acessa à internet?” como uma
pergunta desvinculada da pergunta relacionada ao acesso, indicando que es-
tar na internet para eles não se relaciona à facilidade ou à dificuldade de co-
nexão. Apenas dois disseram não ter vontade de acessar e outros dois disseram
ter medo, sendo que apenas um afirma não acessar por não ter condições para
acesso.
Figura 4 – Infográfico de nuvem de palavras relativo às respostas à pergunta: “o que é internet para você?”
Fonte: elaborada pelas autoras.
A famosa frase dita pelas famílias – “tome cuidado, não fale com estranhos” – às
crianças quando pequenas parece se perpetuar nos usos que os jovens da pes-
quisa fazem nas suas interações nas redes sociais. As falas a seguir apontam que
os entrevistados – em sua maioria – somente utilizam as redes sociais para in-
teragir com as pessoas que são do seu círculo de convívio cotidiano – família e
amigos próximos.
Os jovens da pesquisa referem-se a seus familiares e amigos quando falam de
seus usos das tecnologias digitais, e boa parte deles chega a afirmar que interage
exclusiva ou prioritariamente na rede com seus familiares e amigos. Podemos
perceber nos trechos de entrevista a seguir:
[...]
Entrevistador: Você tem perfil em site de rede social essas coisas assim? Facebook,
Instagram?
[...]
CC: Ah internet pra mim é pesquisa, pesquisar música, mexer no WhatsApp,
Facebook…
Dessa forma, C.C. aponta para transtornos que podem ocorrer no caso da in-
teração com pessoas que não são do seu círculo cotidiano. Usos indevidos ou ex-
posição não autorizada de informações compartilhadas, por exemplo, podem con-
figurar o que C.C. chama de “apurrinhação”. A autora Paula Sibilia (2012) fala da
“cultura da humilhação” vivida hoje nas interações nas redes sociais. Uma cultura
associada ao bullying em que, com qualquer passo em falso, se pode virar chacota
de um grupo e ser ridicularizado. Esse medo de sofrer com isso talvez seja o motivo
que leva alguns desses jovens a limitarem seu acesso apenas a pessoas próximas.
Ao mesmo tempo que a decisão de C.C. de manter contato apenas com seus
pais se baseie em experiências prévias, não podemos concluir que todos os jo-
vens que dizem interagir apenas com familiares e amigos tenham tido experiên-
cias ruins na interação com pessoas de outros círculos. E esse uso deles nos leva
a questionar: afinal, o que falam e trocam nas redes sociais apenas entre pessoas
do convívio cotidiano? Seria essa resposta dada pela maioria dos jovens da pes-
quisa uma forma de impedir o nosso conhecimento a esse universo mais íntimo
deles? O que significa estar em múltiplas redes e agir dentro delas priorizando
determinadas conexões, determinados nós mais pessoais ou privados?
Esses jovens – mesmo estando conectados à internet – parecem não co-
nhecer e viver os princípios da cibercultura de que fala Lemos. Isso nos mostra
Que reflexões essa descoberta inicial nos traz? O que podemos dizer a respeito
desses usos dos jovens olhando para o contexto social? Estarão esses jovens real-
mente tendo acesso à rede? A partir desses dados, já pode-se perceber que não
é a rede que determina a experiência do jovem, mas seus usos. A experiência
desses jovens é substancialmente diferente da de jovens youtubers, gamers ou
outros que constroem na rede novas experiências que dificilmente teriam fora
dela. Desse modo, os dados apontam que o “estar na rede” não é um diferencial
REFERÊNCIAS
Era uma vez uma atriz e artesã, graduada em Artes Cênicas pela
Unirio, que percebeu nas brincadeiras das crianças, após ouvirem as
histórias contadas por ela e quando se arriscavam na manipulação
dos cenários e personagens de pano criados a partir de livros infan-
to-juvenis, uma possibilidade fértil para desenvolver uma pesquisa
sobre as infâncias e seus modos específicos de recepção e produção.
Vislumbrou, na especificidade da linguagem dos tapetes de histórias
e no interesse das crianças por filmarem as brincadeiras e performan-
ces produzindo vídeos, um possível diálogo entre tradição e contempo-
raneidade. Uma questão emergiu: existe a possibilidade de alinhavar
um fazer artesanal a um fazer tecnológico? O que podemos considerar
sobre esses fazeres nas práticas das crianças?. (FOSSALUZA, 2018)
| 195
Figura 1 – Crianças interagindo com o tapete de histórias
Fotografo: Claudio Medeiros disponível no Blog Costurando Histórias (2011).
INTRODUÇÃO
| 211
CULTURA VISUAL, ARTE E CINEMA
Logo, a cultura visual foi entendida como um sistema composto por diversos
subuniversos, com diferentes agentes, objetos, processos de produção, difusão
e recepção de imagens e bens visuais. Dentro desse universo, o cinema tem um
local privilegiado no século passado e no começo do século atual, constituin-
do uma ferramenta marcante na construção de diferentes culturas do ociden-
te. Nele, residem os resquícios de diferentes artes e, por isso, a história da arte
está no próprio cinema. (AGAMBEN, 2015b; BORDWELL, 2013; CANCLINI; 2010)
A questão que decorreu desse ponto foi: que história seria essa? A resposta en-
contrada, através do estudo genealógico de Agamben (2013a) sobre a arte no oci-
dente, nos apontou caminhos para entender o cinema, a arte e a cultura visual a
partir de uma leitura que questiona o universo estético.
Agamben (2013b) aponta que o saber estético tirou da arte seu conteúdo históri-
co, que era construir a verdade, para colocar o juízo estético como a única forma
de julgamento artístico. Esse saber gerou um homem sem conteúdo, o artista que
agora só tem em seu gesto de criação, sem nada de concreto para trabalhar, o jul-
gamento do que produzir. Ao mesmo tempo, o estatuto da arte foi cindido, de um
O passado cessou de ser critério para a ação e para a salvação. Assim, não há
mais a possibilidade de ele ser atualizado, como acontecia nas sociedades tra-
dicionais, a cada ato de transmissão. Segundo Martins (2015, p. 75), “[...] o que
está em jogo, na modernidade, não é mais a transmissibilidade de algo, mas a
exacerbação de uma absoluta intransmissibilidade”, o que compõe assim uma
cultura visualista. (CAMPOS, 2012) Isto é, agora, o conteúdo a ser transmitido é
sobrevalorizado, apagando o ato de transmitir em si. É preciso, portanto, apro-
priar-se da condição histórica da humanidade, saindo da ilusão do tempo linear
para se resolver o conflito entre passado e presente. (AGAMBEN, 2013b)
Trazer a arte de volta à presença, retirá-la do reino estético, é uma missão
messiânica, que o próprio Agamben (2013b) entende não ser possível somente
através da arte, mas que essa deve fazer seu papel largando as garantias do ver-
dadeiro por um amor à transmissibilidade. O cinema talvez seja a linguagem ar-
tística com maior potencial de redenção. Como aponta Agamben (2007, p. 24), ao
1 Texto original: “is the memory of that which was not. This is also a definition of the cinema: the memory
of that which was not”.
2 Texto original: “Memory is, so to speak, the organ of reality’s modalization; it is that which can trans-
form the real into the possible and the possible into the real. Doesn’t cinema always do just that, trans-
form the real into the possible and the possible into the real?”.
3 Texto original: “all expression is realized by a medium—an image, a word, or a color— which in the end
must disappear in the fully realized expression”.
4 Texto original: “There are two ways of showing this ‘imagelessness,’ two ways of making visible the fact
that there is nothing more to be seen. One is pornography and advertising, which act as though there
were always something more to be seen, always more images behind the images; while the other way is
to exhibit the image as image and thus to allow the appearance of ‘imagelessness,’ which, as Benjamin
said, is the refuge of all images. It is here, in this difference, that the ethics and the politics of cinema
come into play.”
PROFANAR E EDUCAR
Diversos relatos apontam uma preocupação com o trabalho estar bem feito
ou não e demonstram uma enorme importância com o processo de produção.
A relação julgamento-nota, assim, foi modificada. Relação que podemos inferir
estar no processo de julgamento e culpa. Para Agamben (2014), o acusado em
um processo perde sua inocência, ele já é culpado e a pena é o próprio julga-
mento. Dessa forma, sendo já culpado, a absolvição não é inocência, “pois ela é
só o reconhecimento de um non liquet, de uma insuficiência de julgamento”.
(AGAMBEN, 2018, p. 38, grifo do autor)
Na educação, podemos interpretar que essa relação funciona como um dis-
positivo de subjetivação a partir da qualificação em valor do educando em rela-
ção ao seu desempenho em um trabalho, a partir do ponto de vista do professor.
5 Texto original: “[...] studying between friends who are in mutual apprenticeship to a sign”.
Mudando totalmente meu conceito formado ontem sobre o que é arte, hoje já penso
que nem tudo é arte [...] arte para mim está ligado à questão do que é belo para de-
terminada sociedade. O momento social histórico, político, cultural, e até mesmo fi-
losófico, interfere profundamente na concepção de beleza da mesma. (P.S. Caderno
Pessoal, 10 de fevereiro de 2017)
REFERÊNCIAS
Adriana Hoffmann
Daniela Fossaluza
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acadêmica de pesquisa abordando temáticas voltadas para as relações entre in-
fância, narrativas e mídias. Professora do Colégio Pedro II, atuando no ensino
fundamental.
Jamila Guimarães
Lucineia Batista
Margareth Olegário
Pedro Freitas
Thamyres Dalethese